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ABORDAGEM

TRIANGULAR

N. Chm: 707 B238a 2010


Autor: BARBOSA, Ana Mae
Título: Abordagem triangular
no ensino das artes e

ira da Cunha
culturais visuais.

14244845 Ac. 63801


Ex.5 IFSP RQ

ec-ORT€Z
ec-RB€z

A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS


Ana Mae Barbosa e Fernanda Pereira da Cunha (Orgs.)

Cara: DAC sobre pintura de Ana Amália Barbosa


Preparação de originais: Carmen Tereza da Costa
Revisão: Maria de Lourdes de Almeida
Contposição: Linea Editora Ltda.
Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales SUMÁRIO

Apresentação
Ana Mae Barbosa........ 9

Parte I

DAS ORIGENS E DAS RECONFIGURAÇÕES

Choque e formação: sobre a origem de uma proposta para


O Ensino da Arte

Rita Bredariolli

2. I listória como estratégia: uma apropriação da abordagem


Nenhumaparte desta Obra podé Sei* reproduzida ou duplicada Sem autorização expressa das autoras
triangular para uma educaçãonão conformista
e do editor. Mirtes Marins de Oliveira......... 43

3, I Oe
0 2010 by Autoras tripé em tripé: o caleidoscópio do ensino de dança
Isabel .. 52
Direitos para esta edição

CORTEZ EDITORA u, Sobre mapas e bússolas: apontamentos a respeito da


Rua Monte Alegre, 1074 —
Perdizes
050144)01 -seio Paulo
abordagem triangular
-SP
Regina SICIII Machado 64
E-mail: cortez@cortezeditora.com.br

www.cortezeditora.com.br Alu "'Cingem triangular: bússola para os navegantes destemidos


cla Arte/ Educação
6. Imagem no Ensino da Arte em novas e/ou velhas perguntas 3, O contextualizar e conhecer: uma abordagem semiótica
o
Gerda Margit Schiitz-Foerste.......... 100
..
'lêrezinha Losada................................
.... ..
.
229

4. Formação de Professor —
Perspectiva de Abordagem
Parte 11 Vera Lourdes Pestan da Roclla....................... .. .
248

DAS IMPLICAÇÕESCOM A PEDAGOGIA 5. E-Arte/Educação crítica


Fernanda Pereira da Cunha........................,................ 259
utopias à realidade: é possível uma didática específica
.. ..... ... ...
1. Dás
Visuais?
para a formação inicial do professor de Artes
Fábio JoséRodrigues da Costa................... . 125 Parte IV

2. Os instantes-já da Abordagem Triangular na Arte/ Educação DA EDUCAÇÃO INFANTIL À CULTURA VISUAL:


Maria das Vitórias Negreiros do Amaral..... 141 DIFERENTES CONTEXTOS E FAZERES TEORIZADOS

1. Leitura de
3. Formação continuada de professores e a Abordagem imagens na Educação Infantil: imagens de arte em
sala de aula
Triangular de Ensino da Arte
Everson Melquiades Araújo Silva e Clarissa Martins de Araújo 161 Rosana Facllel de Medeiros............................. 285

4. Abordagem Triangular como pressuposto conceitual: 2. Propostas poéticas a partir do acervo da Pinacoteca do Estado
Percurso e experiências na elaboração curricular para de São Paulo

o Ensino da Arte no município de Concórdia/ SC Edilardo Mosaner Jr., Petra Sanchez Sanchez e Norberto Stori ..... .... 296
180
Rita Peixe.........................
3. Abordagem Triangular e Ensino Profissionalizante: a Arte
no contexto do Design
Parte 111 Donald Hugh de Barros Kerr Jr. (Goy) e Ruth Rejane Perleberg Lerm 312

DE DIFERENTES TESES: DERIVAÇÕES COGNITIVAS 4. Exercícios de triangulação de conteúdos na formação de


professores de arte
Brasil
1. Tendências de produção científica em Arte/Educação no Vicente Vitoriano Marques Carvalho 321
e a Abordagem Triangular de Ensino da Arte
Maria Cristina Monteiro e Solange Puntel Mostafa 195 5. A Abordagem Triangular nos estágios de docência de Artes
.

Visuais da UCS
2. Fruir, contextualizar e experimentar como possível estratégia
Maria Helena Wagner 333
básica para investigação e possibilidade de diversidade no
ensino da Arte: o contemporâneo de vinte anos 6. Abordagem Triangular e as estratégias de um educador social
Lucia Gouvêa Pimentel........... 211
Lívia Marques Carva1110 e Jaqueline Alves Carolino................... 353
8 BARBOSA • CUNHA

7. Ceramicaviva no particular exercício de triangulação dos


processos de consumo, contextualização e produção estética


Isabela Frade ...........................................................,............. 365

8. O Ensino da Arte no ciberespaço: a proposta metodológica


do curso Arteduca
Sheila Maria Campello . 381 APRESENTAÇÃO
9. Processos de triangularização na trajetória docente:
da educação artística a educação à distância
Leda Guimarães .................................................................................. 409
A Abordagem Triangular foi divulgada com o nome de Metodologia
10. Deambulações sobre a contemporaneidade e o ensino Triangular através do livro A imagem do Ensino da Arte publicado pela
das Artes Visuais e da Cultura Visual Editora Perspectiva em 1991. Posteriormente, em 1998 publiquei um ca-

JocieleLampert.........................................................................,........ 443 pítulo revisando-a no livro Tópicos utópicos. As revisões da Metodologia


Triangular em 1998 foram conceituais, práticas e bastante incisivas,
Sobre os Autores....................................................................................... 454 mudando-lhe até o nome para Abordagem Triangular. Contudo, o livro
Tópicos utópicos, publicado em Belo Horizonte, foi pouco lido. O seu foco,
inclusão da diversidade cultural nas instituições, ainda não é bem acei-
to pela Arte
nem pela educação. Só em 2009 me animei a atualizar a
Abordagem Triangular diretamente no livro que a lançou. A 7. edição
de A imagem do Ensino da Arte, publicada em 2009, já está atualizada e tem
um prefácio de Imanol Aguirre que me iluminou e estimulou fazendo-me
acreditar que minha luta pela Arte/ Educação não foi em vão. Também
me animou ouvir Imanol Aguirre dizer no Congresso do CLEA em Me-
sido
dellín, Colômbia, 2007,
que, se a Abordagem Triangular não tivesse
sistematizada por uma professora da América do
Sul,
já estaria ganhando
o mundo.
Demorei a fazer a atualização do livro A imagem no Ensino da Arte
porque já havia desistido de me empenhar pela Abordagem Triangular,
dados os equívocosque ela provocou e a ação dos que buscavam destruí-la
que aguentar insinuações de que sou
até
como meio de me atingir. Já tive

elitista e de direita. Logo eu que saí do Recife perseguida pela ditadura,


com minha casa invadida por polícia e exército; que fui demitida por
razões políticas da Universidade de Brasília em 1965; que fiz uma gestão
intercultural e questionadora dos códigos hegemônicos no Museu de Arte dermos Arte A Abordagem Triangular é tão flexível que eu
e Cultura.
Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), pondo para própria a modifiquei, renomeei e ampliei quando ela mudou do contexto
dialogar os norte-americanos brancos com a
códigos da elite, europeus e do museu (MAC-USP) para o contexto da sala de aula. A Abordagem
Cultura Visual do povo brasileiro e de outros países, enfim, que procurei Triangular é aberta a reinterpretações e reorganizações, talvez por isso
expandir o conceito de arte para além do mundo restrito da burguesia tenha gerado tantos equívocos, mas também gerou interpretações que a
me expondo à ira dos que sempre que possível pro-
canônicos. Há gente
enriqueceram, ampliaram e explicitaram com as quais vocês vão tomar
cura criticar destrutivamente pessoas de sua área pensando que a des- contato aqui, neste livro.
truição do outro é o melhor caminho para abrir espaço para si próprio.
Os procedimentos da pesquisa foram bastante democráticos. Primei-
Não sei se por ser mulher, destituída de poder político, nordestina, arte/
ramente Fernanda e eu empreendemos uma busca na Internet por teses
educadora, confortavelmente inserida nas margens, eu sou um prato cheio
que investigassem ou fossem baseadas na Abordagem Triangular, Abor-
para a ansiedade destruidora dos sabidos.
dagem Triangular ou Metodologia Triangular, as três designações pelas
Foram muitas as distorções da Abordagem Triangular, algumas quais é conhecida, das quais eu elejo o título de Abordagem Triangular
mal-intencionadas com o propósito de destruir, apresentando-a como
porque metodologia quem faz é o professor e proposta é uma palavra
releitura e a releitura
como cópia, outras por falta de conhecimento mes- desgastada pelas mil e uma que são despejadas, à guisa de guias curricula-
leitora podem ter ideia, através da investigação publica-
mo. O leitor e a res, pelos poderes hierárquicos em cima da cabeça dos professores.
da por Leda Guimarães neste livro, da enormidade dos enganos que
Convidei diretamente pesquisadores que colabora-
os professores e
continuam cometidos em nome da Abordagem Triangular, princi-
a ser
ram comigo na construção da Abordagem Triangular no MAC-USP entre
palmente por mestres em Cultura Visual.
1987 a 1990. Divulguei um convite nos e-groups da FAEB e ARTE/EDUCAR
Sei
que abandonei a Abordagem Triangular à sua própria sorte e me e nos sites da revista Arte & Educaçãoe da ANPAP, no teor que se segue:
refugiei nos textos teóricos e na História do Ensino da Arte, minha paixão
mais duradoura. Cheguei ao ponto de durante quase dez anos nem sequer Acaba de sair a edição revisada do livro A imagem no ensino da arte,
com
mencioná-la nos cursos que dei, nem fazer meus alunos conhecê-la melhor. prefácio de Imanol Aguirre e introdução minha situando os principais
Foi até muitas das problemas enfrentados pela Abordagem Triangular, que foram muitos.
uma surpresa muito agradável, que me
fez
muitofeliz,

minhas ex-orientandas de doutorado haverem respondido a chamada da Mostrei minha visão, mas não é o bastante. Há muitos usos da Abordagem
a

pesquisa e elaborado excelentes textos para este livro, modificando-a para Triangular que não conheço. Daí surgiu a ideia de fazer uma prospecção
mais aprofundada.
melhor ou dando conta de como a entendem.
Estamos, Fernanda P. Cunha e eu, iniciando uma pesquisa sobre a trajetória,
Foiconsultando a Internet durante a preparação da introdução da já
as modificações, as diferentes interpretações da Abordagem Triangular nos
mencionada 7. edição do livro A imagem no ensino da arte que me dei con-
seus vinte anos de operacionalidade.
ta da qualidade de inúmeras interpretações da Abordagem Triangular em
Pretendemos publicar um livro aceito por uma editora de grande circulação.
pesquisas para teses e foi isto que me animou a empreender junto com
Não se trata de um livro comemorativo, mas que dê a conhecer as principais
Fernanda Pereira da Cunha a pesquisa sobre os vinte anos de experimen- pesquisas, discussões, teorias em torno do tema, ferramenta, instrumento,
tação com a Abordagem Triangular. Trata-se de uma abordagem flexível.
como queiram chamar a Abordagem Triangular.
Exige mudança frente ao contexto e enfatiza o contexto. Como confirma
Além de capítulos ou artigos sintetizando teses, dissertações e monografias,
Nicolas Bourriaud, o contexto é cada vez mais importante para compreen- também nos interessam relatos de experiências e artigos que teorizem,
trabalhem ou discutam a Abordagem Triangular em qualquer área de co- continuada de professores, gerou o artigo deste livro escrito
nhecimento. Nem todos os artigos caberão no livro, mas Fernanda P. Cunha orientadora, Clarissa Martins de Araújo, uma educadora defen-
já criou um site onde publicará todos os artigos aprovados por uma comis- das Artes no Recife que muito tem feito pela Arte/ Educação na
são a ser constituída pelos principais estudiosos da Abordagem Triangular. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O artigo de Maria das
Vi tórias Negreiros do Amaral se baseia na sua atuação interdisciplinar no
Fernanda projetou com o aluno Leandro Araújo, da Universidade C
'

de Pedagogia da Universidade Federal Rural, campus de Garanhus.


Federal de Goiás, onde está ensinando, um formulário eletrônico no seu I Rita Peixe apresentamos a justificativa para a elaboração do Guia
site de pesquisas <www.interteias.pro.br/propostatriangular>, com o
rricular de Concórdia, concebido com a participação dos professores
objetivo de potencializar a divulgação e dinamizar o envio das pesquisas. de sala de aula e não da maneira hierárquica e mesmo ditatorial como
Fernanda é um manancial de ideias eletrônicas e já está trabalhando comumente feitos estes guias, escritos por professores universitários
em direção à editoração de uma revista na Internet para publicar os inú- que muitas vezes ensinaram a crianças e adolescentes. Foi impos-
nunca
meros artigos que recebemos, que selecionamos na Internet e que não foi Nível publicar todo o guia curricular por falta de espaço.
possível incluir neste livro. Na terceira parte, "De diferentes teses: derivações cognitivas", está
Quisemos priorizar a fala dos que participaram das práticas que o excelente artigo de Lucia Gouvêa Pimentel, que
faz
uma revisão crítica
levaram à sistematização da Abordagem Triangular, mas destes apenas de teses que se envolveram com a Abordagem Triangular e trabalharam
Mirtes Marins de Oliveira enviou um trabalho no qual muito competen- a partir da função cognitiva da Arte.l Também alinhadas com a ideia de
temente reflete sobre a história. Na primeira parte do livro, designada Arte como cognição estão Terezinha Losada, Vera Rocha e Fernanda Pe-
'Das origens e das reconfigurações", juntamos ao artigo de Mirtes o tex- reira da Cunha, cujos textos são parte de suas teses de doutorado.
to de Rita Bredariolli, que identifica as origens da Abordagem Triangular
Já Maria Cristina Monteiro e Solange Puntel Mostafa escreveram um
Campos
no Festival de Inverno de Jordão
do de sua tese
em 1983, objeto artigo a partir da dissertação de Solange, que analisou oito dissertações
de doutorado. Nesta primeira parte incluímos Fernando Azevedo, que
ou teses sobre a Abordagem Triangular dentre 98 identificadas sobre o
apresenta a historização contextualizadora do tempo e da cultura em que tema Arte/Educação, defendidas no período de 1995-2004 no Brasil.
a Abordagem Triangular foi sistematizada. Também compõem a primei-
Concentramos a maior diversidade possível de trabalhos do ponto
ra parte do livro as magníficas recriações de Regina Machado e de Isabel
de vista dos níveis de educação na quarta e última parte, "Da educação
Marques além do texto retirado da tese de Gerda Schütz-Foerste, que
à cultura visual: diferentes contextos e fazeres teorizados", que
infantil
elucida os primórdios da Abordagem Triangular.
começacom o texto de Rosana Fachel de Medeiros sobre Educação Infan-
Nossa seleção foi orientada em direção a dar maior visibilidade às til, segue-se o de Eduardo Mosaner Jr., texto de sua dissertação de mes-
pesquisas em teses e dissertações. trado orientada por Norberto Stori. Para a pesquisa teve ajuda de Petra

Reunimos as duas teses acerca da Abordagem Triangular geradas Sanchez Sanchez. Trabalharam com uma turma do Ensino Médio. E um
trabalho em museu, porém do ponto de vista da escola. Não foi possível
em uma Faculdade de Educação e em um programa de Didática na se-
gunda parte do livro designada "Das implicações com a pedagogia". A publicar textos sobre educativos em museus, por que tivemos de nos
tese de Fábio José Rodrigues da Costa foi defendida na Espanha sob a restringir a um razoável número de páginas. Entretanto, quero citar aqui
orientação do dr. Juan Carlos Araño e trata de formação inicial de docen-
Já de Everson Melquiades Araújo Silva, I. Neste artigo e neste livro, quando falamos de Arte estamos nos referindo a Artes Visuais.
tes. a tese que teve como tema a
14 BARBOSA • CUNHA

o artigo já publicado de Rejane Coutinho, "Estratégias de mediação e a


responderam que não a conheciam até então. Dos que já conheciam e já
trabalharam com ela, 9 ouviram falar na Faculdade de Artes (FAV) UFG,
Abordagem Triangular" no livro organizado por nós duas, Arte/Educação
,

7 deles no Curso de Teatro; outros 9 ouviram falar na Ciranda das Artes;


como mediaçãocultural e social, Unesp, 2009.
I na Expoeducação de Anápolis 2009; 2 na Pedagogia; 2 na universidade,
Ruth Rejane Perleberg Lerm e Donald Hugh de Barros Kerr Jr., co-
mas não dizem qual; 1 através de Fernanda Cunha; 2 na EAD; 1 na Fa-
nhecido entre os arte/ educadores como Goy, apresentam um trabalho
culdade Dulcina, em Brasília; 2 em São Paulo; 1 no CEFET; 1 na Fundação
realizado no primeiro ano do ensino técnico. Vicente Vitoriano Marques Jaime Câmara; 1 no vestibular; 1 através de livro; 1 na UFPE; 1 na Secre-
Carvalho, sempre surpreendendo, experimentou a Abordagem Triangu- taria de Educação; 1 diz já conhecer há doze anos, mas não indica onde
lar na disciplina de História da Arte na universidade. Tambémna univer-
conheceu; 4 conheciam, mas nunca haviam trabalhado com a Abordagem
sidade deu-se a rica experiência de Maria Helena Wagner Rossi, nos es-
Triangular. Quanto às ações envolvidas na Abordagem Triangular, houve
tágios da Licenciatura em Artes Visuais.O texto de Isabela Frade se
ainda confusão com os Parâmetros Nacionais e alguns apontaram a apre-
refere
ao trabalho com um meio pouco valorizado na Universidade, mas ciaçâo e a fruição e apenas dois mencionaram a História da Arte, revelan-
tradicionalmente explorado pelo povo no Brasil, sem preconceitos de do conhecer a versão museológica inicial da Abordagem Triangular.
gênero, por homens e mulheres: a Cerâmica. Sheila Campello e Leda Também mencionaram como uma das ações a releitura, um engano, pois
Guimarães tratam da Abordagem Triangular nos cursos a distância, que a releitura
é uma das possibilidades do fazer, este sim uma açãobásica.
acredito serão a única possibilidade de educação permanente, atualização A grande maioria falou de fazer, leitura e contextualização. Um professor
eformação quantitativa e qualitativamente necessárias para professores de Música falou em ver, ouvir e experimentar, uma interpretação bem
em direção à transformação da educação em nosso país, imenso e desigual. interessante. Mudar a das
nomeação açõesé interessante, contanto que
O trabalho de Sheila é um excelente exemplo das possibilidades não restrinja, mediocrize ou jogue paraanos atrás os significados da
educacionais da Abordagem Triangular associada à Arte Digital. Abordagem Triangular, como o fez o PCN / Arte, trocando leitura da obra,

do campo de sentido da Arte ou da imagem para apreciação, que tem a


Leda teve uma ótima ideia: fez uma investigação entre 12 professores
marca do século XIX, cujo objetivo era o discurso de convencimento das
que trabalham com ela na EAD Licenciatura em Artes, cinco deles com
mestrado, ex-alunos da Faculdade de Artes Visuais da Universidade de elites na sua suposta missão de civilizar, mas na realidade exercendo a
Goiás, dominação sobre o gosto das classes subalternas e, assim, ampliando o
que me deu vontade de ampliar porque fiquei espantada com os
preconceitos fantasiosos. Fui a Goiânia dar uma palestra para o projeto consumo. Fernanda P. Cunha e seus alunos vão analisar melhor, em arti-
de atualização de professores Ciranda das Artes da Secretaria de Educa- go para a revista, os dados que alinhavei aqui.
As opiniões errôneasemitidas sobre a Abordagem Triangular, tanto
cãode Goiás.
Antes de minha palestra, Fernanda P. Cunha e suas alunas distribu- na nossa enquete quanto na de Leda, são provavelmente de quem não
leu o livro A imagem no ensino da Arte. Na enquete de Leda com seus
íram filipetas com as mesmas perguntas que Leda fizera aos seus profes- pro-
fessores colaboradores da EAD da Faculdade de Artes Visuais da Univer-
sores colaboradores. O resultado foi mais animador que o de Leda, mas
sidade de Goiás, a mesma pessoa que diz que sou superficial tenta me
é preciso considerar que eu dei uma palestra logo depois da distribuição
das perguntas. Embora o assunto da minha fala não tenha sido a Abor- desculpar porque sou arquiteta, quando a situação é mais surrealista
ainda: estudei Direito e
só depois de vários anos como professora de Arte
dagem Triangular, trata-se de uma variável a se levar em conta. Quaren-
cinco professores fiz meu mestrado e meu doutorado em Arte e Educação nos Estados
ta e responderam às perguntas. A primeira: "Onde e
Unidos. Terminei meu curso de Direito, que detestei, por conselho de
quando tiveram conhecimento da Abordagem Triangular?" apenas 5
Paulo Freire. Quando pensei em abandonar a Faculdade de Direito, ele principalmente à transformaçãode objetos do cotidiano em outros usos,
me lembrou que Direito desenvolve a capacidade hermenêutica que eu na produção de roupas, bandeiras, pôsteres etc. descritas em outro tex-
poderia aplicar em qualquer área. Anos depois, quando foi examinador to publicado por uma revista da Unesco que não encontrei para citar.
de minha livre-docência na USP e se deparou com a tese sobre a Aborda-
O Carnaval é o maior espetáculo de Cultura Visual do Brasil, segui-
gem Triangular, o mesmo texto publicado depois em livro com o título (10 do
Candomblé, uma semiose ou gestalt cultural de visualidades, sa-
de A imagem no ensino da arte, ele lembrou: "Veja como o Direito lhe serviu, bores e movimentos. Levei ambos para o
museu na minha
luta contra a

você está usando sua capacidade hermenêutica na Arte e recomendando-a hegemonia e na defesa da interculturalidade.
para o ensino da Arte". Paulo Freire me achava suficientemente analítica, Odeio ter de me defender, mas quero lembrar ainda que critico o
pois deu nota dez ao texto
que apresenta a Abordagem Triangular e a I )iscipline Based Art Education (DBAE), diversas vezes no livro A imagem
professora do grupo da Leda me condena à superficialidade sem ler o
no ensino da arte, portanto não confundam a Abordagem Triangular com
livro, eu garanto. Onde ela ouviu esta crítica infundada contra mim?
o DBAE. Isto é intriga da oposição. Por fim, quero lembrar que sou mui-
Falam ainda que não apresento nenhuma prática, só teoria, quando de- to mais entusiasmada aulas de Feldman e Saunders
com a discrição das
senvolvo pelo menos quatro exemplos de aulas da página 43 à 82 no livro destacando a proposta de trabalho
considerados pré-DBAE naquele livro,
A imagem no ensino da arte, que tem 134 páginas.2 É um bom percentual de Feldman de recortar figuras de revistas para analisar (p. 50). Os dois,
de prática. Mas o que mais estranhei foi a de que a Abordagem
acusação Feldman e Saunders, fizeram Cultura Visual antes da Cultura Visual.
Triangular fala só de Arte e não da Imagem. Ora, começapelo título do Conversei sobre isto com Robert Saunders três anos atrás, quando nos
livro que a lança, que se chama A imagem no ensino da arte. Na página 36 encontramos em Nova York no fórum dos Distinguish Fellows da National
da primeira edição daquele livro comento com entusiasmo o trabalho de Art Education Association (NAEA), ao qual pertencemos. Por sorte, os
Richard Hamilton, criador da Pop Art que ensinava Arte, desde os inícios scholars norte-americanos de Cultura Visual respeitam história e reconhe-
dos anos 1960, analisando "percepção e ilusão, signo e simulação, trans-
cem os seus precursores. Respeitam até aqueles de outros países como
formação e projeção, e não só na imagem produzida por artistas, mas Anna M. Kindler, que no artigo "Visual culture, visual brain, and (art)
também na imagem da propaganda, como na embalagem de suco de education", de 2003, cita meu nome entre os propugnadores da Cultura
laranja". Convidei Richard Hamilton para fazer uma palestra no MAC/ Visual dizendo:
USP, a qual consolidou minha admiração por ele. Na página 18, falo de
"ensinar imagem através da imagem" e chego a preconizar Many art education scholars have argued in recent years that visual cultu-
para o futuro
a introdução do Design na escola afirmando "A consciência de re, as an important cultural phenomenon, is worth addressing in the context
que que o of schooling because of its great social impact and relevance to the lives of
artefato trará mais qualidade de vida" é necessária "no contexto de um
young people (e.g., Barbosa, 1991; Duncun, 1990, 2001; Freedman & Stuhr,
país do terceiro mundo" (páginas 24 e 25). Design faz parte do conglome-
2001; Garoian, 1997; McFee & Degge, 1978; Neperud, 1995; Tavin 2001;
rado intitulado Cultura Visual.
Wilson, 2001; Wilson & Wilson, 1978).3
Refiro-me ainda às exposições Carnavalescos e Estética do Can-
domblé, que organizei no MAC/USP, na página 92, as quais foram Aqui pouca gente considera Gilberto Freyre um legítimo precursor
acompanhadas por atividades educativas não apenas ligadas à Arte mas dos Estudos Culturais, mas ele o foi, conforme demonstram Peter Burke,

