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TRIANGULAR
ira da Cunha
culturais visuais.
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ec-RB€z
Apresentação
Ana Mae Barbosa........ 9
Parte I
Rita Bredariolli
3, I Oe
0 2010 by Autoras tripé em tripé: o caleidoscópio do ensino de dança
Isabel .. 52
Direitos para esta edição
4. Formação de Professor —
Perspectiva de Abordagem
Parte 11 Vera Lourdes Pestan da Roclla....................... .. .
248
1. Leitura de
3. Formação continuada de professores e a Abordagem imagens na Educação Infantil: imagens de arte em
sala de aula
Triangular de Ensino da Arte
Everson Melquiades Araújo Silva e Clarissa Martins de Araújo 161 Rosana Facllel de Medeiros............................. 285
4. Abordagem Triangular como pressuposto conceitual: 2. Propostas poéticas a partir do acervo da Pinacoteca do Estado
Percurso e experiências na elaboração curricular para de São Paulo
o Ensino da Arte no município de Concórdia/ SC Edilardo Mosaner Jr., Petra Sanchez Sanchez e Norberto Stori ..... .... 296
180
Rita Peixe.........................
3. Abordagem Triangular e Ensino Profissionalizante: a Arte
no contexto do Design
Parte 111 Donald Hugh de Barros Kerr Jr. (Goy) e Ruth Rejane Perleberg Lerm 312
Visuais da UCS
2. Fruir, contextualizar e experimentar como possível estratégia
Maria Helena Wagner 333
básica para investigação e possibilidade de diversidade no
ensino da Arte: o contemporâneo de vinte anos 6. Abordagem Triangular e as estratégias de um educador social
Lucia Gouvêa Pimentel........... 211
Lívia Marques Carva1110 e Jaqueline Alves Carolino................... 353
8 BARBOSA • CUNHA
minhas ex-orientandas de doutorado haverem respondido a chamada da Mostrei minha visão, mas não é o bastante. Há muitos usos da Abordagem
a
pesquisa e elaborado excelentes textos para este livro, modificando-a para Triangular que não conheço. Daí surgiu a ideia de fazer uma prospecção
mais aprofundada.
melhor ou dando conta de como a entendem.
Estamos, Fernanda P. Cunha e eu, iniciando uma pesquisa sobre a trajetória,
Foiconsultando a Internet durante a preparação da introdução da já
as modificações, as diferentes interpretações da Abordagem Triangular nos
mencionada 7. edição do livro A imagem no ensino da arte que me dei con-
seus vinte anos de operacionalidade.
ta da qualidade de inúmeras interpretações da Abordagem Triangular em
Pretendemos publicar um livro aceito por uma editora de grande circulação.
pesquisas para teses e foi isto que me animou a empreender junto com
Não se trata de um livro comemorativo, mas que dê a conhecer as principais
Fernanda Pereira da Cunha a pesquisa sobre os vinte anos de experimen- pesquisas, discussões, teorias em torno do tema, ferramenta, instrumento,
tação com a Abordagem Triangular. Trata-se de uma abordagem flexível.
como queiram chamar a Abordagem Triangular.
Exige mudança frente ao contexto e enfatiza o contexto. Como confirma
Além de capítulos ou artigos sintetizando teses, dissertações e monografias,
Nicolas Bourriaud, o contexto é cada vez mais importante para compreen- também nos interessam relatos de experiências e artigos que teorizem,
trabalhem ou discutam a Abordagem Triangular em qualquer área de co- continuada de professores, gerou o artigo deste livro escrito
nhecimento. Nem todos os artigos caberão no livro, mas Fernanda P. Cunha orientadora, Clarissa Martins de Araújo, uma educadora defen-
já criou um site onde publicará todos os artigos aprovados por uma comis- das Artes no Recife que muito tem feito pela Arte/ Educação na
são a ser constituída pelos principais estudiosos da Abordagem Triangular. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O artigo de Maria das
Vi tórias Negreiros do Amaral se baseia na sua atuação interdisciplinar no
Fernanda projetou com o aluno Leandro Araújo, da Universidade C
'
Reunimos as duas teses acerca da Abordagem Triangular geradas Sanchez Sanchez. Trabalharam com uma turma do Ensino Médio. E um
trabalho em museu, porém do ponto de vista da escola. Não foi possível
em uma Faculdade de Educação e em um programa de Didática na se-
gunda parte do livro designada "Das implicações com a pedagogia". A publicar textos sobre educativos em museus, por que tivemos de nos
tese de Fábio José Rodrigues da Costa foi defendida na Espanha sob a restringir a um razoável número de páginas. Entretanto, quero citar aqui
orientação do dr. Juan Carlos Araño e trata de formação inicial de docen-
Já de Everson Melquiades Araújo Silva, I. Neste artigo e neste livro, quando falamos de Arte estamos nos referindo a Artes Visuais.
tes. a tese que teve como tema a
14 BARBOSA • CUNHA
você está usando sua capacidade hermenêutica na Arte e recomendando-a hegemonia e na defesa da interculturalidade.
para o ensino da Arte". Paulo Freire me achava suficientemente analítica, Odeio ter de me defender, mas quero lembrar ainda que critico o
pois deu nota dez ao texto
que apresenta a Abordagem Triangular e a I )iscipline Based Art Education (DBAE), diversas vezes no livro A imagem
professora do grupo da Leda me condena à superficialidade sem ler o
no ensino da arte, portanto não confundam a Abordagem Triangular com
livro, eu garanto. Onde ela ouviu esta crítica infundada contra mim?
o DBAE. Isto é intriga da oposição. Por fim, quero lembrar que sou mui-
Falam ainda que não apresento nenhuma prática, só teoria, quando de- to mais entusiasmada aulas de Feldman e Saunders
com a discrição das
senvolvo pelo menos quatro exemplos de aulas da página 43 à 82 no livro destacando a proposta de trabalho
considerados pré-DBAE naquele livro,
A imagem no ensino da arte, que tem 134 páginas.2 É um bom percentual de Feldman de recortar figuras de revistas para analisar (p. 50). Os dois,
de prática. Mas o que mais estranhei foi a de que a Abordagem
acusação Feldman e Saunders, fizeram Cultura Visual antes da Cultura Visual.
Triangular fala só de Arte e não da Imagem. Ora, começapelo título do Conversei sobre isto com Robert Saunders três anos atrás, quando nos
livro que a lança, que se chama A imagem no ensino da arte. Na página 36 encontramos em Nova York no fórum dos Distinguish Fellows da National
da primeira edição daquele livro comento com entusiasmo o trabalho de Art Education Association (NAEA), ao qual pertencemos. Por sorte, os
Richard Hamilton, criador da Pop Art que ensinava Arte, desde os inícios scholars norte-americanos de Cultura Visual respeitam história e reconhe-
dos anos 1960, analisando "percepção e ilusão, signo e simulação, trans-
cem os seus precursores. Respeitam até aqueles de outros países como
formação e projeção, e não só na imagem produzida por artistas, mas Anna M. Kindler, que no artigo "Visual culture, visual brain, and (art)
também na imagem da propaganda, como na embalagem de suco de education", de 2003, cita meu nome entre os propugnadores da Cultura
laranja". Convidei Richard Hamilton para fazer uma palestra no MAC/ Visual dizendo:
USP, a qual consolidou minha admiração por ele. Na página 18, falo de
"ensinar imagem através da imagem" e chego a preconizar Many art education scholars have argued in recent years that visual cultu-
para o futuro
a introdução do Design na escola afirmando "A consciência de re, as an important cultural phenomenon, is worth addressing in the context
que que o of schooling because of its great social impact and relevance to the lives of
artefato trará mais qualidade de vida" é necessária "no contexto de um
young people (e.g., Barbosa, 1991; Duncun, 1990, 2001; Freedman & Stuhr,
país do terceiro mundo" (páginas 24 e 25). Design faz parte do conglome-
2001; Garoian, 1997; McFee & Degge, 1978; Neperud, 1995; Tavin 2001;
rado intitulado Cultura Visual.
Wilson, 2001; Wilson & Wilson, 1978).3
Refiro-me ainda às exposições Carnavalescos e Estética do Can-
domblé, que organizei no MAC/USP, na página 92, as quais foram Aqui pouca gente considera Gilberto Freyre um legítimo precursor
acompanhadas por atividades educativas não apenas ligadas à Arte mas dos Estudos Culturais, mas ele o foi, conforme demonstram Peter Burke,
culturalista inglês, e Lucia Pallares Burke. Gilberto Freyre, como disse pesquisadores do CCCS. Meu entusiasmo pelas discussões e pesquisas
Antonio Candido de Melo e Souza na ocasião da cerimônia em que a
que ocorriam no CCCS foi enorme, talvez por que já vinha de uma con-
UFPE lhe concedeu o título de doutor honoris causa, mudou o foco da vivência com as ideias renovadoras sobre cultura de Gilberto Freyre,
sociologia da para a cultura. Com isto concorda Stuart Hall na nota
raça Paulo Freire, Aloísio Magalhães e Abelardo Rodrigues, ainda no Recife,
de pé de página, número 4, deste artigo. no início de minha formação e atuação como professora alfabetizadora e
Finalmente, este livro, Abordagem triangular no ensino das artes e cul- professora de Arte.
t uras visuais, termina
com o trabalho sem preconceitos de Jociele Lampert, Ter Paulo Freire como mentor e Aloísio Magalhães como inspiração
que demonstra a compatibilidade da Abordagem Triangular e da Cultu- me levou a trabalhar com a Cultura Visual do povo desde a Escolinha de
ra Visual. Arte do Recife e com a Arte como expandido desde os tempos
campo
já fazíamos Cultura Visual na Arte/ Educação da Escola de
Afinal da Escolinha de Arte de São Paulo. Nesta última éramos até discrimi-
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) antes de nados pelo Movimento Escolinhas de Arte, porque trabalhávamos de
a Cultura Visual ter nome próprio, talvez por estarmos tão próximos da maneira diferente. Levávamos nossos alunos a lojas de objetos de design
Comunicação e também pela minha proximidade com Richard Hoggart,4 para casa e decorações, analisávamos os objetos com
eles e os estimu-
criador do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos (CCCS, 1964) lávamos a produzir interpretações gráficas reveladoras das qualidades
da Universidade de Birmingham, com quem convivi em Canadá, Banff, visuais dos objetos, muitas vezes exagerando-as ou ainda os estimulá-
vamos a procurar adaptar o design dos objetos vistos a um uso por
eles
e aquem trouxe ao Brasil para dar curso no MAC-USP em 1989.Quando
conheci Richard Hoggart, eu já havia estado no Centro criado por ele e determinado, isto é, seus quartos, a sala de suas casas etc. Fazíamos o
Stuart Hall na Universidade de Birmingham, cidade onde fiz meu mesmo com as lojas de moda da rua Augusta, naquele tempo a rua chique
pós-doutorado (1982). de São Paulo. Eles analisavam as roupas do ponto de vista de materiais,
do corte, da praticidade e do preço e as redesenhavam adaptando a seus
Paulo Farias,
um antropólogo brasileiro fugido da ditadura militar
desejos.
muito respeitado na Universidade de Birmingham, me introduziu aos
O programa incluía ainda desenhar histórias em quadrinhos depois
Hall, culture, and comunications: looking backward and forward at cultural de visitar a Editora Abril, projetar capas de discos e livros e finalmente
4. Stuart. Race,
studies. Storey, J. (Ed.). What is cultural
In: studies? London: Arnold, 1996. p. 336-343; texto revisado analisar publicidade em função da significação social e produzir trabalhos
do discurso apresentado pelo autor em fevereiro de 1989, na ocasião em que lhe foi conferido o títu-
que revelassem a capacidade crítica. Tenho uns poucos desenhos que
10 de professor honoris causa da Universidade de Massachussetts, em Amherst. "Quando entrei na
Universidade de Birmingham, em 1964, para ajudar o professor Richard Hoggart a fundar o Centro comprovam todas estas atividades entre os anos 1968 e 1970, assim como
de Estudos Culturais Contemporâneos (Center for Contemporary Cultural Studies), os estudos desenhos interpretativos de programas de TV de meu filho, que era minha
culturais existiam. Claro os Departamentos de Letras, Literatura, História e Belas-Artes, em cobaia em casa.
nem que
nossas Faculdades de Artes, dedicavam-se à preservação da herança cultural, embora se recusassem
a nomear e,
menos ainda, a teorizar ou conceituar a
cultura, preferindo
que estes conceitos penetras- Comprovado que este procedimento não abafava o processo criador,
sem, por assim dizer, através de um processo de osmose acadêmica. As Ciências Sociais, por outro mas o desenvolvia, tentei usá-lo na Escolinha de Arte de São Paulo, mas
lado, às vezes lidavam com o que chamavam de 'sistema cultural', mas isso era algo bastante abs-
vivíamos numa época em que a TV era vista como inimiga da Educação
trato,
composto de redes de normas e valores abstratos. Havia pouco da preocupação que Richard
Vloggart e eu tínhamos sobre questões de cultura. Entre o pouco que havia estava Gilberto Freyre, e a rejeição dos pais foi grande. Já havia publicado no meu livro Tópicos
no Recife, que desde a década de 1930 deslocou os estudos sociais da raça para a cultura"
(p. 336; Illópicos (p. 145) a reprodução do trabalho crítico de uma aluna acerca da
traduçáo de Helen Hughes).
blicidade, concebendo-a como a função de vender os mesmos produtos
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSIN() ARIES CUIIURAS VISUAIS
Os alunos de Cultura Visual hoje merecem conhecer o trabalho da anterior ao jogar a pedra. Em nossa área temos vários exemplos: o Mo-
arte/ educadora Mariazinha Fusari, que analisou criticamente os desenhos dernismo Expressionista foi reduzido ao mero "deixar fazer", a Aborda-
animados do Picapau em sua tese de doutorado. Juntas organizamos gem Triangular foi reduzida à releitura e a Cultura Visual foi reduzida a
muitas oficinas de leitura de imagens de televisão em vários eventos e desenhos para colorir de figuras de Disney ou à mera celebração da pu-
blicidade.
cursos de atualização de professores.
Oesvaziamento histórico da Cultura Visual no Brasil será proposi- Outro dia, um professor da USP me dizia que a Cultura Visual é
tal? Uma área de estudos sem História é facilmente dominada e mani- ótimo pretexto para professor não dar aula e passar filminhos. Se ele
pulada. Todo discurso científico está apoiado sobre um pensamento mostra os filminhos só para os alunos aplaudirem, está fazendo entrete-
anterior a respeito da coisa discutida, já dizia Diderot, um dos primeiros nimento e nãoArte/ Educação ou Cultura Visual, mas se busca desenvol-
críticos de Arte do Ocidente cuja obra está sendo publicada por Jacob ver a capacidade crítica dos estudantes para analisar os filminhos, estará
Guinsburg. fazendo educação quer seja para Arte quer seja para Cultura Visual. É o
desenvolvimento da consciência crítica impulsionado pelo pós-moder-
Outro dia, lendo uma entrevista de Alfredo Bosi na Revista É do SESC,
nismo que envolveu as Artes e Culturas Visuais que faz a diferença e que
me deparei com afirmações sobre o ensino da Literatura com as quais
concordo integralmente e que são aplicáveis também ao Ensino da Arte incomoda o main stream.
e da Cultura Visual. Dizia ele: Leiam A imagem no ensino da arte, relativizem historicamente, pois o
"Agora, de minha parte, eu continuo achando que, na história, o antes escrevi em 1991. Só depois critiquem, mas leiam a 7 a edição (2009), pois
vem antes do depois.
traz, o prefácio de Imanol que me animou a enfrentar a tarefa de examinar
Existe certa experiência cumulativa pelo tempo... o que aconteceu à Abordagem Triangular nos vinte anos de sua peram-
bulação por escolas e universidades.
E, se
vocênão conhece esse fluxo que vem do passado, fica parecen-
do cada Agradeço muitíssimo Fernanda Pereira da Cunha, uma pesquisa-
a
que geração, digamos, inventou a roda. Você não sabe por que
dora incansável e inventiva que se embrenhou comigo na pesquisa e na
voltam, e voltam de maneira diferente. Você fica sem apoios
certos temas
de comparaçãoquando seu estudo é todo assim fragmentado"
5
organização do livro, incluindo a difícil tarefa de escolher entre os muitos
textos excelentesque recebemos e que localizamos na Internet.
Acredito que consciência histórica émuito importante no ensino das
Artes e Culturas Visuais. Há uma tendência das teorias e dos processos Peço desculpas aos pesquisadores que não tiveram seus textos inclu-
ídos aqui,
mas quero dizer que sofremos muito em ser obrigadas a fazer
esta escolha.
5. Bosi, Alfredo. Entrevista na Revista É, São Paulo: SESC, ano 16, n. 7, p. 14, jan. 2010.
BARBOSA • CUNHA
25
Dasorigense das
reconfigurações
27
CHOQUE E FORMAÇÃO:
SOBRE A ORIGEM DE
UMA PROPOSTA PARA O ENSINO DA ARTE
Rita Bredariolli
A origem não é uma "fonte", não tem por tarefanos contar a "gênese das coisas"
Georges Didi-Huberman
icação e a informação.10
Confronto profícuo, revelador de uma época que presenciava uma
iransformação de conceitos e tendências, na qual a perspectiva moderna
de Ensino da Arte, fundada na "livre expressão", começavaa ser revista
pela constituição de outro modelo de Ensino da Arte, cujo enfoque estava
no exercício da crítica e análise de imagens, incluindo o ato de "ver" como Pizoli
Sergio
parte essencial de um processo de aprendizagem da Arte.
Em 1984, Ana Mae Barbosa toma essa transição como tema em seu
livro Arte-Educação: conflitos/acertos. Sob o subtítulo "Crítica: ausência de
historicidade" do capítulo "Atualização de professores: a experiência
11
a ideia de "originalidade" como algo alheio aos cânonesestabelecidos ou um "laboratório extraordinário", inserido em uma história,
como desen-
desses cânones" era apresentada volvimento dessas duas experiências precedentes.
à "análise dos fenômenos de mudança
como algo "perigosamente maléfico" pois responsável pela preservação
,
A "leitura de imagens" já estava presente, tanto nos trabalhos reali-
de uma "ingenuidade pouco construtiva". zados na Escolinha de Arte de São Paulo, como na Semana de Arte e
A defesa pelo conhecimento histórico denota outra preocupação, Ensino de 1980. Imagens de toda a ordem se tornavam temas de estudo,
constante nas proposições de Ana Mae Barbosa: a de promover o sentido desde a reprodução de imagens consagradas pela história da arte até as
imagens de TV, passando pelas da publicidade e propaganda.
de pertencimento uma cultura, a uma comunidade. Isto
a uma
história, a
fica claro quando integra em seu texto a seguinte afirmação: No livro Teoria e prática da EducaçãoArtística, publicado em 1975, Ana
Mae Barbosa apresenta algumas das proposições da Escolinha de Arte de
a falta de significação do seu próprio trabalho tem
reflexão histórica sobre a
São Paulo,16 realizadas entre os meses de agosto de 1970 e junho de 1971.
levado o criador a atitudes onipotentes, julgando-se capaz de criar do nada
O texto traz como abertura uma ampla preleção sobre a base teórica des-
e se isolando pela impossibilidade de encontrar parâmetros históricos de
sestrabalhos, introduzida pela seguinte advertência: "sólidos conheci-
avaliação e confrontação com o trabalho dos outros [...] Na educação do
mentos teóricos devem embasar a formulação de qualquer currículo ou
arte-educador, é importante não só desenvolver o fazer artístico, mas tam-
programa escolar". Seguindo o texto, encontramos um prenúncio ou
—
bém dar informações para torná-lo apto a uma leitura individual e cultural
deste fazer.12 origem? de uma
—
tese
que seria insistentemente defendida por Ana Mae
Barbosa, até Nesse texto de 1975 líamos
sua consumação
em proposta.
Por esse trecho somos apresentados a outro paradigma de Ensino da que o
Arte, fundado na importância do conhecimento histórico para aquisição
professor deve ensinar a ver, a analisar, a especular. O "preconceito da livre
e ampliação de um repertório imagético, fundamental para o exercício
expressão" não existe mais. Podemos considerá-la como um processo inicial,
analítico. "Ver e
não só fazer" ,13 a fim de constituir fundamentos para autossufi-
um ponto de partida no Ensino da Arte, e não como um método
poder "ler" criticamente as próprias realizações, bem como as de outrem.
cente global.
A certeza sobre a importância do ato de "ver" assim como o percur- ,
so em busca de argumentos para sustentá-la, foram, pelas palavras de Um dos exercícios relatados sobo subtítulo "A teoria posta em prá-
Ana Mae Barbosa, causados por um "clic". No entanto, esse específico tica"expõecomo objetivo a observação dos efeitos gerados pelas variações
instante é o manifesto de anos de reflexões e experimentações, de algo contextuais. Duas lojas e um jardim foram visitados pelas crianças, alunos
que vinha sendo estudado e praticado já nos anos de trabalhos realizados da Escolinha de Arte de São Paulo, para que pudessem perceber a inter-
Paulo,14 e depois
na Escolinha de Arte de São na Semana de Arte e Ensino, ferência de diferentes contextos sobre um mesmo objeto. Além dessa
realizada na Universidade de São Paulo em 1980.15 Ainda na entrevista "leitura" de contexto, podemos verificar outra "leitura", a de imagens,
de 2007, reencontraremos o XIV Festival de Inverno de Campos do Jordão, como parte das proposições de trabalho da Escolinha de Arte de São
Paulo. Outro exercício descrito nesse texto apresenta como proposição o
12. Idem. rearranjo de imagens de jornais ou revistas. A apropriação e a reorgani-
13. Barbosa, A. M. op. cit., 2007.
A Escolinha de Arte de São Paulo funcionou de março de 1968 a junho de 1971, sob coorde-
14. zaçãodessas imagens eram consideradas partes do processo criativo,
de Ana Mae Barbosa, Maria Helena Guglielmo, Julieta Dutra Vaz e Regina Berlinki.
nação
15. Barbosa, A. M. Op. cit., 1998, p. 144.
16.
Barbosa, A. M. Teoria e prática da Educação Artística. São Paulo: Cultrix, 1975. p. 69-83.
34 BARBOSA CUNHA
•
A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS
iniciado pela "reflexão crítica" sobre os "significados preestabelecidos" Ensino da Arte. Contribuiu para essa mudança conceitual a produção de
por essas "singularidades originárias", em um "esforço de redefinição textos críticos sobre a imagem, assunto que ganhava interesse na propor-
simbólica, figural, ideacional". mudanças tecnoló-
çáoda expansão de seus domínios, ampliados
pelas
Um dos resultados obtidos a partir dessa proposição foi publicado Crary,1S
gicas dos meios de comunicação. Jonathan por exemplo, descre-
visualização", definidos
nesse livro de 1975 e em 1998 no livro Tópicos utópicos, em um capítulo ve um contexto dominado por "modelos de
dedicado às relações entre palavras e imagens. Trata-se de uma compo- pelas "tecnologias emergentes de produção de imagens". De acordo com
sição de logomarcas recortadas e dispostas em paralelo, como dividindo suas reflexões, esses modelos entrelaçados com as "necessidades das
a folha em dois campos distintos,
um superior e outro inferior. No pri- indústrias de informação global" são os responsáveis pelo funcionamen-
meiro encontramos, entre as marcas, a frase "em vez de" e abaixo, quase to tanto das instituições como dos "processos sociais primários". Para
A Semana de Arte e Ensino, realizada em 1980 na Universidade de Ana Mae Barbosa, em abordagem coincidente,20 apresenta dados
São Paulo, foi um dos primeiros eventos criados intenção de rear- estatísticos para demonstrar o predomínio das imagens sobre o conheci-
com a
ticulação política e conceitual do ensino de arte. Entre os cursos progra- mento informal. Muito dele seria adquirido sem qualquer discernimento.
mados, havia um sobre análise de produção de TV,
uma iniciativa "pionei- Diante desta constatação, a necessidade de "alfabetizar para a leitura de
de Walter Silveira e Tadeu Jungle, realizado "sob severa desaprovação" imagem" é reivindicada como um provável caminho para uma "demo-
"
ra ,
pela novidade do tema. As imagens de televisão já haviam sido tomadas cratização" como mencionada por Nicolau Sevcenko.
como tema de estudo na Escolinha de Arte de São Paulo, experiência A alfabetização defendida por Ana Mae Barbosa sem acaso, fami-
—
Crary, J. Techniques of the observer: on vision and modernity in the nineteenth century. Trad.
18.
17.
Os cursos práticos eram "Introdução à linguagem do videotape", de Guto Lacaz, e "Oficina Heloisa Barbuy [texto não publicado]. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1990. Material distri-
de apreciação de televisão", ministrado por José Manoel Morán e Mariazinha F. de Rezende Fusari, buído durante curso no Museu Paulista, USP.
também coordenadores do curso teórico "Leitura Crítica da Televisão: A criança". Cf. Bredariolli 19. Sevcenko, N. A corrida para o século XXI: no loop da montanha russa. São Paulo: Companhia
(2009). Posteriormente o interesse de Ana Mae Barbosa pelas
novas tecnologias continuou e, no das Letras, 2001. p. 124-125.
Congresso de História do Ensino da Arte, ECA/USP, 1984, ela montou um laboratório de computa- 20. Barbosa, 1991. p. 34.
dores para experimentação com os participantes coordenado por
uma professora da Faculdade 21. O "olhar ativo" é definido por Alfredo Bosi
como aquele que pode "medir, definir, caracte-
Santa Marcelina e por professores da FAU.
Ver a imagem na p. 20. (Nota das organizadoras.) das Letras, 2002. p. 66.
36 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM IRIANGIJLAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS
tuído por etapas em disposição hierárquica. A Abordagem Triangular foi referencial imagético, admitindo toda e qualquer imagem como tema
estruturada como um organismo, articulado pela interação e interdepen- de análise.24
dência entre suas totalizadoras
ações
—
a "leitura" crítica,
contextualiza- Remetendo-nos ao livro Teoria e prática do
Ensino da Arte, de 1975,
cãoe produção realizadas no diálogo entre o professor e o aluno. Há verificamos, já naquele momento, o interesse pelo estudo de um amplo
—
uma condução, mas também a abertura para a mudança de caminho, referencial imagético. Nesse texto um dos tópicos modernos, o da "in-
condicionada à participação do aluno. Por essa condição a Abordagem tacta e genuína expressão infantil", era
problematizado em relação a
Triangular assume a característica de um sistema epistemológico e não um contexto dominado por uma "avalanche de informação imagética,
metodológico de Ensino da Arte. Admite a pluralidade de soluções e que vai desde a história em quadrinhos e a televisão
até os cartazes de
respostas, pela intenção de preservar o conhecimento da degradação em publicidade que enchem nossas cidades". Para Ana Mae Barbosa, a
exercício escolar reprodutivo. admissão do conjunto imagético mass-media como tema de Ensino da
A Abordagem Triangular guarda a ideia da "pedagogia problemati- Arte seria, talvez, o "único meio de preservar a autenticidade da ex-
zadora" de Paulo Freire, por isso a "leitura", aliada à contextualização pressão da criança", clamada em vozes modernistas. A inclusão desse
daquilo que é "lido", deve ser entendida como "questionamento, busca, referencial imagético mass-media como tema de estudo revela a coerên-
cia com um conceito educacional que considera as relações entre o
descoberta" e não como preleção discursiva, um equívoco interpretativo,
,
cria-
de poder". Outro "parentesco",
Nesse movimento, criado pelo diálogo entre o "pretérito" e o "agora", eruditas que constituem os códigos de "leitura" como
a "velha" noção
revela-se a experiência.27 A Abordagem Triangular é renovada ao retomar do por mais uma referência comum:
de alfabetização
Freire.32 Esse "velho" conceito
experiências, por vezes abreviadas, do passado, em 1975, por exemplo. prática social de Paulo do mundo", presente
de um "conhecimento mais crítico
Ao retomá-las a "metodologia", divulgada por Ana Mae Barbosa em 1991, para construção tendências educacio-
Triangular e "recuperado" por essas
torna-se contemporânea, motivando autores como Imanol Aguirre a na Abordagem realizadas
na is "pós-modernas",
pode ser identificado também nas ações
identificá-la como uma concepção "pós-moderna" de Ensino da Arte, e Ensino, quando
de São Paulo; na Semana de Arte
a compreensão da Cultura Visual", a na Escolinha de Arte ainda na
junto à "educação artística para eventos palestra de Paulo Freire; ou
houve dentre seus uma do Jordão.
"alfabetização em Cultura Visual" e a Pedagogia Crítica, todas de "evi- Festival de Inverno de Campos
dente parentesco epistemológico e ideológico"28 concepçãopedagógica do XIV
serviu como fundamento para a
de Paulo Freire, outro autor
Além
O "parentesco" identificado por Aguirre não é casual. Durante o Abordagem Triangular.
e "dialogal" da
constituição desse caráter crítico do movimento
ano de 1982, Ana Mae Barbosa frequentou o Centro de Cultura Contem- O trabalho de David
Thistlewood, envolto pela ideias
concei-
porânea da Universidade de Birmingham, onde foram iniciadas as pes- declarada para a estruturação
Estudos Críticos, é outra referência pesquisa abran-
quisas de Estudos Culturais29 "fonte" do que posteriormente seria de-
de Ensino da Arte. Esse campo de
tual dessa proposta relaciona-
signado Cultura Visual, termo atualmente usado no campo do Ensino variedade de "objetivos e métodos",
gente, composto por uma tradição
da Arte, para identificar uma condução artístico-pedagógica aberta ao arte", visa à familiarização das crianças à
dos à "apreciação da
referencial imagético midiá tico e aos temas socioculturaisM). Em seus anos pelas circunstâncias de sua formação,
artística. Nasceu interdisciplinar
de formação, entre 1970 e 1980, a Cultura Visual era conhecida como Estudos Complementares, uma
alternativa acadêmica para
advinda dos inglesas.
Estudos Visuais31. História da Arte nas faculdades
suprir a falta de professores de ambientalistas e
Outro ponto em comum entre a Abordagem Triangular e essas ten- Essa demanda integrou à
História da Arte "sociólogos,
dências de ensino geradas pela "revolução pós-moderna nos estudos cientistas", criando um campo de
pesquisa estruturado pelo diálogo
sobre arte" estaria em seu caráter crítico, manifesto pelo objetivo de "al- de conhecimento.
entre diferentes áreas
busca o desenvol-
fabetização visual" como meio de "acesso crítico de chaves culturais Ensino da Arte conduzido por essa concepção
O
precisa" pela análise de uma "presença
es-
vimento de uma "percepção
formativos, suas causas espirituais,
tética", considerando seus "processos
27. Benjamim, W. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. Trad. Sérgio Paulo Rouanet.
de em-
São Paulo: Brasiliense, 1996. p. 197-221. efeitos culturais".34 Usando
sociais, econômicas e políticas e seus
Arriaga, I. A. Contenidos y Enfoques Metodologicos de Ia Educación Artistica. Cf. Congreso aqui outro "parentesco", agora
28.
de Formación Artística y Cultural para la Región de América Latina y el Caribe. Medellín. Anais... préstimo o termo de Aguirre, notamos
Medellín, 2007. 1 CD. revisada e expandida de
"contextualização"integrante da
29. Segundo Douglas Grimp o campo dos Estudos Culturais foi uma das fontes da Cultura
com noção
a
Paulo entre os de 1968 e 1971; da Semana de Arte Ensino Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. 141f.
anos e de 1980;
do tempo de estudos
no Centro de Cultura Contemporânea da Univer- CRARY,J. Techniques of the observer: on vision and modernity in the nineteenth
sidade de Birmingham
em 1982; da convivência, da "leitura" e leituras Century. Trad. Heloisa Barbuy [texto não publicado]. Cambridge, Massachusetts:
feitas de Paulo Freire, do MIT Press, 1990. Material distribuído durante curso no Museu Paulista, USP.
curso ministrado conjuntamente com ele; do
XIV Festival de Inverno de 1983,
esse considerado o seu "cerne". Expe- DEWEY, John. El Arte como experiencia: prólogo y versión española de Samuel
riências que afetaram certo "curso
normal", provocando choques for- Ramos. México: Fondo de Cultura Económica, 1949.
e
mações. A Abordagem Triangular é parte desse conjunto. Nela,
em cons-
tantes atualizações, estão contidas todas DIDI-HUBERMAN, G. Ante el tiempo: historia del arte y anacronismo de Ias
essas experiências passadas, assim
imágenes. Buenos Aires: Adriana Hidalgo editora, 2008.
como cada uma delas continha, como
pequenas profecias* a Abordagem
Triangular. O que vemos, o que nos olha. Trad. Paulo Neves. 1. reimpr. São Paulo: Edi-
tora 34, 2005.
ARRIAGA, I. A. Contenidos FESTIVAL de Inverno de Campos do Jordão [s. n. t.l. 8 p. Programa de cursos,
y enfoques metodológicos de la educación
In: artística. 3 jul.-17 jul. 1983, Campos do Jordão, p. 4. Acervo pessoal de Ana Mae Barbosa.
CONGRESO FORMACIÓN ARTÍSTICA Y CULTURAL
DE
DE AMÉRICA LATINA Y EL PARA LA REGIÓN
CARIBE, 2007, Anais... Medellín, GRIMP, D. Estudos culturais, cultura visual. Revista LISP, São Paulo: Gráfica CCS,
2002 1 CD.
BARBOSA, A. M. Teoria e prática da Educação n.40, p. 78-85, dez./jan./fev. 1998-1999.
São Artística. Paulo: Cultrix, 1975.
(Org.).Arte-Educação: conflitos GUINSBURG, J.; BARBOSA, A. M. (Org.).Opós-modernismo.São Paulo: Perspec-
e acertos. São Paulo: Max Limonad, 1984. tiva, 2005.
.
A imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva,
1991.
Tópicos, utópicos. Belo
MITCHELL, W. J. T. Showing seeing: a critique of visual culture. Journal of Visual
Horizonte: C/ Arte, 1998. Culture, Thousand Oaks: Sage Publications, v. 1, p. 165-181, ago. 2002. Disponível
.
Arte-Ed11cação:
leitura no subsolo. 2. ed. São Paulo: Cortez,
1999. em: <http://vcu.sagepub.com>.Acesso em: 27 set. 2009.
.
Entrevista concedida a Rita Bredariolli. São Paulo, 26 MÚSICA NAS MONTANHAS: 40 anos do Festival de Inverno de Campos do
jan. 2007.
Jordão. São Paulo: Santa Marcelina Cultura, 2009.
36.
Didi-Huberman, G. Ante el liempo: historia del arte
Aires: Adriana Hidalgo Editora, 2008. y anacronismo de Ias imágenes. Buenos NOVAES, A. (Org.). O olhar. 9. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2002,
p. 127.
66.
p.
BARBOSA • CUNHA
2
HISTÓRIACOMO ESTRATÉGIA:
UMA
APROPRIAÇÃO
DA ABORDAGEM TRIANGULAR
PARA UMA EDUCAÇÃO
NÃO CONFORMISTA
Jeanne Marie Gagnebin e Marcos Lutz Muller, tese VI. Edição digitada, s/d.
45
E CULTURAS VISUAIS
CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES
44 BARBOSA •
3. (2003).
Não por acaso, ministrada no período pela professora Ana Mae Barbosa.
• CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO ARUS CULTURAS VISUAIS
público/obra no museu ou nas relações professor/aluno obra de arte nos ajuda aqui: a obra de arte reco-
em sala de aula: Merleau-Ponty diz sobre a
artista. Esse vocabulário emudecido se desenvolve no ambiente e no Ao sistematizar as possibilidades investigativas para o artista e pro-
currículo partir de uma interação que toma a forma de concessõese
a fessor de artes no âmbito da produção contemporânea, Sandra Rey esta-
enfrentamentos não explícitos, sugerindo uma unidade programática que belece os limites de um campo no qual os parâmetros estão em constante
reforça conceitos anacrônicos e ideologicamente marcados, tais como mutação:
genialidade, magia ou dom.
Liberada de cânones, em especial o da representação, em vigor durante
A maioria de nossos cursos de licenciatura ou graduação em Artes
quatro séculos no mundo ocidental, a arte passa a questionar fronteiras,
Visuais,
nos quais potenciais artistas e professores buscam uma formação, deslocar limites, provocar situações, interagir com o espectador. Na ausên-
comporta tanto procedimentos de Ensino da Arte oriundos das escolas
um conjunto de regras válidas e consensualmente aceitas que possam
cia de
de belas-artes do século XIX quanto incorporações das tecnologias com- balizar a produção artística ante o "tudo pode" e os comentários, muitas
putacionais de última geração ou procedimentos contemporâneos de vezes apressados, sobre a "falta de critérios" das manifestações artísticas,
produção artística, sem que se estabeleça um diálogo claro entre conceitos, nas quais o artista buscará subsídios e encontrará respaldo para o seu fazer?
procedimentos, ou discursos históricos. O quadro que pude apontar da Ao contrário do que se possa imaginar, a instauração da obra pressupõe,
perspectiva discente nos anos 1980 é ainda um campo de batalha no iní- em muitos casos, operações técnicas e teóricas bastante complexas, abrindo
cio do século XXI. margem considerável a cruzamentos e hibridismos tanto de conhecimentos
quanto de procedimentos, tecnologias, matérias, materiais e objetos, algumas
O despertar alguém para as questões que [o] passado engendra para o pre-
vezes, inusitados. (Rey, 2002, p. 128)
sente não se dá de forma natural pela simples vivência com práticas his-
tóricas descontextualizadas. O conteudo ideologico desse procedimento Em algumas outras áreas do saber se aprende a própria história
se reforça com a forma instrumentalizada com a qual a disciplina Histó- para situar o que se produz hoje, para se que se estabeleçam as origens
ria da Arte também se apresenta no currículo: é uma espécie de estante da área eixos de sentido, novas perspectivas de entendimento do já
estanque da qual puxamos livros de imagens quando necessitamos de realizado. Já em nossas graduações em Artes Visuais, em sua maioria,
uma referência em geral formal para relacionarmos produções his- ainda se privilegia a possibilidade a-histórica de experimentação. A
—
—
toricamente circunscritas. A proposta é que uma história crítica se esta- contemporaneidade se instala como pluralidade acrítica, sob a forma
beleça como parâmetro para a formação de artistas e professores de Artes. de uma espécie de método involuntário no processo de ensino em Artes
Uma proposta de história crítica, ou de uma crítica histórica, que evite Visuais.
os modelos canônicos de análise e interpretação, que fuja dos modelos Neste certamente generalizado, panorama, temos então um
curto, e
explicativos hegemônicos e que não tome como categorias a priori a ideia
desenho no qual o debate é, novamente, silêncio, fortemente marcado
de trabalho prático (que existiria sem teoria) e trabalho teórico (aliena-
pelo desdém que cerca as questões educacionais no país, consideradas
do de uma existência no mundo material).
ora como a possibilidade de
inserção da nação no âmbito diplomático
O campo do conhecimento em Artes Visuais tomou tal complexida- decisório, ora como instrumentalização para o mundo do trabalho, pre-
de que torna necessária a urgência do debate, no qual o currículo precisa parando os indivíduos para o mercado, e eles mesmos marcados pela
superar os parâmetros vigentes e impostos a partir do neoclassicismo do obsolescência anunciada. Toda essa verificação, que poderia certamente
século XIX e dialogar de forma crítica
com aqueles inaugurados a partir provocar um esforço de superação ou pelo menos seu desejo, já foi atro-
do modernismo do século XX. pelada pelas condições do sistema social e econômico do capitalismo
50 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM IRIANOULAK NO ENSINO
em especial a par- manidades, substi tuindo a produção de conhecimento pela luta em inchar
apenas esboçado nos anos
consumista, 198(): a escola,
ticular, é hoje vista pela sociedade como prestadora de serviços, como se currículos.
não assumisse o compromisso com formação e autonomia de produção
de conhecimento.
Referências bibliográficas
Ainda que o debate sobre o ensino superior ocupe um lugar de des-
taque por sua seriedade dentro das políticas governamentais, já que BARBOSA, Ana Mae. A imagem no Ensino da Arte: anos 1980 7.
e novos tempos.
um esforço na exigência de uma conduta menos mercantilista, ou
existe
ed. rev. São Paulo: Perspectiva, 2009.
pelo menos mais ativa, das instituições, dentro do circuito de produção
BURUCÚA, J. E. História, arte, cliltura. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econó-
artística, formação é ainda uma questão periférica, repetindo o precon-
mica de Argentina, 2003.
ceito relativo a assuntos educacionais: circuito pede conhecimento
o novo
e relevante, mas se exime de discutir o momento anterior no qual se CHAUI, M. A universidade pública sobre nova perspectiva. Revista Brasileira de
Educação, n. 24, 2003.
constroem estratégias para tal produção.
RE Y, Sandra. Por
Para ser eficiente, institucionaliza o conhecimento: isso sig-
a escola uma abordagem metodológica da pesquisa em Artes Visuais.
In: BRITES, Blanca; TESSLER, Elida (Org.). O meio como ponto zero: metodologia
nifica reduzi-lo, esquematizá-lo, facilitá-lo, triturá-lo e oferecê-lo segundo
da pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 2002.
uma perspectiva que nunca se explicita claramente, mas se apresenta p. 123-140.
como objetivo e neutro, como científico. Acontece no Ensino Fundamen-
tal e Médio, não surpreende que aconteça também na universidade.
seus livros.
Yara Caznók (música), Christina Rizzi (artes visuais e teatro) e Isabel Marques (dança). Quando
começou a Reestruturação Curricular, tendo Paulo Freire como Secretário de Educação, a coordena-
Neste dia, senti lançado um dos primeiros desafios de minha carrei- dora do grupo de Artes era Ana Mae Barbosa.
Triangular de Ana Mae Barbosa e os temas geradores de Paulo Freire4 vivido, percebido imaginado diante de seus alunos dançantes. Movi-
e
trabalho
para a construção do currículo tomaram rumos próprios em meu mento este que se propõe a compreender, articular e ter uma visão crítica,
artístico, de pesquisa e de docência, mas sempre foram e continuam sen- ética e estética das relações entre arte,
ensino e sociedade.
do alicerces referências fundamentais para desenvolver projetos e lançar
e Esta proposta para o ensino de dança que tem
como cerne as redes
pontes entre a dança, o ensino e a sociedade, segundo tripé que norteia a de relações estabelecidas pelo tripé arte-ensino-sociedade vemsendo
proposta para o ensino de dança que venho desenvolvendo desde então. cunhada desde 1996, quando finalizei minha pesquisa de doutorado na
Faculdade de Educação da USP. A síntese e a dessa proposta
nomeação
foi feita por Fábio Brazil,
em 2001, quando juntos fundamos o Caleidos
Segundo tripé: arte, ensino e sociedade
Arte e Ensino, em São Paulo, hoje Instituto Caleidos. Alguns anos depois,
em 2002, o tripé arte-ensino-sociedade e sua fundamentação teórico-prá-
Tenho proposto em meu trabalho que o ensino de dança se estrutu-
enfati- tica foi base para a construção da "Metodologia de Ensino da Dança no
re a partir de um tripé polifônico e não hierárquico que permite e
Contexto" que não será discutida neste artigo.5
za a construção de redes de relações, de tessituras múltiplas entre os
conteúdos específicos da dança (vértice da arte) e as relações desses con- Abaixo, uma figura do caleidoscópio do ensino de dança (Figura 1)
teúdos com os indivíduos-atores sociais (vértice do ensino) que vivem no aqui proposto que sintetiza visualmente o segundo tripé e seus desdo-
mundo com ele dialogam (vértice da
e sociedade). bramentos:
caleidoscópio em movimen-
como as imagens formadas por um
Tal
fazer
to, proponho
que os elementos que compõem estes vértices se relacionem
de formas múltiplas e multiformes no tempo e no espaço: articuladas,
reunidas, relacionadas entre si formando figuras interdependentes que
ARTE
nunca se repetem. Tomo essas imagens caleidoscópicas como metáforas
das propostas, das aulas, das manifestações de dança em situação edu- apreciar contextualizar
cacional: são "belas formas" (de knlos + eidos) construídas a partir das
redes de relações entre suas peças.
Cada um dos vértices do tripé inicial se desdobra em outros tripés
conhecer-se vivida
que, por sua vez, englobam outros conteúdos e conceitos. O tripé pro-
posto por Ana Mae Barbosa para o ensino de arte a Abordagem —
desse caleidoscópio da dança, movimento gerado pelas histórias, trajetó- De tripé em tripé, o caleidoscópio do ensino de dança
Escolhi
interpretar danças já existentes (repertórios);
intencionalmente trabalhar com a abordagem da dança en-
Apreciar:
quanto pois como arte a dança tem o potencial de lançar pontes para
arte,
delineiam,
amparam, problematizam o projeto educacional. Articulados portanto, intrinsecamente relacionada, parafraseando Paulo à Freire,
entre si, os elementos que compõem e problematizam o vértice do ensino
de maneiras múltiplas e
construção ética, estética e justa da sociedade. necessário, portanto,É
não hierárquicas lançam pontes para que os ato-
trabalhar asmúltiplas relações que se estabelecem entre os indivíduos
res sociais possam compreender, promover, discutir e problematizar o: (vértice do ensino) e a dança (vértice da arte) e o mundo que nos circunda.
Conhecimento de si:
Indivíduos aprendem o dançar ao mes1110 ten1P0 que aprendem sobre
repensar, problematizar transformar nossas
rever, criticar, e si
mesmos e dialogam criticamente com as transformações espaçotempo-
indagações pessoais a respeito de quem somos? de onde vie- rais da sociedade. Da mesma forma, as relações que se estabelecem entre
mos? a que grupos pertencemos? o que queremos?onde.com os indivíduos ("eus") e o público (os "outros") por meio do conhecimen-
quem aprendemos? queremos mudar? o que podemos fazer? to da arte chamam para a formação de um grupo "nós". Por isso, o ter-
a que nos comprometemos? ;
ceiro vértice do tripé desta proposta é o vértice da sociedade.
•
Conhecimento do(s) outro(s):
A partir do trabalho com esse vértice do tripé, sugiro que nas aulas
o conhecimento de si está intrinsecamente conectado ao co- de dança possamos estabelecer vínculos de compreensão, diálogo e par-
nhecimento do outro, dos outros, dos grupos a que pertence- ticipação com o mundo em que vivemos, que possamos compreender,
mos e dos grupos que não escolhemos. Gostos, atitudes, dialogar, participar e transformar as relações sociais cotidianas. Proponho
comportamentos, formas de relacionamentos, escolhas pes- que as questões
sociais contemporâneas devem permear e servir de urdi-
soais no coletivo são base para a convivência dialógica, ética dura para tecermos as redes das aulas de dança.
e sustentável em sociedade; sociais locais, nacionais ou globais estão necessariamen-
As questões
Conhecimento do meio: te
corpos que dançam, dado que nossos corpos são cons-
inseridas nos
oconhecimento de si e dos outros no mundo contemporâneo truídos socialmente.s As relações sociopolítico-culturais-ambientais são
não aceita distanciamento em relação ao conhecimento do
meio em sociais
que vivemos, pois os grupos que pertence- Veja Foucault (1991) e Johnson (1994) para discussão sobre o corpo socialmente construído.
a 8.
BARBOSA • CUNHA AOOROAG[M TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 61
60
ça como arte.
contextualizar: as histórias da arte, outras áreas de conhecimento
em sociedade. O universo das relações, afirma Paulo Freire (1982a), são Referênciasbibliográficas
eminentemente plurais, dialógicos, participantes e criativos. As relações
proporcionam aprofundamento, ampliação e crítica do conhecimento. É BARBOSA, Ana Mae. A illiagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 1991.
em outros tripés que também se articulam entre si e re-desenham, am- . Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.
Nesse sentido, mais importante do que os conceitos trabalhados são FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Rio de Janeiro: Vozes, 1991.
as relaçõesentre eles, pois são as relações estabelecidas que constroem I IARVEY,
David. Condição pós-moder1117. São Paulo: Loyola, 1992.
sentidos e significados aos/ pelos envolvidos nos processos de ensi- JOHNSON, Don. Corpo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
no-aprendizado de dança. Ou seja, mais importante do que conhecer os
LABAN, Rudolf. D0111ñ1io do Illovilnento. São Paulo: Summus, 1978.
conceitos de Laban em si, por exemplo, é traçar relaçõesentre esses con-
Dança edllcativa moderna. São Paulo: Icone, 1990.
sociedade em que vivem.
.
ceitos, os sujeitos e a
MARQUES, Isabel. Ensino de dança hoje. São Paulo: Cortez, 1999.
Dessaforma, compreendo a transformação inerente ao universo das
relações colocado por Freire não como ações pontuais que focam alterar Dançando na escola. São Paulo: Cortez, 2003.
das formas, os sentidos, os caminhos pelos quais as relaçõesentre essas Metodologia para o ensino de dança: luxo
ou necessidade? Lições de
I 'anca, Rio de Janeiro, UniverCidade, n. 4, p. 135-158, 2004.
concretudes permeadas de percepções e de virtualidades, os indivíduos
e o conhecimento se estabelecem. I see a kaleidoscope
.
mitam claramente conjuntos possíveis de ações complementares e inter- çàode qualidades, da curiosidade, do movimento,
que são diversos as-
conectadas. Ações que podem se manifestar concretamente em redes pectos daquilo que J. Dewey denomina de qualidade estética da
expe-
ciência verdadeiramente humana.
intermináveis de relações.
66 NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS 67
O eixo da CONTEXTUALIZAÇÃO, que eu chamo de contextualiza- o desenvolvimento cognitivo dos alunos. Em síntese: o que quer dizer, para
reflexão, os diferentes
ções, abarca as ações que focalizam, por meio da uma criança na faixa etária X, conhecer arte através da apreciação da obra
contextos da arte: a história, a cultura, circunstâncias, histórias de vida, artística? ou da leitura da imagem? ou da apreciação de formas da nature-
movimentos artísticos. za e de objetos variados produzidos pela cultura?
estilos e
Observando algumas práticas desenvolvidas no sentido de responder a
aprendizagem de formulações sobre o fenômeno artísti-
Trata-se da
estas questões, podemos dizer
realidade e de acordo com diferentes níveis que muitos professores dispostos a trabalhar
co em diferentes planos de
com Abordagem Triangular têm oscilado entre um extremo, que chama-
a
de compreensão. Esse eixo contém, assim, uma ampla gama de discursos,
ríamos de reducionismo narrativo, e outro, o do reducionismo formalista.
fruto:
No primeiro caso, o fato visual é reduzido à descrição de figuras e as crian-
da pesquisa teórica,
ças são levadas a narrar o que veem. Então o que se perde são as qualidades
o
da leitura de formas visuais específicas da obra de arte: narrando o que vê a criança pode
• e apren-
der muitas coisas, mas não necessariamente estará tendo a possibilidade de
• da pesquisa durante o processo do fazer artístico. estabelecer
um contato com a natureza do objeto artístico. Deste ponto de
faz narrar uma foto jornalística, figuras de um calendário qual-
vista, tanto
Assim pode-se aprender em contato com a Arte exercitando ações quer ou uma obra de Portinari.
complementares que se conectam de diversos modos, como peças de um No segundo caso, na tentativa de ensinar os elementos da forma visual, os
caleidoscópio em constante mutação. professores levam as crianças a observar formas, linhas, cores, texturas que
No relações ocorrem "naturalmente"
trabalho dos artistas, essas e compõem uma obra. Então, a obra se fragmenta nos seus elementos com-
de diversos modos dentro do fluxo de seus processos. positivos e o que se perde, em geral, é a experiência significativa do todo.
Porque não se trata de "aplicar" os três eixos nos alunos, como tanta ou "releitura" se substituem igualmente, na "aplicação mecânica" de uma
gente entende que deve fazer. suposta tendência em voga.
Há muitos anos atrás escrevi: Como propiciar à criança uma experiência de encontro significativo com o
universo da arte e não apenas um encadeamento de dados informativos
Focalizando questões relativas à educação estética, podemos dizer que sobre um artista, uma época ou elementos formais?
genericamente, antes de mais nada, o professor enfrenta duas classes de Em que idade é possível dizer que uma criança "aprecia" arte? O que quer
perguntas. A primeira classe envolve as questões que dizem respeito ao dizer "apreciar" arte em cada faixa etária? Que relação isto tem
com o con-
conceito de experiência estética e a segunda, as questões relacionadas com ceito de "apreciar" para o adulto?
68 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 69
Como descobrir as qualidades perceptivas características de cada idade, Então esse mapa é também a formulação da natureza do objeto de
para a partir delas edificar uma proposta de apreciação? estudo desse campo de conhecimento, presente na complementaridade
de campos distintos de atuação.
Essas perguntas ainda permanecem até hoje em muitos lugares.
Visto desse modo, esse mapa orienta muito mais a busca da signifi-
Acredito que é importante perceber em primeiro lugar a contribuição de ensinar e aprender arte, para que cada educador artista possa
histórica da Abordagem Triangular como um grande mapa delimitador
cação
formular suas próprias perguntas, por sua vez poderá traduzir em
que
de possibilidades para o ensino e aprendizagem da arte, que delineia conteúdos e procedimentos.
campos e focos de açãodistintos enquanto intenção e direção que se Conto a algumas pistas que me foram sendo sugeridas du-
seguir
completam e que contribuem conjuntamente durante cada percurso de
rante as inúmeras conversas que tive e continuo tendo com o ensino e
experiência da Arte.
aprendizagem da Arte.
A intenção e orientação de produzir concretamente um trabalho
A Abordagem Triangular me convidou a pensar que o planejamento
artístico não se confunde, enquanto propósito e ação, com a intenção e
de um curso, enquanto concepção, pode ser fruto das relações entre exer-
orientação de, por exemplo, ir a um museu para ler obras de arte, do
de cícios de aprender fazendo, lendo e contextualizando arte.
mesmo modo que não se confundem com a intenção e orientação
pesquisar, digamos, um determinado momento histórico da arte do oci- Que habilidades estão envolvidas no exercício dessas ações?
dente, ou a vida de um artista. Como uma criança que desmonta um intrincado quebra-cabeças fui
experimentando possibilidades até chegar a um ponto de partida que me
Um mapa é um guia que orienta percursos e estrutura a compreensão
da multiplicidade de possibilidades de ensinar e aprender em contato pareceu fecundo. Rascunhei três verbos, correspondentes a três tipos de
habilidades humanas que são exercitadas no contato com o universo da
com a Arte.
Arte: conceber, perceber e o terceiro, a princípio, denominei configurar. Mais
Assim a Abordagem Triangular não estabelece o
que fazer nem
cenário de de conhecimento
tarde,vendo que não era o que queria designar, configurar foi substituí-
aponta como fazer. Desenha um campos
do por concretizar.
inter-relacionados,um terreno no qual o ensino e a aprendizagem podem
ocorrer. Enquanto estrutura de possibilidades, caracteriza o fenômeno da Por que fui atrás desses verbos? Porque queria aprofundar meu
Arte enquanto um objeto de conhecimento na sua especificidade, distin- entendimento dos três eixos, espremendo-os como laranjas, de modo a
guindo-o de outros objetos de conhecimento. Imagino que desde o início encontrar o suco: as
açõesque conduzem o processo de aprendizagem,
da humanidade, mesmo exercendo as mais diferentes funções dentro do relacionadas aos recursos que uma criança ou um adulto precisam acessar,
descobrir
conjunto de ações simbólicas de cada cultura humana,o fenômeno que exercitar e num contato com a Arte.
hoje chamamos Arte sempre foi aprendido, ensinado e transmitido por Pensei que a produção de uma forma artística requer o exercício
meio da produção de formas, da leitura/ observação/ contemplação des- complementar da habilidade de imaginar e perceber. Sem a capacidade
planos, de conceber, sonhar, desenhar imaginariamente, como criar uma forma?
sas formas e do pensamento que as contextualiza em diversos
relacionando-as entre si. Tudo isso amarrado em cada caso, por um pro- Ao mesmo tempo, sem o exercício da percepção, que imagens significa-
pósito simbólico cultural que dá sentido às ações concretas manifestas. tivas alguém poderia evocar e inventar? A percepção crítica de distinguir
nas obras, nos textos críticos, orais ou escritos, nos registros de reflexão qualidades, compreendendo tanto realidades e formas "do mundo"
estética, orais ou escritos. quanto formas interiores (o que sei e o que não sei, a curiosidade, os es-
70 BARBOSA • CUNHA NO vrsums 71
formais ou afetivas entre qualidades que se apresentam fora e dentro do compreensão, da intimidade, dos insights e do contato daquela
sujeito que observa. pessoa com a obra, no instante da leitura.
E possível
"ver" uma tormenta no céu e "ver" uma tormenta em
confusos estados interiores quando se está diante de uma decisão e não A leitura,
fruto do exercício da imaginação e da percepção, pode
se sabe o que fazer. tornar-se assim produção de conhecimento estético.
A habilidade de concretizar refere-se à materialização de desenhos No eixo da PRODUÇÃO é possível aprender a:
imaginários e perceptivos. A concretização de uma obra de Arte, por
• conceber no plano imaginativo possibilidades técnicas e materiais,
exemplo, dá-se numa forma que é fruto de escolhas ao longo de um pro-
cesso de conceber e observar. num processo de visualizar o sonho da obra.
perceber relações entre qualidades materiais e técnicas, estados
Se meacompanham nesse percurso remexendo nessas ideias, vocês
poderão ver junto comigo que os três verbos começam a dançar movi- afetivos e reflexões.
mentos um tanto vertiginosos. É como se nos dissessem: você quer mes- • concretizar, ou seja, configurar a maneira particular e única de
mo saber, veja só o que mais temos para contar. produzir um trabalho artístico.
Espero que continuem me seguindo.
Esses campos de sentido dos três verbos são distintos enquanto
ações. No eixo das CONTEXTUALIZAÇÕESé possível aprender a:
Se olharmos mais de perto nos revelam que são responsáveis conjunta- conceber desenhos históricos, culturais, estilos e tendências, ima-
mente, como fatores estruturantes, pelas
açõesque compõem o fazer ginar os diferentes contextos da Arte.
artístico, a percepçãoestética e a reflexão sobre os diversos contextos em
perceber relações significativas entre os diferentes contextos e as
que a Arte se inscreve.
E assim características que os qualificam.
nos contam que conceber, perceber e concretizar são exercitados
continuamente, de modo complementar, nos três conjuntos de de- formulações particulares e únicas manifestas em textos,
concretizar
ações pesquisas, avaliações do próprio trabalho e dos outros. Trata-se
nominados pela Abordagem Triangular de Produção, Leitura e Contex-
tualização. assim da produção de uma reflexão pessoal sobre Arte.
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS 73
Com base nesse mergulho até os três verbos no fundo dos três eixos, Assim como a cozinheira sabe que sua função é produzir alimento,
posso propor exercícios de conceber, perceber e concretizar como alicerces o educador artista sabe qual é a sua função?
da aprendizagem da arte, inventados a cada vez para cada situação es- Sabe
que tipos de "alimentos" pode dispor a seus alunos? Sabe con-
pecífica de planejamento. ceber "refeições"? Mais do que tudo, sabe formular para si mesmo, com
Muitas outras visões estão sendo formuladas por artistas educadores base nas experiências de sua própria vida e pesquisa, por
que essa "co-
a partir de suas reflexões sobre a Abordagem Triangular, em diferentes mida" substância
que anima seu trabalho é fundamental para a existência
direções. humana?
Todas elas podem contribuir para uma melhor compreensão do A Abordagem Triangular é, assim, um ponto de partida, e principal-
sentido de aprender e ensinar Arte e devem essa possibilidade ao espaço mente uma espécie de bússola e não uma bula, o que faz toda a diferença.
aberto pela Abordagem Triangular. Uma bússola é extremamente útil nas mãos de alguém que sabe que
está a caminho, que se sabe um viajante e que se dispõe a enfrentar obs-
No século passado, só para um exemplo dentro da História
situar
do Ensino da Arte, um arte/educador em geral justificaria seu trabalho táculos e descobertas a cada instante, porque uma determinada intenção
valendo-se de vagas ideias, frágeis e fragmentadas, relacionadas, por anima cada passo e cada parada. Nas mãos de alguém que não está pre-
exemplo, à livre expressão, ao ensino de técnicas, e a uma infinidade de parado para viajar, uma bússola é inútil.
razões que Eisner chamou de contextualistas. Dificilmente seu dis-
E.
Um educador pode se beneficiar, e muito, da Abordagem
artista
curso sustentaria uma fundamentação capaz de especificar o Ensino da Triangular se pode se perceber em aprendizagem contínua. Se está dis-
Arte diante da aprendizagem de outros conteúdos de outras disciplinas. posto a perguntar a si mesmo, em primeiro lugar, qual a intenção que
A Abordagem Triangular faz precisamente isto: delimita os contornos do anima seu trabalho. Se está disposto a exercitar-se continuamente produ-
conhecimento artístico, estruturando um campo de ações
que conduzem zindo, lendo formas artísticas e refletindo sobre os diversos contextos da
processos de aprendizagem, específicos dessa forma de conhecimento arte. E antes de mais nada essa aprendizagem complementar
que pode
humano. capacitá-lo a usar a bússola da Abordagem Triangular. Percorrendo ele
Traduzindo em linguagem corriqueira: uma cozinheira precisa saber mesmo os campos da produção, da leitura e das contextualizações, é essa
experiência viva feita do exercício da curiosidade, da percepção, da
que sua função é produzir alimento. E que esse alimento é fruto de um
—
alimentos, tipos de refeições que compõem o dia a dia, combinações dos A compreensãoe utilização da Abordagem Triangular tem como re-
alimentos. Mesmo que esses sejam conhecimentos empíricos, existe
uma quisito um educador artista em constante transformação, em movimento.
concepção que organiza suas ações: a comida é fundamental para a exis-
Há quase dez anos, quando concebi um encontro entre contadores
tência humana, não se confunde com respiração, por exemplo, que também de histórias em São Paulo, parti do mesmo princípio que orienta minhas
nesse sentido é essencial. açõesde educadora artista.
Existem, é claro, diferentes aprendizagens, desde a cozinheira que Relato a seguir essa proposta como uma situação concreta de ensino
reproduz o alguém fazer
que viu até
um chefque resolve estudar a com- e aprendizagem da Arte narrativa que testemunha a visão até aqui ex-
posição química dos alimentos. pressa neste texto.
ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO DAS ARTES CULTURAS vrsums
BARBOSA • CUNHA
Espetáculos paraescolas, espetáculos para adultos, de contos por crever num processo de ensino e aprendizagem. A arte narrativa tem uma
narração História, funções culturais, trajetos de artistas contadores em diferentes
convidados estrangeiros e brasileiros vindos de vários estados, de
narração
contos para crianças e público em geral, rodas de contadores dehistórias, espaços e momentos, estilos, técnicas, características formais. Essa subs-
salas temáticas com inscrição prévia aberta a profissionais e não profissio- tância de conhecimento, que atravessa desde tempos imemoriais os gru-
nais,
narração espontânea sem inscrição prévia em espaços determinados pos humanos, como qualquer arte, tem um importante papel na apren-
e pesquisas de dizagem das pessoas de todas as idades.
narração.
O que se pode aprender em contato Então as propostas podem variar a cada encontro, mas nãosão
com as narrativas é a pergunta ações
que orienta o Boca do Céu. A ideia de que se aprende fazendo, escutando escolhidas ao acaso, ou desligadas umas das outras, como itens de um
e refletindo sobre
os diversos contextos da Arte de Contar Histórias ba- supermercado.
seia-se na bússola da Abordagem Triangular que organiza os três campos
A estrutura da Abordagem Triangular organiza um conjunto de ações
de do
ações encontro. Dentro de cada eixo da aprendizagem, infinitas
interligadas segundo uma intenção e uma concepçãoda arte de contar
podem ser planejadas.
ações histórias.
Por exemplo, no eixo da leitura e escuta de pessoas contando histó-
A intenção é de dispor um conjunto estruturado de situações de
rias temos desde situações aleatórias até espetáculos de narração, estru- aprendizagem, conforme convida a Abordagem Triangular. Não se trata
turados como formas artísticas elaboradas. Na situação mais informal há de planejar objetivos do tipo "levar o aluno à" ou estabelecer "o que deve
pequenos espaços delimitados com duas cadeiras onde a qualquer mo- ser aprendido".
mento alguém pode se sentar e contar uma história para a pessoa à sua
eixos de possibilidades de
frente. Podem ser duas pessoas conhecidas ou desconhecidas, a história
Dentro desse mapa disposto pelos três
aprender, cada participante cria seu próprio percurso e acaba se benefi-
contada pode ser inventada na hora, pode ter acabado de acontecer, pode
ciando bastante pelas surpresas dos instantes, não previstos, mas propi-
ser um conto que a pessoa escolheu no seu repertório para relatar naque-
ciados pela rede invisível de propósitos, como uma qualidade
móvel e
le momento. A ideia de criar esse espaço informal foi planejada a partir
do conhecimento de um dos vértices do triângulo-leitura/escuta, relacio- É
impalpável que reúne os elementos do mapa. a experiência de percorrer
—
criticando, escutando em silêncio, observando as diferentes ações,
nada a outras situações dentro do mesmo eixo: há
há
narrações temáticas,
encontrando pessoas, passando por desafios perceptivos, reflexivos e
de contadores profissionais para crianças, famílias ou esco-
narrações afetivos,
num bombeamento constante de distintas pulsações que
impri-
Ias. Há momentos em
que contadores estrangeiros e de outras partes do do que
me a marca de cada pessoa no aproveitamento único e particular
Brasil contam histórias trazendo seus diversos estilos e repertórios. Há
o Boca do Céu lhe oferece.
rodas de de contos que trazem uma ampla variedade de escolhas
narração de como contar
artísticas e estéticas. O encontro não ensina, não explica, não dá receitas
histórias, não fornece "apostilas" do que deve ser feito. Também não tem
O eixo da contextualizaçãoorganiza ações em torno da pergunta:
De quantas maneiras se pode refletirsobre a Arte de Contar Histórias? uma "linha" que deve nem uma "visão" ou "cartilha" polí-
ser seguida,
É feito tica, "palavras de ordem", "jargões" ou listas de conteúdos e procedimen-
de palestras, debates, pesquisas de narração, relatos de experiência de
los. Também não visa a "resultados" a serem atingidos.
contadores de histórias e relatos de trabalho com contos em diferentes
contextos. histórias de sua experiência no Boca do Céu
As coleções de relatos e
E,
finalmente, o eixo da produção oferece oficinas em que os partici- contadas pelos participantes atestam a fecundidade de concepção do
encontro.
pantes exercitam a arte de contar histórias orientados por profissionais
experientes cujas propostas focalizam diferentes conteúdos, habilidades milhares de encontros, nunca sequer imaginados, mas
São de fato
e procedimentos ligados à aprendizagem dessa substância artística. O rigorosamente assegurados pela disposição estrutural dos espaços, físicos
e simbólicos.
que se pode experimentar, que modos de contar se pode pesquisar, que
habilidades é preciso acordar, que recursos se pode acessar e inventar são Não é como numa feira, que tem estandes um ao lado do outro,
as perguntas que orientam as desse eixo. desconectados, em que o visitante vai colecionando prospectos, folders e
ações
78 NO ENSINO v151JA15 79
catálogos e pode até sair com dor de cabeça por causa do barulho infernal de sua formulação.A palavra, como disse Rumi, é a sombra da realidade
dos variados e desconexos sons do ambiente. e seu acessório. O que interessa é a realidade, a afinidade
que liga os seres
humanos por meio da Arte e não discutir nomes, se são copiados, inven-
No Boca do Céu, a qualidade invisível e impalpável que permeia os
acontecimentos, manifesta até nos sons diversos dentro e fora das pessoas, todos ou importados.
advém de proposta que anima o encontro e do desejo de conhecimento A Abordagem Triangular não serve para quem quer um manual, nem
dos participantes que fazem o encontro acontecer como um todo interli- tem caráter prescritivo. Requer o espírito livre, a disciplina investigativa
vivi-
gado e ao mesmo tempo se realizar particularmente na experiência e a disposição corajosa para perceber o que se anuncia ao longo dos pas-
da por cada um. gos no caminho, o não mostra bússola não define: as
que o mapa e a es-
Penso que é possível utilizar essa concepção como reflexão para colhas e a intenção do viajante,
qualquer situação de ensino e aprendizagem de arte.
Artistas educadores que puderem interrogar a Abordagem Triangu-
lar buscando na sua concepção um ponto de partida para mapear suas
beneficiarão de seus pressupostos.
açõescom certeza se
Acredito ser essa a função de uma bússola: fornecer orientação numa
delimita o
dada superfície, dentro de um espaço particular. O triângulo
espaço da arte enquanto objeto de conhecimento, as múltiplas relações
entre linhas e direções fornecem possibilidades de aprendizagem em
variados planos, intersecções, ângulos, acima, abaixo, dentro, além dos
contornos e das projeçõese construções de planos decorrentes das posições
da forma triangular, diferentes a cada situação de aprendizagem.
para —
sino de posibilifar su
acceso crítico a Ias clavescilltllrales eruditas Cabe aqui um parêntese para lembrar que, embora tenha sido criada
que constituyen los códigos del poder.
visando no ensino e a aprendizagem das Artes Visuais, tal proposta foi
Arriaga (2007) disfarçadamente apropriada para as outras linguagens da Arte nos Parâ-
metros Curriculares Nacionais (PCN). Isto provocou certo estranhamen-
to nos pesquisadores brasileiros mais críticos do campo da Arte/ Educa-
Quando já havia começado a escrever meu texto para este livro, ção, já que a política educacional que gerou os parâmetros estava
soube da reedição da obra A imagem no Ensino da Arte fundamental a —
identificada claramente com a tendência neoliberal, ou melhor, com uma
quem estuda Abordagem Triangular. qual não foi minha surpresa ao
a E nova ordem imposta pelo capital, que necessitava, por sua vez, da cons-
me deparar com um prefácio escrito pelo mesmo autor que escolhera para tituição de uma nova hegemonia. O olhar crítico e pós-crítico sobre essa
epígrafe: o arte/ educador espanhol Imanol Aguirre Arriaga, professor da hegemonia implica estabelecer as conexõesentre saber, identidade
nova
Universidade Pública de Navarra. e poder educação, política e sociedade.
—
Nesse contexto ressurge velha questão: Para que Arte na escola de questões que
a surgem em conexão com a reprodução da vida dentro da
pública? sociedade atual. [...] A gênese social dos problemas, as situações reais, nas
Sob o argumento do quais a ciência é empregada e os fins perseguidos em sua aplicação, são por
que é essencial para a formação das classes ela mesma considerados exteriores. (Horkheimer, 1975, p. 163)
populares, pelo processo de ensino e aprendizagem "na" e "da" escola
pública, na direção da nova hegemonia a ênfase recai na leitura/escrita Segundo a lógica de Horkheimer: "A teoria crítica da sociedade, ao
da língua portuguesa e na linguagem matemática, escamoteando as contrário, tem como objetivo os homens como produtores de todas as
linguagens da Arte. Não quero dizer com isto que não é primordial o suas formas históricas de vida" (1975, p. 163).
processo de leitura e escrita, assim também como o processo de apro- É importante o contraste estabelecido por Horkheimer na medida
priação da linguagem matemática. O que tento chamar a atenção é para
em que é possível compreender que a teoria
crítica se traduz na prática
o fato de que o privilegiar, apenas, o ler, escrever e contar é muito pouco
transformadora das relações sociais e possibilita o enfrentamento das
quando almejamos pelo processo educativo/ arte/educativo a leitura de ideologias dominantes e o quadro de injustiça social decorrente das mes-
mundo em sentido freireano quero dizer: comprometer-se com o pro- Além
—
calizada em Pernambuco, experiência que tratarei na conclusão do presen- dores como Walter Benjamin e Theodor Adorno, entre
outros. Segundo
te trabalho. Marilena Chaui,
Com o intuito de ressaltar o caráter transformador da Abordagem A Arte na escola tornou-se "o reino do vale-tudo", em nome da libe-
Triangular, sobre o qual Horkheimer chama a atenção, apresento uma raçãoda emoção, com um propósito ideológico de excluir as classes po-
versão da história desta proposta, a minha versão. E faço isso, de certa pulares do direito a
um processo arte/educativo emancipatório, que le-
maneira, autorizado pela ideia que foi estabelecida para este livro, ou seja, varia os estudantes a leituras de mundo mais elaboradas. Tais leituras são
partir de uma concepção de pesquisa etnográfica qualitativa, que consi- possíveis, apenas, quando as dimensões estética e artística fazem parte
dera ritos, saberes e práticas culturais dos sujeitos/ objeto de pesquisa, —
sistematicamente do processo de apreensão do real.
—
que valoriza o pesquisador como sujeito envolvido no contexto a ser Neste contexto, surgiu a Abordagem Triangular, claramente confi-
descrito e interpretado, por meio de uma construção discursiva. Trago gurando-se como uma mudança de rumo dos laços entre teoria e prática
para a reflexão, portanto, um tom autobiográfico. em Arte/ Educação. Era, então, uma proposta que exigia dos arte/educa-
aqui, a minha versão da história:
Eis, a Abordagem Triangular surgiu dores, especialmente, naquele momento inaugural, uma revisão histórica
livre expressão reforçada pela
em um tempo de pasteurização da ideia de sobre dois aspectos que se articulam: o papel da arte na constituição do
representação do arte/educador como o mago das técnicas, estimulador
da sensibilidade, em outras palavras: era apenas uma figura que "deco- Penso que é significativo o ato de rever a história da Abordagem
rava" as festas escolares e comemorava o dia do folclore; aquele que Triangular, pois isto contribuí para a seguinte compreensão: a proposta
elegia os talentosos estudantes fazedores de arte e os destacam; aquele foi criada a partir de uma visão sistêmica de leitura da obra de arte e da
que, aos olhos dos colegas de matemática, língua portuguesa, história e imagem em geral, tendo como um de seus princípios o pensamento frei-
geografia, era visto como menos importante, pois a Arte não era pensada reano, ao buscar a democratização dos saberes artísticos de uma das
atividade
nem como conhecimento nem como cultura e sim, como mera linguagens da Arte Artes Visuais
—
que ainda é pensada, de certa
—
maneira, como direito de poucos. A própria Ana Mae, em sua obra Tópicos
vaga ideia de criatividade. utópicos, deixa claro o fundamento freireano do sistema triangular no
Predominava, portanto, o modelo denominado de Educação Artís- destaque a seguir.
tica, referendado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN) n. 5.692/71 lei de tempos muito difíceis em nossa educação.
— Leitura da obra de arte é questionamento, é busca, é descoberta, é o desper-
tar da capacidade crítica A educação cultural que se pretende com a
Cabe aqui outro parêntese para justificar que a ideia de "livre expres-
Abordagem Triangular é uma educação crítica do
conhecimento construído
são" elaborada e difundida, a partir de 1948, pelo Movimento Escolinhas
pelo próprio aluno, com a mediação do próprio professor, acerca do mundo
,
expressãointerpretada, posteriormente, na escola pública como um "dei- na Teoria Crítica e propõe uma pedagogia da Arte emancipatória. O sis-
xar fazer", sem base teórica ela foi deformada, traduzindo-se em um tema triangular trabalha no sentido contrário à ideologia dominante —
"espontaneísmo proposital" pelo pensamento educacional vigente. tem, portanto, a busca da emancipação por meio da apropriação dos sa-
como forma de libertação, o que fez surgir no Brasil, por sua vez, a concep-
lização/fazer artístico não podem ser vistas dissociadas, como mo-
—
çâode Arte/ Educação crítica e pós-crítica que tem sua matriz na tríade
mentos estanques ou fragmentados. O sistema triangular, pelo fato de dialogal do pensamento e da prática destes três educadores. (2007, s/ n)
possibilitar o acesso ao universo da Arte, como direito de todos, promo-
ve a emancipação e rompe com a "cultura do silêncio" denunciada por A abordagem em estudo pode ser entendida, neste sentido, como
Paulo Freire. epistemologia da Arte/ Educação, ou seja, compreende-se como o estudo
Neste ponto preciso, cabe lembrar: todos os que estudam o pensa- sistemático da dialética entre os
modos de ensino e aprendizagem da Arte,
mento de Ana Mae Barbosa sabem que ela sempre destaca sobre sua portanto, é profundamente inspirada na expressão freireana: "curiosida-
de epistemológica". E expressa
formação a importância de Paulo Freire e Noemia Varela como pensado- uma mudança de paradigmas na História
da Arte/ Educação brasileira. Tal abordagem traz
res que deixaram marcas profundas em suas concepções de mundo, de à marca do pensamen-
to, tanto de Noemia Varela quanto de Paulo Freire, da primeira a
educação, de arte e de cultura.l neces-
sidade de adentrar-se no universo da Arte, do segundo a busca pela de-
O memorial Narrativa circunstanciada, de Ana Mae Barbosa, escrito para a obtenção da livre-do-
1. mocratização deste universo compreensão que justifica, de certo modo,
—
cência (ECA/USP), enfatiza as influências de Paulo Freire e Noemia Varela em seu pensamento. a articulação entre a ideia de Arte
como expressão com a ideia de Arte
Quando pesquisava sobre o Movimento Escolinhas de Arte, Noemia Varela apresentou uma cópia
do referido documento e eu publiquei trechos do mesmo. Ressalto a seguir dois trechos muito sig-
como cultura e conhecimento.
nificativos: "Não havia uma vasta escolha profissional naquele tempo em Recife. As Faculdades de
Filosofia ainda não tinham credibilidade. Um aluno, primeiro lugar da classe,
para não desperdiçar No Instituto Capibaribe, [...l. A primeira aula foi dada por Paulo Freire
que simplesmente pediu que
seu talento era, invariavelmente, aconselhado por seus mestres a escolher dentre as três mais impor- escrevêssemos explicando por que queríamos ser professores. Meu texto foi o inverso: procurei ex-
tantes carreiras: Medicina, Engenharia ou Direito. Para mim, [...l, restou a vala comum do Direito.
plicar por que não queria ser professora. Paulo Freire me chamou então para uma conversa individual
Para esta escola iam todos os aspirantes a atividades humanísticas. A interferência da família conti- c Ine convenceu de que educação não era o que eu tinha tido; era outra coisa
que procuraríamos
nuou na base de negação de apoio financeiro para meus estudos. Resolvi, então, trabalhar, mas a descobrir durante o curso. Descobri, sim, que educação é constante descoberta de si, dos outros
uma
única função externa que meus familiares consideravam digna para uma mulher, era o magistério. do mundo"; [...] O encontro com Noemia Varela, naquele
"
foi,
mesmo curso especialmente, impor-
Surgiu um concurso para professores primários da Secretaria de Educação de Pernambuco. Estes tante para me levar a
um indissolúvel engajamento com educação. A ela coube dar as aulas de Arte/
concursos eram extremamente concorridos porque a professora primária, na década de 1950, ainda Ed
tinha status e reconhecimento social. Vários cursos preparatórios para o concurso foram organizados.
ucaçâo e me fazer descobrir as Artes Visuais. Até então,
meu mundo sensível era alimentado pela
literatura; Noemia Varela me conduziu para aexperiência estética através do visual".
88 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARTES CULTURAS VISUAIS 89
Ainda neste ponto preciso, não posso deixar de registrar algo muito tica. Para construção de minha argumentação ressaltei da concepção
a
significativo, isto é, mais uma conexãoentre o pensamento freireano e a crítica a contraideologia e da concepção pós-crítica a ênfase na crítica
obra de Ana Mae Barbosa, para a compreensão deste texto, algo que en- pós-colonialista.
contrei em Moacir Gadotti, grande estudioso e divulgador do pensamen- Neste sentido, o currículo na perspectiva crítica ressalta o
peso da
to freiriano, na obra Paulo Freire: uma biobibliografia:2 ideologia (dominante) e seu papel de reprodutora cultural e social na
ed ucação, sendo necessário a construção de
um processo contraideológi-
O pensamento de Paulo Freire a sua teoria do conhecimento deve ser —
de resistência que à
—
Como primeiro secretário da Associação Nordestina de Arte/Edu- Sua presença carismática e o conteúdo de suas palestras: "A modernidade
cadores (Anarte/núcleo P E), fui membro de uma equipe que organizou e a pós-modernidade no Ensino da Arte" e "Metodologia da apreciação
0 30 Seminário de Arte / Educação realizado no Recife no ano de 1988. Este artística", provocaram inquietações. Hoje, percebo que, na verdade, o que
seminário, em pleno movimento de abertura política do país, refletia um inquietava e incomodava o público presente ao seminário, era a ideia do
clima de debate e de fortalecimento do movimento associativo. Assim, resgate histórico como possibilidade de revisão do presente. (Coutinho,
ele foi organizado a partir de uma negociação política entre a Anarte/PE 1994, p. 24)
co
—
local —
possibilitou transformações no processo de ensino e de colonizados. Ignorância da própria História torna os
povos mais facilmen-
aprendizagem em Arte. te
manipuláveis. (Barbosa, 1986, p. 2)
Ressalto
que a Abordagem Triangular, por sua amplitude e profun- A partir de uma apropriação da Abordagem Triangular, bem elabo-
didade, não cada e traduzida por meio de uma prática arte/ educativa crítica e
apenas dialoga com os estudos de currículo, mas também
pós-crítica, trago para concluir este texto história de Luiz Paulo Ferrei-
com os estudos sobre a formação de professores, e, nesse sentido, a pes- a
Silva para o mestrado em Educação da UFPE pode ser pensada como o Ele é o cruel professor de Arte e trabalha na escola pública Conselhei-
próprio estado da arte. ro Samuel Mac Dowell, localizada no grande Recife, município de Cama-
Com o sugestivo título, Arte como conhecimento: as concepçõesde ensi- ragibe, palco de um trabalho extremamente digno de Arte/ Educação.
no de arte na formaçãocontinuada dos professores dos anos iniciais do Ensino Trabalho que merece destaque por dois moti-
Fundamental esse trabalho defende a ideia de Arte/ Educação
de Recife, vos: primeiro pelo arranjo reinventivo da Aborda-
como epistemologia, ou melhor, enfatiza o estudo dos modos como se gem Triangular, elaborado por Luiz Paulo, a partir
ensina e se aprende Arte. O autor destaca: "Um outro princípio defendi- de uma relação dialógica, isto é, considerando as
do pela Arte/ Educação Pós-Moderna está relacionado à aprendizagem visões de mundo, a tuações profissionais ehistórias
dos conhecimentos artísticos, a partir da inter-relação entre o fazer, o ler de vida dos estudantes sem perder de vista o papel
e o contextualizar arte [...l" (Silva, 2005, p. 63). Em outro trecho do citado emancipatório crítico e pós-crítico
—
da Arte/ —
trabalho o autor ainda segue afirmando Educação; segundo por ter como palco uma esco-
que
la pública da periferia deuma grande cidade.
[...] o movimento epistemológico na forma de conceber, filosófica e meto-
O arte/ educador em destaque é considerado
dologicamente, o ensino de arte na contemporaneidade, que não ocorria
cruel —
embora pareça paradoxal carinhosa-
—
arte na educação escolar; antes, foi fruto da luta política e conceitual dos nãochega atrasado e leva a sério as pessoas com as
quais trabalha, principalmente
arte/ educadores brasileiros, que buscaram justificar a
presença da arte na porque sabe da im-
educação a partir do paradigma da cognição. (Ibid., p. 66) portância da Arte para a formação de leitores de
mundo. Este trabalho é destaque, enfim, por uma
A pesquisa desenvolvida por Everson Melquíades não parou por aí, razãomuito simples: ajuda a tirar da invisibilidade
o arte/educador atualmente continua seus estudos em uma pesquisa no jovens e adultos que, pelo ato de pensar e repensar
doutorado em Educação (UFPE) tendo com foco a Arte/ Educação. o universo das Artes Visuais, dizem de si mesmos,
E pela terceira
vez volto à questão: Para que Arte em um projeto de de suas culturas e, assim, rompem o silêncio a
que
educação escolar voltado enfaticamente para as classes subalternas da suas condições culturais e sociais injustas haviam
sociedade brasileira? lhes imposto.
Esta complexa questão reverbera entre nós arte/educadores há mui- Sobre a experiência: no primeiro momento o
to tempo. arte/educador levantou o que pensavam seus
estudantes sobre Arte. Depois ele levou a obra de
Apresento à história —
O cruel professor de Arte
não como respos- —
tafechada à questão enfatizada, mas como metáfora da constituição de Frederico Morais Arte éo que eu e vocêchamamos de Arte (1998), o que
um projeto de educação escolar em Arte na perspectiva emancipatória.
possibilitou ao grupo envolvido contrapor suas ideias às ideias de
96 BARBOSA • CUNHA
91
passarela da
dio); "A arte pra mim é o
que eu vejo todo dia. Exemplo: a
BR 1()1" (Érique, 10A— ensino médio); "Arte: o nome já está dizendo que Elaborando as leituras interpretativas sobre a obra de Leonardo da
pode ser uma pintura ou uma travessura...é o que eu acho" (Valéria Melo Vinci em estudo, Juliete Hosana (IOF) diz: "Tirando a mulher, nada é tão
Simão, IOA ensino médio).
—
Às visões pessoais dos estudantes Luiz Paulo acrescentou as defini- naostrar a vida numa estátua".
no livro de Morais, e entre elas encontramos: Duchamp,
çõesapresentadas Trago para enfatizar a importância, sofistica-
Christo e Fayga, entre outros. damente simples, do trabalho desenvolvido por
No decorrer do processo, os estudantes leram aintrodução do livro Luiz Paulo, estas apropriações
—
interpretações
—
O que éArte, de Jorge Coli (1984), e tiveram acesso a uma imagem, em reinventadas do Davi, nas quais se pode perceber
reprodução xerocada, da obra Davi de Michelangelo para ser trabalha- a riqueza dos cenários em que o personagem é
da com materiais muito simples: lápis de cor e de cera, linhas de lã, colocado, as roupas, enfim, a construção reelabo-
retalhos de tecido e caneta esferográfica, nada que não fosse do coti- rada pelos estudantes. Chamo a atenção para
a
um marco. Teoria que foi se constituindo há algum tempo, possui história, )UTINHO, Rejane. Reflexões: por que a História dos Fundamentos da Ar-
é encarnada: nasceu das conexõesentre Paulo Freire, Noemia Varela e t", Educação? In: ENSINO DE ARTE: Reflexões, Recife, Anarte/Editora da Escola
Ana Mae Barbosa e nós arte/educadores, deste tempo atual, devemos lócnica Federal de Pernambuco, 1994.
ensinar aos arte/educadores do futuro sobre a História da Arte/ Educação
ISF,RIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
em nosso país.
Para que outras histórias sejam contadas, concluo citando mais uma )KHEIMER, Max. Teoria tradicional e teoria crítica. In: LOPARIÉ, Zelijko;
ARANTES, Otília B. Fiori (Org.). Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1975.
vez Ana Mae Barbosa:
.
Filosofia e teoria crítica. In: LOPARIÉ, Zelijko; ARANTES, Otília B. Fiori.
Vivemos um tempo que não tem nome próprio, mas é designado por um )rg,). Pensadores. São Paulo: Abril, 1975. (Col. Os Pensadores.)
prefixo acrescentado ao passado. Trata-se do prefixo "pós" do pós-moder-
nismo, do pós-colonialismo, do pós-feminismo, enfim a era do pós-tudo MC )RAIS, Frederico. Arte é o que eu e vocêchamamos Arte. Rio de Janeiro: Record,
apocalíptico de Augusto de Campos. Queremos explicitamente ultrapassar
o passado sem deixá-lo de lado. (2009, p. XXV) )BRE, Marcos. A teoria crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
.VA,Everson Melquiades Araújo. Arte como conhecimento: as concepções de
É, pois, tempo apocalíptico
neste pós-tudo
—
que o campo da
—
propõe quebrar o silêncio conclamando os arte/ educadores à construção ( 'niversidade Federal de Pernambuco, Recife, 2005.
de práticas transformadoras e emancipatórias.
,VA,Tomaz Tadeu. Doctlmentos de identidade: uma introdução as teorias do
i"Tículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
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BARBOSA, Ana Mae (Org.).Arte-Ed11cação no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1986.
meio digital, vídeos, cinema e televisão, muitos são os veículos de distri- sópara a arte deontem e de hoje, mas também para as manifestações artís-
buição da produção imagética contemporânea e é neste contexto que as ticas do futuro. (p. 19)
discussões sobre A imagem no Ensino da Arte se situam. Compreende-se
que a quantidade e a diversidade de imagens recebidas não têm repre- A Abordagem Triangular foi sistematizada, segundo Barbosa, no
sentado um domínio efetivo dos processos de produção e de comunicação. Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, no perío-
O volume de mensagens muitas vezes serve para obliterar a visão e formar do de 1987 a 1993. Escrevia a este respeito e problematizava:
um senso comum médio, bem como um gosto comum médio, colocado a Triangulação Pós-colonialista de Ensino da Arte foi apelidada de "meto-
a serviço da máquina de consumo, que hoje move a sociedade capitalista
dologia" pelos professores. Culpo-me por ter aceitado o apelido e usado a
(Jameson, 1995).
expressão Metodologia Triangular em meu livro A imagem no Ensino da Arte.
O uso da imagem em sala de aula tem, assim, constituído um desa- Depois de anos de experimentação, estou convencida de que metodologia
fio ao professor em geral e ao de Arte em particular. Perguntamo-nos é construção de cada professor em sala de aula e gostaria de ver a expressão
sobre quais imagens, sobre a qualidade destas, sobre as formas de leitura, Abordagem Triangular substituir a prepotente designação Metodologia
entre outros aspectos. Identificamos que seu uso no contexto escolar ain- Triangular. (Barbosa, 1998, p. 33)
da é, essencialmente, o de ilustração de conteúdos (Schütz-Foerste, 2004).
E complementa: "em arte educação, problemas semânticos
e em
Segundo, Barbosa (1998),
nunca são apenas semânticos,
mas envolvem conceituação" (p. 33). Nes-
te sentido, não foram
os professores, tradicionalmente, no Brasil, têm medo da imagem na sala poucos os problemas de interpretação e ressignifi-
de aula. Datelevisão às artes plásticas, a sedução da imagem os assusta, caçãoda Abordagem. Em todo o país a discussão se fez presente nos
porque não foram preparados para decodificá-las e usá-las em prol da cursos de formação de professores e, principalmente, no cotidiano da sala
aprendizagem reflexiva de seus alunos. (p. 138) de aula. Novas pesquisas tiveram a então apelidada Metodologia Triangu-
lar como tema e problema. Como exemplo, a dissertação de mestrado de
Neste debate Ana Mae Barbosa é protagonista de uma discussão Roseane Martins Coelho, defendida na Universidade Federal de Santa
constante acerca da qualidade das imagens e do papel ativo dos sujeitos Catarina, em 1996, intitulada A difusãodo projeto Arte na Escola:
um estudo
leitura destas. Sobretudo, mantém a ênfase
na na construção de propostas sobre a prática dos professores e professoras nas escolas públicas de Florianópolis.
de ensino que levem à escola obras de arte e imagens de outras visuali- Neste estudo, entre outros aspectos, investigou equívocos na interpreta-
dades e de metodologias capazes de tratar a arte "como conhecimento e
çáoMetodologia Triangular por parte dos professores. Um dos principais
não somente como um grito da alma". Neste sentido, entende que "uma enganos está na compreensão da proposta em fases, no sentido da frag-
das funções da Arte/ Educação é fazer a mediação entre a arte e o público" mentação e hierarquização do que deveria constituir-se em uma unidade
(Barbosa, 1998). articulada em constante interação. A compreensão de que a proposta é
Desenvolve-se,neste sentido, um amplo debate sobre a necessidade composta por partes independentes, sequenciadas e hierárquicas é um
de maior aproximação da escola com as instituições culturais. Para a dos problemas identificados a partir da pesquisa. Para Barbosa (1998),
"este erro é de somenos importância comparado com o
autora, engano de res-
tringir o fazer artístico à releitura" (p. 40).
os museus são lugares ideais para o contato com padrão de avaliação da Na residem as mais instigantes questões fomentadas pela
releitura
arte através da sua história, que prepara um consumidor de arte crítico não
Abordagem. Dizem respeito à tênue linha que separa a releitura da cópia.
104 BARBOSA • CUNHA
4.
nhecimento. Os licenciandos não conseguem compreender o produto
Compreendo que a disciplina Prática de Ensino é o momento de maior imbricação do conte-
údo específico, conteúdo pedagógico e a tarefa de ensinar. artístico, para além de formas parciais com que são abordados no curso.
100 BARBOSA • CUNHA TRIANGULAR NO ENSINO DAS CULTURAS VISUAIS 107
Poucos apresentaram preocupação com a articulação do saber artístico justifica-se na busca de superação das práticas de dominação e transfe-
com a construção de uma proposta de ensino de arte voltada à formação i'éncia de teorias estrangeiras. Em 1982, investiga a influência americana
do cidadão emancipado, reconhecendo a arte como produto do trabalho na Arte/ Educação no Brasil e publica parte dessa pesquisa escrita em
do homem. Os licenciandos têm dificuldades em compreender o conhe- inglês e traduzida para o português, abordando a influência de John
cimento como expressão de uma generalidade humana,
artístico-estético
I)ewey na Arte/ Educação no período da Escola Nova (1927-1935). A
na qual a singularidade da forma e conteúdo não tem fim em si mesma, pergunta central da investigação era compreender de que forma se efetua
mas remete o leitor à totalidade social da qual ela
faz parte.
recepção da concepção pedagógica daquele filósofo-educador, através
A história relativamente recente dos cursos de licenciatura no país, cla leitura e ressignificação ao pensamento pedagógico de educadores
currículos defasados, o incentivo e a investimento reduzidos do governo brasileiros, para a construção de uma prática educativa caracterizada por
em políticas públicas de educação básica têm dificultado maior articula- uma "colagem" fragmentária e descontextualizada.
çãodos profissionais da área para, por exemplo, fazer frente aos Parâme- Suas reflexões nesse estudo conduzem-na a um posicionamento de
tros Curriculares Nacionais (PCNs), na perspectiva de construir experiên-
denúncia frente ao Ensino da Arte na escola. Dizia:
cias de ensino e pesquisa da arte contextualizadas. Nos documentos
oficiais, como os PCNs, encontramos um espaço vazio no que se refere à É absoluta a submissão do arte-educador a modelos de importação indife-
compreensão do que se convencionou chamar de leitura da imagem, ou renciados. A busca de novas técnicas e modelos de organização que estão
leitura da obra de arte. Pode-se perceber que permanecem lacunas no que sendo atualmente usadas nas nações centrais é uma obsessão muito comum.
[...] Pela acomodação na dependência, estamos perdendo uma oportunida-
se refere ao referencial advindo das ciências sociais, necessário à leitura
de de transformar a arte no meio de humanizar a escola e de ajudar a for-
das imagens. O questionamento que Barbosa (2002) dirige aos Parâmetros
de uma identidade cultural.
Curriculares Nacionais diz respeito, entre outros aspectos, ao caráter mação
homogeneizador do documento.
Isto setorna essencial quando consideramos que a arte é agora uma disci-
plina compulsória nas escolas de primeiro e segundo graus e nos cursos de
Ainda demandamos política públicas de inclusão das artes nos cur- 1982, p. 121)
educação para adultos (supletivos). (Barbosa,
rículos da escola básica; necessitamos de maior valorização dos profissio-
nais da educação e autonomia na construção de propostas educativas. A obrigatoriedade da Educação Artística não representava, em ab-
Em particular, é preciso repensar o projeto de formação na perspectiva soluto, a efetiva oferta de
um ensino de arte crítico e criativo.
Antes, porém,
de maior articulação entre ensino e pesquisa. estava comprometida com modelos estrangeiros de manutenção de de-
pendência.
Barbosa foi pioneira na produção teórica sobre Arte/ Educação no
As perguntas de Ana Mae Barbosa no início de suas pesquisas: um pouco Brasil. Nas discussões de 1981, que tem por título: "Dez anos de resistên-
de história
cia" busca compreender a trajetória de ensino de artes no período de 1971
,
deslocados e menosprezados pelo sistema escolar. Nos últimos três anos, Educação, por constituir então uma área com poucas publicações e pes-
os professores de arte vêm abrindo um espaço de resistência nas escolas, quisas, não era respeitada no meio acadêmico e nas fontes financiadoras
através da demonstração de um padrão de melhor qualidade de ensino. deparou não partiam
de pesquisa. Os preconceitos com os quais Barbosa se
(Barbosa, 1984, p. 23-24) apenas dos educadores, ou dos historiadores, mas também dos
arte-edu-
cadores.
Seudiscurso apresenta como elemento novo a ideia de que é possível
Os interlocutores de Ana Mae Barbosa, na década de 1980, são os
a superação do estado de marginalidade pela via da união de forças, or-
educadores em geral, o Estado, na figura da escola oficial, os artistas e,
ganização política e qualificação dos profissionais da área, e, principal-
principalmente, os professores de Arte. Com os educadores, a autora
mente, a crença na possibilidade de compreender o espaço escolar, em
debate sobre a abertura do espaço para o Ensino da Arte na escola e o
sua dialeticidade.
reconhecimento do arte-educador como uma categoria profissional. Do
As pesquisas desenvolvidas na área, a partir dos cursos de pós-gra-
Estado, continuava reivindicando uma proposta de política para a for-
duação, tiveram início na década de 1980, de forma incipiente e localiza-
dos arte-educadores, um comprometimento qualitativo para a
da. Os resultados dessas pesquisas
vão sendo então gradativamente di- nnação
oferta da disciplina nos currículos da escola básica e a democratização
vulgados na década de 1990.
das questões pertinentes à escola, no que se refere, especialmente, à ges-
A organização política do arte/educador também se torna uma ne- tao do processo de ensino-aprendizagem. Aos artistas, Barbosa reforça os
cessidade nesse período. Impulsionados por um conjunto de condicio- "apelos"5 para o envolvimento destes nas discussões sobre Arte/ Educa-
nantes, entre os quais os movimentos de organização política e científica
çáo, no sentido da participação desta área na formação dos indivíduos,
na sociedade, em especial na educação, promove-se, em agosto de 1984, pela via da escola enquanto espaço de democratização da arte. Critica a
na Universidade de São Paulo (USP), o Simpósio Internacional de His-
I
atitude de negar a Arte/Educação e defende um trabalho de parceria
tória da Arte/ Educação. A este, Barbosa dedica maior empenho. Neste,
entre artistas e arte-educadores, na escola. Sua atenção maior recai sobre
organiza livro, publicando as palestras e as mesas-redondas do referido
o professor de Arte. Com os quais estabelece diálogo intenso a partir de
Seminário. Na introdução dessa publicação, a autora comenta: encontros no Brasil, como ampliando o debate com arte-educadores de
Nunca havia se realizado em nenhum outro país um encontro sobre Histó- diferentes nacionalidades, através de encontros promovidos pelo INSEA
da Arte/Educação. Mesmo os americanos, onde as pesquisas em Arte/
ria (Internacional Society of Education Through Art).
Educação são mais avançadas, ficaram entre temerosos e esperançosos O livro intitulado A imagem no Ensino da Arte: anos oitenta e novos
acerca do sucesso do Simpósio. Nos Estados Unidos, segundo eles, o desin- I('IIIPO, publicado em 1991, constitui importante produção nas discussões
teresse pela História da Arte/ Educação se reflete na dificuldade que os do campo do Ensino da Arte. Nessa publicação, resgata a trajetória e
estudiosos têm encontrado para financiar suas pesquisas. embates do Ensino da Arte, em especial, na abordagem metodológica
Foiprecisamente na luta para obter financiamento para o Simpósio que me deste campo, e propõe o que passou a ser denominada de Metodologia
deparei com uma série de preconceitos. (Barbosa, 1986, p. 8). Triangular. Apresenta a tendência do Ensino da Arte que parte da leitura
e contextualização da imagem de qualquer categoria, inclusive das mídias liaulo Pasta fizeram com Tuneu, que foi aluno de Tarsila do Amaral. Sua
comunicativas. Defendendo a indissociabilidade entre a história, o fazer conversa partia da preocupação com o slogan de que arte não se ensina.
artístico e a leitura crítica e estética da imagem, sistematiza algumas 'linha como objetivo descobrir como era a relação de passagem de uma
abordagens que partem desse princípio. Também reforça, nesse livro, sua experiência de Tarsila para o 1998, p. 151).
reivindicação por um Ensino da Arte de qualidade, enquanto disciplina O início da década de 1990, que chamava de "novos tempos", é
curricular nas escolas. Essa publicação torna-se um marco nas discussões compreendido como momento da grande expansão do setor de serviços,
da Arte e seu ensino, visto que afirma-o como espaço para introduzir a no que se refere à produção; de crescente necessidade de qualificação e,
"imagem" na escola. Atribui ao Ensino da Arte o precípuo papel de edu- principalmente, nodomínio da informação;e como momento de impres-
car artística e esteticamente. Contudo, defende que educação estética não cindível aproximação entre subjetivação e razão. Seus argumentos já
se restringe apenas ao Ensino da Arte, mas deve ser uma preocupaçãode
(lenotavam sua preocupação
com as questões da pós-modernidade, ao
todas as áreasdo conhecimento humano. Parte do princípio de que a Arte defender os espaços profissionais para o cidadão nos "novos tempos",
é um componente da herança cultural de um povo, assim sendo, deve especialmente quando propunha a leitura da obra de arte no ensino,
estar presente na sala de aula, ser contextualizada e analisada. Reiteradas demonstrava uma identificaçãocom as discussões da contemporaneida-
de. Diz, ao sugerir
vezes reforça a ideia de que não deve ser exigida a interpretação gráfica o uso da imagem na sala de aula: "Uma forma, uma
fiel à obra, pois não defende a cópia, assim como não preconiza uma itnagem viajando através da história, recebe o tratamento plástico con-
leitura daquilo "que
o artista quis dizer" com a obra, mas sim daquilo temporâneo submetido à desconstruçãoque teoricamente é a escola crí-
tica da pós-modernidade" (Barbosa, 1991,
que a obra diz a você". p. 81).
A contextualização da obra de arte é um dos eixos da Abordagem A ênfase de suas discussões recai sobre a leitura da imagem, que para
ela não pode ser compreendida
Triangular que recebe grande influência de Paulo Dizia, "a ideia
Freire. como cópia ou representação fidedigna
da obra ou da imagem do cotidiano,
da contextualização, de leitura, é influenciada por Paulo Freire. a ideia É mas como contextualização, análise,
de que nunca se deve descontextualizar o ensino. O ensino deve estar interpretação, julgamento e recriação. Passa, a partir daí a perseguir uma
ideia de ensino contemporâneo da arte.
sempre referido ao seu contexto" .6
A construção de uma proposta de ensino que eleja o princípio da Após a publicação do livro A imagem do Ensino da Arte (Barbosa, 1991),
historicidade e a referência do homem e seu meio ambiente natural e por várias vezes manifestou interesse em acompanhar sistematicamente
social é o objetivo da autora. Porém, a construção de uma proposta de interpretação da Abordagem Triangular nas aulas de arte, e é precisa-
ensino nessa perspectiva somente poderia ser construída na coletividade. sentido que a presente publicação toma força e se consolida
nw•nte nesse
Suas num esforço coletivo, como pesquisa coordenada por Ana Mae Barbosa
perguntas se ampliam e diversificam com o passar do tempo,
c Fernanda P. Cunha.
em especial com a participação em um movimento coletivo ampliado.
Embora ainda perseguisse uma questão fundamental, como dizia: "uma Desde meados dos anos 1990 defendia que a metodologia de Ensino
da Arte deve ser proposta pelo profissional da Arte/ Educação. Por isso
coisa que me preocupava muito no Ensino da Arte é o método" (Barbosa,
1998, p. 157). Tal questão é recorrente em suas pesquisas em diferentes acredita que o termo "metodologia triangular" nãoé o mais apropriado,
pois poderia induzir a compreensão de que esta é a única maneira de se
espaços e com diferentes sujeitos. É o exemplo da entrevista que ela e
ensinar Arte. Para a autora, a Abordagem Triangular
não pode ser trata-
da de forma dogmática. Defende Ensino da Arte pode ser desen-
6.
Entrevista concedida em 1995, disponível no site: <www.proex.ufes.br/arteducadores>. que o
112 BARBOSA • CUNHA
rromu
volvido com diferentes abordagens, mas que partam da leitura de obras historicidade do ponto de vista da diacronia, mas aceita e toma
posse da
e do campo de sentido da arte, leituras do meio ambiente, leitura de ou- historicidade do ponto de vista sincrônico".8
tros meios de comunicação. Acredita que a Arte é informada pelo contexto econômico, político
No que se refere à leitura da obra de arte, não delimita o enfoque a ser e socialque a produziu. Assim sendo, torna-se imprescindível um estudo
dado, desde que sejam respeitados os princípios da "análise crítica da ma- da produção artística e cultural da humanidade interligadas.
A seleção
das imagens a serem exploradas parte do princípio multi/intercultura-
terialidade da obra de princípios estéticos ou semiológicos, ou gestálticos
lista. Nesta Abordagem acredita ser possível uma aproximação de códigos
ou iconográficos" (Barbosa, 1991, p. 37), de acordo com a especialidade,
culturais de diferentes grupos sociais e de imagens de diferentes mídias
domínio e interesse dos sujeitos do processo de ensino-aprendizagem.
da indústria e da obra de arte.
Orisco de que se fizessem interpretações equivocadas da Abordagem
Triangular sempre esteve presente. Na concepção da autora, algumas
mudanças poderiam ser feitas no livro A imagem no Ensino da Arte, com 0 ensino contemporâneo da Arte em novosdesafios
relação principalmente à releitura, pois em todo o livro essa palavra só
aparece nas legendas das ilustrações, o que, segundo ela, poderiam indu- O ensino contemporâneo da Arte nãoprescinde da leitura da imagem.
zir o leitor a uma compreensão de que a Abordagem Triangular restrinje-se Mediados pelo professor, ou pelas novas tecnologias na sala de aula ou
pelo contexto imagético local,
à ideia de releitura. Compreende que a ilustração é um meio muito po- ou ainda por imagens de diferentes reali-
deroso de comunicação e de formação do indivíduo, diz: a illlstração é111ais dades e culturas, o aluno da licenciatura em artes constrói conhecimento
poderosa do que a palavra, o na relação com a produção visual. Nesse sentido, outros desafios se im-
que se torna especialmente perigoso em se
tratando de um livro sobre o Ensino da Arte. Para a autora: "A releitura põem ao pesquisador e estão relacionados às novas tecnologias no Ensi-
é possível, nãoé condenável, desde que seja uma reiterpretação do sujei- no da Arte, às questões da diversidade e das culturas, entre outras pers-
7
pectivas.
to e não
uma mera cópia"
Outra observação feita pela autora, em relação à operacionalização Barbosa comenta que seu interesse pela relação entre as tecnologias
da Abordagem Triangular, diz respeito à História da Arte. Esta não deve contemporâneas de Arte/ Educação se aguça a partir da arte produzida
em ambientes virtuais e pelas possibilidadesde leitura e compreensão
sernecessariamente abordada de forma linear, mas parte da análise da
obra de arte contextualizada no tempo e em sua circunstancialidade. que esta propõe. Pergunta: "como ver a arte produzida pelas tecnologias
contemporâneas? A arte no ciberespaço estimula mais o intelecto? Qual
Assim compreende que:
o alcance da sensorialidade virtual?" (Barbosa, 2005, p. 11()). Suas questões
Em lugar de estarmos preocupados em mostrar a chamada "evolução" das são compartilhadas pelos pesquisadores contemporâneos da Educação e
da Arte (Pimentel, 2002; Ruschel Nunes, 2009) e
formas artísticas através do tempo, pretendemos mostrar que a arte não está permanecem em aberto,
isolada de nosso cotidiano de nossa história pessoal. (Barbosa, 1991, p. 19) visto que são parte de um processo dinâmico, em constante movimento
e transformação.Suas contribuições, contudo, impulsionam a reflexão
Abordagem contextualizada da obra a
Nessa perspectiva defende a crítica sobre o tema. Especialmente, referindo-se à produção
que se faz
partir de uma concepçãopós-moderna. Diz: "o pós-modernismo recusa a hoje a partir dos museus, problematiza: "ansiava por evolução mais
uma
integrada do que a que temos hoje entre conteúdo e tecnologia nos pro- Destas, 52 foram reprografadas para iniciar a
organização de um banco
dutos de museus. [...] esperava mais da interatividade como recurso de teses. A metodologia da pesquisa apoiada em Eisner caracterizava-se
educacional em museus" (ibid., p. 110). como abordagem qualitativa.
Neste debate, a pesquisadora ocupa importante papel na circulação
[...] depois de identificadas as teses, passamos a tarefa de delimitação do
das informações e discussões a partir de diferentes mídias. Como exem-
plo cito a série de cinco programas sobre Arte na Escola apresentada pela corpus e da definição das variáveis que precisávamos observar no setting
escolhido para tornar exequível a pesquisa, mas ao mesmo tempo obter
TV Escola, que integrava Um Salto para o Futuro, no ano de 2000 e que suficientes informações para tirarmos conclusões acerca das influências
Ensino da Arte, publi-
gerou o livro intitulado Inquietações e mudanças no estrangeiras e na mudança de paradigma a respeito do Ensino da Arte.
cado pela Cortez, em 2002. (Barbosa, 1997, p. 13)
Nesta produção se evidenciam alguns dos grandes temas que passam
a fazer parte das pesquisas dos professores de
Arte, como: tecnologias A pesquisa também abarcou uma enquete com participantes do
contemporâneas, metodologia e leitura de imagens, formação de profes- Congresso Nacional de Arte/ Educação da National Art Education Asso-
interculturalidade/multiculturalidade e interdisciplinari- ciation (NAEA-USA), no Arizona, em 1992. Através dessa enquete infor-
sores de Arte,
dade. Evidencia-se na produção organizada por Barbosa a crescente mal buscou "saber a quais teóricos internacionais os arte-educadores
participação dos pesquisadores de um campo que se produz no movi- atribuíam as mudanças e quais seriam as mudanças" (ibid., p. 14). Ao
mento coletivo da busca permanente e compartilhada dos profissionais. final, na análise das teses, as conclusões as quais chegou foram de
que os
Os professores de Arte consolidam um campo de pesquisa e ensino, ins- "pós-graduandos que pesquisam sobre Arte/ Educação leem pouco em
tigam perguntas e a constituir-se como um grupo autorre-
passam língua estrangeira e leem sobre Arte/Educação" (ibid., p. 17).
novas pouco
ferente. Nesta análise, contudo, não ficaram evidentes os processos mediadores
Contudo, ainda no início da década de 90 Barbosa alertava para a desempenhados pelos programas de pós-graduação e orientadores, nas
necessidade de ampliar os referenciais da área: "era imperioso encontrar diferentes áreas nas quais as teses foram desenvolvidas e que são gran-
mecanismos que permitissem aos alunos terem acesso a outras abordagem demente responsáveis para definição do referencial.
de Arte/ Educação diferentes da minha" (1997, p. 8). Visto que não se O desafio à pesquisa sobre o estado da arte das pesquisas sobre En-
dispunha de doutores formados na área que pudessem integrar o curso sino da Arte no Brasil ainda está em aberto. Importantes passos já foram
de pós-graduação, propôs cursos com profissionais do campo da Arte e dados nessa direção, mas uma sistematização dessa produção ainda não
da Educação, nacionais e estrangeiros. Estes cursos, segundo a autora, se fez de forma mais abrangente. Sem dúvida é um desafio frente à cons-
"serviram a um duplo propósito: preparavam os alunos da pós-graduação trução de um campo de estudos que se ampliou e apresenta abordagens
e os educadores do museu, além de servirem a um sem-número
de ar- nnúltiplas no que se refere aos conceitos e às práticas, e especialmente aos
te-educadores de outras instituições, e até
mesmo de outros Estados" espaços e temas pesquisados. Como salienta Tourinho (2009, p. 2), ao
(ibid., p. 8). deparar-secom o volume e diversidade da produção do 170 Encontro
No bojo dessas discussões, realizou uma pesquisa visando identificar Nacional da Anpap: "Minhas primeiras sensações, confesso, foram de
principais referenciais utilizados nas investigações no campo da Arte/ 'desassossego"'
Educação. Para isso, propôs o primeiro estado da arte da pesquisa neste Iniciativas de pesquisas locais também mostram que, ao sair de cen-
1981 a 1993.
campo no Brasil. Coletou cerca de 79 teses, defendidas de tros de referência como São Paulo, a realidade da pesquisa sobre o Ensino
116 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 117
da Arte é relativamente recente.9 Conforme Weiss e Zanin no Pro- (2009), encontrou mais de duzentas perguntas. Dos sessenta trabalhos consulta-
em Educação,10 da Universidade Federal do dos, "apenas 14 não apresentavam questões". Diz então: "pensei nestas
grama de Pós-Graduação
Espírito Santo, perguntas como sinais, sintomas, indícios de inquietações que não visam
II ma resolução e, sim, formas sutis de trabalhar com o conhecimento, de
a maior parte das pesquisas que contemplam temáticas da Arte, Educação d iscernir
novos tópicos a serem estudados e de abrir novas rotas especu-
e suas variantes encontram-se concentradas na linha de pesquisa Educação
Iativas e epistemológicas" (Tourinho, p. 5).
e Linguagens, que faz parte do programa de Pós-Graduação em Educação
1996. Entretanto, a primeira defesa dentro da linha que contemplou Na conclusão chama a atenção para a diversidade das perguntas e
desde
comenta: "celebro este fato" (Tourinho, 2009, p. 14). Compartilhamos de
arte como temática data de 2003. (p. 3)
seu argumento, que citamos:
O Panorama de Pesquisa Anpap Comitê Ensino e Aprendizagem
—
da Arte, apresentado por Pillar e Rebouças, em 2007, na Associação Na- Conforme já disseram, a ciência avança pelas perguntas que faz e não ne-
cional de Pesquisadores em Artes Plásticas (Anpap), fez levantamento da cessariamente pelas respostas que encontra. Cada pergunta nos oferece a
chance de criar mais uma explicação para nossa relação com o mundo.
participação dos programas de pós-graduação nos encontros de 2005,
(Tourinho, 2009, p. 4)
2006 e 2007. Mapeou participações, temas e referenciais nas pesquisas
apresentados nos três encontros. A partir dessa pesquisa, Tourinho (2009)
É no bojo desse debate que pode e deve discutir a Abordagem
se
propôs-se à análise da produção de 2008, no mesmo comitê da Anpap; "li'iangular. Contudo, é preciso dimensionar também a formação dos pro-
sua investigação recaiu sobre as perguntas que têm fundamentado as fessores na perspectiva da socialização profissional docente com autono-
pesquisas nesse comitê:
liiia e pesquisa. A construção de propostas de ensino fundamentadas e
[...] guiei meu olhar para as perguntas que os pesquisadores levantam e, contextualizadas é possível efetiva dos profissionais do
na participação
Ensino da Arte, como sujeitos e investigadores de sua realidade. Deman-
em alguns casos, aquelas que escolhem citar no desenvolvimento de suas
nesse sentido, uma formação que fomente a pergunta mais do que
cia-se,
reflexões. São as perguntas que nos incomodam, que nos provocam, que
nos fazem inventar maneiras de conhecer. (Tourinho, 2009, p. 4) a que ofereça respostas.
Como pesquisadora, Barbosa tem promovido o debate e feito circu-
Suas reflexões ajudam-nos a perceber um grande e diversificado
lar produção que abarca diferentes temas. Constitui-se como importante
campo de pesquisa que construímos coletivamente. Em sua pesquisa referência para os professores de Arte e para a produção teórica da área.