2. Para ser justa, estou usando a


a I edição de A imagem no ensino da arte (São Paulo: Perspectiva, 3.
Anna Kindler. Commentary: Visual Culture,VisuaI Brain, and (Art) Education NAEA. Studies
1991) e não a 7" edição, de 2009, foi atualizada. in Art Education, 2003, v. 44, n. 3, p. 290.
que
18 • CUNHA
ABORDAGEM NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS 19

culturalista inglês, e Lucia Pallares Burke. Gilberto Freyre, como disse pesquisadores do CCCS. Meu entusiasmo pelas discussões e pesquisas
Antonio Candido de Melo e Souza na ocasião da cerimônia em que a
que ocorriam no CCCS foi enorme, talvez por que já vinha de uma con-
UFPE lhe concedeu o título de doutor honoris causa, mudou o foco da vivência com as ideias renovadoras sobre cultura de Gilberto Freyre,
sociologia da para a cultura. Com isto concorda Stuart Hall na nota
raça Paulo Freire, Aloísio Magalhães e Abelardo Rodrigues, ainda no Recife,
de pé de página, número 4, deste artigo. no início de minha formação e atuação como professora alfabetizadora e
Finalmente, este livro, Abordagem triangular no ensino das artes e cul- professora de Arte.
t uras visuais, termina
com o trabalho sem preconceitos de Jociele Lampert, Ter Paulo Freire como mentor e Aloísio Magalhães como inspiração
que demonstra a compatibilidade da Abordagem Triangular e da Cultu- me levou a trabalhar com a Cultura Visual do povo desde a Escolinha de
ra Visual. Arte do Recife e com a Arte como expandido desde os tempos
campo
já fazíamos Cultura Visual na Arte/ Educação da Escola de
Afinal da Escolinha de Arte de São Paulo. Nesta última éramos até discrimi-
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) antes de nados pelo Movimento Escolinhas de Arte, porque trabalhávamos de
a Cultura Visual ter nome próprio, talvez por estarmos tão próximos da maneira diferente. Levávamos nossos alunos a lojas de objetos de design
Comunicação e também pela minha proximidade com Richard Hoggart,4 para casa e decorações, analisávamos os objetos com
eles e os estimu-

criador do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos (CCCS, 1964) lávamos a produzir interpretações gráficas reveladoras das qualidades
da Universidade de Birmingham, com quem convivi em Canadá, Banff, visuais dos objetos, muitas vezes exagerando-as ou ainda os estimulá-
vamos a procurar adaptar o design dos objetos vistos a um uso por
eles
e aquem trouxe ao Brasil para dar curso no MAC-USP em 1989.Quando
conheci Richard Hoggart, eu já havia estado no Centro criado por ele e determinado, isto é, seus quartos, a sala de suas casas etc. Fazíamos o
Stuart Hall na Universidade de Birmingham, cidade onde fiz meu mesmo com as lojas de moda da rua Augusta, naquele tempo a rua chique
pós-doutorado (1982). de São Paulo. Eles analisavam as roupas do ponto de vista de materiais,
do corte, da praticidade e do preço e as redesenhavam adaptando a seus
Paulo Farias,
um antropólogo brasileiro fugido da ditadura militar
desejos.
muito respeitado na Universidade de Birmingham, me introduziu aos
O programa incluía ainda desenhar histórias em quadrinhos depois
Hall, culture, and comunications: looking backward and forward at cultural de visitar a Editora Abril, projetar capas de discos e livros e finalmente
4. Stuart. Race,
studies. Storey, J. (Ed.). What is cultural
In: studies? London: Arnold, 1996. p. 336-343; texto revisado analisar publicidade em função da significação social e produzir trabalhos
do discurso apresentado pelo autor em fevereiro de 1989, na ocasião em que lhe foi conferido o títu-
que revelassem a capacidade crítica. Tenho uns poucos desenhos que
10 de professor honoris causa da Universidade de Massachussetts, em Amherst. "Quando entrei na

Universidade de Birmingham, em 1964, para ajudar o professor Richard Hoggart a fundar o Centro comprovam todas estas atividades entre os anos 1968 e 1970, assim como
de Estudos Culturais Contemporâneos (Center for Contemporary Cultural Studies), os estudos desenhos interpretativos de programas de TV de meu filho, que era minha
culturais existiam. Claro os Departamentos de Letras, Literatura, História e Belas-Artes, em cobaia em casa.
nem que
nossas Faculdades de Artes, dedicavam-se à preservação da herança cultural, embora se recusassem
a nomear e,
menos ainda, a teorizar ou conceituar a
cultura, preferindo
que estes conceitos penetras- Comprovado que este procedimento não abafava o processo criador,
sem, por assim dizer, através de um processo de osmose acadêmica. As Ciências Sociais, por outro mas o desenvolvia, tentei usá-lo na Escolinha de Arte de São Paulo, mas
lado, às vezes lidavam com o que chamavam de 'sistema cultural', mas isso era algo bastante abs-
vivíamos numa época em que a TV era vista como inimiga da Educação
trato,
composto de redes de normas e valores abstratos. Havia pouco da preocupação que Richard
Vloggart e eu tínhamos sobre questões de cultura. Entre o pouco que havia estava Gilberto Freyre, e a rejeição dos pais foi grande. Já havia publicado no meu livro Tópicos
no Recife, que desde a década de 1930 deslocou os estudos sociais da raça para a cultura"
(p. 336; Illópicos (p. 145) a reprodução do trabalho crítico de uma aluna acerca da
traduçáo de Helen Hughes).
blicidade, concebendo-a como a função de vender os mesmos produtos
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSIN() ARIES CUIIURAS VISUAIS

vestindo-os com novos rótulos para parecerem novidade, e outro que


representa uma visão crítica do mundo em que vivíamos. Repito aqui a
primeira imagem referida.
Defendo a Cultura Visual e a Arte na escola, ambas contextualizadas
socialmente, historicamente e vivencialmente. O pós-modernismo trouxe
para as análises da Arte as mesmas propostas de análise crítica usadas para
as imagens de outros meios e categorias. É
preciso desconfiar dos valores
das instituições em geral. Os professores já perderam o medo de questionar
asobras expostas em galerias e museus. Não é por estar no museu que as
obras são boas. Interesses múltiplos e diversos levam as obras aos museus,
desde a aliança com o mercado até o gosto do diretor.
Ilustração I

Desenho de Frederico Barbosa, 7 anos, 1968


É imperioso analisar estes interesses.
Da mesma forma, não é porque uma publicidade é boa que o produ-
to por ela veiculado é bom. O discurso de convencimento da Publicidade
precisa ser desconstruído para não nos tornarmos presas fáceis do con-
sumo de ideologias, comportamentos e produtos.
Andam dizendo que sou contra a Cultura Visual. Puro maquiavelis-
mo, não é verdade. A quem que sou contra a Cultura
interessa espalhar
Visual? Busco as diferenças e similaridades da recepção da Arte e da Cul-
tura Visual e dentro da Cultura Visual especialmente me interessa desen-
volver o pensamento crítico sobre a Publicidade, o Design, a Moda, a TV
e os VJs. Nos congressos que organizei desde 1980 (Semana de Arte e
Ensino, ECA/USP), incluí o testemunho de designers como Aloísio Maga-
lhães,
com quem muito aprendi no Gráfico Amador do Recife e de publi-
prefira' citários como Washington Olivetto com quem continuo aprendendo. Nos
cursos de atualização cultural da ECA/USP, para professores de Arte na
década de 1980, a designer Joice Leal me ajudou a integrar o design, tendo
havido uma recepçãoentusiasmada por parte dos professores/ alunos.
Entretanto, considero que sonegar Arte na escola é tão danoso quan-
to esquecer as outras manifestações da Cultura Visual
que exercem mais
Ilustração 2
diretamente influência no comportamento social
por visarem exatamen-
Trabalho crítico acerca da publicidade de Betty Leirner, te dominar
comportamentos e desejos. A desconstrução crítica do poder
Escolinha de Arte de São Paulo, 1969, professora Ana Mae Barbosa
interessa à Arte e à Cultura Visual.
NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS 23
22 BARBOSA • CUNHA

nu•todológicos para a mediocrizaçâo. Só a História


Arte e Cultura Visual devem conviver nos currículos e salas de aulas, nos salva. A História
suas imagens devam ser analisadas com o mesmo rigor crítico para com- é regenerativa e potencializadora.
batermos formas colonizadoras da mente e dos comportamentos. A metáfora de Aloísio Magalhães para explicar a importância da
I listória é de grande precisão. Quanto mais puxamos a borracha do esti-
As diferentes categorias de visualidades intercambiam, umas influen-
ciam as outras. A Arte influencia o Design; a Publicidade; a Moda; a TV, lingue para trás, mais longe lançaremos a pedra para a frente. Énecessá-
a Cenografia; os VJs, o Cinema etc. Por outro lado, a publicidade tem rio de vez em quando usar o estilingue puxando ao máximo a borracha
influenciado a Arte desde a Pop Art. para trás a fim de vencer as reduções e mediocrizações, ou o insucesso

Os alunos de Cultura Visual hoje merecem conhecer o trabalho da anterior ao jogar a pedra. Em nossa área temos vários exemplos: o Mo-
arte/ educadora Mariazinha Fusari, que analisou criticamente os desenhos dernismo Expressionista foi reduzido ao mero "deixar fazer", a Aborda-
animados do Picapau em sua tese de doutorado. Juntas organizamos gem Triangular foi reduzida à releitura e a Cultura Visual foi reduzida a
muitas oficinas de leitura de imagens de televisão em vários eventos e desenhos para colorir de figuras de Disney ou à mera celebração da pu-
blicidade.
cursos de atualização de professores.
Oesvaziamento histórico da Cultura Visual no Brasil será proposi- Outro dia, um professor da USP me dizia que a Cultura Visual é
tal? Uma área de estudos sem História é facilmente dominada e mani- ótimo pretexto para professor não dar aula e passar filminhos. Se ele
pulada. Todo discurso científico está apoiado sobre um pensamento mostra os filminhos só para os alunos aplaudirem, está fazendo entrete-
anterior a respeito da coisa discutida, já dizia Diderot, um dos primeiros nimento e nãoArte/ Educação ou Cultura Visual, mas se busca desenvol-
críticos de Arte do Ocidente cuja obra está sendo publicada por Jacob ver a capacidade crítica dos estudantes para analisar os filminhos, estará
Guinsburg. fazendo educação quer seja para Arte quer seja para Cultura Visual. É o
desenvolvimento da consciência crítica impulsionado pelo pós-moder-
Outro dia, lendo uma entrevista de Alfredo Bosi na Revista É do SESC,
nismo que envolveu as Artes e Culturas Visuais que faz a diferença e que
me deparei com afirmações sobre o ensino da Literatura com as quais
concordo integralmente e que são aplicáveis também ao Ensino da Arte incomoda o main stream.
e da Cultura Visual. Dizia ele: Leiam A imagem no ensino da arte, relativizem historicamente, pois o
"Agora, de minha parte, eu continuo achando que, na história, o antes escrevi em 1991. Só depois critiquem, mas leiam a 7 a edição (2009), pois
vem antes do depois.
traz, o prefácio de Imanol que me animou a enfrentar a tarefa de examinar

Existe certa experiência cumulativa pelo tempo... o que aconteceu à Abordagem Triangular nos vinte anos de sua peram-
bulação por escolas e universidades.
E, se
vocênão conhece esse fluxo que vem do passado, fica parecen-
do cada Agradeço muitíssimo Fernanda Pereira da Cunha, uma pesquisa-
a
que geração, digamos, inventou a roda. Você não sabe por que
dora incansável e inventiva que se embrenhou comigo na pesquisa e na
voltam, e voltam de maneira diferente. Você fica sem apoios
certos temas
de comparaçãoquando seu estudo é todo assim fragmentado"
5
organização do livro, incluindo a difícil tarefa de escolher entre os muitos
textos excelentesque recebemos e que localizamos na Internet.
Acredito que consciência histórica émuito importante no ensino das
Artes e Culturas Visuais. Há uma tendência das teorias e dos processos Peço desculpas aos pesquisadores que não tiveram seus textos inclu-
ídos aqui,
mas quero dizer que sofremos muito em ser obrigadas a fazer
esta escolha.
5. Bosi, Alfredo. Entrevista na Revista É, São Paulo: SESC, ano 16, n. 7, p. 14, jan. 2010.
BARBOSA • CUNHA
25

Também agradeço a todos os autores aqui publicados, muitos deles


companheiros de trabalho, algumas ex-alunas muito queridas e outros
Fernanda, mas cujos
que são pessoalmente desconhecidos por mim e
textos são reveladores e significantes.
Fugimos qualquer hierarquização neste livro, onde escrevem des-
a
de professoras titulares a estudantes. Des + hierarquizar é uma das estra-
tégias dos Estudos Visuais hoje.

São Paulo, 30 de abril de 2()1()

Ana Mae Barbosa


PARTE I

Dasorigense das
reconfigurações
27

CHOQUE E FORMAÇÃO:
SOBRE A ORIGEM DE
UMA PROPOSTA PARA O ENSINO DA ARTE

Rita Bredariolli

A origem não é uma "fonte", não tem por tarefanos contar a "gênese das coisas"

illiinência do próprio devir


bem mais próxñna de nós que imaginamos, na

e por isso ela é dita pertencer


à história, e
à metafísica—,
não mais
a origem Slirge diante de nóscomo um sintoma [...]
lado, perturba o curso nornml do rio [...]
uma espécie deforntaçãocrítica que, por um
rio [...] ela "restitui"
por outro lado, faz ressurgir corpos esquecidos pelo qlle
de momentaneamente: eis ai seu aspecto de choque
faz aparecer, torna visíveis repente, mas
e formação, seu poder de Inorfogênese e de "novidade" sempre inacabada,
aberta.
sempre

Georges Didi-Huberman

Origem é o assunto desse texto. Não aquela entendida como "gêne-


se das coisas", como o instante fixo e preciso de onde tudo começa. Fala-
rio do devir", arrastando "em
mos da origem como um "turbilhão no seu
ritmo a matéria do que está em via de aparecer". A origem tratada aqui
nãoé remetida a um fato único em "existência nua" e "evidente", mas a

uma perturbação em certo "curso normal", causa de


aparições em restau-
8
BARBOSA • CUNHA A NO

'0 incompletude, relacionadas a


e
uma "pré e pós-história"l. Motivados da Abordagem Triangular em
seu livro Tópicos utópicos, Ana Mae Barbosa,
»or essa ideia, fomos ao encontro da origem de
uma proposta, responsá- mais uma vez, recorre ao Festival de 1983, designando-o
lugar das "pri-
rel, dentre outras ações,
por uma reordenaçãoconceitual do Ensino da meiras" experimentações das "possibilidades de desenvolvimento,
Arte no Brasil. Re-(a)presentamos2 ao
aqui, em revisões, a origem da Abor-
lagem Triangular.
mesmo tempo, da capacidade de construção estética e da capacidade de
percepção do meio ambiente". Trata-o "marco histórico do
como um
Em
uma entrevista de 2007, Ana Mae Barbosa localiza, em retrospec- Ensino da Arte no Brasil", por enfatizar
:o, o "cerne"3 de
a "decodificaçãoe apreciação da
sua proposta em um evento realizado em 1983, o XIV cultura e do ambiente natural".6
Festival de Inverno de Campos do Jordão. Esse contexto de experimen-
A ênfase no exercício da crítica pela "leitura", no sentido a ela atri-
:açâoteria sido o responsável por um momento original, quando, por um buído por Paulo Freire, foi
lampejo, a certeza sobre a necessária
inserção da "leitura" da imagem —
uma das marcas pedagógicas desse Festival.
do contexto integrante A "leitura" era praticada na biblioteca de Arte organizada especialmente
como do Ensino da Arte foi confirmada. Algo

para este Festival de 1983; pela atenção ao contexto de Campos do Jordão,


á desconfiado.
local da realização deste Festival de Inverno, e pela análise das obras do
O XIV Festival de Inverno de Campos do Jordão,4 única edição den-
tre o conjunto desses eventos, dedicada aos professores de "Educação acervo do Palácio de Campos do Jordão. A noção
de "leitura" como "lei-
tura da palavra e do mundo", própria
Artística" da rede pública de ensino, é frequentemente mencionado ao conceito de Paulo Freire, fez
por parte desse Festival desde as primeiras reuniões realizadas
Ana Mae Barbosa como referência de mudança na forma de ensinar arte na Pinacoteca
do Estado de São Paulo para a
no Brasil. Em 1991, por exemplo, ao expor a "situação conceitual do En- concepção e organização de suas ativida-
des pedagógicas, tornando-se
sino da Arte
no Brasil", durante os anos de 1980, Ana Mae Barbosa cita seu principal tema.
esse Festival de 1983 como um "programa pioneiro", pois teria sido o O
exercício desse conceito de "leitura" imprimiu no Festival de 1983
'primeiro a conectar análise da obra de arte e/ a diferença. O XIV Festival de Inverno de
ou da imagem com histó- Campos do Jordão nasceu do
ria e com o trabalho prático".5 Sete desejo de reconfiguração da educaçãoartística realizada nas escolas
anos mais tarde,
ao fazer uma revisão pú-
blicas durante os anos 1970. Foi movido, como um todo, pelo desejo de
I. Benjamim, W. Origem do dranta trágico alemão. Trad. João
Barrento. Lisboa: Assírio & Alvim, mudança, por isso a insistência
em executar um projeto educacional fun-
2004.
2.
dado na "leitura" crítica.
Ricouer, P. A niemória, a história, o esquecñnento. I.
reimp. Campinas: Editora Unicamp, 2008,
p. 52-53. Havia, portanto, esse interesse comum,
3.
Barbosa, A. M. Entrevista concedida
que tornou o Festival de 1983
Rita Bredariolli. São Paulo, 26 jan. 2007.
uma experiência singular. No entanto, dentre essa singularidade, Ana Mae
a
4. O Festival de Inverno de
Campos do Jordão, criado em 1970, foi exclusivamente dedicado
à Barbosa aponta um acontecimento específico, considerado decisivo
música erudita e à formação de jovens
concertistas, com exceção da edição de 1983, realizada
no para
primeiro ano de governo de André Franco Montoro. Diferentemente a mudança em sua forma de
de Campos do Jordão de 1983 incluiu
das outras edições, o Festival pensar e executar o Ensino da Arte. Tal acon-
em sua programação diversas manifestações artísticas, popu-
lares e eruditas. Outra peculiaridade tecimento desencadeou uma pesquisa pela fundamentação da importân-
era o público de bolsistas formado por professores de Educação
Artística, em sua maioria, da rede pública do estado de São Paulo cia do ato de "ver" e da "leitura" crítica
Jordào. A esses professores foi oferecida
e do município de Campos do para a integração do Ensino da
uma programação pedagógica composta por 7 cursos teó- Arte, processo mais tarde consumad07
ricos sobre
apreciação de televisão e desenvolvimento social, emocional, intelectual e expressivo da como Abordagem Triangular.
criança, pela abordagem de
autores como Erik Erikson, Freud e Piaget; e 22 cursos práticos de teatro,
corporal, artes plásticas, música, história da arte e leitura do meio, leitura
crítica de tele- 6.
Barbosa, A. M. Tópicos litópicos. Belo Horizonte: C/
Arte, 1998.
viuao, introduçào ao videotape
e arte em xerox. Cf. Bredariolli (2009) e Música (2009).
7.
Dewey, John. EI Arte conto experiencia: prólogo y versión española de
5,
Barbosa, A. M. A itnagent
no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 1991. p. 13.
Samuel Ramos. México:
Fondo de Cultura Económica, 1949. p. 42.
BARBOSA • CUNHA
A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARUS CULTURAS VISUAIS 31

Esse momento particular eclodiu de um conflito entre concepções


;obre o Ensino da Arte, deflagrado por uma das pedagógicas, rea- ações
oficina Artes Plásticas para professores", integrante da
"
izada durante a
)rogramação de cursos desse XIV Festival. Um grupo de professores,
Asando pedaços de tecidos coloridos, criou uma intervenção no prédio
10 Preventório Santa Clara, local transformado em alojamento para os
yofessores participantes daquele evento de 1983. Dois jornalistas que
Icompanhavam essa ação, perguntaram sobre alguma referência feita ao
:rabalho do artista plástico Christo.S A resposta em negativa foi justifica-
da pela via de condução do trabalho proposto, fundamentada na "livre

xpressão". O objetivo não era o de situar a produção entre a história da


Sergio Pizoli
Irte canônica,
mas o de provocar, por um processo "subjetivo", a experi-
nentação expressiva, indiferente a um referencial imagético.9
A elucidação desse exercício dissipou uma possível contra-argumen-
:ação, no entanto provocou o confronto entre duas concepções de Ensino
da Arte: uma voltada a um processo predominantemente subjetivo, e
Dutra, em defesa de uma interlocução entre a experimentação, a decodi-

icação e a informação.10
Confronto profícuo, revelador de uma época que presenciava uma
iransformação de conceitos e tendências, na qual a perspectiva moderna
de Ensino da Arte, fundada na "livre expressão", começavaa ser revista
pela constituição de outro modelo de Ensino da Arte, cujo enfoque estava
no exercício da crítica e análise de imagens, incluindo o ato de "ver" como Pizoli
Sergio
parte essencial de um processo de aprendizagem da Arte.
Em 1984, Ana Mae Barbosa toma essa transição como tema em seu
livro Arte-Educação: conflitos/acertos. Sob o subtítulo "Crítica: ausência de
historicidade" do capítulo "Atualização de professores: a experiência
11

de Campos do Jordão/ 83", argumentos foram expostos a favor da im-


portância do conhecimento histórico para o Ensino da Arte. Nesse texto,

8. Barbosa, A. M. op. cit., 2007.


9. Festival de Inverno de Campos do Jordão [s. n. t.l. 8 p. Programa de cursos, 3 jul.-17 jul. 1983,

Catupos do Jordão, p. 4. Acervo pessoal de Ana Mae Barbosa.