Consultar Maria Cristina Monteiro, que realiza levantamento de dissertações e teses relacio-
9.
nadas a Abordagem Metodológica Triangular, no período de 1995 a 2000. Texto na Parte III, capítu-
10 1,
deste livro. Considerações
finais e novos desafios
O programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo é
10.
antigos do país. Desde sua criação, em 1978, até julho de 2007, foram defendidas 389
um dos mais
A Abordagem Triangular inscreve-se num contexto sociopolítico-eco-
dissertações de mestrado. Vinte e duas versavam sobre a Arte e seu ensino. Destaco nesta produção
as dissertações de Marília Moreira Antunes Santos, com o título Educação
artística: o discurso
oficiale nômico e filosófico, no qual o arte-educador é protagonista, produtor de
a realidade na escola de 10 grau, defendida em 20/12/1983, e a dissertação de Eusdete de Jesus Trabach história. Entender essa produção a partir de uma análise mais ampla da
de aula, de-
Gobetti sobre A prodilção de sentido
na relaçãotexto verbal e visual no programa veja na sala
fendida em 10/12/2004. Esta última orientada pela profa. dra. Moema Martins Rebouças, primeira
sociedade é indispensável para compreendermos melhor a origem das
Arte/ Educadora a integrar o colegiado deste programa. perguntas dos profissionais do Ensino da Arte.
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGUIAR
NO ENSINO
ARIES CULTURAS VISUAIS
119
tiva, 1978.
A produção artística é constituída de significados. No caso das Artes
Visuais, o objeto artístico é a imagem. Esta,
como produto do trabalho Recorte e colagem:
.
do Ensino da Arte:
anos oitenta e novos tempos. São Paulo:
jos de interesses, poder e dominaçãona produção, distribuição e recepção Perspectiva, Fundação Iochpe, 1991. 134p.
da imagem. Arte/Educação: leitura
no subsolo. São Paulo: Cortez, 1997.
.
120 BARBOSA • CUNHA
MIORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 121
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte. 1998. I ,UKÁCS, Georg. Introduçãoa uma estética marxista: sobre a categoria da particu-
(Org.). Arte/Ed11cação contemporânea: consonâncias internacionais. São laridade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
Paulo: Cortez, 2005.
MONTEIRO, Maria Cristina. Tendências de prodllção científicaem Arte/Educação
Abordagem Trianglllar de Ensino. Dissertação (Mestrado
BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão; SALES, Heloisa Margarido. em Educação) Cen-
—
Artes Visuais da exposição à sala de aula. São Paulo: Edusp, 2006. tro de Ciências Humanas e de Comunicação da Universidade do Vale do Jataí,
TOURINHO, Irene. Comitê de educação em artes visuais: uma análise das ques-
tões de pesquisa da Anpap 2008. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA-
DORES EM ARTES PLÁSTICAS TRANSVERSALIDADENAS ARTES VISUAIS,
—
PARTE II
18., Anais... Salvador: EDUFBA, 2009. p. 3098-3109. Disponível em: <http://www.
Dasimplicações
WEISS, Andreia; ZANIN, Larissa Fabrício. Espaços de formação: um olhar sobre
In: ENCONTRO NACIONAL
a pós-graduação em Arte e Educação da UFES.
DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS —
TRANSVERSALIDADE NAS
com a Pedagogia
2009. p. 3098-3109. Disponível
ARTES VISUAIS, 18., Anais..., Salvador: EDUFBA,
em: <http://www.anpap.org.br/2009/pdf/ceav/andreia_weiss-l.pdf>.Acesso
em: 17 nov. 2009.
125
À REALIDADE: ÉAPOSSÍVEL
DAS UTOPIAS
UMA DIDÁTICA ESPECÍFICA
PARA FORMAÇÃO
INICIAL DO PROFESSOR DE ARTES VISUAIS?
Introdução
A pergunta estabelece conexões entre os estudos curriculares, as
didáticas específicas e a didática geral no terreno da formação inicial do
)fessor.
Tem seu surgimento a partir da pesquisa realizada no progra-
de doutorado em Educação Artística da Universidade de Sevilla-Es-
panha e teve como resultado a tese "Didática das Artes Visuais: uma
jposição pós-moderna" que deu origem a uma didática específica para
,
alização do conhecimento do professor e o concebe como um pesquisador Yin Ticular das universidades que em sua maioria não renunciam a um
provocando uma (re)contextualização de sua formação inicial (Kincheloe, de formaçãoinicial do professor proposta pela educação moderna
2001), tendo nos pressupostos da pesquisa qualitativa suas principais Iza, 2001).
ferramentas com inclinação para os estudos etnográficos e semióticos.
Propõe, portanto, uma ruptura com os modelos modernos de formação
inicial por considerar que estes oferecem uma formação tecnicista. Origensda narrativa
Considera
formação inicial centrada na experimentação entendida
a
como "experiência reflexiva" promovida pelo pensar como um processo Minha narrativa nasce das preocupaçõesque estão ainda na pauta
de indagação, de observação das coisas, de pesquisa (Dewey, 2004b). dia quando nos perguntamos sobre a formação inicial do professor
Parte de uma educação pós-moderna e de uma perspectiva crítica e a área de Ensino de Artes nos mais diferentes contextos culturais, o
pós-formal que desconstrói a concepção de ensino como uma transferência significa que a formação de professores não é privilégio de uma de-
neutra da verdade (Kincheloe, 2001). sociedade e/ou cultura, mas sim que em tempos contempo-
Desconstrói a lôneos ainda se reconhece a importância desse profissional da cultura
forma absolutista de certeza, uma vez que o pensamen-
to pós-formal atento para o uso dado à cognição pela educação contem- aroux, 1999).
porânea vislumbra um desenvolvimento cognitivo ou emancipatório Para mediar a leitura que cada um fará deste texto, não posso deixar
(Kincheloe, 2001). No contexto da didática geral e das didáticas específi- contextualizar sua "gêneses" ou seja,como vão tomando corpo minhas
,
cas, compreende a cognição para além do essencialismo e se destaca por l"'óprias indagações nascidas das contradições que, acredito, ainda per-
sua adesão aos estudos críticos como a teoria sociocognitiva pós-piage- •neiam a formação inicial do professor de artes construída por nós histo-
tiana com base no pensamento pós-formal e a teoria feminista. ricamente.
A didática geral orientada por essa teoria vislumbra uma açãoedu- Responder aos questionamentos que foram sendo levantados exigiu
cativa crítica e centrada nos múltiplos saberes, nos múltiplos lugares e formulação de um projeto de pesquisa que se materializou na tese de
tempos em que o conhecimento tem origem e se desenvolve e são utili- doutorado intitulada Didáctica de Ias Artes Visuales: una proposición post-
zados para analisar a formação inicial contemporânea do professor. Esta "10(lerna
(Didática das Artes Visuais: uma proposição pós-moderna), de-
(re)significação tem no multiculturalismo crítico uma base teórica que a lendida em junho de 2007 na Universidade de Sevilla, Espanha.
explica e a justifica em plena contemporaneidade (Candau, 2001), já
que A pesquisa buscou dialogar com três importantes campos do conhe-
a cultura é dinâmica, se reinventa e (re)significa as instituições e seu papel
que constituem a formação inicial do professor e à luz da teoria
(Ojnento
na formação humana. pós-moderna crítica permitiu trabalhar com a categoria (re)significação.
A didática geral reconhece sua natureza incompleta e encontra nas l•Àsa categoria orientou a identificação dos elementos (re)significadores
didáticas específicas contribuições que a complementa ou tenta (De La para a formação inicial do professor, a didática geral e as didáticas espe-
Torre, 1993). A didática específica
não substitui a didática geral, porém cílicas, e a
partir desses elementos foi possível conceitualizar e sistema-
estabelece conexõesdiretas com a
açãoeducativa do professor na escola ti/,ar uma didática específica para a formação inicial de professores para
com a perspectiva de (re)conceitualizar os conteúdos de ensino que se linguagem das Artes Visuais tomando como proposição a Abordagem
caracterizam como conteúdos educativos, instrumentais e operativos I'riangular formulada e amplamente experimentada pela profa. dra. Ana
(Souza, 2004). A incorporação da didática específica passa pela estrutura
Mae Barbosa para o contexto brasileiro.
TRIANGULAR NO ENSINO OAS ARIES CUIJIJRAS VISUAIS 129
BARBOSA • CUNHA
a
130 OARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 131
humano está a cada momento desafiado a fazer de si mesmo" (Souza, formaçãoestá orientada pelo pensamento pós-formal que se ocupa da
2004, p. 19).
desconstruçãoda forma absolutista de certeza. O pensamentopós-formal
está atento
ao uso dado à cognição pela educação contemporânea e
identifica duas formas distintas de tratá-la. Em uma, se detecta uma
Elementos (re)significadoresda formaçãoinicial do professor de Artes
concepção de educação que se dedica à manipulação da cognição, e na
Visuais no contexto da pós-modernidade ou tra, uma educação para o desenvolvimento cognitivo ou emancipató-
rio (Kincheloe, 2001).
Parto do conceito de mudança a partir das ideias de Paulo Freire e
educação para o desenvolvimento cognitivo ou emancipatório
Essa
Joe Kincheloe (2001) que consideram que a pós-modernidade exige uma
(re)conceitualização do conhecimento do professor como ponto de parti- promove na formação inicial do professor de Artes Visuais uma recogni-
da já que esta (re)conceitualização começa pela aceitação do professor çáoque vislumbra uma ressocialização entendida como
como pesquisador e, que a partir desta perspectiva se (re)contextualiza a processos que se dão mediante o confronto entre conheceres, fazeres e sen-
formação inicial tendo nos pressupostos da pesquisa qualitativa suas tires de uma pessoa ou de um
grupo cultural com os de outras pessoas ou
principais ferramentas com uma forte inclinação para os estudos etno- grupos culturais cujos resultados são novos conhecimentos, emoções
e ações,
tornando cada um dos envolvidos mais socializados, culturalmente enri-
gráficos e semióticos.
quecidos simbólica e materialmente. Numa palavra, mais humanos. (Souza,
Esta(re)conceitualização propõe uma ruptura com os modelos mo- 2004, p. 19)
dernos de formação inicial do professor por considerar que estes oferecem
uma formação tecnicista que está fechada à argumentação. Considera,
portanto, que a formação inicial do professor está centrada fundamental-
Elementos (re)significadoresda didática geral e das didáticas
mente na experimentação que se aproxima do pensamento de Dewey
específicas no contexto da pós-modernidade
(2004) e de seu sentido de "experiência reflexiva" promovida pelo pensar
Ao mesmo tempo que essa (re)conceitualização parte de uma edu- No âmbito da (re)significação da didática geral e das didáticas espe-
cíficas, a cognição é compreendida para além do essencialismo cognitivo
cação pós-moderna e de uma perspectiva de formação inicial do professor
que caracteriza a educação moderna e se caracteriza por sua adesão aos
de forma crítica e pós-formal e que por intermédio dessa formação se
estudos críticos como a teoria sociocognitiva pós-piagetiana
desconstrói a concepção de ensino como uma transferência neutra da ver- com bases
no pensamentopós-formal e na teoria feminista.
dade (Kincheloe, 2001).
(re)significação estabelece a crítica ao essencialismo e ao redu-
Essa
Portanto, estamos diante de um tempo no qual a formação inicial do cionismo que orientam a didática geral e instrumental moderna inspira-
professor está a exigir uma recognição e uma reinvenção, pois estas "con- da na psicologia do desenvolvimento, a favor de
um desenvolvimento
formam o processo mais amplo de ressocialização do sujeito humano em cognitivo não
quese constitui de uma dimensão estática e inata do ser
(Souza, 2004, p. 19).
seus processos de humanização ou desumanização" h mano.
Nesse sentido, a formação inicial do professor deve promover uma A didática geral orientada pela teoria sociocognitiva pós-piagetiana
recognição e uma reinvenção de seus próprios sujeitos, uma vez que essa vislumbra uma
açãoeducativa crítica e centrada nos múltiplos saberes,
132 OARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO CULTURAS VISUAIS 133
nos múltiplos lugares e tempos em que o conhecimento tem origem e se A Abordagem Triangular no contexto da pós-modernidade
desenvolve e os utiliza para analisar a formação inicial contemporânea
e a formação
inicial do professor de Artes Visuais
do professor.
A didática geral se (re)-significa a partir da incorporação de novas Os pressupostos teórico-filosóficos
que fundamentam a Abordagem
temáticas vinculadas diretamente com o ensino enquanto uma prática li•iangular tornam essa proposição
uma referência para a formaçãoinicial
do professor de Artes Visuais
no multiculturalismo crítico (McLaren, 2000) uma
social concreta e tem
para além do contexto brasileiro, porque
base teórica que a explica e a justifica em plena contemporaneidade (Can- parte de uma visão interdisciplinar e contextual do fenômeno
artístico,
do artefato artístico e do sujeito
dau, 2001), já
que tem a cultura como categoria central de análise uma que produz como dimensões de um
o
vez que a cultura é dinâmica, se reinventa e (re)-significa as instituições ensino e formação inicial do professor exigida pela inter-relação
como
e seu papel na formação humana. ca tegoria mediadora das diferentes culturas, dos fatores
ambientais e da
relação com outros grupos sociais (Gisbert, 1993).
Oprocesso de (re)significação da didática geral reconhece sua natu-
reza incompleta, portanto, encontra nas didáticas específicas contribuições A Abordagem Triangular recebe influências do pós-modernismo
que a complementam ou tentam (De La
Torre, 1993). A didática específi- entendido como um fenômeno estético, cultural e intelectual
que se ma-
ca não substitui a didática geral, porém estabelece conexõesque amplia, nifesta concretamente nos estilos, práticas e formas
culturais nas Artes
principalmente, a formação inicial do professor e busca estabelecer rela- Visuais contemporâneas (Hargreaves, 1998).
çõesdiretas com a açãoeducativa desse profissional da cultura na escola Inserida no contexto da pós-modernidade e de
seu movimento cul-
com a perspectiva de (re)conceitualizar os conteúdos de ensino que se
tural, a
Abordagem Triangular reconhece o conhecimento em Artes
que
caracterizam como conteúdos educativos, instrumentais e operativos Visuais se dá na
intersecção da experimentação, da decodificação e da
(Souza, 2004). informação, uma vez que a Arte/ Educação é epistemologia da arte
como
A construção das didáticas específicas resulta imprescindível para o pressuposto e como meio de inter-relação ente arte e público,
ou seja, a
professor que se
ocupa de uma determinada disciplina (Gallego,
2002) e intermediaçãoentre o objeto arte e o público (Barbosa, 1998).
seu papel na formação do sujeito a partir do projeto educativo e curricular Neste sentido, nem a Arte/ Educação como pesquisa dos modos
de um determinado contexto de ensino/ aprendizagem (Zabalza, 2001). pelos quais se aprende arte,
nem a Arte/ Educação como mediadora entre
A incorporação da didática específica passa por uma (re)conceitua- a arte e o público podem prescindir da inter-relação entre contextualiza-
da Arte, leitura da obra de arte
lização da estrutura curricular das universidades que em sua maioria não çáo e das imagens do cotidiano e do fazer
renunciam a um tipo de formação inicial do professor formulada por uma artístico, segundo Barbosa (1998).
educação moderna (Zabalza, 2()()1). O Ensino da Arte na escola orientado pela Abordagem
Triangular
Talvez a concepção modernista de formação inicial do professor de pretende formar o conhecedor, o decodificador da obra de arte
e das
Artes Visuais permaneça predominando nas universidades porque "para imagens do cotidiano ou da cultura visual. Ou seja, este
ensino promo-
crescer profissionalmente necessitamos retroalimentação sobre nossa verá uma recognição, uma reinvenção dos sujeitos envolvidos e estes se
prática docente. Em termos mais gerais, devemos tratar o ensino como uma ressocializarão e se humanizarão.
formade pesquisa pessoal. Devemos aproveitar nossa prática docente como A açãoeducativa do professor de Artes Visuais mediada pela Abor-
81).
uma oportunidade para aprender a ensinar" (Eisner, 2004, p. dagem Triangular organiza o currículo entrelaçando o fazer artístico, a
BARBOSA • CUNHA IRIANGIJ[AR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS
135
contemporâneas e seus modelos educativos que objetivam des- 6 os fundamentos de Paulo Freire (2004) são acolhidos pela didá-
de a educação visual à educação para a experiência estética, além tica das Artes Visuais, já que em seus esforços por explicar e
disso, no processo de formação inicial do professor gera outras interpretar a realidade parte da compreensão de que a educação
possibilidades de desenvolvimento de modos de ensinar e deve entender-se como a construção de identidades (Giroux,
aprender Artes Visuais; 1997; Aguirre, 2006);
2 constitui-se em um campo emergente e que levará seu tempo para 7 explicar e interpretar a realidade é para a didática das Artes Vi-
que seja acolhida pela própria problemática que caracteriza a área suais identificar os limites que apresenta o currículo atual para
da Arte/ Educação ou Educação Artística que não tem incorpora- a formação inicial do professor e o papel das instituições forma-
do estudos e pesquisas que ultrapassem os territórios do como se doras e, ao mesmo tempo, a própria didática se ver como objeto
aprende, para o território do como se ensina/ aprende Artes Visu- de explicação e interpretação da realidade por está inserida como
ais no contexto da educação básica e na universidade; disciplina do processo formativo levado adiante pelas instituições
3 a didática dasArtes Visuais como uma comunidade de conhe- formadoras e sua imbricação com a educação básica;
cimento surge da constatação de problemas nas concepções 8 a didática das Artes Visuais apresenta como categoria o signifi-
primeiro de formação inicial do professor, porém que seu enfo- cado e suas vinculações sociais, uma vez que as disciplinas e
que principal é o porquê e o como se podem superar os imagi- matérias escolares foram se construindo ao longo da história da
nários que limitam a formação de identidades (Aguirre, 2006) educação escolar e a formação inicial do professor, deste modo,
já que se ocupa na busca por superar o ideário modernista de se ocupa do significado e suas vinculações sociais em relação ao
ensino/ aprendizagem das Artes Visuais, ainda, centrada na que ocorre na escola de educação básica a partir do que ensinam
autoexpressão criativa, na obra de arte como o "refinamento" e os professores buscando estabelecer relações entre
ela, a
matéria
o "bom gosto" caracterizadores do neoclassicismo; escolar, os professores, a escola, a universidade e as relações de
4 a didática das Artes Visuais no contexto da formação inicial do poder que cada uma representa (Goodson, 2000);
professor busca desenvolver uma concepçãodo currículo como 9 o imaginário se constitui em outra categoria da didática das
pluridisciplinar, aberto a emergência, crítico e não reprodutivo, Artes Visuais que maneja com os imaginários constituidores do
portanto, centrado nos significados e na preparaçãode pessoas perfil do professor modernista e busca o desenvolvimento de
para desenvolver-se em contextos cada vez mais dominados um imaginário pós-modernista onde este perfil revele um pro-
pelo visual (Aguirre, 2006); fessor reflexivo, crítico, sujeito implicado e que dialoga com a
5 a didática das Artes Visuais deve dedicar-se, a partir de uma realidade, que compreende que sua ação educativa está envol-
concepção interdisciplinar do problema atual do ensino das vida nas dimensões sociocrítica e integrada em contextos ideo-
Artes Visuais no contexto da educação como área do conheci- lógicos, que busca desenvolver uma compreensão crítica do
mento para a escola e o processo de ensino/ aprendizagem do fenômeno artístico e que, além disso, se vê mediatizado pela
professor para ensinar Arte (Artes Visuais) nesta escola a partir cultura e as instituições culturais;
de uma concepção que supere o modernismo e dê lugar ao 10 a Artes Visuais inserida no pós-modernismo e na
didática das
pós-modernismo, que considera a arte como experiência (Bar- pós-modernidade apresenta léxicos como as palavras que cons-
bosa, 2005); tituem um repertório de significados, o que supera a dimensão
ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 139
138 BARBOSA • CUNHA
das experiências humanas (Gisbert, 1994), onde sua mais sensível crença FREIRE, Paulo. Pedagogía de la indignación. Madrid: Morata, 2001.
reside no fato de que toda atividade humana começana observação. Do
Pedagogia do oprilllido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
mesmo modo, aprendizagem ou construção de novos conhecimentos
.
começa com a observação de acontecimentos, objetos ou ideias a partir GALLEGO, Isidoro G. Las didácticas de área: un reciente campo científico. Re-
dos conceitos prévios que possuímos.O ensino tratará, portanto, de cons- vista de Educación, Ministerio de Educación, Cultura y Deporte. Madrid: Secreta-
truir a trama estrutural do conhecimento a partir das proposições que ría General Técnica, n. 328, p. 11-34, 2002.
formam os conceitos e estes, a sua vez, o significado (Gisbert, 1994). GIROUX, Henry A. Cruzando lími{es: trabajadores culturales y políticas educati-
vas. Barcelona: Paidós Ibérica, 1997.
1994. <http://www.sav.us.es/pixelbit/pixelbit.htm>.
Oficial de Doctores y Licenciados en Bellas Artes de Andalucía, 2006.
140 BARBOSA • CUNHA 141
2
Hacia una revisión crítica del pensamiento docente. Barcelona:
KINCHELOE, Joe L.
Octaedro, 2001.
TRIANGULAR NA ARTE/EDUCAÇÃO
SOUZA, João Francisco de. E a educação: ¿¿quê?? a educação na sociedade e/ ou
a sociedade na educação. Recife: Bagaço, 2004.
de 1a Educación. In: PERALES, F. Javier; GARCÍA, Antonio Luis, RIVERA, Enri- Maria das Vitórias Negreiros do Amaral
que; BERNAL, Julia; MAESO, Francisco; MUROS, Jesús; RICO, Luis; ROLDÁN,
Joaquín (Ed.) Actas del I Congreso Nacional de Didácticas Específicas. Granada: Gru-
po Editorial Universitario, 2001. p. 25-46. Eu te digo: estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que
que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é.
Quero apossar-me do é da coisa. Esses instantes que decorrem no ar
que respiro: em fogos de artifício eles espocam mudos no espaço. Que-
ro possuir os átomos do tempo. E quero capturar o presente que pela
é dele
mesmo. Quero captar o meu é. E canto aleluia para o ar assim
procedimentos para o ensino de arte. Claras por quê? O instante-já não permitia mais que
(la nwntos históricos e filosóficos da Arte / Educação e dos
leituras, contextualizações e produções ar- os/as professores/ as de arte utilizassem suas aulas para que os/ as estu-
metodológicos para se fazer Abordagem dantes fizessem o que quisessem: desenho livre ou ensaiassem para as
dela, a partir da perspectiva da
tísticas em sala de aula e fora festas comemorativas das escolas. O momento era de estudo, de formação
Mae Barbosa.
'Triangular, sistematizada pela professora Ana adequada ao conteúdo necessário à aprendizagem da arte, de responsa-
nomeada como metodologia na década
A Abordagem Triangular foi de uma me- bilidade com a educação. E isto estava claro na Metodologia Triangular.
seria, nem deveria ter o rigor
de 1980. Ao entender que não Radicais por quê? Teria
revisão teórica passando a chamá-la
de que ser uma mudança completa de atitude na
todologia, a autora realizou uma docência. E isso
provocou muitas
considerando então, nesse instante-já, uma pro- reações.
Abordagem Triangular, Abordagem, Hoje, os/ as professores/ as que reagiram têm consciência da impor-
seguida. Posteriormente tornou-se uma
posta que poderia ser abordar, tância desse instante-já, pois as mudanças que Ana Mae propunha, em
Aurélio, é "o ato ou o efeito de abordar";
que, segundo o Dicionário
de, versar sobre (tema ou assun- suas pesquisas, era que o/ a professor/ a além de estudar, deveria visitar
outros, "tratar
por sua vez, gnifica, entre
si
leitura de imagem, contextuali- exposições nos espaços museais; fazer análises críticas do que ocorria no
to)", versar sobre arte com a triangulação:
diversas metodologias, propostas,
adequando mundo da arte; ler sobre arte e o seu ensino; pesquisar; atitudes estas que
zagão e produção, nas mais escola, no estavam bem longe da sua realidade. Para ter um conteúdo que seja re-
práxis educacional. Práxis essa que pode
ser na
o conteúdo à levante para vida de seus/suas estudantes,
na rua, na praça,
asilo, a
hospital, creche,
museu, em uma ONG, em um
a aprendizagem da
arte.
dependendo dos projetos apresentados para O professor precisa de tempo e de recursos para pesquisa. O professor de
instante-já, de Clarice Lispector, para
Tomo emprestado o termo
arte precisa sair da sala de aula e interagir
com os espaços culturais, museus,
se encontra a Arte/
Educação quando
mostrar os diversos níveis em que bibliotecas e outras instituições que produzem e veiculam os bens culturais.
a Abordagem Triangular
inserida em sua prática. Essa Precisa se conectar
às redes de informação. Precisa buscar o conhecimento
é trabalhada com professor/ a;
lugar; com a formação do/ a junto com seu aluno onde ele se encontra. (Coutinho, 2002, p. 158)
prática varia de acordo com o galerias; com as
professor e estudante têm a museus e
com o acesso que Atualmente, ao olharmos para trás, parece-nos estranho dizer que
origens culturais de cada grupo.
instante-já de uma edu- os/ asprofessores/ as precisavam estudar para dar aula, pois o estudo é
Essa Abordagem para a Arte/ Educação é o inerente à profissão. É como se isso não fosse possível de ter acontecido
desde a década de 1980, quando
contemporânea em mudanças,
cação trouxe essa discussão sobre a Arte [Educação pós-modernista um dia. Mas, se formos a alguns lugares onde essa discussão não chegou,
Ana Mae "Unesco, atra- a Abordagem Triangular ainda é um pensamento inovador, pois já nãoé
de uma pesquisa encomendada pela
para o Brasil, a partir through Art (Estados Unidos,
In- o mesmo instante-já, é outro.
da International Society of Education
vés Brasil)" (Barbosa, 2008, p. XI). Foi quando
ela
O modelo modernista utilizado, por parte, era baseado no
glaterra, França, Canadá e
oitenta e
que foi
livro A imagem no Ensino da Arte: anos amplamente difundido pela reforma Carneiro Leão, da década de 1930,
publicou essa pesquisa no
Perspectiva, no qual detalha toda a Metodolo- que se iniciou em Pernambuco, através do livro de José Scaramelli, Esco-
novos tempos, pela Editora
questionar a Arte/ Educação
gia Triangular, como era chamada para
la nova brasileira: esboçode um sistema, segundo Ana Mae:
ensino
modernista, dando origem e mostrando caminhos para um
brasileiros/ as. Realizando [...] onde ele dá os pressupostos teóricos da reforma Carneiro Leão muitos
pós-modernista aos/ as arte/educadores/as
e
os resultados da sua
pesquisa, exemplos práticos de aulas, a função da arte está explicitamente ligada à
muitos encontros pelo Brasil para divulgar claras e radicais interpretação
tempos com mudanças simplificadora da "experiência consumatória" de Dewey. [...]
a professora anunciava novos
144 BARBOSA CUNHA A ABORDAGEM NO ENSINO
•
ARIES VISUAIS
De acordo com as descrições de Scaramelli, a arte era usada para ajudar a técnicas demonstradas pela professora e experimentadas pelas estudantes,
criança a organizar e fixar aprendidas em outras áreas de estudo. A
noções com é construído um álbum onde elas colecionam imagens para uma
isso
expressão através do desenho e dos trabalhos manuais era a última etapa posterior avaliação da professora. As técnicas são: colagem com camurça,
de uma experiência para complementar a exploração de um determinado papel laminado, algodão, folha de árvore, canudo; pintura; desenhos (es-
assunto. (Barbosa, 2008, p. 2) fumaçado, livre, memorização, observação, temático, texturização e ponti-
lhado).
Juntando-se a essa interpretação equivocada da experiência consu- [...] A produção dos/ as estudantes é realizada a partir de desenhos que
matória da reforma de Carneiro Leão, na qual os/ as estudantes se expres- recebem prontos, xerografados, figuras estereotipadas. Atividades aliena-
savam nos desenhos e trabalhos manuais; temos a arte como liberação doras, tais
como pintar, colar pedaços de crepom, cobrir pontilhados, colar
emocional, a partir de 1948, que tinha o objetivo de "liberar a Expressão algodão no Papai Noel para a capa da prova, decalcar desenhos, entre outras,
da criança, fazendo com não contribuem para o crescimento quanto ao conhecimento de Arte. Con-
que ela se expresse livremente" (Barbosa, 2008,
p. 5). Na década de 1970, a Escolinha de Arte de São Paulo do movimen- tribuem apenas para uma demonstração de habilidades com as técnicas, ou
to escolinhas de criatividade com originalidade, mas levava
arte traz "a seja, o como fazer. (Ferreira, 2009, p. 37-38)
a sua potencialização por meio de exercício com os processos mentais
Para as professoras com formação em Normal Médio, que entram
envolvidos na criatividade pesquisados por Guilford" (ibid., p. 9). Também
na Universidade, a abordagem triangular é o instante-já do início de uma
com a obrigatoriedade do ensino de arte nas escolas públicas pela dita-
formação para o Ensino de Artes, como se ainda estivéssemos na década
dura "[...] tratava-se de um mascaramento humanístico para uma lei
de 1980. Por que Porque ainda não temos uma política
isso acontece?
extremamente tecnicista, a 5692, que pretendia profissionalizar os jovens educacional democrática, na qual todos, sem exceção, tenham acesso à
na EscolaMédia" (ibid., p. 10). São heranças ideológicas e filosóficas que
Arte, à educação e a uma formação crítica. A Arte ainda é "para poucos".l
ainda fundamentam a prática de muitos/ as professores/ as, principal-
Uma educação que disponibilize o acesso a todas as áreasde conhecimen-
mente em alguns municípios do Brasil, onde encontrar um/ a arte/
to, principalmente da arte, está apenas começando, e as expansões uni-
educador/ a é como procurar "agulha no palheiro".
versitárias
são um dos caminhos para uma democratização do conheci-
Essas
práticas vêm sendo comprovadas a cada pesquisa sobre Arte/ mento. As aulas de artes ainda são consideradas supérfluas em alguns
Educação no curso de Pedagogia da Unidade Acadêmica de Garanhuns lugares, e serem substituídas, por qualquer motivo.
são as primeiras a
(UAG-UFRPE). Em sua pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso Os/ as professores/ as precisam de uma formação que dê subsídios para
(TCC), Adriana Ferreira,
que teve como campo o único curso municipal a reflexão da prática em arte, para torná-la importante para o ensino-apren-
de Normal Médio de Garanhuns (P E), observou que nas aulas de artes a dizagem, pois
professora repassa técnicas de recorte e colagem, com imagens estereoti-
padas, como Papai Noel, Mickey, coelho da páscoa, para exercitar a co- Arte não é básico, mas fundamental na educação de um país que se desen-
volve. Arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferen-
ordenação motora, ou como diz Adriana, uma simples demonstração de
habilidades com as técnicas, porque a coordenação motora nãoé estuda- te da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é
da, conteúdo. Como conteúdo, arte representa o melhor trabalho do ser huma-
ou sequer citada, em sala de aula.
4)
no. (Barbosa, 2005, p.
Para uma melhor visualização e compreensão da metodologia utilizada
nessas aulas, destaco algumas imagens dos trabalhos na disciplina de Artes: 1.
Jargão muito utilizado pelos/ as estudantes quando se referem ao inacessível.
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS
146
Os/ as professores/ as têm sede de aprender e ministrar aulas signi- na leitura de imagens e da necessidade de dar informação histórica [...l.
(Barbosa, 1991, p. 21).
que tenham conteúdo, mas falta-lhes formação.
ficativas, Existe uma
dizendo Como podemos observar, existe um paradoxo na prática da professora, ao
vontade de aprender, como mostra ainda Adriana Ferreira, ser
da pesquisada mesmo tempo em que eladispõe de recursos didáticos para fundamentar
um paradoxo entre o desejo de acertar professora e a sua
suas aulas, conhecimentos específicos de Arte (o que poderia ser usado
prática com a técnica pela técnica sem fundamentos.
como contextualização), na sala de aula, falta-lhe o conhecimento sistema-
tizado da Arte/ Educação,
Em uma das aulas, professora levou um vídeo educativo do Telecurso 2000,
a para que a produção (ou fazer artístico) seja mais
do que meras cópias e técnicas a serem re/copiadas pelas estudantes do
onde há depoimentos das professoras pesquisadoras Ana Mae Barbosa e
Normal Médio que, futuramente estarão trabalhando com as crianças das
Rejane Coutinho. A professora colaboradora relacionou esses depoimentos
séries
iniciais, repetindo talvez também as técnicas apreendidas durante o
à sua compreensão de Arte: a ampliação da visão de mundo proporcionada
pela Arte.
Normal Médio. (Ferreira, 2009,
p. 35-37)
[...] Observei, nessa primeira aula, a relevância na iniciativa da professora
Como se pode perceber, ao mesmo tempo que a professora realiza
ia passando, ela ia te-
em levar o vídeo para a sala e, à medida que o filme
um álbum de figuras estereotipadas para a aprendizagem de meras téc-
cendo comentários sobre o conteúdo visto, pausando, fazendo as conside-
nicas,
nas aulas de artes, ela faz discussão acerca das teorias abordadas
raçõese interagindo com as estudantes. pela Arte/ Educação. É grande a dificuldade para essa professora sele-
Entre uma pausa e outra, surgiam comentários que apontavam para uma cionar os conteúdos da disciplina a serem estudados, pois "A pluralida-
prática de Ensino, baseada na Abordagem Triangular2 da professora Ana
de diáfana das formas artísticas é
Mae Barbosa. Ela deu indício de utilizar a abordagem, proposta por Barbo- uma fonte de confusão tanto para
aqueles que fazem o curriculum como para os estudantes" (Efland, 2005,
sa, quando fez
menção em realizar uma visita ao Instituto Ricardo Brenannd
e à Oficina Cerâmica Francisco Brenannd. Uma tentativa de realizar o exer-
p. 178), e para uma professora que não teve formação específica a difi-
cício de leitura de obras de Arte em museus, este é considerado um dos
culdade aumenta. Os instantes-já da Arte/ Educação são diversos, de
acordo com os contextos, e nesses contextos encontramos práticas em
vértices da abordagem triangular. Essa viagem não ocorreu, infelizmente,
se tivesse acontecido poderia se configurar em princípios que se baseiam diferentes estágios.
na Abordagem Triangular. Com obrigatoriedade do ensino de arte na reforma educacional em
a
Nessa predisposição para uma prática ensino significativa é imprescin-
de 1971, surgiu a necessidade de formação de professores
para a área, porém
dível utilizar espaços museais3 para leitura de imagens. A professora, ao se
poucos cursos universitários para formar esses profissionais foram criados.
dispor em visitar os espaços acima citados, diz que é importante trabalhar Até hoje, existe uma desarmonia entre a demanda para profissionais da
com a criança das séries iniciais a apreciação da obra de Arte para ampliar áreae cursos de formação. Houve, então, a necessidade das instituições
a sua visão de mundo. Assim, ela apresenta a necessidade dessas visitas de ensino de "tapar os buracos".4 As escolas particulares, públicas muni-
ideia: [...] intro-
como relevantes para o Ensino de Artes. Completando esta cipais e estaduais resolvem colocar professores/ as de outras áreas para
duzir a obra de arte em aulas de arte, da necessidade de iniciar as crianças
lecionar artes e o critério de seleção é: gostar de ou fazer arte, ou os que
lecionam literatura, história (as mais comuns), podendo encontrar
2.
A Abordagem Triangular é uma proposta da professora Ana Mae Barbosa para o Ensino de
pro-
Arte, que tem a preocupação com uma compreensão da arte a partir da leitura da imagem, contex-
4. Termo utilizado
tualização e produção. no cotidiano escolar para os/ as professores/ as que têm uma formação e
complementam sua carga horária em outra área, ou mesmo quando não há professor/a
3.
Espaços museais devem ser entendidos como todo e qualquer lugar de exposição de obras com forma-
de artes. na área.
148 NO ENSINO OAS ARIES CULTURAS VISUAIS 149
fessores/as de qualquer área ensinando artes. Esse é um instante-já que Enquanto seres humanos somos incompletude, convivemos
permanente-
persiste em vários municípios do Brasil. mente com a falta. Sempre falta.
É
da falta que nasce o desejo. Porque
seres
Na minha prática de formadora em Artes de professores/as do Ensi- incompletos, no convívio permanentecom a falta,
somos sujeitos desejantes.
(2008, p. 24)
no Básico, observo que um dos estágios dessa mudança da docência em
arte ocorre com a utilização da cópia como produção artística. Muito cri-
O instante-já para a Arte/ Educação contemporânea não é
mesmo por mim, ultimamente tem me feito refletir. As questões o mesmo
ticada, até
no Recife, em São Paulo, ou em Garanhuns. Em São Paulo, os/ as arte/
são muitas, mas, será que a cópia não é um caminho para a apropriação educadores/as podem contar
de um conteúdo até então desconhecido? Será que este não seria o instan- com Ana Mae Barbosa, Christina Rizzi,
Regina Machado e Rejane Coutinho,
te-já inicial para uma aprendizagem do/ a próprio/ a professor/ a? Équan- que formam professores/ as de arte
na capital paulista; no Rio Grande do Sul, Ivone Richter faz
história na
do
começam a pesquisar e incorporar o conhecimento de
arte, nessa
Arte/ Educação, e Marilda de Oliveira, também da Universidade
abordagem, que os/ as obriga a serem professores/as-pesquisadores/as. Federal
de Santa Maria (RS), trabalha
com formação de professores/ as; Leda
Os/ as professores/ as, pornão terem conhecimento suficiente para Guimarães e Irene Tourinho, em Goiânia (GO), Ana Del Tabor,
ensinar artes aos seus estudantes, utilizam a cópia de obras já conhecidas no Belém
(PA), Lúcia Pimentel, em Belo Horizonte (MG), muitos
e outros/ as Arte/
por eles para a produção artística, que é um dos vértices da Abordagem Educadores/ as pelo Brasil afora estão formando tantos/ Arte/
Triangular; mesmo não sendo obrigatório, os/ as professores/ as iniciantes as Educa-
dores/as.5 Na Prefeitura do Recife,
obrigados a seguir os três: leitura, contextualização e produção temosuma equipe de arte/educado-
se sentem res/as competente e comprometida, desenvolvendo seu trabalho nas
que é outro equívoco.Mas, esse é um instante-já para a apren-
artística, o
escolas municipais. Cada
dizagem mútua, professor/a-estudante, ambos iniciam suas pesquisas um desses lugares tem o seu instante-já, mesmo
que, contemporaneamente, as culturas, os espaços, os climas, as estrutu-
em artes pelos artistas já conhecidos pelo/ a professor/ a ou os de fácil ras,as flexibilidades políticas ou econômicas, os poderes e tantos outros
acesso pela internet, por
livros didáticos, ou outro recurso disponível na
elementos culturais influenciem a práxis
escola. em arte.
Uma abordagem que leve em consideração a contextualização
Não devemos concordar com essa prática de ensino de arte, mas não e a
produção para a aprendizagem de um conteúdo, em determinada
podemos ignorá-la, não podemos negar a recorrência dessa técnica entre área
de conhecimento, tem sido
os/ as professores/ as que iniciam a sua prática. Foi assim na década de um percurso didático recorrente no processo
ed uca tivo. A arte pode ser
1980, entreos/ as professores/ as com formação em artes; e é hoje para um vetor de mediação para essa aprendizagem.
Na Unidade Acadêmica de Garanhuns, da Universidade
aqueles que nunca tinham escutado falar em Abordagem Triangular. Ao Federal Rural
de Pernambuco (UAG/UFRPE), a
ouvirem, discutem e refletem sobre o assunto; mas, apesar das práticas professora Daniela Oliveira,6 de Ana-
diversas em sua aprendizagem, ao irem para sala de aula como profes- tomia, do Curso de Medicina Veterinária,
vem utilizando a arte para
aprendizagem da anatomia animal, fazendo análises comparativas
sores/ as, utilizam a cópia com seus/ suas estudantes. É
necessário
que entre
o conteúdo da disciplina e a anatomia
esses/ as professores/ as participem de grupos de estudos, de pesquisas, na arte, por vezes, estudando o
de congressos para que aos poucos internalizem a verdadeira ideia da
5.
Abordagem Triangular, tendo a consciência de que sua formação é incom- Essas são arte/educadoras que estão mais próximas a mim, porém de
norte a sul, principal-
'nente nas capitais, muitos arte/educadores e arte/educadoras estão formando outros.
pleta e sempre será, pois somos incompletude para desejar aprender, como 6. Profa. dra. Daniela Oliveira, doutora
em cirurgia veterinária pela Unesp de Jaboticabal em
diz Madalena Freire: 2004.
150 BARBOSA •
MIOROAGEM TRIANGULAR NO ENSINO
ARUS CULIURAS VISUAIS 151
contextoambiental apresentado pelo artista e transformando-o em um acompanhamento da professora de artes para a realização da atividade
ambiente para o animal, como ela própria relata: Anatomia, como também já houve, em outro momento,
uma interven-
Realizou-se atividade com os alunos da disciplina de Anatomia Topográfi- çàoda professora de Anatomia, com uma palestra sobre o
trabalho de
corpo humano,
para um Arte no curso de Pedagogia. Essas trocas devem ser
ca Veterinária da Unidade Acadêmica de Garanhuns (UAG), UFRPE, em alimentadas,
que foi solicitado que eles pesquisassem sobre
artistas e suas obras de arte mesmo que pareçam áreas tão distintas, para que haja uma
de traba- aprendizagem significativa para ambas as áreas de conhecimento.
que retratassem aspectos anatômicos. Como o corpo é ferramenta
lho de vários artistas, com técnicas diversas (pintura, escultura, gravura, Além da arte, a contextualização cultural medeia a aprendizagem
colagem, fotografia), os alunos ficaram encarregados de, ao selecionar a cloconhecimento em todas as áreas. Podemos observar isso na prática
técnica, pesquisar um artista que a utilizasse e realizar uma releitura da- das professoras de História e Geografia, da
mesma instituição e curso em
quela obra, transportando-a para o mundo animal (sem humanizá-lo), re- que leciono, Marta Andrade Lima7 e Alzenir Silva,s respectivamente. As
tratar osanimais em foco, anatomicamente. Após a produção artística fa- professoras citadas têm
uma prática docente seguindo uma abordagem
zendo uma releitura da obra, os alunos de cada grupo apresentaram e considera
que a apreensão dos conhecimentos, a partir do estudo da te-
explicaram a técnica utilizada, baseando-se na história de vida do autor e oria, da
contextualização e da produção (que não é artística, mas pode
nas adaptações realizadas, inserindo os animais naquele contexto.
De acor-
ser). Ambas utilizam pinturas históricas e filmes
do com Fernandes et al. (2008), encontramos a anatomia artística inserida para contextualizar os
con teúdos trabalhados em suas áreasde conhecimento. Portanto, podemos
saúde. Desta
no contexto educacional e extensamente aplicada na área da
desenho, pintura, colagem, escul- identificar uma tendência, no sistema educacional brasileiro, à utilização
forma, através da arte, seja em gravura, de abordagens semelhantes
tura e até mesmoem arte digital, é possível repassar conhecimentos
anatô- à Triangular, da Arte/ Educação. A construção
dos conhecimentos na contemporaneidade deve contar também
micos, pois possibilita a utilização decolorações diversas, aumento de ta- com a
manho, noções de profundidade e até mesmo movimentos. Atualmente, experiência vivida por cada educando.
além da utilização de ilustrações cada vez mais reais e dos recursos com- Em relação à Arte na Prática Pedagógica, disciplina curricular obri-
putacionais disponíveis, a anatomia utiliza como fonte didática a pintura ga tória da licenciatura em pedagogia da UAG/UFRPE, relato dois cami-
in vivo, valorizando ainda mais a arte de ensinar
em corpos de pessoas nhos nos quais a Abordagem Triangular a base fundante:
é como conte-
anatomia. No trabalho de anatomia topográfica veterinária da UAG, os tido e como prática docente em sala de aula. Estes dois
caminhos estão
alunos relataram que a realização desse seminário ampliou os horizontes
intrinsecamente interligados; ao mesmo tempo que os/ as estudantes se
do saber de cada um, pois aplicaram os conhecimentos adquiridos na dis-
aprofundam teórica e filosoficamente sobre a Abordagem Triangular,
ciplina, ao mesmo tempo em que incrementaram a cultura geral.
utilizam-na na prática de sala de aula e de estágios. A abordagem faz
parte da ementa das disciplinas
Para essa atividade, nós conversamos no período do planejamento e que leciono:
durante as aulas. Professora e estudantes me procuraram para tirar dúvi- Estudo dos fundamentos históricos e filosóficos da arte/ Educação e dos
das e orientações: Que artistas poderiam ser utilizados? Quem eram? Que
procedimentos para se fazer a leitura da obra de arte, sua contextualização
obras poderiam ser lidas para a produção dos trabalhos da disciplina? e o fazer artístico em sala de aula, segundo a Abordagem Triangular de Ana
Realizamos uma atividade interdisciplinar: Arte e Anatomia, consideran- Mae Barbosa.
do que a interdisciplinaridade prevê três pontos básicos: a manutenção
dos campos disciplinares; o conteúdo a ser explorado que permite essa 7. Profa. doutoranda Marta Margarida Andrade Lima pela Faculdade de Educação da Unicamp.
articulação e a postura de diálogo entre os/ as professores/ as. Houve um 8. Profa. doutoranda Alzenir Severina da Silva pela
Faculdade de Geografia da UFPE.
152 CUIIURAS VISUAIS 153
BARBOSA • CUNHA A TRIANGULAR NO ENSINO OAS ARIES
Figura 3
Figura 5
Escultura de José Bezerra Trabalho de Suzana Cordeiro (2007)
Figura 4 Figura 6
Espaço museal de José Bezerra —
Buíque Trabalho de Láysa Mirelly Santos (2007)
156 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS
IX
Jornada de Ensino, Peswisa c Extensão-JE%X
Figura 7
Cartaz da oficina produzido por Sidney Peterson (foto de Luciano Cavalcanti)
nas práticas pedagógicas, tanto dos alunos e das comunidades quanto da Figuras 8, 9 e 10
própria escola, enquanto instituição social e histórica. Isso deve ocorrer a Produção artística
na Jornada de Ensino Pesquisa e Extensão (Jepex, 2009)
158 BARBOSA • CUNHA MIOROAGEM NO ENSINO CULTURAS 159
à. Referências bibliográficas
anos oitenta e
novos tempos. Situação con-
cei tual do ensino de arte no Brasil: os
anos oitenta e as expectativas para o futu-
ro. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.
fim de
que, confrontando essas particularidades com os conhecimentos
(Org.) Ensino da Arte: memória e história. São Paulo: Perspectiva, 2008.
científicos e técnicos que o educador deve proporcionar aos educandos,
possam ser elas transfiguradas, no processo de formação humana dos edu- COUTINHO, Rejane (Org.).Arte/Educaçño mediaçãocultural e social.
•
como
candos. Talvez seja essa a maior, a mais complexa e ambígua das exigências Paulo: Ed. Unesp, 2009.
do fazer educativo, sobretudo se o desejo é transformar essas singularidades
'OU TINHO, Rejane Galvão. A formação de professores de arte. In: BARBOSA,
em um dos polos dos conteúdos curriculares a serem objeto de estudo nos
processos educativos. (Souza, 2001, p. 114)
I iFl.AND, Artur. Imaginação e cognição: o propósito da arte. In: BARBOSA,
Ana
Os instantes-já do ensino-aprendizagem em arte aqui apresentados Mae (Org.).Arte/Educação contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo:
fazem-me entender como devemos compreender, interpretar e considerar Cortez, 2005.
BARBOSA CUNHA 101
160 •
FREIRE, Madalena. Educador, educa a dor. São Paulo: Paz e Terra, 2008. FORMAÇÃO
CONTINUADA DE PROFESSORES E A
Arte/Educação e a formação
continuada de professores
Tomando de empréstimo uma expressão utilizada por Azevedo cesso se houvesse a implementação de um programa de formação e
(1997), a formação de professores
aparece como uma questão socialmente atualização para os professores, seja no âmbito da formação inicial, seja
pl'oblematizada; uma temática que tem sido tratada, até certo ponto, com
no âmbito da formação continuada para aqueles que já atuam nas salas
abundância pela literatura educacional sob variados ângulos e critérios de aula.
e que conta, inclusive, com um amplo movimento de discussão e reflexão
Especificamente no campo da Arte / Educação, o marco histórico do
institucionalizada sobre o campo denominado "Formação de Professores".
sti rgimento do
processo de formação de professores para o Ensino da Arte
Nesta direção, desde adécada de 1990, diferentes estudos vêm sen- no Brasil não está relacionado à Lei de Diretrizes e Bases da Educação
do empreendidos com o objetivo de delimitar o objeto de pesquisa do
Nacional de número 5.692/71, que estabelece a obrigatoriedade do Ensi-
campo da formação de professores no Brasil. Dentre esse estudos podemos no da Arte nas escolas de 10 e 20 graus e a criação dos Cursos de Licen-
citar os trabalhos de Krazilchik (1988), Faria Jr. (1989), André (2002), Lima
ciatura Curta Educação Artística,
em década de 1970.
na
(2003) eBrzezinski (2006, 2007). Desta forma, esses autores apontam como
objetos de estudo do campo da formação de professores os seguintes
Segundo estudos de Varela (1986) e Barbosa (1984), é possível
os
afirmar que a formação dos professores para o Ensino da Arte
vem ocor-
campos temáticos: (1) a formação inicial de professores; (2) a formação
rendo no Brasil de forma mais sistemática desde a metade do século XX.
continuada de professores; (3) a profissionalização docente; (4) a identi-
Na realidade, essa prática foi instituída na década de 1950, pelas diferen-
dade docente; (5) os saberes docentes e aprendizagem profissional; e,
por
fim, (6) as políticas educacionais de formação de professores.
tes instituições
que faziam parte do Movimento Escolinhas de Arte (MEA),
através da realização de cursos de formação inicial e continuada, espe-
Apesar da amplitude de objetos apresentados pelo Campo da For-
cialmente, para os professores que atuavam nos anos iniciais da escola-
maçãode Professores no Brasil, o enfoque desta pesquisa está relaciona- rização.
do à formação continuada de professores para o Ensino da Arte.
No entanto, a maior expressão desse processo formativo aconteceu
A formação continuada de professores no Brasil possui uma trajetó-
ria histórica e socioepistemológica marcada a partir da década de 1960, com a criação do "Curso Intensivo de Arte na
por diferentes concepções.
Educação" (CIAE). Esse curso foi realizado sob a coordenação técnica e
No entanto, nos filiamos a um grupo de teóricos que compreende a for-
pedagógica da professora Noêmia de Araújo Varela, que trouxe para a
maçãocontinuada de professores como um processo contínuo e perma- Escolinha de Arte do Brasil toda a sua experiência acumulada no decorrer
nente de desenvolvimento profissional do professor que esteja em pleno
de sua formação como Arte/ Educadora.
exercício profissional, realizada através de um conjunto de ações dentro
Sob
e fora da escola, que possibilite a reflexão crítica sobre a prática educativa uma orientação modernista, em vinte anos de sua existência
escolar (Freire, 2001; Perrenoud, 2002; Alonso, 1999; Pimenta e Ghedin, (1961-1981), esse curso formou aproximadamente 1.200 arte/educadores
2002; Imbernón, 2001; Alarção, 2003; García, 1999; entre outros). Nesta de diferentes regiões do Brasil. Para que possamos ter uma maior com-
direção, a formação continuada de professores vem sendo encarada como preensão sobre o CIAE, buscamos em Varela a seguinte declaração:
um dos mecanismos centrais da profissionalização docente e de mudan-
Em minha opinião, que mais caracterizou o CIAE em seu decurso, foi
o
ça da prática educativa. estar centralizado no vigor do ato de criação, mobilizando o impulso ex-
Corroborando com esta perspectiva, desde década de 1970, Barbo-
a ploratório de seus alunos, levando cada participante a explorar potenciali-
sa (1975) já alertava que mesmo com a reformulação de novas funções, dades emotivas e expressivas das linguagens artísticas, fazendo pensar e
de novos objetivos e métodos para o Ensino da Arte, este só obteria su- educação, no cultural. (Varela, 1986, p. 20)
repensar em arte e contexto
104 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARIES C CULTURAS 165
Com o decorrer dos anos, a açãoformativa de preparaçãodos pro- Por compreender a arte como uma áreade conhecimento, como
tanto,
fessores para o Ensino da Arte vem se intensificando, em suas diferentes uma construção social, histórica e cultural é trazer a Arte para o domínio
esferas. Nesse sentido, é possível encontrar, em todo o território nacional, da cognição. Nessa direção, o conceito de arte também está ligado à cog-
diferentes iniciativas relacionadas à necessidade de formação dos profes- nição como um dos elementos de manifestação da razão, pois existe na
sores para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem da Arte. Arte um conhecimento estruturador, que permite a potencialização da
cognição. Corroborando com essa ideia, Barbosa afirma:
No entanto, o primeiro curso de formação continuada dentro de uma
orientação pós-moderna da Arte/ Educação ocorreu no Festival de Inver-
Não é possível uma educação intelectual, formal ou não formal, de elite ou
no de Campos de Jordão, em São Paulo, sob a coordenação da professora popular, sem arte, porque é impossível o desenvolvimento integral da in-
Ana Mae Tavares Bastos Barbosa, no início da década de 1980. Realizado teligência sem desenvolvimento do pensamento divergente, do pensa-
o
culturais, a partir da implementa-
em parceria com diferentes instituições mento visual e do conhecimento presentacional que caracterizam a arte.
çãode inúmeras atividades, esse evento contou com a participação de mais (Barbosa, 2002, p. 5)
de 400 professores de arte de São Paulo. Foi a primeira tentativa de atua-
lizar os Arte/ Educadores brasileiros sobre os
novos princípios do Ensino Atualmente, no Brasil, abordagem mais contemporânea da Arte/
a
da Arte, dentro de uma perspectiva pós-moderna. Educação está relacionada ao desenvolvimento cognitivo, que, segundo
Nesse período, o termo "atualização" foi utilizado por Barbosa para Barbosa (2005), vem se impondo cada vez mais entre os Arte/ Educadores
designar o de formação continuada de professores, conforme brasileiros. Essa compreensão nos impõe a pensar de maneira diferente
processo
citação abaixo: o Ensino da Arte na educação escolar, provocando o deslocamento das
No entanto, desde o Festival de Inverno de Campos de Jordão, na Contemporânea, da Universidade de São Paulo. A referida abordagem
década de 1980, compreendemos no Brasil que não é suficiente formar defende a aprendizagem dos conhecimentos artísticos a partir da inter-re-
o professor continuamente. É preciso formá-lo dentro de uma orien- lação entre o fazer, o ler e contextualizar arte.
tação da Arte/ Educação, que compreende a arte como uma área de Mas, qual o impacto dessa abordagem no processo de formação
conhecimento. continuada de professores para o Ensino da Arte nos sistemas oficiais de
ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS CULTURAS
166 BARBOSA • CUNHA
ensino? Nesta direção, esta pesquisa teve como objetivo compreender filiasprimeiras escolas, a rede vem contemplando o Ensino da Arte na
como vem sendo recepcionada/ apropriada [compreendida a abordagem educação escolar, a partir de diferentes organizações e tratamentos con-
triangular de Ensino da Arte na formação continuada de professores para ceituais e metodológicos. No entanto, foi no ano de 1993 que o Ensino da
A rte foi implementado
o Ensino da Arte. como área de conhecimento do currículo escolar
e como disciplina autônoma, com os seus conteúdos específicos, da Edu-
Na próxima sessão, apresentaremos o percurso metodológico que
Infantil e do Ensino Fundamental (SEC/PCR, 1996; SEC/PCR, 2000).
desenvolvemos para obtermos os resultados do nosso estudo.
'orroborando com essas informações, verificamos, a partir do estudo de
Silva (2004), que no estado de Pernambuco o Ensino da Arte passou a
sobre o percurso metodológico: perseguindo a compreensão
Considerações constituir o currículo escolar como área de ensino obrigatória, a partir da
da Abordagem Triangular na formação
continuada de professores nnetade da década de 1960.
p. 38), a
pesquisa documental "pode se constituir uma técnica valiosa de
mental e Ensino Médio) e suas modalidades (Educação Especial, Educa-
abordagem de dados qualitativos seja complementando as informações
çãode Jovens e Adultos e Educação Profissionalizante). obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema
Foram três razões que nos levaram à escolha da Rede Municipal
as
ou problemas".
de Ensino da Cidade do Recife como campo de estudo: primeiro, por se
tratar de uma instituição pública responsável pela gestão do ensino de Foram realizadas também entrevistas semi-estruturadas com os nove
formadores que fazem parte da Equipe Pedagógica da Área de Arte, que,
uma grande parte da população da cidade do Recife, e, desta forma, com
os conhecimentos produzidos, contribuir com o movimento mais amplo
depois de gravadas em fitas de áudio, foram transcritas, formando, ao
final, nove protocolos de entrevistas. Nesse sentido, a entrevista semies-
de luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade social; segun-
do, por se constituir truturada foi adotada por constituir-se como um procedimento que
uma rede que, tradicionalmente, vem investindo na
formação continuada dos seus professores; terceiro, por se tratar de uma possibilita a flexibilidade ao se pautar em perguntas temáticas e não em
rede pública de questões fechadas, favorecendo assim a ênfase nos aspectos que se mos-
ensino no Brasil que, historicamente, vem contemplando
em sua proposta curricular o Ensino da Arte para todos os níveis da
trarem mais relevantes para análise e compreensão do objeto" (Guimarães,
2003, p. 14).
Educação Básica.
No ano de 2010, a Rede Municipal de Ensino do Recife completou Utilizamos como procedimento para tratamento, organização e aná-
115 anos. Desde o seu surgimento, no ano de 1895, lise dos dados desta pesquisa as técnicas da análise temática, sistemati-
com a fundação de
168 BARBOSA • CUNHA
A ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO DAS ARTES CULTURAS VISUAIS 169
operações básicas: (1) a pré-análise; (2) a exploração do material; (3) o apenas ao Ensino da Artes Visuais, mas se constitui também como orien-
tratamento dos resultados obtidos; (4) e a interpretação dos resultados, a tação teórico-metodológica para as outras linguagens, tais como dança,
partir da música e teatro. No entanto, o fenômeno que acabamos de constatar não
inferência. Assim, a análise
temática foi uma técnica poderosa
para verificarmos tanto os conteúdos expressos superficialmente nos
está limitado
apenas à Proposta Pedagógica do Recife, pois podemos
encontrá-lo em outras propostas oficiais, a exemplo dos Parâmetros Cur-
dados coletados como os conteúdos intrínsecos a esses dados (conteúdo
riculares Nacionais (Brasil, 2001).
dinâmico, estrutural e histórico).
significa que, apesar de a Abordagem Triangular ter sido gesta-
Isto
A seguir, apresentaremos os dados encontrados a partir da realização
da para o ensino das artes visuais, dada a força dos seus princípios e
do percurso metodológico
que acabamos de explicitar. Esses resultados
pressupostos filosóficos, ela vem se constituindo entre os Arte/ Educado-
são frutos tanto da análise dos conteúdos manifestos como da análise dos
res, ao longo de quase duas décadas de sua sistematização, como uma
conteúdos latentes, encontrados nas unidades de contexto.
abordagem epistemológica para o ensino das diferentes linguagens artís-
ticas,
posto que a mesma busca pensar a área de arte como um conheci-
0 processo de mento, para diferentes níveis e modalidades de ensino.
formação
continuada de professores para o Ensino de
Arte: qual a compreensão
sobre a Abordagem Triangular? Para uma maior compreensão dos princípios e pressupostos filosó-
ficos da Abordagem Triangular de Ensino de Arte, do ponto de vista das
teorias educacionais e das teorias da aprendizagem, Barbosa afirma:
Ao analisarmos Proposta Curricular da Rede Municipal de Ensino
a
mediação do professor, acerca do mundo visual e Assim, a leitura da obra de arte poderá ser realizada a partir de di-
não uma "educação ban-
cária". (Barbosa, 1998a, p. 40) ferentes linhas estéticas e enfoques metodológicos, tais como: a gestáltica,
a semiótica, a empírica, a fenomenológica, a mito/ poética, o kantianismo,
Para deixar mais clara essa compreensão, a autora complementa: a epistemológica, a gramática gerativa, entre outras.
Nessa mesma direção, a contextualização da obra de arte poderá ser
A Abordagem Triangular é construtivista,interacionista,dialogal, multicul- realizada a partir de diferentes pontos de vista: "histórica, social, psico-
turalista é pós-moderna por tudo isso e
por articular arte como expressão lógica, antropológica, geográfica, ecológica, biológica etc., associando-se
e
Tabela I
Nacionais
Matriz curricular da Proposta Pedagógica da Latino-americanos
Rede Municipal de Ensino da Cidade do Recife • Internacionais
Género aqui refere-se à classificação do humano quanto ao sexo (masculino feminino) e gêneros
•
e
Ensino Fundamental EJA
art ísticos.
EIXOS Conteúdos de teatro 11 111
IV le 11 111
O termo minoria refere-se aos grupos humanos/sociais que têm pouca representatividade ao nível
CONTEX- Multiculturalidade:
do poder.
TUALIZA • Multiculturalismo no teatro
Leitura de espetáculos /produções teatrais/cenas de novela, filmes, vídeos e textos dramáticos:
• Teatro produzido nas diferentes exploração dos aspectos
culturas, gêneros* etnias e
,
simbólicas:
> interpretação dos significados X
Construção de conceitos emocionais, estéticos,
ideológicos, entre outros.
• Multiculturalidade
• exploração dos aspectos formais
• Teatro como linguagem
x x — percepção/ identificação/
• Artes gênicas análise de:
• Teatro
> signos do ator (a
palavra, a
x x
entonação e o gesto);
• Jogos dramáticos
x x > signos fora do ator (cenário,
• Jogo teatral indumentária);
> gêneros/ estilos;
Signos teatrais (cada
> artistas/ autores;
nomenclatura)
> tecnologias
• Gêneros/estilos/movimentos
I'A'/.F.R Produção em teatro:
(nomenclatura)
relaxamento/ alongamento/
• Teatro de bonecas
aquecimento corporal;
Gêneros/estilos/movimentos (história/contextos)
• jogo dramático;
Comédia
• jogo teatral;
• Tragédia
improvisação a partir de: textos
• Farsa jornalísticos, textos dramáticos,
formadores como orientação primordial para que o Ensino da Arte da "fruição", foram utilizados pelos sistematizadores dos PCNs de Arte,
e
cidade do Recife constitua-se como uma área do conhecimento, conforme
pa ra substituir as nomeclaturas criadas por Ana Mae Barbosa para Abor-
podemos verificar nos seguintes depoimentos: (lagem Triangular. Uma maneira escondida encontrada para utilizar a
A partir da análise temática foi possível compreender que a Aborda- professor para o Ensino da Arte.
É
preciso buscar nos fundamentos da
de
gem Triangular vem se constituindo como conteúdo para a formação Educação, da Arte e do seu ensino elementos
para uma epistemologia da
professores dos diferentes níveis e modalidades de ensino da Educação formaçãoem Arte, como já proclamava, desde a década de 1980, a pro-
Básica e como orientação prioritária para o ensino das diferentes lingua- fessora Noêmia Varela, dos primeiros cursos de formação
precursora
gens artísticas na prática educativa escolar. inicial e continuada para Arte/Educadores realizados no Brasil, através
da pertinente reflexão:
No entanto, este processo formativo é habitado por diferentes com-
preensões sobre a Abordagem Triangular. Uma das compreensõesvai
Mas, que devemos pensar da formação do arte-educador? Quais
defender a Abordagem Triangular como um sistema aberto que privilegia as relações
da arte com a educação
que poderão melhor delimitar o lugar e a natureza
mentais da aprendizagem dos conhecimen-
de forma articulada três ações
do processo de formação do arte-educador? O
tos artísticos, denominadas de criação, leitura e contextualização. Outra que dá mais a pensar sobre
esta questão e que ainda não foi pensado? Que necessário desaprender
vai compreender a referida abordagem como um conjunto de competên- é
cias, conteúdos e atividades estanques com um fim em si mesmas. I para encontrar o caminho mais sábio que nos leve à elaboração mais rica
do processo de formaçãodo arte-educador? (Varela, 1986, 12)
p.
Essas diferentes compreensões da Abordagem Triangular no proces-
so de formação continuada de professores são, de forma geral,
resultado
realizado para a formação de formadores dos sistemas municipais de ALONSO, M. (Org.). O traba1110 docente: teoria & prática. São Paulo: Pioneira,
ensino. Em Pernambuco, esse programa teve quase que uma adesão geral 1999.
dos municípios.
ANDRÉ, Marli (Org.).Fonnação de professores no Brasil (1990-1998). Brasília: MEC/
Acreditamos, entretanto, que para além da Abordagem Triangular I nep/Comped, 2002.
constituir-se de um "conteúdo" da formação, esse sistema nos suscita
AZEVEDO, J. M. L. de. A educaçãocomo política pública. São Paulo: Cortez, 1997.
elementos para um re-pensar crítico da formação do Arte/ Educador no
Brasil, pois impossível hoje se
é a formação continuada do Arte/
pensar BARBOSA, A. M. Teoria e prática da
Edilcação Artística. São Paulo: Cultrix, 1975.
Educador sem proporcionar-lhe exercícios de criação, acesso ao universo Tópicos litópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998a.
da arte, compreender os contextos habitados pelos diferentes fenômenos
(Org.).Aconlpreensão e o prazer da
culturais e artísticos. Isto nãoserá influência da Abordagem Triangular? arte. São Paulo: Sesc Vila Mariana, 1998b.
Portanto, diante da especificidade do processo de formação do Arte/ .
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâme- PERRENOUD, P. A prática reflexivano ofíciodo professor: profissionalização e razão
tros Curriculares Nacionais: arte. Brasília, 2001. pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002.
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BRZEZINSKI, I. GT 8: A pesquisa sobre formação de profissionais da educação
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em 25 anos de história. [n: REUNIÃO ANUAL
30., Anais...,
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bu, 2007. Caxambu: Anped, 2007. 1 CD-ROM. PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E (Org.). Professorreflexivono Brasil: gênese e crítica
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(Org.). Formação de profissionais da educação(1997-2002). Brasília: MEC/
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certeza. São Paulo: Cortez, 2001. (Org.). História da Arte-Educação. São Paulo: Max Limonad, 1986.
que
—
afinal,
o cotidiano do reduzido ou esparso número de aulas acaba por primeiro coloca os anseios e as ambiguidades para, após, dar à luz ideias
devorar a maior parte do tempo do professor,
que vai de uma escola a niais consistentes.
outra a fim de fechar a carga horária, mantendo a
sua efetivação. Fica compreensível que "sempre será necessário reorganizar cada
No terceiro ano, apenas dois encontros foram oficialmente propostos trajetória curricular que se estabeleça em diálogo com o que acontece nas
e ocorreram algumas reuniões informais, o
que dificultou a consecução cl i ferentes experiências de sala de aula, da escola e de fora dela" (Hernán-
dos objetivos e ocasionou uma lentidão no processo, redundando em dez, 2000,
p. 137).Não restam dúvidas de que há muito a fazer, um vo-
progressos pouco significativos, se considerarmos aquilo que ensejávamos expressivo de trabalho pelo caminho. Contudo, há também um
atingir. A proposta não se encontra concluída e, mesmo que nela estives- desejo muito grande para que não percamos a direção, sem que isso seja
sem integralizados requisitos complementares como os pressupostos
entendido com propósito sensacionalista ou inovador, mas como inicia-
metodológicos e avaliativos, é a sua permanente continuidade que lhe tiva em garantir para o ensino e aprendizagem da arte o espaço ao qual
ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO l)AS ARIES CULTURAS VISUAIS 185
184 BARBOSA • CUNHA
educação ocidental moderna, presente desde a Didactica Magna, de Co- pensar, comportar-se o discurso diretamente ligado às experiências
— —
menius, cujos antecedentes revelam preocupação com a atividade edu- de formação de identidade. Isto é apontado por Hernández (2007, p. 72)
cacional (Silva, 2004, p. 21). De lá para cá, ao esclarecer, em nota de rodapé, que esta noção é dada culturalmente e
passamos por inúmeros mode-
está relacionada caracterização dos indivíduos mediada pela linguagem
los, dentre eles o tecnocrático, humanista,
progressista, com tendências à
mais tradicionais, críticas, autobiográficas, sociológicas, pós-colonialistas, e determinadas práticas sociais, enquanto subjetividade é uma maneira
de constituir-se a partir da reflexão (a tomada de consciência sobre si
pós-críticas e outras tantas, pautadas em rupturas ou continuidades que
mesmo) na interação com os outros.
se manifestam implicadas nas demandas de construções curriculares. Daí
dizer
que a sua elaboração não se dá arbitrariamente, como forma de Tais características estão relacionadas a conceitos ligados às teorias
controle ou como por decreto, em decisões de gabinete —
refletidas por pós-críticas, ponderando, como ainda aponta Silva (2004), que uma teoria
alguns "eleitos" —
em um contexto alheio ao tempo e espaço onde ela é definida a partir dos conceitos que a ela estão subjacentes, os quais or-
efetivamente se fará acontecer. Pensar uma proposta curricular supõe ganizam e estruturam uma forma de ver a "realidade", dirigindo nossa
participação, construção partilhada, diálogo, interação, produção de a tenção para certas coisas que, sem eles, não "veríamos" (Silva, 2004, p. 17).
sentido, abertura, escolha, interpretações à luz da realidade e das concep- As categorias conceituais possibilitam que concebamos o currículo não
como um conjunto de conteúdos, atividades que acompanham um amon-
çõesque lhe servem como ancoragem: "O currículo é sempre o resultado
186
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS
toado de textos explicativos ou ainda um receituário compilado, no mais desfrute", oferecendo aos alunos possibilidades para outras leituras e
das vezes prescrito por instâncias superiores, o qual é eventualmente produções de "textos", de imagens e de artefatos (ibid., p. 71). Recomen-
letivo
consultado geralmente em épocade planejamento do ano para da e orienta, ainda,
que se ampliem e desnormatizem os objetos e artefa-
—
—
justificar a sua vigência ou presença no âmbito escolar. Subjacentes ao tos com os quais se forja uma educação das Artes Visuais, utilizando como
de
próprio discurso, sua presença nos remete a determinadas formas proposta pedagógica os projetos de trabalho. Através deles é possível
organização e estruturação deste discurso, criando redes relacionais mais uma reorganização da gestão do espaço, do tempo, da relação entre os
amplas, que possibilitam abstrações e posteriores generalizações por meio docentes e os alunos, havendo ainda uma redefinição do discurso acerca
das palavras, que codificam a experiência em esquemas conceituais: do saber escolar: aquilo que regula o
que se vai ensinar e como devemos
intelectuais, o sujeito
"Utilizando os conceitos nas atividades práticas e fazê-lo (Hernández, 2000). Diante disto,
serãoos planejamentos constan-
vai apreendendo as relações de generalidade que os vinculam em um tes
nos projetos de trabalho orientarão os percursos das distintas
que
sistema, e que lhe permitem formular qualquer conceito em termos de áreas, considerando uma visão mais ampla da realidade e os problemas
outros conceitos, de inúmeras formas, e coordenar pensamentos (Vygotsky, ou situações com as quais se irá trabalhar, dentro da diversidade e plu-
apud Fontana, 2000, p. 18). ralidade presentes no contexto de cada
uma das
escolas.
Discutindo acerca de currículo e ensino da cultura visual, Freedman Todas as discussões empreendidas para elaboração da Proposta
(2006) assinala sua importância dentro fora da escola, colocando que a
e Curricular do Município de Concórdia foram perpassadas pela ideia de
aprendizagem da Cultura Visual é parte integral da construção do co- Temas Geradores, os quais articulam Propostas de Trabalho, uma vez que
nhecimento: "Quando os estudantes desenvolvem uma compreensão nas Unidades Escolares sua elaboração e execução ocorrem sistematica-
olhar de forma
mais aprofundada de suas experiências visuais, podem mente, em consonância com os eixos temáticos eleitos a partir da identi-
mais crítica as aparências superficiais e começara refletir sobre a impor- ficação dos problemas, oriundos da própria comunidade, transformados
tância das Artes Visuais para dar forma à cultura, à sociedade e, inclu- em questões problematizadoras, que se articulam nas dimensões das
sive, à identidade individual" (p. 19). Porém, um currículo não é com- diversas áreas do conhecimento implicadas ou, nas palavras de Freire
visualidade, os quais
posto única e exclusivamente pelos aspectos de (1997), estando abertos
ao contorno ecológico, econômico e social em que
referenciam apenas uma parte do amplo espectro que o Ensino da Arte vivem os educandos. Assim, o professor nãoserá um repassador de con-
contempla. Na presente explanação, todavia, o aporte para o qual optei teúdos, mas um mediador, conforme assinala Gasparin (2002, p. 114), uma
diz respeito à dimensão visual, pois esta ocupa um papel importante na
que a mediação implica
releitura, reinterpretação e ressignificação do
vez
atualidade e ainda por grande parte dos meus estudos estarem concen- conhecimento, pressupondo atitudes e ações do professor e dos alunos.
trados neste foco. Como mediador, o professor passa a "indagar", a criticar e a criar a partir
Hernández (2007), que há muito vem propondo reflexões e suscitan- das produções da Cultura Visual (Hernández, 2007, p. 89), deixando de
do o debate relacionado à Cultura Visual e seus desdobramentos, sugere ser transmissor de informação a uma audiência passiva. O endosso destas
narrativa educacional, metaforizando o sentido de "catar" (em afirmações nos é dado por Barbosa (2005, p. 98), ao enfatizar que "Arte/
uma nova
Catadores da cultura visual), numa perspectiva mais ampla de exploração, Educação é a mediação necessária entre arte e público e ensino da Arte é
da cultura vi-
que resulta em uma "compreensão crítica e performativa compromisso com continuidade e/ ou com currículo quer seja formal ou
sual". O escopo da sua proposta está em "procurar não destruir o prazer informal. Esses conceitos associados ao conceito de arte como experiência
[no caso, em se tratando do brincar com
que os estudantes manifestam
cognitiva vêm se constituindo o núcleo das teorias pós-modernas em
de
as Barbies], mas "explorá-lo para encontrar novas e diferentes formas Arte/ Educação".
188 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM NO ENSINO CULTORAS VISUAIS 189
Fica compreensível, portanto, a opção em deslocar o eixo programá- assim como é recomendável introduzi-la transversalmente em todo o
tico da proposta, no sentido de pensá-la a partir dos seus referentes con- currículo, provocando a imbricação de territórios e a multiplicação de
ceituais,
que estão ancorados na Abordagem Triangular, a qual traz o interpretações" (Barbosa, 2008, p. 26). Neste caso, na prática social dialó-
Leitura da gica (mediada pela palavra) e pedagógica (mediada pelo outro) o
Contextualizar, o Fazer e a Imagem e seus conceitos corre-
—
proces-
de conceitualização busca a interlocução mobilizando tanto a prática
latos como pressupostos. Aqui, eles não podem ser traduzidos em so
—
"entendido como esse momento de ir ao encontro, do olhar reflexivo mental mobilizada a serviço da comunicação, do conhecimento e resolu-
como se aprende e não um modelo para o que se aprende. motivos razões;procura, também, as linhas de força de suas transfor-
e
vista ou de estar conscientes dos preconceitos determinados diante dos Perspectiva, 2009.
fatos e fenômenos" (Hernández, 2000, p. 178). A Abordagem Triangular, BARBOSA, Ana Mae; AMARAL, Lilian. Interterritorialidade: mídias, contextos e
neste sentido, dialoga com as propostas de Hernández e de outros teóri- educação. São Paulo: Editora Senac-SP / Edições Sesc-SP, 2008.
cos da área do teatro, da música, da dança, das histórias em sequência, BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte, 1997.
das mídias contemporâneas, justamente porque seu foco parametriza os
aspectos conceituais e se coloca como eixo de referência para os processos CHAUI, Marilena. Convite à filosofia.São Paulo: Ática, 1999.
de ensino e aprendizagem em Arte. DELEUZE, Gilles. O que éfilosofia?Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.
John Dewey e o Ensino da Arte no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001. SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta
('lirricular:
.
Inquietações e mudançasno Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2002. arte. Florianópolis: Cogen, 1998.
193
PARTE III
De diferentesteses:
derivaçõescognitivas
TENDÊNCIAS
DE PRODUÇÃO
CIENTÍFICA
EM ARTE/EDUCAÇÃO NO BRASIL E A
ABORDAGEM TRIANGULAR DE ENSINO DA ARTE
Introdução
belecido por "o ensinar, quando ensinar e como ensinar" sendo assim,
Os objetivos específicos trabalhados foram: que ,
As categoriasde análise pequeno círculo da vida individual, mas requer forçosamente a explicação
de um grande ciclo da vida social" (1999, p. 98-99). A Psicologia da Arte
Por meio dos conhecimentos prévios como educadora e as várias concebe a estética
reação como uma forma específica de conhecimento,
leituras do tema, determinaram-se as categorias por: Currículo, Aprecia- relacionada aos sentimentos humanos,
que são partes constituintes da
Estética, Estética Filosófica, Formação de Professores, Epistemologia composição do conteúdo da obra.
ção
e Psicologia da Arte. É
pertinente salientar
que nas primeiras
leituras dos
Epistemologia é a categoria que se utilizou para classificar as pes-
encontramos dificuldades de categorizar, pois muitos nos pa- quisas de Arte/ Educação, que indicam os estudos, ou as origens do co-
resumos,
receram híbridos, e se adequavam em mais de uma categoria. Logo que nhecimento artístico, inclusive para situar o estudo da arte no contexto.
inserir algumas
os processos de análise foram avançando optou-se por principal foco de estudos da categoria Estética Filosófica, em nos-
O
pesquisas na categoria que estava mais acentuada no seu texto. sa concepção, é definir a natureza da arte, as características que distinguem
Aderiu-se às pesquisas na categoria Currículo as que tratam do con- as obras de como exercício intelectual, mas como neces-
arte, não apenas
texto escolar, e que evidenciam o ensino-aprendizagem, metodologias e sidade absoluta de compreensão da criação humana, da subjetividade,
Coll (1996) ressalta que o currículo é esta- da razão, da matéria e do espírito. Nesta categoria incluíram-se os estudos
processos educacionais. César
198 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARTES CULTURAS VISUAIS 199
de filósofos quanto aos movimentos históricos, sociais, políticos e ideo- As análises obtidas dos resumos permitiram elaborar um perfil his-
lógicos caracterizados nas formas de expressões estéticas condizentes com tórico recente das pesquisas no campo da Arte / Educação defendidas nas
seu tempo. instituições brasileiras. Selecionaram-se nove dissertações e teses centra-
A categoria Formação de Professores refere-se às pesquisas desen- das na Abordagem Triangular no Ensino da Arte com a qual nos identi-
volvidas com professores de arte, em instituições de ensino. O principal ficamos e fizemos a opção do recorte da pesquisa.
enfoque destas pesquisas é questionar, discutir e redimensionar o Ensino Seguem-se os resumos das nove dissertações.
da Arte, por meio da atuação direta ou indireta dos professores de arte.
Compreende-se que "essa necessária renovação da instituição educativa,
e esta nova forma de educar requerem uma redefinição importante da Resumosdas dissertações
por categoria no período 1995-2004
profissão docente e
que se assumam novas competências profissionais no
quadro de um conhecimento pedagógico, científico e cultural (Im-
DISSERTAÇÕES/TESES CATEGORIA
bernón, 2001, p. 12). Entende-se que as pesquisas desta categoria devam I)
A Metodologia Triangular no Ensino da Arte em escolas de pri-
nela
promover uma nova visão de educação, para os profissionais que meiro grau do município de Vitória. Maria Auxiliadora de C. Co-
atuam estabelecerem outra postura perante a profissão, que ultrapasse o rassa. 10/12/1995. Mestrado. Universidade Federal do Espírito Santo
(Educação)
mero fazer pedagógico,
Esta dissertação busca conhecer a utilização da Abordagem Triangular
quisa compôs-se de reflexão sobre o Ensino da Arte na escola arte rmnenta para ampliar o ensino, enquanto sistema interativo e enfoca
uma
—
através da utilização da imagem o ensino de conceitos da geometria euclidiana para as quatro primeiras
enquanto matéria do conhecimento —
(reprodução de pinturas) para leitura e releitura. Leitura enquanto aét'ies do ensino básico fundamental. Busca descrever os principais
decodificação de seus elementos visuais para uma interpretação cog- conceitos utilizados para a concepção do aplicativo educacional que
nitiva, permitindo a compreensão do mundo, e a releitura enquanto acompanha a dissertação, alguns momentos na história da arte onde
produção, por meio da experimentação de materiais artísticos, de um geometria foi importante para a relação geometria e imagem.
pensamento, uma ideia própria do indivíduo como o sujeito da ação 5)
Arte enquanto linguagem: uma reflexão sobre o curso de pedago-
e não a simples reprodução de imagens, reduzindo o fazer artístico em 2.
gia da Unoesc. Petronila Maria Bolfe. SMO. 10/2/2001. Mestrado.
reflexão sobre a definição de mimese de
mero exercício escolar. Uma Universidade Federal de Santa Catarina (Educação)
Platão e Aristóteles foi estabelecida, bem como a pesquisa à História
da Pintura, a partir de algumas releituras feitas por artistas do século presente estudo teve como meta principal identificar e analisar as
( )
XIX e XX, reafirmando o valor desta prática no universo da arte e es- concepções pedagógicas de Arte/ Educação, que perpassam os projetos
de estágio dos acadêmicos docentes, concluintes do curso de Pedago-
tabelecendo aproximações com a produção artística na escola. Foi
apresentada uma análise das propostas pragmáticas, desenvolvidas gia —
Habilitação Séries Iniciais da Unoesc campus de São Miguel
—
5a a 80 séries do Ensino Fundamental da instituição do Oeste. Neste trabalho, são discutidos alguns conceitos de Arte/
com alunos de
particular Externato São Paulo —
Velázquez e
uma das releituras destas obras, feita por Pablo Picasso e verificar que a questão da Arte/ Educação no curso de Pedagogia,
Violeiro, de Almeida Júnior em comparação com a obra Rock Balada acima mencionado, exige maiores reflexões acerca da importância das
para Almeida Júnior, de Antônio Victor. O trabalho envolveu algumas linguagens artísticas para o desenvolvimento do educando-cidadão.
relações entre a epistemologia e a práxis, oferecendo subsídios para
reflexão sobre a prática educativa, referente à leitura, à interpre-
6) Arte, conhecimento, educação e a Abordagem Triangular. Maria
uma Regina Johann. Ijuí (RS), 10/10/2001. Mestrado. Universidade Regional
tação de obras de arte e as várias possibilidades de criação decorren-
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Educação nas Ciências)
te desta Abordagem. Por fim foi analisado o processo de criação na
escola, através do relato de experiências com os alunos da 8a série, Sem resumo
202 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO ARIES CULTURAS VISUAIS 203
cimento existente, com a produção de conhecimento novo. Um sistema sistematizada no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de
de criação baseado na contextualização do conhecimento dos alunos São Paulo (MAC/USP) e apresentada por Ana Mae Barbosa, e consi-
trosamento em todas as atividades planejadas. Cabe, portanto, enfati- blica do Distrito Federal, por meio da criação de uma comunidade
zar a estreita convivência entre o desenvolvimento do potencial dos virtual de aprendizagem. A formação dos educadores fundamenta-se
alunos e o de transformação engendrado pela estrutura do na inter-relação das modalidades presencial e a distância tendo por
processo
modelo. Pode-se concluir que aaplicação do modelo SES estabeleceu base a dialética ação-reflexão na qual a construção do conhecimento
uma base e contextura que permitiram aos alunos estruturar e reestru- se processe por meio deaçõescolaborativas que permitam a organiza-
cognitiva do sujeito ativo, cuja organização inter-
turar seu conhecimento
num processo de produção, leitura da obra e çáo reorganização
e
contextualização, assim alcançando os objetivos da pesquisa e valida- na encontra-seem um movimento contínuo de mudança em processo
de reconstrução gerado nas inter-relações entre pessoas e a sociedade.
çãodo modelo.
204 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 205
Discussão dos resultados unna reflexão sobre o curso de pedagogia da Unoesc", não são mencio-
nadas as obras artísticas, objetos do trabalho de leitura e releitura, mas
Das novedissertações e tese selecionadas para estudo, seis estão as referências teóricas de suporte ao trabalho de interpretação, como é
analisando a inserção da Arte no Currículo, levando-nos a perceber a o caso de Freire, Vygotsky e Davydov; segundo a autora, o referencial
problematicidade desta inserção; em algumas dissertações a Abordagem teórico proposto
por esses autores, aliado aos procedimentos artísticos
Triangular está mencionada no título, como é o caso de "A metodologia ennpregados pelos alunos, formaram um alicerce para a construção de
triangular no Ensino da Arte em escolas de primeiro grau do município conhecimento dos alunos.
de Vitória"; outras mencionam a referida Abordagem
nos resumos, a Os dois temas em destaque na categoria Currículo, isto é, o emprego
exemplo de "Arte e seu ensino: uma proposta teórico-prática reflexiva das Tecnologias de Informação e Comunicação e a Releitura de Obras são
com professores das séries iniciais" ou "Arte enquanto linguagem: uma indicativos importantes de como a Abordagem Triangular está sendo
reflexão sobre o curso de Pedagogia da Unoesc". incorporada nas escolas. "Arte na escola: um estudo sobre a leitura e a
Alguns trabalhos têm suas propostas envolvendo também as Tec- releitura como possibilidade de criação" por exemplo, é outra dissertação
,
nologias de Informação e Comunicação, como é o caso de "Sistemas que agora, sim, traz o termo médio da trilogia no
título,
reforçando a
estéticos sequenciais: proposta de desenvolvimento de modelo híbrido categoria da apreciação estética, como uma das vias do fazer artístico
para o ensino na escola regular na área de educação artística" e "Um absorvido no ensino de Arte/ Educação no Brasil.
aplicativo multimídia para o Ensino da Arte: Geometria"; no primeiro Nas instituições de ensino, quando se fala em leitura e releitura de
caso, sobre os sistemas estéticos sequenciais; no segundo caso, sobre o obras, encontram-se muitas divergências quanto à utilização desses termos
aplicativo multimídia, destaca-se o ensino de conceitos da geometria e dos processos educacionais que envolvem essas duas práticas; existe
euclidiana para as quatro primeiras séries do ensino básico fundamen- certa confusão, em
nome da Abordagem Triangular, quando os professo-
tal; a dissertação destaca "alguns momentos na história da arte em res trabalham a releitura como cópia. Na verdade, há uma grande distân-
que
a geometria foi importante para a relação geometria e imagem", se- cia entre as duas, pois, enquanto na primeira acontece a transformação,
guindo, então, a recomendação da Abordagem Triangular
no quesito interpretação e, principalmente, a criação com base num referencial, na
da contextualização. segunda acontece somente o aprimoramento técnico. Na leitura existe
Nota-se, também, que na categoria Currículo aparece destacada na um diálogo entre leitor e a obra, num tempo e espaço precisos. Já na re-
trilogia: fazer artístico/apreciação estética/ contextualização, uma pro- leitura, há um diálogo entre os textos visuais, intertextos, dos quais podem
eminência do termo do meio, a leitura e releitura de obras. No caso da se valer para novas criações. Ambas são produções de sentido que expli-
dissertação"Sistemas estéticos sequenciais: proposta de desenvolvimen- cam relações de um texto visual com o contexto.
to de modelo híbrido para o ensino na escola regular
na área de educa- Complementando essas ideias, quanto à inserção da arte no currículo,
ção artística", as próprias obras relidas são nomeadas no resumo; por acrescenta-se que, nas várias disciplinas ministradas nas escolas, em vá-
exemplo, obras como Mulata, de Alfredo Volpi, Pequenas alegrias, de rias áreas do conhecimento, muitas vezes, os educandos se submetem a
Wassily Kandinsky, ou As meninas, de Velásquez, são exemplos; a auto- copiar textos, ideias, sinais, formas e normas. Não se quer questionar os
ra menciona, também, os processos criativos advindos deste exercício, métodos utilizados como meios de ensino-aprendizagem, e não se pre-
embora não tenham sido fornecidos ao leitor do resumo maiores escla- tende posicionar quanto às outras disciplinas, o
que se quer evidenciar é
recimentos desses processos. Já no caso de "Arte enquanto linguagem: o fato que, para muitos educandos que estão acostumados a copiar tudo
zoo BARBOSA • CUNHA MIOROAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARIES CULTURAS
que está na lousa, copiar uma imagem é banal. Nesse momento é que os Nitário
brasileiro; o autor menciona, ainda, a dialética açáo-reflexáo e
arte/ educadores devem mediar, contextualizar e incentivar a
criação sem
o recurso da cópia.
as
açõescolaborativas permitindo a organização e reorganização cog-
nitiva do sujeito ativo na reconstrução do conhecimento gerada pelas
A falta dacompreensão dos processos de leituras e releituras de al- inter-relações entre pessoas e sociedade. Além do referencial teórico
guns profissionais da educação pode desencadear simplesmente uma nnencionado nas teorizações de Barbosa (Dewey, Vygotsky, Piaget e
prática copista, sem atender às exigências dos parâmetros curriculares Paulo Freire), o
autor acrescenta, também, as propostas de Maturana e
que apontam a Abordagem Triangular como base do ensino-aprendizagem Varela e o construcionismo de Papert, o inventor da linguagem LOGOI
da arte. Entende-se que, quando a imagem é apresentada de programação, embora
para o educan- uma dissertação voltada à formação dos pro-
do, sem a devida orientação, esta vai representar
apenas um objeto de fessores de artes visuais, por meio das tecnologias de informação e
modelo, para um exercício vazio. Essa estratégia de ensino usada comunicação, como informa o título.
como
prática comum poderá causar no educando uma estagnação na sua pró- Já
dissertação que trouxe no título a expressão "Informática",
a
pria criatividade, passando, então, a se utilizar da cópia como forma de
classificamo-la em Psicologia da Arte. Este exercício de classificação das
expressão contínua e repetitiva.
d issertações em categorias tomou boa parte de
nosso tempo na construção
Toda açãopedagógica deve trazer em si a busca incessante do co- da dissertação, possibilitando conhecer as temá ticas e também aprofundar
nhecimento, através de experiências metodológicas,
que visam a um as categorias por nós elencadas. Para Mostafa e Máximo (2003), títulos,
ensino satisfatório. Embora os sistemas educacionais estejam sujeitos às sumários, listas e outros dispositivos para textuais podem ser vistos
como
classes dominantes, a essência da educação e seus preceitos básicos
envolvem a identidade dos educadores. São estes os principais agentes
marcações semióticas, porque dão pistas do conteúdo dos textos. Assim,
a dissertação "A informática como suporte no Ensino da Arte" foi classi-
de mudanças, pois através das suas pesquisas, vivências e experiências ficada por nós em Psicologia da Arte, pelas incursões na obra de Vygotsky,
educacionais, atuando nos seus espaços diários,
promovem, ou não, principalmente o primeiro capítulo sobre "a metodologia do problema".
mudanças. Neste caso, foi o resumo a unidade de análise autorizada para tal classi-
Retomando as análises, dentre os dois destaques da categoria ficação.A autora da dissertação sobre a Informática no Ensino da Arte
Currículo, isto é, o
emprego das Tecnologias de Informação e Comuni- nos informa que "a concepção histórico-cultural de aprendizagem associa
Abordagem Triangular para a Arte/ Educação tem futuro? Se ainda é dessa obra efazera sua própria desenvolvem no aluno a capacidade de reorgani-
relevante enquanto Abordagem? em qualquer situação.
zação
Ana Mae Barbosa responde estas perguntas quando entrevistada Compreende-se, então, que para a entrevistada a maior contribuição
pelo Jornal Folha de S.Paulo, no dia 26/4/2005. O jornalista questiona: que a arte pode oferecer é o auxilio a vislumbrar outros caminhos, meios e
Hoje, ser criativo é importante? óticas
na reelaboração pessoal e social. Melhorando a capacidade de comu-
O discurso do modernismo era o discurso da criatividade. Mas ninguém nicação e reestruturação interna e externa, pode-se então dizer que, con-
sabia bem o que era isso naquela época.Ser criativo era forme as falas de Barbosa, o papel da arte na pós-modernidade está cen-
fazer coisas novas. Por
isso, com o tempo, a originalidade passou a ser trado na capacidade de reorganização do espaço/ mundo utilizando a
um critério relativo. Hoje, há
in teligência, a percepção,a imaginação, a elaboração e a capacidade crítica.
outros processos importantes da criatividade, como ter fluência e flexibilidade,
Finalizando,
dar várias soluçõespara um mesmo problema e desenvolver a capacidade de, dada um comentário geral sobre esses dados se impõe: evi-
uma circunstância, reelaborar
uma ideia. dencia as Instituições de Ensino que mais abordaram a Arte/ Educação
no Brasil: UFSC (12), USP (9) e Mackenzie (8). O ano de maior contribui-
No discurso modernista onde a livre expressão era o foco central,
encontrávamos um fazer-por-fazer, mas como uma forma de expressão çâoem teses/dissertações de arte educação foi no período de 2000 e 2001.
Os estados brasileiros que mais contribuíram com as pesquisas desta
primária corporal do sujeito, ou seja, a necessidade de exprimir sentimen-
natureza são: São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro.
através de materiais, técnicas e procedimentos variados.
tos e
emoções
Podemos exemplificar, através das produções artísticas das crianças, e as A Abordagem Triangular no Ensino da Arte pesquisada oferece os
parâmetros para o conhecimento, a reflexão, a compreensão e a própria
suas garatujas, que são necessidades básicas motoras-corporais da infân-
cia. Conforme os anos passam, essas crianças vão tendo
criação da arte.
um entendimen-
to, consciência e
percepção de mundo, aprimorando os seus fazeres ar-
tísticos, através de seus signos internos e externos, reformulando,
Referências bibliográficas
redimensionando e reconstruindo novos sentidos nas suas relações sociais
e culturais. Portanto, não se pode dizer que este sujeito está copiando o
BARBOSA, A. M. T. B. A imagem do Ensino da Arte:
anos oitenta e novos tempos.
mundo, mas sim dando para esses símbolos internos e externos outros Porto Alegre: Fundação Iochpe, 1991.
sentidos.
CARVALHO, C. O currículo de arte: as escolhas dos conteúdos sob o olhar dos
Pode-se dizer, então, que, a partir das falas da entrevistada, a criação professores. Linha de pesquisa formação docente e identidades profissionais.
na pós-modernidade não está voltada somente para o objeto da arte,
mas Dissertação (Mestrado em Educação)
—
Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí,
2003.
para comportamentos.
210 BARBOSA • CUNHA 211
ROSSI, M. H. W. A compreensão das imagens da arte. Arte & Educação em Revis- Lucia Gouvêa Pimentel
ta, Porto Alegre: Rede Arte na Escola/ Polo UFRGS, ano 1, n. 1, 1995.
VYGOTSKY, L. S. Psicologia da arte. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fon-
tes, 1999.
Introdução
A arte/educaçãol contemporânea tem buscado novos paradigmas
para o Ensino de Arte, considerando seus aspectos cognitivos implicados
com reflexão,
crítica,
compreensão histórica, social e cultural da arte nas
sociedades.
métodos (que podem vir disfarçados com o educador levar em consideração as diversas possibilidades de expressão
A grande diferença entre abordadas pela abrangência dos objetos artísticos e as especificidades
"metodologias") e propostas/abordagens é que os primeiros são
nome de ed ucacionais de formação
seguida, limitando a possibilidade que o pro- que pontue como relevantes.
tomados como regra a ser
aulas momentos de criação. Entende-se aqui A partir de seus três eixos fazer, ler e contextualizar
—, que não
fessor tem de fazer de suas
—
seguido com vistas à obtenção de um "bom" sáo hierárquicos ou lineares, é possível pensar uma atuação significativa
como método algo a ser
necessariamente o co-
resultado. A aplicação de um método não supõe no Ensino de Arte.
aplicação de sequências de
nhecimento de seus princípios, mas sim a
aplicação deve levar a um resultado pretendido. Pode-se entender que "Contextualizar éestabelecer relações. Neste sentido,
açõesou fórmulas cuja construção, por parte do professor, de a contextualização no processo ensino-aprendizagem é a porta aberta para
Por metodologia entende-se a a interdisciplinaridade" (Barbosa, 1998, p. 38). Seria a discussão acerca dos
a partir do conhecimento
dos fundamentos ou
propostas de aulas e ações elementos que circundam, em vários níveis possíveis (ideológico, político,
divulgadas. Assim, os
premissas de métodos, propostas ou abordagens mitológico etc.), concepção e a concretização do objeto artístico, sua esco-
metodologia é criada por cada a
métodos estão à disposição de todos, mas a lha estrutural, e a relação desses elementos com nossa contemporaneidade.
trabalho nas aulas de Arte ou em ações
3
que
professor a cada proposta de Morin (2001 b, p. 12) postula tal abrangência inter-relacional como a "neces-
professor limitado aplica métodos de
integrem o componente arte. Um sidade de promover o conhecimento capaz de apreender problemas globais
de outrem. Um professor dinâ-
ensino que podem ser de sua autoria ou aulas e fundamentais para neles inserir os conhecimentos parciais e locais".
educando possa inferir e discutir seus próprios posicionamentos, bem Sendoespeculação uma prática artística de
que o
interlocuções, de maneira estética com o fito de construir suas
a
açãoe de pensamento,
como suas é necessário que tenhamos o conhecimento de aspectos diversificados das
de Belo
próprias percepçõesreflexivas em decisões empíricas. (Prefeitura expressões artísticas nas amplas possibilidades de qualidades dessas
2009)4
Horizonte, expressões. E importante ressaltar o caráter político que temos como in-
divíduos culturais; daí nossa responsabilidade frente às escolhas que
Ressalte-se que o que se busca é o diálogo entre açõesintrínsecas fazemos na composição de nossas próprias concepções do
abor- que seja ensi-
para o com arte/educação, propondo a articulação entre
trabalho
nar/aprender arte, em todos os ambientes.
dagens não hierarquizadas do objeto artístico, uma vez que "não se
trata
interligam Outra observaçãoimportante é que a Abordagem Triangular não se
de fases da aprendizagem, mas de processos mentais que se
limita a si mesma. O
diálogo de suas premissas com as teorias de outros
(Barbosa, 1998, p. 40).
para operar a rede cognitiva da aprendizagem"
arte/
autoresé essencial para a construção de novas formas de pensamento e
Segundo Ana Mae Barbosa (2005a, p. 98), "hoje, a aspiração dos de
educadores é influir positivamente no desenvolvimento cultural dos es- açãono Ensino de Arte.
inclui a potencialização
tudantes por meio do conhecimento de arte que
da recepçãocrítica e a produção" Abordagem Triangular e pesquisa sobre/em Ensino de Arte
Influir positivamente engloba uma série de ações, inclusive a de
diversas possibilidades Muitas
partir do pressuposto de que a investigação de são as pesquisas que tomam por tema a Abordagem Trian-
de abordagem da produção artística é uma das formas de construção de gular e inúmeras as que a ela se referem como parte do trabalho. Em
conhecimento em arte. Nesse viés, as propostas oferecidas por pesquisa- Congressos Seminários de Arte/Educação, podem ser lidos textos
e
que
dores, estudiosos e atuantes no Ensino de Arte são contributos aos demais discorrem sobre seus aspectos conceituais, ou analisam práticas educati-
profissionais da arte/ educação. vas partir de suas premissas,5 embora ainda certo número deles apre-
a
está em constante mudança de forma, sente problemas de falta de entendimento de conceituação e de análise.
Há que pensar que a arte
se
de materiais e de temáticas que refletem o pensamento humano com seus É possível detectar
que cada vez mais outras áreas de expressão —
que conside-
revisitar o que já foi pensado e produzido e, ainda, pensar a criação ram a Abordagem Triangular como referência para a construção de me-
mos
isso que "Tam-
de ampliação do nosso próprio espaço de criação. Alie-se a todologias de trabalho em arte. Importante ressaltar
que esses trabalhos
bém essencial o conhecimento dos diversos instrumentos de produção
é a presentam, na maioria das vezes, inter-relações pertinentes
com teóricos
artística,ficando bem claro que esse conhecimento não deve ser um fim de seus campos específicos.Serão citadas aqui algumas das pesquisas
ver, significar e produzir realizadas no Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Be-
em si mesmo, mas um meio para que se consiga
arte". Portanto, "não podemos nos esquecer que, para que possamos Ias-Artes da Universidade Federal de Minas Gerais
(EBA/UFMG).
crítico, isto
pensar artisticamente, énecessário que tenhamos pensamento Em sua dissertação de mestrado em Artes, Ensino de Artes: entre a
é, que saibamos analisar o que nos é apresentado e nos posicionar frente illiagem e a ação, Sâmara Carbonari Santana demonstra trabalho
como o
a isso" (Pimentel, 2003, p. 114).
5.
No Congresso Latino-Americano e Caribenho de Arte/ Educação e 190 Confaeb, realizados
Disponível em:
4. <http:/['portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/contents.do?evento=conteudo&id Belo Horizonte de 24 a 28/11 por volta de 70% dos trabalhos brasileiros faziam à
em: 3 fev. 2010. Abordagem Triangular.
menção
Conteudo=29681&chPlc=29681&termos=ReferenciaisCurriculares>. Acesso
216 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM IRIANGU[AR NO [NSINO
CULTURAS VISUAIS
'Sôo
O Projeto VideoArte teve como objetivo propor a produção de um suas consequências são construídos no próprio processo.
—
mútua e o professor pode encontrar no aluno um parceiro, uma vez que em Outros trabalhos de cunho mais teórico também têm trazido tona
à
muitas ocasiões o aluno sabe lidar melhor com as tecnologias do que o possíveis aproximações entre conceitos de diversas
áreas e a Abordagem
professor. Também a parceria entre os professores é importante para a tro- l'riangular.
ca de informações e para o desenvolvimento de projetos coletivos e inter-
Fernando Deoud Siqueira, em sua dissertaçãoArte: ambiência imagi-
disciplinares. (Loyola, 2009, p. 95)
nativa, estética e metafórica, relaciona estudos de diversos autores, princi-
palmente Hofstadter, Tomasello e Varela, a ambiência necessária
Juliana Gouthier Macedo focaliza a lacuna existente no material di- com ao
dático à disposição dos professores de Arte com relação à arte latino-ame- ensino de Arte. Embora seu trabalho não seja focalizado na Abordagem
'I*riangular, na proposta de
ricana. Em sua dissertação de mestrado, Inventário e partilha, discute a açãofaz considerações sobre o Ensino de Arte
a partir de suas premissas e considera-a mais
arte / educação e o Ensino de Arte na educação não formal, considerando, em zigue-zague que fecha-
da em triângulo.
entre outras, a necessidade de reconhecer arte como área de conhecimen- um Alguns conceitos
como imaginação, metáfora, esté-
tica, cognição, rede,
to e não como dom divino ou como recreação, como também ir além do conexão, coletividade e interação permeiam, implí-
cita ou explicitamente, todo o conteúdo do trabalho. Esses conceitos
fazer como totalidade da criação. não
são autônomos, não aparecem isoladamente, mas interligam-se constan-
Outra questão importante de abordar é a ênfase que se costuma exigir na temente sem, no entanto, se aglutinarem em uma forma fechada.
produção, no fazer, na reprodução de técnicas, uma constatação da maioria Fabrício Andrade Pereira,
em sua pesquisa O conhecimento epistemo-
dos educadores entrevistados. Além da demanda do retorno aos patrocina- lógico e o conhecimento em arte: análise de paradigmas do século
XXI sob enfo-
dores, o outro desafio éo desconstruir a associação restritiva entre arte
de
transdisciplinar, de seu doutorado em andamento, dialoga
(Ille
e produto, seja em uma pintura, uma apresentação cênica, ou uma peça
com a
psicologia cognitiva e as neurociências, baseando-se em autores
musical. (Macedo, 2008, p. 91) como
Gazzaniga, Sternberg, Lent e Tomasello, entre outros.
há de político em arte/ educação na educação não formal. nitiva e neurociência da mente e do comportamento para a compreen-
—
próprios limites e os limites dos outros campos com os quais se possa Destaque-se também as pesquisas que estão sendo feitas sobre o uso
transpassar a criação de conceitos que interessem ao estudo. Defende que de tecnologias contemporâneas na produção de material didático-peda-
as pesquisas em arte, tanto no campo artístico quanto no de ensino e no gógico para o Ensino de Arte, que emergem da consideração dos três
teórico, têm compromisso social. Por isso, elas precisam
estar disponíveis eixos propostos pela Abordagem Triangular. A partir desse marco, tor-
arte/educador signifique e ressignifique seu âmbito de atuação. trabalho e de formação do
para que o nou-se preciso levar em conta outra forma de
Lembra, ainda, que os alunos hoje têm acesso a informações que também professor de Arte6 e, portanto, ampliar e relacionar os estudos que antes
lhes permitem confrontar distintas versões para fatos e acontecimentos eram separados em categorias de fazer, criticar e historicizar.
que poderiam ter sido afirmados como verdadeiros anteriormente. Tor- Paula Pereira direciona sua pesquisa para a possibilidade
Patrícia de
na-se premente, então, desenvolver o pensamento crítico. de uso de instrumentos digitais como material didático, mais especifica-
Não é necessário aqui explicitar a ligação entre o que o autor discute mente os gallles de caráter didático-pedagógico para o Ensino de Arte via
e a Abordagem Triangular, pois está posto fazendo uma análise dos jogos já existentes e levantando condições
zoeb,
que suas premissas estão apa-
rentes. O autor conclui
que para que
eles
possam ser considerados adequados para o envolvimento
de alunos e professores no processo ensino-aprendizagem.
[...] nem todas as formas de discussão e reflexão acerca do conhecimento
conheci-
em arte possam se refletir de maneira prática, fácil ou imediatamente A vem se mostrando como um importante instrumento para o
web
minhos que mais intriguem do que respondam. Mas esses mundo tangível, como visita a museus e galerias, ou mesmo as produções
mesmos cami-
nhos, nem sempre, resolverão problemas intrínsecos relacionados aos atos de obras de artes visuais originadas a partir de instrumentos tradicionais,
em si de educar e de conhecer. Porque nos é possível, apenas, pensar como tais como a pintura, a escultura, a gravura, o desenho, muito menos excluir
o corpo humano desse processo de cognição. (Pereira,
2008, p. 17)
se fôssemos outro ser humano. Mas nunca ser o outro. Nossas principais
reflexões e a resolução de
nossos diferenciados dilemas educacionais
Todas essas modalidades de produção visual resultam dos avanços
pertencerão, sempre, a cada um de nós mesmos. E estão em diálogo re-
corrente com nossas escolhas e relações pessoais, culturais e ideológicas.
técnicos e transformações estéticas ocorridos ao longo dos séculos. Pode-
(Pereira, 2009, p. 19) rão reinventadas a qualquer momento, mas jamais descartadas do
ser
hoje é a
processo de ensino-aprendizagem em arte. O que se apresenta
Assim, a partir de uma pesquisa
feita por Ana Mae Barbosa, e de sua
divulgação, outras pesquisas foram sendo feitas e divulgadas, 6.Considero que ainda não temos sistematizada a formação do arte/educador. Ela se faz um
promoven- prática, nos trabalhos em centros
do mais e mais construção de conhecimento nos pouco na formação inicial do professor de Arte, mas muito na
campos da arte/ educa- culturais, organizações sociais.
museus e outras
inclusive da arte contemporânea. E preciso passar por um conjunto amplo o primeiro diz respeito ao desejo de ocupação individual/ coletiva deste
de experiências, articulando percepção, imaginação, conhecimento, instrumento diferente de comunicação; o segundo está ligado à abertura
pro- desse novo
ambiente "e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais
dução e sensibilidades artística pessoal e coletiva. O contato com o mun-
positivas deste espaço nos planos econômicos, político, cultural e humano".
do virtual possibilita um alto grau de interação
com obras produzidas via
web, mas somente ele não abarca o conjunto de necessidades de vivências Tudo pode e deve
questionado. Para toda ou qualquer discussão que
ser
envolva o tema tecnologias contemporâneas
e, consequentemente,
seu
e experiências em arte.
vínculo com a humanidade, surgem indagações sobre sua importância para
Com sua pesquisa, Patrícia abre, ainda, uma perspectiva de pesqui-
os diversos campos do saber e da vida, bem como sobre seus problemas e
sa no Ensino de Arte nos cursos de educação a distância, outra modali- possíveis soluções. Para cada situação/ problema apresentada, há
sempre
dade proporcionada pelo ciberespaço, destacando a possibilidade de mais questionamentos do que propriamente respostas ou soluções. (Perei-
interação em grupo de pessoas que não se encontram necessariamente ra, 2008, p. 25-26)
na mesma localização geográfica. Levanta questões sobre a importância
da experiência corpórea e das vivências pessoais para a construção de de outras pesquisas, propostas de trabalho a partir
A partir dessas e
conhecimento em arte, alertando para o perigo de o aluno trabalhar so- de vários vieses vêm se desenvolvendo, contribuindo cada vez mais para
mente o processo produtivo e não com o construtor crítico de conheci- a diversidade de possibilidades de pensamento e no Ensino de Arte
ação
mento, estando aí um de seus limites. e em arte/ educação.Podemos citar como exemplo os estudos da Abor-
dagem Triangular na perspectiva da Cognição Imaginativa.
O usuário da web
pode entendê-la totalmente ou parcialmente. Sabendo
pouco sobre sua estrutura de funcionamento e qualidade de informação, Contemporaneamente, estudos e pesquisas apontam o deslocamen-
ele só lida to da linha de arte como sendo linguagem para arte como imagética.
com o processo produtivo e não com o processo construtor crí-
tico de conhecimento. Se,
por um lado, há uma gama de materiais disponí- Assim, seu ensino não se daria por comunicação, mas sim por metáfora.
veis para a formação do indivíduo via por outro, assim como seus Sairemos do campo da semiótica para o específico da arte
campo como
usuários podem criar personagens e informações enganosas para colocar
área de conhecimento autônoma e mais determinada, onde os estudos
no mundo virtual, o mesmo pode acontecer com aqueles que precisam de transdisciplinares ganharão força.
conhecimento seguro para a construção do saber, pois nem tudo o que
Segundo Efland (2002), é a metáfora que constrói ligações que nos
aparece na internet tem conteúdos ou referências confiáveis. O problema da
tecnologia é o uso que se faz dela e não a ferramenta em si. Nesse sentido, permitem entender e estruturar o conhecimento em diferentes domínios
Ash aponta dois erros: "subestilllar a velocidade da inforlllaçãoe subestimar as para estabelecer conexõesentre coisas aparentemente não relacionadas.
De acordo com o autor, a metáfora tem três partes:
consequências". (Ash, 2000, p. 83) um domínio das fon-
tes (baseado alguns do pré-conceitual
em aspectos ou em níveis básicos
8. Sensibilidade não fortuita ou aleatória, mas construída por experiências artísticas significati-
de experiências
corpóreas), um domínio dos objetivos e um recurso de
vas. mapeamento desses objetivos (meta). Os domínios da meta são desco-
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM NO I!NSINO CULTURAS VISUAIS
A prática educacional na pedagogia do conhecimento imaginativo PEIXOTO, Marcelino; PIMENTEL, Lucia. Ensino da Arte no Brasil. Belo
•
reconhece que ensinar envolve mediação interativa. Em arte envolve Horizonte: EBA/UFMG, 2005.
pensar, contextualizar, fazer arte e a habilidade de fruir obras de arte,
BRITES, Blanca; TESSLER, Elida (Org.). O meio c01110 ponto zero: metodologia da
focalizando na potencialidade que as obras de arte têm em suas estrutu-
pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 2002. p. 37-50.
rasmetafóricas. Sua prática potencializa a vivência pessoal elou bagagem
(Col. Visualidade, n. 4.)
imagética do aluno, gerando maior capacidade cognitiva em quaisquer
práticas do conhecimento. BRITO, Ronaldo. O moderno e o contemporâneo: (o
novo e o outro novo). In:
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(
Disser-
SANTANA, Sâmara Carbonari. Ensino de Arte: entre a imagem e a ação.
tação (Mestrado em Artes) Escola de Belas Artes, Universidade Federal de
—
Terezinha Losada
Introdução
Vigor talvez seja a palavra que melhor sintetize o espírito de Ana Mae
Barbosa: vigor intelectual, investigativo, político,
mas especialmente o
vigor humano, sua alegre e generosa curiosidade sobre o outro, seja ele
um simples professor dos confins do Brasil, ou uma proeminente referên-
cia do cenário internacional. A elaboração da Abordagem Triangular du-
questionando-o, confrontando-o a outras situações e conceitos já esta- cavalo bonito!" Então, ao ver pela primeira vez um cavalo livre pastando
belecidos, enfim,quando entramos numa situação de conflito
que Peir- no campo, ela afirma
que pequeno
o arregalou os olhos de espanto e
ce denomina como "secundidade", poderemos —
desde que também exclamou repetidamente: "Cavalo cortado! Cavalo cortado!"
não estacionemos no próprio conflito, abandonando-o em seguida —
Na prática, esse é o processo semiótico descrito teoricamente acima.
chegar a uma síntese conclusiva. Ou seja, poderemos vir
a formular um Numa primeira semiose, carroça+cavalo apresentaram-se aos sentidos
novo conhecimento, um novo conceito, uma nova representação de algo
do mundo. como uma primeiridade. Recortando essa impressão entre múltiplas
outras, João intriga-se com tal objeto relacionando-o com as considerações
Peircedenomina essa síntese triádica como "terceiridade". Nela da mãe, que persistentemente pronuncia a palavra "cavalo", experimen-
configuramos um signo completo, genuíno. Portanto, embora o tando, desse modo, uma situação empírica de secundidade. Provavel-
signo de
terceiridade tenha, necessariamente, como primeiro mente tenham ocorrido sucessivas experiências desse tipo antes de João
momento uma im-
pressão e como segundo momento um conflito, ao constituir-se chegar ao seu primeiro conceito de cavalo, ou seja, à formulação daquele
síntese, ele
como
não depende mais desses processos empíricos, tornando-se signo que tinha como objeto a totalidade formada por cava10+carroça.
uma representação mental, que para evocar (substituir) algo não mais Pois, como vimos, o processo semiótico pode estancar-se tanto na mera
precisa de
uma relação concreta com o mundo. Em suma, o signo triádi- impressão, quanto no mero conflito, formando os quase-signos. Porém,
ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO DAS CULTURAS VISUAIS 233
feita a síntese triádica, João interiorizou um signo genuíno, uma repre- (signos) já formulados pela ciência. Énesse sentido que Umberto Eco diz
sentação autônoma que passa a habitar sua mente e pode ser resgatada que "signo é tudo aquilo que serve para mentir" e substitui os conceitos
por ela a qualquer momento. Em suma, João formulou um conhecimen- de "objeto", da semiótica persiana, e de "referente", oriundo da linguís-
to. Contudo, cavalo pastan-
numa segunda semiose, ao deparar-se com o tica, pelo termo "cultura".
do sem a carroça, João teve uma impactante primeiridade, entrou em
Portanto, o dinamismo lógico da semiótica de Peirce permite-nos
profundo conflito e, imediatamente, substituiu aquele signo por um novo, extrair tanto
exclamando: "cavalo cortado!". Eureca! Assim também acontecem as uma lógica culturalista,
que relaciona conhecimento e con-
texto,
quanto romper a lógica positivista das ciências, apontando-nos o
grandes descobertas científicas, filosóficas e artísticas. Peirce denomina
caráter provisório de todas as "verdades". Exatamente por isso, suas ideias
esse impacto de primeiridade experimentado por João como "Abdução".
nãoforam valorizadas no seu próprio tempo, vindo a encontrar recepti-
Segundo ele (1977, p. 220):
vidade apenas em meados do século XX. Partindo da lógica formal, e
Abdução é o processo de formação de uma hipótese explanatória. É a úni- fazendo um grande inventário das principais questões da tradição filo-
ca operação lógica que apresenta uma ideia nova, pois a indução nada faz Nófica, pode-se dizer
que a semiótica de Peirce é uma teoria do conheci-
além de determinar um valor, e a dedução meramente desenvolve as con- mento (gnosiologia) e uma teoria da ciência (epistemologia).
sequências necessárias de uma hipótese pura.