10.
Barbosa, A. M. op. cit., 1991, p. 32.
acertos. São Paulo: Max Limonad, 1984. p. 145-148.
I I. Barbosa, A. M. Arte-Educação: conflitos e
Sergio Pizoli
32 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO OAS ARIES CULTURAS vrsums

a ideia de "originalidade" como algo alheio aos cânonesestabelecidos ou um "laboratório extraordinário", inserido em uma história,
como desen-
desses cânones" era apresentada volvimento dessas duas experiências precedentes.
à "análise dos fenômenos de mudança
como algo "perigosamente maléfico" pois responsável pela preservação
,
A "leitura de imagens" já estava presente, tanto nos trabalhos reali-
de uma "ingenuidade pouco construtiva". zados na Escolinha de Arte de São Paulo, como na Semana de Arte e
A defesa pelo conhecimento histórico denota outra preocupação, Ensino de 1980. Imagens de toda a ordem se tornavam temas de estudo,
constante nas proposições de Ana Mae Barbosa: a de promover o sentido desde a reprodução de imagens consagradas pela história da arte até as
imagens de TV, passando pelas da publicidade e propaganda.
de pertencimento uma cultura, a uma comunidade. Isto
a uma
história, a

fica claro quando integra em seu texto a seguinte afirmação: No livro Teoria e prática da EducaçãoArtística, publicado em 1975, Ana
Mae Barbosa apresenta algumas das proposições da Escolinha de Arte de
a falta de significação do seu próprio trabalho tem
reflexão histórica sobre a
São Paulo,16 realizadas entre os meses de agosto de 1970 e junho de 1971.
levado o criador a atitudes onipotentes, julgando-se capaz de criar do nada
O texto traz como abertura uma ampla preleção sobre a base teórica des-
e se isolando pela impossibilidade de encontrar parâmetros históricos de
sestrabalhos, introduzida pela seguinte advertência: "sólidos conheci-
avaliação e confrontação com o trabalho dos outros [...] Na educação do
mentos teóricos devem embasar a formulação de qualquer currículo ou
arte-educador, é importante não só desenvolver o fazer artístico, mas tam-
programa escolar". Seguindo o texto, encontramos um prenúncio ou

bém dar informações para torná-lo apto a uma leitura individual e cultural
deste fazer.12 origem? de uma

tese
que seria insistentemente defendida por Ana Mae
Barbosa, até Nesse texto de 1975 líamos
sua consumação
em proposta.
Por esse trecho somos apresentados a outro paradigma de Ensino da que o
Arte, fundado na importância do conhecimento histórico para aquisição
professor deve ensinar a ver, a analisar, a especular. O "preconceito da livre
e ampliação de um repertório imagético, fundamental para o exercício
expressão" não existe mais. Podemos considerá-la como um processo inicial,
analítico. "Ver e
não só fazer" ,13 a fim de constituir fundamentos para autossufi-
um ponto de partida no Ensino da Arte, e não como um método
poder "ler" criticamente as próprias realizações, bem como as de outrem.
cente global.
A certeza sobre a importância do ato de "ver" assim como o percur- ,

so em busca de argumentos para sustentá-la, foram, pelas palavras de Um dos exercícios relatados sobo subtítulo "A teoria posta em prá-
Ana Mae Barbosa, causados por um "clic". No entanto, esse específico tica"expõecomo objetivo a observação dos efeitos gerados pelas variações
instante é o manifesto de anos de reflexões e experimentações, de algo contextuais. Duas lojas e um jardim foram visitados pelas crianças, alunos

que vinha sendo estudado e praticado já nos anos de trabalhos realizados da Escolinha de Arte de São Paulo, para que pudessem perceber a inter-
Paulo,14 e depois
na Escolinha de Arte de São na Semana de Arte e Ensino, ferência de diferentes contextos sobre um mesmo objeto. Além dessa
realizada na Universidade de São Paulo em 1980.15 Ainda na entrevista "leitura" de contexto, podemos verificar outra "leitura", a de imagens,
de 2007, reencontraremos o XIV Festival de Inverno de Campos do Jordão, como parte das proposições de trabalho da Escolinha de Arte de São
Paulo. Outro exercício descrito nesse texto apresenta como proposição o
12. Idem. rearranjo de imagens de jornais ou revistas. A apropriação e a reorgani-
13. Barbosa, A. M. op. cit., 2007.
A Escolinha de Arte de São Paulo funcionou de março de 1968 a junho de 1971, sob coorde-
14. zaçãodessas imagens eram consideradas partes do processo criativo,
de Ana Mae Barbosa, Maria Helena Guglielmo, Julieta Dutra Vaz e Regina Berlinki.
nação
15. Barbosa, A. M. Op. cit., 1998, p. 144.
16.
Barbosa, A. M. Teoria e prática da Educação Artística. São Paulo: Cultrix, 1975. p. 69-83.
34 BARBOSA CUNHA

A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS

iniciado pela "reflexão crítica" sobre os "significados preestabelecidos" Ensino da Arte. Contribuiu para essa mudança conceitual a produção de
por essas "singularidades originárias", em um "esforço de redefinição textos críticos sobre a imagem, assunto que ganhava interesse na propor-
simbólica, figural, ideacional". mudanças tecnoló-
çáoda expansão de seus domínios, ampliados
pelas
Um dos resultados obtidos a partir dessa proposição foi publicado Crary,1S
gicas dos meios de comunicação. Jonathan por exemplo, descre-
visualização", definidos
nesse livro de 1975 e em 1998 no livro Tópicos utópicos, em um capítulo ve um contexto dominado por "modelos de
dedicado às relações entre palavras e imagens. Trata-se de uma compo- pelas "tecnologias emergentes de produção de imagens". De acordo com
sição de logomarcas recortadas e dispostas em paralelo, como dividindo suas reflexões, esses modelos entrelaçados com as "necessidades das
a folha em dois campos distintos,
um superior e outro inferior. No pri- indústrias de informação global" são os responsáveis pelo funcionamen-
meiro encontramos, entre as marcas, a frase "em vez de" e abaixo, quase to tanto das instituições como dos "processos sociais primários". Para

ao centro, a palavra "prefira". Este trabalho foi apresentado como exem-


*
Nicolau Sevcenko, a regulação de uma sociedade por imagens não seria
plo de revisão dos tópicos modernos "originalidade" e "criatividade",
um problema se a sua produção, uso e consumo fossem democraticamen-
pois a criação era resultado da manipulação de imagens prontas. te acessíveis.19

A Semana de Arte e Ensino, realizada em 1980 na Universidade de Ana Mae Barbosa, em abordagem coincidente,20 apresenta dados
São Paulo, foi um dos primeiros eventos criados intenção de rear- estatísticos para demonstrar o predomínio das imagens sobre o conheci-
com a
ticulação política e conceitual do ensino de arte. Entre os cursos progra- mento informal. Muito dele seria adquirido sem qualquer discernimento.
mados, havia um sobre análise de produção de TV,
uma iniciativa "pionei- Diante desta constatação, a necessidade de "alfabetizar para a leitura de
de Walter Silveira e Tadeu Jungle, realizado "sob severa desaprovação" imagem" é reivindicada como um provável caminho para uma "demo-
"
ra ,

pela novidade do tema. As imagens de televisão já haviam sido tomadas cratização" como mencionada por Nicolau Sevcenko.
como tema de estudo na Escolinha de Arte de São Paulo, experiência A alfabetização defendida por Ana Mae Barbosa sem acaso, fami-

abreviada por ser considerada, por alguns pais de alunos,


inadequada liar a de Paulo Freire se realiza pelo exercício de "leitura" como análi-

para um processo educacional. Em 1983, imagens de televisão são mais


as se crítica articulada ao contexto. Esse seria o caminho para o exercício e
uma vez usadas em função pedagógica. Três cursos um teórico e dois

desenvolvimento de um "olhar ativo"21 sobre o mundo e para as imagens


práticos do XIV Festival de Inverno de Campos do Jordão foram cria-
que o constituem. Nesse sentido o aluno é considerado
leitor,
intérprete

dos pelo objetivo de analisar, criticar e produzir imagens pertinentes a e autor.


essa mídia.
17

concepção educacional é um dos fundamentos da Abordagem


Essa
A resistência ao uso pedagógico desse tipo de imagem foi, gradati- Triangular, por isso não pode ser caracterizada com um método consti-
vamente, debilitada pela instituição do paradigma "pós-moderno" de

Crary, J. Techniques of the observer: on vision and modernity in the nineteenth century. Trad.
18.

17.
Os cursos práticos eram "Introdução à linguagem do videotape", de Guto Lacaz, e "Oficina Heloisa Barbuy [texto não publicado]. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1990. Material distri-
de apreciação de televisão", ministrado por José Manoel Morán e Mariazinha F. de Rezende Fusari, buído durante curso no Museu Paulista, USP.
também coordenadores do curso teórico "Leitura Crítica da Televisão: A criança". Cf. Bredariolli 19. Sevcenko, N. A corrida para o século XXI: no loop da montanha russa. São Paulo: Companhia
(2009). Posteriormente o interesse de Ana Mae Barbosa pelas
novas tecnologias continuou e, no das Letras, 2001. p. 124-125.
Congresso de História do Ensino da Arte, ECA/USP, 1984, ela montou um laboratório de computa- 20. Barbosa, 1991. p. 34.
dores para experimentação com os participantes coordenado por
uma professora da Faculdade 21. O "olhar ativo" é definido por Alfredo Bosi
como aquele que pode "medir, definir, caracte-
Santa Marcelina e por professores da FAU.
Ver a imagem na p. 20. (Nota das organizadoras.) das Letras, 2002. p. 66.
36 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM IRIANGIJLAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS

tuído por etapas em disposição hierárquica. A Abordagem Triangular foi referencial imagético, admitindo toda e qualquer imagem como tema
estruturada como um organismo, articulado pela interação e interdepen- de análise.24
dência entre suas totalizadoras
ações

a "leitura" crítica,
contextualiza- Remetendo-nos ao livro Teoria e prática do
Ensino da Arte, de 1975,
cãoe produção realizadas no diálogo entre o professor e o aluno. Há verificamos, já naquele momento, o interesse pelo estudo de um amplo

uma condução, mas também a abertura para a mudança de caminho, referencial imagético. Nesse texto um dos tópicos modernos, o da "in-
condicionada à participação do aluno. Por essa condição a Abordagem tacta e genuína expressão infantil", era
problematizado em relação a
Triangular assume a característica de um sistema epistemológico e não um contexto dominado por uma "avalanche de informação imagética,
metodológico de Ensino da Arte. Admite a pluralidade de soluções e que vai desde a história em quadrinhos e a televisão
até os cartazes de

respostas, pela intenção de preservar o conhecimento da degradação em publicidade que enchem nossas cidades". Para Ana Mae Barbosa, a
exercício escolar reprodutivo. admissão do conjunto imagético mass-media como tema de Ensino da
A Abordagem Triangular guarda a ideia da "pedagogia problemati- Arte seria, talvez, o "único meio de preservar a autenticidade da ex-
zadora" de Paulo Freire, por isso a "leitura", aliada à contextualização pressão da criança", clamada em vozes modernistas. A inclusão desse
daquilo que é "lido", deve ser entendida como "questionamento, busca, referencial imagético mass-media como tema de estudo revela a coerên-
cia com um conceito educacional que considera as relações entre o
descoberta" e não como preleção discursiva, um equívoco interpretativo,
,

assim como o de considerá-la uma "Metodologia". Equívoco criado em


aluno e seu cotidiano. Por isso a insistência sobre a necessidade do
1991, quando de exercício de "ver" imagens, de "ver" o mundo no qual se vive. Esse
sua divulgação pelo livro A imagem no Ensino da Arte,22
"ver" ainda não era chamado "leitura" no texto de 1975, mas, essa
e posteriormente desfeito por sua própria autora, em uma revisão publi-
cada em 1998 no livro Tópicos utópicos,23 quando justifica a impropriedade
forma de conceber a educação, entendendo-a em sua relação ao mundo
real" confirma a familiaridade com a
25
de "leitura" de Paulo
do termo "metodologia" pela sugestão de caminho estrito, previamente noção
Freire.Atualmente, uma ideia predominante na literatura sobre Ensino
definido. Para Ana Mae Barbosa, a metodologia deve ser fruto da intera-
da Arte.26
çãodo professor com o seu aluno, conteúdo e meio, e o Ensino da Arte Os alunos da Escolinha de Arte de São Paulo eram confrontados
um "sistema cuja proposição depende da resposta à pergunta: 'como se
dá o conhecimento em arte"'. com a estética de seu entorno, instigados a "ver" diferentes ambientes
e acontecimentos, incluindo as imagens da mass-media, e a usarem essa
Outra restrição percebida foi desfeita nessa mesma revisão de 1998.
observação como referência para as suas produções. Uma forma de
Inicialmente a Abordagem Triangular, ainda designada "Metodologia"
ensinar arte que reaparece em 1998 quando do redimensionamento da
,

limitava-se às imagens pertencentes à História da Arte "canônica",


Abordagem Triangular.
circunscrevendo a contextualização aos estudos históricos. Opção tam-
bém justificada pelo local de sua experimentação, o Museu de Arte 24. Na própria política cultural do MAC/USP, Ana Mae Barbosa, no período de sua diretoria,
Contemporânea da Universidade de São Paulo. Ao reconsiderar tal incluiu os códigos culturais marginais e do
povo nos programas das exposições, sendo o primeiro
limite, Ana Mae Barbosa atualiza sua proposta pela expansão de seu programa intercultural de um museu no Brasil.
25. Seligmann-SiIva, M.
(Org.). Memória, história, literatura: o testemunho na era das catástrofes.
Campinas: Ed. Unicamp, 2003. p. 16.
22. A mais recente edição desse livro traz também a revisão dessa nomenclatura. Ver Barbosa, 26. Cf. Efland, A.; Freedman, K.; Sthur, P. La educación en el arte posmoderno. Barcelona: Paidós,
A. M. A imagem no Ensino da Arte. 7. ed. rev. São Paulo: Perspectiva, 2009. 2003; Guinsburg, J.; Barbosa, A. M. (Org.). O pós-modernist110. São Paulo: Perspectiva, 2005; Visualida-
23.
Barbosa, A. M. op. cit., 1998. p. 37-38. de e Educação, Goiânia: Funape, n. 3, p. 37-53, 2008.
NO [NSINO DAS CULTURAS VISUAIS
A AOOROAG[M
BARBOSA • CUNHA

cria-
de poder". Outro "parentesco",
Nesse movimento, criado pelo diálogo entre o "pretérito" e o "agora", eruditas que constituem os códigos de "leitura" como
a "velha" noção
revela-se a experiência.27 A Abordagem Triangular é renovada ao retomar do por mais uma referência comum:
de alfabetização
Freire.32 Esse "velho" conceito
experiências, por vezes abreviadas, do passado, em 1975, por exemplo. prática social de Paulo do mundo", presente
de um "conhecimento mais crítico
Ao retomá-las a "metodologia", divulgada por Ana Mae Barbosa em 1991, para construção tendências educacio-
Triangular e "recuperado" por essas
torna-se contemporânea, motivando autores como Imanol Aguirre a na Abordagem realizadas
na is "pós-modernas",
pode ser identificado também nas ações
identificá-la como uma concepção "pós-moderna" de Ensino da Arte, e Ensino, quando
de São Paulo; na Semana de Arte
a compreensão da Cultura Visual", a na Escolinha de Arte ainda na
junto à "educação artística para eventos palestra de Paulo Freire; ou
houve dentre seus uma do Jordão.
"alfabetização em Cultura Visual" e a Pedagogia Crítica, todas de "evi- Festival de Inverno de Campos
dente parentesco epistemológico e ideológico"28 concepçãopedagógica do XIV
serviu como fundamento para a
de Paulo Freire, outro autor
Além
O "parentesco" identificado por Aguirre não é casual. Durante o Abordagem Triangular.
e "dialogal" da
constituição desse caráter crítico do movimento
ano de 1982, Ana Mae Barbosa frequentou o Centro de Cultura Contem- O trabalho de David
Thistlewood, envolto pela ideias
concei-
porânea da Universidade de Birmingham, onde foram iniciadas as pes- declarada para a estruturação
Estudos Críticos, é outra referência pesquisa abran-
quisas de Estudos Culturais29 "fonte" do que posteriormente seria de-
de Ensino da Arte. Esse campo de
tual dessa proposta relaciona-
signado Cultura Visual, termo atualmente usado no campo do Ensino variedade de "objetivos e métodos",
gente, composto por uma tradição
da Arte, para identificar uma condução artístico-pedagógica aberta ao arte", visa à familiarização das crianças à
dos à "apreciação da
referencial imagético midiá tico e aos temas socioculturaisM). Em seus anos pelas circunstâncias de sua formação,
artística. Nasceu interdisciplinar
de formação, entre 1970 e 1980, a Cultura Visual era conhecida como Estudos Complementares, uma
alternativa acadêmica para
advinda dos inglesas.
Estudos Visuais31. História da Arte nas faculdades
suprir a falta de professores de ambientalistas e
Outro ponto em comum entre a Abordagem Triangular e essas ten- Essa demanda integrou à
História da Arte "sociólogos,
dências de ensino geradas pela "revolução pós-moderna nos estudos cientistas", criando um campo de
pesquisa estruturado pelo diálogo
sobre arte" estaria em seu caráter crítico, manifesto pelo objetivo de "al- de conhecimento.
entre diferentes áreas
busca o desenvol-
fabetização visual" como meio de "acesso crítico de chaves culturais Ensino da Arte conduzido por essa concepção
O
precisa" pela análise de uma "presença
es-
vimento de uma "percepção
formativos, suas causas espirituais,
tética", considerando seus "processos
27. Benjamim, W. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. Trad. Sérgio Paulo Rouanet.
de em-
São Paulo: Brasiliense, 1996. p. 197-221. efeitos culturais".34 Usando
sociais, econômicas e políticas e seus
Arriaga, I. A. Contenidos y Enfoques Metodologicos de Ia Educación Artistica. Cf. Congreso aqui outro "parentesco", agora
28.

de Formación Artística y Cultural para la Región de América Latina y el Caribe. Medellín. Anais... préstimo o termo de Aguirre, notamos
Medellín, 2007. 1 CD. revisada e expandida de
"contextualização"integrante da
29. Segundo Douglas Grimp o campo dos Estudos Culturais foi uma das fontes da Cultura
com noção
a

Visual e, por vezes, são mencionados indistintamente. Cf. Grimp (1998-1999).


Abordagem Triangular.35
30. Visualidade e Educação, Goiânia: Funape, n. 3, p. 37-53, 2008.
31. Os termos Estudos Visuais e Cultura Visual foram distinguidos por W. J. T. Mitchell como 32. Arriaga, I. A. Op. cit., 1999.
leitura no subsolo. 2. ed. São Paulo: Cortez,
campo de estudo e seu objeto, respectivamente, como forma de preservá-los da ambiguidade ca- 33. Barbosa, A. M. (Org.). Arte-Educação:
racterística de determinados campos de conhecimento, nos quais campos de estudo e seu Objeto
p. 142-157.
se confundem. Apesar disso, Mitchell opta pelo termo Cultura Visual para designar ambos, cam-
34. Idem.
po de conhecimento e o seu objeto, deixando ao contexto a responsabilidade pela distinção. Cf.
35. Barbosa, A. M. op. cit., 1998.
Mitchell (2002).
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGUIAR NO ENSINO OAS wsums

Os Estudos Críticos, assim


como as Escuelas al aire libre mexicanas, BENJAMIM, W. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. Trad. Sérgio
são referenciais declarados, quando Ana Mae Barbosa, Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1996.
1998, define a em sua revisão de
Abordagem Triangular como
uma "deglutição" de con- Origem do drama trágico alemão. Trad. João Barrento. Lisboa: Assírio &
cepções e práticas realizadas em lugares
e tempos diferentes. Junto
a Alvim, 2004.
essas concepções de ensino, incluímos
também outras experiências
contribuíram para a feitura dessa história. que 13REDARIOLLI, XIV Festival de Inverno de Campos do Jordão:variações sobre
R.
Da história da Abordagem
Triangular são partes as várias experiências temas de Ensino da Arte. Tese (Doutorado) Escola de Comunicações e Arte,
da Escolinha de Arte de São

Paulo entre os de 1968 e 1971; da Semana de Arte Ensino Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. 141f.
anos e de 1980;
do tempo de estudos
no Centro de Cultura Contemporânea da Univer- CRARY,J. Techniques of the observer: on vision and modernity in the nineteenth
sidade de Birmingham
em 1982; da convivência, da "leitura" e leituras Century. Trad. Heloisa Barbuy [texto não publicado]. Cambridge, Massachusetts:
feitas de Paulo Freire, do MIT Press, 1990. Material distribuído durante curso no Museu Paulista, USP.
curso ministrado conjuntamente com ele; do
XIV Festival de Inverno de 1983,
esse considerado o seu "cerne". Expe- DEWEY, John. El Arte como experiencia: prólogo y versión española de Samuel
riências que afetaram certo "curso
normal", provocando choques for- Ramos. México: Fondo de Cultura Económica, 1949.
e
mações. A Abordagem Triangular é parte desse conjunto. Nela,
em cons-
tantes atualizações, estão contidas todas DIDI-HUBERMAN, G. Ante el tiempo: historia del arte y anacronismo de Ias
essas experiências passadas, assim
imágenes. Buenos Aires: Adriana Hidalgo editora, 2008.
como cada uma delas continha, como
pequenas profecias* a Abordagem
Triangular. O que vemos, o que nos olha. Trad. Paulo Neves. 1. reimpr. São Paulo: Edi-
tora 34, 2005.

EFLAND, A.; FREEDMAN, K.; STHUR, P. La educación en el arte posmoderno.


Referênciasbibliográficas Barcelona: Paidós, 2003.

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y enfoques metodológicos de la educación
In: artística. 3 jul.-17 jul. 1983, Campos do Jordão, p. 4. Acervo pessoal de Ana Mae Barbosa.
CONGRESO FORMACIÓN ARTÍSTICA Y CULTURAL
DE
DE AMÉRICA LATINA Y EL PARA LA REGIÓN
CARIBE, 2007, Anais... Medellín, GRIMP, D. Estudos culturais, cultura visual. Revista LISP, São Paulo: Gráfica CCS,
2002 1 CD.
BARBOSA, A. M. Teoria e prática da Educação n.40, p. 78-85, dez./jan./fev. 1998-1999.
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e acertos. São Paulo: Max Limonad, 1984. tiva, 2005.
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Tópicos, utópicos. Belo
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leitura no subsolo. 2. ed. São Paulo: Cortez,
1999. em: <http://vcu.sagepub.com>.Acesso em: 27 set. 2009.
.

Entrevista concedida a Rita Bredariolli. São Paulo, 26 MÚSICA NAS MONTANHAS: 40 anos do Festival de Inverno de Campos do
jan. 2007.
Jordão. São Paulo: Santa Marcelina Cultura, 2009.
36.
Didi-Huberman, G. Ante el liempo: historia del arte
Aires: Adriana Hidalgo Editora, 2008. y anacronismo de Ias imágenes. Buenos NOVAES, A. (Org.). O olhar. 9. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2002,
p. 127.
66.
p.
BARBOSA • CUNHA

SELIGMANN-SILVA, M. (Org.).Memória, história, literatilra:


o testemunho na era
das catástrofes. Campinas: Ed.
Unicamp, 2003. 17.
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SEVCENKO, N. A corrida para o século XXI:
no loop da montanha-russa. São
Paulo: Companhia das
Letras, 2001.
VISUALIDADE E EDUCAÇÃO. Goiânia: Funape, n. 3, p. 37-53, 2008.