Em resumo, este artigo pretende discutir como a Abordagem Trian-
gular de Ana Mae Barbosa dialoga com esses princípios fenomenológicos
Certamente, depois daquele impacto abdutivo, João enfrentou
e culturais subjacentes a estrutura também triádica da semiótica
inúmeras outras semioses, menos traumáticas, é claro, aprofundando o
— —
peirceana.
seu conceito de "cavalo". Como é certo, também, imaginar que, sendo
ele hoje engenheiro nuclear, tenha ainda um conceito de cavalo muito A associação do "ver" em nível da primeiridade é a mais tácita des-
ingênuo e primário, se comparado ao de um veterinário ou de um cria- sas possíveis correlações. Pois, conforme mencionado brevemente acima,
Arte, conhecimento e cultura objetivo de representação do espaço e uma "forma simbólica". Ao buscar
intencionalmente representar com fidelidade o espaço físico natural,
Afinal, o que é a verdade? O que é a realidade? O aqueles artistas também representaram, inconscientemente, o espaço
que é a consciência?
O que é o conhecimento? Pautada divórcio
no entre razão e sensibilidade, psíquico, mítico e cultural de seu tempo.
desde Platão e Aristóteles essas questões instigam os filósofos ocidentais.
Panofsky diferencia concepção de espaço "descontínuo" das ima-
a
As artes se inscrevem nesse debate filosófico sobre o conhecimento, ora
gens da Antiguidade, nas quais eram utilizados sistemas perspectivos
como o contraponto negativo da razão, como o fizeram todas as tendên-
cias com vários pontos de fuga, da perspectiva central desenvolvida no Re-
racionalistas; ora como um modo rudimentar de elaboração da ex- nascimento, que articula uma concepção "contínua" e homogênea do
periência, tal como formulado pelos empiristas, e ora como a manifesta-
espaço. Um ponto de vista único e soberano que, antropologicamente, ele
çãomais perfeita do espírito, maneira privilegiada de alcançar o associa à Igreja onipotente, e, sociologicamente, poderíamos ainda asso-
absoluto, como fora considerado por Hegel, Nietzsche e pelos estetas
ciar ao rei soberano do sistema absolutista, à verdade inquestionável da
românticos. De fato, essa fissura dicotomizante está presente na própria
ciência emergente.
identidade antropológica da sociedade ocidental, repercutindo
nãosó nas
teorias filosóficas e científicas, mas também nos nossos modos de perce- Seguindo a mesmalinha de raciocínio, podemos tomar os pressu-
ber, agir e representar o
mundo, refletindo também nas diversas postos científicos do Impressionismo, oriundos da física óptica, como a
concep-
de arte e de educaçãoao longo da história. justificativa superficial de uma transformação mais profunda nas concep-
ções
Sempre nos impressiona a capacidade que o homem pré-histórico çõesde espaço e tempo do homem moderno. Decerto por isso, o Impres-
do período Paleolítico tivera de representar sionismo é, simultaneamente, a última expressão da tradição "mimética"
com acuidade o mundo sen-
e o precursor de sua dissolução nas vanguardas do século XX. Como
sível, especificamente os animais, objeto de sua sobrevivência. Esse
cará- também se torna plausível a tese de que o naturalismo nas representações
ter imitativo ou "mimético" da representação só reaparecerá na Antigui-
dade grega e depois no Renascimento, passando então a dominar dos animais realizados pelo homem caçador do Paleolítico resulte da
o
interesse da arte ocidental por cinco séculos. O Impressionismo foi úl-
o crença mágica de que capturamos as coisas apreendendo sua imagem,
timo grande esforço dos artistas nesse sentido e, tal mito que, em larga medida, ainda anima a atual sociedade tecnológica
comoo Renascimen-
to, postulava fundamentos científicos para a veracidade de seu modo de dos simulacros, conforme formulada por Baudrillard (2001).
representar mundo sensível. 'Eis aí, num mesmo nó, aquilo que funda a miséria e a grandeza
'
Contudo, são dois modos díspares de representação. Qual seria então de nossa condição como seres simbólicos" afirma Lucia Santaella (2001,
,
Expoente da iconologia, Panofsky (1993) demonstrou-nos ela é a nossa revelia, do "objeto imediato", a coisa tal como ela é para nós,
que a
perspectiva desenvolvida na Renascençaé, resultado de nossas relações semióticas, significativas com o mundo.
ao mesmo tempo, um sistema
236 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM NO I!NSINO CULTURAS VISUAIS 237
Hannah Arendt (1991) afirma que entre homem e natureza há um "mun- códigos representa tivos dos estilos, como muitas vezes deixa transparecer
do" interposto, fruto do trabalho humano e das ações e discursos que o mecanicismo simplista de algumas explicações sociológicas ou antro-
sobre ele tecemos. Umberto Eco, por fim, irá negar o termo "referente" pológicas da história da arte. Quem transforma a arte é o artista por meio
utilizado pela linguística para designar o universo extralinguístico da de seu fazer concreto. Como isto ocorre é a questão de Gombrich, sendo
realidade. Segundo ele, pela linguagem e na linguagem, tratamos sempre também a questão de fundo de todas as teorias do conhecimento.
do mundo intralinguístico da experiência simbólica, substituindo, por Valendo-se dos conceitos de Popper filósofo da ciência —, Gom-
—
se filia à tendência simbólica ou culturalista exposta acima. De fato, um erro", típico do pensamento "hipotético-dedutivo".
dos seus principais objetivos foi discutir por que a arte tem uma história.
Em outras palavras, não basta observar a maçãcair uma, duas, três
Ou seja, por que a arte não é um conjunto de manifestações inventivas
vezes para descobrir a lei gravitacional, como supõe o método indutivo.
desconexas nem tampouco um processo unidirecional, como supunha o
porque ela caiu infinitas vezes, e apenas Newton estranhou esse
Isso fe-
evolucionismo positivista. Em outras palavras, Gombrich buscou demons-
nômeno trivial da queda dos corpos, questionando-o e formulando a
trar
que não existe apenas um caminho para arte. Ao contrário, seus in- hipótese da existência de uma força de atração.
teresses e soluções representativas variam de cultura para cultura, e não
Decorre da análise desse processo insólita constatação de Popper
a
há arte que não percorra um caminho histórico de continuidade e ruptu-
de que as respostas antecedem as perguntas. Isto é, só somos capazes de
ras, de diálogo com sua própria tradição cultural.
questionar algo quando já imaginamos uma explicação para aquele fenô-
Tendo em vista que as relações entre a arte e fatores históricos, so-
meno ou situação. Para se tornar conhecimento ou lei científica, esta tese
ciológicos e antropológicos já eram amplamente aceitas e pesquisadas ao genérica (hipótese) terá de ser testada empiricamente por tentativas de
longo do século XX, poderíamos até dizer que essas teses de Gombrich
ensaio e erro. Se a hipótese resistir aos testes, temos uma nova teoria que
apenas ratificam o consensual. Porém, o que as tornam singulares são os pode ser demonstrada indutivamente pelos próprios testes realizados,
pressupostos cognitivos de que ele se valeu para construí-las. Ao analisar passando a ter valor de verdade enquanto não for refutada por outra nova
'quais" foram as principais mudanças estilísticas da arte, Gombrich foi teoria. Ao discutir esse tema na obra Conjecturas e refutações(1982), Popper
é a sociedade, esta entidade abstrata, que efetivamente transforma os intelectual mais incisivo, dirá que não temos acesso a ela.
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM NO ENSINO ARIES COEI URAS VISUAIS 239
Retomando nosso paralelo entre renascentistas e impressionistas, Para explicar tal fenômeno, Gombrich refutará a teoria ainda hoje
podemos então dizer que, ao buscar imitar a natureza, o artista do Renas- muito veiculada de que existem dois métodos de representação visual: o
cimento priorizou a representação de um espaço racionalmente ordenado, natural, baseado conceitual, baseado
na visão, e o no conhecimento. O
definindo a particularidade de cada coisa. O artista impressionista, por primeiro é exemplificado pelas imagens já comentadas do período pale-
outro lado, buscou resgatar o frescor e a inconstância do fluxo sensorial, olítico, da arte
grega e de toda a tradição artística ocidental desde o Re-
reduzindo tridimensionalidade do espaço
a
uma estampa de cores lu-
a nascimento ao Impressionismo, sempre justificadas como resultantes da
minosas, aproximando-se assim do modo inocente sem padrões observação direta científica do mundo natural.
ou mesmo
— —
— —
como cada um de nós viu o mundo pela primeira vez. E nesse sentido O método conceitual, ao contrário, estaria ligado a modos esquemá-
relativo que podemos dizer que ambos desenvolveram métodos corretos
ticos ou abstratos de representar a natureza, aproximando-se do caráter
de representação, embora, no nosso dia a dia, não vejamos o mundo
nem convencional da linguagem verbal. Esse abarcaria todo o "resto", isto é,
com a rigidez dos renascentistas, nem com a espontaneidade dos impres-
todas as obras que, nãocompartilhando do interesse imitativo que animou
sionistas.
a arte ocidental "culta" por séculos, só seriam reconhecidas como arte
Se, diante
dos resultados de suas obras, ambos estavam corretos, quando esse termo viesse atrelado ao estigma de algum adjetivo, tal como
apenas tinham objetivos diferentes. Em contrapartida, quanto aos seus "arte ingênua arte primitiva
, arte popular arte alienada";
como
pressupostosmetodológicos, Gombrich dirá que ambos estavam errados. também pelo uso de nomenclaturas específicas, como desenho infantil,
Isto é,
nem os renascentistas, nem os impressionistas pintaram suas obras desenho técnico, caricatura, cartuns etc.
a partir da simples observação da natureza, como sempre afirmaram
Gombrich negará esta teoria, afirmando que toda arte é conceitual.
esses artistas, os teóricos, e o público em geral sempre acreditou.
Assim como a percepção não é o mero registro dos estímulos visuais,
Para criar a aparência do fluxo sensorial,
artista impressionista não
o exigindo a formulação conceitual de padrões perceptivos (Arnhein, 1984),
saiu simplesmente do ateliê, deixando trás todos os padrões conhe-
a representação visual não é o simples registro das percepções,como
para
cidos e entregando-se à observação espontânea da paisagem
ao ar livre. pressupõe o método natural. A representação também exige a criação de
Não existe esse "olhar inocente", afirma Gombrich. Para fazê-lo, o artista padrões, ou seja, de esquemas representativos, os quais Gombrich deno-
teve antes de se sentir insatisfeito como o modelo renascentista vigente mina de schematas. Em outras palavras, do mesmo modo como precisamos
na academia neoclássica, questionando-o e conjecturando novas possibi- criar algumas "chaves" conceituais para perceber o mundo, também
lidades para a arte. E, depois,
como faz o cientista, ele teve também de precisamos criá-las para poder representá-lo.
testar suas hipóteses, preservando certos princípios da tradição e
rom- A lógica cognitiva para a criação dos schematas é a mesma dos 'ipa-
pendo com outros. drões preceptivos": o teste de hipóteses por tentativas de ensaio e erro,
Precisou, em suma, equacionar sua nova visão de mundo às possi- criando —
Gombrich adverte que, na percepção visual, o pensamento lida com motivações culturais que orientam a produção artística das várias
osa das
inputs luminosos
os que os olhos captam do ambiente, enquanto, na re- dos diversos grupos no interior de uma mesma sociedade,
civilizações,
presentação visual, o pensamentolida com as possibilidades e limites dos bem como das diferentes funções da imagem em cada contexto prático.
diferentes materiais e códigos, como também das diferentes visões de Sem dúvida há uma estreita convergência entre esses fundamentos
mundo e interesses comunicativos. Vejamos brevemente esses aspectos.
culturais dos estudos cognitivos de Gombrích, o socioconstrutivismo de
O material condiciona o trabalho do artista. Grosso modo, pode-se Paulo Freire e o conceito de contextualização formulado por Ana Mae
dizer que, para traduzir
numa imagem aquilo que vê (ou imagina), o Barbosa para orientar o Ensino da Arte. Todos confluem para o hoje tão
artista terá se estiver utilizando o lápis sobre papel de pensar sua em voga critério de respeito à diversidade cultural.
—
—
ao discutir a importância da materialidade no processo de criação, Fayga ceptor —, Umberto Eco destaca que, nesta delimitação da semiótica, a
Ostrower (1983, p. 53) afirma que "criar é um pensar específico sobre ponta da recepção é sempre a mente humana. Ou seja, o emissor pode ser
um
fazer concreto". outro ser humano, mas pode ser também qualquer outro elemento natu-
ral ou artificial,
Os esquemas ou códigos também condicionam o trabalho do artista, como uma obra arquitetônica, um quadro, uma música,
acrescenta Gombrich. Ao dispor de qualquer um desses materiais, o ar- um livro ou um gibi, um filme ou um seriado de tevê. Enfim, interessa à
semiótica humana o receptor,
tista não partirá do zero, pelo contrário, tomará
como ponto de partida que diante da impressão de qualquer coisa
algum esquema representativo que já lhe seja familiar. (primeiridade), com ela interage (secundidade), construindo significados
Resultam dessas análises de Gombrich duas máximas de grande (terceiridade).
importância e profunda atualidade. A primeira refere-se ao fazer artístico Embora o principal objetivo de Gombrich em seus estudos sobre a
levando-o a afirmar que (1986, p. 24). "Nenhum artista é independente psicologia da representação fosse a análise do trabalho crítico e criativo
de predecessores e modelos". Ao desenvolver o trabalho educativo do artista, ele destaca com ênfase que o sucesso de tal esforço depende
em
museus aliado à atividade de releitura de obras de proposições
arte, as também da capacidade crítica e criativa do receptor. Segundo Gombrich,
de Ana Mae vão de encontro a essas teses de Gombrich, tomando todo efeito de ilusão na arte é de fato um acordo entre artista e público.
como
válidos para o aluno de arte os mesmos fundamentos cognitivos que Facilita a compreensão desta sua tese tomarmos como exemplo os
regem o trabalho do artista. efeitos de ilusão produzidos pela indústria cinematográfica. Assistindo
A segunda diz respeito ao trabalho da crítica. Quando afirmar que a uma retrospectiva dos mais famosos seriados de heróis, meu filho então
(1986, p. 18) "o evolucionismo está morto", Gombrich questiona as con-
com nove anos, acostumado às novas tecnologias da imagem, desatou a
cepções historiográficas idealistas, que de modo descontextualizado e —
rir ao ver o
voo do Super-Homem nos seus primeiros filmes. Esse
efeito
autoritário —
tomam suas concepções de arte como universalmente vá- é ridículo! exclamou ele, pontuando que o ator ficava parado com os
,
lidas. Segundo ele, a fonte dos vieses e estigmas citados acima resulta do braços esticados para a frente, enquanto se percebia nitidamente que o
desconhecimento, ou de algo ainda pior, a desconsideraçãopreconceitu- movimento estava noutro filme que passava por trás, mostrando o céu e
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS 243
tando nos colocar no contexto de sua produção. Só assim deixaremos, referências contextuais produz
por o artista
—
teoria. Esse é o momento em que a obra efetivamente se completa, não aspectos estéticos e éticos da realidade,
que sempre caracterizaram o
Ensino da Arte, passaram a ser exigidas também
como "pré-texto" físico, e sim como "efeito estético" para o ensino de ciência.
sobre o trabalho do artista Por outro lado, o acesso aos conteúdos sistematizados,
Ligando as ideias de Gombrich a que sempre mar-
—
—
lacionar o conceito de conhecimento ao vértice do fazer nas formulações 13ARBOSA, Ana Mae. A imagenl no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva, 1991.
de Ana Mae, buscamos salientar este diferencial socioconstrutivista,her-
.
Arte/ Educação:Leitura no slibsolo. São Paulo: Cortez, 1997.
dado de Paulo Freire, que a triangulação de sua abordagem suscita.
Jolill Dewey e o Ensino da Arte no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001.
Ana Mae Barbosa não relaciona a Abordagem Triangular aos funda-
.
mentos da semiótica. Pós-modernista,no sentido mais positivo e genero- SALES, Heloísa (Org.).OEnsino da Arte e Sila história. São Paulo:
MAC-USP,
.
1989.
so do termo, a educadora elabora sua teoria a partir do conhecimento
profundo das contribuições e das lacunas legadas pela própria história BAUDRILLARD, Jean. A ilusão vital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
da educação e do Ensino da Arte. Contudo, consideramos tais nexos
CALABRESE, Omar. A linguagem da arte. Rio de Janeiro:
Globo, 1987.
bastante pertinentes, fato que apenas confirma a extensão da aplicabili-
dade da teoria peirceana, a qual é em si mesma um modelo totalmente ECO, Umberto. Tratado geral de semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1980.
abstrato ou lógico. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
Aliás, Peirce define a semiótica como um método de descobrir mé- GOMBRICH, E. Arte e ilusão. São Paulo: Martins Fontes, 1986.
todos, o qual teria a finalidade de subsidiar o desenvolvimento das ciên-
ISER, Wolfgang. O ato da leitura. São Paulo: Ed. 34,
1999.
cias aplicadas. O
mesmo pode dito sobre a abordagem (ou método?)
ser
desenvolvido por Ana Mae Barbosa, diante da fertilidade da influência OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação.Petrópolis: Vozes, 1983.
de suas ideias na formação acadêmica e no exercício profissional de toda PANOFSKY,E. A perspectiva como formasilllbólica. Lisboa: Edições 70, 1993.
práticas pedagógicas, mas, ao contrário, recompor a dinâmica fenomeno- POPPER, Karl. Conjecturas e reflitações.Brasília: Ed. UnB, 1982.
lógica do processo de construção do conhecimento, permitindo o diálogo SANTAELLA, Lucia. Matrizes da linguagem e do pensamento:
sonora, visual, verbal.
com a tradição de modo plural e identitário. São Paulo: Iluminuras, 2001.
Referências bibliográficas
traduzidos como elementos estruturais na construção de nossa proposto epistemológica e contemporânea, cujoscomponentes do ensino-apren-
de formação continuada: sensoriais e mentais básicas:
sáo nomeados através de três ações
•
necessidade do entendimento da arte situado no campo da esté- (fazerartístico), leitura da obra e do campo de sentido da arte e
tica contemporânea (ver, ler, contextualizar); itnagem de arte e contextualização.
•
necessidade do entendimento da arte como sistema de represen- Neste reafirmamos a fala de Barbosa ao redimensionar
sentido, a
tação construído culturalmente; (contextualização) Abordagem Triangular na ótica contemporânea:
•
necessidade do entendimento da arte como área de conhecimen-
to e sistema comunicativo;(ler, fazer, contextualizar); construtivista,interacionista, dialogal, multiculturalista e pós-moderna [...]
por articular arte como expressão e como cultura na sala de
aula, sendo esta
• necessidade da iniciação teórico-prática do professor nas lingua-
articulação o denominador comum de todas propostas pós-modernas do
gens artísticas (fazer arte). ensino de arte que circulam internacionalmente na contemporaneidade.
(1998,
p. 41)
E como chegamos esses organizadores? Responder
a a esta indagação
supõe percorrer a nossa açãointerventiva junto aos professores do NEI Assim, foi nosso caminho na proposta de formação observar a ne-
(Núcleo de Educação Infantil da Universidade Federal do Rio Grande do cessidade de seu caráter dialógico, ser produzida coletivamente, portan-
Norte), retornando, nesse trajeto, às análises avaliativas pertinentes e pautada num processo de contínua interação. Cumpre ressaltar que
constantes na pesquisa/ intervenção —
então desenvolvidas numa di- conteúdo não foi estabelecido aprioristicamente, a não ser no que diz
mensão de construção coletiva no decorrer da qual nos debruçamos respeito aos seus elementos estruturadores seus organizadores. De
—
—
sobre as questões afetas à aquisição do conhecimento nas linguagens igual modo, esse conteúdo não está disposto de maneira linear, terá mar-
artísticas. O caminhar desse cos referenciais determinados pelos participantes, decorrentes de seu
processo mostrou-nos que se fazia necessário
entender, com clareza, a perspectiva conceitual de arte, e sob caráter significativo durante a construção do trabalho.
que enten-
dimento estético queríamos estabelecer parâmetros para a análise/leitu- A formação continuada com a qual nos identificamos, e na qual
ra das produções artísticas, bem como para o seu ensino. acreditamos, é a
que resulta de "maior consenso entre os profissionais da
Em função das várias situações vivenciadas por nós e pelos partici- educação" (Candau, 1998), aquela para cuja realização adota a própria
pantes/professores do processo de pesquisa/ intervenção, certas questões, escola como local privilegiado, igualmente privilegiando, como referência
por suas complexidades, sempre se faziam presentes ou voltavam à tona, básica no processo de formação, o saber do professor.
tendo como consequência várias perspectivas de abordagens: Afinal, o Trata-se, pois, de uma proposta de formação que ressalta a impor-
que é arte? O que não é arte? O que é estética? Arte é conhecimento? É tância da prática docente cotidiana, ou o saber da experiência.
preciso "ter jeito"? Arte é linguagem. Mas o
que constitui esta linguagem? A opção pela formação continuada decorre também do clima de
O que é específico dela? Que arte? Que estética? companheirismo e respeito instaurado pelas discussões e trocas estabe-
A tentativa de responder a estas questões foi sistematizada na cons- lecidas entre os professores, sobre o dia a dia escolar, as dificuldades no
trução de nossa Proposta de Formação Continuada —
a partir da prática trabalho e desejos de superá-las. Por serem todos participantes da mesma
interventiva vivenciada no NEI; fundada
na metodologia do Gepem e na unidade escolar, essas dificuldades são muito próximas, principalmente
Abordagem Triangular (Barbosa, 1998) que busca enfrentar os desafios
no que tange à ordem institucional, concorrendo para que se efetive uma
nas dimensões do entendimento da Arte e do seu ensino numa perspec- cumplicidade no momento de solucionar e propor novos encaminhamen-
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM IRIANGU[AR NO [NSINO DAS ARTES
CULTURAS VISUAIS
detransformação e superação no que for necessário, uma vez que • Da Aplicação Metodológica:
fazem parte do mesmo grupo. 1) Aplicação no Sistema Educacional;
Este clima de cumplicidade propicia o encorajamento para que os 2)
Construção de Forma Coletiva;
professores
ousem e assumam a condução de suas propostas de trabalho, 3)
invistam na própria formação e se sintam mais confiantes em intervir e
Construção através de Processos de Mediação.
Da Operacionalização Metodológica Interventiva:
propor direções para solucionar os problemas enfrentados na escola e na
sua própria sala de aula, assumindo, assim, um compromisso em relação 1) Dos Momentos Pedagógicos:
ao ensino de arte. a) Estudo da Realidade (ER);
Tendo em vista estimular o desdobramento simultâneo e redimen- b) Organização do conhecimento (OC);
sionado da vivência do professor em formação através do
que ele revê
—
menos autoritária, uma vez que o processo deve ser planejado e respal-
a) Fundamentos da do ensino de arte situados no
arte e
campo
dado coletivamente, sem que os sentimentos de incompetência, insegu- da estética contemporânea (leitura da obra e do campo de
rança e baixa autoestima possam
vir a interferir. sentido da Arte);
É no coletivo que as individualidades e diferenças são mais respei- b) Fundamentos da arte como sistema de representação (cons-
tadas; laços afetivos se reforçam e as dificuldades de relacionamento
os truído culturalmente e explicitado
pela contextualização);
se esclarecem; as "paranoias" se desfazem e as "neuras" tomam seu de- c) Fundamentos da arte
como áreade conhecimento e
vido caminho. como
sistema comunicativo (interpretação e
produção de sentidos);
Um dos requisitos exigidos pela nossa proposta de formação conti-
d) Iniciação teórico-prática dos professores nas linguagens
nuada é a garantia de que sejaministrada por profissionais especializados
artísticas (a experiência do fazer)
nas varias áreas de conhecimento artístico. Consideramos como tais
aqueles qualificados no fazer artístico e no seu ensino, bem como pressu-
postos pedagógicos e metodológicos e suas implicações interativas no A estrutura operacional da proposta guarda uma relação de perti-
nência com:
contexto de construção do conhecimento em Arte.
O nível decisório, no que se refere à tomada de decisão
O envolvimento de pelo menos 80% dos professores da Escola e do que torna
Corpo Técnico faz-se necessário no sentido de buscar modificações signi- legítima e governa as atividades de planejamento e organização
ficativas no ensino de arte da escola, e assim poder criar condições para da formação continuada. Evidencia-se, neste nível,
a consideração
que o processo venha a adquirir autonomia e continuidade, transforman- que se deve ter às necessidades postas pelos professores.
do-se num continuum. O seu processo, tomado em referência ao
que vai ser aprendido
Os princípios orientadores nos quais se funda nossa proposta foram (conteúdos) e como será ministrado e avaliado. Ressaltamos
que
constituídos de três grupos de fatores, cuja operacionalização se dá de a proposta não
apenas sirva de base para o professor, mas que
forma simultânea; no entanto, tendo em vista as razões que justificam a ele a utilize simultaneamente
com seus alunos de modo que venha
sua especificidade, estão aqui agrupados de forma distinta: a suprir, igualmente, as necessidades metodológicas destes,
de
254 BARBOSA • CUNHA TRIANGULAR NO ENSINO CULTURAS VISUAIS
atividades
artísticas e culturais fora da escola. Este momento coin-
novos procedimentos; da competência exigida pela docência e das exerça
necessidades individuais dos educadores. com o início da intervenção e confirma o começo da construção do
• Os fatores facilitadores,
aqueles que dizem respeito aos incentivos habalho. Através de reuniões realizadas com os professores, procede-se
e ao inter-relacionamento que se pode estabelecer entre o pessoal a nn levantamento, através de conversas informais, do entendimento que
eles têm:
envolvido, em especial professores e instrutores (professores es-
pecialistas). Nesse ponto, sobre arte: o que consideram e conhecem de arte e o que identifi-
merecem destaque o interesse pessoal,
•
Com este entendimento é planejada a forma de operacionalização e apreendidos, fazem um exercício de generalização e ampliação dos hori-
os conteúdos que farão parte da formação dos professores, bem como a zontes anteriormente estabelecidos" (Pernambuco, 1994, p. 35).
projeção que eles farão dos trabalhos a serem desenvolvidos com seus A avaliação deverá ser feita num processo contínuo, segundo o qual
alunos. Desta etapa também consta o trabalho de assessoramento e su- realizadas as adequações necessárias. Tratando-se, pois, de um pro-
pervisão e as oficinas teórico-práticas nas linguagens visuais, teatrais, cedi mento intrínseco ao próprio desenvolvimento das fases de execução
musicais e na dança. Por serem estas linguagens artísticas canônicas e (Ia proposta. Ela
será feita também através da análise e discussão do
uma vez previstas nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), sobre processo de sistematização dos trabalhos dos professores, desenvolvido
elas já se registram, facilidade, estudos e práticas sistematizadas;
com certa seus alunos. Propomos como itens avaliativos: seminários com apre-
assim sendo, elas fazem parte da estrutura da nossa proposta. No entan- \'entação dos trabalhos escritos, apresentação da programação de conti-
to,
como um dos nossos objetivos é considerar o acesso à produção artís- idade do processo, dentro das atividades normais da escola e avaliação
tica e estética numa abordagem multicultural, prevê-se o espaço para geral do processo.
quaisquer outras categorias de imagem ou de produção artística existen-
Ao propormos sistema tização como processo avaliativo, o fazemos
a
te, desde
que a
ela se tenha acesso
como uma produção significativa, atendendo à própria estrutura de nossa proposta, bem como no intuito
portanto de interesse do grupo (cultura visual, arte popular etc.) de ressaltar o foco do
processo de qualificação, vivenciado pelo professor,
Faz parte, ainda, desta etapa: atividades culturais em que são
—
alunos.
na prática com seus
previstas visitas a galerias e/ ou exposições de pinturas, esculturas, foto-
A análise sistematização implicam a possibilidade de distancia-
e
grafia, design, estúdios de tevê, entre outras; comparecimentos a teatro,
nnento do processo planejado e vivido, possibilitando desta forma pers-
cinema, circo, recital poético, show musical; visita a oficinas de produto-
pectiva crítica. Assim, contribui tanto para que se perceba a lógica de sua
res de gravura, cerâmica, escultura, e outros sejam de cunho popular
—
que outros possam ser acrescidos, a depender das necessidades, desejos e Referências bibliográficas
decisões do grupo em formação e das possibilidades de sua realização.
BARBOSA, Ana Mae; BASTOS, T. Tópicos utópicos. Belo Horizonte C/ Artes, 1998.
NO TERCEIRO MOMENTO —
Aplicação do Conhecimento (AC) BRASIL: Ministério da Educação e do Desporto. Referencial Pedagógico Curriclllar
[...] o terceiro momento é de síntese, quando a junção da fala do ou- professor da Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental
para _f01'1nação
tro com a fala do organizador permite a superação das duas diferentes —
Documento Preliminar de dezembro de 1997. Brasília: MEC / SEF / Coedi, 1997.
visões [...].
Éum momento em que umafala não predomina sobre a outra, 'ANDAU, Vera Maria (Org.).Magistério: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes,
mas juntas exploram as perspectivas criadas, reforçam os instrumentos -1998.
BARBOSA • CUNHA 269
258
apreciador. A e-Arte/Educação torna-se facilitadora no processo de ensino/ geração nãoapenas como vitrines para garantir maior índice de matrículas,
aprendizagem da arte digital. inas para formar o público consciente, como adverte Barbosa:
realidade significada —, em interconexão com as relações com o mundo, ênfase somente na produção, inserindo-se
uma educação modernista
enaltecendo a consciência crítica do posicionamento da pessoa (ativo/ digital nas escolas brasileiras que envereda pela livre expressão o —
vida emocional devem progredir, mas não ao acaso. Se a arte não é tratada Barbosa indaga: "Como ver produzida pelas tecnologias con-
a arte
como um conhecimento, mas somente como um "grito da alma", não es- tejnporâneas? A arte no ciberespaço estimula mais o intelecto? Qual o
tamos oferecendo nem educação cognitiva, nem educação emocional. alcance da sensorialidade virtual?" (Barbosa, 2008, p. 110). Dada a natu-
Wordsworth disse: "Arte tem que ver com emoção, mas não tão profun-
reza da metalinguagem no ciberespaço, as obras de arte propostas pelas
damente para nos reduzirmos a lágrimas" (Barbosa, 1998, p. 20)
novas tecnologias proporcionam uma consumação estética metassensória,
Complementa, na mesma direção de crítica à "livre expressão" tal estando no ciberespaço ou adaptadas a um ambiente expositivo conven-
cional —
não digital.
como vem sendo praticada:
Compreendemos que ver não é o termo mais adequado para a frui-
A prática sozinha tem se mostrado impotente para formar o apreciador e
fruidor da arte. Nos Estados Unidos, o ensino livre expressivo da arte exis-
çáo da obra de arte digital, mas vivenciar, ou, de forma metassensorial,
perceber —
dado que perceber converge com reconhecer, interpenetran-
te nas escolas públicas, portanto para todas as classes sociais, desde os anos do o conhecimento sensório com o cognitivo, pois as obras de arte digitais
30, isso os americanos são apreciadores mais
nem por argutos da arte. Pelo se apresentam inclusive como jogos (games), cuja apreciação só se confi-
contrário, a livre expressão, sem desenvolvimento da capacidade crítica
gura de fato se o apreciador aceitar o convite interativo que a obra propõe,
para avaliar a produção, tem formado nos Estados Unidos um consumidor
que necessita do envolvimento de outros órgãos sensórios, não sendo
ávido e acrítico de imagens. [...] Por outro lado, é bom lembrar que o de-
mais suficiente apenas a apreciação/observação visual. Por isto, a edu-
senvolvimento da capacidade criadora, tão caro aos defensores do que se
estético-digital deve atender à metalinguagem e, portanto, ser in-
convencionou chamar livre expressão no Ensino da Arte, isto é, aos cultua- cação
termidiática que vai para além da visual. Visão, tato, audição, olfato,
—
da com os padrões técnicos oferecidos pelos efeitos computacionais, para ficialmente, vem se constituindo desde as primeiras expressões artísticas
que o aluno se aproprie da linguagem para expressar-se. digitais.
NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS
264 BARBOSA • CUNHA
Apontamos características peculiares da arte digital presentes nas A ciberarte necessita de novos critérios paradigmá ticos de apreciação
e de do mercado, da formaçãode críticos e das práticas dos
obras da cibercultura, como destaca Pierre Lévy (1997, p. 94-95): conservação
nutseus, como adverte Lévy:
•
PARTICIPAÇÃO DO EXPECTADOR —
Uma das características
mais constantes da ciberarte éa participação daqueles que a ex-
a ciberarte pede novos critérios de apreciação e de
perimentam, interpretam, exploram ou leem. Não se trata somen-
conservação que entram
muitas vezes em contradição com os hábitos do mercado da arte, a forma-
te de
uma participação na construção do
sentido,
mas realmente
çâode críticos e as práticas de museus. Esta arte, que encontra a tradição
uma vez que o "expectador" é
de uma coprodução da obra, cha- do jogo e do ritual, pede também a invenção de
novas formas de colabora-
mado a intervir, a fazer a obra acontecer (a materialização, o çâo entre os artistas, os engenheiros e os mecenas, tanto públicos
como
aparecimento das imagens, a edição, o desenvolvimento efetivo privados. (Lévy, 1997, p. 95)
naquele momento e lugar), atendendo a sequências de sinais ou
de acontecimentos, que configuram o evento.
Beyond pages é uma obra de de Masaki Fujihata, analisada por
1995
I .évy,que compreende esta obra ser típica de certas tendências fortes da
•
PROCESSOS DE CRIAÇÃO COLETIVA DO VIRTUAL —
Neles
ciberarte. É uma metáfora entre e ler um livro, situan-
a obra se estrutura por meio do envolvimento de artistas parti-e
clo-se
comer uma maçã
"Entre signocoisa" com finesse, delicadeza e humor (Lévy, 1997,
e
cipantes, constituindo uma elaboração interdisciplinar, ou seja, 96).
p. Beyond pages deve ser incluída entre uma das mais belas ilustrações
são processos de criação coletiva, em que artistas e engenheiros das "artes do virtual" em emergência.
estabelecem uma rede de participação na produção de uma obra.
O ATO DA CRIAÇÃO Tanto a criação coletiva como a partici-
—
A cibercultura apresenta uma diversidade de gêneros,cujas caracte-
císticas proliferam acentuadamente,
pação dos intérpretes estão de acordo com um terceiro traço ca- e seu predomínio e seu refinamento
expressivo concomitantes ao avanço tecnológico digital estão presentes
racterístico da ciberarte: a criação contínua. A obra virtual está
"aberta" para a construção. O dispositivo virtual propõe uma por meio da assimilação da linguagem digital como manifestação cultu-
ral expressa
máquina capaz de provocar eventos. nas artes digitais da atualidade, em que a cada período a
tecnologia é mais absorvida, dando
OS LIMITES DA OBRA Programas informáticos reúnemtextos
—
voz à poiésis digital. O percurso his-
tórico da cultura digital vem sendo mostrado nas edições do Festival
'originais" recombinando fragmentos de corpos preexistentes.
Internacional da Linguagem Eletrônica (File) que, desde sua primeira
Os websites remetem-se uns aos outros, sua estrutura hipertextual
edição, em 1994, até a mais recente, em 2008, apresenta o
administra uma interpenetração de mensagens, um mergulho percurso inter-
nacional da linguagem eletrônica, por meio das manifestações/expressões
recíprocodos espaços virtuais. da poiésis digital:
•
DECLÍNIO, DESAPARECIMENTO DO AUTOR E REGISTROS
—
A participação ativa dos intérpretes, a criação coletiva, O File, maior festival de arte tecnologia do Brasil e da América Latina,
e
obra-acontecimento, obra-processo, interconexão e mistura dos bem como mundialmente um dos maiores acontecimentos nesta área, há
limites, obra-emergente (como uma Afrodite virtual, de um oce- nove anos vem inserindo o país no contexto mundial da arte e tecnologia
ano de sinais numéricos) convergem para o declínio do autor e ou da mídia arte. O File é um festival que aninha vários festivais que ocor-
do registro, mas não o seu desaparecimento puro e simples, que rem simultaneamente. Além disso, o File possui um symposium internacio-
nal,
até então garantiam a integridade, a substancialidade e a totali- um arquivo com mais de dois mil trabalhos e um laboratório para a
dade possível das obras. produção e desenvolvimento de novos trabalhos, o File Labo. O File é um
zoo BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO CULTURAS VISUAIS
ARIES
evento anual que neste ano de 2008 já aconteceu, com outras versões, em ser crítico e atual" (Barbosa, 2008, p. 110), portanto temos que formar o
Porto Alegre, no Santander Cultural, e no Rio de Janeiro, no Oi Futuro.
fruidor crítico, postulando o desenvolvimento da capacidade de ler/ in-
Participam desta 9a edição do File aproximadamente 300 artistas tre en terpretar expressivamente a arte digital, pois a linguagem digital está
—
potencial, porque só existirá enquanto signo artístico, de fato, enquanto Sistema Triangular Digital
houver a participação do intérprete. O intérprete é o oxigênio pulsante
da obra. O Sistema Triangular Digital (também denominado Sistema e-Trian-
Há uma superexpectativa em torno da arte digital, no desejo de gular ou Sistema Triangular Intermidiático) é uma proposição derivativa
uma
compreensão imediatista descolada da cultura. Um encantamento exa- da Abordagem Triangular.
cerbado em relação à tecnologia, ao suporte tecnológico, A Abordagem Triangular, em diálogo com o tempo, éuma abordagem
como se somen-
te o instrumental bastasse como poiésis. E preciso educar para formar o processo, portanto, contínua, dado seu aspecto orgânico, por ser uma
fruidor de arte digital crítico, repetimos. Não podemos, como educadores, perspectiva cuja gênese epistemológica se alicerça em seu caráter genui-
aceitar arte computacional como instrumento nem tampouco aceitar namente contextual, para o desenvolvimento da identidade cultural e da
que
somente a apresentação do computador, seus inputs e outputs
para nossos cognição / percepção.
alunos seja considerada educação inclusiva promoção da cultura
com Assim, sistematização da Abordagem Triangular acontece no tem-
a
digital.
po gramatical do gerúndio, porque dialoga no curso do e com o tempo.
Educação não pode ser concebida como puro treinamento técnico. Neste sentido, a força motriz desta Abordagem, de natureza conceitual
"Saber ver e avaliar a qualidade do que passa na tela do computador é cultural e dialogal, torna-a flexível e contemporânea no curso do tempo.
A Abordagem Triangular perfaz uma rede sistêmica, por isto, viva, orgâ-
3. Disponível em: <http://www.file.org.br/>.Acesso em: 10 out. 2008.
nica e, portanto, pulsante. Compreender o processo de edificação desta
coo ABORDAGEM TRIANGU[AR NO INSINO OAS ARIES CULTURAS VISUAIS 269
BARBOSA • CUNHA
Arte que circulam internacionalmente na contemporaneidade" (Barbosa, construir uma metalinguagem da imagem. Não é falar sobre uma pintura,
1998, p. 41), sistematiza
uma abordagem da educação digital inclusiva, mas falar a pintura num outro discurso, às vezes
silencioso, algumas vezes
por meio da educação intermidiática crítica. gráfico, e verbal somente na sua visibilidade primária". O que se pretende
Assim, o Sistema Triangular Digital é
uma abordagem e-arte/edu- é contextualizar a obra de arte digital "no tempo e explorar suas circuns-
cativa, cujo paradigma educacional também é pós-moderno, cultural, tâncias" (Barbosa, 1991, p. 19).
cognitivo, contextual, interacionista e está fundamentado em três "pro- Assim, sua visualidade primária permeia todos os sentidos, não mais
cessos mentais" que constituem sua triangulação, se interligam por
que de um observador, mas de um elemento o intérprete que dá sentido
—
—
diáticas, através dos inputs e contemporâneos socioculturais e tecnológicos, que, segundo Castells (1999), inserem um novo siste-
outputs computacionais. "O fazer é oral e a expressão audiovisual,
ma de comunicação que integra a expressão escrita, a expressão
indispensável para o aprendizado da arte e para o desenvolvi- originando uma forma de expressão e cultura a metalinguagem que estabelece um novo esta-
— —
3) e-Contextualizar: ampliar os campos de sentidos das obras digitais gem — do universo digital, sabendo-se que cognição é (re)conhecer/
estabelecendo comparações em diversos tempos e espaços em perceber/ conceber.
relação ao próprio intérprete e ao mundo que o cerca. Parâmetro Oestímulo aos processos mentais metalinguisticamente está no cer-
norteador para estabelecer relações, as quais podem potencializar ne epistemológico do desenvolvimento da capacidade cognitiva (e, por-
a análise crítico-reflexiva do indivíduo, bem
como a interdiscipli- tanto, perceptiva) da fluência digital crítica, que constitui o Sistema
naridade no processo de ensino/ aprendizagem, pois "a leitura
l'riangular Digital.
dos campos de sentido da arte o
é cerne de seu ensino neste início de Saber pensar e se
século. expressar metalinguisticamente é ter fluência di-
A história ganha importância como contexto que dialoga
Bital —
podem colocar em operação a rede cognitiva da aprendizagem da lingua- na linguagem filosófica, entende por "Ideia o objeto interno do pensa-
•
CUNHA NO vr»um•»
mento geral", "afirma que Ideia é 'a forma do pensamento, para cuja Esta sincronia tem como objetivo possibilitar vivências significativas
imediata percepção estou ciente desse pensamento'". Identificava-se por e efetivas no processo de ensino/ aprendizagem digital, por promover o
ideia a representação de alguma coisa, sendo posteriormente este concei- diálogo entre os discursos e recursos midiáticos e a experiência constru-
to rejeitado por Kant. tiva de uma expressão intermidiática.
A ideia, sendo um produto conclusivo que comunica um sentido, que O interessante é que parece que a escola muitas vezes deforma esta
representa algo, ou ainda sendo um material comunicativo, remete-nos apropriação da linguagem que o jovem traz em sua bagagem cultural
mais uma vez à afirmação de Postman, de que nós não
vemos a realidade digital, por insistir na educação instrumental, em vez de trabalhar os
ela é,
como mas como são nossas linguagens que são nossas ideias —-, valores culturais por ele agregados. A escola, ao enfatizar apenas a pro-
—
sendo nossas linguagens nossas mídias; nossas mídias nossas metáforas, dução técnica digital, muitas vezes acaba por aumentar a angústia do
as quais criam o conteúdo de nossa cultura digital. tecnofóbico ou reforçar a euforia do tecnomaníaco.
A ideia é o produto mental de algo culturalmente interpretável. Ou Os tecnofóbicos são aqueles que possuem aversão, repulsa, medo de
seja, para interpretarmos determinada ideia, necessitamos saber decodi- se relacionar com o equipamento, de tal maneira que se paralisam diante
ficá-la. O nível de capacidade de nossa mente para ler/ interpretar códigos dele.5 Já os tecnomaníacos são aqueles fascinados pelas possibilidades
digitais está relacionado ao nível de imersão, interação e compreensão técnicas que o equipamento oferece, a tal ponto que a aula acaba e não
crítica com o universo digital e seus códigos comunicacionais. Para tanto,
conseguem dirigir-se a outra atividade.
a epistemologia e-arte/educativa do Sistema Triangular Digital (ou Sis-
Ambas as situações interferem no processo do ensino-aprendizagem
tema e-Triangular) consiste no desenvolvimento da consciência crítica
de quem utiliza tais recursos: no primeiro caso, o aluno que não quer nem
para a elaboração de critérios a serem utilizados no universo digital.
chegar perto da máquina; no segundo, o seu centro de interesse é quase
Neste processo de ensino-aprendizagem,intenciona-se
que os alunos totalmente voltado para o
que a máquina faz, para desenvolver trabalhos
vivenciem situações problematizadoras. A cada etapa surge um problema restringem aos recursos que o equipamento possibilita.
que se
diferente e o aluno deverá solucioná-lo. Estas situações investigativas têm
O aprendiz tem, geralmente, uma receptividade curiosa em relação
como objetivo envolver o aluno, possibilitando-lhe uma experiência sig- ao equipamento empregado. Se esta curiosidade for bem aproveitada pelo
nificativa, através
de projetos digitais, devendo estes ter o desígnio como
professor, poder-se-á evitar, em muitos casos, as duas situações opostas
motivo impulsionador. Desta maneira, a arte digital e seu ensino deve
e específicas, ambas prejudiciais, com as quais vimos nos deparando em
buscar transpor o modelo educativo do tipo linear, por meio das
ações sala de aula: alunos "tecnofóbicos" e "tecnomaníacos".
educativas que realizamos, visando a um modelo sistêmico do tipo sin-
Os jovens de hoje, que nasceram com a informática, transpiram a
crônico.
linguagem computacional da sociedade em rede, enquanto muitos pro-
Entendemos por sincronismo uma abordagem e-Arte/Educativa que
fessoresainda necessitam dominar o instrumento. Esta incongruência
constitui um sistema integrador, que não divide as áreas de conhecimen-
tem gerado inversão de papéis. As escolas não estão preparadas para
to da arte em disciplinas, mas que, através de
bercultura, aciona processos mentais
açõesinvestigativas na ci- formar fruidores da cultura digital, além de "corrigirem" excludente- —
mente —
repertório digital que seus alunos trazem consigo, castrando
o A elas compete abordar os aspectos da tecnocultura, indo além da instrução
as expressões digitais, por identificá-las como erros gramaticais. Ora, a rotineira, possibilitando a reavaliação do sentido da criatividade, da per-
escola tem de identificar e trabalhar os valores culturais trazidos pelos cepçáo, da cognição, da educação. (Barbosa, 2008, p. 111-112)
alunos, mas, muitas vezes, resulta
numa importante entidade de segre-
gação da cultura digital. A e-Arte/Educação está intimamente inter-relacionada com os meios
Temos notado o quanto parece ser difícil identificar a geografia da
tecnológicos interligados. Estes, portanto, são o
campo de estudo episte-
cultura digital. Se as escolas aprendessem o processo de ensino-aprendi- mológico. Ao simplificar, minimizar o conceito de técnica, desvinculando
as relações contextuais de seu conceito, podemos estar incorrendo na
zagem calcado no diálogo, na troca, na interculturalidade, teriam menos banalização, bem como no reducionismo epistêmico. Com isso, corre-se
preocupação com a instrumentalização dos aparatos tecnológicos, dando
o risco de o ensino enveredar para simples atividades de treinamento
ouvidos às vozes que disseminam a linguagem digital. Para ensinar, temos
fim, e não o meio
de aprender. Para aprender, temos de estar abertos para ouvir o
técnico, em
que a instrumentalização passa a ser o para
que o reverberar expressivas autônomas do sujeito.
mundo tem a dizer. "A consciência da tecnologia e da arte para a educa- ações
Com uma educação digital questionadora, o centro de interesse
çãoda recepção das artes tecnológicas é o que deveríamos procurar de-
volver para ver um público crítico e informado" (Barbosa, 2008, p. 110). deixa de ser a máquina, por se viabilizar o desejo exploratório, indócil e
curioso que pode ensinar a conhecer e expressar. Assim, o equipamento
Vimos como os novos meios de comunicação mediada por compu-
se desloca do centro das atenções e assume seu verdadeiro papel de fa-
tador (CMC) estabelecem outro paradigma de comunicação, viabilizando
cilitador do processo de ensino-aprendizagem da arte.
a formaçãode comunidades virtuais, as quais compreendem "como
uma
rede eletrônica de comunicação interativa autodefinida, organizada em Neste contexto, o instrumento torna-se tanto intermediador como
torno de um interesse ou finalidade compartilhados, embora algumas suporte desse processo, possibilitando o desenvolvimento de um espíri-
to crítico-questionador, "capaz de romper limites, subverter critérios e
vezes a própria comunicação se transforme no objetivo" (Castells, 1999,
p. 385). Estas comunidades virtuais vêm proliferando abruptamente cada instaurar novos paradigmas", que passa a permear todos os níveis "téc-
nicos" (Barbosa; Ferreira; Vernaschi, 1993, p. 73). Concordamos com José
vez mais em escala global, englobando, principalmente, os jovens.
Assim, Alberto Nemer, que considera "o Ensino da Arte muito mais amplo, mais
dirigentes de ensino e os professores necessitam
a escola, os
aprender com complexo e mais rico que o restrito treinamento visual e mecânico" (Nemer,
os jovens a
consumação estética da cultura digital, para
apud Barbosa; Ferreira; Vernaschi, 1993, p. 73).
ensiná-los a de forma mais aguçada. Orkut, MSN, comunidades vir-
ver
tuais, perfis de identidades etc. devem ser incorporados tanto quanto Devemos procurar desenvolver com nossos alunos e alunas um
outras manifestações/expressões humanas. Qual é o medo? Há a neces- processo educativo centrado no indivíduo e sua contextualização cultural
sidade de formação crítica destes profissionais quanto à cultura digital, e política, por meio de projetos temáticos, num "sistema de avaliação
enquanto as instituições formadoras devem estar preparadas para formar contextualizado" (Gardner, 2000, p. 115), com o objetivo de atingir pro-
cedimentos e instrumentos que sejam "justos com a inteligência" (Gard-
o crítico digital:
ner, 2000, p. 78), para estes se envolvam e tomem consciência de suas
que
A formação crítica daqueles que saíram da escola antes da revolução tec- responsabilidades neste processo. Isso possibilita a superação de barreiras
nológica e que não tiveram acesso às novas tecnologias é responsabilidade da educação formal, bem como de sua forma padronizada de avaliação,
das instituições culturais.
sendo uma postura educativa tecnoética.
276 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES E CULTURAS VISUAIS
O processo avaliativo, neste panorama, não se resume a um instru- josos de levar adiante suas atividades, traz muito incentivo à nossa prá-
mento aplicável igualmente a todos os estudantes, com o objetivo de tica profissional.
medir conhecimentos quantitativos, e sim qualitativos. Deste modo, a As expressões intermidiáticas oriundas da Internet, pela sua nature-
avaliação tem como objetivo ser um instrumento auxiliador no processo za de navegabilidade ou por um discurso apresentado (nos referimos aos
contínuo da realidade vivenciada individualmente, "dando-lhes a chan- d iscursos multi e intermídias, e não somente
ou exclusivamente ao textual
ce de refletir sobre sua experiência e sentimento em relação aos seus in- oral), estão intimamente relacionados
ou com o desenvolvimento de um
teresses e potencialidades" (Gardner, 2000, p. 93). Assim, as avaliações roteiro intermidiático, o qual supõe uma ideia,
uma intenção expressiva.
contextualizadas "refletem uma complexidade realística; o conteúdo é Então, os alunos desenvolvem roteiro, pois
escla-
dominado como meio, não como fim, e os alunos devem propor e
(Gardner, 2000, p. 115).
recer problemas, não apenas oferecer soluções" transformar uma história qualquer num roteiro cinematográfico significa
penetrar num universo estrito de escolhas estéticas ao nível do equilíbrio
Para proporcionar ao educando experiência artística, fundamentação
visual (cores, formas, movimentos), do efeito sonoro (graves, agudos, ritmo,
teórica é preciso elaborar, testar e refazer propostas coletiva-
e reflexão,
volume) e da competência narrativa (encadeamentos lógicos e psicológicos,
mente. Algumas respostas são mais rápidas, como aprender a apresentar
pontos de vista, jogos de tensões e reflexões etc.). (Gardner, 2000, p. 95-6)
determinadas soluções que o novo equipamento exige; outras virão com
o tempo, no posicionamento estético e crítico frente ao mundo. O impor-
A partir do conteúdo ou de uma ideia, os alunos realizam o roteir06
tante é procurar ser sujeito e não objeto da prática que desenvolvemos,
para a expressão intermidiática, concomitantemente à edição, havendo
juntamente com alunos e alunas, conscientes de que o trabalho é uma intensa dedicação na escolha das imagens, sons e outros efeitos (proces-
busca constante.
so que compõe a edição/ produção), podendo potencializar ou minimizar
Os educandos devem lançar mão dos recursos intermidiáticos para o discurso desejado. A relação íntima entre o e-fazer, o e-ler e o e-contex-
experimentar os limites do tempo, da improvisação técnica (intuitiva) ao tualizar mostra-se
um diálogo construtivo, com vistas à realização de
direcionamento de um processo de ensino-aprendizagem que dê ênfase uma construção intermidiática, que deve estar imbuído num universo
à expressão por meio da intermídia/ metalinguagem, recorrendo às esco- de significação.
adequado.
lhas que impulsionem o julgamento expressivo mais Marília Franco faz distinção com relação ao cinema
uma e ao filme:
Assim, as pesquisas (ou seja, o processo investigatório/explorató- enquanto o primeiro é um universo de produção, o último é universo de
rio digital) desempenham um papel singular neste processo de ensi- significação. Portanto, do fazer, nesta atividade, está vinculada
no-aprendizagem, pois devem estimular a vivência, que deve contribuir
a
ação à
concepção de filme, o
qual está contido no universo de criação: "espaço
ob-
com informações significativas, as quais são impossíveis de serem de escolhas do artista ou comunicador,
tidas através da Internet ou outro meio digital interconectado, bem como
campo de manifestação do senti-
mento, no que respeita ao fazer" (Gardner, 2000, p. 52).
outra forma de registro informacional que dialoga com os meios digitais.
Desta maneira, amplia-se a potencialidade ilimitada de técnicas e
Os alunos e alunas se entusiasmam ao se envolver de modo mais
materiais, bem como suas combinações, podendo experimentar todas as
afetivo com o projeto, tomando para si autonomamente a responsabili-
dade na construção deste discurso empolgado. Notamos que o jovem de 6.Ou arquitetura de navegação —
existem várias nomenclaturas de acordo com a natureza da
hoje, em especial os alunos de classe média e média alta da cidade de São produção a se desenvolver, mas essencialmente todas têm
como eixo central o roteiro, ou seja, um
Paulo, têm uma tendência ao sedentarismo. Assim, vê-los em ação, dese- caminho ou múltiplos caminhos que são programados.
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO OAS ARIES CULTURAS VISUAIS
opções para explorar e criar novas possibilidades neste campo, tendo Nas artes visuais, estar apto a produzir uma imagem e ser capaz de ler uma
imagem são duas habilidades inter-relacionadas. (Barbosa, 1998, p. 17)
apenas a imaginação como limite.
Uma das importantes situações problematizadoras que podem vi-
Esperamos que nossa prática em sala de aula e o aprofundamento
venciar nesta atividade/ produção criativa é a síntese, bem como a abs- teórico proporcionado por esta pesquisa contribuam para resgatar esta
tração das informações e sentimentos que desejam explorar em suas in ter-relação.
produções, pois:
O ciberespaço deve um sistema marcado pela identidade, em
ser
Qualquer atividade artística exige do criador a sensibilidade de perscrutar que as partes formam um todo não homogeneizado, multicultural, mul-
real o de tidialogal, multidisciplinar e assimétrico. Há que se estabelecer uma
no jogo emoção racionalidade predominante no seu tempo e
e
globalização (presente nas redes vivas
e pelas escolhas da sua lin-
devolvê-lo, mediado por sua própria emoção como a Internet) ecológica/ ética,
guagem, em obras que espelhem seu público. Esse diálogo íntimo e univer- para dinamizar a identidade pessoal pelo (re)conhecimento das diferen-
sal de sensibilidade humana constitui o alimento da mente. Cada socieda-
ças por meio de uma interatividade crítico-autônoma. Não ocorrendo
de tem suas especiarias e seu paladar próprio, no cardápio cultural. isto, poderá imperar uma ditadura globalizante, hegemônica, em que o
(Franco, 1988, p. 88)
capitalismo global, não centralizado,
mas com poder
vertical, manipu-
lador,
acentua o analfabetismo e a homogeneização do pensamento
Resumindo, os alunos devem ter
oportunidade de vivenciar um
a
humano. Há que escolher entre a globalização democrática (horizontal)
processo educativo centrado no indivíduo, com um sistema de avaliação
e a arbitrária (vertical).
contextualizado que os preveniria contra o individualismo e com o —
objetivo de atingir procedimentos e instrumentos que sejam "justos com Em suma, a comunicação metalinguística presente em nossas vidas
in tegra nossasexpressões escritas, orais e audiovisuais, as quais compõem
a inteligência". É por isso
que devemos propor políticas e açõeseducati- a cultura digital, impondo a necessidade de os dirigentes de ensino, bem
vas que promovam o envolvimento e o desenvolvimento da consciência
das suas responsabilidades neste processo. como os educadores, reavaliarem os atuais programas educacionais; re-
inter-relacionar produção com leitura e contexto. BARBOSA, Ana Mae T. Bastos. A imagem eo Ensino da Arte. São Paulo: Perspec-
tiva, 1991.
Esta integração corresponde à epistemologia da arte. O conhecimento das
artes tem lugar na intersecção: experimentação, decodificação e informação. Tópicos e utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998.
280 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM 'IRIANGUIAR NO CULTURAS VISUAIS 281
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Artmed, 2000.
PARTE IV
gular de Ana Mae Barbosa2 procurei trabalhar com uma de suas dimen-
soes, a leitura de imagens, tendo em vista que nessa etapa de escolariza-
(1 nei
uma forma diferenciada de trabalhar comjogos e brincadeiras em sala
Segundo a autora, quanto mais as crianças tiverem possibilidade de (le aula. Para isso, selecionei três reproduções de pinturas de dois artistas
contato e reflexão a partir de diversificadas imagens, mais preparadas nacionais e um estrangeiro que apresentam brincadeiras infantis como tema
elas estarão para olhar criticamente para o mundo. para que as crianças fizessem suas leituras a partir dessas imagens.
288
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO CUIIURAS VISUAIS 280
Na sala
de aula, com as crianças sentadas em roda, apresentei as
reproduções das três obras para as crianças; cada
uma delas em um mo-
mento diferente do projeto. Primeiro eu mostrava a obra ao mesmo tem-
po para todas as crianças e deixava que elas falassem suas impressões
sobre a mesma. Em seguida, eu passava a imagem cada criança
para que
olhasse-a em suas
mãos e, individualmente, fizesse comentários sobre
ela. Nesse momento, todas as crianças presentes falavam sobre a
imagem.
Nenhum dos alunos negou-se a expressar suas opiniões sobre as pinturas, 'E
o que possibilitou que esses momentos fossem riquíssimos.
Meus objetivos com essa proposta foram: proporcionar às crianças
o contato com reproduções de obras de arte, nesse caso pinturas, de di-
ferentes autores e também possibilitar turma
à o olhar reflexivo frente a
essas produções, pois
a partir desse exercício elas poderiam se tornar
iriam atribuir para a obra, nesse primeiro contato com ela. É importante
o professor intervir com o intuito de fazer a criança pensar
sobre sua
opinião e aprofundá-la, mas esse não era o objetivo naquele momento.
(1940),
A última imagem que apresentei para as crianças foi Na rua
de Carlos Scliar (Figura 3). Ela mostra crianças brincando de jogar bola
de gude na rua. Deixei que as crianças expusessem suas opiniões. Elas
Figura 2 atribuíram os seguintes significados para essa obra:
Gabrielle e Jean, de Auguste Renoir. Disponível em: <http://www.claudiobattisti.it/galleria/
impressionisti/images/Pierre%20Auguste%20Renoir,%20Gabrielle%20e%20Jean,%201896.JPG>.
Acesso em: 20 maio 2006
Foi interessante perceber na leitura das crianças sobre essa obra que
somente uma delas disse
que quem estava brincando com a mulher ou
com mãe
a era um menino. Olhar para a criança da pintura e indicá-la
como uma menina o que aconteceu com a maioria das crianças talvez
—
—
Figura 3
tenha ocorrido pelo fato de a criança
que está representada nessa pintura Disponível em: <http://www.itaucuIturaI.org.br/aplicExternas/enciclopedia_lC/
Na rua, de Carlos Scliar.
"Eles tão brincando de bolinha e as mulheres tão olhando." (Júlia) tepresentados remetam aos olhos de pessoas dessa etnia. Desta forma,
•
"São chineses." (Gabriel) leitura realizada por esse aluno torna-se ainda mais compreensível e
"Eles tão jogando bolinha de instigante, ao levarmos em consideração que, segundo a teoria semió-
gude." (Gabriela)
tica, a leitura de qualquer imagem deve sempre partir dos elementos
•
"Os meninos tão jogando e as meninas tão se vestindo para ir no presentes na imagem.
balé." (Náthali)
"Eu acho que eles são escravos e eles tão jogando bolinha e tão
tristes." (Helena) Os sentidos atribuídos
—
demonstra o quanto os sentidos atribuídos a uma imagem estão com-
nhar,
uma vez que, de acordo com Pillar:
prometidos com o contexto e com as vivências de cada leitor, tendo em O olhar de cada indivíduo está impregnado com experiências anteriores,
vista que ela, como mencionei anteriormente, faz aulas de balé, estando associações, lembranças, fantasias, interpretações etc. O que se vê não é o
adança muito presente em sua vida. Talvez por esse motivo ela enxergou dado real, mas aquilo que se consegue captar e interpretar acerca do visto,
significativo. (2001a, 13)
na obra meninas que estavam se arrumando para ir ao balé, algo que o que nos é p.
normalmente ela faz.
A partir daafirmação da autora, pude perceber que as crianças fize-
Foi curioso
perceber que nessa obra não há, ao menos não explicita- leituras, e não outras, devido aos elementos
ram essas que estavam pre-
mente, meninas representadas, só meninos. Mas analisando a obra e
sentes nas imagens e também em virtude de suas vivências e lembranças.
buscando atribuir sentido a ela,
percebi que há
uma pessoa que está afas- Uma vez que o ato de olhar está comprometido com o passado, tendo em
tada por esse motivo, não é
e, possível visualizar com clareza seu rosto vista que, segundo Rossi (2003, p. 19), "o significado surge a partir do
nem tampouco sua vestimenta. Assim, não é possível definir com certeza mundo do leitor, pois não existe interpretação desconectada do mundo
se essa pessoa está usando vestido, saia, calça
ou bermuda, o que instau- que se vive". Dessa forma, duas pessoas podem ler a mesma imagem e
ra a dúvida no leitor que
não pode afirmar se figura representada é um
a chegar a conclusões completamente diferentes.
menino ou uma menina. Para Náthali é uma menina. Essasdiferentes atribuições de significado se devem, também, ao
Ao analisar as significações das crianças, pude perceber que elas fato de que, conforme a teoria semiótica, o sentido não está pronto e
foram bem diversificadas, especialmente para essa última imagem. Tal acabado nos textos, mas ele surgirá na relação entre destinador (nesse
diversidade de leituras arte) e destinatário (as crianças). A esse respeito, Oli-
revela
que cada indivíduo explicitamente, ou caso as obras de
não, relaciona o visto com o vivido ao fazer análises desse tipo. Também veira afirma que "a semiótica [...] fundamenta que o significado não
foi possível notar que suas leituras partiram do que estava posto nas está nas coisas, na ordem do mundo, mas na ordem da cultura [ ...l'
imagens, mesmo que em um primeiro momento nos cause estranha- (2008, p. 28).
mento. Como, por exemplo, quando o aluno Gabriel visualiza "chineses" Nessa perspectiva, o sentido não está nos objetos, mas na relação que
na obra de Scliar, contudo, sua leitura não foi aleatória, tendo em vista o leitor estabelece com eles. Assim, o significado de determinado objeto
que o estilo de pintura do artista faz
com que os olhos dos meninos ou imagem dificilmente será o mesmo para duas pessoas. Uma vez que,
294 BARBOSA • CUNHA NO [NSINO CIJIIURAS VISUAIS
na busca por darsentido ao mundo e ao que vê, cada leitor utiliza-se de "11,1 ,AR, Analice Dutra. A Edilcaçtio do olhar no ensino das artes. Porto Alegre:
seus conhecimentos prévios e suas vivências. Mediação, 2001a.
Referências bibliográficas
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se conlpletam. São
OLIVEIRA, Ana Claudia de. Interações nas mídias. In: PRIMO, A. et al. Comuni.
e interação.Porto Alegre: Sulina, 2008. p. 27-42.
cação
296 ABORDAGEM IRIANGULAR NO ENSINO OAS ARIES CULTURAS VISUAIS
pós-modernismo em Arte/ Educação, ou a contemporaneidade, se alguém, presen tando três momentos correspondentes às três da Abordagem
ações
por horror à palavra pós-moderno, preferir. (Barbosa, 2007, p. 41) liiangular proposta pela professora Ana Mae Barbosa: "o ler a imagem,
o contextualizar e o fazer ou produzir uma obra poética". Ao final de cada
Trabalhar com a faixa dos alunos do Ensino Médio, cerca de
etária
bi mestre, os alunos visitavam o acervo da Pinacoteca para ter contato com
16 a 17 anos, se constituiu um grande desafio, pois a literatura e os traba-
o original das obras abordadas em aula, completando-se assim o inven-
lhos acadêmicos referentes à sua aplicabilidade no ensino médio são
rio de cada uma, tornando-o mais consistente quanto à leitura e análise
muito escassos. A quase totalidade dos trabalhos tem como foco a Edu- das mesmas.
Infantil e as primeiras séries do Ensino Fundamental.
cação interpretação de obras de arte foram balizadas pelos
A leitura e a
Neste trabalho também foi considerada a importância de visitas a procedimentos previstos pelo Image Watching, sistema proposto pelo
museus e o exame das obras originais de seus acervos tanto para o professor Robert William Ott,4 articulado em seis momentos, que tem
desenvolvimento crítico dos alunos como para a criação do hábito de como objetivo, além da utilização inteligente por parte do aluno da críti-
visitação. ca, apreciação estética e do estudo da História da Arte,
da a produção
As atividades estabelecidas no decorrer da pesquisa iniciaram-se a criativa no ateliê de artes. O professor Ott define que
partir da seleção de obras pertencentes ao acervo da Pinacoteca do Esta-
do. Foram estabelecidos os parâmetros para a seleção das obras para o O ensino da crítica por meio do sistema de interpretação Image Watching
objetiva a integração do pensamento crítico a respeito das obras de arte e
objeto de estudo: arte brasileira dos séculos XIX e XX, de autores mais
da transformação dos conceitos aprendidos dessa forma de crítica artística
conhecidos, abrangendo as várias tendências e períodos como o Acadê-
voltada à produção criativa na aula de artes. (Ott, 2005, p. 130)
mico, o Modernismo, o Concretismo e a Arte Contemporânea. Tais obras
poderiam bidimensional como tridimensional, figurativas ou
ser tanto
Os seis momentos que compõem o sistema formam um método di-
abstratas, com formas orgânicas ou geométricas, abordando temas rural
recionado ao Ensino da Artes. Na maneira como foi inicialmente escrito,
ou urbano, utilizando-se de materiais e técnicas desde as mais tradicionais
utilizou-se do gerúndio para nomear cada uma das categorias ou mo-
Observando tais parâmetros, as primeiras cinco obras
até as mais atuais.
tnentos, exatamente para deixar explícita a ideia de
que a atividade está
selecionadas foram pinturas a óleo sobre tela: O violeiro (1889), de José
em processo de andamento. Este caráter processual e dinâmico é uma das
Ferraz de Almeida Jr. (1850-1899), São Paulo (1924) de Tarsila do Amaral
características mais marcantes dos passos do método.
(1886-1973), e Mestiço(1934) de Cândido Portinari (1903-1962), e as escul-
São seis os momentos
que perfazem a experiência: aqllecendo, descre-
turas Portadora de perfume (1923), bronze, de Victor Brecheret (1894-1955), vendo, analisando, interpretando, fundamentando e revelando. Para maiores
e Fita vermelha (década de 1980), ferro esmaltado, de Franz Weissmann esclarecimentos sobre Image Watching, é interessante consultar os auto-
o
(1914-2005). res Ana Mae Barbosa (org.) em Arte-Educação: leitura no subsolo, e Luciana
A reprodução das imagens das obras foi feita através de fotografia M. Arslan e Rosa lavelberg em Ensino de Arte.
ampliada exposta em todas as aulas. Para cada obra selecionada foi
e
Procedimentos •
Aplicação, avaliação e análise dos resultados produzidos pela
atuação de um Gl'llpofocal.
Dentre os procedimentos metodológicos utilizados para planejar, • Aplicação, avaliação e análise das informações contidas no Diário
desenvolver e finalizar este trabalho, podemos destacar: de cantpo produzido durante as aulas de ateliê.
Revisão bibliográfica das publicações sobre a História do Ensino de • Análise de toda a documentaçãofotográficaobtida durante o processo.
Artes, sobre os métodos pedagógicos de Ensino de Artes, sobre
a impor•
tância da leitura de imagens em sala de aula e sobre a metodologia de Já na primeira semana de aula do semestre os alunos, a partir de suas
pesquisa a ser adotada, que no caso é a pesquisa-ação. preferências, formaram oito grupos, em cada turma, com cinco compo-
o Revisão bibliográfica da legislação vigente, nentes. Em cada um deles, foram eleitos
um coordenador um relator.
como a Lei de Dire• e
trizes e Bases da Educação Nacional e suas orientações posteriores Para cada uma das obras selecionadas no acervo da Pinacoteca do
que a explicitam: os PCNs, os PCN+ e as Orientações Curriculares listado foi percorrido um ciclo completo de doze a dezesseis horas-aula,
para o Ensino Médio. como descrevemos a
seguir.
Pesquisa de
campo na Pinacoteca
•
do Estado de São Paulo para O primeiro momento foi o de Leitura da obra. Manteve-se a imagem
análise e seleção das obras existentes no acervo. da obra projetada em tela, sem ser mencionado o nome da obra ou do
o
Elaboração dos instrumentos de avaliação da pesquisa: inventá- autor, sem qualquer outra referência. Foi pedido a cada aluno que per-
corresse lentamente com a vista, com muita atenção, todas as partes da
rios,
diário de campo, relatórios de visita à Pinacoteca, questioná-
rio aberto, obra projetada. Após um tempo para esta operação, insistiu-se que exa-
grupo focal.
•
Elaboração e reprodução de material escrito e imagens que pu- minassem todos os detalhes vagarosamente. Em seguida, o aluno anotou
em uma folha em branco a descrição de tudo que estava vendo,
sentindo,
dessem apoiar a leitura e a contextualização das obras de arte e
das apresentações de slides referentes História da Arte. entendendo, através da elaboração mental de perguntas e de suas respec-
à
tivas respostas. Posteriormente, cada aluno transmitiu para os demais
• Série de visitas didático-pedagógicas na Pinacoteca do Estado,
colegas do grupo tudo que foi anotado na atividade anterior, iniciando-se
com o acompanhamento dos alunos, visando à complementação
da leitura da imagem feita em aula, a partir do original de cada uma breve discussão sobre a importância de cada item, tentando agrupar
as perguntas e respostas do mesmo tipo e eliminando-se as repetidas.
obra selecionada e gerando o documento Relatório de visita didáti-
ca, redigido Promoveu-se a leitura de reproduções de obras do acervo da Pina-
individualmente pelos participantes a cada visita
coteca do Estado de São Paulo através de roteiros de análise que foram
programada.
denominados Inventários e que foram construídos colaborativamente com
Análise e avaliação da documentaçãode todo o material escrito
produzido pelos alunos e das propostas poéticas construídas a
os alunos participantes. É
importante ressaltar que nestas atividades de
leitura de imagens não se pode "engessar" a análise
partir da
com questionários
obra original do acervo da Pinacoteca.
ou instrumentos rígidos preestabelecidos pelo professor. Esses instrumen-
•
Análise e avaliação dos registros de dados através de relatórios, tos devem ser, a partir de um eixo norteador, sugeridos e completados
que nesta pesquisa denominam-se Inventários. coletivamente pelos participantes.
•
Aplicação, avaliação e análise dos resultados do Questionário Nessa mesma linha de pensamento, Rossi alerta sobre os malefícios
aberto.
de introduzir receitas prontas, previamente acabadas, para a leitura de
CULTORAS VISUAIS 303
IRIANGIJIAR NO ENSINO
BARBOSA • CUNHA
ser apenas mais um exercício escolar. (Rossi, 2006a, p. 133) terpretação criativa do conhecimento da arte, adquirido por meio de expe-
riência de crítica
em museu, torna-se essencial. A transformação estimula a
Considerou-se também que nenhuma reprodução de da
crítica
imagem subs- integração dos conceitos inerentes à estética, História da arte e
titui a obra original. Outra questão relevante aluno participante arte. Quando o aluno está envolvido no ato de transformar, ele não copia
o que
sentiu é que não existe uma única leitura da obra, mas cria outra que é base-
mesma obra, ela dependerá ou simplesmente descreve a partir de uma
do objeto e do observador e, principalmente, de sua vivência ada nas percepçõese compreensões que derivam do observar obras no
e nível so-
ciocultural. original. (Ott, 2005, p. 126)
de exposição, é
local de criação do trabalho plástico, sobre reinterpretação das obras
O exercício visual frente ao original, no próprio jcesso
nobre a importância das visitas à Pinacoteca do Estado.
igualmente um fator facilitador para que o aluno adquira o hábito de novas
todos
visitas a espaços de artes, ampliando o público frequentador, algo que O Diário de campo, o mais pessoal dos instrumentos de apoio à inves-
alcançar.
os museus e instituições culturais tanto se esforçam para
ligação foi utilizado durante as aulas de ateliê para anotar e registrar as
informações e percepções, facilitando a construção de um conhecimento
Éparte integrante desta pesquisa o conjunto de imagens dos originais
Inventários is próximo da realidade da pesquisa. Ele permitiu equilibrar a análise,
das obras analisadas do acervo da Pinacoteca, as sínteses dos
elaborados coletivamente, os resultados da realização de um grupo
focal I
otnparando o observado com as outras ferramentas utilizadas. Na pre-
fotográfica das diferentes uente pesquisa, o Diário de campo foi complementado pela Documentação
com nossos alunos, bem como a documentação
respostas poéticas que foram elaboradas a partir de
leituras e interpreta- 'tográfica, um instrumento bastante útil nas atividades desenvolvidas nos
obra discutida. Todo esse material veio a compor ateliês, acompanhando o processo de criação e elaboração das propostas
çõesdiferentes de cada béticas,
em todas as suas fases. Acrescenta-se que, além da documentação
um texto, o Caderno
da obra, construído em colaboração com os alunos
a síntese de todas as pesquisas escritas
fotográfica como uma das maneiras de armazenar os acontecimentos, a
para cada obra, onde se encontra
fotografia foi também utilizada como ferramenta pelos alunos ao foto-
elaboradas durante o processo de leitura, análise e discussão do grupo
de alunos envolvidos no estudo, bem como as imagens das respostas grafarem para facilitar a criação de seus trabalhos, assim como maté-
poéticas deles. Cada caderno é composto de capa com identificação e cia-prima para os exercícios plásticos.
imagem da obra do acervo da Pinacoteca, um breve informe sobre o
Pro- O Relatório de visita didática foi mais
um dos instrumentos utilizados,
jeto do Ensino Médio, dados da vida e da obra do autor (cronologia), nendo preenchido e completado por cada aluno logo após cada visita à
há textos
texto contextualizando o autor e seu tempo. Complementando, Pinacoteca. No relatório houve espaço para o aluno assinalar as novas
leitura
críticos sobre o autor e sua produção, outro discutindo a análise e informações e impressões obtidas ao examinar mais detalhadamente o
da imagem focada, cerca de oito a dez fotografias de reinterpretações original das obras, já que, até então, só havia tido contato em sala de aula
produzidas pelos alunos e, na contracapa, referências e indicações de com ampliações fotográficas. Outras questões foram abordadas neste
textos e sites pertinentes ao assunto do caderno. documento, como a oportunidade de o aluno assinalar que obras que
gostaria de, no futuro, trabalhar em aula, se ele sentiu que houve ou não
mudanças na sua maneira de visitar ou examinar obras no museu e se ele
Os instrumentos de coleta de dados achou que adquiriu o hábito de visitar exposições.
abordadas na realização do grupo focal. Envolviam questões sobre o no Médio do IF SP. Durante todo o processo houve o desenvolvimento
BARBOSA • CUNHA NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS
Figura 3
Figura 2
Reinterpretaçãoda obra O violeiro (1889), de Almeida Jr. (1850-1889).
Reinterpretaçãoda obra da Figura I. André, Cainã, Vivian, Lívia Victor e Ricardo.
Autores: Amanda, Fernando, Karina, Laysa e Giuseppe. Técnica/materiais: colagem,
Técnica/materiais: arame e tecidos
30x26 cm. Foto dos autores fotocópias, papier-mâché, canela, açafrão, urucum e café. 52x70 cm. Foto dos autores
revelam ter uma pré-disposição para adquiri-lo. Em suma, à BARBIER, René. A pesqllisa-ação. Brasília: Líber, 2002.
ao menos,
medida que se interessam mais pela Abordagem Triangular e pela obra, 13ARBOSA, Ana Mae. A illiagelll no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva, 2005a.
ao pesquisar, entendem melhor e perdem o medo e a inibição, passando .
de cadernos, para o próprio uso, assim como para os amigos e parentes São Paulo: Cortez, 1999.
Pinacoteca ou de qualquer outro museu. Embora a visita a um espaço de Arte-educação:leitura no subsolo. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 113-141.
arte ser
uma ótima atividade, ela nãoé a única possibilidade de trabalho. PILLAR, Analice D. (Org.). A educaçãodo 0111ar no ensino das artes. 4. ed. Porto
Aliás, não há necessidade nem de que as figuras tratadas sejam obras de Alegre: Mediação, 2006.
arte. Podem ser outros tipos de imagens,
como fotografias ou peças de ROSSI, Maria Helena Wagner. Imagens qllefalam: leitura da arte na escola. 3. ed.
publicidade como anúncios de revistas outdoors. Talvez esta sejaa maior
ou
Porto Alegre: Mediação, 2006a.
contribuição deste trabalho aos professores.
A compreensão do desenvolvimento estético. In: PILLAR, A. D. (Org.).
.
A educaçãodo olhar no ensino das artes. 4. ed. Porto Alegre: Mediação, 2006b.
Referências bibliográficas THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
de
ZAMBONI, Silvio. A pesqllisa em arte. 3. ed. Campinas, SP: Autores Associados,
ARSLAN, Luciana Mourão; IAVELBERG, Rosa. Ensino arte. São Paulo:
2006.
Thomson, 2006.
curso de especialização em Arte-educação, ambos ofertados pela Univer- Embora tenhamos utilizado caminhos da Abordagem Triangular
os
sidade Federal de Pelotas (RS),
momento em que entramos em contato em várias disciplinas que lecionamos, passaremos a descrever especifi-
com autores como Herbert Read, João Francisco Duarte Jr., Ana Mae camente o que ocorreu com a disciplina de História da Arte.
Barbosa. Fundamental, dentre uma série de livros a que passamos a ter
acesso, foi A imagem no Ensino da Arte (Barbosa, 1979).
História da Arte e a Abordagem Triangular
Naquela época, fomos "atravessados" pela então chamada Metodo-
logia Triangular, uma vez que, na universidade, não havia uma abordagem
A disciplina de História da Arte, de duração semestral, está inserida
ou encaminhamentos metodológicos que nos auxiliassem em nossa futu-
no primeiro módulo dos currículos dos cursos técnicos de Programação
ra prática pedagógica. Embora cada
um lecionasse em contextos diferen-
tes,
nossa prática procurou fundamentar-se na Abordagem Triangular. 1. IFSul—
a Instituição tem passado por transformações ao longo dos anos e recebido diversas
Mais tarde, tivemos a grata satisfação de ingressar como professores denominações: Escola Técnica de Pelotas (ETP), Escola Técnica Federal de Pelotas (ETFPel), Centro
Federal de Educação Tecnológica de Pelotas (Cefet/RS) e, atualmente, Campus Pelotas do Instituto
efetivos no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio- Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Riograndense (IFSul).
CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO CULTURAS VISUAIS
314 BARBOSA •
o inesperado, a
Visual e Design de Móveis do IFSul em conjunto com outras disciplinas,
e, surpresa eo encontro entre prática e teoria, no ensino de
fundamenta e dá suporte teórico e conceitual para os trabalhos desenvol- História da Arte.
vidos nos projetos finais destes cursos: Mobiliário no curso de Design de Quanto aluno um sujeito capaz de efetuar leituras mais
a tornar o
Móveis e Identidade Visual de Empresas, Design de Embalagens e Pro- aprofundadas da arte e de sua cultura, colocamos,
primeiramente, um
dutos de Comunicação Visual (folders, cartazes, banners, outdoors etc.) no peso muito grande na leitura de imagens. O momento em que esta leitu-
curso de Programação Visual. ra deveria entrar no processo, porém, constituiu-se em
um problema. A
leitura das imagens acabava
Não obstante a disciplina já constasse no currículo do curso, tivemos por influenciar a produção dos alunos, que
a mobilidade da escolha dos conteúdos, optando pela Arte Moderna e se constituía muito mais de cópias do que de releituras.2
Contemporânea. Um dos problemas enfrentados foi: como dar conta de Tentando evitar a cópia, buscou-se priorizar nas aulas o fazer artís-
um conteúdo tão vasto em tão pouco tempo?
Se
para o sistema anual já era tico dos alunos. Era escolhido um processo de cada "linha"
para que o
um problema, como fazê-lo em apenas um semestre? Além
disso, quais os
aluno pudesse vivenciar ao longo do semestre. O momento em que a
criativo em Design?
processos criativos em Arte relevantes para o processo leitura de imagens, relatos pessoais do artista,
críticas de Arte e dados
utilizan-
Na tentativa de podermos agilizar o processo, continuamos históricos entravam, passaram a variar de acordo com o Artista ou mo-
do a sistemática do livro História da Arte Contemporânea de Renato de vimento a ser estudado. Passando primeiro pelo
processo para depois
Fusco (1987), em que o autor não trabalha a História da Arte de forma exercitar a leitura conseguiu-se, de certa forma, evitar a cópia.
temporal, porém agrupa movimentos e artistas diversos nas chamadas
"linhas" filosóficas. Exemplo disso sãoo Realismo Expressionista de Kãthe
Kollwitz e a Arte Pop de Jasper Johns; ainda que tenham ocorrido em Uma aula
espaço e tempo distintos, estão organizados na mesma linha da Arte Social.
Para explicar mais detalhadamente nossa prática pedagógica, des-
Algumas questões nos afligiam: como deveria ser o processo de
ensino-aprendizagem de Arte dentro de um curso de Design? Como tor- creveremos a maneira como trabalhamos a compreensão, por exemplo,
do Surrealismo. Antes de trabalhar os conteúdos sistematizados
nar o aluno um sujeito capaz de efetuar
leituras mais aprofundadas da por di-
ferentes autores para caracterizar este movimento, propúnhamos ativi-
arte e de sua cultura? Como se daria o processo de criação em Arte de
sala de aula? dades como "brincadeiras" e jogos cênicos. O objetivo desses jogos era
alunos/ designers em
trazerà tona conteúdos inconscientes dos aprendizes assim como de seu
Observamos que Ensino da Arte costumava partir de algum texto
imaginário, utilizando conceitos da Psicanálise freudiana, de forma simi-
acadêmico ou da análise de imagens das obras de arte produzidas em
lar como era usada pelos surrealistas, em
algum período determinado. Para romper com essa estrutura, que se sua tentativa de conjugar sonho,
arte e realidade. Procuravam, através do jogo, criar
baseava em pura transmissão dos conteúdos, propusemos ações em que não uma realidade
é, participassem possível, mas desacreditar a realidade, tornando-a impossível como
os aprendizes fossem chamados a entrar no "jogo", isto
—
de aprendizagem. no Surrealismo, onde encontramos cenas que não estão de acordo com a
ativamente da aula para que se efetivasse processo
o
Os aprendizes tinham sempre uma expectativa em relação aos encami-
2.
Para Pillar (2003, p. 18), a cópia "diz respeito ao aprimoramento técnico,
sem transformação,
nhamentos de cada encontro, pois a estrutura da aula e as estratégias em sem interpretação, sem criação". Na releitura, por sua vez, "há transformação, interpretação, criação
relação ao envolvimento com os conteúdos mudavam sempre. Essas ca- com base num referencial, num texto visual que pode estar explícito ou implícito na obra final'
racterísticas das aulas introduziam elementos novos para os aprendizes: Nesse caso, não se busca a reprodução de
uma imagem, mas a criação.
316 • CUNHA A ABORDAGEM NO ENSINO om»
lógica da consciência, mas sim dizem respeito à arbitrariedade do incons- de aula, realizavam o
que se denominou "Poética Visual", que consistia
ciente, quando livre da
razão. Tentávamos fazer com que os aprendizes na escolha de um período artístico (estudado anteriormente não), ou um
experimentassem algo desconhecido, de caráter alucinatório. tema um tipo de material ou técnica. A escolha ocorria na metade do
e
Ao estimularmos o aprendiz a experimentar e depois refletir sobre semestre e, a partir daquele momento, os aprendizes
começavam a de-
a forma de estruturação e definição dos elementos da linguagem artística, senvolver trabalhos práticos, a cada semana. Cada aprendiz desenvolvia
oito trabalhos
provocávamosuma desarticulação na maneira tradicional de fazer cone- com características do movimento artístico escolhido pre-
xões entre eles, possibilitando a pluralidade de sentidos. As possibilidades viamente. Era necessário, para que ocorresse um acompanhamento sis-
de cruzamento de imagens nos sonhos são infinitas e permitem a geração temático, que eles apresentassem seus trabalhos,
ao longo da metade do
de novas percepções. semestre. Assim, no decorrer das atividades, iam ajustando
suas obras, a
partir das orientações.
Como próximo passo, estudávamos o Surrealismo através das obras
de outros artistas, traçando paralelos com todas as atividades a ele rela- Paralelamente a essa atividade, desenvolviam uma monografia con-
cionadas que haviam sido realizadas em aula. Depois disto, apresentáva- tendo uma revisão bibliográfica sobre a prática dos artistas daquele
mo-
vimento artístico que haviam escolhido e uma reflexão sobre as
mos aos aprendizes um texto com con teúdos sistema tizados por historia- suas
dores da arte sobre o Surrealismo. Acreditávamos ser importante trazer próprias obras. A monografia deveria estar dividida em: página de rosto,
tal texto para que eles entrassem em contato com o conhecimento produ- sumário, introdução, desenvolvimento, conclusão, bibliografia e
anexos.
zido pela sociedade sobre esse "movimento artístico", inclusive abrindo O desenvolvimento deveria ser composto análise da vida de
por: um
caminhos para discussões sobre concepções diferentes e olhares distintos. artista que aprendiz julgasse significativo para seu trabalho; análise de
o
obras de arte produzidas dentro desse movimento artístico (em termos
Finalizando,propúnhamos uma atividade de pintura, onde cada um
sociais, subjetivos, críticos, históricos), com esquemas gráficos de leitura
deveria representar plasticamente elementos de seu imaginário. O traba-
formal (leitura dos elementos da linguagem visual:
lho era realizado em um suporte formato A3, com material previamente cor, linha, equilíbrio
etc.) leitura dos seus oito trabalhos (contextualizada
e
escolhido (tinta acrílica, lápis de cor etc.). e com esquemas
gráficos de leitura formal).
Quando expúnhamos essas etapas para o desenvolvimento dos con-
Em um dia predeterminado, os aprendizes
teúdos, tínhamos a intenção de envolver nossos aprendizes, estimular montavam uma exposição
com todos os trabalhos de sua Poética Visual, defendendo-a oralmente.
suas potencialidades e seu poder de criação e proporcionar-lhes a opor-
tunidade de vivenciar as experiências de uma produção Surrealista hoje, A defesa oral era considerada de suma importância, pois, naquele mo-
mento, o aprendiz tinha a possibilidade de mostrar, aos outros colegas e
não nos limitando somente a um olhar para o passado.
à comunidade escolar, como havia estruturado seu trabalho, quais ele-
Mas um problema ainda afligia. Onde ficava a própria produção do
mentos haviam sido mais significativos para ele, além de poder responder
aluno?
a dúvidas que poderiam surgir por parte dos espectadores. Depois disso,
entregavam a monografia.
Poética Visual Em alguns semestres, dependendo do tempo despendido para a
realização das atividades, propúnhamos outros exercícios correlatos.
Na segunda metade do período escolar, concomitantemente aos Dentre eles, citamos a criação de um livro didático
para crianças, relacio-
exercícios de cada "linha" pelos quais os aprendizes passavam em sala nado ao conteúdo escolhido pelo aluno para o desenvolvimento de sua
318 319
Poética Visual. Esse livro deveria conter atividades lúdicas, onde as crian• As ideias a seguir constituem-se em achados ao
que pontuaremos
ças "descobrissem" o conteúdo de História da Arte através dos jogos, desses anos:
breves comentários sobre o movimento artístico escolhido e a vida de um aprendizagem;
•
o prazer é mobilizador da
artista a ser ilustrado por algumas de suas obras. •
os desafiosproporcionados pelas atividades pedagógicas são
motivadores do processo de aprendizagem;
Considerações
finais as trocasque se estabelecem entre os envolvidos no processo
•
nos alunos, como também contagiado outros colegas que conosco foram
atingidos pela Abordagem Triangular. Alguns professores que conosco
trabalharam deram o depoimento de que, após terem vivenciado o pro- Referências bibliográficas
cesso conosco, passaram a adotar em outras escolas nossa forma de tra-
13ARBOSA, Ana Mae. A imagenl no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 1979.
balhar a Abordagem Triangular.
(Org.). Arte-edllcação:leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 1997.
Após muitos anos investigando, analisando nossas práticas pedagó-
gicas e estudando inúmeros teóricos da Arte, da Educação, da Filosofia e BARBOSA, A.; GUINSBURG, J. O pós-modernismo. São Paulo: Perspectiva, 2005.
da Semiótica, pensamos que podemos apresentar algumas ideias,
que CERTEAU, M. A illvençño do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1998.
julgamos apropriadas e possivelmente úteis para educadores que, como
DELEUZE, G.; GUATTARI. E O que éfilosofia.São Paulo: Editora 34, 1996.
nós, trabalham com História da Arte, influenciados pela Abordagem
Triangular e que procuram desenvolver um trabalho de relevância. DELEUZE, G. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1998.
320 BARBOSA • CUNHA 321
Anpap, 1993.
Porto Alegre: UFRGS/
4
PILLAR, Analice Dutra (Org.). A edilcaçãodo 0111ar no Ensino das Artes.
1. As disciplinas
são ofertadas para o Curso de Licenciatura em Artes Visuais (CLAV), do Cen-
tro de Ciências Humanas Letras de Artes (CCHLA/UFRN).
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS
a todos os pontos ou tópicos de conteúdo das disciplinas. No entanto, em temporânea, em que pude conciliar minha própria aprendizagem do
todos os momentos, a exploração dos conteúdos possui um eixo de atra- assunto e o esforço paralelo em fazer o alunado introduzir-se no mesmo
de modo profícuo. A experiência melhor sucedida se deu no primeiro
çãoou de expansão constituído em torno da pesquisa. Inicialmente, uti-
lizar a pesquisa
como eixo estrutural do processo pedagógico também semestre de 2007,quando estudamos a arte conceitual. Naquela oportu-
objetiva aproximá-lo da triangulação a que se submete o sistema acadê- nidade discutiram-se as inter-relações entre produção artística e teoria da
mico da Universidade, qual seja, a que envolve o ensino, a pesquisa e a arte, assim
como a necessidade de o artista desenvolver um discurso
extensão. Informo que não tenho praticado de extensão oriundas
ações sobre sua obra e sobre seus processos criativos.
do ensino, o que deverei encetar a partir de 2010, junto ao Núcleo de Arte Encaminhei o estudo, começando pelo lado da crítica de arte, tendo
e Cultura (NAC /UFRN), em um projeto de mediação a ser desenvolvido
como objeto de análise a obra Ipso facto:ecce 1101110, readymade do artista
na Galeria Conviv'art, que funciona sob responsabilidade deste Núcleo. Ilkes Peixoto, apresentada
no X Salão de Artes Visuais da Cidade do Na-
Por outro lado, percebo como de fundamental importância que o aluno, tal, do qual eu havia sido curador em parceria artista Ricardo Ve-
com o
por definição futuro professor de Arte, compreenda o ensino e a apren- riano. A obra consistia em três fogareiros artesanais de tamanhos diferen-
dizagem como situações de pesquisa, o que também se aplica à prod ução feitos
com latas de óleo, adquiridos pelo artista numa feira de
tes,
artística.
Parnamirim (RN). Interpretações variadas surgiram da análise feita pelos
Consideradas estas linhas gerais, a relatar experiências
passo com a alunos e tenderam a tomar os objetos como "representações", inclusive
Abordagem Triangular levadas a efeito em cada uma das disciplinas representações dos três Reis Magos. Mas as condições de criação da obra
acima listadas, no intuito de explicitá-las em sua aplicação. ensejaram maiores debates. Ou seja, a apresentação de objeto pronto
(readymade), não manipulado pelo artista e como obra sua, feria literal-
de arte que os alunos possuíam. Num movimento diacrô-
História das artes III
mente a
noção
nico, foi feita
uma pesquisa bibliográfica sobre o dadaísmo e, particular-
Sintomaticamente, o primeiro projeto de pesquisa que desenvolvi mente, sobre os empreendimentos protoconceituais de Marcel Duchamp,
levando o estudo da discussão crítica ao lado da História da Arte. To-
como acadêmico procurava historiar a prática da crítica de arte em Natal.
O viés histórico da pesquisa tornou-se, desde então, fundamento teórico mando-se Duchamp como antecessor do conceitualismo, o estudo sobre
e metodológico de meu trabalho, embora, até hoje, reluto em assumir o movimento da arte conceitual foi feito com base numa pesquisa com-
pessoalmente o caráter de historiador. Quando me vi na iminência de plementar de textos e de imagens na Internet, orientada pela leitura de
ministrar disciplinas de História da Arte fiquei duplamente tocado, ven- Lucie-Smith (2006) e de Archer (2001).
do naquele desafio a oportunidade de aprofundamento, ao tempo em que As leituras
feitas puderam, em sua abordagem histórica, descritiva
me assomava uma grande insegurança. Naquele momento, a ascendência e crítica,redimensionar a noção de arte dos alunos e lhes dar uma visão
intelectual da professora Ana Mae Barbosa que, ainda em 1984, me havia panorâmica da criação artística de caráter conceitual. As notícias de ordem
iniciado na pesquisa da História do Ensino de Arte, como que me salvou, internacional dadas foram então complementadas pela leitura de Canton
fim de retornar à relação arte/ teoria, o exercício teve como motivação a Com a criação do CLAV e da disciplina de Crítica de Arte, pelo Deart,
leitura e discussão de textos de Sol LeWitt (2006) sobre arte conceitual.
rgiu a estimulante oportunidade de operar diretamente com esta
açào
A avaliação do processo consistiu na apresentação de cada trabalho a rtística. Isto
ocorreu no segundo semestre de 2008, momento em eu que
pelos seus autores, seguida da discussão por seus pares e com a minha experimentava procedimentos pedagógicos baseados na Abordagem
participação. A discussão propiciou o retorno ao lado do triângulo de li•iangular com outras disciplinas, já de forma sistemática. A princípio,
conteúdos referente à crítica de arte. Com isto, fechou-se o envolvimento como pude rever no programa elaborado para a disciplina, não incluí
dos três lados da triangulação, segundo a articulação que pudessem caracterizar ou ensejar uma experiência de triangu-
com a pesquisa. ações
Na análise das apresentações, teve-se em vista a coerência entre os lação no item "Metodologia" do formulário padronizado pelo Deart.
conceitos eleitos Somente no decorrer do semestre é que, então também considerando a
as soluções teórico-formais para a confecção das obras.
e
discussão objetiva sobre a proposta
Outro ponto focalizado foi a amplitude e a profundidade do próprio com os alunos, desenhou-se a trian-
discurso verbal desenvolvido gulação, conceituando a escritura crítica como ato produtivo artístico.
por cada aluno, dos objetivos colocados
um
no início dos estudos. Em geral, os trabalhos realizados deram uma res- Logo no início das aulas, a leitura de Argan (1988, 1994)
deixou bas-
posta satisfatória às pesquisas e debates anteriores, especialmente em tante evidentes interfaces observáveis entre história e crítica de arte,
relação às ligações da arte conceitual com a linguagem verbal e ao pro- mormente no fato de que suas escrituras se produzem segundo uma
blema da materialidade e da longevidade/ efemeridade das obras. alimentação recíproca. Desta forma, compreendeu-se que seria imprati-
Considero ainda como resultado destes estudos sobre arte conceitu- cável fazer crítica de arte sem recorrer ao contexto da história da arte e
al vice-versa, além de que, nas duas formas de escritura sobre arte, o juízo
a seleção da obra de Leandro Garcia, um dos alunos, para o XI Salão
de Artes Visuais da Cidade do Natal, em dezembro daquele crítico constitui elemento comum e capaz de limitar as diferenças que se
ano de 2007.
possam definir entre as duas (Argan, 1994, p. 16). Tal conectividade entre
as duas formas de
açãoartística fazia coincidir não apenas dois lados do
Crítica de arte triângulo de conteúdos, mas todos os três, pois se compreendeu, também,
que a escritura crítica consiste num ato criativo ou, mais objetivamente,
A prática da escritura crítica é uma das atividades com que venho num ato de produção artística, próxima das poéticas literárias. Desta
trabalhando na formação de professores de Arte há bastante tempo, mais forma, vi
com os alunos que, ao produzirmos nossos textos críticos, está-
ou menos desde quando se começou a apregoar as qualidades pedagó- vamos produzindo arte, pesquisando, discutindo ou fazendo história da
gicas da leitura de imagens em sala de aula, apelo claramente associado arte e, a princípio, fazendo crítica de arte, obviamente.
à Abordagem Triangular. Em disciplinas como Evolução das Artes Visu- Oentendimento da escritura crítica como produção artística, inclu-
ais,Fundamentos da Arte na Educação e, principalmente, Fundamentos sive no sentido de ser
uma extensão ou continuidade da obra analisada,
da Linguagem Visual I, do currículo do então Curso de Licenciatura
em nos foi reforçado na medida em que avançávamos no estudo histórico da
Educação Artística habilitaçãoem Artes Plásticas, eu introduzia práti-
—
sionista. No entanto, ao lermos Greenberg (1996) e tomarmos contato com companhia e, dispersarmos, fizemos uma discussão a fim de
antes de nos
sua abordagem de caráter ora formal, ora histórica, vimos que os compo- definir consignas para a redação dos textos críticos sobre os salões. Uma
nentes pessoais do texto crítico continuam a exigir, na contemporaneida- delas consistia na confrontação de opiniões próprias com critérios oriun-
de, a coparticipação de
operações racionais só que mais próximas do que (los das leituras feitas
na disciplina. Talvez a que mais tenha ensejado
se convenciona como científicas. Assim, a crítica de arte discussões relacionava-se com o conceito de arte contemporânea, dada a
é um espaço de
expressão e reflexão sobre a experiência pessoal. presença de obras realizadas com meios e temáticas "tradicionais", inclu-
Uma discussão em particular disse respeito à relação entre a escri-
"ive
no Salão Abraham Palatnick, destinado a premiar prioritariamente
crítica obras experimentais ou de arte tecnológica.
tura e o público a que se destina. A noção
de crítica de arte publi-
cada na grande imprensa predominava a princípio. Notícias sobre Já em sala de aula, apósa leitura que fiz dos textos criados, a discussão
os
estudos críticos, estes precedentes da Abordagem Triangular, trouxe a realizada tendeu mais para a avaliação técnica dos textos do que para seus
informação sobre publicação em periódicos especializados, em catálo-
a conteúdos, uma demanda do próprio grupo de alunos. No entanto, foi
gos (textos curatoriais) e, particularmente, pela chamada crítica acadê- possível isolar pontos de importância para o fechamento da triangulação
mica. Um de conteúdos.
consenso direcionou os trabalhos seguintes no sentido de se
exercitar escritura conforme parâmetros da crítica acadêmica, conside-
a A avaliação técnica ponderou sobre algum avanço na redação dos
rando-se o conceito de mediação e a abertura textos, não obstante a pequena incidência de textos mais ambiciosos em
para composições críticas
de feição poética. termos literários ou mesmo de alcance teórico. Em termos gerais, o tipo de
Seguindo estes pressupostos, a prática da escritura crítica baseou-se crítica utilizado pelo grupo pode ser caracterizado como descritivo, perma-
na observação de obras em exposições na cidade (Natal-RN). Após as
necendo em um nível elementar de escritura, revelando o problema peda-
visitas, algumas feitas em grupo gógico que é a dificuldade do alunado no trato com a linguagem escrita.
e em minha companhia, os alunos escre-
viam e me entregavam seus textos para que eu os lesse. Na minha leitura, Aspectos institucionais mereceram atenção nos textos, quando estes
eu organizava os tópicos a serem discutidos em sala em categorias rela- estiveram preocupados em debater as formas de montagem das mostras
tivas aos lados da triangulação de conteúdos. Desta forma, fazíamos e relações com a curadoria, esta entendida como a seleção e premia-
suas
conservadora da opinião dos alunos, critérios de avaliação baseados na e discussão teórica numa disciplina prática não foi boa. Porénn, na
densidade conceitual ou no caráter processual das obras, de ação, interven- da em que os estudos evoluíam, eles foram compreendendo a innportân•
ção e interatividade,foram definidos como os mais importantes. cia da reflexão crítica feita
e teórica em paralelo
à prática artística, o que
Ao final da disciplina, as conclusões a que chegamos incluíram con- veio facilitar a introdução à pesquisa em arte, esta desenvolvida a partir
siderações sobre as possibilidades de adequação da Abordagem Triangu- do segundo módulo da disciplina.
lar a diversas situações de Ensino da Arte teórico ou prático, orientando As leituras de caráter histórico, exigidas
de todos os alunos, tivera no
aplicações pelos alunos em continuidade nos textos de Baudelaire (1996) e de Herbert Read
suas futuras ações pedagógicas. Em termos
imediatos, os alunos revelaram ter aproveitado os estudos principalmen- uma contribuição para a fixação de conceitos como os de transgressáo,
te
em função de suas próprias experiências como fruidores de arte e, em composição e de modernidade/ contemporaneidade. Outras leituras,
alguns casos, como artistas. Para eles, o
estudo da crítica de arte foi capaz foram feitas individualmente a fim de auxiliar a produção e sua contex„
de ampliar seus aportes às obras artísticas, no tualização, incidiram sobre a teoria da cor, o classicismo, o impressionis-
que se incluíam meios de
mo e suas técnicas, o expressionismo como estilo gráfico e pictórico, o
análise, maior liberdade
para o desenvolvimento de interpretações e a
consequente elasticidade na aferição de sentidos. construtivismo e a arte concreta. Em referência às técnicas, os alunos
vantaram diversos manuais que foram compartilhados entre eles, a fim
de ampliar as orientações e sumarizações que eu fazia como encaminha-
Pintura I mento para as atividades práticas em sala.
Durante os dois primeiros módulos, o acompanhamento individual
No segundo semestre de 2009, procurei repetir experiências anterio-
e as explanações para o grupo foram sedimentando e orientando para o
res com a disciplina Pintura I, porém fazendo
uma melhor articulação exercício de pesquisa em arte. Ao mesmo tempo, foi-se construindo e se
dos lados do triângulo de conteúdos pesquisa. Desde o planeja-
com a
fixando o conceito de produção em pintura como experimentação (pes-
mento da disciplina, eu já pusera o uso de portfólios individuais como
quisa) constante. Isto levou, em certos casos, ao uso de técnicas mistas
artefato pedagógico capaz de operacionalizar,pelo aluno, a triangulação. até fotografia
em que se incluíram materiais não específicos de pintura e
Ou seja, o portfólio seria caracterizado como construção crítica e, ao mes-
e infografia.
mo tempo, extensão da obra requerida como trabalho final da disciplina,
exploração do lado da crítica de arte foi muito enriquecida pelos
A
segundo procedimentos introdutórios à pesquisa em arte.
exercícios de redação sobre algumas exposições de pintura visitadas,
Pela sua ementa, a disciplina de Pintura I constitui
um estudo prá- especialmente a da artista Selma Bezerra, que nos recebeu na galeria e
tico de pintura com base na exploração técnica de meios hídricos (aqua-
discorreu sobre o seu processo criativo que incluía acaso e participação
rela,guache e acrílica). Com isto, já a partir da primeira sessão de aula,
voluntária ou não de anônimos. A explanação da artista foi muito positi-
foram introduzidas técnicas elementares de aguadas com aquarela, mas,
va em termos de deixar os alunos mais à vontade em termos de
relatar e
ao mesmo tempo, foi encaminhada uma discussão histórica que envolveu discutir
por escrito o processo de sua própria produção em seus portfól iOS.
os conceitos de desenho, pintura e composição (síntese entre desenho e
Evidencie-se que as leituras preparatórias para a pesquisa em arte,3 que
cor),baseada na leitura de compilação de textos feita por Jacqueline
Lichtenstein (2006) e de
um texto de Paul Klee (2001). A reação
inicial 3. Foram feitas leituras de textos contidos
nas obras sobre pesquisa em artes plásticas organizar
dos alunos, do segundo período do curso, diante da inclusão de leituras das por Analice Dutra Pillar (1993) e por Blanca Brites e Elida Tessler (2002).
330 BARBOSA • CUNIIA A ABORDAGEM NO INSINO S I VISUAIS
não mereceram uma discussão mais aprofundada, não foram imediata- Referências bibliográficas
mente esclarecedoras sobre como eles deveriam proceder desde a formu-
lação de um projeto de pesquisa em arte e sobre a seguinte articulação ARCHER, Michael. Arte contenlporânea: uma história concisa. Trad. Alexandre
sincronizada de produção, reflexão crítica e contextualização histórica. Krug e Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
Somente aos poucos os portfólios começaram a ganhar maior densidade ARGAN, Giulio Carlo. Arte e crítica de arte. Trad. Helena Gubernats. Lisboa:
e pertinência, tendo havido casos em que alguns alunos não conseguiram tampa, 1988.
chegar ao que se pretendia, mesmo considerando a natureza introdutória
ARGAN, Giulio Carlo; FAGIOLO, Maurizio. Guia de história da arte. 2. ed. Trad.
da experiência.
M. F. Gonçalves de Azevedo. Lisboa: Estampa, 1994.
Os trabalhos finais, assim, compuseram um conjunto bastante irre-
BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade: o pintor da vida moderna. Rio de
gular em termos da simultaneidade de procedimentos requeridos. No Janeiro: Paz e Terra, 1996.
entanto, os trabalhos práticos, sobre os quais os alunos, de fato, incidi-
BRITES, Blanca; TESSLER, Elida (Org.). O ponto zero: metodologia cia
ram mais firmemente sua atenção, mostraram resultados bem razoáveis
pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Universidade/ UFRGS, 2002.
tendo em vista a sua geral incipiência. Posso afirmar também foi
que
possível fazer-se aceitar que a produção artística requer conhecimento C ANTON, Kátia. Novíssñna arte brasileira: um guia de tendências. São Paulo:
teórico, histórico e crítico. Para tanto, Iluminuras, 2001.
eu mesmo desenvolvi, ao mesmo
tempo que eles e na companhia deles,
um projeto de pesquisa em arte DIDEROT, Denis. Ensaios sobre a pintura. Trad. e apresentação Enid Abreu DOD
sobre a relação entre arte e teoria bránszky. Campinas: Papirus/Editora da Unicamp, 1993.
que resultou na exposição "Palavra
pintada", mostrada em Mossoró (RN), entre dezembro de 2009 e janei- FREIRE, Cristina. Poéticas do processo: arte conceitual no museu. São Paulo: Ilu-
ro de 2010. minuras, 1999.
As experiências acima relatadas constituem um esforço pessoal em GREENBERG, Clement. Arte e cilltllra: ensaios críticos. Trad. Otacílio Nunes. Sào
validar aplicações efetivas e quiçá eficientes da Abordagem Triangular Paulo: Ática, 1996.
na formação de professores de Arte, apelando para adaptações e variações Trad. Pedro Süsseking. Rio de
KLEE, Paul. Sobre a arte 1110derna c outros ensaios.
que venham torná-las também pertinentes, em acordo com as diretrizes Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
do Projeto Político Pedagógico do CLAV, tendo em vista ainda a vigência
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). A Abordagem Triangular LEWITT, sol. Parágrafos sobre arte conceitual. In: FERREIRA, Glória; COTRIM,
Cecília (Org.). Escritos de artistas: anos 60/70. Trad. Pedro Süssekind et al. Rio de
tem sido utilizada em muitos casos de modo negligente ou ingênuo,
Janeiro: Jorge Zahar, 2006a.
conforme me fazem perceber os relatos publicados e, particularmente,
aqueles enviados para os concursos promovidos pelo Projeto Arte na Sentenças sobre arte conceitual. In: FERREIRA, Glória: COTRIM, Cecília
.
(Org.). Escritos de artistas: anos 60/70. Trad. Pedro Süssekind et al. Rio de Janeiro:
Escola, alguns dos quais pude analisar como jurado em 2008. Tal leitura
fez Jorge Zahar, 2006b.
me entender que a Abordagem Triangular, em suas potencialidades
é um meio de organização pedagógica capaz de oferecer respostas a mui- LICHTENSTEIN, Jacqueline (Org.). A pintllra: textos essenciais. O desenho e
tas questões teórico-metodológicas do Ensino de Arte, em face das cor. Trad. Magnólia Costa. São Paulo: Editora 34, 2006. v. 9.
mu-
danças efetivadas nos universos artístico e educacional contemporâneos, LUCIE-SMITH, Edward. Os 1110vi111entos artísticos a partir de 1945. Trad. Cassia
inclusive absorvendo ou descartando modismos. Maria Nasser. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
332 BARBOSA • CUNHA 333
PILLAR, Analice Dutra et al. Pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Editora da
Universidade/ UFRGS/ Anpap, 1993.
READ, Herbert. Uma história da pintura moderna. Trad. Ivone Castilho Benedetti.
São Paulo: Martins Fontes, 2001.
RICHARD, André. A crítica de arte. Trad. Naria Salete Bento Cicaroni. São Paulo:
Martins Fontes, 1988.
Figura 2
Livros de Artista das estagiárias (acima) e dos artistas Daniel Buren e Manoela Afonso
Livros de Artista de Marilyn Goodrich, Waltércio Caldas (acima), manicure fotografou as mãos de todos os colegas para compor o seu Livro.
Marinês Spagnol e Lia Braga (abaixo)
A proposta promoveu um misto de criticidade, criatividade e desen-
volvimento do pensamento estético. Assim, contribuiu como instrumen-
NO IA%INO S
to
para a compreensào e visão crítica do cotidiano,
uma das linhas noc„
leadoras da Educação de Jovens e Adultos.
Ao entrar em contato conj
produções artísticas de modo significativo, o aluno amplia
sua capacida-
de crítica, estabelecendo relação de
uma aprendizagem com a arte. Poc
isso consideramos a relevância da Abordagem
Triangular no Ensino da
Arte: a integração do fazer artístico, da leitura e da
contextualização
porcionou reflexões, comparações e reconstruções de conceitos sobre a rte,
Considerações
sobre o projeto
Figura 7
e da
a valorização do material já descartado, do reaproveitamento
isso ajuda o aluno a com-
preocupaçãocom o meio ambiente. Penso que
preender criticamente o seu mundo.
linguagem
A expressão individual de cada aluno, embora numa
visual simples, foi significativa. Eles manifestavam entusiasmo e empe-
pintar o que ha-
nho nas atividades de desenho e pintura. Desenhar e
bitava o imaginário foi atribuir um novo significado ao
meio e aos ob-
projeto
jetos do cotidiano escolar. Ressignificar foi a palavra-chave no
Olhar e Ver. E aprender a respeitar o (seu) patrimônio escolar ecomu-
Jones, sentindo-se
nitário e a preservar a história da Escola Melvin
firmado pelos alunos e a dis-
parte dessa história, foi um compromisso
ciplina Artes.
Figura 9
Alunas trabalhando nos painéis. Abaixo, à esquerda, um painel já colocado no átrio
Figura 8 Figura 10
Painéis colocados no átrio de ligação entre os dois prédios da escola
Alunos elaborando os painéis
CUNHA A ABORDAGEM NO ENSINO DAS
BARBOSA • ARIES CULTURAS VISUAIS 347
346
sobre o projeto
Considerações
Ao observar o processo do estágio, pude perceber que os estudantes
foram aos poucos demonstrando maior respeito e interesse pela discipli-
na Artes. Poder usar a fotografia e o vídeo como linguagens artísticas para
expressar e comunicar ideias e visões de mundo foi decisivo nessa mu-
dança. Em outras palavras, eles sentiram-se protagonistas; autores com
algo a dizer. Talvez esse projeto tenha lhes permitido desenvolver uma
nova percepção da realidade, o que, segundo Ellen Dissanayake, se cons-
titui em uma das funções da arte. Para a autora, a arte "exercita e treina
nossa percepção da realidade" (apud Chalmers, 2003, p. 77). Os estudan-
tes prestaram atenção em alguns aspectos de sua cultura, como a arqui-
Figura 12
tetura, a paisagem natural da localidade, os moradores, e os ressignifica- Produção fotográfica dos alunos
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM NO CULTURAS vtstmts
350
ram pela linguagem da arte. Coisas do seu cotidiano, banais, foram (re)
vistas e (re)conhecidas
por meio da arte. Os diálogos com pessoas da
comunidade, a observação das mãos dos agricultores que ali vendiam
seus produtos, a interação significativa proporcionaram a motivação e os
referentes para sua produção artística. Enfim, na costura entre vivido e
o
a teoria, a contextualização e a leitura de imagens engendraram fazer
um
artístico com significado para os estudantes. E quando a disciplina Artes
permite que os estudantes se reconheçam como parte constitutiva da vida
da comunidade, "enaltecendo-a e perpetuando-a" (ver Chalmers, 2003,
p. 139-142) pela linguagem artística sem descuidar do diálogo com o
—
Considerações
finais
Figura 13
Produção fotográfica dos alunos Ao defender um currículo integrado a partir de ideias e não de
—
Figura 14
Lembrando de Paulo pode-se dizer que os relatos dos estagi-
Freire,
Exposição de fotografias, vídeos e textos produzidos pelos alunos ários mostram que o movimento do mundo à palavra [que substituo por
352 BARBOSA • CUNHA 353
Como bem disse Christina Rizzi: "a Abordagem Triangular não in-
dica um procedimento dominante ou hierárquico na combinação das
conceito de
várias
açõese seus conteúdos. Ao contrário, aponta para o
enfatizando,
pertinência na escolha de determinada
açãoe conteúdos 6
sempre, a coerência entre os objetivos e os métodos"
(2002, p. 69). Nos
projetos de estágio, eleger o quê, o como e o porquê,com essa pertinência
e coerência, não é tarefa fácil, mas necessária.