2
HISTÓRIACOMO ESTRATÉGIA:
UMA
APROPRIAÇÃO
DA ABORDAGEM TRIANGULAR
PARA UMA EDUCAÇÃO
NÃO CONFORMISTA

Mirtes Marins de Oliveira

Em cada épcxa, épreciso tentar arrancar a transmissão


da tradição ao conformismo que está na iminência de
subjugá-lal
Walter Benjamin

As ideias desenvolvidas neste texto foram construídas a partir de


uma experiência de vinte anos na formação de jovens artistas e educado-

res em artes visuais como coordenadora da graduação (1997-2006) e do


mestrado (desde 2003) em Artes Visuais da Faculdade Santa Marcelina,
em São Paulo. Amparada pela equipe de professores e graças à interlocução
com diferentes colegas, pude elaborar algumas premissas conceituais que
resultaram em ações, mas, sobretudo, foi valioso compartilhar o conteúdo
ideológico e o debate ético que envolve o trabalho educacional. Localizo

1. O trecho é retirado de Teses sobre o conceito da história, de Walter Benjamin, na tradução de

Jeanne Marie Gagnebin e Marcos Lutz Muller, tese VI. Edição digitada, s/d.
45
E CULTURAS VISUAIS
CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES
44 BARBOSA •

de Ensino e Estágio Supervisionado era o


o início datrajetória quando de minha participação no setor educativo uma anti-história. Prática
sais,
solucionar dúvidas e com-
do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo espaço no qual tínhamos um momento para
saberes tão compartimentados.
(MAC-USP), para mim, de forma pessoal, um momento de reavaliação e partilhar angústias em relação à divisão de
Ali em virtude do conteúdo
trabalhado e do alto grau de diálogo pro-
transformação. —

porcionado entendíamos que "gênio", "inspiração" e "magia" eram


De 1989 a 1991 integrei a equipe de Arte/ Educação do MAC-USP

históricos, portanto deveríamos atingi-los de maneira integrada


durante a gestão de Ana Mae Barbosa. Durante o curto porém intenso termos
período, tive a oportunidade de ter contato com o que, naquele momen- a um tecido ampliado.
universidade como funcionária do
to, chamávamos de Metodologia Triangular
para o Ensino de Artes.2 No instante em que retornei à
bastante significativo para transformar
Eu havia terminado em 1986 minha graduação em Educação Ar- Museu, havia um esforço interno
o setor educativo em um
ponto nevrálgico das relações do museu com a
tística na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
sociedade. Claro que esta perspectiva não era nem é
compartilhada por
Paulo (ECA-USP) e fazia um balanço angustiante daquela experiência.
Mas é estratégica,
Distante de todas minhas escolhas e práticas políticas, prevalecia como todos os segmentos acadêmicos ou do circuito artístico.
síntese geral dos quatro
anos passados no curso uma ideia romântica portanto escolha política.
e desenvolvimento da
de que arte é uma manifestação absolutamente subjetiva, fruto de um De que forma era operada a sistematização
daquele lugar? Implica-
cultivo interno, produto de
uma originalidade em si valorativa e sem Abordagem Triangular, naqueles anos e a partir
nenhuma vários departamentos da universidade, que
ligação com a história das tradições e rupturas que sedimen- va muitos embates com os
de um setor educativo
taram as experiências artísticas até o presente momento. Conceitos colocavam em xeque a necessidade e existência
naquele ou em qualquer outro museu, havia um
entendimento que a
como "gênio", "inspiração", marcados pela "magia" inexplicável eram
obras. De outro lado, de forma
termos usuais e, quando questionados, em retorno tínhamos como função de um museu era a guarda das
resposta, de grande parte dos professores, o silêncio obsequioso. Ape- metódica, era provocado pela direção do Museu um
questionamento de
nas mais tarde pude entender o significado ideológico daquele com- seus princípios. Durante anos
foram organizadas palestras e simpósios
portamento. vinda de vários autores que divergiam e criticavam
que proporcionavam a
Em uma rápida retrospectiva, tínhamos três tipos de disciplinas a Abordagem Triangular.
di-
categorizadas aqui informalmente: os ateliês; aquelas de História e Esté- Rapidamente a equipe digeria incorporava de forma crítica as
e
trabalho
tica; uma específica, de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado.3
e ferentes opiniões e passou a estabelecer um programa próprio de
Inicio a análise pelo meio: História e Estética eram matérias carregadas a nomenclatura exercitada.
que, creio, também levou repensar
a
de conteúdos fundamentais, teóricos, mas em relação ao
coraçãodo cur- chave interpretativa que até
A Abordagem Triangular trouxe uma
so, surgiam como anexos para a formação dos artistas potenciais. Os alguns
então fazia sentido no campo da pesquisa em história para
ateliês eram os lugares mais importantes dentro do currículo nos quais intelectuais,4 mas não escopo teórico e consequente operaçãonas relações
se privilegiava o fazer, nos quais referências artísticas do passado, quan-
do exibidas, surgiam como categoria sem contextualização, como univer- investigação histórica, mas esta perspec-
Refiro-me ao modelo warburguiano de proceder a
4.
e aqui é trazida para
90 ainda era circunscrita aos meios acadêmicos
tiva nos anos 1980 e início dos verificar Burucúa
acompanhamento deste modelo
teórico, sugiro
2. Que tratarei ao longo do texto
como Abordagem Triangular. o campo educacional. Para um

3. (2003).
Não por acaso, ministrada no período pela professora Ana Mae Barbosa.
• CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO ARUS CULTURAS VISUAIS

público/obra no museu ou nas relações professor/aluno obra de arte nos ajuda aqui: a obra de arte reco-
em sala de aula: Merleau-Ponty diz sobre a

a ideia de que manifestação artística e contexto histórico


são parte de um lhe o passado imemorial contido na percepção,interroga a percepçãopre-
a situação dada,
ultrapassar oferecendo-lhe
mesmo tecido, inseparáveis. sente com o símbolo,
e busca,
a obra. Da mesma
Do ponto de vista pessoal, foi um sentido novo que não poderia vir à existência sem
uma espécie de choque rememorar maneira, a obra de pensamento sóé fecunda quando pensa e
diz o que sem
minha formaçãona ECA: a história nãoé uma disciplina para fins instru- dito, e sobretudo quando, por seu próprio
ela não poderia ser pensado nem
mentais. Ela é parte constituinte de
um todo, que é ele também histórico excesso, nos dá a pensar e a
dizer, criando
em seu próprio interior a poste-
e cabe ao pesquisador, professor, mediador elaborar seu discurso a partir sedimenta-
ridade que irá superá-la. Ao instituir o novo sobre o que estava
daí. No museu, desinstrumentalizar a história ficaria mais claro e mais do na cultura, a obra de arte e de pensamento reabre o tempo e forma o
fácil, mas isto só quando não se opta
por abordagens cronológicas lineares, futuro. Podemos dizer que há formação quando há obra de pensamento e
e se estrategicamente for escolhido como pressuposto. O mérito da Abor- apreendido como aquilo
que há obra de pensamento quando o presente é
dagem Triangular foi o de apontar para aqueles que tinham preocupações da interrogação, da reflexão e da crítica, de
que exige de nós o trabalho
educacionais para o entendimento da história tal maneira que nos tornamos capazes de elevar ao plano do conceito o
como estratégia. problema, dificuldade.
Ao deixar o MAC para trabalhar como docente no ensino superior que foi experimentado como questão, pergunta,
(Chaui, 2003)
e particular, pude verificar
que o outro lado da moeda era o mesmo:
constituição curricular não se dá sem embate, sem estratégias políticas. Chaui, trata de um
O conceito deformação, segundo apresentado por
De alguma forma, me vejo, assim como muitos colegas docentes, tentan- de serviços e de prepara-
processo permanente, diverso do oferecimento
do interferir no diálogo sobre a formação,
para que na polifonia não se mundo do trabalho, como pode sugerir o
inclua aquela mudez desagregadora. cãodos indivíduos para o da superior, que trata alunos como
avançoneoliberal no campo educação educacional,
Minha percepção é de que no ambiente institucionalizado da uni- e cuja associação
clientes em sua relação com a instituição
Para a autora, formação
Consumidor.5
versidade a ideia de formaçãopode ser confundida
com a de currículo sepauta pelo Código de Direitos do
insere, nãosó
preestabelecido, ou melhor, de
um certo entendimento equivocado de solicitaria uma profunda conexãocom a cultura no qual se
factual, mas para ressignificá-la, em seu
currículo, que se apresenta sob a forma de grade curricular, determinan- para conhecê-la no sentido pas-
do autoritariamente o caminho a seguir, sem muitas possibilidades de sado e presente, de forma a imaginar e planejar possíveis futuros.
frequên-
deslocamentos enriquecedores do ponto de vista da produção de
pensa- Mas como propiciar práticas que, durante os poucos anos de
intro-
mento. Se produção de pensamento é o objetivo da vida acadêmica,
ne- cia a um curso superior ou a uma pós-graduação, o aluno possa ser
cessariamente devemos resgatar o significado de formação, para duzido ao passado de sua cultura? Como levar adiante o debate especifica-
que se
proponha um currículo, um curso, a ser seguido a partir de outra mente em Artes Visuais?
pers-
pectiva, que não a da grade: Em Artes Visuais, formação, educação, ensino são
palavras, como
preconcei-
pude verificar como aluna ou docente, marcadas pelo silêncio
Antes de mais nada, como própria palavra indica, uma relação com o
a seria arte e
tuoso, ao qual se sobrepõem camadas de concepçõesdo que
tempo: é introduzir alguém ao passado de sua cultura (no sentido antropo-
lógico do termo, isto é, como ordem simbólica ou de relação
com o ausente), de Serviços Educacionais entre aluno
é despertar alguém para as questões que esse passado engendra para o
5.
Por meio da obrigatoriedade do Contrato de Prestação
e instituição de ensino particular, o que rege a relação entre ambos é o CDC, já que consumidor é,
presente, e é estimular a passagem do instituído ao instituinte. O
que por definição, todo aquele que adquire ou utiliza
serviços.
NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 49

artista. Esse vocabulário emudecido se desenvolve no ambiente e no Ao sistematizar as possibilidades investigativas para o artista e pro-
currículo partir de uma interação que toma a forma de concessõese
a fessor de artes no âmbito da produção contemporânea, Sandra Rey esta-
enfrentamentos não explícitos, sugerindo uma unidade programática que belece os limites de um campo no qual os parâmetros estão em constante
reforça conceitos anacrônicos e ideologicamente marcados, tais como mutação:
genialidade, magia ou dom.
Liberada de cânones, em especial o da representação, em vigor durante
A maioria de nossos cursos de licenciatura ou graduação em Artes
quatro séculos no mundo ocidental, a arte passa a questionar fronteiras,
Visuais,
nos quais potenciais artistas e professores buscam uma formação, deslocar limites, provocar situações, interagir com o espectador. Na ausên-
comporta tanto procedimentos de Ensino da Arte oriundos das escolas
um conjunto de regras válidas e consensualmente aceitas que possam
cia de
de belas-artes do século XIX quanto incorporações das tecnologias com- balizar a produção artística ante o "tudo pode" e os comentários, muitas
putacionais de última geração ou procedimentos contemporâneos de vezes apressados, sobre a "falta de critérios" das manifestações artísticas,
produção artística, sem que se estabeleça um diálogo claro entre conceitos, nas quais o artista buscará subsídios e encontrará respaldo para o seu fazer?
procedimentos, ou discursos históricos. O quadro que pude apontar da Ao contrário do que se possa imaginar, a instauração da obra pressupõe,
perspectiva discente nos anos 1980 é ainda um campo de batalha no iní- em muitos casos, operações técnicas e teóricas bastante complexas, abrindo
cio do século XXI. margem considerável a cruzamentos e hibridismos tanto de conhecimentos
quanto de procedimentos, tecnologias, matérias, materiais e objetos, algumas
O despertar alguém para as questões que [o] passado engendra para o pre-
vezes, inusitados. (Rey, 2002, p. 128)
sente não se dá de forma natural pela simples vivência com práticas his-
tóricas descontextualizadas. O conteudo ideologico desse procedimento Em algumas outras áreas do saber se aprende a própria história
se reforça com a forma instrumentalizada com a qual a disciplina Histó- para situar o que se produz hoje, para se que se estabeleçam as origens
ria da Arte também se apresenta no currículo: é uma espécie de estante da área eixos de sentido, novas perspectivas de entendimento do já
estanque da qual puxamos livros de imagens quando necessitamos de realizado. Já em nossas graduações em Artes Visuais, em sua maioria,
uma referência em geral formal para relacionarmos produções his- ainda se privilegia a possibilidade a-histórica de experimentação. A

toricamente circunscritas. A proposta é que uma história crítica se esta- contemporaneidade se instala como pluralidade acrítica, sob a forma
beleça como parâmetro para a formação de artistas e professores de Artes. de uma espécie de método involuntário no processo de ensino em Artes
Uma proposta de história crítica, ou de uma crítica histórica, que evite Visuais.
os modelos canônicos de análise e interpretação, que fuja dos modelos Neste certamente generalizado, panorama, temos então um
curto, e
explicativos hegemônicos e que não tome como categorias a priori a ideia
desenho no qual o debate é, novamente, silêncio, fortemente marcado
de trabalho prático (que existiria sem teoria) e trabalho teórico (aliena-
pelo desdém que cerca as questões educacionais no país, consideradas
do de uma existência no mundo material).
ora como a possibilidade de
inserção da nação no âmbito diplomático
O campo do conhecimento em Artes Visuais tomou tal complexida- decisório, ora como instrumentalização para o mundo do trabalho, pre-
de que torna necessária a urgência do debate, no qual o currículo precisa parando os indivíduos para o mercado, e eles mesmos marcados pela
superar os parâmetros vigentes e impostos a partir do neoclassicismo do obsolescência anunciada. Toda essa verificação, que poderia certamente
século XIX e dialogar de forma crítica
com aqueles inaugurados a partir provocar um esforço de superação ou pelo menos seu desejo, já foi atro-
do modernismo do século XX. pelada pelas condições do sistema social e econômico do capitalismo
50 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM IRIANOULAK NO ENSINO

em especial a par- manidades, substi tuindo a produção de conhecimento pela luta em inchar
apenas esboçado nos anos
consumista, 198(): a escola,

ticular, é hoje vista pela sociedade como prestadora de serviços, como se currículos.
não assumisse o compromisso com formação e autonomia de produção
de conhecimento.
Referências bibliográficas
Ainda que o debate sobre o ensino superior ocupe um lugar de des-
taque por sua seriedade dentro das políticas governamentais, já que BARBOSA, Ana Mae. A imagem no Ensino da Arte: anos 1980 7.
e novos tempos.
um esforço na exigência de uma conduta menos mercantilista, ou
existe
ed. rev. São Paulo: Perspectiva, 2009.
pelo menos mais ativa, das instituições, dentro do circuito de produção
BURUCÚA, J. E. História, arte, cliltura. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econó-
artística, formação é ainda uma questão periférica, repetindo o precon-
mica de Argentina, 2003.
ceito relativo a assuntos educacionais: circuito pede conhecimento
o novo
e relevante, mas se exime de discutir o momento anterior no qual se CHAUI, M. A universidade pública sobre nova perspectiva. Revista Brasileira de
Educação, n. 24, 2003.
constroem estratégias para tal produção.
RE Y, Sandra. Por
Para ser eficiente, institucionaliza o conhecimento: isso sig-
a escola uma abordagem metodológica da pesquisa em Artes Visuais.
In: BRITES, Blanca; TESSLER, Elida (Org.). O meio como ponto zero: metodologia
nifica reduzi-lo, esquematizá-lo, facilitá-lo, triturá-lo e oferecê-lo segundo
da pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 2002.
uma perspectiva que nunca se explicita claramente, mas se apresenta p. 123-140.
como objetivo e neutro, como científico. Acontece no Ensino Fundamen-
tal e Médio, não surpreende que aconteça também na universidade.

É certo que o ambiente escolar tem outras dimensões, principal-


mente quando não se reduz ao papel de transmissão de forma reprodu-
tiva. Como fonte de produção de conhecimento, a universidade se

propõe não só a investigar novos objetos, como ressignificar os antigos


objetos sob
novas perspectivas e, mais do que tudo
isso, refletir sobre

seus próprios mecanismos de produção de conhecimento, uma reflexão


sobre os métodos, sobre a epistemologia de sua elaboração. Refletir
sobre métodos, abordagens, propostas é o passo inicial para a constru-
çãodo pensamento.
Mas, não sejamos ingênuos, é necessário um olhar para o movimen-
to crescente que também reduz a pesquisa à produção rápida de conhe-
cimento socialmente aplicável (é necessário indicar o que significa o
social), relevante (resta perguntar para quem) e competitivo (aí já estamos
falando diretamente ao mercado, inclusive utilizando suas categorias).
As políticas de atribuição de verbas para a pesquisa são a comprovação
dessa lógica perversa, que pode banalizar a investigação em arte e hu-
ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 53

escolas brasileiras (tema de minha dissertação de mestrado), mas também


entender e pensar a Abordagem Triangular de Ana Mae Barbosa para a
dança nesse processo de inclusão. Vale lembrar que àquela época a dan-
ça ainda era incipiente, pontual e com fronteiras esfumaçadas e escorre-
gadias no ensino público brasileiro.
Nosso diálogo tornou mais vivo e ainda mais desafiador quando
3 fui convidada a
se

integrar o grupo de assessores da então "Educação Ar-


tística" da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME-SP) em
DE TRIPÉ EM TRIPÉ:O CALEIDOSCÓPIO 1991, durante a gestão Paulo Freire. O desafio de trabalhar a Abordagem
DO ENSINO DE DANÇA Triangular no campo da dança lançado em 1989 duplicou: agora tentava
decifrar como a Abordagem Triangular de Ana Mae Barbosa base do —

Projeto de Reorientação Curricular da SME-SP na área de Arte conver- —

Isabel Marques saria


com os temas geradores de Paulo Freire tendo a dança como forma
de conhecimento] no contexto da rede pública da cidade de São Paulo.

Nosso trabalh02 na rede municipal de ensino de São Paulo incluiu a


Ana Mae, e como fazemos tudo isso
dança no Estatuto da SME-SP como linguagem artística obrigatória no

[a Abordagem Triangular] com a dança?



Não tenho a mínima ideia,
currículo das escolas públicas municipais (1992). Anos depois, fiz parte
isso é com você! do grupo de trabalho de redação dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) que também incluiu a dança como linguagem a ser trabalhada
nas escolas de todo país na área de Arte (1997). O desafio de trabalhar a
0 primeiro tripé: fazer, ler criticamente (a obra ou o campo de sentido) dança nas escolas públicas triplicou: entender e discutir a Abordagem
e contextualizar Triangular para a dança em diálogo com uma sociedade global e multi-
cultural —
"transversalizar"
dança em situação educacional, relacio-
a
Esta epígrafe reproduz razoavelmente o que foi meu primeiro diá- nando-a a meus propósitos anteriores: as relações entre arte e sociedade.3
logo direto com Ana Mae Barbosa, se não me engano, em 1989 num

Passados vinte anos, os desafios de inclusão da dança nos currículos


encontro da Associação de Arte-Educadores do Estado de São Paulo
escolares não diminuíram, só ampliaram. Os diálogos entre a Abordagem
(AESP), na Universidade de São Paulo. Recém-chegada da Inglaterra,
onde fiz o mestrado em Dança no Laban Centre (hoje Trinity Laban), fui
1. Vide
em Marques (2003) artigo que discute o projeto "Tema Gerador e a Construção do Pro-
ao encontro da AESP justamente para ouvir e conhecer pessoalmente Ana grama" e suas relações com a dança desenvolvido na SME-SP (1991-92).
Mae até então
meu contato com ela havia sido somente por meio de 2.
Equipe de "Educação Artística" coordenada por Maria Cristina Pires. Assessores (1991-92):

seus livros.
Yara Caznók (música), Christina Rizzi (artes visuais e teatro) e Isabel Marques (dança). Quando
começou a Reestruturação Curricular, tendo Paulo Freire como Secretário de Educação, a coordena-
Neste dia, senti lançado um dos primeiros desafios de minha carrei- dora do grupo de Artes era Ana Mae Barbosa.

na volta ao Brasil: não só pensar e viabilizar a inclusão da dança nas


3. Vide também
ra Marques (2003) sobre as relações entre os temas transversais e a dança.
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM NO ENSINO ARTES CULTURAS VISUAIS

Triangular de Ana Mae Barbosa e os temas geradores de Paulo Freire4 vivido, percebido imaginado diante de seus alunos dançantes. Movi-
e
trabalho
para a construção do currículo tomaram rumos próprios em meu mento este que se propõe a compreender, articular e ter uma visão crítica,
artístico, de pesquisa e de docência, mas sempre foram e continuam sen- ética e estética das relações entre arte,
ensino e sociedade.
do alicerces referências fundamentais para desenvolver projetos e lançar
e Esta proposta para o ensino de dança que tem
como cerne as redes
pontes entre a dança, o ensino e a sociedade, segundo tripé que norteia a de relações estabelecidas pelo tripé arte-ensino-sociedade vemsendo
proposta para o ensino de dança que venho desenvolvendo desde então. cunhada desde 1996, quando finalizei minha pesquisa de doutorado na
Faculdade de Educação da USP. A síntese e a dessa proposta
nomeação
foi feita por Fábio Brazil,
em 2001, quando juntos fundamos o Caleidos
Segundo tripé: arte, ensino e sociedade
Arte e Ensino, em São Paulo, hoje Instituto Caleidos. Alguns anos depois,
em 2002, o tripé arte-ensino-sociedade e sua fundamentação teórico-prá-
Tenho proposto em meu trabalho que o ensino de dança se estrutu-
enfati- tica foi base para a construção da "Metodologia de Ensino da Dança no
re a partir de um tripé polifônico e não hierárquico que permite e
Contexto" que não será discutida neste artigo.5
za a construção de redes de relações, de tessituras múltiplas entre os
conteúdos específicos da dança (vértice da arte) e as relações desses con- Abaixo, uma figura do caleidoscópio do ensino de dança (Figura 1)
teúdos com os indivíduos-atores sociais (vértice do ensino) que vivem no aqui proposto que sintetiza visualmente o segundo tripé e seus desdo-
mundo com ele dialogam (vértice da
e sociedade). bramentos:
caleidoscópio em movimen-
como as imagens formadas por um
Tal
fazer
to, proponho
que os elementos que compõem estes vértices se relacionem
de formas múltiplas e multiformes no tempo e no espaço: articuladas,
reunidas, relacionadas entre si formando figuras interdependentes que
ARTE
nunca se repetem. Tomo essas imagens caleidoscópicas como metáforas
das propostas, das aulas, das manifestações de dança em situação edu- apreciar contextualizar

cacional: são "belas formas" (de knlos + eidos) construídas a partir das
redes de relações entre suas peças.
Cada um dos vértices do tripé inicial se desdobra em outros tripés
conhecer-se vivida
que, por sua vez, englobam outros conteúdos e conceitos. O tripé pro-
posto por Ana Mae Barbosa para o ensino de arte a Abordagem —

Triangular insere-se nessa concepção no vértice da


— arte do tripé ar-
te-ensino-sociedade e se desdobra em meu trabalho no que se refere ao ENSINO SOCIEDADE
conhecer os outros conhecer o meio percebida imaginada
ensino de dança.
O ponto central dessa proposta é o movimento contínuo e constante Figura I

desse caleidoscópio da dança, movimento gerado pelas histórias, trajetó- De tripé em tripé, o caleidoscópio do ensino de dança

rias, experiências, reflexões e críticas de cada professor


em seu contexto
5. Vide Marques (2004, 2007) para referências mais completas sobre a Metodologia da Dança
no
1992, 1995, 1997, 1998, 2002 etc.) e Freire (1982a, 1982b, 1989, 2000 etc.).
4.
Vide Barbosa (1991, Contexto.
66
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 57

1) Vérticeda arte/dança improvisar compor novas danças;


e

Escolhi
interpretar danças já existentes (repertórios);
intencionalmente trabalhar com a abordagem da dança en-
Apreciar:
quanto pois como arte a dança tem o potencial de lançar pontes para
arte,

outros cenários sociais de que a dança certamente também faz parte o —


descrever, interpretar e julgar;7
lazer, as terapias, os rituais, as manifestações culturais e políticas. Embo- saber olhar,
ver, ler, falar, dizer, articular, perceber e vivenciar
ra isso possa parecer óbvio para muitos, enfatizo novamente aqui esse as danças existentes e em processo de criação;
ponto, pois as querelas entre a dança/ Arte e a dança/ Educação Física Contextualizar:
ainda estão longe de ser resolvidas em contexto escolar e nos meios aca-
as histórias das dos repertórios, dos estilos, dos
danças —

dêmicos. Foco e enfatizo a dança como arte.


movimentos, dos coreógrafos, dos países, das regiões, dos
Parto do princípio de que a dança enquanto arte é um dos múltiplos
gênerosde dança;
pontos de encontro entre indivíduos que co-habitam. A abordagem da
as outras áreas de conhecimento que também estudam ou se
dança enquanto arte diz respeito à educação do indivíduo que compartilha
relacionam com a dança como a Sociologia, a Antropologia,
em sociedade suas diversas maneiras de ver, de ler, de fazer e de pen-
a Filosofia, a Psicologia, a Anatomia, a Cinesiologia, a Fisio-
sar-sentir sobre si
mesmo no mundo. Entendo que a preocupação com o logia etc.
fazer-pensar arte no aprendizado da dança é um fator essencial para
criarmos vínculos e articularmos formas de ver, perceber e conviver em
sociedade; ao mesmo tempo é um modo de permitirmos que o processo
2) Vérticedo ensino
dialógico entre os trabalhos artísticos, os artistas e público
o seja realiza-
do dentro da escola e no
processo de ensino-aprendizado. Assim, focan- Considerar o ensino como um dos vértices dessa proposta para o
do a dança enquanto arte, propiciamos diálogos múltiplos e multiformes
ensino de dança é antes de tudo pensar o projeto educacional como um todo
entre o conhecimento, os cidadãos e o mundo em que vivemos.
e não somente o aprendizado de uma dança e/ ou uma sequência de
Sugiro que os elementos componentes do vértice da arte/ dança no passos, ou
isolar a organização e percepção corporal e/ ou elementos da
tripé arte-ensino-sociedade sejam as primeiras peças a preencherem o linguagem (conteúdos de dança) do contexto sociocultural do aluno ou
caleidoscópio do ensino de dança. O tripé proposto
por Ana Mae Barbo- da própria dança. Abordar as questões do ensino no processo de conhe-
sa (fazer, ler, contextualizar), pensado por mim para a dança, é base para ci mento da dança como arte implica um olhar direcionado para as relações
construirmos esse caleidoscópio: da
que se estabelecem entre os indivíduos e o conhecimento, pois a arte
Fazer:
dança relaciona-se diretamente com os indivíduos que a produzem, as-
conhecer, perceber e construir o corpo que se propõe a existir, sistem, leem e a recompõem articulando e construindo valores, posturas,
a se mover, a dançar. atitudes. O fazer-pensar dança enquanto arte no contexto de ensino cria
conhecer, vivenciar e articular os elementos da linguagem da e recria as relações entre os indivíduos e o mundo em que vivemos.

dança(princípios de Rudolf Laban);6 Proponho que os elementos componentes do vértice do ensino do


tripé arte-ensino-sociedade relacionem-se aos elementos componentes do
6. Para detalhamento e discussão desses elementos, vide Laban (1978, 1990) Preston-Dunlop
e
(1986, 1987, 1998) e Marques (2002). 7. Com base em William Ott, in Barbosa (1998).
58 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES E CULTURAS VISUAIS

vértice da arte, propondo um diálogo constante entre os indivíduos e os mos


— classe, etnia, idade,
gênero,orientação sexual, família,
ou tros; entre o indivíduo, os outros e o conhecimento, entre os indivídu- religião —

são interlocutores do diálogo entre os indivíduos e


os, os outros e a sociedade. com o tempo-espaço que constroem.
O vértice do ensino pode ser pensado e vivenciado como um lugar
para conhecer (re-conhecer), trabalhar (re-trabalhar) e construir (des-
construir e re-construir) bases para o desenvolvimento, a ampliação e o 3) Vérticeda sociedade
diálogo do indivíduo consigo mesmo em uma perspectiva conectada,
Ao sugerir que o ensino de dança tenha como base a articulação e a
interdependente e não hierárquica. O conhecimento de si não é mais
rede de relações formada pelo tripé arte-ensino-sociedade, entendo tam-
importante do que o conhecimento dos outros ou do conhecimento dos
elementos da arte, mas só faz sentido nas relaçõesque se criam e se esta-
bém uma relação mais próxima e mais direta entre a arte, o ensino e as
questões sociais contemporâneas. Não podemos nos esquecer de que a
belecem entre eles.
arte é uma importante forma para entender, problematizar, articular,
Proponho nesse trabalho que os elementos que compõem o vértice
criticar e transformar o mundo em que vivemos. A arte, como linguagem,
do ensino do tripé arte-ensino-sociedade sejam essencialmente aqueles que
é ação sobre o mundo e não reflexo ou representação do mundo e,
— —

delineiam,
amparam, problematizam o projeto educacional. Articulados portanto, intrinsecamente relacionada, parafraseando Paulo à Freire,
entre si, os elementos que compõem e problematizam o vértice do ensino
de maneiras múltiplas e
construção ética, estética e justa da sociedade. necessário, portanto,É
não hierárquicas lançam pontes para que os ato-
trabalhar asmúltiplas relações que se estabelecem entre os indivíduos
res sociais possam compreender, promover, discutir e problematizar o: (vértice do ensino) e a dança (vértice da arte) e o mundo que nos circunda.
Conhecimento de si:
Indivíduos aprendem o dançar ao mes1110 ten1P0 que aprendem sobre
repensar, problematizar transformar nossas
rever, criticar, e si
mesmos e dialogam criticamente com as transformações espaçotempo-
indagações pessoais a respeito de quem somos? de onde vie- rais da sociedade. Da mesma forma, as relações que se estabelecem entre
mos? a que grupos pertencemos? o que queremos?onde.com os indivíduos ("eus") e o público (os "outros") por meio do conhecimen-
quem aprendemos? queremos mudar? o que podemos fazer? to da arte chamam para a formação de um grupo "nós". Por isso, o ter-
a que nos comprometemos? ;
ceiro vértice do tripé desta proposta é o vértice da sociedade.

Conhecimento do(s) outro(s):
A partir do trabalho com esse vértice do tripé, sugiro que nas aulas
o conhecimento de si está intrinsecamente conectado ao co- de dança possamos estabelecer vínculos de compreensão, diálogo e par-
nhecimento do outro, dos outros, dos grupos a que pertence- ticipação com o mundo em que vivemos, que possamos compreender,
mos e dos grupos que não escolhemos. Gostos, atitudes, dialogar, participar e transformar as relações sociais cotidianas. Proponho
comportamentos, formas de relacionamentos, escolhas pes- que as questões
sociais contemporâneas devem permear e servir de urdi-
soais no coletivo são base para a convivência dialógica, ética dura para tecermos as redes das aulas de dança.
e sustentável em sociedade; sociais locais, nacionais ou globais estão necessariamen-
As questões
Conhecimento do meio: te
corpos que dançam, dado que nossos corpos são cons-
inseridas nos
oconhecimento de si e dos outros no mundo contemporâneo truídos socialmente.s As relações sociopolítico-culturais-ambientais são
não aceita distanciamento em relação ao conhecimento do
meio em sociais
que vivemos, pois os grupos que pertence- Veja Foucault (1991) e Johnson (1994) para discussão sobre o corpo socialmente construído.
a 8.
BARBOSA • CUNHA AOOROAG[M TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 61
60

da elaboração e desenvolvimento das


aulas de •
Mundo imaginado:
nessa proposta o cerne
sociais são o ponto de interlocução criar redes de relações entre o universo dos sonhos, dos
dança. Acima de tudo, as questões sím-
atores sociais e o
entre as múltiplas relações que se estabelecem entre os
bolos, das metáforas, das virtualidades e transcendentalidades
conhecimento da dança. e os universos das artes.
Fazendo, criando, apreciando e contextualizando dança é que as
da arte; é a partir
questões sociais são abordadas e não separadamente
do conhecimento específico de dança que os alunos podem
perceber a
Vértice da ARTE relaciona os indivíduos e a sociedade dialogando com:
existe entre os indivíduos e o mundo. As
imensa rede de relações que fazer: elementos de conhecimento e percepção do corpo
"
antes" ou
sociais, assim, nãosão abordadas separadamente

questões elementos da linguagelll da dança (Laban)


"depois" das aulas de dança, mas estão
conectadas
intricadas, tecidas,
improvisação, composição, repertórios
experiências, vivências e reflexões do/ no universo da dan-
aos conceitos, ler criticamente: descrever, interpretar, julgar

ça como arte.
contextualizar: as histórias da arte, outras áreas de conhecimento

Proponho que os elementos do vértice sociedade do tripé sejam


de dança.
também "peças" que compõem o caleidoscópio do ensino
Vértice do ENSINO relaciona a arte da dança ao mundo dialogando com:
(1992) sobre o espaço conhecimento de si: conhecer-se
Com base nas proposições de David Harvey conhecimento do outro(s):
dialogam reconhecer-se
geográfico, elaborei três elementos componentes principais que conhecimento do meio: conhecer-se e reconhecer-se no tempo e no espaço
da dança e com os indivíduos na constru-
com o conhecimento específico .9

das imagens do caleidoscópio do ensino de dança.


ção Vértice da SOCIEDADE relaciona a arte da dança aos indivíduos dialogando com:
Mundo vivido: tnundo vivido: questões de gênero, classe, etnia, idade, sexo, relações de poder
realidade
conhecer, problematizar, articular e transformar a mundo percebido: modos de ver, sentir, perceber, intuir, relacionar
corpo e mundo
palpáveis: a fome, o
social concreta, dos cotidianos visíveis e mundo imaginado: relações simbólicas, estéticas, transcendentes, virtuais
sexual, o trá-
desmatamento, o aquecimento global, o abuso
Figura 2
fico de drogas, a violência urbana e rural etc.;
Elementos componentes do tripé arte-ensino-sociedade
sociais concretas,
conhecer, problematizar, as redes de relações
idade, classe,
dos cotidianos interpessoais: relações de gênero,
religião, etnia e raça, orientação sexual etc.; Para concluir

Mundo percebido:
O homem está
no mundo e com o mundo...
conscientizar-se,experimentar, vivenciar criticamente as ma- isto o torna um ser capaz de relacionar-se...
neiras como diferentes corpos percebem e elaboram a reali- vai criando, recriando e decidindo...
dade concreta, vivida: sensações, impressões, percepçõesque
Paulo Freire
sociedade e com ela
perpassam o universo dos corpos em
dialogam a partir das subjetividades;
É primordialmente do universo das relaçõesque são construídos os
9. Veja também Marques (1999) para discussão sobre ensino de dança e
sociedade. nu'lltiplos sentidos que preenchem de significados a existência dos seres
62 BARBOSA • CUNHA NO ENSINO CULTURAS VISUAIS

em sociedade. O universo das relações, afirma Paulo Freire (1982a), são Referênciasbibliográficas
eminentemente plurais, dialógicos, participantes e criativos. As relações
proporcionam aprofundamento, ampliação e crítica do conhecimento. É BARBOSA, Ana Mae. A illiagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 1991.

por isso que as relações são transformadoras (ibid.). .

Arte-educação pós-colonialista no Brasil. Contilnicação e Educação, n. 2,


p. 59-54, jan./ abr. 1995.
Na proposta para o ensino de dança aqui discutida, o tripé inicial
formado pelas relações entre a arte, o ensino e a sociedade se desdobra (Org.). Arte-Educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 1997.

em outros tripés que também se articulam entre si e re-desenham, am- . Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.

pliam, aprofundam, sugerem compõem múltiplas formas e imagens


e (Org). Inqtlietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002.
para construção do caleidoscópio do ensino de dança. O tripé fazer, apre- FREIRE, Paulo. Educaçãoe mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982a.
ciar, contextualizar,proposto por Ana Mae Barbosa, faz parte dessa rede
Ação cultural para liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982b.
de relações no que concerne ao conhecimento da arte, da dança como arte
.

Pedagogia do oprinlido. Rio de Janeiro: Paz


a primeira das relações fundamentais e significativas para o ensino de e Terra, 1989.
.

arte na sociedade contemporânea.


.
Pedagogia da indignação. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.

Nesse sentido, mais importante do que os conceitos trabalhados são FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Rio de Janeiro: Vozes, 1991.
as relaçõesentre eles, pois são as relações estabelecidas que constroem I IARVEY,
David. Condição pós-moder1117. São Paulo: Loyola, 1992.
sentidos e significados aos/ pelos envolvidos nos processos de ensi- JOHNSON, Don. Corpo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
no-aprendizado de dança. Ou seja, mais importante do que conhecer os
LABAN, Rudolf. D0111ñ1io do Illovilnento. São Paulo: Summus, 1978.
conceitos de Laban em si, por exemplo, é traçar relaçõesentre esses con-
Dança edllcativa moderna. São Paulo: Icone, 1990.
sociedade em que vivem.
.

ceitos, os sujeitos e a
MARQUES, Isabel. Ensino de dança hoje. São Paulo: Cortez, 1999.
Dessaforma, compreendo a transformação inerente ao universo das
relações colocado por Freire não como ações pontuais que focam alterar Dançando na escola. São Paulo: Cortez, 2003.

as concretudes sociais em si e isoladamente (por exemplo, a fome, a vio- Revisitando


.

a dança educativa moderna de Rudolf Laban. Sala Preta 2:


lência etc.), mas sim um processo de transformação que foca as construções ECA-USP, 2002.

das formas, os sentidos, os caminhos pelos quais as relaçõesentre essas Metodologia para o ensino de dança: luxo
ou necessidade? Lições de
I 'anca, Rio de Janeiro, UniverCidade, n. 4, p. 135-158, 2004.
concretudes permeadas de percepções e de virtualidades, os indivíduos
e o conhecimento se estabelecem. I see a kaleidoscope
.

dancing: understanding, criticizing and recreating


the world around us. In:
Por outro lado,
transformação aqui discutida é aquela que, por
a ROUHIAINEN, L. (Ed.). Ways of knowing in dance and
art. Acta Scenica, Helsinki:
Theatre Academy, n. 19, p. 144-158, 2007.
meio da compreensão, da crítica e da ética, pode promover constante
I 'R ESTON-DUNLOP,
movimento no caleidoscópio do ensino de dança, no caleidoscópio da in Valerie. A handbookfor
dance education. London: Longman,
1986.
sociedade contemporânea. Transformar as relaçõesno tempo e no espaço
Dance is language, isn't it? London: Laban Centre
ensino e a sociedade implica também transformar as imagens
entre a arte, o a
for Movement and
I 1987.
resultantes dessas relações e, portanto, as concretudes dos mundos vivi-
dos, percebidos e imaginados. .
Looking at dances. London: Verve, 1998.
64 CUI.IUI(AS VISUAIS

O eixo da PRODUÇÃO envolve ações


de configuração (toda vez
que
alguém produz uma forma), ou seja:
— refere-se à realização de uma escultura, dança, música, filme,
ou
outras formas de produção artística;

refere-se à produção de pensamentos sobre arte,
por exemplo,
quando alguém escreve um texto dando forma a ideias;
4 —
refere-se a experiências de leitura, quando alguém, diante de
uma
obra de arte, configura para si encontro "entende poetica-
mesmo um e
SOBRE MAPAS E BÚSSOLAS: APONTAMENTOS mente", quer dizer, realiza para si
mesmo uma forma significativa de
A RESPEITO DA ABORDAGEM TRIANGULAR encontro com aquela obra.
Entendo, assim, que o eixo da PRODUÇÃO nomeia não apenas ações
que caracterizam a aprendizagem do fazer artístico em contato com os
Regina Stela Machado materiais e com os princípios de formatividade das diferentes linguagens
artísticas. Ou seja, essas se referem à capacidade de produzir obras
ações
artísticas, mas também à capacidade de produzir leituras e relações con-
ceituais, tão importantes para a experiência da Arte e que também inte-
A palaqra é a sombra da realidade e seu acessório. Se a
sombra atrai, colll maior razão o fará a realidade. gram a concretização de formas artísticas.
A palavra é um pretexto. O qlle atrai os 110111ens entre si é O eixo da
LEITURA refere-se aos encontros (que costumo chamar de
a afinidadetlile os liga e não a palavra.
conversas)
com obras de arte e outras tantas construções simbólicas das
Rumi
culturas envolvendo, por exemplo, desde espaços urbanos, meios de
comunicação até objetos utilitários. Esse eixo nomeia, então, a aprendi-
Este texto tem como objetivo apresentar uma determinada compreen- zagem da experiência estética, que envolve também nosso contato com
da Abordagem Triangular para o Ensino e Aprendizagem da Arte formas da natureza.
são
formulada por Ana Mae Barbosa. Ler tem o sentido de reconhecer e compreender poeticamente códi-
Minha intenção é dispor uma reflexão dedicada a artistas educadores, gos e principalmente o sentido de dar combustível ao universo de imagens
in ternas significativas responsáveis pelo vigor conceptivo do ser humano.
para que possam, quem sabe, desejar aproximar-se da Abordagem Trian-
Esse eixo trata das
gular e descobrir nela um convite ao aprofundamento do seu contato com açõesque envolvem o exercício da percepção.
a Arte e com a Educação. Oexercício da percepção está presente também no processo de pro-
A Abordagem Triangular nãoé uma metodologia, como às vezes é duçâo de formas artísticas, assim como na reflexão sobre arte, visto
que
chamada. Os três eixos de aprendizagem artística que a compõem deli- sua característica fundamental tem a vivacidade do instante, da observa-

mitam claramente conjuntos possíveis de ações complementares e inter- çàode qualidades, da curiosidade, do movimento,
que são diversos as-
conectadas. Ações que podem se manifestar concretamente em redes pectos daquilo que J. Dewey denomina de qualidade estética da
expe-
ciência verdadeiramente humana.
intermináveis de relações.
66 NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS 67

O eixo da CONTEXTUALIZAÇÃO, que eu chamo de contextualiza- o desenvolvimento cognitivo dos alunos. Em síntese: o que quer dizer, para
reflexão, os diferentes
ções, abarca as ações que focalizam, por meio da uma criança na faixa etária X, conhecer arte através da apreciação da obra
contextos da arte: a história, a cultura, circunstâncias, histórias de vida, artística? ou da leitura da imagem? ou da apreciação de formas da nature-
movimentos artísticos. za e de objetos variados produzidos pela cultura?
estilos e
Observando algumas práticas desenvolvidas no sentido de responder a
aprendizagem de formulações sobre o fenômeno artísti-
Trata-se da
estas questões, podemos dizer
realidade e de acordo com diferentes níveis que muitos professores dispostos a trabalhar
co em diferentes planos de
com Abordagem Triangular têm oscilado entre um extremo, que chama-
a
de compreensão. Esse eixo contém, assim, uma ampla gama de discursos,
ríamos de reducionismo narrativo, e outro, o do reducionismo formalista.
fruto:
No primeiro caso, o fato visual é reduzido à descrição de figuras e as crian-
da pesquisa teórica,
ças são levadas a narrar o que veem. Então o que se perde são as qualidades
o

da leitura de formas visuais específicas da obra de arte: narrando o que vê a criança pode
• e apren-
der muitas coisas, mas não necessariamente estará tendo a possibilidade de
• da pesquisa durante o processo do fazer artístico. estabelecer
um contato com a natureza do objeto artístico. Deste ponto de
faz narrar uma foto jornalística, figuras de um calendário qual-
vista, tanto
Assim pode-se aprender em contato com a Arte exercitando ações quer ou uma obra de Portinari.
complementares que se conectam de diversos modos, como peças de um No segundo caso, na tentativa de ensinar os elementos da forma visual, os
caleidoscópio em constante mutação. professores levam as crianças a observar formas, linhas, cores, texturas que
No relações ocorrem "naturalmente"
trabalho dos artistas, essas e compõem uma obra. Então, a obra se fragmenta nos seus elementos com-
de diversos modos dentro do fluxo de seus processos. positivos e o que se perde, em geral, é a experiência significativa do todo.

Como escapar destas duas tendências reducionistas?


No processo de ensino e aprendizagem, digamos, numa escola do
Outra pergunta: como escapar da tendência "vestir a camisa"? Explicando
ensino fundamental, um desenho feito por uma criança pode ser fruto de
leitura de formas e linhas no espaço melhor: "Antes eu vestia a camisa da livre
expressão e agora tenho que
uma pesquisa de materiais, de uma vestir a camisa da Abordagem Triangular"; este seria
o subtexto que estaria
da obra de um artista e de uma formulação pessoal, como por exemplo
linhas". A questão é tirando o sono de muitos professores hoje em dia. Na experiência dos alu-
esta: "posso criar
um espaço com sempre a mesma: isto corresponderia, modo, à seguinte situação: "bom, antes,
propiciar a seus alunos nos, grosso
o que o artista educador precisa aprender para fazer arte era juntar copinhos de iogurte e caixas de
ovos fazendo uma
experiências que considerem sua faixa etária, desenvolvimento cognitivo,
"criatividade"; agora, fazer arte é olhar bem uma obra da Tarsila e depois
desenvolvimento artístico etc. fazer alguma coisa inspirada nesta obra". Nesse caso, copinhos de iogurte

Porque não se trata de "aplicar" os três eixos nos alunos, como tanta ou "releitura" se substituem igualmente, na "aplicação mecânica" de uma
gente entende que deve fazer. suposta tendência em voga.
Há muitos anos atrás escrevi: Como propiciar à criança uma experiência de encontro significativo com o
universo da arte e não apenas um encadeamento de dados informativos
Focalizando questões relativas à educação estética, podemos dizer que sobre um artista, uma época ou elementos formais?

genericamente, antes de mais nada, o professor enfrenta duas classes de Em que idade é possível dizer que uma criança "aprecia" arte? O que quer
perguntas. A primeira classe envolve as questões que dizem respeito ao dizer "apreciar" arte em cada faixa etária? Que relação isto tem
com o con-
conceito de experiência estética e a segunda, as questões relacionadas com ceito de "apreciar" para o adulto?
68 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 69

Como descobrir as qualidades perceptivas características de cada idade, Então esse mapa é também a formulação da natureza do objeto de
para a partir delas edificar uma proposta de apreciação? estudo desse campo de conhecimento, presente na complementaridade
de campos distintos de atuação.
Essas perguntas ainda permanecem até hoje em muitos lugares.
Visto desse modo, esse mapa orienta muito mais a busca da signifi-
Acredito que é importante perceber em primeiro lugar a contribuição de ensinar e aprender arte, para que cada educador artista possa
histórica da Abordagem Triangular como um grande mapa delimitador
cação
formular suas próprias perguntas, por sua vez poderá traduzir em
que
de possibilidades para o ensino e aprendizagem da arte, que delineia conteúdos e procedimentos.
campos e focos de açãodistintos enquanto intenção e direção que se Conto a algumas pistas que me foram sendo sugeridas du-
seguir
completam e que contribuem conjuntamente durante cada percurso de
rante as inúmeras conversas que tive e continuo tendo com o ensino e
experiência da Arte.
aprendizagem da Arte.
A intenção e orientação de produzir concretamente um trabalho
A Abordagem Triangular me convidou a pensar que o planejamento
artístico não se confunde, enquanto propósito e ação, com a intenção e
de um curso, enquanto concepção, pode ser fruto das relações entre exer-
orientação de, por exemplo, ir a um museu para ler obras de arte, do
de cícios de aprender fazendo, lendo e contextualizando arte.
mesmo modo que não se confundem com a intenção e orientação
pesquisar, digamos, um determinado momento histórico da arte do oci- Que habilidades estão envolvidas no exercício dessas ações?
dente, ou a vida de um artista. Como uma criança que desmonta um intrincado quebra-cabeças fui
experimentando possibilidades até chegar a um ponto de partida que me
Um mapa é um guia que orienta percursos e estrutura a compreensão
da multiplicidade de possibilidades de ensinar e aprender em contato pareceu fecundo. Rascunhei três verbos, correspondentes a três tipos de
habilidades humanas que são exercitadas no contato com o universo da
com a Arte.
Arte: conceber, perceber e o terceiro, a princípio, denominei configurar. Mais
Assim a Abordagem Triangular não estabelece o
que fazer nem
cenário de de conhecimento
tarde,vendo que não era o que queria designar, configurar foi substituí-
aponta como fazer. Desenha um campos
do por concretizar.
inter-relacionados,um terreno no qual o ensino e a aprendizagem podem
ocorrer. Enquanto estrutura de possibilidades, caracteriza o fenômeno da Por que fui atrás desses verbos? Porque queria aprofundar meu
Arte enquanto um objeto de conhecimento na sua especificidade, distin- entendimento dos três eixos, espremendo-os como laranjas, de modo a
guindo-o de outros objetos de conhecimento. Imagino que desde o início encontrar o suco: as
açõesque conduzem o processo de aprendizagem,
da humanidade, mesmo exercendo as mais diferentes funções dentro do relacionadas aos recursos que uma criança ou um adulto precisam acessar,
descobrir
conjunto de ações simbólicas de cada cultura humana,o fenômeno que exercitar e num contato com a Arte.
hoje chamamos Arte sempre foi aprendido, ensinado e transmitido por Pensei que a produção de uma forma artística requer o exercício
meio da produção de formas, da leitura/ observação/ contemplação des- complementar da habilidade de imaginar e perceber. Sem a capacidade
planos, de conceber, sonhar, desenhar imaginariamente, como criar uma forma?
sas formas e do pensamento que as contextualiza em diversos
relacionando-as entre si. Tudo isso amarrado em cada caso, por um pro- Ao mesmo tempo, sem o exercício da percepção, que imagens significa-
pósito simbólico cultural que dá sentido às ações concretas manifestas. tivas alguém poderia evocar e inventar? A percepção crítica de distinguir

nas obras, nos textos críticos, orais ou escritos, nos registros de reflexão qualidades, compreendendo tanto realidades e formas "do mundo"
estética, orais ou escritos. quanto formas interiores (o que sei e o que não sei, a curiosidade, os es-
70 BARBOSA • CUNHA NO vrsums 71

tados de humor, o saber


parar ou prosseguir, perguntar ou arriscar), éo Vamos seguir um pouco mais adiante, inserindo as
açõesdos três
substrato da capacidade de imaginar. Ambas são responsáveis por
uma verbos em cada um dos eixos da Abordagem Triangular.
experiência de vida verdadeiramente pessoal.
No eixo da LEITURA é possível aprender a:
Vamos então estabelecer um campo de sentido para cada um dos três conceber, diantede uma obra de Arte (ou de formas da natureza),
verbos.
que intenções, que sonhos poderiam ter originado aquela obra.
A habilidade de conceber se dá no plano imaginativo e se manifesta perceber relações formais que a perceber qualidades
estruturam,
como desenhos mentais, sonhos, hipóteses, perguntando o que pode vir
materiais, técnicas, assim como ressonâncias e repercussões que
a ser, dirigindo-se ao
que ainda não existe, mas pode
existir,
seja como
a obra provoca.
ideia ou realização concreta.
concretizar, a partir do exercício de conceber perceber, uma ma-
e
A habilidade de perceber refere-se a observação de formas e aconte-
neira particularúnica de viver a experiência estética, fruto da
cimentos da cultura e da natureza. Observar é estabelecer relações críticas, e

formais ou afetivas entre qualidades que se apresentam fora e dentro do compreensão, da intimidade, dos insights e do contato daquela
sujeito que observa. pessoa com a obra, no instante da leitura.
E possível
"ver" uma tormenta no céu e "ver" uma tormenta em
confusos estados interiores quando se está diante de uma decisão e não A leitura,
fruto do exercício da imaginação e da percepção, pode
se sabe o que fazer. tornar-se assim produção de conhecimento estético.
A habilidade de concretizar refere-se à materialização de desenhos No eixo da PRODUÇÃO é possível aprender a:
imaginários e perceptivos. A concretização de uma obra de Arte, por
• conceber no plano imaginativo possibilidades técnicas e materiais,
exemplo, dá-se numa forma que é fruto de escolhas ao longo de um pro-
cesso de conceber e observar. num processo de visualizar o sonho da obra.
perceber relações entre qualidades materiais e técnicas, estados
Se meacompanham nesse percurso remexendo nessas ideias, vocês
poderão ver junto comigo que os três verbos começam a dançar movi- afetivos e reflexões.
mentos um tanto vertiginosos. É como se nos dissessem: você quer mes- • concretizar, ou seja, configurar a maneira particular e única de
mo saber, veja só o que mais temos para contar. produzir um trabalho artístico.
Espero que continuem me seguindo.
Esses campos de sentido dos três verbos são distintos enquanto
ações. No eixo das CONTEXTUALIZAÇÕESé possível aprender a:
Se olharmos mais de perto nos revelam que são responsáveis conjunta- conceber desenhos históricos, culturais, estilos e tendências, ima-
mente, como fatores estruturantes, pelas
açõesque compõem o fazer ginar os diferentes contextos da Arte.
artístico, a percepçãoestética e a reflexão sobre os diversos contextos em
perceber relações significativas entre os diferentes contextos e as
que a Arte se inscreve.
E assim características que os qualificam.
nos contam que conceber, perceber e concretizar são exercitados
continuamente, de modo complementar, nos três conjuntos de de- formulações particulares e únicas manifestas em textos,
concretizar
ações pesquisas, avaliações do próprio trabalho e dos outros. Trata-se
nominados pela Abordagem Triangular de Produção, Leitura e Contex-
tualização. assim da produção de uma reflexão pessoal sobre Arte.
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS 73