ABORDAGEM TRIANGULAR E AS ESTRATÉGIAS
DE UM EDUCADOR SOCIAL
Referências bibliográficas
2003.
CHALMERS, F. Graeme. Arte, edilcación y diversidad cultural. Barcelona: Paidós,
EFLAND, Arthur D. Cultura, sociedade, arte e educação em um mundo pós-mo- No curso da realização de uma pesquisa com a finalidade de inves-
derno. In: A compreensão e o prazer da arte. Anais... São Paulo: Sesc, 1998.
tigar como a arte se insere nas Organizações Não Governamentais
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler enl três artigos que se complelllentanl. São
um dos assuntos problematizados foi a metodologia emprega-
Paulo: Cortez, 1983. da pelos educadores dessas instituições. A pesquisa revelou
que os edu-
HELLER, Agnes. O cotidiano ea história. São Paulo: Paz e Terra, 1992. cadores empregavam uma combinação de procedimentos metodológicos
LANIER, Vincent. Devolvendo arte à arte-educação. In: BARBOSA, Ana Mae sem se limitar a um único método, porém a Abordagem Triangular foi
(Org.). Arte-educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 1997. citada pela maioria a principal abordagem utilizada.
como
lectllra: estudios sobre literatura y formaci- Esse fato atiçou a minha curiosidade. Por
LARROSA, Jorge. La experiencia de la
que a prevalência da Abor-
ón. Barcelona: Laertes, 1996. dagem Triangular nesse contexto de ensino? Como e por que ela se colo-
caria em pertinência com as diretrizes pedagógicas das ONGs, onde a
Mae (Org.).Arte-Educação contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: arte é posta explicitamente a serviço da transformação pessoal e social?
Cortez, 2005. Seria ela adequada a um ensino que busca conjugar educação e consciên-
PILLAR, Analice Dutra. A educação do olhar no Ensino da Arte. In: BARBOSA,
I. O assunto foi tema da tese de
doutorado O ensino de artes em ONGs: tecendo a reconstrução
pessoal, de autoria de Lívia Marques Carvalho, apresentada na Universidade de São Paulo em 2005,
RIZZI, Maria Christina de Souza. Caminhos metodológicos. In: BARBOSA, Ana sob a orientação da professora Ana Mae Barbosa. Em 2008 foi publicada pela Editora Cortez com o
título de O ensino de Artes em ONGs.
354 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM NO ENSINO CULTURAS VISUAIS
ciapolítica, como acontece nessas instituições? Quais seriam as diferenças Ilson concluiu a licenciatura em Educação Artística em 2001, na Uni-
entre a aplicação da Abordagem Triangular no ensino formal e não formal? versidade Federal da Paraíba, mas seu envolvimento com artes se deu
Essas questões me provocaram e estimularam a analisá-las mais detida- muito antes. Quando ainda cursava o Ensino Fundamental no Rio Gran-
de do Sul, foi estimulado por sua professora de Artes a participar de
mente, mas, na ocasião, devido às circunstâncias, foi focado apenas o
esclarecimento dos pontos destacados nos objetivos da pesquisa. Assim, exposições e fazer cursos de Artes. Em 1987, passou a trabalhar em uma
o exame das questões específicas sobre a aplicação da Abordagem Trian- galeria de arte, onde participava do conjunto de suas atividades. Convi-
gular ficou adiado para uma investigação futura. veu com artistas, críticos e fez todos os cursos oferecidos pela galeria.
Dessa maneira, aprimorou suas habilidades e conhecimentos e firmou-se
No início de 2009, credenciamos,junto ao CNPq, um grupo de pes-
quisa com o objetivo de estudar o Ensino da Arte em espaços não formais como artista. Ao tempo em que ia ficando conhecido na cidade, passou
a ser solicitado para ensinar. Isso o animou a abrir
e, juntamente com a professora de Artes e mestranda em Serviço
Social, um ateliê e a dar au-
Ias. O exercício de professor levou-o a intensificar
Jaqueline Alves Carolino, que faz parte desse grupo, iniciamos uma pes- os estudos e pesquisas,
principalmente porque muitos dos seus alunos graduados ou
quisa para observarmos como a Abordagem Triangular é empregada nas eram
universitários.
ONGs de João Pessoa.
Por algum tempo julgou não ser necessário um
Agora, quando as professoras Ana Mae Barbosa e Fernanda Cunha curso superior; su-
punha que a academia não lhe acrescentaria muito, e presumia: "Por
nos dão conhecimento de que estão fazendo uma prospecçãomais apro- que
fazer universidade se as pessoas de lá vêm fazer comigo?" Depois,
fundada sobre as diferentes interpretações que a Abordagem Triangular curso
relatar quando já havia se mudado para a cidade de João Pessoa, se deu conta
vem assumindo desde sua sistematização, parece-nos oportuno de que um curso de licenciatura é uma necessidade imposta a qualquer
caráter singular.
uma experiência que nos chamou a atenção pelo seu
profissional que queira lecionar e resolveu fazer o
Trata-se da maneira como o artista plástico e educador Ilson Mora- curso de licenciatura
em Educação Artística. Hoje tem em conta que tomou a decisão certa, pois
es aplica Abordagem Triangular na oficina de artes visuais da Casa
a
gostou muito do curso e considera que teve acesso a livros e a conteúdos
Pequeno Davi (CPD), uma ONG, fundada em 1985, na cidade de João
Pessoa, que desenvolve atividades educacionais, artísticas e de lazer
que dificilmente teria encontrado fora da academia.
Foi durante o
para crianças e adolescentes de a 18 anos em situação de vulnerabili-
7 curso de Educação Artística que tomou conhecimento
da Abordagem Triangular. Ao
dade social, moradores do bairro do Baixo Roger e adjacências, onde ele começar a lecionar em escolas públicas,
procurou ler mais para entender todo o alcance dessa abordagem de
trabalha desde 2003.
ensino que, a seu ver, é a mais apropriada para ensinar arte. Segundo
Inicialmente, Ilson ensinava Artes em uma escola da rede pública,
Ilson, a Abordagem Triangular permite que o professor conduza o traba-
mas decidiu trabalhar em ONGs, pois considera que nessas instituições lho de maneira mais e mais bem fundamentada.
possível perceber a contribuição de seu trabalho para favorecer o de- segura
é
Ele considera
Abordagem Triangular particularmente adequada
a
senvolvimento pessoal de seus educandos, causando, de fato, impacto na
vida das pessoas e tal impacto é factível de ser avaliado e medido.
— para o Ensino de Artes em ONGs. Argumenta que, habitualmente, o
Outro argumento por ele citado foi a autonomia para elaborar seu plano público-alvo de ONGs mora em localidades desprovidas de equipamen-
de aula, como explica: "Uma das coisas que eu acho interessante na ONG
tos eserviços culturais. A maioria, por limitações de ordem econômica,
é exatamente a liberdade que tu tens para planejar tuas atividades. Então não tem acesso à produção artística e cultural, a não ser as divulgadas
pela mídia, Abordagem Triangular, por envolver um conjunto de
eu fico muito à vontade pra usar qualquer metodologia"
e a
356 BARBOSA • CUNIIA NO vistmrs
saberes
como conhecimentos históricos, sociológicos, antropológicos e melhor a apropriação que Ilson faz da Abordagem Triangular, vamos
artísticos, possibilita aos educandos ter acesso ao saber e à arte, contri- descrever o caso de Wanderley Nascimento, um dos alunos da oficina de
buindo para que os aprendizes desenvolvam uma compreensão acerca artes visuais da CPD.
do mundo e deles próprios.
Wanderley entrou na oficina de arte ainda muito menino, com 7 anos,
A oficina de CPD funciona em dois turnos. Cada turno tem
arte da atualmente tem 16. Ilson nos disse que a conversa dele girava sempre em
três aulas por semana, com duração de quatro horas, perfazendo um torno de animais como porco, bode, galinha. Era aficionado
por esses
total de 12 horas semanais. Cada turma pode receber de 15 a 20 educan-
bichos. Aproveitando esse grande interesse do menino, Ilson sugeriu que
dos entre 7 e 18 anos. Portanto,
numa mesma
sala há os
que possuem um seu trabalho tivesse como tema os animais que povoavam seu universo,
bom nível de domínio técnico e teórico e os iniciantes com pouco conhe- Assim, Wanderley
começou a produzir bodes, galinhas, sapos, bois e
cimento. Assim sendo, o processo de ensino, sempre baseado na Aborda- porcos. Inicialmente, trabalhava em papel machê; em seguida, passou a
gem Triangular, ocorre de maneira individualizada, ou seja, uma propo- desenhar e, mais tarde, a retratar esses animais em técnicas de pintura,
sição para cada aluno. sendo o galo seu tema preferido.
Quando o educando chega pela primeira vez à oficina, Ilson faz uma No decorrer desse processo, Ilson vai fazendo a triangulação. A par-
sondagem para perceber o nível de percepção deste em relação à arte. tir do tema preferido do Wanderley, mostrou-lhe como os bichos foram
Primeiro avalia como eles se saem em desenho; a partir daí vai avaliando retratados ao longo da história, desde a pré-história até chegar a Aldemir
a aptidão de cada um e direcionando um plano de trabalho ajustado para Martins, situando as imagens que iam sendo mostradas no contexto
cada aluno. "Tenho
que atender a capacidade de cada um, dentro daqui- (tempo e espaço) em que foram feitas, ao mesmo tempo que ia estabele-
10 eles gostam de fazer", diz Ilson.
que cendo conexõescom a vivência do menino, sempre chamando a atenção
Assim, encontramos na oficina meninos ou meninas trabalhando para que o garoto observasse os traços, as cores, a composição. Associan-
do, assim, interpretação de significado e julgamento estético.
com papel machê, outros com cerâmica, alguns pintando em cavaletes, A medida
outros desenhando. As diferenças exigem a individualização do ensino que os trabalhos do menino foram apresentando evolução, Ilson passou
adaptado ao ritmo do aprendiz, às suas capacidades, às suas potenciali- a introduzir conhecimentos complementares que o ajudassem a continuar
dades, aos seus interesses e motivações. Como explicou o educador: avançando. O educador fala sobre o impulso que a aplicação dessa abor-
dagem metodológica teve no trabalho de Wanderley:
Aline tem um trabalho muito figurativo, e a tendência dela é essa. Eu não
vou desprezar isso, então eu vou procurar mostrar a ela propostas na mes- Percebendo que o mundo em que Wanderley vivia era o dos animais que o
linha,
ma conversar respeito, mostrar outros trabalhos, pra ver o
a esse cercavam, comecei a incentivá-lo a projetar esse mundo real para o imagi-
andamento dela. Se
um outro menino tem uma coisa puxando pro naif, nário. A princípio, comecei a estimulá-lo a observar as cores dos animais.
então eu fazer pesquisa dentro do naif ele, mostrar os Em conversa falávamos das mudanças das cores sofridas pela luz e o brilho
vou uma com vou
artistas que trabalham nessa linha, vou mostrar o processo todo pra que ele da plumagem, dos
pequenos detalhes encontrados em uma só ave, penas,
consiga produzir seu trabalho. Então, é dentro dessa proposta que eu tra- olhos, patas etc. Os relatos eram constantes e ricos. Após a tentativa de re-
balho. (Moraes, 2009) tratar o real, passei
a estimulá-lo a valorizar algo
que achasse mais interes-
sante nesses animais, intensificando as cores, texturas e, o mais importante,
Ao aplicar Abordagem Triangular na perspectiva de um projeto
a ficando atento ao movimento que propunha dança harmônica de linhas.
uma
individualizado, ele
sempre inicia pelo fazer artístico. Para exemplificar Daí, ele foi abrindo o próprio horizonte. O trabalho foi aos poucos deixan-
BARBOSA • CUNHA
ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS VISUAIS 359
do de ter a dureza
compromisso com o real, passando a assumir uma
e o
em casa no final de semana vendo algum programa na TVE, então eu pen-
leveza, uma estilização e identidade própria. Hoje o galo dele parece mais so, que bom se algum aluno meu visse esse programa. Quando eu chego
um pano, uma renda, do que propriamente um galo. Não é um projeto na oficina, eles comentam o programa e ainda falam de outros programas
que diga: faça assim. Eu vou só orientando na questão das cores, no pro-
que viram. (Moraes, 2009)
cesso da técnica, na harmonia das cores secundárias, complementares.
(Moraes, 2009) Ficamos curiosas
e procuramos saber se Ilson, ao dar aulas no seu
ateliê que
—
também é um espaço de ensino não formal aplicava a —
progressos diferentes. E interes- costumes e sobre o que absorve de sua cultura. Adicionalmente é feita,
sante isso. Uma coisa impressionante é quando um aluno senta contigo e ainda, uma sondagem com os familiares,
com o coordenador pedagógico
começaa falar sobre um gênio da pintura ou sobre a arte com uma proprie- e com os assistentes sociais da CPD. Esses temas envolvem, em geral,
dade tão grande que parece um crítico de arte conversando, entendeu? questões relacionadas a gênero,direitos humanos, cidadania e pluralida-
Então vocêvê que o ensino teve resultado. Algumas vezes, quando eu estou
de cultural.
360 BARBOSA • CUNIIA
3.
A Abordagem Triangular divulgada no livro A illiagelll do Ensino da Arte: anos oitenta
foi e novos
valores morais todas experiências
tenwos, de autoria de Ana Mae Barbosa, pela Editora Perspectiva, em 1991. seus e as adquiridas como membro de
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM IRIANGUIAR NO [NSINO DAS ARTES CULTURAS vrsums 363
Isabela Frade
BARBOSA, Ana Mae. A imagem no Ensino da Arte:
anos oitenta e
novos tempos.
São Paulo: Perspectiva, 1991.
CARVALHO, Lívia Marques. O ensino de artes em ONGs. São Paulo: Cortez, 2008.
dos relatórios acadêmicos, especialmente aqueles referentes ao projeto de Projeto de arte relacional Casa de Passarinho (2007)
vez maior para essa apreciação ao interno e ao externo dos circuitos Questionavam o academicismo reinante e estavam dispostos a experi-
institucionalizados.
mentar novos processos, mas se envolviam de modo intenso na elabora-
Considero essa movimentaçãopessoal
geral: a imersão
como parte de um programa çãode determinados exercícios desde que as técnicas convencionais es-
na fecunda onda multiculturalista instaura tivessem envolvidas. Resolvi investigar as motivações dos alunos e dos
que se no
campo educacional brasileiro a partir dos anos 1990 exatamente se — professores e comecei a pesquisar o currículo programático da escola para
iniciando nas múltiplas apropriações e desenvolvimentos dessa objetiva- descobrir sua história. Na época, seu conteúdo refletia a formação dos
çãodas práticas em arte/ educação. A publicação de Tópicos utópicos (Bar- artistas na EBA e era calcado em técnicas plásticas. Ao redigir projeto de
bosa, 1998) trouxe,
nesse aspecto, obra que alimenta esses novos expe- pesquisa de materiais, ordenei certas matérias convencionais com intuito
dientes, engenharia epistêmica que serve para dar de entender o filtro exercido pela criação artística acadêmica tradicional
um maior impulso à
ampliação e fortalecimento de
um campo ainda tolhido pelas previsíveis e moderna. A questão central era: Se a arte contemporânea provoca a
resultantes à intensa movimentaçã02 pressões e rejeições de cujos efei-
—
entropia da técnica e amplia o índice das materiais artísticos a toda e
tos ainda hoje se percebem
os ecos —, na promoção de uma grande vira- qualquer substância, qual o papel atual das matéria-primas tradicionais?
da,
em renovação intensa, compondo o estatuto
no qual agora nos encon- Estariam condenadas a ser deslocadas? O que essas tradições artísticas
tramos, o de franca consolidação.
produziram como experiência poderia servir ao artista e educador hoje?
Desde então liderança e responsável pela entrada da arte/educação A argila ficou em primeiro lugar, contemplando o desejo das crianças.
no âmbito acadêmico, Ana Mae Barbosa é referência indispensável. Me inspirava o livro Cerâmica viva de Nino Caruso, grande ceramista
Indiscutível o rigor
com que discute a história do ensino de arte no italiano. Posso dizer então que não pude ultrapassar essa primeira fase
Brasil, tarefa
que, de certa forma, traduz a preocupação em constituir do projeto, mesmo tendo saído da educação fundamental e encaminhado
esse lastro de referências amplas para a consolidação desse domínio.
essa instigante questão sobre os limites do barro para a pesquisa univer-
Esse resultadonão se dá apenas em sua própria produção teórica, mas sitária, quando então assumi essa particular projeção da cerâmica (me
nos grupos que apoia e reúne na promoção de núcleos de intensa atua- instiga sempre sua legião de amantes), apresentando o projeto Cerami-
ção, o que tem resultado
no fortalecimento continuo e reconhecimento caviva na UERJ em 1989. Sobre cada matéria se poderia realizar uma
gradativo do campo. pesquisa deste gênero, assim como fez Bachelard em suas inúmeras in-
vestidas filosófico-poéticas, pensando a pedra, o fogo, o ar, a água. Rea-
2. Segundo Bourdieu (2000), especialmente citado lizar
campos de produção simbólica, a presença de elementos
para a reflexão sobre a prática social nos
um mergulho em profundidade seguia então como modo exemplar
novos e sujeitos insurgentes prescreve a de devaneio através de meio plástico
luta constante entre os agentes na produção cultural. Como entre sua antropologia, sua his-
—
que pudesse abrigar nossas investidas plásticas, tratando de reunir equi- Designers, artistaspopulares e acadêmicos, educadores, terapeutas, cien-
pamentos, ferramentas e pessoal especializado e 2) na organização de tistas,
estivemos atentos a produções mais variadas ao percebermos que
uma biblioteca especializada, encontrada a difícil tarefa do material bi- a angulação de 360 graus era necessária. Essa atitude de entendimento
bliográfico especializado em nosso país. O subprojeto Mapa da Cerâmica da arte cerâmica a partir de uma perspectiva multicultural já está conso-
Fluminense teve início, quando pude então treinar
uma equipe de alunos lidada e amadurece nas intervenções de nossos pesquisadores-ceramistas.
pesquisadores para desenvolver as pesquisas de campo. A ideia de colher
Caminhamos no sentido de uma abertura ao movimento das insti-
dados sobre os ceramistas populares e observar sua produção, executar
tuições de arte que promovem o circuito contemporâneo-erudito, eviden-
uma etnografia desses agentes, visava à ampliação do conhecimento de ciando a preocupaçãode criar um diálogo com a produção artística atual
suas práticas. Além disso, criando estratégias para poder, eventualmente,
de modo abrangente. Desafio difícil. Enquanto permanecemos nos am-
aprofundar esse contato e seguidamente trazê-los para o laboratório.
bientes à margem do circuito, criava-se um relativo conforto no que diz
Construir a partir do desejo desses próprios sujeitos uma forma de en-
respeito ao entendimento das linguagens artísticas. Vivemos uma evidên-
tendimento da arte cerâmica de cunho popular, quebrando status único
o cia paradoxal: o que nos é alheio é o mais próximo. A dificuldade maior
do saber acadêmico. A cerâmica popular único, particula-
como espaço em meio a nosso público foi
(e ainda é
para muitos) atingir o elevado
ríssimo, onde se poderia
pensar a arte em termos abrangentes e em rea- índice conceitual exigido na apreciação da arte contemporânea.
lidades diversas.
Por outro lado, exatamente na outra ponta desse eixo, mesclar a O Círculo da Terra. Aro de ferro como suporte e esfera de barro como instrumento de desenho (2009)
elevada
açãoreflexiva do campo erudito, constituindo um estado de
abertura e diálogo, com a arte popular que entre nós é vivamente presen-
te.3 Colocar diferentes sujeitos em diálogo é
uma sobre esses limites
ação Em 2005 subprojeto Cerâmica Contemporânea teve início voltan-
0
e a consciência do lugar que se ocupa nesses mundos da arte. Para o ar- do-se para a ampliação do Mapa da Cerâmica Fluminense, buscando
tista popular, sair da sujeição e ganhar visibilidade, para o acadêmico, envolver os artistas com repercussão no circuito de arte carioca. Este
flexibilizar seus índices estético-conceituais capazes de possibilitar a tão projeto realiza desde então o levantamento das produções artísticas con-
desejada abertura comunicativa com o público. temporâneas no Rio de Janeiro que exibam a utilização de materiais ce-
râmicos. O mapa se fazendo como um conjunto amplo no qual estejam
Segundo Sielsky (2007), barro hoje recupera sua ampla
a arte do
situadas diferentes categorias de produtores em arte, sejam eles ligados
significação, já explorados os limites entre técnica e processo, esta sendo
vista
como campo de exploração de conceitos plásticos, "para cada con-
às culturas tradicionais populares, aos setores mais eruditos ou aos que
ceito,
uma técnica ", não necessitando ser classificada quanto a sua função: ocupam as faixas intermediárias entre esses segmentos.
esboço, escultura ou cerâmica. A pesquisa trata da análise do conjunto geral dessas produções e do
modo como cada artista dá significado aos procedimentos que desenvol-
3.
Esse modo difere do caso do artista acadêmico que se apropria da cultura popular em seus ve. O sentido expresso é percebido como pertinente aos modelos de
rabalhos. construção formal, sejam eles inovadores ou não. O que implica compor
A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS
371, BARBOSA • CUNHA
dispostas a partir de da social, alimentar nossos desejos de artistas. Essa abertura para o pú-
um quadro onde essas áreas de significação estejam
blico tornou parte de uma
açãocomunicativa premente.
na trajetória que cada
se
suas injunções e/ou disjunções. Busca
detectar,
produtor constrói em suas relações com os materiais que utiliza, o caráter Além de atender a esse movimento intenso na criação de uma Ofi-
que a cerâmica assume na contemporaneidade artística brasileira. cina da Terra, realizamos parcerias com demais projetos acadêmicos de
diferentes áreas. O projeto de alfabetização de adultos, o ProAlfa, nosso
parceiro em várias intervenções educativas, assim como o ProAfro, atra-
t; diversas, das impressões que vêm de vários sentidos. E com essa condição
sidade —
e não apenas aqueles das artes, mas de toda e qualquer área (é reunindo no campus UERJ Maracanã as obras de vários ceramistas e in-
universal) para os
—
saberes da terra enquanto ciência e arte. O principal centivando o diálogo entre eles e com o público universitário.
argumento em favor de sua criação foi a notada ausência de referências O projeto Terra Doce, desenvolvido a partir de 2008, se deriva da-
às produções em cerâmica nos livros de História da Arte, uma lacuna quele, explorando a comunidade vizinha da Mangueira como potencial
de docentes e
que a disciplina tenta eliminar com a produção teórica campo de pesquisa-ação para a
arte pública engajada, onde estes mesmos
alunos.
artistas e artesãos pudessem estar desenvolvendo açõeseducativas e
Para os integrantes da equipe de extensão coordenação e bolsistas
—
entrando em comunicação com um público leigo. A formação do coletivo
se colocam como pesquisadores e produtores de
arte, e não como Círculo da Terra, reunindo mulheres artistas da UERJ e da Mangueira, se
—
que
labora-
mero instrutores ou transmissores de conhecimento, a prática no consolida e firma, no espaço laboral da Oficina, um encontro entre artis-
tório está profundamente marcada pelo ato de compartilhar. A troca, que tas na discussão sobre as vidas pessoais, os sonhos da arte e as experiên-
mica não se esgotam. Ainda que nossa postura seja a de preservar certos (enlace estético/afetual) entre o campus e a favela, comunidades fisica-
saberes aqui nos referimos aos conhecimentos da cerâmica nas socie-
—
mente tão próximas mas socialmente tão distantes: um projeto de pesqui-
dades tradicionais em certos aspectos então uma ação bastante con- produção
que visa dar subsídios para uma nova dinâmica da
sa-ação
—
servadora, enfim, também nos projetamos para o futuro, traçando novos artística de
da comunidade da
mulheres Mangueira
e um novo percurso
de outras instigan-
percursos na pesquisa e prática artística, na promoção reflexivo na vida acadêmica de nossa universidade. Não se propõe como
tes formas de se fazer arte. O objetivo maior é nos humanizar nessa investigativa apesar de contar também com
açãointervencionista outrabalho
—
transformação da matéria inerte em uma matéria vivente, vivificante essas vertentes em seu de composição —, mas de criar um espa-
(Beauvais, 2001). Reinventar o ofício de pensar a terra como espaço pri-
ço comum, um campo de trocas para a "partilha do
sensível" como
pro-
mordial, recriar a arte de trabalhar o barro como o sensível lugar de origem posição aproximada do sugeriu Ranciêre (2005).
que
da vida. A introdução de práticas criadoras em cerâmica, nesse sentido, sur-
Entre as últimas realizações, destaco ainda o projeto Biodiversidade ge como veículo para a ação educativa em arte em âmbitos mais abran-
e Diversidade Cultural, que promoveu a partir de 2007 uma
parceria
gentes, envolvendo questões sociais, ambientais, familiares e pessoais.
profícua com a equipe de educadores ambientais vinculados ao Programa Acreditando na troca dialógica como princípio educativo, embebidos nas
de Pós-graduação em Meio Ambiente. Realizamos uma Mostra de Cerâ- base nas propostas de freirianas, buscando estruturar a efetivação de um
mica Fluminense em 2008 a partir deste trabalho de pesquisa conjunta, espaço sensível de produção de conhecimento e
cultura,
apostamos na
A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARTES CULTURAS VISUAIS 379
BARBOSA • CUNHA
Os fundamentos político-sociais da pesquisa sob a metodologia da Sabemos como começamos um programa de ensino de arte, mas não temos
pesquisa-ação em educação artística referem-se, em especial, à necessi- certeza como o finalizaremos, pois, ao longo do processo ocorre um fluxo
dade de superar um modelo de conhecimento fundamentado na separa- de escolhas, de interferências e retrointerferências que alimentam e desafiam
cultural, cas, nos terreiros das olarias, nos estúdios de artistas, nas ruelas da fave-
cerâmica grande especialmente fortes nas
lastro e abrangência
la, nos congressos de educação e arte, vamos apresentando esses exercícios
culturas populares, é com ela que prosseguimos, abrindo espaço para o
práticos e discutindo nossas pesquisas teóricas. Há ainda muito que ex-
entrosamento e articulação com as demais formas de arte, estas se refe-
plorar e refletir. O mais importante a notar, na finalização deste texto, é a
rindo às próprias práticas estéticas que vão sendo reconhecidas pela
pesquisa de campo e potencializadas na / educadores envol- dinâmica vivificada por uma metodologia aberta que libera
um espaço
açãodos arte de
vidos no projeto. açãoeducativa multidimensional.
380 BARBOSA • CUNHA 381
Referências bibliográficas
BEAUVAIS, M. Magie de L'Argile. Paris: Flammarion, 2001. O ENSINO DA ARTE NO CIBERESPAÇO:A PROPOSTA
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
METODOLÓGICA
DO CURSO ARTEDUCA
CARUSO, N. Cerâmica viva. Milano: Hoelpi Editore, 1982.
RIZZI, M. C.
Reflexões sobre a Abordagem Triangular no Ensino de Arte. In: A proposta de elaborar este artigo veio no momento em que me
BARBOSA, A. M. (Org.). Ensino da Arte: memória e história. São Paulo: Perspec-
encontro mergulhada na tarefa de organizar informações armazenadas
tiva, 2008.
ao longo dos últimos seis anos em que tem sido oferecido o curso Arte-
SIELSKY, I. O barro na arte: uma questão de limites. Anais Anpap. Florianópolis: duca: Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas para fundamentar
Edusc, 2007.
minha pesquisa de doutorado em Artes, desenvolvida com o objetivo
1
SMITHSON, R. Uma sedimentação da mente: projetos de terra. In: FERREIRA, de fundamentar a proposição de uma abordagem teórico-metodológi-
G.; COTRIM, C. Escritos de artistas anos 60/70. Rio de Janeiro: Zahar editor, 2006. ca a ser aplicada ao ensino da arte no ciberespaço, considerando suas
especificidades. Vou iniciá-lo contando, em rápidas palavras, o éo que
Arteduca como sua história começou. Em seguida, apresentarei os
e
fundamentos da nossa proposta metodológica, detalhando como a
Abordagem Triangular tem sido utilizada e, por fim, serão inseridos
alguns recortes de nossos fóruns, para que sejam compreendidas as
estratégias de desenvolvimento das três açõesprevistas na Abordagem
Triangular.
0 que é o Arteduca? Um pouco de história e de números ocasião, direcionei meus estudos para a elaboração de um projeto desti-
nado à formação continuada de professores a ser oferecida por meio de
Trata-se de
uma especialização oferecida pelo Programa de Pós-gra-
uma proposta de aprendizagem construcionista, desenvolvida em um
duação em Artes da Universidade de Brasília, por meio do Grupo ambiente de aprendizagem digital amigável, com o objetivo de buscar
Arteduca,2 com o objetivo de promover a formação de professores para percorrida
uma trilha epistemológica que pudesse ser posteriormente
a realização de estudos e pesquisas em arte/educação e
para o planeja- juntamente com grupos de professores matriculados no curso. Nesse
mento e implementação de projetos de aprendizagem relacionados com
processo, buscaríamos agregar conhecimentos relacionados à educação
a arte e a cultura, no contexto escolar. em arte e à utilização das tecnologias contemporâneas (ou tecnologias da
Os estudos práticas no curso são efetivados por meio de estra tégias
e informação e comunicação TIC) na educação.—
proposta metodológica aplicada ao curso poderão ser encontradas nos Varela, estaremos nos reconstruindo, na companhia dos alunos, a cada
quais são agregadas propo-
pressupostos da Abordagem Triangular, aos edição do curso (Campello, 2007b).
previstas por
sições de outros teóricos para concretização das três ações Como resultado dessas reavaliações processuais, a proposta inicial
abordagem foi
sua sistematizadora, Ana Mae Barbosa. A opção por essa do curso, que previa a oferta de um projeto de extensão a ser realizado
feita não somente pela coerência de seus pressupostos com outras teorias em 480 horas de estudos, com duração de 10 meses, foi transformada em
trabalho, como também por oferecer uma boa
que fundamentam nosso uma especialização, com carga horária de 640 horas, distribuídas em 15
dos
bibliografia em português, que poderá apoiar os estudos e a prática meses. E a edição 2010/2011 certamente não terá esse mesmo formato,
comparativa entre seus pressu-
nossos estudantes. Ademais, uma análise Entre os pressupostos construcionistas, destacamos em nossa metodolo-
teórico-meto-
postos que atualmente fundamentam as abordagens
e os gia o princípio da equilibração da aprendizagem, proposto por Jean
leva a
dológicas aplicadas à educação no Brasil e em outros países nos
concluir que existem diversos pontos de convergência. Se analisarmos as senvolvimento proximal, definido por Lev Vygotsky e a proposta de edu-
vários pontos de contato dialógica de Paulo Freire (Campello, 2001).12
proposições construcionistas, encontraremos
influenciadas, em
cação
com a abordagem triangular, tendo em vista que foram Para complementar a apresentação dos pressupostos que integram
diversos aspectos, pelos mesmos teóricos. Podemos citar de forma espe- nossa proposta metodológica devem ser mencionados alguns conceitos
cial: Dewey e Paulo Freire (Campello, 2007b). extremamente relevantes: a matriz Ilumanizante, a interação, a colaboraçãoe
apresentação do referencial teórico utilizado para adequar nossa propos- A 111atriz humanizante é o princípio que faz brotar o ambiente harmo-
ta metodológica às características do ciberespaço, que pode ser encontra- nioso, propício à aprendizagem no ciberespaço, despertando a motivaçà()
professores para o uso
do no construcionis1110, adotado em formações de para viabilizar interações pautadas em atitudes de colaboração, de tole-
da informática educação, e na teoria autopoiética, de Humberto Matu-
na
rância e respeito pelo outro, considerando
sempre suas características e
rana e Francisco Varela (2001). limitações.
Ao propor essa teoria, Maturana e Varela reconhecem a natureza Segundo Mónica Luque,13 na educação a distância os estudantes têm
Rolf Behncke (1995)11 a tendência a seguir modelos de comportamento baseados nas atitudes
circular do conhecimento humano, fenômeno que
chama de tautologia cognoscitiva, por expressar um domínio do conhe- dos tutores, sendo recomendável, portanto, a adoção de posturas capazes
de gerar um ambiente positivo para a aprendizagem. Ao mediar interaçóes
cimento no qual o conteúdo é o próprio conhecimento. Com base nesse
conceito, admitimos que, ao propor uma formação para educadores,
deverá ser objeto de estudos o próprio conhecimento e as formas como
12. Para aprofundar estudos sobre oconstrucionismo, ver obras da Série Estudos da SF,EI j/
IMEC, em especial os volumes de autoria de Maria Elizabeth de Almeida (2000).
eles
sãoconstruídos, seja, seus processos de aquisição e de transfor-
ou 13.Em palestra proferida no encontro presencial realizado em Miami, EUA, para encerra nu•nto
do curso "Calidad de la Educación Básica", oferecido pelo Instituto de Estudos Avançados para
Américas, da Organização dos Estados Americanos (Ineam/OEA).
II. Ver introdução da Obra de Maturana e Varela (1995).
388 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM 'IRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 389
no AVA, abordamos o tema, propondo que todos os participantes do equipe. As interações, viabilizadas por meio dos fóruns murais, são as
curso se preocupem em agir em conformidade com esses preceitos. Pro- formas mais utilizadas para gerar o ambiente da turma. É preciso
que o
curamos sempre lembrar que, apesar de as interações serem viabilizadas estudante se perceba imerso nesse ambiente, para que se integre à turma.
por meio de uma máquina, do outro lado existe um ser humano, sujeito E esse espaço nada mais é do
que o resultante do diálogo gerado no AVA,
a acertos e como qualquer um de nós.
erros em cada um dos fóruns criados. E na interação, na palavra registrada
Buscamos basear nossa matriz humanizante no diálogo amoroso e pelos participantes, que surge a turma. Ao realizarem atividades colabo-
contextualizado proposto por Paulo Freire. Suas palavras expressam rativas, os estudantes se aproximam, criam vínculos e
tornam o ambien-
muito bem a ideia que gostaríamos de transmitir aos participantes do te propício à aprendizagem. Se não podemos arrastar as carteiras da sala
curso, com o objetivo de gerar essa matriz. Não custa transcrever algumas de aula para realizarmos os trabalhos em grupo, é nos fóruns de debates
delas,
para deixar registrada essa marca: das equipes, por meio do trabalho colaborativo,
que provocaremos o
"barulho" que faz surgir a turma. O diálogo deve ser permanentemente
Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é
possível o diálogo. Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade.
alimentado por meio do uso das ferramentas disponíveis no ambiente,
A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, especialmente por meio dos fóruns de discussão e, em algumas situações,
não pode ser um ato arrogante. O diálogo, como encontro dos homens para dos chats. Dependendo da maneira como esses diálogos são alimentados,
a tarefa
comum de saber agir, se rompe, se seus polos (ou um deles) perdem poderemos encontrar formas de expressar sentimentos, de maneira a
a humildade. Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo superar limitações decorrentes do distanciamento físico. O depoimento
sempre no outro, nunca em mim? Como posso dialogar, se me admito como abaixo, feito por
uma estudante, demonstra a importância da matriz
homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros "isto", em humanizante e dessas interações ocorridas nos AVA.
quem não reconheço outros eu? (Freire, 1987, p. 80)
O virtual me permitiu várias emoções, como choro, indignação, afeto e vou
Esse discurso tem sido compreendido pelos estudantes, gerando bons mais além, até o calor humano se fez presente. Se eu chegasse mais perto
resultados, como o depoimento abaixo: da telinha, poderia sentir a respiração da Leci, da Sheila e do Reginaldo.
comprova
Creio que um curso do porte deste não pode simplesmente ser definido
O buscar, o agir, o
refletir, construir e
desconstruir, ressignificar, todas essas
como um curso a Distância, no conceito antigo da palavra. E é essa virtua-
a fazer
parte de cada atitude, virou "mania", por assim
açõespassaram lidade humanizada
ou humanizante que me permitiu sonhar, acreditar,
dizer, qualquer situação
em que me encontrasse em dificuldade, além de mudar, chorar tantas vezes e me posicionar como sujeito da minha própria
aumentar minha tolerância com relação ao tempo de assimilação e apren- trajetória. Já estou emocionada de novo. E, o
curso tem disso, ele
mexe com
dizagem do outro. Esse tipo de aprendizagem nos faz acreditar mais no
a gente. Volto depois. Beijos.14
nosso potencial e a correr atrás dos nossos objetivos, tanto como educador
como na nossa vida pessoal. Por fim, devemos destacar a necessidade da busca da aquisição da
autonomia na aprendizagem por parte dos participantes, pois, embora não
Igualmente relevantes são os conceitos de interação e colaboração,
também presentes na teoria autopoiética e nas abordagens construcionis- possamos prescindir da atuação dos tutores na mediação da aprendizagem
tas. Sem eles, não há possibilidade de formação de turma, como as que
14.
Depoimento feito a Adriana Conde Rocha, em pesquisa de mestrado intitulada A constrilção
encontramos nas salas de aula presenciais. Para que a turma exista, é da filitononlia na aprendizagem: a visão de estildanfes e tutores de clirso on-line, realizada na Universidade
necessário criar espaços para realização de debates e de trabalhos em Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2008.
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGUIAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 391
390
dos estudantes, devemos buscar meios de conscientizá-los da importân- É por meio da contextualização que o estudante estabelece relações
de da obra com as ideias de seu autor e com contexto sócio-histórico-cultural
cia de tornarem-se cada vez mais autônomos, para que sejam capazes
aplicar os conhecimentos adquiridos no curso e em outros contextos ao em que foi produzida. Tais relações proporcionam meios para que possam
ser encadeadas as demais ações, permitindo que sejam dados os primei-
longo de suas trajetórias.
ros passos para a realização de leituras das obras e proporcionando con-
dições de interpretações, que irão ampliando o repertório do estudante
em arte: a aplicação da Abordagem em relação à obra e, também, ao próprio contexto sócio-histórico-cultural
0 desafio do ateliê na cibereducação
analisado.
Triangular
O fazer refere-se ao trabalho de ateliê, o trabalho de criação visual.
O desafio da produção artística na cibereducação em arte tem sido Consiste na aplicação prática da teoria, responsável,
como bem afirmou
atividades práticas
enfrentado no Arteduca por meio da proposição de Eisner,pela internalização e automaticidade do conhecimento e conse-
previstas na Abordagem Triangular. A Abordagem
baseadas nas
ações necessárias ao ensino da arte: a contextualiza-
quente liberação da imaginação para inovações. O domínio da técnica e
Triangular define três ações das qualidades expressivas dos ma teriais, o conhecimento internalizado
ção, a leitura da obra ou do campo de sentido da Arte e o fazer.Apresentaremos, por meio de tais domínios proporcionam aos estudantes a liberdade de
dessas seguida, rela-
portanto, nossa compreensãoa respeito ações eme,
criação fundamental à educação em arte. Esta açãoconsiste no grande
tarei como elas têm sido propostas ao longo do curso. desafio enfrentado pelo Ensino da Arte no ciberespaço. Mais adiante
dita
Por discordar da disciplinarização, presente na proposta pós-mo- analisaremos algumas propostas de exercícios realizados no curso Arte-
derna norte-americana da década de 1980, o DBAE, Ana Mae Barbosa
duca, para viabilizar a produção artística.
quais
altera o espectro da experiência ao designar ações entre as a con-
A leitura de obras de arte
completa a triangulação. Ao propor ênfase
histórico,
textualização, possibilidades de integrações com o contexto na
leitura
como interpretação cultural, Ana Mae assume a influência da
social, psicológico, antropológico, geográfico, ecológico, biológico
etc.,
abordagem pedagógica desenvolvida por Paulo Freire e justifica sua
"associando-se o pensamento não apenas a uma disciplina, mas a um opção ao destacar a importância da leitura de imagens, vinculada às ne-
(Barbosa, 1998, p. 37).
vasto conjunto de saberes disciplinares ou não" cessidades de valorização da educação para uma leitura, também, visual,
que consiste em parte da
possibilida- leitura de mundo proposta
A contextualização, segundo Ana Mae Barbosa, amplia as por Freire. E exem-
des de implementação da interdisciplinaridade em função das conexões
plifica: "Num país onde os políticos ganham eleições através da televisão,
operacionalmente conatural à linguagem hiper- a alfabetizaçãopara a leitura é fundamental e a leitura da imagem artís-
que estabelece, pois é
tica, humanizadora" (Barbosa, 1998, p. 35).
textual. Ela encontra, portanto, no ciberespaço terreno propício para se
concretizar e para transformar a tecnologia de mero princípio operativo Ao propor essa ação, devemos considerar que nossa época tende a
em um modo de participação e de interação. A Web proporciona, sem tratar o conceito do belo com cautela e a adotar diversas formas de lei-
dúvida, excelentes condições de realização de
contextualizações, ao
pro- turas interpretativas das obras. Consideramos o belo como uma quali-
porcionar vasto campo de pesquisa para sua fundamentação. Nesse dade de certos objetos singulares que nos são dados à percepção. Não
sentido, contextualização e EAD podem se articular e, se os tutores sou- existe a ideia de um único valor estético a partir do qual julgamos as
obras. Cada objeto estabelece seu estilo de beleza, próprio de seu mundo
berem tirar proveito dessa condição, ótimos resultados para promover
singular
aprendizagens poderão ser obtidos. que, segundo Dufrenne (1998), nãoé subjetivo. A subjetividade
392 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS
em relação ao objeto precisa estar mais interessada em conhecer, entre- As diversas formas de abordagens interpretativas, isto é, as diferen tes
tes.
gando-se às particularidades de cada objeto, do que em preferir. Assim, leituraspossíveis, devem ser bem compreendidas pelo tutor, para que ele
é preciso desenvolver a capacidade de julgamento sem preconceitos, para possa proporcionar aos estudantes distintas opções de vivenciar as expe-
que seja procedida uma leitura
estética das obras de arte. Cabe
à Estéti- riências estéticas. E importante observar, ao longo do processo, como a
ca a missão de retirar das experiências estéticas singulares as conclusões visão dos participantes, acerca das diferentes formas de interpretação, vai
teóricas universais e propor conceitos arte. Ao professor, cabe o sendo alterada aos poucos. O processo de leitura é, portanto, enriquecedor
para a
papel de mediar as experiências estéticas vivenciadas pelos estudantes, para todos os participantes da experiência estética, por proporcionar
de forma a lhes proporcionar condições de desenvolvimento de senso condições para que compreendam como realizar leituras e contextualiza-
crítico,
com base em conhecimentos internalizados por meio da articula- ções.Ao estudar o conteúdo referente à Abordagem Triangular os estu-
dantes percebem a importância da realização das três ações. Ao realizar
çãoentre tais conceitos e a prática. Nesse sentido, as três ações propostas
pela Abordagem Triangular podem se tornar importantes meios para as atividades eles compreendem como devem fazer isso.
fornecer subsídios para desencadear esse são dados que o deve ter em mente ao proporcionar con-
processo desejado. O caráter Estes tutor
filosófico da estética, que analisa de forma abrangente as experiências, dições para que os estudantes vivenciem suas próprias experiências es-
se completa ao consolidar teorias filosóficas que as abarquem. Tais teorias, téticas, sem, entretanto, mais uma vez reforçamos, tentar impor suas
entretanto, não devem, jamais, ser impostas aos estudantes sob a forma próprias vivências estéticas que, sem dúvida devem ser amplas, a fim de
de regras prontas, sob pena de tornar-se um mero processo reprodutivo de que seja capaz, como afirma Ana Mae, de discriminar entre opções,
ele
ideias preconcebidas, ou seja, o caráter especulativo da estética não deve tomar decisões e emitir juízos de valor, orientar para descobertas, mas
ser confundido com o caráter programático e operativo da poética. Dessa não devem impedir a construção do conhecimento próprio do aluno.
forma, o aluno não deve ser reduzido a um mero receptáculo de infor- Antes de finalizar este tópico de apresentação da nossa compreensão
mações "repassadas" pelo professor. É necessário que o professor tome sobre a Abordagem Triangular, considero importante apresentar algumas
consciência desta distinção, ao mediar experiências vivenciadas pelos ressalvas percebidas no discurso de Ana Mae Barbosa. A primeira diz
estudantes. Ademais, é necessário considerar
que, por ser próprio da respeito ao uso do termo apreciação, na proposição da de leitura da
ação
filosofia estar sempre se renovando com base em novas formulações, as obra de arte. Segundo suas próprias palavras, "[...] formulações sistemá-
definições por ela propostas não podem ser consideradas acabadas e ticas e de teorias
que produzem definições de arte e análises acerca da
definitivas (Pareyson, 1989).
beleza e da natureza [...] que chamamos educação estética [são] princi-
Segundo Ana Mae Barbosa, as diversas abordagens interpretativas palmente a formação do apreciador de arte usando a terminologia e o
apoiam-se nas variáveis intérprete, obra e contexto, que lutam por prepon- sentido consumatório que Dewey dava à experiência apreciativa" (Bar-
derância e, apesar da pluralidade de leituras e interpretações possíveis bosa, 1998, p. 41). Ao fazer essa ressalva, ela dá o sentido correto ao termo,
inviabilizarem julgamentos quanto ao evitando que se incorra no equívoco de acreditar que a arte deve servir
que é certo ou errado em um obra,
critérios podem e devem ser definidos a fim de desenvolver a capacidade para a formação de um público capaz de apreciar o que a elite propõe.
de julgamento. Por concordarmos com essa observação, apresentamos Ao contrário disso, a crítica, relacionada com a açãode leitura da obra de
alguns desses critérios aos estudantes ao estudarmos a Abordagem Trian- arte, é o despertar de uma capacidade de análise crítica, com base em
gular no curso Arteduca. Com esse objetivo, apresentamos possibilidades conhecimentos construídos pelo próprio aluno, acerca do mundo visual,
de realização de leituras, de forma a apoiar a experiência dos participan- por meio da práxis e com a mediação do professor.
394
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 395
A segunda ressalva refere-se ao termo releitura, que tem sido relacio- mos aplicar à nossa proposta metodológica. Esse ciclo prevê a retomada
nado de maneira inadequada a propostas de atividades baseadas em de
cópias de obras. Esse debate
açõesanteriores,
em um processo contínuo, sem definição de princípio
sempre surge no Arteduca, no momento em fim
16
e
que iniciamos os trabalhos de produção artística, pois os estudantes com Após apresentar minha compreensão a respeito da abordagem Trian-
mais dificuldades buscam suporte nas obras analisadas, para produzirem
gular, é interessante mostrar como a utilizamos, apresentando alguns
novas imagens. É comum a realização de trabalhos utilizando recursos
recortes de uma atividade desenvolvida no curso com duplo objetivo:
de editores de texto, recortando, colando, distorcendo imagens conhecidas
realizar estudos a respeito da própria Abordagem Triangular e propor
da nossa História da Arte. Com o devido cuidado, buscando apoio
na exercícios a respeito de um dos conteúdos abordados no curso, referente
matriz humanizante, procuramos conversar sobre o assunto, sugerindo
ao modernismo brasileiro e aos acontecimentos relacionados com a Se-
que evitem reduzir o trabalho de produção ao mero uso de editores de
textos. A resistência inicial
mana de 22.
ao abandono dessa "tática" é grande, pois
esses editores podem produzir belos efeitos, em imagens
que já possuem
qualidades estéticas indiscutíveis e o resultado interessante fascina o
Festival Arteduca: estudos sobre a Abordagem Triangular e sobre o
estudante. Mas nós
somos persistentes e teimamos em trazer o debate aos modernismo brasileiro
fóruns, para tentar demonstrar que não estamos sugerindo a realização
de releituras com o significado atribuído por alguns professores O Festival Arteduca representa o momento de culminância relativo
como
tentativas de criação com base em cópias de obras de arte. Abordamos
aos estudos do módulo Educação em Arte em uma Perspectiva Pós-mo-
sempre o assunto, pois sabemos que ele é recorrente em debates com derna, no qual abordamos a Abordagem Triangular. Para concretizá-lo,
arte/ educadores, repudiado
por alguns e adotado por outros. Se consi- além dos estudos teóricos propostos, está prevista a realização de ativi-
derarmos que jamais revemos uma obra com os mesmos olhos, a cada dades baseadas nas três
análise realizada, poderemos encontrar açõesque integram essa abordagem. Aproveita-
um significado coerente para o mos, então, estudos realizados em um módulo anterior, referentes ao
termo releitura. Nesse sentido, buscamos trazer o tema para o debate,
modernismo no Brasil, e os encadeamos com os novos estudos relativos
sugerindo que as releituras poderão ser vistas
como sucessivos procedi- à Abordagem Triangular. Em resumo: são propostos exercícios, conside-
mentos de leitura de determinada obra, baseadas em diferentes aborda-
rando as açõesde contextualização, leitura e criação artística, com base
gens, ou, ainda, como proposta de realização de novas leituras sob a
na análise de obras do modernismo brasileiro. Desses estudos resultam
ótica de um mesmo método. Mas esse é um assunto a ser aprofundado
produções artísticas são incluídas em Mostras disponibilizadas na
que
em outro momento. Voltemos às ressalvas, lembrando que a triangulação Galeria Virtual do Portal do
Grupo Arteduca, que podem ser vistas em
proposta não deve ser engessada em uma sequência rígida. Como afirma
<http://www.arteduca.unb.br/galeria>.
Ana Mae Barbosa, elas podem ser realizadas em
um zigue-zague.15 Des- O enunciado das duas primeiras etapas da atividade propõe
forma, a reali-
sa a proposta é coerente com os princípios do ciclo construcionis-
ta,
que se fundamenta no continuum experiencial deweyano, e que busca-
zaçãode trabalho colaborativo, em grupos de até seis estudantes, para o
procedimento das ações de leitura, contextualização, por meio das quais
15.
seriam definidas características específicas do período em análise,
que
Tema abordado em palestra realizada no encerramento do Arteduca 2006, publicada
no
Youtube e disponível no link: <http://www.arteduca.unb.br/galeria/videos>, do Portal do Grupo
Arteduca. Acesso em: 20 fev. 2010. 16. Sobre o ciclo construcionista, ver Almeida (2000).
396 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS
Cada um de vocês deverá escolher uma obra para ser analisada. Antônio Biancho Filho e Leci Augusto Costa, formados na edição 2004
• Publique sua opção no fórum da equipe. do Arteduca, que passaram a atuar na tutoria e na moderação especial de
Avalie as opções de seus colegas e vote em uma delas para fundamentar fóruns sobre a Abordagem Triangular, a partir da edição 2005.17
o trabalho do grupo. Após escolherem a obra, realizem uma pesquisa Na mediação desses fóruns, são disponibilizados parâmetros para a
considerando o contexto sócio-histórico no qual ela foi produzida. Cada realização da contextualização e leitura de obras de arte, informando que
integrante deverá publicar sua pesquisa. Busquem informações sobre tais podem basear-se em diferentes métodos: estruturalistas, socio-
o autor, sobre a sociedade da época em que ele viveu e produziu a obra.
ações
lógicos, iconológicos, formalistas, baseados na psicologia da visão, na
Com base nas contribuições individuais, redijam, colaborativamente,
sintaxe visual etc. Seguindo o movimento em zigue-zague, solicitamos
um breve texto apresentando o autor e seu contexto.
que os mesmos parâmetros sejam utilizados para fundamentar reflexões
Etapa 2 —
leitura e análises críticas referentes às produções dos próprios alunos, suas cria-
Observem obra atentamente e descrevam-na. Listem suas principais
a çõesartísticas, resultando em descrições para serem inseridas na mostra
características. Participem do debate com os professores moderadores, organizada na Galeria. 18
lido, considerando as imagens como textos, cuja leitura deve ser feita no
contexto, como se pode constatar na mensagem transcrita abaixo:
A obra escolhida por meu grupo para estudo foi o Samba (1925), de Di Ca-
valcanti. Após algumas interferências na obra, consegui realizar no paint e
photoshop o trabalho "O morro" (Figura 2),
que estabelece com a obra ana-
lisada
uma relação associada ao plano de conteúdo. Di Cavalcanti trabalha
com temáticas ligadas ao cotidiano popular: favelas, malandros, sambas,
boêmios e prostitutas. Em 1925 0 samba era uma expressão popular mar-
Figura I
ginalizada, assim
como a favela e suas manifestações culturais ainda o são. Samba (1
925), Di Cavalcanti, óleo sobre tela (177xI 54 cm)
"O morro" apresenta cores vibrantes que causam forte impacto visual, com
características expressionistas, foi realizado a partir de uma fotografia re-
cortada e remontada de uma favela.
(Re: Fórum n. 2: sala 05
grupo 03 Análise de "O morro", por Rejane
—
Araújo de Oliveira —
segunda, 11 dezembro 2006, 19:10).
Outro exemplo:
19.
Agradecimentos a Rosimar Camarinha e Rejane Araújo de Oliveira, que concordaram em
ceder as imagens para publicação. Rejane atualmente integra o corpo de tutores do Grupo Arteduca,
exercendo uma tutoria na Licenciatura em Artes Visuais, oferecida pelo IdA, pelo Programa Pró-li- Figura 2
Sintaxe Visual
Tendências
Fau'asrm etc.
Figura 4
Mapa conceitual, Rosimar (2006)
A mesma aluna conclui a atividade elaborando um mapa conceitual, 20. Ana Mae cita o livro de John Dewey. Democracy and education (p. 233), em um texto esclare-
representado na síntese esquemática dos estudos realizados, reproduzida cedor sobre a influência de Dewey na educação brasileira através do pensamento e açõesde Anísio
na Figura 4:
Teixeira.
JRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS
403
No fórum moderado por Antônio Biancho, foram realizados exercí- dos e cabelos curtos e bocas
carnudas. Podem dar os dados da obra,
cios baseados nas proposições de Robert Ott, apresentadas aos alunos por tamanho, técnica, qual paradigma da imagem. Podem
falar do que
meio da abaixo: é
mensagem transcrita figura principal na cena, o que fundo e
é como esses elementos estáo
distribuídos na tela;
Olá Pessoal, 2. analisando: o educador apresenta aspectos
Que boas contribuições! Agora vamos finalizar o trabalho, ok? conceituais, observando a
utilização dos elementos formais da obra,
os elementos de composição
Nós estamos utilizando o Image Watching, de Robert Ott, acoplado à Abor- e da linguagem visual utilizados
na obra;
dagem Triangular, para ampliar as possibilidades de Leitura e a Contextu- 3. interpretando: o educando
expressa suas sensações, emoções
e ideias.
alização, para fundamentar o fazer. Obs.: vamos utilizar o gerúndio para Identifica a utilização de elementos visuais tais
indicar a ação, ok? sentidos que são gerados oferece
como a cor, a linha e os
e suas percepções e respostas pessoais
Uma boa estratégia é o grupo ir construindo a atividade a partir das cola- à obra de arte;
borações e pesquisas individuais, acrescentando mais detalhes em cada 4. fundamentando: o educador oferece elementos
da História da Arte,
categoria, um escreve e organiza e os outros vão alimentando com dados e obtidos em catálogos, livros, vídeos
para ampliar o conhecimento sobre
mais informações. a obra
em nível factual, conceitual econtextual;
Podem definir quem vai fazer o relato, ou quem tem disponibilidade pode 5. revelando: o educando revela através do fazer
artístico o processo vi-
se indicar, e assumir o cargo de fazer o relato. O que pensam? venciado. Mas esta etapa ficará para depois, ok?
Quem fizer o relato pode reunir as colaborações individuais em
um texto
coletivo. Um componente achou um trecho que pode ser adicionado com
a informação que o outro trouxe, e assim vão completando e contemplando
velando
Cinco moças de Guaratinguetá —
1930 (Figura 5)
Por meio dessa atividade, buscamos instrumentalizá-los para os Vejo que muita gente contribuiu
já com a análise da obra, e quero dar minha
procedimentos previstos na formulação da Abordagem Triangular, no contribuição também propondo o seguinte: que todos
ouçam novamente a
de leitura e contextualização. Para a criação artísti- obra de preferência sem a letra, pois o instrumental
que se refere às ações (original) traz consigo
ca o desafio é bem maior, pois enfrentamos duas dificuldades. A primei-
muitas "imagens" que a letra,
apesar de linda, pode deixar de fora. Lem-
ra decorre do fato de os professores que participam do curso serem ori- brem-se que o "olhar" de cada um é único. Como "ouvintes"
apreendam
ginários de diversas áreas de formação. Ao iniciarem essa etapa, alguns as sensações dos sons da música, apreciando e observando
a sonoridade
deles se declaram incapazes de produzir exercícios que possam ser "apro-
dos instrumentos, seus timbres,
seu ritmo, seu andamento... Observem que
alguns instrumentos
veitáveis", conforme suas próprias palavras. E "haja matriz humanizan- como o violino, por exemplo, é utilizado de maneira
te
para convencê-los a
tentar", brincam os tutores.
É óbvio que tais difi- inusitada, bem diferente da
sua execução clássica e tradicional... E então a
culdades devem ser consideradas, ao avaliarmos os resultados obtidos partir disso montaremos nossa análise usando o plano de
expressão e pla-
não priorizamos resultados, não há como deixar de no de conteúdo.
por alguns. Como
considerar a relevânciado processo vivenciado ao longo do Festival Ar- Penso que o plano de expressão contém todas as ferramentas
técnicas mu-
possível
nossos objetivos têm sido alcançados, pois é
teduca. E ao final, sicais:timbres, alturas, métrica, andamento, crescente, decrescente etc... e
o plano de conteúdo refere-se ao tema,
perceber que eles compreendem a proposta, valorizando mais o processo seu contexto, suas influências, enfim
de aprendizagem vivenciado do os resultados obtidos nas produções
que
tudo o que já foi expressado aqui no fórum...
artísticas, sem, entretanto, desmerecê-las. Será que ajudei? Bem, espero que sim, seria bom se organizássemos
um
decor- cronograma, quem se habilita? O que acham?