Com base nesse mergulho até os três verbos no fundo dos três eixos, Assim como a cozinheira sabe que sua função é produzir alimento,
posso propor exercícios de conceber, perceber e concretizar como alicerces o educador artista sabe qual é a sua função?
da aprendizagem da arte, inventados a cada vez para cada situação es- Sabe
que tipos de "alimentos" pode dispor a seus alunos? Sabe con-
pecífica de planejamento. ceber "refeições"? Mais do que tudo, sabe formular para si mesmo, com
Muitas outras visões estão sendo formuladas por artistas educadores base nas experiências de sua própria vida e pesquisa, por
que essa "co-
a partir de suas reflexões sobre a Abordagem Triangular, em diferentes mida" substância
que anima seu trabalho é fundamental para a existência
direções. humana?
Todas elas podem contribuir para uma melhor compreensão do A Abordagem Triangular é, assim, um ponto de partida, e principal-
sentido de aprender e ensinar Arte e devem essa possibilidade ao espaço mente uma espécie de bússola e não uma bula, o que faz toda a diferença.
aberto pela Abordagem Triangular. Uma bússola é extremamente útil nas mãos de alguém que sabe que
está a caminho, que se sabe um viajante e que se dispõe a enfrentar obs-
No século passado, só para um exemplo dentro da História
situar

do Ensino da Arte, um arte/educador em geral justificaria seu trabalho táculos e descobertas a cada instante, porque uma determinada intenção
valendo-se de vagas ideias, frágeis e fragmentadas, relacionadas, por anima cada passo e cada parada. Nas mãos de alguém que não está pre-
exemplo, à livre expressão, ao ensino de técnicas, e a uma infinidade de parado para viajar, uma bússola é inútil.
razões que Eisner chamou de contextualistas. Dificilmente seu dis-
E.
Um educador pode se beneficiar, e muito, da Abordagem
artista

curso sustentaria uma fundamentação capaz de especificar o Ensino da Triangular se pode se perceber em aprendizagem contínua. Se está dis-
Arte diante da aprendizagem de outros conteúdos de outras disciplinas. posto a perguntar a si mesmo, em primeiro lugar, qual a intenção que
A Abordagem Triangular faz precisamente isto: delimita os contornos do anima seu trabalho. Se está disposto a exercitar-se continuamente produ-
conhecimento artístico, estruturando um campo de ações
que conduzem zindo, lendo formas artísticas e refletindo sobre os diversos contextos da

processos de aprendizagem, específicos dessa forma de conhecimento arte. E antes de mais nada essa aprendizagem complementar
que pode
humano. capacitá-lo a usar a bússola da Abordagem Triangular. Percorrendo ele
Traduzindo em linguagem corriqueira: uma cozinheira precisa saber mesmo os campos da produção, da leitura e das contextualizações, é essa
experiência viva feita do exercício da curiosidade, da percepção, da
que sua função é produzir alimento. E que esse alimento é fruto de um

flexibilidade, da imaginação e da reflexão


conjunto de possibilidades de conhecimento que se organizam em diver- que animam a aprendizagem
da arte a responsável pela elaboração de seus planejamentos.
sos campos de experiência: funções da alimentação, nutrição, tipos de

alimentos, tipos de refeições que compõem o dia a dia, combinações dos A compreensãoe utilização da Abordagem Triangular tem como re-
alimentos. Mesmo que esses sejam conhecimentos empíricos, existe
uma quisito um educador artista em constante transformação, em movimento.
concepção que organiza suas ações: a comida é fundamental para a exis-
Há quase dez anos, quando concebi um encontro entre contadores
tência humana, não se confunde com respiração, por exemplo, que também de histórias em São Paulo, parti do mesmo princípio que orienta minhas
nesse sentido é essencial. açõesde educadora artista.
Existem, é claro, diferentes aprendizagens, desde a cozinheira que Relato a seguir essa proposta como uma situação concreta de ensino
reproduz o alguém fazer
que viu até
um chefque resolve estudar a com- e aprendizagem da Arte narrativa que testemunha a visão até aqui ex-
posição química dos alimentos. pressa neste texto.
ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO DAS ARTES CULTURAS vrsums
BARBOSA • CUNHA

São variadas situações de de contos em que é possível escutar uma


O Encontro Internacional Boca do Céu de contadores de histórias narração
ampla diversidade de narradores vindos de espaços culturais distintos que
narrativas e narradores teve sua primeira edição em 2001, no Sesc Vila
trazem recursos, repertórios e estilos, que apresentam soluções e criações
Mariana em São Paulo. Desde então ocorreu em 2006 e 2008, no Sesc Pi-
individuais e grupais de narradores do mundo contemporâneo. Tal varie-
nheiros e Pompeia, respectivamente.
dade é propícia para a apreciação do público em geral e também oferece
Desde início, a concepção do Boca do Céu inspirou-se na Aborda-
o oportunidade de aprendizagem sobre arte narrativa para educadores e

gem Triangular, como demonstra o texto de apresentação do encontro de contadores de histórias.


2010,
com realização na Oficina Cultural Oswald de Andrade da Secreta-
2) A caminho do tesouro
ria de Cultura do Estado de São Paulo:
As oficinas são destinadas a educadores, contadores de histórias, bibliote-
O Encontro é estruturado dentro da Abordagem Triangular para o Ensino
cários e demais interessados em utilizar contos na sua atividade profissional.
e Aprendizagem da Arte, elaborado por Ana Mae Barbosa. Isso significa,
Todas as oficinas foram selecionadas com a intenção de propiciar subsídios
antes de mais nada, que a Arte Narrativa é considerada
como fenômeno para o trabalho em escolas, bibliotecas, hospitais, centros culturais, ONGs
das culturas humanas que ocupa um lugar ao lado das Artes Visuais, Teatro,
e outros espaços possíveis em que se possa atuar narrando histórias.
Música, Dança e artes midiáticas e multilinguísticas contemporâneas. Como Tratam de recursos internos e externos para contadores de histórias, dife-
tal, a Arte de Contar Histórias pode ser incluída dentro de um processo de
rentes aspectos da arte de narrar e funções culturais das histórias.
formação artística e estética, de
modo equivalente às outras artes. São oficinas prático-teóricas que, a partir da perspectiva de cada uma delas,
No Encontro Boca do Céu existem portanto três tipos de atividades ligadas oferecem exercícios ligados à atividade corporal, musical, vocal, à pesquisa
aos eixos de aprendizagem da Arte Narrativa: de repertório, da bibliografia, da cultura popular abrangente, bem como
Narração de contos para adultos crianças, que são atividades de
e fundamentos teóricos das práticas apresentadas.
LEITURA e APRECIAÇÃO de contos: APRENDER A ESCUTAR. O

nome metáfora para esse conjunto de atividades é: O TESOURO


3) O mapa do tesouro
2 Oficinas. Atividades de produção. Palestras, Debates, Pesquisas de Narração e Relatos de Experiências.
Aprender a fazer. A CAMINHO DO TESOURO
3 Palestras, debates e relatos de experiência Estruturado dessa forma, Boca do Céu dispõe uma situação de
o
Atividades de reflexão e compreensão dos fundamentos e contextos da Arte aprendizagem teórico-poética para pessoas que trabalham com histórias
na realidade escolar, mediações culturais, terapêuticas, entre outros
Narrativa.
ações
Aprender a pesquisar. O MAPA DO TESOURO campos de ação.
O Boca do Céu estabelece como ponto de partida um campo de ações
1) O tesouro de contato com uma substância que, entendida como Arte, pode se ins-

Espetáculos paraescolas, espetáculos para adultos, de contos por crever num processo de ensino e aprendizagem. A arte narrativa tem uma
narração História, funções culturais, trajetos de artistas contadores em diferentes
convidados estrangeiros e brasileiros vindos de vários estados, de
narração
contos para crianças e público em geral, rodas de contadores dehistórias, espaços e momentos, estilos, técnicas, características formais. Essa subs-
salas temáticas com inscrição prévia aberta a profissionais e não profissio- tância de conhecimento, que atravessa desde tempos imemoriais os gru-
nais,
narração espontânea sem inscrição prévia em espaços determinados pos humanos, como qualquer arte, tem um importante papel na apren-
e pesquisas de dizagem das pessoas de todas as idades.
narração.
O que se pode aprender em contato Então as propostas podem variar a cada encontro, mas nãosão
com as narrativas é a pergunta ações
que orienta o Boca do Céu. A ideia de que se aprende fazendo, escutando escolhidas ao acaso, ou desligadas umas das outras, como itens de um
e refletindo sobre
os diversos contextos da Arte de Contar Histórias ba- supermercado.
seia-se na bússola da Abordagem Triangular que organiza os três campos
A estrutura da Abordagem Triangular organiza um conjunto de ações
de do
ações encontro. Dentro de cada eixo da aprendizagem, infinitas
interligadas segundo uma intenção e uma concepçãoda arte de contar
podem ser planejadas.
ações histórias.
Por exemplo, no eixo da leitura e escuta de pessoas contando histó-
A intenção é de dispor um conjunto estruturado de situações de
rias temos desde situações aleatórias até espetáculos de narração, estru- aprendizagem, conforme convida a Abordagem Triangular. Não se trata
turados como formas artísticas elaboradas. Na situação mais informal há de planejar objetivos do tipo "levar o aluno à" ou estabelecer "o que deve
pequenos espaços delimitados com duas cadeiras onde a qualquer mo- ser aprendido".
mento alguém pode se sentar e contar uma história para a pessoa à sua
eixos de possibilidades de
frente. Podem ser duas pessoas conhecidas ou desconhecidas, a história
Dentro desse mapa disposto pelos três
aprender, cada participante cria seu próprio percurso e acaba se benefi-
contada pode ser inventada na hora, pode ter acabado de acontecer, pode
ciando bastante pelas surpresas dos instantes, não previstos, mas propi-
ser um conto que a pessoa escolheu no seu repertório para relatar naque-
ciados pela rede invisível de propósitos, como uma qualidade
móvel e
le momento. A ideia de criar esse espaço informal foi planejada a partir
do conhecimento de um dos vértices do triângulo-leitura/escuta, relacio- É
impalpável que reúne os elementos do mapa. a experiência de percorrer

criticando, escutando em silêncio, observando as diferentes ações,
nada a outras situações dentro do mesmo eixo: há

narrações temáticas,
encontrando pessoas, passando por desafios perceptivos, reflexivos e
de contadores profissionais para crianças, famílias ou esco-
narrações afetivos,
num bombeamento constante de distintas pulsações que
impri-
Ias. Há momentos em
que contadores estrangeiros e de outras partes do do que
me a marca de cada pessoa no aproveitamento único e particular
Brasil contam histórias trazendo seus diversos estilos e repertórios. Há
o Boca do Céu lhe oferece.
rodas de de contos que trazem uma ampla variedade de escolhas
narração de como contar
artísticas e estéticas. O encontro não ensina, não explica, não dá receitas

histórias, não fornece "apostilas" do que deve ser feito. Também não tem
O eixo da contextualizaçãoorganiza ações em torno da pergunta:
De quantas maneiras se pode refletirsobre a Arte de Contar Histórias? uma "linha" que deve nem uma "visão" ou "cartilha" polí-
ser seguida,
É feito tica, "palavras de ordem", "jargões" ou listas de conteúdos e procedimen-
de palestras, debates, pesquisas de narração, relatos de experiência de
los. Também não visa a "resultados" a serem atingidos.
contadores de histórias e relatos de trabalho com contos em diferentes
contextos. histórias de sua experiência no Boca do Céu
As coleções de relatos e

E,
finalmente, o eixo da produção oferece oficinas em que os partici- contadas pelos participantes atestam a fecundidade de concepção do
encontro.
pantes exercitam a arte de contar histórias orientados por profissionais
experientes cujas propostas focalizam diferentes conteúdos, habilidades milhares de encontros, nunca sequer imaginados, mas
São de fato

e procedimentos ligados à aprendizagem dessa substância artística. O rigorosamente assegurados pela disposição estrutural dos espaços, físicos
e simbólicos.
que se pode experimentar, que modos de contar se pode pesquisar, que
habilidades é preciso acordar, que recursos se pode acessar e inventar são Não é como numa feira, que tem estandes um ao lado do outro,
as perguntas que orientam as desse eixo. desconectados, em que o visitante vai colecionando prospectos, folders e
ações
78 NO ENSINO v151JA15 79

catálogos e pode até sair com dor de cabeça por causa do barulho infernal de sua formulação.A palavra, como disse Rumi, é a sombra da realidade
dos variados e desconexos sons do ambiente. e seu acessório. O que interessa é a realidade, a afinidade
que liga os seres
humanos por meio da Arte e não discutir nomes, se são copiados, inven-
No Boca do Céu, a qualidade invisível e impalpável que permeia os
acontecimentos, manifesta até nos sons diversos dentro e fora das pessoas, todos ou importados.
advém de proposta que anima o encontro e do desejo de conhecimento A Abordagem Triangular não serve para quem quer um manual, nem
dos participantes que fazem o encontro acontecer como um todo interli- tem caráter prescritivo. Requer o espírito livre, a disciplina investigativa
vivi-
gado e ao mesmo tempo se realizar particularmente na experiência e a disposição corajosa para perceber o que se anuncia ao longo dos pas-
da por cada um. gos no caminho, o não mostra bússola não define: as
que o mapa e a es-
Penso que é possível utilizar essa concepção como reflexão para colhas e a intenção do viajante,
qualquer situação de ensino e aprendizagem de arte.
Artistas educadores que puderem interrogar a Abordagem Triangu-
lar buscando na sua concepção um ponto de partida para mapear suas
beneficiarão de seus pressupostos.
açõescom certeza se
Acredito ser essa a função de uma bússola: fornecer orientação numa
delimita o
dada superfície, dentro de um espaço particular. O triângulo
espaço da arte enquanto objeto de conhecimento, as múltiplas relações
entre linhas e direções fornecem possibilidades de aprendizagem em
variados planos, intersecções, ângulos, acima, abaixo, dentro, além dos
contornos e das projeçõese construções de planos decorrentes das posições
da forma triangular, diferentes a cada situação de aprendizagem.

É inegável, desse ponto de vista, o caráter fecundador de uma pro-


posta que orienta convidando à invenção, à pesquisa, à formulação de
perguntas.
importante para a
E
que principalmente estabelece uma orientação
aprendizagem dos artistas educadores. Não basta compreender que é
possível aprender arte por meio de três eixos de
ações.Épreciso aprender
a investigar, primeiro dentro de si mesmo, um desejo e um propósito para
percorrer os espaços desses três
eixos.

E preciso também aprender a investigar que ações e que recursos

acessar para produzir, ler e contextualizar o fenômeno da


Arte, pergun-

tando sempre nãopara se definir onde se quer chegar como usufruir



dos encontros surpreendentes e inexplicáveis propiciados pelo percurso.


A Abordagem Triangular é um convite ao percurso pessoal e à busca
do que cada artista educador poderá encontrar por
trás,
além das palavras
80 ABORDAGEM IRIANGUIAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 81

Tocado pelas palavras de Imanol Aguirre sobre o papel da autora/


sistematizadora da abordagem em questão Ana Mae Barbosa —

para —

o campo da Arte/ Educação, apropriei-me baseado em uma postura


pós-moderna de pensar/escrever, sem pudor, portanto ostensivamente,
do sentido de suas palavras para construir o título deste texto.
Parto do princípio que é evidente entre estudiosos e pesquisadores
5 brasileiros e estrangeiros, como demonstra a epígrafe, a importância da
Proposta ou Abordagem Triangular para a constituição da Arte/ Educação
crítica e pós-crítica no Brasil.
ABORDAGEM TRIANGULAR: BÚSSOLA
Para justificar tal além do que afirma Imanol Aguirre, trago
ideia,
PARA OS NAVEGANTES DESTEMIDOS o pensamento do educador Tomaz Tadeu da Silva, estudioso e pesqui-
DOS MARES DA ARTE/EDUCAÇÃO sador do currículo, quando este constrói um quadro conceitual em sua
obra Documentos de identidade: uma introduçãoàs teorias do currículo (2007).
O quadro proposto pelo autor enfatiza as palavras-chave que constituem
o currículo tradicional, crítico e pós-crítico. O próprio autor chama a
Fernando Antônio de Azevedo
Gonçalves atenção para a relevante questão: "As teorias críticas e pós-críticas
estão preocupadas com as conexões entre saber, identidade e poder"
(2007, p. 16).
[...] podemos decir que Ia Abordagem Triangular es una opción

formativa de raigambre postmoderna qlle concibe el arte como ex-


Este trabalho de Tomaz Tadeu, do meu ponto de vista, possibilitou
presión y como cultura y propone un aprendizaje de tipo dialógico, estudar a Abordagem Triangular no contexto dos trânsitos entre a pers-
constructivista y multiculturalista. EI eje de Ia propuesta es Ia pectiva crítica e pós-crítica de Arte/ Educação, considerando que esta
lectura contextualizada de la obra de arte, porque busca la alfabe-
tización visual de los individuos, pero
abordagem interfere diretamente no currículo das linguagens da arte, isto
no en el sentido de hacerlos
simplemente capaces de é, na prática arte/ ducativa e reflete a cultura do campo do ensino de arte.
decodificarformalmente Ias obras de arte,

sino de posibilifar su
acceso crítico a Ias clavescilltllrales eruditas Cabe aqui um parêntese para lembrar que, embora tenha sido criada
que constituyen los códigos del poder.
visando no ensino e a aprendizagem das Artes Visuais, tal proposta foi
Arriaga (2007) disfarçadamente apropriada para as outras linguagens da Arte nos Parâ-
metros Curriculares Nacionais (PCN). Isto provocou certo estranhamen-
to nos pesquisadores brasileiros mais críticos do campo da Arte/ Educa-
Quando já havia começado a escrever meu texto para este livro, ção, já que a política educacional que gerou os parâmetros estava
soube da reedição da obra A imagem no Ensino da Arte fundamental a —
identificada claramente com a tendência neoliberal, ou melhor, com uma
quem estuda Abordagem Triangular. qual não foi minha surpresa ao
a E nova ordem imposta pelo capital, que necessitava, por sua vez, da cons-
me deparar com um prefácio escrito pelo mesmo autor que escolhera para tituição de uma nova hegemonia. O olhar crítico e pós-crítico sobre essa
epígrafe: o arte/ educador espanhol Imanol Aguirre Arriaga, professor da hegemonia implica estabelecer as conexõesentre saber, identidade
nova
Universidade Pública de Navarra. e poder educação, política e sociedade.

Nesse contexto ressurge velha questão: Para que Arte na escola de questões que
a surgem em conexão com a reprodução da vida dentro da
pública? sociedade atual. [...] A gênese social dos problemas, as situações reais, nas
Sob o argumento do quais a ciência é empregada e os fins perseguidos em sua aplicação, são por
que é essencial para a formação das classes ela mesma considerados exteriores. (Horkheimer, 1975, p. 163)
populares, pelo processo de ensino e aprendizagem "na" e "da" escola
pública, na direção da nova hegemonia a ênfase recai na leitura/escrita Segundo a lógica de Horkheimer: "A teoria crítica da sociedade, ao
da língua portuguesa e na linguagem matemática, escamoteando as contrário, tem como objetivo os homens como produtores de todas as
linguagens da Arte. Não quero dizer com isto que não é primordial o suas formas históricas de vida" (1975, p. 163).
processo de leitura e escrita, assim também como o processo de apro- É importante o contraste estabelecido por Horkheimer na medida
priação da linguagem matemática. O que tento chamar a atenção é para
em que é possível compreender que a teoria
crítica se traduz na prática
o fato de que o privilegiar, apenas, o ler, escrever e contar é muito pouco
transformadora das relações sociais e possibilita o enfrentamento das
quando almejamos pelo processo educativo/ arte/educativo a leitura de ideologias dominantes e o quadro de injustiça social decorrente das mes-
mundo em sentido freireano quero dizer: comprometer-se com o pro- Além

mas. disso, Marcos Nobre, pesquisador da teoria crítica, afirma:


cesso de emancipação daqueles que estão à margem do acesso aos códigos
de saber/poder. A tarefa primeira da Teoria Crítica é, [...], a de apresentar "as
coisas como
são" sob a forma de tendências presentes
Assim, compreendendo o universo da Arte não apenas como vital à no desenvolvimento histórico. O
delineamento de tais tendências só se torna possível a partir da
elaboração de leituras de mundo mais amplas e complexas, mais que isso: própria
perspectiva da emancipação, [...], de modo que "tendência" significa, então,
leituras de mundo vitais a composição das diversas identidades que se
apresentar, a cada vez, em cada momento histórico, os
inter-relacionam no espaço da escola por meio de suas culturas, o arranjos concretos
que tanto dos potenciais emancipatórios quanto dos obstáculos à emancipação.
envolve relações de saberes e poderes. (2008, p. 10-11; grifo do autor)
E, portanto, neste sentido
que busco compreender a Abordagem Trian-
gular no contexto mais amplo do currículo, especialmente do currículo da Lembro que o pensamento de Max Horkheimer está ligado à escola
escola pública brasileira, embora este texto apresente a lemã de filosofia Escola de Frankfurt da qual fizeram parte pensa-
uma experiência lo-

calizada em Pernambuco, experiência que tratarei na conclusão do presen- dores como Walter Benjamin e Theodor Adorno, entre
outros. Segundo
te trabalho. Marilena Chaui,

Já que pretendo contextualizar historicamente a Abordagem Trian- a Escola de Frankfurt, elaborou


uma concepção conhecida como Teoria
gular na transição entre a concepção de Arte/Educação crítica e a pós-crí- Crítica, na qual distingue duas formas de razão: a razão instrllmental e a
tica, a discussão requer uma incursão ao pensamento de Max Horkheimer razão crítica. A razão instrumental é a razão técnico-científica, que faz das
(1895-1973), ou seja, ao seu ensaio Teoria tradicional e teoria crítica (1937), ciências e das técnicas não um meio de libertação dos seres humanos, mas
mais precisamente a nota preliminar sob o título Filosofiae teoria crítica, um meio de intimidação, medo, terror e desespero. Ao contrário, a razão
em que o autor aponta o contraste entre os dois métodos gnosiológicos crítica é aquela que analisa e interpreta os limites e os perigos do pensa-
(tradicional e crítico). No primeiro momento destaco: mento instrumental e afirma que as mudanças sociais, políticas e culturais
só se realizarão verdadeiramente se tiverem como finalidade a emancipação
A teoria tradicional, cartesiana, como a que se encontra em vigor em todas do gênero humano e não as ideias de controle e domínio técnico-científico
as ciências especializadas, organiza as experiências à base de formulação sobre a natureza, a sociedade e a cultura. (2005, p. 52; grifos da autora)
NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS 85

Com o intuito de ressaltar o caráter transformador da Abordagem A Arte na escola tornou-se "o reino do vale-tudo", em nome da libe-
Triangular, sobre o qual Horkheimer chama a atenção, apresento uma raçãoda emoção, com um propósito ideológico de excluir as classes po-
versão da história desta proposta, a minha versão. E faço isso, de certa pulares do direito a
um processo arte/educativo emancipatório, que le-
maneira, autorizado pela ideia que foi estabelecida para este livro, ou seja, varia os estudantes a leituras de mundo mais elaboradas. Tais leituras são
partir de uma concepção de pesquisa etnográfica qualitativa, que consi- possíveis, apenas, quando as dimensões estética e artística fazem parte
dera ritos, saberes e práticas culturais dos sujeitos/ objeto de pesquisa, —
sistematicamente do processo de apreensão do real.

que valoriza o pesquisador como sujeito envolvido no contexto a ser Neste contexto, surgiu a Abordagem Triangular, claramente confi-
descrito e interpretado, por meio de uma construção discursiva. Trago gurando-se como uma mudança de rumo dos laços entre teoria e prática
para a reflexão, portanto, um tom autobiográfico. em Arte/ Educação. Era, então, uma proposta que exigia dos arte/educa-
aqui, a minha versão da história:
Eis, a Abordagem Triangular surgiu dores, especialmente, naquele momento inaugural, uma revisão histórica
livre expressão reforçada pela
em um tempo de pasteurização da ideia de sobre dois aspectos que se articulam: o papel da arte na constituição do
representação do arte/educador como o mago das técnicas, estimulador
da sensibilidade, em outras palavras: era apenas uma figura que "deco- Penso que é significativo o ato de rever a história da Abordagem
rava" as festas escolares e comemorava o dia do folclore; aquele que Triangular, pois isto contribuí para a seguinte compreensão: a proposta
elegia os talentosos estudantes fazedores de arte e os destacam; aquele foi criada a partir de uma visão sistêmica de leitura da obra de arte e da
que, aos olhos dos colegas de matemática, língua portuguesa, história e imagem em geral, tendo como um de seus princípios o pensamento frei-
geografia, era visto como menos importante, pois a Arte não era pensada reano, ao buscar a democratização dos saberes artísticos de uma das
atividade
nem como conhecimento nem como cultura e sim, como mera linguagens da Arte Artes Visuais

que ainda é pensada, de certa

que não exigia esforço intelectual era fundamentada apenas em uma


maneira, como direito de poucos. A própria Ana Mae, em sua obra Tópicos
vaga ideia de criatividade. utópicos, deixa claro o fundamento freireano do sistema triangular no
Predominava, portanto, o modelo denominado de Educação Artís- destaque a seguir.
tica, referendado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN) n. 5.692/71 lei de tempos muito difíceis em nossa educação.
— Leitura da obra de arte é questionamento, é busca, é descoberta, é o desper-
tar da capacidade crítica A educação cultural que se pretende com a
Cabe aqui outro parêntese para justificar que a ideia de "livre expres-
Abordagem Triangular é uma educação crítica do
conhecimento construído
são" elaborada e difundida, a partir de 1948, pelo Movimento Escolinhas
pelo próprio aluno, com a mediação do próprio professor, acerca do mundo
,

de Arte possuía como base teórica o pensamento de Herbert Read e Viktor


visual e não uma "educação bancária". (Barbosa, 1998, p. 40)
Lowenfeld, como afirma Noemia Varela em seu texto "A formação do
arte/ educador no Brasil", publicado na obra História da Arte-Educação Não seria ingênuo, do ponto de vista filosófico, dizer que a Aborda-
(1996), organizada por Ana Mae Barbosa. Ao contrário da ideia de livre
gem Triangular por todas as razões apontadas é
crítica, isto é, funda-se

expressãointerpretada, posteriormente, na escola pública como um "dei- na Teoria Crítica e propõe uma pedagogia da Arte emancipatória. O sis-
xar fazer", sem base teórica ela foi deformada, traduzindo-se em um tema triangular trabalha no sentido contrário à ideologia dominante —

"espontaneísmo proposital" pelo pensamento educacional vigente. tem, portanto, a busca da emancipação por meio da apropriação dos sa-

um projeto de educação escolar


beres estéticos e artísticos —-,
Volto à questão: Para que arte em como aquele que aponta Paulo Freire: "[...l
voltado enfaticamente para as classes subalternas da sociedade brasileira? trabalhar contra a ideologia fatalista dominante e seu poder de incentivar
80 TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS

a imobilidade por parte dos oprimidos e sua adaptação à realidade injus-


Para enfatizar as conexõesentre pensamento de Ana Mae com
o
ta" (Streck e Redin, 2008, p. 222). Paulo Freire Noemia Varela
e cito
um fragmento do texto Histórias vivas
Paulo Freire elaborou uma metáfora do poder opressor das ideologias
dominantes que não pode ser esquecida pelos arte/educadores que vi- hosa e Francisco Brennand,
que escrevi como sistematização de uma pes-
venciam transição histórica entre a concepção crítica e pós-crítica de
a isa
desenvolvida sobre a História da Arte/ Educação e apresentado no
Arte/ Educação. "[...] o poder da ideologia me lembra aquelas manhãs Seminário coordenado pela arte/ educadora Stela Barbieri
com o tema
que a neblina distorce o contorno dos ciprestes e
"
cheias de orvalho em Ações singulares II História do Ensino da Arte: experiências", reali-

eles se tornam sombras de algo


que sabemos que está lá, mas não podemos zado no Instituto Tomie Ohtake (ITO), São Paulo (trabalho que será pu-
realmente definir" (1998, p. 113). blicado pelo ITO).

sistema triangular articula o estudo sobre o universo da arte, as


O
Penso que na realidade o que é significativo na relação entre Paulo Freire,
experiências vividas pelos estudantes/leitores em uma perspectiva polí-
Noemia Varela e Ana Mae Barbosa diz respeito à concepção de educação
tica, logo as
açõesque a compõem leitura da obra de arte/ contextua-

como forma de libertação, o que fez surgir no Brasil, por sua vez, a concep-
lização/fazer artístico não podem ser vistas dissociadas, como mo-

çâode Arte/ Educação crítica e pós-crítica que tem sua matriz na tríade
mentos estanques ou fragmentados. O sistema triangular, pelo fato de dialogal do pensamento e da prática destes três educadores. (2007, s/ n)
possibilitar o acesso ao universo da Arte, como direito de todos, promo-
ve a emancipação e rompe com a "cultura do silêncio" denunciada por A abordagem em estudo pode ser entendida, neste sentido, como
Paulo Freire. epistemologia da Arte/ Educação, ou seja, compreende-se como o estudo
Neste ponto preciso, cabe lembrar: todos os que estudam o pensa- sistemático da dialética entre os
modos de ensino e aprendizagem da Arte,
mento de Ana Mae Barbosa sabem que ela sempre destaca sobre sua portanto, é profundamente inspirada na expressão freireana: "curiosida-
de epistemológica". E expressa
formação a importância de Paulo Freire e Noemia Varela como pensado- uma mudança de paradigmas na História
da Arte/ Educação brasileira. Tal abordagem traz
res que deixaram marcas profundas em suas concepções de mundo, de à marca do pensamen-
to, tanto de Noemia Varela quanto de Paulo Freire, da primeira a
educação, de arte e de cultura.l neces-
sidade de adentrar-se no universo da Arte, do segundo a busca pela de-
O memorial Narrativa circunstanciada, de Ana Mae Barbosa, escrito para a obtenção da livre-do-
1. mocratização deste universo compreensão que justifica, de certo modo,

cência (ECA/USP), enfatiza as influências de Paulo Freire e Noemia Varela em seu pensamento. a articulação entre a ideia de Arte
como expressão com a ideia de Arte
Quando pesquisava sobre o Movimento Escolinhas de Arte, Noemia Varela apresentou uma cópia
do referido documento e eu publiquei trechos do mesmo. Ressalto a seguir dois trechos muito sig-
como cultura e conhecimento.
nificativos: "Não havia uma vasta escolha profissional naquele tempo em Recife. As Faculdades de
Filosofia ainda não tinham credibilidade. Um aluno, primeiro lugar da classe,
para não desperdiçar No Instituto Capibaribe, [...l. A primeira aula foi dada por Paulo Freire
que simplesmente pediu que
seu talento era, invariavelmente, aconselhado por seus mestres a escolher dentre as três mais impor- escrevêssemos explicando por que queríamos ser professores. Meu texto foi o inverso: procurei ex-
tantes carreiras: Medicina, Engenharia ou Direito. Para mim, [...l, restou a vala comum do Direito.
plicar por que não queria ser professora. Paulo Freire me chamou então para uma conversa individual
Para esta escola iam todos os aspirantes a atividades humanísticas. A interferência da família conti- c Ine convenceu de que educação não era o que eu tinha tido; era outra coisa
que procuraríamos
nuou na base de negação de apoio financeiro para meus estudos. Resolvi, então, trabalhar, mas a descobrir durante o curso. Descobri, sim, que educação é constante descoberta de si, dos outros
uma
única função externa que meus familiares consideravam digna para uma mulher, era o magistério. do mundo"; [...] O encontro com Noemia Varela, naquele
"

foi,
mesmo curso especialmente, impor-
Surgiu um concurso para professores primários da Secretaria de Educação de Pernambuco. Estes tante para me levar a
um indissolúvel engajamento com educação. A ela coube dar as aulas de Arte/
concursos eram extremamente concorridos porque a professora primária, na década de 1950, ainda Ed
tinha status e reconhecimento social. Vários cursos preparatórios para o concurso foram organizados.
ucaçâo e me fazer descobrir as Artes Visuais. Até então,
meu mundo sensível era alimentado pela
literatura; Noemia Varela me conduziu para aexperiência estética através do visual".
88 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARTES CULTURAS VISUAIS 89

Ainda neste ponto preciso, não posso deixar de registrar algo muito tica. Para construção de minha argumentação ressaltei da concepção
a

significativo, isto é, mais uma conexãoentre o pensamento freireano e a crítica a contraideologia e da concepção pós-crítica a ênfase na crítica
obra de Ana Mae Barbosa, para a compreensão deste texto, algo que en- pós-colonialista.
contrei em Moacir Gadotti, grande estudioso e divulgador do pensamen- Neste sentido, o currículo na perspectiva crítica ressalta o
peso da
to freiriano, na obra Paulo Freire: uma biobibliografia:2 ideologia (dominante) e seu papel de reprodutora cultural e social na
ed ucação, sendo necessário a construção de
um processo contraideológi-
O pensamento de Paulo Freire a sua teoria do conhecimento deve ser —

de resistência que à

co vise emancipação, à libertação. Já o currículo


entendida no contexto em que surgiu o Nordeste brasileiro onde, no —

pós-crítico enfatiza a constituição das identidades e das diferenças (de


início da década de 1960, metade de seus 3() milhões de habitantes vivia na


gênero,de raça, de etnia, de orientação sexual), apontando para as ques-
"cultura do silêncio",
como é, eram analfabetos. Era preciso
ele dizia, isto
tóes multiculturais críticas, sentido é também pós-colonial.
e neste
"dar-lhes a palavra" para que transitassem para a participação na constru-
fosse dono de seu próprio destino e que superasse o
Para se compreender a ênfase pós-colonial, trago para o debate a
çãode um Brasil que visão de Marilena Chaui sobre a sociedade brasileira.
colonialismo. (Barbosa, 1996, p. 70; grifos do autor)

Conservando as marcas da sociedade colonial escravista, ou aquilo que


A partir deste ponto de conexão, penso que posso dizer que o siste- alguns estudiosos designam como cultura senhorial, a sociedade brasileira
ma triangular herda do pensamento freiriano e noemiano não apenas sua é marcada pela estrutura hierárquica do espaço social que determina a
concepção contraideológica, mas também, sua concepção pós-colonial, forma de uma sociedade fortemente verticalizada em todos os seus aspec-
pois o Nordeste foi o palco em que Ana Mae alçou seus primeiros voos tos: nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas
como
em Arte/ Educação, na escola pública estadual dos mangues do Recife e relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece. As dife-
ela
na Escolinha de Arte do Recife, orientada por Noemia Varela, como renças e assimetrias são sempre transformadas em desigualdades que re-
forçam a relação mando-obediência. O outro jamais é reconhecido como
mesma faz questão de afirmar.
sujeito nem como sujeito de direitos, jamais é reconhecido como subjetivi-
A partir deste contexto histórico, compreendo a Abordagem Triangu-
dade nem como alteridade. (2006, p. 89; grifos da autora)
lar como superaçãodo modelo tradicional de currículo em Arte na medi-
da em que ela propõe a emancipação dos sujeitos sociais pelo processo Em síntese, a
argumentação sobre a Abordagem Triangular se loca-
arte/educativo, ou seja, pelo poder de se tornar leitor, ou melhor, pela liza no contexto dos trânsitos entre a concepção crítica e pós-crítica de
possibilidade de ler e reler o mundo das imagens criadas pelas obras de Arte/ Educação: em primeiro lugar, ela é contraideológica e busca a liber-
arte e pelas imagens criadas a partir das obras de arte. A leitura de mundo, tação, e
em segundo lugar, é inter/ multicultural, ou seja, toma o multi-
assim proposta, ganha uma dimensão ampliada, crítica e emancipatória. culturalismo (crítico) para além da celebração, da folclorização, compre-
por um lado, afirmo a Abordagem Triangular como crítica por
Se, endendo que o diálogo, entre diferentes culturas, é carregado de conflitos,
todas as razões expostas, por outro lado, também a afirmo como pós-crí- sendo evidente, portanto, mais uma vez a influência do pensamento
freiriano em sua criação/ sistematização.
2. Uma curiosidade sobre a Obra organizada
por Moacir Gadotti: em uma visita a Ana Mae,
ela
Retomo história da Abordagem Triangular no contexto local, no
a
pediu exemplar de Noemia Varela; assim fiz e, depois que ela Recife,
no ano de 1988. Identifico o momento que narro a seguir como
me para entregar um presente para
leu e fez muitas anotações, ela me presenteou com o livro dizendo que seria muito bom para os meus
uma espécie de pré-história da Abordagem Triangular entre nós, arte/
estudos. Guardo esse livro com todo o respeito do mundo, pois tem anotações de próprio punho da
minha/nossa mestra de Araújo Varela. educadores pernambucanos.
90 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO CULTURAS VISUAIS 91

Como primeiro secretário da Associação Nordestina de Arte/Edu- Sua presença carismática e o conteúdo de suas palestras: "A modernidade
cadores (Anarte/núcleo P E), fui membro de uma equipe que organizou e a pós-modernidade no Ensino da Arte" e "Metodologia da apreciação
0 30 Seminário de Arte / Educação realizado no Recife no ano de 1988. Este artística", provocaram inquietações. Hoje, percebo que, na verdade, o que
seminário, em pleno movimento de abertura política do país, refletia um inquietava e incomodava o público presente ao seminário, era a ideia do
clima de debate e de fortalecimento do movimento associativo. Assim, resgate histórico como possibilidade de revisão do presente. (Coutinho,
ele foi organizado a partir de uma negociação política entre a Anarte/PE 1994, p. 24)

com a Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco e a Secretaria de


Na realidade, Ana Mae Barbosa colocou em xeque o paradigma
Educação do Município do Recife. Naquele momento, as respectivas se-
cretárias de Educação, a professora Silke Weber e a professora Edla Soares, modernista de que arte nãose ensina e, por causa disso, provocou tantas
adversas. De certa maneira, ao anunciar os contornos entre o
tinham como marca de suas gestões a luta por um projeto de educação reações
pública de qualidade, claramente influenciado pelo processo de redemo- ensino de arte modernista e pós-modernista e a importância da metodo-
logia da apreciação artística, a pesquisadora chamou a atenção para a
cratização do Brasil.
ideia de linguagem visual,
A partir do próprio tema Repensar a credibilidade da arte/edu-

que implica, necessariamente, um processo de
alfabetização visual, como ênfase no ensino e na aprendizagem em arte.
caçãona escola pública o seminário foi palco de intensas polêmicas e

Imaginemos, então, que a dos arte/ educadores, acostumados a


acirradas discussões, imprimindo a necessidade de se repensar o papel reação
da arte na educação escolar. Logo, o seminário passou a ser o foro privi- defender a arte como expressão, nãopoderia ser outra: desestabilizaram-se
diante do desafio de
legiado dos debates e dos encaminhamentos para um processo arte/ pensar arte como conhecimento e como cultura. Tal
educativo de qualidade. É importante lembrar que havia uma Lei de processo de desestabilização ocorre quando construímos um modelo e o
Diretrizes e Bases da Educação Nacional em discussão, naquele momen- cristalizamos. Rever, repensar e reinventar não eram palavras do voca-
to,
em nosso país. bulário arte [educativo, naquele momento.
Tive sorte de participar do seminário junto com alguns arte/edu-
a Um desdobramento importante, que surgiu desse seminário, foi o
cadores amigos, perspicazes em suas observações e interpretações. Res- estudo iniciado no mesmo ano para a construção de uma proposta cur-
salto, neste sentido, o textoescrito por Rejane Galvão Coutinho sob o tí- ricular para rede estadual de ensino de Pernambuco, que, naquela
a
tulo "Reflexões: por que a História dos fundamentos da Arte/ Educação?" época,possuía apenas 16% de arte/educadores habilitados contra 84%
(1994), texto pouco conhecido porque faz parte de uma publicação com de não habilitados, dados de uma pesquisa realizada pelo então Depar-
tiragem restrita, organizada pela Anarte/Regional em articulação com a tamento de Cultura da Secretaria de Educação do Estado. A pesquisa
editora da Escola Técnica Federal de Pernambuco. foi coordenada pela arte/ educadora Clarice Maria Cavalcanti Loureiro
O texto registra a reação de um grupo de arte/educadores pernam- A morim.
bucanos diante dos princípios da Abordagem Triangular, que permearam De certa maneira, o resultado dessa pesquisa justificava a fragilida-
as palestras de Ana Mae Barbosa. Cito um trecho do texto em questão de conceitual dos arte/educadores em nosso estado, naquele momento
para ajudar a revisitar a cena: histórico.
Na pessoa de Ana Mae Barbosa, única convidada de outro estado, se con- Assim, movimento de abertura política
o nacional associado
— —

Não foi por acaso que isto aconteceu.


centrou as divergências e as reações. àsgestões comprometidas com a melhoria da qualidade do ensino públi-
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 93

co

local —
possibilitou transformações no processo de ensino e de colonizados. Ignorância da própria História torna os
povos mais facilmen-
aprendizagem em Arte. te
manipuláveis. (Barbosa, 1986, p. 2)

A proposta curricular em Arte/ Educação para Pernambuco foi um Das


lições apreendidas, talvez a mais importante tenha sido o olhar
trabalho
que começou a ser construído ainda no governo de Miguel Ar- ahistória, como destaca Rejane Galvão Coutinho, no trecho citado, rever
raes, em meados de 1980, e, no entanto, foi publicada no governo de Jo-
nossas formações, buscar estudar e pesquisar.
aquim Francisco Cavalcanti, no início da década de 199(), depois de ser
devidamente analisada e autorizada pelo Centro de Artes da Universi- A Abordagem Triangular, assim, exigiu, por um lado, uma revisão
da concepção de ensino de arte como atividade para eleitos e, por outro
dade Federal de Pernambuco (UFPE). Para a tristeza e a decepção de
lado,
muitos de nós coautores, a publicação foi substituída por outra versão, uma articulação mais plena, entre a teoria e prática e a busca de
fundamentos em uma visão interdisciplinar da construção do conheci-
ainda no mesmo governo. Na nova versão, foram retirados nomes, o que
mento.
já era esperado, e posteriormente afastado todo o grupo elaborador do
Foi, assim, surgindo uma compreensão entre os arte/educadores de
Departamento de Cultura.
rejeitar a postura de "fazedores de arte", meros estimuladores da sensi-
Um fato que deve ser registrado quando da elaboração da proposta
bilidade, e assumindo o desafio de ter como objeto de estudo a própria
em pauta é que a equipe de sistematização foi questionada, pelo grupo
Arte e suas múltiplas possibilidades.
organizador central da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco,
a respeito do objeto de ensino e de aprendizagem da Arte. Naquela oca-
Após os primeiros contatos com os fundamentos da Abordagem
Triangular, o processo de recepção dessa nova visão de Arte/ Educação foi
Sião, havia uma formação pedagógica fragmentada, polivalente e tecni-
cista,portanto, as nossas tentativas de argumentação, a princípio, foram
tomando outros rumos e assim foram criadas as primeiras interpretações.
vistas como vagas e sem consistência teórica. A equipe de arte/ educado- Por volta de 1994, a Secretaria de Educação do Recife, ainda sob a
gestão da professora Edla Soares e
res enfrentou as questões conceituais e foi buscar fundamentos para ar- com a assessoria em Arte/ Educação
da professora Solange Costa Lima, organizou
gumentar a importância da Arte na educação escolar. um debate que desencadeou
uma proposta curricular. Essa proposta municipal enfatizou a triangula-
No âmbito da Anarte/PE, as lideranças compreenderam que se fazia
necessário enfrentar as questões políticas do movimento associativo ar- çáopara as quatro linguagens da arte —
artes visuais, teatro, dança e
música —, apontando, inclusive, para uma compreensão multicultural
ticuladas às questões conceituais; para tanto, criaram um grupo de estu-
dos saberes estéticos e artísticos.
dos que muito contribuiu para a construção da referida proposta.
No entanto, a interpretação recorrente entre os arte/ educadores
Toda a fundamentação teórica da proposta curricular teve como base
pernambucanos era a de que as
o pensamento de Ana Mae Barbosa. E interessante destacar a epígrafe da açõesda triangulação representavam
momentos estanques, ou seja, não percebiam a abordagem triangular
contextualização histórica, na medida em que esta traduz o momento que
como um sistema que articula o ler, o contextualizar e o fazer artístico de
vivíamos, em nosso estado, do ponto de vista tanto do papel da arte na
ma maneira construtivista e dialógica.
(l

constituição do ser humano quanto na formação do arte/ educador:


Com o processo de transformação ocorrido, a partir da recepção da
O que me assustou foi descobrir que o professor de arte se pensa sem His- abordagem triangular, ou seja, suas interpretações e traduções na práxis
tória, e História é um importante instrumento de autoidentificação. Não é pedagógica, em escolas e museus, outros desafios passaram a ser objeto
por acaso que os colonizadores procuraram destruir a História dos povos de estudo e pesquisa.
CUNHA ABORDAGEM TRIANGUtAR NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS 95
94 BARBOSA •

Ressalto
que a Abordagem Triangular, por sua amplitude e profun- A partir de uma apropriação da Abordagem Triangular, bem elabo-
didade, não cada e traduzida por meio de uma prática arte/ educativa crítica e
apenas dialoga com os estudos de currículo, mas também
pós-crítica, trago para concluir este texto história de Luiz Paulo Ferrei-
com os estudos sobre a formação de professores, e, nesse sentido, a pes- a

quisa desenvolvida pelo arte/ educador Everson Melquíades Araújo ra do Amaral.