A segunda dificuldade que enfrentamos na etapa de produção
Fico no aguardo, e volto
re do ambiente em que as atividades são
realizadas,
o meio computacional com mais contribuições,
e o ciberespaço. Para superar essa dificuldade é necessário
elaborar tutoriais bjão musical.
resultados de todo esse processo poderão ser vistos nas mostras referentes
Sem dúvida a obra "O Trenzinho do
Caipira" nos leva a imaginar um trem
de partida, desde
às diversas edições do curso, exibidas no Portal do Grupo Arteduca. a estação, o maquinista pondo fogo, o apito chamando os
passageiros e o trem partindo.
Na impossibilidade de me estender mais, finalizo transcrevendo mais
experiência de uma equipe formada por pro- A percussão, juntamente com os violoncelos e contrabaixos,
um recorte, apresentando a do som dos trilhos em movimento, que
fazem a mar-
fessores de música, que analisaram a obra de Heitor Villa-Lobos, consi- cação numa progressão rítmica vão
acelerando andamento da música e tocando em ostinato de semicolcheias,
derando o plano de expressãoe de conteúdo, como se pode perceber na
o
colocando o nosso trem em velocidade, fazendo dessa união de timbres os
mensagem transcrita abaixo: sons das batidas dos ferros da locomotiva.
Olá colegas "Villalobianas" Os metais, ao meu ver, ficam responsáveis pela impressão de partida, de
Bem, que pena que não temos tempo pra análise completa de toda Bachia- todos os sons que
cercam todo o caminho do trem, o apito, os pássaros,
na n. 2... mas
frente.
quem sabe
vamos em a
passagem por um túnel, a aventura e a
emoção.
406 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM NO [NSINO ARIES E CULTURAS VISUAIS
peça atonal, assumem uma melodia totalmente cantante, que nos remete às
Youo
paisagens do sertão, lembrando inclusive das modinhas sertanejas.
tntorior de pobres uma [rolconstruçao
no destino final.
Mais
Videos relaciona dos
Figuras 8 e 9
Os retirantes de Portinari e os da professora Sílvia Araújo, de
Figura 6 Taguatinga, DF. Arteduca 2006
Tela inicial do vídeo experimental Eixo, produzido por uma das equipes do Arteduca 2007/200821
do conhecimento:
Paulo: Cortez, 2005. as bases do entendimento humano.
São Paulo:
Editorial Psy, 1995.
Recorte e colagem: influências de Dewey no Ensino da Arte no Brasil. São
PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. São Paulo:
.
Brasília, 2007b.
duação em Arte do Instituto de Artes, Universidade de
COSTA, Leci M. A. C. Dimensões da imagem: leitura e leitores. Módulo virtual do
curso Arteduca.
Brasília:
Grupo Arteduca, 2006.
.
trado) —
Programa de Pós-graduação em Artes, Universidade de Brasília, Bra-
sília, 2007,
DUFRENNE, M. Estética e
filosofia.São Paulo: Perspectiva, 1998.
410 A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 411
PROCESSOS DE TRIANGULARIZAÇÃONA básica. Considerando todas essas questões, este texto não parte de certe-
zas prévias, vai sendo construído no exercício do entrelaçamento propos-
TRAJETÓRIA DOCENTE: DA EDUCAÇÃO to e
procura mapear processos de triangularização da trajetória de como
ARTÍSTICAÀ EDUCAÇÃO
A DISTÂNCIA fui me construindo professora de Artes Visuais. Ao apresentar os trânsi-
tos desse percurso, entrecruzo reflexões minhas e de autores da áreapara
Primeiras buscas
Neste texto discuto como a Abordagem Triangular alinhava constru- Foi na situação de quem num beco sem saída e que olha
se encontra
çõese desconstruções docentes num recorte de quase vinte anos das suas ao
redor,
só acha
a si mesma, que compreendi que esse era o meu ponto
formulações, das minhas, bem como das formulações do campo do ensi- de partida. Comecei a escavar, mas, ao revirar arquivos, revisitar textos,
nar arte neste país. Para enriquecer a costura pedi ajuda
colaboradores
a
me dei conta de que estava construindo uma viagem aos meus arquivos
que gentilmente me emprestaram suas reflexões que foram entrelaçadas pessoais, perscrutando nestes os vestígios da pergunta que fiz a outros(as)
aos desdobramentos dos achados e perdidos da minha trajetória de apren- professores(as), quando, onde, como
as por que aprendemos sobre a
e
diz e formadora em trânsitos
que vão das artes plásticas à cultura visual. Abordagem Triangular. Como foi se dando minha triangularização? De
Refletir sobreAbordagem proposta por Ana Mae Barbosa em 1991
a
que maneira essa abordagem esteve presente na minha vida, na constru-
pode ser facilmente um exercício de redundância em face do que se tem
çãoda minha docência? Que sinais consigo detectar nas minhas diversas
escrito sobre ela. Dissertações, teses, artigos têm desdobrado a proposta fases de aprendizagens, de descobertas, de equívocos e de angústias?
A situação de construção de narrativa exige uma atividade psicossomática as colaborações recebidas, possibilidades não aventadas foram surgindo
em vários níveis, pois pressupõe a narração de si mesmo, sob o ângulo da entre Abordagem Triangular e construção de trajetórias docentes. Vi-me
sua formação, por meio do recurso a recordações-referências, que balizam a
como uma fiandeira sem muita habilidade (des)afiada a construir algo
duração de uma vida. No plano da interioridade, implica deixar-se levar
com tantos fios sem clareza do desenho a ser formado. Mas, a medida que
pelas associações livres para evocar as suas recordações-referências e orga- ia tecendo,
o exercício/desenho deste texto foi ganhando significado na
nizá-las numa coerência narrativa, em torno da formação. (Josso, 2004, p. 39)
mistura das histórias: minhas, dos colaboradores, aos quais de pronto
No meio do meu processo de "escavação" dos meus guardados foi agradeço a generosidade desse compartilhamento.
surgindo a necessidade de ouvir outras vozes que também pudessem
mover a minha busca. Desde 1997 sou professora da Faculdade de Artes
Visuais da Universidade Federal de Goiás (FAV/UFG) e atualmente co- Cena 1: Formação/atuação docente e contato com Abordagem Triangular
Ydeno um dos cursos de Licenciatura em Artes Visuais na ainda chama-
da EAD
Todos são docentes já atuaram como tutores ou profes-
e atuam ou
educação a distância. Pressenti que daí poderiam surgir
—
ganchos para a reflexão sores formadores no curso que coordeno iniciado em 2008. Em termos de
que eu estava buscando construir e procurei co-
formação a maioria (9) fez a graduação na Faculdade de Artes Visuais,
aboradores para a construção deste texto. Organizei um questionário que
enviado por e-mail a professores da equipe do curso de Licenciatura sendo que uma das professoras tem dupla formação: Bacharelado ha- —
Artes Visuais na modalidade a Distância ofertado pela FAV/UFG.I bilitação Design Gráfico e Licenciatura. Outra também formada em Design
está finalizando a Licenciatura
Pedi que informassem o curso de graduação, data e local da finalização em Artes Visuais de Goiás. Esta é uma
local da atuação docente. Além disso, solicitei que respondessem a estas situação que vem aumentando na UFG, pessoas que concluem o Bacha-
lua tro questões sobre a Abordagem Triangular: relado (Artes Plásticas, Design) voltam como portadores de diploma.
Segundo informação da secretaria, já tivemos um semestre em que uma
1. Onde quando tiveram conhecimento da Abordagem Triangular?
e
vaga para o curso de Licenciatura foi disputada por dezenove candidatos.
2. Quais são os eixos dessa Abordagem? O período de formação se dá entre os anos de 2002 e 2009 na Faculdade
3. Como veem proposta no cenário atual do Ensino de Arte no Brasil?
essa de Artes Visuais da UFG. Nos depoimentos informam que conheceram a
4. Caso já tivessem trabalhado com a mesma, que fizessem um breve rela- Abordagem Triangular no curso de graduação.
to da atividade.
Outras duas professoras que finalizaram, respectivamente, Educação
Artística habilitação desenho e Licenciatura em Desenho e Plástica em
—
Valho-me das memórias da professora Teresinha Rosa Cruz: no tex- Programa de Pós-Graduação em Cultura Visual, o primeiro na área, no
Memórias e algumas luzes sobre a licenciatura em educaçãoartística país, no ano de 2003. Começa a haver uma conexãoentre graduação e
na
'liversidade de Brasília (Arteduca, 2009) descreve o antigo Instituto Cen- pós-graduação, fato esse que redimensiona o processo de formação de
II de Artes (ICA) da UnB como um "canteiro" efervescente .com ativi- profissionais para a área. Por exemplo, dez dos meus colaboradores for-
Ides inteiramente novas no contexto do ensino superior de Artes e Ar-
maram-se na Faculdade de Artes Visuais de Goiás, e desses, cinco são
litetura" no Brasil. Os governos militares silenciaram essa efervescência, mestres em Cultura Visual uma está finalizando. Também acredito ser
e
ofessores foram expulsos ou se demitiram, importante ressaltar quatro desses mestres são professores de Artes
ocorreu a prisão de intelec- que
ais, artistas e sindicalistas. Chego Visuais em escolas públicas na cidade de Goiânia.
ao Departamento de Desenho (DES)
I
UnB em 1978 com soldados armados nos corredores. Cantavam-se Minha trajetória docente também é ressignificada a partir de 1990,
oleta Parra, Mercedes Sosa e Geraldo Vandré, e
no cineclube víamos com o meu ingresso como docente no Ensino Superior e, quase que ao
21son Pereira dos Santos e o EncouraçadoPotemkin. O DES virou Institu-
mesmo tempo, ingresso no Mestrado em Educação na Universidade Fe-
de Arte (IdA), ao qual retorno
como professora na especialização de deral do Piauí de proposta interdisciplinar, recém-criado pelo Centro de
'te e Tecnologia Arteduca em 2006 e
na construção do projeto da Licen- Ciências da Educação na referida Universidade. Esse período é marcado
Itura em Artes Visuais a ser ofertada
na modalidade a distância numa pela necessidade da corrida a leituras para embasamento teórico, o que
rceria de UnB, UFG, Unimontes,
UFMA e Unir. Ou seja, o local onde me leva aos livros de Ana Mae Barbosa e à
leitura também das referências
mecei minha trajetória de formação docente em 1977 é onde,
que ela trazia, muitos, inclusive, convidados por
com outros ela a participarem de
ofessores, elaboramos uma proposta de formação docente via
EAD cujo eventos no Brasil. Comecei a vivenciar as mudanças conceituais e a viver
'ance nenhum de nós tinha condições de prever naquele ano de 2005. a mobilização dos docentes em congressos, conferências e associações,
Igo esses dados porque percebo que os fragmentos da minha trajetória configurando, aos poucos, base para uma açãodocente crítica e transfor-
itada neste texto vão da minha atuação como professora de Educação madora. Depois do mestrado, faço outra mudança, da UFPI para a UFG,
tística na Escola Técnica Federal do Piauí (ETFPi) à implementação e onde passo a ser professora tanto na graduação como também no mes-
»rdenação de Licenciatura em Artes Visuais na modalidade EAD. trado de boa parte dos meus colaboradores. Vem a pergunta: de que
A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 417
BARBOSA • CUNHA
aneira faço parte do contexto de aprendizagem dessas pessoas? Que vida formação educacional. Foi proposta por Ana Mae Barbosa. A
e
lpactos esses movimentos formativos e docentes indicam a recepção e abordagem nasce dentro dos museus de arte no Brasil, com o intuito
)peracionalização da Abordagem Triangular? Vamos aos depoimentos de sistematizar as Ações Educativas logo depois, se expande para o
Ensino Formal.
sultantes da primeira indagação feita aos meus professores-colabora-
8. A Abordagem Triangular dialoga com a arte e com a cultura, preo-
ires:
O que você sabe sobre a Abordagem Triangular?
cupa-se com a leitura estética do aluno para melhor contribuir na sua
Depois do exercício de contextualização dos meus colaboradores,
vida e formação educacional. Foi proposta por Ana Mae Barbosa. A
(nha e de outras localizações espaço-temporais, a segunda pergunta é
abordagem nasce dentro dos museus de arte no Brasil, com o intuito
aisobjetiva em relação à fortuna crítica à qual me referi no início deste de sistematizar as Ações Educativas logo depois, se expande para o
do. A indagação foi: O que você sabe sobre essa Abordagem? Relem- Ensino Formal.
ando, foi pedido que não se consultassem bibliografias. Vejamos as 9.
É uma proposta da arte/educadora Ana Mae, que a meu ver é a pro-
;postas: ensino de refletir
posta mais completa para o arte, que leva o aluno a
sobre a arte.
1. Que desenvolvida no Brasil por educadores nas dependências do
foi
10. Que formulada pela dra. Ana Mae Barbosa e que tem três pontos
foi
MAC-USP a partir de estudos e observações de outras experiências
para desenvolvimento do ensino da Arte.
metodológicas desenvolvidas em outros países, como o DBAE, Critical
11. Que é uma metodologia da arte/ educadora Ana Mae Barbosa, utiliza-
Studies e o Muralismo Mexicano.
da quando trabalhava com o ensino de arte.
2. Uma proposta teorizada pela arte/ educadora Ana Mae.
12. Que foi desenvolvida pela arte/ educadora e pesquisadora Ana Mae
3. Sei que é uma proposta "sugerida" por Ana Mae Barbosa (que no Barbosa, que, tendo contato com uma abordagem relevante nos Estados
início era tida como metodologia triangular); e que foi através de Unidos, trouxe uma proposta para o Brasil com três eixos de atuação
embasamentos de estudos de Ana Mae sobre o DBAE, onde a aborda-
na arte/educação.
gem era em trabalhar com: História da arte, estética, crítica e Produção
artística, Ana Mae reuniu estética e crítica
em um, ficando: Produção, Seja sistematizada, teorizada, sugerida, desenvolvida ou formulada, a pri-
Leitura e Contextualização, não importando a ordem que fosse apli- meira coisa que fica evidente em relação "ao conhecimento sobre" a
cada.
Abordagem Triangular é a autora. Nas respostas à indagação "0 que você
4. Trata-se de proposta bem-fundamentada na inter-relação entre
uma sabe sobre..." a importância da autoria é o que sobressai provavelmente
,
na Fundação Paul Getty. A respeito deste equívoco, a autora Ana Mae a) levantar dados bibliográficos acerca da Metodologia Triangular e suas
bosa, em e-mail veiculado
no site do Grupo Arte/ Educar, em 2002, aplicações (sic) no ensino da arte;
gido à Fundação Iochpe, esclarece que: b) buscar intercâmbio com instituições que aplicam (sic) a metodologia
triangular em todo o país;
A Abordagem Triangular e o DBAE são interpretações diferentes, no máxi-
c) publicar artigos sobre os fundamentos ea prática da Metodologia Trian-
mo paralelas, do pós-modernismo na Arte/ Educação. O DBAE é um dos
produtos americanos da educação pós-moderna. [...] O Critical Studies a
gular; e
é
d) utilizar a Metodologia Triangular na elaboração de planos de aula da
manifestação pós-moderna inglesa no Ensino de Arte como o DBAE é a
manifestação americana e a Abordagem Triangular a manifestação pós-mo- disciplina Prática de Ensino.
receita quase pronta. Muito embora esteja bem-articulada, acredito que 12. Atualmente, após a expansão dessa proposta, vejo que uma de suas
a intenção de Ana Mae Barbosa é que os professores a utilizem como características tem sido interpretada de forma diferenciada. A propos-
um ponto de partida para, a partir
daí, refletir sobre
sua aplicação em ta é livre e circular, podendo se estender principalmente
no quesito
sala de aula dentro de vários pontos de vista (interdisciplinar, multi- contextualização, algo que vem se tornando
uma constante e
um rigor
disciplinar, transversal etc.). linear e absoluto na tríade.
6. Para grande maioria dos docentes que não passaram por uma gradua-
Se as respostas
anteriores sobre "o que sabem" são mais frouxas, os
çãoem Artes Visuais a abordagem ainda é desconhecida. Mas para
quem a conhece e a
utiliza fica claro o
quanto o grupo pode se desen- depoimentos sobre "como percebem" são mais incisivos, revelando co-
volver de maneira sensorial e cognitiva. nexões com a experiência de cada pessoa, não apenas uma elaboração
7. Creio que esta abordagem no Brasil e para os professores de arte tem teórica conceitual a respeito da Abordagem Triangular. Temos um con-
uma importância decisiva na postura e identidade como profissional junto de posicionamentos
que vão de uma indicação que considera a
docente em arte. Entretanto... os encaminhamentos dados à proposta
abordagem superada/ ultrapassada, do uso superficial que se faz dela em
ainda nos anos 1990, tanto nas discussões como na própria formação
docente, fizeram o Ensino de Arte muito confuso, uma vez que nos programas de educação, indicações de contribuições, crítica a reducionis-
víamos diante da condição de ensinar e as circunstâncias do universo mos de materiais pedagógicos. Apesar de um depoimento indicar como
positivo a "fluidez" mais recente do acesso a bibliografia, o
artístico. Tal construção ainda está presente e com muita força na socie- que fica pa-
dade. Muitos dos professores ainda percebem que a arte é tão somente tente é que a disseminação da abordagem entre os professores da educa-
o objeto eque se basta por ele. Vimos ainda bastante pragmatismo na çãobásica se faz por meio dos documentos oficiais do MEC os Parâ- —
discussão do ensino de arte, beirando a receituário de como e o que metros Curriculares Nacionais, os famosos PCNs que incluíram as artes
fazer para dar ou ser professor de arte. A metodologia triangular no curricular.
como componente
Amapá, em específico, tem 90% de concepção de proposta pedagógica,
tanto incentivada pelos PCNs, pela formação docente e pelo acesso Acredito que este fato deu-se numa transitoriedade entre aformaçãodocente e as
mais fluido de bibliografia acerca deste aspecto. lutas para o reconhecimento da disciplina de arte no currículo oficialdas escolas
8. básicas, que tinham no imaginário as propostas da escola nova. Pra ticamen-
Hoje no Brasil a abordagem é muito conhecida por educadores de arte,
acredito que cada uma tem buscado interpretar da sua forma a abor- te sem rumo para a
ação pedagógica me vi limitada a seguir as diretrizes
dagem, não sei se nessa "Interpretação" todos tem pesquisado a fundo propostas pela secretaria de educação. Em 2001, ao entrar para a universida-
çõespresentes nas diferentes, mas também coincidentes, percepções sobre vejo claramente que foi elaborado sob a influência das ideias e leituras
professora Ana Mae Barbosa. No tópico VII estão os eixos de da Aboc•
a abordagem no atual contexto do ensino de arte no Brasil.
ação
No depoimento da colaboradora n. 7 afirma-se também que a abor- dagem Triangular. Infelizmente não achei o resto do documento que intco•
dagem "tem uma importância decisiva na postura e identidade como duzia e apresentava os tópicos, mas, mesmo assim, achei importante trazê-l(
profissional docente em arte". Esse depoimento vem ao encontro do meu para este texto, pois sinalizam meu processo de triangularização:
esforço na construção deste texto, de entender a abordagem não como um
I) Repensar o conceito do Ensino e aprendizagem de arte. Como qualquer
procedimento metodológico, passível de ser "aplicado" mas como eixo-li-
É, portanto,
,
Creio que esse é um aspecto ainda não mencionado na literatura. Esse Abdicando romântica que arte é só
da visão para privilegiados ou
desejo pode estar atrelado a essa vontade deflagrada por muitos fatores, coisa de bom
elite,
é lembrar que a área de artes gera pelo menos 2/5
tais como a circulação de ideias (inclusive em outras áreas), diálogos com dos empregos do país.
colegas, a assistência de palestras IV) Para que uma nova concepção penetre nas escolas e na socie"
de arte
que possam ter despertado esse desejo
dade é preciso antes de tudo pensar na formação de recursos humanos,
impedido pela falta de capacitação. O irônico é que os PCNs tentam pre-
de pessoal capacitado que atue tanto nas escolas de 10, 20 e 30 graus,
encher justamente essa lacuna. Na difusão e uso equivocado da Aborda-
gem Triangular pelos PCNs, temos um paradoxo. A elaboração dos PCNs
V) É fundamental também encontrar fundamentos que norteiem O
currículo do Ensino de Arte. Só através deste teremos ideia do que
como documento oficial distorce os eixos epistemológicos da Abordagem
Triangular e difunde uma orientação equivocada em todo o território será desenvolvido qualitativamente na escola.
VI) Não só os professores de arte precisam de uma reciclagem, mas os de
nacional. Se
um dia essa difusão me pareceu positiva por chegar larga- alfabetizados esteticamente,
outrasáreas também precisam ser espe-
mente aos professores, hoje percebo a armadilha que ela se tornou. A
cialmente os do pré-escolar.
Abordagem Triangular espraia-se desdobrada em fórmulas, clichês e
VII) Alfabetização estética implica o conhecimento dos códigos que possi-
receituários. bilitam o fazer, a contextualização da arte. Esta alfabetiza-
reflexão e a
Em 1996, como professora do já mencionado DEA da UFPI, fui chama-
da a elaborar alguns critérios como sugestão para um documento do Plano
çãose desdobra em outras, como, por exemplo, alfabetização visual,
tão importante no mundo contemporâneo onde vivemos uma profusão
Decenal de Educação para Todos no campo das artes. Não sei que destino de imagens veiculadas pelos meios de comunicação visuais (impressos
teve esse documento entregue à direção do Departamento, mas, relendo-o, e eletrônicos).
426 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS
Vejo nestes tópicos a mesma confusão conceitual dos depoimentos a Abordagem Triangular durante sua última graduação, mas só nesse
dos meus colaboradores. Uma mistura das minhas apreensões concei- projeto teve oportunidade de vivenciar uma experiência supostamente
tuais, consciência crítica, posturas pessoais frente à maneira de ensinar e sistematizada com a Abordagem Triangular. Isso dá muito que pensar do
repertório cultural, mas com equívocos, tais como no item IV. Hoje per- lugar para a experiência dentro dos nossos cursos de formação de pro-
cebo o quão hegemônica (para não dizer fálica) é essa de que uma
noção fessores. Nesse sentido, o próximo depoimento também revela uma
nova concepção penetre na escola. Já no item VII eu não usaria mais o oportunidade de experiência com a Abordagem Triangular fora do con-
conceito de alfabetização, qualquer que seja, pois para isso teríamos
que texto da sua aprendizagem, bem como do seu local de trabalho:
acreditar que as pessoas sejam analfabetas visuais. Vejo essas transfor-
Sópude usá-la durante um trabalho que desenvolvi de Ação Educativa no
mações conceituais nas experiências de
meus colaboradores, pois, por
Museu de Escultura ao Ar Livre. Nesse trabalho tive como "base" e alicer-
um lado, se uma delas relata o policiamento a que foi submetida ao tra-
balhar num projeto que se apropria da Abordagem Triangular de forma ce a Abordagem Triangular, mas também dialoguei com outros autores que
prescritiva, por outro lado, rememora a experiência de forma crítica e puderam potencializar o Museu é aberto, busquei nesse diálogo autores do
turismo que estabelecem "critérios" importantes para a aprendizagem
reflexiva:
mediada ao ar livre: Reuven Feuerstein, Keith Pennyfather, Freeman Tilden.
O material didático da foi desenvolvido com intuito do professor
Os professores de Artes do "Projeto Acelera" recebiam um manual de ins- ação
realizar a visita ao e trabalhar a produção de arte na escola explo-
truções com as atividades que DEVERIAM ser aplicadas nas aulas de artes. museu
O projeto de Artes Visuais trazia como título algo relativo a cores e formas. rando outras possibilidades, elaborando propostas poéticas a partir da
A estrutura de formação funcionava da seguinte maneira: A SEE-GO reunia leitura/ fruição/ contextualização das obras do museu. A mediação no mu-
seu aberto também visava à experiência da "escuta", e das perguntas pro-
um grupo de professores (multiplicadores) para a formação inicial acerca
do projeto; na sequência cada multiplicador reunia-se, nas subsecretarias, vocativas para os alunos. (Professora colaboradora n. 8. Relato envia-
feitas
com as equipes de professores de artes, responsáveis pela aplicação do do via e-mail em 19 de fevereiro de 2010)
projeto diretamente em sala de aula. Nessas reuniões todos os professores
vivenciavam as propostas indicadas no material. Recebíamos visitas cons- O relato de experiência dessa professora nos leva ao contexto de
tantes dos multiplicadores a fim de consultar nossos cadernos de registro origem da Abordagem Triangular no Museu de Arte Contemporânea da
e saber dos alunos se estávamos trabalhando EXATAMENTE como foi USP. O museu ao qual a professora se refere é um conjunto de esculturas
proposto. O material do projeto apresentava reproduções (tamanho A3 —
mas faz uma ressalva importante para minha reflexão. Ela passou pelos do um exemplo do trabalho que realizou com 25 crianças (de 8 a 10 anos)
cursos de Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais na UFG, estudou da Sociedade Cidadão 2000 para a sua pesquisa de mestrado:
428 BARBOSA • CUNHA A ABORDAG[M AR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS
Eu trabalhei com imagens em movimento. Levava filmes, elas (as crianças) da História da
Arte. Mas nosso professor avança, extrapola a prisáo tene
escolhiam entre três para assistirem naquele encontro. Assistiam, no próxi-
poral, salta das paredes rupestres para as paredes da vida cotidiana,
mo encontro elas faziam uma atividade plástica sobre o (alguns foram
filme
Provoca os estudantes com trabalhos de arte contemporânea
desenhos, outros colagens, outros modelagem com argila etc.). No final da que condo•
atividade havia um momento para que elas pudessem apresentar seus zem a uma reflexão. Leva-os ao quarto, ao guarda-roupa. Sai da prescri•
trabalhos e relacioná-los ao filme assistido, assim eu, como mediadora, çãopara a provocação. Enfim, vimos nesses relatos de experiências con•
inseria conceitos existentes e por elas percebidos (em alguns momentos não textos educacionais diversos, escolas regulares,
museus virtuais, A,
conseguiam explicar) de maneira mais "completa" (sei que não é a palavra projetos sociais, uma diversidade para a qual a formação de professore»
correta, talvez sistematizada).
Para as atividades descobri que a sequência: de artes visuais precisa estar atenta.
Prática e Contextualizaçãofuncionou melhor, pois durante a prática
Leitura,
A relação ensino de arte e imagens da mídia nãoé nova. No entanto, As perguntas sobre o "que você entende por..." e "como
a relação direta entre imagens em movimento e a Abordagem Triangular vocêperce•
be.., certamente me trariam os eixos das
"
zação. 9.
Apreciação/ContextuaIizaçáo/
4. Apreciar/Contextualizar/Fazer
desenhariam ou escreveriam (ou xingariam ou pregariam) nas paredes de Produção
5. Contextualizar/Fazer / Apreciar
seus quartos e nas portas de seus guarda-roupas e do quarto enfocando
— 10. Conhecimento (história)/
a arte contemporânea na instalação de Siron Franco das portas das celas dos
6. Fazer arte/ Apreciar imagem/Con- (percepção)/ Fazer
presidiários mortos em chacina, destacando as "inscrições" nelas expostas textualização 11. Ver/ Fazer/ContextuaIizar
12.
com a pergunta: O que poderia conter naquelas portas? (Professor colabo- Fazer/Apreciar/ContextuaIizar
rador n. 12. Relato enviado via e-mail em 19 de fevereiro de 2010)
palavra arte. A consciência aliada à experiência de que os vértices não de São Paulo, incluindo não somente escultura, pintura e desenho,
têm uma hierarquia aparece nas observações que se seguem logo após também design, tevê e vídeo". Estes
cursos tiveram lugar depois do Ilen•
listarem os eixos, por exemplo, o professor n. 7 diz: "O curioso desta tival de Inverno de Campos do Jordão, em 1983.2 Não há conflito
concepção, para mim, é que ela não necessariamente necessita iniciar por "obra de arte" e "imagem". Já os deslizamentos nas operações de leitura
um específico ponto, linear, contínuo e constante, mas por qualquer um, se difundiram nos materiais didáticos normativos, oficiais, como o ma te•
muito embora quase sempre, os professores e eu também o fazia, con- rial já citado aqui. Leitura implica aprendizagem de códigos e decodifi•
cluíamos nossas aulas com a apresentação da obra de arte dos alunos". de como eles foram organizados, o que já nos leva para interpretação,
cação
Os professores ns. 3 e 4 fazem questão de observar: "não importa a ordem". operaçãoativa, que se opõe a "fruir" e "apreciar" operaçõespassivas atadas
Nesses deslizamentos e desdobramentos, dois conceitos ou operações a um ideal romântico de "obra de arte" como
um estado de espírito ele•
foram mais consistentes: o contextualizar citado nove vezes e o fazer ci- vado propiciado pelo contato com as "obras de arte" especiais, feitas por
tado dez vezes, e ainda os termos produção geralmente vinculados à "artistas especiais". Depois de organizar as respostas que recebi, enviei-as
parte prática, somariam aí doze referências. Nos depoimentos recebidos,
por e-mail para a professora Ana Mae Barbosa e pedi que fizesse um COO
leitura também tem os seus desdobramentos: leitura de obra de arte/ mentário sobre as percepções dos meus colaboradores. Ela responde diu
leitura de imagem e seus deslizamentos: ver, fruir, apreciar, analisar. Ana
zendo que os depoimentos revelam as principais confusões na recepçào
Mae Barbosa enfatiza que no livro A imagem no Ensino da Arte (1991), o da Abordagem Triangular pelos professores e que
qual lançou a Abordagem Triangular, não se propõe apenas a leitura de
obra de arte, pois o próprio título do livro fala de imagem e não de obra A Abordagem Triangular foi atropelada pelos PCNs que elegeram a aprecia.
de arte. No referido livro, Barbosa, citando Robert Saunders (1991, p. 54), ção em vez da LEITURA. Apreciação é o laissez-faireda recepção.Apreciaçáo,
fala também em trabalhar objetos e imagens do cotidiano, por exemplo: eu já dizia no livro A imagem no Ensino da Arte, carrega implicitamente a ideia
'pedir aos alunos uma lista de objetos decorados que tenham em sua casa de aceitação: —
Eu aprecio você, é o mesmo que dizer: Eu gosto de você—
e no dia seguinte trazer a lista admiro. Apreciação leva a um problema de reprodução de valores
com mais alguns que tenham esquecido ou eu o
de mencionar. Fazer observar o padrão da roupa de cada da elite para todas as classes sociais. Vira um discurso de convencimento
um e pedir para
descrever os desenhos e padrões das cortinas, paredes e móveis de sua para fazer as classes oprimidas valorizarem o que a elite valoriza. Isto serio
casa". Ainda na página 62 recomenda "vídeos e filmes para estimular uma forma de colonialismo cultural. (Barbosa, depoimento via e-mail, em
14 de fevereiro de 2010)
uma leitura criadora". Na página 2 aponta a necessidade de a educação
artística preparar para "as profissões ligada a arte comercial como pro-
Na minha elucidação do caráter elitista da "apreciação"
trajetória a
paganda, broadcasting, cinema, vídeo e som, setor de tevê, sonorizadores
é crucial para a fundamentação conceitual da minha busca pela cultura
e câmeras que realmente conheçam a cerca de imagem". Ainda informa
popular, ou, como reformula Ana Mae, pela cultura visual do povo. Para
que "a primeira tentativa de analisar imagens em cursos de arte/ educa- a autora Barbosa, todas as classes devem conhecer (diferentemente de
dores teve lugar durante a Semana de Arte e Ensino na Universidade de
São Paulo (1980), através de workshop utilizando a imagem de tevê, apreciar) todos os códigos culturais em nome do Interculturalismo, mas
mas
a maioria dos participantes considerou aquilo uma heresia" (p. 15). Re-
2. Nota das organizadoras. Neste livro, o texto de Rita Bredariolli sobre o Festival de Inverno
fere-se,
na página 17, à "organização de cursos de Arte na USP para de Campos do Jordão de 1983 demonstra o conceito expandido de arte e valoração do meio ambien•
professores de escolas primárias e secundárias da Secretaria de Educação te e da imagem, não apenas da Arte.
43? BARBOSA • CUNHA ABORDAGIM IRIANGtJIAR NO ARIIS ItJRAS VISUAIS
que levar a gostar do código hegemônico é colonização.Para ela cada mencionadas pela professora n. 4 quando descreve seu enfrentamento
alerta
um gosta do que puder defender como valor visual! metodologia triangular" no Projeto Acelera. Vemos
como a hegemonia
da história da arte convencional
A palavra releitura não aparece nenhuma vez nos depoimentos de ainda predomina nas agendas ed uca tivan,
A nova história e os estudos culturais
meus colaboradores. Considerando que a maioria é, ou já foi, professor/ a que dão base à Cultura Visual tra•
de educação básica em redes públicas, essa ausência traz certo alívio. A zem exemplos para a contextualização: a relação com o cotidiano,
com
releitura desloca-se do vértice ler (re ler = ler de novo) para "o fazer" memória, as tecnologias do ver e do ser visto etc. Ana
Mae lembra que
Rizzi (2002, p. 69) chama a atenção para a diferença entre cópia de um questões que a Cultura Visual trabalha hoje já estavam presentes
no livro
trabalho no qual se busca aprimoramento técnico, apropriação via imita- A ñnagemno Ensino da Arte que lançou a Abordagem Triangular. Nesse
livro a autora aponta para a necessidade da leitura da imagem
çãode soluções de problemas etc.; onde não há interpretação e criação. por meio
Explicita que na releitura há transformação, interpretação, criação com de teorias, quer seja semiologia, teoria da gestalt, e
outras. No entanto,
base num referencial: o texto visual. Pessoalmente, acredito que o proble- sabemos que não é fácil a revisão da hegemonia da História da Arte,
ma não é exatamente a dicotomia entre reprodução e criação. Primeiro Mesmo porque esta foi objeto da exploração comercial da indústria de
porque, de acordo com Ernest Gombrich no livro Arte e illlsão
(1998), a reprodução de imagens de "obras" consagradas no seio dessa disciplina,
cópia leva à aquisição de schemattas por meio do ensaio e erro muito im- Na década de 1990, uma vez abandonado o medo de levar
para a sala de
portantes para o processo de aprendizagem, especialmente no campo do aula imagens a fim de
não macular a "virgindade criadora" dos estudan-
que chamamos de arte. Em segundo lugar, penso que o problema é a
tes,
passamos a recomendação de "acesso e repertório". Essa recomenda-
proposição de uma coisa (cópia) objetivando-se a criação, interpretação. çãovem da contemporaneidade da Abordagem Triangular, que já ganha-
Como diz um bordão novelesco muito popular, "uma coisa é uma coisa, va espaço nas orientações metodológicas no cotidiano de alguns
outra coisa é outra coisa". professores. A professora Alice Martins, que investiga a relaçãocinema e
Segundo Ana Mae Barbosa, nas artes visuais, estar apto a produzir educação, diz que:
uma imagem e ser capaz de ler uma imagem e seu contexto são duas ações
Nos anos 1990, consolidou-se, tantonos ambientes de formação de profes-
mentais inter-relacionadas, o desenvolvimento de uma ajudando no de-
sores, quanto nas escolas de educação básica, a ideia de que deveria
senvolvimento da outra (Pillar e Vieira, apud Barbosa, 2002, p. 15). ser
assegurado, aos estudantes, o acesso aos acervos artísticos, fosse
em visitas
Em depoimento telefônico, Ana Mae alerta que o VER/ FAZER/ aexposições, por meio de publicações e outras
mídias, ou outras estratégias.
HISTÓRIA DA ARTE se refere a experimentação no MAC no período O contato com obras de arte seria a fonte indispensável
à construção
do
entre os anos 1987 e 1990. O Museu respira história. Relembra que já em conhecimento artístico. (Martins, 2009, p. 104)
1991 ampliou a contextualização para além da história, incluindo a con-
textualização sociológica, antropológica, enfim, o que a imagem pede para Relembro a minha fase de "catadora de imagens". Meu
acervo ia se
ser entendida, com os professores da Prefeitura de São Paulo no tempo fazendo com númerosdispersos de coleções, tais "Gênios da Pin-
como
de Paulo Freire. A preocupação de Ana Mae faz sentido, pois nos depoi- tura", "Mundo dos Museus", bem como páginas arrancadas de revistas
mentos de meus colaboradores contextualizar, que tem nove citações, Veja, IstoÉ e outras
que traziam reportagens sobre o mundo da arte, da
quatro delas são conectadas à História da Arte: contextualização por meio cultura, de arqueologia, e o que mais me interessasse. A guisa desse exet%
do conhecimento histórico.de períodos, estilos, biografia de artistas etc. cício revisito a também aposentada
pasta, ou o que restou dela, e
encon-
Essa "contextualização" historicista tem servido de apoio às receitas já tro reportagens tais como "O berço da beleza", sobre uma exposição nos
BARBOSA • CUNHA
A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS
tados
Unidos que reuniu o maior conjunto de escultura clássica, já
A professora Teresinha Losada Moreira aborda a interpretação da
ostrado fora da Europa (IstoÉ, 9 dez. 1992); "Dores populares", sobre a
imagem valendo-se de estratégias de ensino para desenvolver esta ha-
ra do poeta paraibano Augusto dos Anjos com ilustrações de Egin bilidade nos estudantes. Adota alguns fundamentos teóricos baseados
hielle (Veja, 28 dez. 1994); "Circo mágico", sobre o estilista Thierry
nas teorias da linguagem: os princípios cognitivos da semiótica peircea-
ugler relação entre a moda e a arte (Veja, 5 fev. 1997), entre muitas
—
Itura internáutica, tem de referências feitas aos estudantes, a principal estratégia de ensino adotada foi ofere-
que são muito maior do que a
ssa? Entendendo-nos como professores/ mediadores (em contexto cer apenas alguns conceitos-chave desenvolvidos por esses autores, para
mal e não formal), como vamos estabelecer parâmetros de escolha de ajudá-los a fazer suas próprias interpretações. *
jertório e de verdades interpretativas
acerca dos mesmos? Coutinho Ao trazer as diferentes reflexões dessas autoras, quero enfatizar as
109, 177), no texto "Estratégias de mediação
p. Abordagem Triangu-
ea diferentes possibilidades dialógicas que as ações, eixos operacionais ou
,
afirma "que as questões propostas pelo mediador devem procurar vértices da Abordagem Triangular nos oferece para o exercício docente.
:er que os intérpretes possam testar suas hipóteses e confrontar seus Os deslizamentos podem ser frutos da desinformação ou reinterpretação
ntos de vista, garantindo o espaço de expressão de suas ideias e con- desinformada, como nos diz a colaboradora n. 7 no seu depoimento sobre
nando sua capacidade autonomia interpretativa". Essa percepção
e sua
como percebe a abordagem no contexto atual do ensino de artes visuais.
Ilógica integra as contextualização/ interpretação, desvinculando
ações De qualquer maneira, as reinterpretações desinformadas carecem de
necessidade do "conhecimento histórico da arte". Para ela, "a contex-
elucidações. Assim, podemos pensar os deslocamentos dos eixos como
Ilização se integra ao processo de interpretação e é quem irá tecer a
um constante esforço de revisão teórica de fundamentação que alimenta,
ma dos significados, ao mesmo tempo que situa todos os atores da ação explica e reatualiza organicamente a Abordagem Triangular elaborada
erpretativa que operam com seus próprios contextos de referências'
)utinho, 2009, p. 177). *
Ver artigo de Terezinha Losada na Parte 3, capítulo 3, deste livro. (Nota das organizadoras.)
430 BARBOSA CUNHA
• A ABORDAGEM IRIANGIJLAR NO ENSINO DAS ARTES E
CULTURAS VISUAIS
importa a ordem". Michael Parsons discutindo sobre currículo integrado e também como registro histórico. Na segunda etapa trabalhamos com
explica que edição destas fotos utilizando os recursos disponíveis nos dispositivots
utilizados, como bluetooth, cabos ou impressões em lan 11011ses. Numa tercei-
a integração ocorre quando a aprendizagem faz sentido para os estudantes, ra e última etapa, analisamos as imagens selecionando as que o grupo
especialmente quando a conectam com os próprios interesses, experiências considerou mais condizentes com a proposta e foram exibidas em data
de mundo e vida. Finalmente, é a mente do estudante em um evento da escola para toda comunidade. (Depoimento da profefi•
que é integrada. É
a
claro que quando se diz "mente", incluímos emoções, intuições, valores e sora n. 5,
2010)
experiências sensoriais. (Parsons, 2006, p. 296).
Vivemos um apartheid entre universidade local de formação e —
—
E a essa
integração que me refiro quando penso na intersecçãoda professores da educação básica aqueles para os quais nossa fala chega
—
de estudantes de qualquer Triangular na graduação, mas só foi vivenciá-la no projeto Acelera, infe•
açãoeducativa: Educação Infantil, Ensino
Médio, EAJA, bem como na vida dos docentes,
como procurei demons-
lizmente. Por outro lado,
penso que seja clara a importância do papel
trar
no meu namoro com fontes imagéticas de temas e procedências formação universitária, no ciclo graduação / pós-graduação, pois expa
variadas. provoca, reconceitualiza paradigmas e formação docente. Os meus col/i•
boradores professores da rede pública, formados na década de 2()()() conj
pós-graduaçà(i,
uma graduação mais problematizadora, e os que têm
*
Ana Mae Barbosa fala da leitura da obra ou do campo de sentido da imagem e da Arte. (Nota
das organizadoras.)
apresentaram exemplos de experiências nas quais, embora os desloca•
438
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM IRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS
mentos conceituais apareçam, demonstram uma atuação mais crítica. Sei não entrou na edição desta narrativa: pessoata,
que muita coisa
Citando Fanon, Ana Mae (2002, p. 18) diz que "a Arte capacita um homem fatos, experiências. Não quer dizer que não sejam importantes ou que
ou uma mulher a não ser um estranho em seu meio ambiente nem estran- fizeram parte dessa construção. Vou pegar emprestado da professora
geiro no seu próprio país. Ela Cristina Rizzi, quando se refere a sistematização por Ana Mae Barbonci
supera o estado de despersonalização, in-
serindo o indivíduo no lugar ao qual pertence, reforçando e ampliando de uma "concepção de construção de conhecimento em arte" (2002, p, 60)
seus lugares no mundo". Diria que tem sido esse o meu processo de para me referir a uma concepção de construção docente em artes visuait4,
que passa inclusive pela desconstrução do próprio conceito de
arte. Assin0
triangularização
que tem ajudado a me inserir em vários pertencimentos sucessivas triangularizaçõesforam ocorrendo por meio de revisões, ensai(
que o ensino de arte tem me proporcionado. Ao construir agenciamentos
e erros, desconstruções conceituais, mudanças de contextos geográficon,
identitários, vejo a minha docência
sempre mais aprendiz que formadora. de trabalho, de temas investigativos etc.
Ao mesclar a reflexão dos depoimentos dos meus colaboradores com a
Gostaria de finalizar este texto dizendo que os lugares em que
minha narrativa pessoal, não sabia muito aonde ia chegar. No entanto,
encontro agora foram construídos nesse processo. Mesmo a EAD,
no processo da construção desse texto algo foi ficando claro: a importân-
sempre como um "acidente" na minha vida ou um desafio provocado
vi
cia da Abordagem Triangular como
uma proposta muito além de uma pelo gosto de aventuras, vejo que tem suas raízes nesse processo. Em 1992,
metodologia a ser "aplicada" em situação de sala de aula ou na elabora-
quando monto um projeto de iniciação científica que objetivava conhecer
çãode estratégias educativas. aMetodologia Triangular, que na justificativa apontava para a necessida•
de de formar mais e melhores professores para o ensino de artes visuai'4
forma se tornou uma
0 que poderia conter naquelas portas? neste país, de certa
açãoconcreta. Nosso curso
apresenta três pilares que têm por base a articulação entre a teoria e
A construção dessa narrativa revelou um processo gradual do que prática no processo de formação. Concebendo o conceito de sujeito que
estou chamando de triangularização ao longo desses vinte anos, pensa, age e transforma suas práticas durante o seu processo de apren•
com pri- dizagem, ao mesmo tempo que essas práticas interferem e articulam na
vilégios, sortes, curiosidade,
dificuldades, altos e baixos, deslocando
construção conceitual e teórica desse sujeito.
constantemente os vértices do triângulo. De acordo com Tourinho, a
'narrativa é uma forma de compreensão da experiência". É dessa forma 1. A articulação do processo de formação de docentes em artes visuais ao
que compreendo esse exercício narrativo, pois contexto educacional existente dialogando com a realidade da regiào
entendendo a realidade existente e propondo transformações que enri•
Ela tem como objeto de estudo histórias vividas
contadas que mediam
e queçam e reforcem a educação em artes no local.
pensamento e ação, contexto e circunstância, presente
e passado,
mapean- 2. A articulação do processo de formação de docentes em artes visuais
do elementos que tecem significados entre a história individual e a história o contexto cultural local apoiando-se numa concepção multicultural
(le
uma proposta que, muito mais do que definir uma sistematização para o JOSSO, Marie-Christine. Experiências de vida eformação.São Paulo: Cortez,
ensino de arte, tem construído de maneira significativa trajetórias de arte/
MARTINS, Alice Fátima. Da educação artística à educação para a cultura visual:
educadores/ as nesse Brasil em suas inquietações práticas, teóricas, con-
revendo percursos. Refazendo pontos, puxando alguns fios dessa meada... In:
ceituais, pedagógicas, artísticas, estéticas e culturais. Entre revistas e livros
vistl(ll:
MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (Org.). Educação da cultura
que li, planos que recriei, pessoas que formei e que me formaram, sigo narrativas de ensino e pesquisa. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2009.
meadas da minha tessitura nos processos contextualizados pelas mudan-
MARTINS, Raimundo (Org.).Das belas-artes à cultura visual: enfoques e deslocou
quais lugares
como Brasília, Teresina, Goiás, São Paulo (entre
ças nas mentos. In: Visualidade e Educação, Goiânia: Funape, 2008.
(Col. Desenredos, n. 3.)
outros) foram e continuam sendo apenas pontos de partida. Abertos, os
TOURINHO, Irene (Org.). Educação da cilltllra visual: narrativas de ensino
vértices do triângulo são vórtices!
•
AZEVEDO, Fernando. A arte possibilita ao ser humano repensar suas certezas e PENNA, Maura; MELO, Rosemary Alves de. Pintando o sete? As artes na edu•
reinventar seu cotidiano. In: BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane. Arte/ da
caçãoinfantil. In: MARINHO, Vanildo Mousinho; QUEIROZ, Luís Ricardo
EducaçãoC01110 Illediação cllltural e social. São Paulo: Editora Unesp, 2009. (Col. Arte Silva (Org.). Contexturas: o ensino das artes em diferentes espaços. João Pessoa:
e Educação.) Editora Universitária /UFPB, 2005.
BARBOSA • CUNHA
REGRINO, Yara Rosas et al. (Coord.). Da caniiseta ao museu: o ensino das artes
democratização da cultura. João Pessoa: Editora Universitária, 1995.
Icação artística
universidade de Brasília. Brasília: UnB/IDA. Material Jociele Lampert
na pu-
:ado no site do Arteduca arte, educação e tecnologias contemporâneas, 2009.
—
Visualidades comuns, mediação e experiência cotidiana. In: BARBOSA, plástica, mas sim a poética do ato criador exercido no cotidiano da sala
a Mae; COUTINHO, Rejane. Arte/Educação como mediaçãocillttlral e social. São de aula, isto denota pensar o processo artístico paralelo às questões que
110:
Editora Unesp, 2009. (Col. Arte e Educação.) permeiam o ensino da arte. Levando-se em consideração que estas ques-
tões e tantas outras são trabalhadas nos cursos de formação, conforme
Lampert (2005), é questionável o porquê de ainda encontrarmos profes-
sores em escolas (muitas vezes recém-formados) trabalhando de forma
desconexa da realidade do aluno, sendo extremamente conteudista, apli-
cando provas, propondo atividades meramentepelo fazer técnico, e sem
fim educacional nenhum ou por um mero valor cartesiano.
Na contemporaneidade, a formação do artista/ professor/ pesquisa-
dor poderá estar em constante estado de pensar e refletir criticamente o
contexto de tendências e processos globalizantes, onde, de maneira geral,
valores sociais e educativos sofrem embates, questionamentos ou são
pressionados pelos apelos do senso comum ou midiático.
UARUOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 445
Desta forma, as Artes Visuais tornam-se de fundamental relevância teóricas mudam, são mescladas e alteradas de acordo com o contexto
para a transfiguração cultural do discurso político, considerando a inte- onde estamos.
ração social e as formas de tessituras identitárias
que caracterizam uma Pois é papel do campo de conhecimento das Artes Visuais gerar
condição contemporânea. Isto pode manifestar-se de fato por meio de de produção e recepçào:
novas problemáticas e tendências aos sistemas
imbricações culturais interpessoais, ou em encontros sociais, institucionais tencionar acesso, gestar a produção, divulgação, legitimação e circulaçâo
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E
CULTURAS v1stJA1s 440
do conhecimento, não de informação apenas. Somente assim serápossível produção cultural, e neste espaço de produção cultural há imbrica•
como
impulsionar formas de aprendizagens autônomas e colaborativas cen- mentos políticos e ideológicos que permeiam o currículo.
trando na indagação ou questionamento em dinâmicas contextuais. O
A cultura visual (visual cultllre) tornou-se um eixo temático e objeto
que se busca é compreender a forma como se constitui o efeito de sentido,
de investigação desde a publicação do texto de W. J. T. Mitchell (1994)
ou como se dá significado às coisas no mundo em que vivemos.
com as primeiras analogias sobre a teoria da imagem. Neste sentido, re•
E viável
que se pense sobre o que é uma imagem. Ou ainda, como fletimos sobre um produto de compreensão de que os elementos formam
pensar a imagem das coisas e a imagem de nós mesmos. Conforme No- parte da condição do espectador, assim o olhar, o ver, a prática da obser•
vaes (2005, p. 11), "o desvelar de uma imagem está na própria etimologia vação, a vigilância e o prazer visual podem tornar-se uma problemática
da palavra theoría. Derivada da fusão de théa ('visão', 'olhar') e ora ('des-
tão intensa quanto o ato de interpretação da experiência visual,
velo')". Desta forma, para tecer um olhar crítico/ estético, é preciso que que CCE
tamente não se restringe a um modelo textual.
se pense em atos que levem à compreensão. "Se não sabemos ver, é cer-
tamente porque a visibilidade não depende do objeto apenas, nem do Nas últimas décadas, tanto estudos visuais, quanto os estudos
os
cultura visual
sujeito que vê, mas também do trabalho de reflexão: cada visível guarda para a com abordagens transmetodológicas, vêm sendo
discutidos por diversos teóricos, tanto na Europa, quanto nos Estados
uma dobra invisível que é preciso desvendar a cada movimento.
"
Desta forma, o que busco explicitar é Unidos e países da América Latina os estudos visuais estão sendo
—
0 ensino de arte em espaços silenciosos da cultura visual: quiçá de O conceito inclusivo de cultura como "todo um modo de vida" (Raymond
a
colagens conceituais Williams) tornou-se o objeto de questionamento dos estudos culturais, que
circundou a arte "erudita" e a literatura sem dar a elas qualquer status pri-
Do contexto dos Estudos Culturais deriva o campo dos estudos vi- vilegiado. Como resultado da virada cultural, o status da cultura foi exami"
suais,onde o objeto torna-se a cultura visual, como um campo de estudo nado nas humanas: é geralmente visto como uma causa dos ao invés de
—
que pode incluir combinação entre Estudos Culturais, História da Arte, apenas meramente um reflexo ou resposta processos sociais, políticos e
—
Antropologia Visual e Ciências Sociais, e assim enfocando aspectos da econômicos. A importância do conceito do contexto cultural nas humanas
cultura que se apoiem em imagens visuais. Surgem, desta maneira, estu- acrescentou cinética adicional à ascensão dos estudos visuais. A percepçào
veio a ser entendida como um produto da experiência e aculturação, e re-
dos sobre cinema, moda, televisão, história em quadrinhos, publicidade,
videogame, meios tecnológicos virtuais/ digitais, enfim, presentações são agora estudadas como um entre os outros sistemas signi-
estudos sobre tudo
ficativos que compõem a cultura. (p. 1)
o que poderá visualmente visto e/ou sentido.
ser
Conforme Brea (2007), enquanto disciplinas dogmáticas com seu se configuram em correntes de proliferação identificam
e imagens, onde se
conteúdo cognitivo teríamos a Estética (Teoria da Arte) e a História da por meio de subjetividades a construção de identidades. O local de signi-
Arte; também poderíamos entender os estudos cultural-visuais como um ficação dessas imagens deve ser percebido como um local de intersecções,
cenário de aproximação multidisciplinar que potencializaria a Como de Artes Visuais poderiam responder a este
os professores
compreen-
são crítica sua eficácia performativa da prática sociocultural na contem-
e tempo contemporâneo? Talvez entender que é preciso mudar e parar de
poraneidade. Os estudos culturais sobre o meio artístico se constituem defender-se em um escudo modernista e tradicional que pressupunha
sobre bases críticas, e os estudos visuais tecem investigações sobre a pro- uma formatação "estanque" de ensino baseado puramente em técnicas
dução de significado cultural através da visualidade e práticas de ver que ou conteúdos (onde o professor ensinava e o estudante aprendia verdades
absolutas); entender que é necessário perceber o contexto onde o estu-
impulsionam miradas críticas.
dante está inserido, além dos muros da escola, inclui-se aqui a necessida-
Seguindo o pensamento de Brea (2007,
p. 9), todo o ato de ver pode- de da percepção para as tendências digitais/ virtuais; reconhecer a rele-
rá, então, ser resultado de uma construção cultural
portanto é um ato
—
O que poderá interessar aos professores de Artes Visuais são os ar- Dada a posição colagem como uma forma usada para atrair consumo,
da
de Artes Visuais centrado em estudos para a cultura visual é que esta po-
deria "prover" os estudantes com um conjunto de ferramentas críticas No entanto, a colagem poderá ser vista não como instrumento ou
(formação de problemas) para a investigação da visualidade humana e não meio somente de um fazer artístico tecnicamente concebido, mas sim
"transmitir" informações ou valores, conforme aponta Mitchell (1994). Os evidenciar a dimensão estética e a narrativa elaborada pelo estudante,
estudantes vivenciam mundos digitais/ virtuais e tecem redes sociais que entendendo a colagem como um eixo conceitual que permeia sim a pro-
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS
Iuçáo plástica, mas também a elaboração crítica do contexto e tal produ- FERRAZ, Maria Heloísa; FUSARI, Maria F. de Rezende. Metodologia do de
Na colagem há uma indecisão, narrativa de caráter representacional GAROIAN, Charles R.; GAUDELIUS, Yvonne. Spectacle pedagogy afl,
um emble-
for o caso), tratando-se de visual culture. Pennsylvania: Penn State University, 2008.
ou antirrepresentacional (seja qual
necessário que seja proposto
na para a cultura contemporânea, assim é HERNANDEZ, Fernando. Catadores de cultura visual: transformando fragmentos
10 ensino de arte uma atenção crítico-pedagógica sobre a colagem. em nova narrativa educacional. Porto Alegre: Mediação, 2007.
Considerando a "dominação" da sociedade pela cultura visual atra- De qué hablamos cuando hablamos de cultura visual? Revista Educaçà()
Jés da televisão, cinema, Internet, propaganda e outras formas de pro-
& Realidade. Porto Alegre, v. 30 n. 2, 2005.
dução corporativa, o campo do ensino de arte vem sendo proposto a
LAMPERT, Jociele. Interfacearte-1110da: tecendo um olhar crítico-estético do pro-
nstigar um de definição de práticas pedagógicas e curriculares
processo fessor de artes visuais. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade
—
lue poderiam possibilitar aos estudantes Expor, examinar e criticar os Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2005.
:ódigos imutáveis e essencializados de sistemas mediados pela massa.
Estágio supervisionado: andarilhando no caminho das artes visuais. In:
É salientar que AT é plenamente compatível com a cultura
.
preciso
OLIVEIRA, Marilda 0.; HERNÁNDEZ, Fernando (Org.). Aforlllaçãodo professor
visual contemporânea tanto em relação à produção artística, ou às ques-
e o ensino das artes visitais. Santa Maria: Ed. UFSM, 2005.
:õesque se vinculam a reflexões críticas, quanto ao olhar sobre o contex-
Arte contemporânea, cilltllra visllal e fonnaçãodocente. Tese (Doutorado)
:o de forma não linear.
.
—
Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
159f.
MIRZOEFF, Nicholas. Ulna introducción a cultilra visual. Buenos Aires: Paidós, 1999.
BARBOSA, Ana Mae. Política cultilral como prefácio: o Museu de Arte Contempo-
Safra, 1990. NOVAES, Adauto (Org.). Milito além do espetáclllo. São Paulo: Ed. Senac, 2005.
rânea da Universidade de São Paulo. São Paulo: Banco
ensino da arte: 80 e São Paulo: Perspec- OLIVEIRA, Marilda 0.; HERNANDEZ, Fernando (Org.). A formaçãodo professor
.
subsolo. São Paulo: Cortez, 1999. TAVIN, Kevin. Contextualizando visualidade no cotidiano: problemas e possi-
.
Arte-educação:leitura no
bilidade do ensino da cultura visual. In: MARTINS, Raimundo; TOURINHO,
Irene (Org.). Educação na cultilra visual: narrativas de ensino e pesquisa. Santa
BREA, José Luis. Cambio de régimen escópico: des inconsiente óptico a
la e-image, Maria: Ed. UFSM, 2009.
2004. Disponível em: <http://www.estudiosvisuales.net/revista/index.htm>.