Silva para o mestrado em Educação da UFPE pode ser pensada como o Ele é o cruel professor de Arte e trabalha na escola pública Conselhei-
próprio estado da arte. ro Samuel Mac Dowell, localizada no grande Recife, município de Cama-

Com o sugestivo título, Arte como conhecimento: as concepçõesde ensi- ragibe, palco de um trabalho extremamente digno de Arte/ Educação.
no de arte na formaçãocontinuada dos professores dos anos iniciais do Ensino Trabalho que merece destaque por dois moti-
Fundamental esse trabalho defende a ideia de Arte/ Educação
de Recife, vos: primeiro pelo arranjo reinventivo da Aborda-
como epistemologia, ou melhor, enfatiza o estudo dos modos como se gem Triangular, elaborado por Luiz Paulo, a partir
ensina e se aprende Arte. O autor destaca: "Um outro princípio defendi- de uma relação dialógica, isto é, considerando as
do pela Arte/ Educação Pós-Moderna está relacionado à aprendizagem visões de mundo, a tuações profissionais ehistórias
dos conhecimentos artísticos, a partir da inter-relação entre o fazer, o ler de vida dos estudantes sem perder de vista o papel
e o contextualizar arte [...l" (Silva, 2005, p. 63). Em outro trecho do citado emancipatório crítico e pós-crítico

da Arte/ —

trabalho o autor ainda segue afirmando Educação; segundo por ter como palco uma esco-
que
la pública da periferia deuma grande cidade.
[...] o movimento epistemológico na forma de conceber, filosófica e meto-
O arte/ educador em destaque é considerado
dologicamente, o ensino de arte na contemporaneidade, que não ocorria
cruel —
embora pareça paradoxal carinhosa-

desde o modernismo, não é fruto do poder legislativo, através da implan-


tação de leis e decretos, que determinaram a obrigatoriedade do ensino da mente por seus estudantes porque não falta à aula,

arte na educação escolar; antes, foi fruto da luta política e conceitual dos nãochega atrasado e leva a sério as pessoas com as
quais trabalha, principalmente
arte/ educadores brasileiros, que buscaram justificar a
presença da arte na porque sabe da im-
educação a partir do paradigma da cognição. (Ibid., p. 66) portância da Arte para a formação de leitores de
mundo. Este trabalho é destaque, enfim, por uma
A pesquisa desenvolvida por Everson Melquíades não parou por aí, razãomuito simples: ajuda a tirar da invisibilidade
o arte/educador atualmente continua seus estudos em uma pesquisa no jovens e adultos que, pelo ato de pensar e repensar
doutorado em Educação (UFPE) tendo com foco a Arte/ Educação. o universo das Artes Visuais, dizem de si mesmos,
E pela terceira
vez volto à questão: Para que Arte em um projeto de de suas culturas e, assim, rompem o silêncio a
que
educação escolar voltado enfaticamente para as classes subalternas da suas condições culturais e sociais injustas haviam
sociedade brasileira? lhes imposto.
Esta complexa questão reverbera entre nós arte/educadores há mui- Sobre a experiência: no primeiro momento o
to tempo. arte/educador levantou o que pensavam seus
estudantes sobre Arte. Depois ele levou a obra de
Apresento à história —
O cruel professor de Arte
não como respos- —

tafechada à questão enfatizada, mas como metáfora da constituição de Frederico Morais Arte éo que eu e vocêchamamos de Arte (1998), o que
um projeto de educação escolar em Arte na perspectiva emancipatória.
possibilitou ao grupo envolvido contrapor suas ideias às ideias de
96 BARBOSA • CUNHA
91

pessoas que compõem o sistema das Artes Visu-


ais; com objetivo claro de ampliar as formulações
do grupo, além de fomentar o desejo de conhecer
mais sobre o vasto da Arte. E foi assim
campo
que o arte/educador escutou e discutiu sobre
cada formulação, valorizando pensar de cada
o

estudante sem estabelecer modelo de certo e er-


rado.

Entre as formulações do primeiro momento


"Arte é o equilíbrio de alguém que está
ressalto:

desesperado" (Juvita Caboclo, 1 OA ensino mé- —

passarela da
dio); "A arte pra mim é o
que eu vejo todo dia. Exemplo: a
BR 1()1" (Érique, 10A— ensino médio); "Arte: o nome já está dizendo que Elaborando as leituras interpretativas sobre a obra de Leonardo da
pode ser uma pintura ou uma travessura...é o que eu acho" (Valéria Melo Vinci em estudo, Juliete Hosana (IOF) diz: "Tirando a mulher, nada é tão
Simão, IOA ensino médio).

perfeito quanto homem. Principalmente esta imagem, pois ela tenta


o

Às visões pessoais dos estudantes Luiz Paulo acrescentou as defini- naostrar a vida numa estátua".
no livro de Morais, e entre elas encontramos: Duchamp,
çõesapresentadas Trago para enfatizar a importância, sofistica-
Christo e Fayga, entre outros. damente simples, do trabalho desenvolvido por
No decorrer do processo, os estudantes leram aintrodução do livro Luiz Paulo, estas apropriações

interpretações

O que éArte, de Jorge Coli (1984), e tiveram acesso a uma imagem, em reinventadas do Davi, nas quais se pode perceber
reprodução xerocada, da obra Davi de Michelangelo para ser trabalha- a riqueza dos cenários em que o personagem é
da com materiais muito simples: lápis de cor e de cera, linhas de lã, colocado, as roupas, enfim, a construção reelabo-
retalhos de tecido e caneta esferográfica, nada que não fosse do coti- rada pelos estudantes. Chamo a atenção para
a

diano da escola. seguinte questão: os traba-


lhos nãosãoproduções para
No texto de Jorge Coli havia o desafio de preencher as lacunas, isto
algum tipo de exposição,
é, a palavra Arte foi encoberta para que os estudantes procurassem o
penso que são, na realidade,
sentido para o texto preenchendo-a, como se fosse um jogo.
a possibilidade que os jo-
Na perspectiva da educação do olhar e da audição, os estudantes vens/estudantes tiveram de dizer o que pensam a
Vinci),
tiveram acesso às seguintes obras de arte: a Monalisa (Leonardo da partir de um processo arte/ educativo profunda-
comédia
A fonte (Marcel Duchamp), a Nona Sinfonia(Beethoven), A divina tnente comprometido
com o processo de transfor-
(Dante Alighieri), a Guernica (Pablo Picasso) e ainda uma história em inação e de emancipação cultural e social. Esses
quadrinhos de Stan Lee e uma colher de pau da vovó. jovens tiveram aoportunidade de dizer de suas
histórias de vida, seus desafios, seus sonhos, suas
CUI.IUKAS VISUAIS 99
• CUNHA

'l IAUI, Marilena. Convite àfilosofia.São Paulo: Ática, 2005.


singularidades e muito provavelmente, hoje, atuam na VIDA como sujei-
tos de direito
que possuem subjetividade e alteridade. História do povo brasileiro: Brasil mito fundador e sociedade autoritária.
Penso que tudo isso foi possível porque temos uma teoria crítica e fiào Paulo: Editora Fundação Perseu Aramo, 2006.
pós-crítica em Arte/ Educação, teoria na qual a Abordagem Triangular é (
Jorge. O que é Arte. São Paulo: Brasiliense, 1984.

um marco. Teoria que foi se constituindo há algum tempo, possui história, )UTINHO, Rejane. Reflexões: por que a História dos Fundamentos da Ar-
é encarnada: nasceu das conexõesentre Paulo Freire, Noemia Varela e t", Educação? In: ENSINO DE ARTE: Reflexões, Recife, Anarte/Editora da Escola
Ana Mae Barbosa e nós arte/educadores, deste tempo atual, devemos lócnica Federal de Pernambuco, 1994.
ensinar aos arte/educadores do futuro sobre a História da Arte/ Educação
ISF,RIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
em nosso país.
Para que outras histórias sejam contadas, concluo citando mais uma )KHEIMER, Max. Teoria tradicional e teoria crítica. In: LOPARIÉ, Zelijko;
ARANTES, Otília B. Fiori (Org.). Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1975.
vez Ana Mae Barbosa:
.
Filosofia e teoria crítica. In: LOPARIÉ, Zelijko; ARANTES, Otília B. Fiori.
Vivemos um tempo que não tem nome próprio, mas é designado por um )rg,). Pensadores. São Paulo: Abril, 1975. (Col. Os Pensadores.)
prefixo acrescentado ao passado. Trata-se do prefixo "pós" do pós-moder-
nismo, do pós-colonialismo, do pós-feminismo, enfim a era do pós-tudo MC )RAIS, Frederico. Arte é o que eu e vocêchamamos Arte. Rio de Janeiro: Record,
apocalíptico de Augusto de Campos. Queremos explicitamente ultrapassar
o passado sem deixá-lo de lado. (2009, p. XXV) )BRE, Marcos. A teoria crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
.VA,Everson Melquiades Araújo. Arte como conhecimento: as concepções de
É, pois, tempo apocalíptico
neste pós-tudo

que o campo da

Arte/ Educação crítica e pós-crítica, fundada em suas bases históricas,


vnp•ino de artes na formação continuada de professores dos anos iniciais do En-
Fundamental de Recife. Dissertação (Mestrado) Centro de Educação. —

propõe quebrar o silêncio conclamando os arte/ educadores à construção ( 'niversidade Federal de Pernambuco, Recife, 2005.
de práticas transformadoras e emancipatórias.
,VA,Tomaz Tadeu. Doctlmentos de identidade: uma introdução as teorias do
i"Tículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
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BARBOSA, Ana Mae (Org.).Arte-Ed11cação no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1986.

Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998.

A imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva, 2009.


história da disciplina e suas propostas metodológicas/ práticas (Nóvoa,
1992, 2001; Schôn, 1992; Goodson, 1997). Especialmente, compreendo que

o professor pesquisador formula constantemente perguntas e está em


busca contínua de construção de conhecimento, vivendo na prática "in-
quietações e mudanças".
Conforme Geertz, as pesquisas tem origem nos estudos que as pre-
6 cedem, articulam-se com a problemática coletivamente vivida e mergulham
111ais profundamente nas mesmas coisas, porém com novas ênfases e novos
dados. Para este antropólogo, "cada análise cultural séria começa com
IMAGEM NO ENSINO DA ARTE EM
NOVAS E/OU VELHAS PERGUNTAS um desvio inicial e termina onde consegue chegar antes de exaurir seu
impulso intelectual" (1978, p. 35).

A pergunta deste artigo pode ser: Quais perguntas são formuladas


por arte-educadores a partir do tema
leitura de imagem
na sala de aula?
Gerda Margit Schütz-Foerste
Para tanto, proponho construir a discussão a partir de minhas próprias
perguntas, estabelecer interlocução pontual e aprofundada a partir da
produção acadêmica de Ana Mae Barbosa e lançar olhar sobre novas
Introdução questões que emergem deste tema de pesquisa.
Minhas perguntas têm origem no momento em que, como professo-
No desafio de propor este artigo, muitas questões me instigaram. ra de arte, assumi a sala de aula, na década de 1980. Contudo, a sistema-
Pautei a discussão nas pesquisas que desenvolvo há pelo menos vinte tização das questões somente foi possível durante os estudos de mestrado,2
anos, nainterface da constituição do campo da arte e suas perguntas em 1996, e doutorado,3 em 2002. Desde então, procuro saber em meio aos
fundamentais. Em especial, desenvolvo reflexão a partir de investigações grandes problemas que afetam a área de arte na educação como e onde
dos pesquisadores. se forma o Arte/ Educador. Interessa-me, em particular, a discussão acer-
Parto do pressuposto de que a pesquisai se faz por sujeitos. Estes têm ca da leitura de imagens na formação de professores de arte.
localizados num tempo/ espaço de vida e realizações.
um endereço, estão
Neste sentido, segundo Lukács, necessitamos analisar os fenômenos
através das mediações, como processos sociais, que nos permitem com- A imagem no Ensino da Arte em minha/nossas perguntas
preender o produto do trabalho humano a partir de um determinado
contexto histórico, econômico e social. Isso significa que não cabem hipó- A sociedade contemporânea, através das tecnologias da informação,
teses, mas o estudo atento do particular. No caso, a história de vida do distribui um volume imagético sem precedentes na história da humani-
dade. Nos espaços de circulação das cidades, nas mídias impressas, no
sujeito e sua trajetória profissional constituem parte indissociável da

de 2. Consultar Schütz-Foerste (1996).


1.
A pesquisa aqui é compreendida como processo de busca permanente pela compreensão
3. Consultar Schütz-Foerste (2002).
nós como sujeitos históricos.
102 BARBOSA • CUNHA
A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 103

meio digital, vídeos, cinema e televisão, muitos são os veículos de distri- sópara a arte deontem e de hoje, mas também para as manifestações artís-
buição da produção imagética contemporânea e é neste contexto que as ticas do futuro. (p. 19)
discussões sobre A imagem no Ensino da Arte se situam. Compreende-se

que a quantidade e a diversidade de imagens recebidas não têm repre- A Abordagem Triangular foi sistematizada, segundo Barbosa, no
sentado um domínio efetivo dos processos de produção e de comunicação. Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, no perío-
O volume de mensagens muitas vezes serve para obliterar a visão e formar do de 1987 a 1993. Escrevia a este respeito e problematizava:

um senso comum médio, bem como um gosto comum médio, colocado a Triangulação Pós-colonialista de Ensino da Arte foi apelidada de "meto-
a serviço da máquina de consumo, que hoje move a sociedade capitalista
dologia" pelos professores. Culpo-me por ter aceitado o apelido e usado a
(Jameson, 1995).
expressão Metodologia Triangular em meu livro A imagem no Ensino da Arte.
O uso da imagem em sala de aula tem, assim, constituído um desa- Depois de anos de experimentação, estou convencida de que metodologia
fio ao professor em geral e ao de Arte em particular. Perguntamo-nos é construção de cada professor em sala de aula e gostaria de ver a expressão
sobre quais imagens, sobre a qualidade destas, sobre as formas de leitura, Abordagem Triangular substituir a prepotente designação Metodologia
entre outros aspectos. Identificamos que seu uso no contexto escolar ain- Triangular. (Barbosa, 1998, p. 33)
da é, essencialmente, o de ilustração de conteúdos (Schütz-Foerste, 2004).
E complementa: "em arte educação, problemas semânticos
e em
Segundo, Barbosa (1998),
nunca são apenas semânticos,
mas envolvem conceituação" (p. 33). Nes-
te sentido, não foram
os professores, tradicionalmente, no Brasil, têm medo da imagem na sala poucos os problemas de interpretação e ressignifi-
de aula. Datelevisão às artes plásticas, a sedução da imagem os assusta, caçãoda Abordagem. Em todo o país a discussão se fez presente nos
porque não foram preparados para decodificá-las e usá-las em prol da cursos de formação de professores e, principalmente, no cotidiano da sala
aprendizagem reflexiva de seus alunos. (p. 138) de aula. Novas pesquisas tiveram a então apelidada Metodologia Triangu-
lar como tema e problema. Como exemplo, a dissertação de mestrado de
Neste debate Ana Mae Barbosa é protagonista de uma discussão Roseane Martins Coelho, defendida na Universidade Federal de Santa
constante acerca da qualidade das imagens e do papel ativo dos sujeitos Catarina, em 1996, intitulada A difusãodo projeto Arte na Escola:
um estudo
leitura destas. Sobretudo, mantém a ênfase
na na construção de propostas sobre a prática dos professores e professoras nas escolas públicas de Florianópolis.
de ensino que levem à escola obras de arte e imagens de outras visuali- Neste estudo, entre outros aspectos, investigou equívocos na interpreta-
dades e de metodologias capazes de tratar a arte "como conhecimento e
çáoMetodologia Triangular por parte dos professores. Um dos principais
não somente como um grito da alma". Neste sentido, entende que "uma enganos está na compreensão da proposta em fases, no sentido da frag-
das funções da Arte/ Educação é fazer a mediação entre a arte e o público" mentação e hierarquização do que deveria constituir-se em uma unidade
(Barbosa, 1998). articulada em constante interação. A compreensão de que a proposta é
Desenvolve-se,neste sentido, um amplo debate sobre a necessidade composta por partes independentes, sequenciadas e hierárquicas é um
de maior aproximação da escola com as instituições culturais. Para a dos problemas identificados a partir da pesquisa. Para Barbosa (1998),
"este erro é de somenos importância comparado com o
autora, engano de res-
tringir o fazer artístico à releitura" (p. 40).
os museus são lugares ideais para o contato com padrão de avaliação da Na residem as mais instigantes questões fomentadas pela
releitura
arte através da sua história, que prepara um consumidor de arte crítico não
Abordagem. Dizem respeito à tênue linha que separa a releitura da cópia.
104 BARBOSA • CUNHA

Este debate se desenvolve


com crescente envolvimento dos professores/
debates teóricos em sala de aula, em grupos focais e do desenvolvimento
do projeto nas escolas campo de estágio. Além do acompanhamento das
pesquisadores contemporâneos e diz respeito à leitura de imagens. De
atividades dos estagiários, da análise dos projetos e de seus relatórios,
modo geral, está relacionado à formação de professores, em especial à
realizei entrevistas, busquei relacionar as propostas com tendências no
fragilidade do projeto de licenciatura na universidade brasileira.
Minhas perguntas no doutoramento originam-se neste debate. Acre- ensino de arte, identificadas na história desse ensino e nas práticas cur-
dito que os cursos de licenciaturas em Artes Visuais não têm dado o ne- riculares da licenciatura naquela universidade.
cessário enfoque ao campo do Ensino da Arte, dimensionando a formação Percebi, na investigação, que o currículo do curso de licenciatura em
dos professores na perspectiva do ensino/educação e construindo conhe- Artes Visuais ainda está organizado a partir de uma lógica tecnicista: na

cimento em fragmentação e compartimentalização do conhecimento, na hierarquiza-


arte para além da competência técnica, ou seja, também in-
das disciplinas, na proposta de créditos e na estrutura departamental
vestigativa e politicamente localizada. Especialmente no tocante à leitura çáo
da universidade. As disciplinas voltadas à análise de imagens são aquelas
contemporânea da imagem, verificam-se graves lacunas nos cursos de
formação de professores de Arte. que abordam, a partir de períodos, a História da Arte. Raramente são
ofertadas disciplinas com o fim de introduzir os licenciandos em proces-
A tendência contemporânea de ensino de arte coloca a necessidade
da leitura de imagens em sala de aula. Neste sentido, desenvolvi pesqui- sos de leitura de imagens. As poucas iniciativas observadas estão ligadas
sa que visava compreender como o professor de arte é formado para a
semiótica. A predominância do enfoque curricular são as técnicas, em
disciplinas que introduzem o licenciando no saber fazer —
cerâmica, de-
leitura de imagens e, principalmente, para, no Ensino de Arte na escola
básica, construir possibilidades de leitura crítica destas senho, pintura, escultura, mosaico, estamparia etc. No final dos anos 1990
com seus alunos.
e início desta década, o curso vem sofrendo reformulações curriculares,
Os estudos iniciais sinalizavam para a necessidade de desenvolver
mas ainda mantém a estrutura dicotômica entre disciplinas do campo
um levantamento mais detalhado que permitisse apontar as possíveis específico e disciplinas pedagógicas; eliminou-se sua proposta da área de
falhas do
curso de formação de professores de arte, na Universidade humanidades. Neste sentido, algumas perguntas podem ser colocadas
Federal do Espírito Santo, e explicitar lacunas teórico-práticas identifica-
das no desenvolvimento dos trabalhos da Prática de Ensino.4 Na pesqui- para nossa posterior reflexão: Que propostas educativas estão embutidas
na elaboração do currículo, quando este elimina de sua grade as ciências
sa de campo busquei compreender como a imagem está presente no en-
sino de
humanas? É possível formarmos professores para o Ensino da Arte a
arte, qual
uso que dela é feito e qual o potencial ocultado ou
o
partir de uma compreensão meramente técnica de seu trabalho? Estaría-
destacado na sua abordagem em sala de aula.
mos neste caso falando do trabalho docente com autonomia e dirigido à
Os dados foram construídos com professores da Prática de Ensino,
libertação ou estaríamos reforçando, pela via do conhecimento instru-
professores de disciplinas específicas do Centro de Artes, licenciandos,
alunos e professores da escola básica. Foram analisados planos de ensino,
mental,
processos de dominação humana?
A estrutura do curso, centrada no domínio da técnica, leva os alunos
propostas curriculares de curso e textos de alunos. Foi realizado um
da licenciatura, ao chegarem à Prática de Ensino, a proporem projetos que
acompanhamento sistemático do trabalho na disciplina Prática de Ensino
enfatizam o fazer artístico (em estamparia, mosaico, cerâmica, pintura...)
de Arte na educação infantil, ensino fundamental e médio. Participei dos
e o uso instrumental da arte, como ilustração e não como campo de co-

4.
nhecimento. Os licenciandos não conseguem compreender o produto
Compreendo que a disciplina Prática de Ensino é o momento de maior imbricação do conte-
údo específico, conteúdo pedagógico e a tarefa de ensinar. artístico, para além de formas parciais com que são abordados no curso.
100 BARBOSA • CUNHA TRIANGULAR NO ENSINO DAS CULTURAS VISUAIS 107

Poucos apresentaram preocupação com a articulação do saber artístico justifica-se na busca de superação das práticas de dominação e transfe-
com a construção de uma proposta de ensino de arte voltada à formação i'éncia de teorias estrangeiras. Em 1982, investiga a influência americana
do cidadão emancipado, reconhecendo a arte como produto do trabalho na Arte/ Educação no Brasil e publica parte dessa pesquisa escrita em
do homem. Os licenciandos têm dificuldades em compreender o conhe- inglês e traduzida para o português, abordando a influência de John
cimento como expressão de uma generalidade humana,
artístico-estético
I)ewey na Arte/ Educação no período da Escola Nova (1927-1935). A
na qual a singularidade da forma e conteúdo não tem fim em si mesma, pergunta central da investigação era compreender de que forma se efetua
mas remete o leitor à totalidade social da qual ela
faz parte.
recepção da concepção pedagógica daquele filósofo-educador, através
A história relativamente recente dos cursos de licenciatura no país, cla leitura e ressignificação ao pensamento pedagógico de educadores
currículos defasados, o incentivo e a investimento reduzidos do governo brasileiros, para a construção de uma prática educativa caracterizada por
em políticas públicas de educação básica têm dificultado maior articula- uma "colagem" fragmentária e descontextualizada.
çãodos profissionais da área para, por exemplo, fazer frente aos Parâme- Suas reflexões nesse estudo conduzem-na a um posicionamento de
tros Curriculares Nacionais (PCNs), na perspectiva de construir experiên-
denúncia frente ao Ensino da Arte na escola. Dizia:
cias de ensino e pesquisa da arte contextualizadas. Nos documentos

oficiais, como os PCNs, encontramos um espaço vazio no que se refere à É absoluta a submissão do arte-educador a modelos de importação indife-

compreensão do que se convencionou chamar de leitura da imagem, ou renciados. A busca de novas técnicas e modelos de organização que estão
leitura da obra de arte. Pode-se perceber que permanecem lacunas no que sendo atualmente usadas nas nações centrais é uma obsessão muito comum.
[...] Pela acomodação na dependência, estamos perdendo uma oportunida-
se refere ao referencial advindo das ciências sociais, necessário à leitura
de de transformar a arte no meio de humanizar a escola e de ajudar a for-
das imagens. O questionamento que Barbosa (2002) dirige aos Parâmetros
de uma identidade cultural.
Curriculares Nacionais diz respeito, entre outros aspectos, ao caráter mação
homogeneizador do documento.
Isto setorna essencial quando consideramos que a arte é agora uma disci-
plina compulsória nas escolas de primeiro e segundo graus e nos cursos de
Ainda demandamos política públicas de inclusão das artes nos cur- 1982, p. 121)
educação para adultos (supletivos). (Barbosa,
rículos da escola básica; necessitamos de maior valorização dos profissio-
nais da educação e autonomia na construção de propostas educativas. A obrigatoriedade da Educação Artística não representava, em ab-
Em particular, é preciso repensar o projeto de formação na perspectiva soluto, a efetiva oferta de
um ensino de arte crítico e criativo.
Antes, porém,
de maior articulação entre ensino e pesquisa. estava comprometida com modelos estrangeiros de manutenção de de-
pendência.
Barbosa foi pioneira na produção teórica sobre Arte/ Educação no
As perguntas de Ana Mae Barbosa no início de suas pesquisas: um pouco Brasil. Nas discussões de 1981, que tem por título: "Dez anos de resistên-
de história
cia" busca compreender a trajetória de ensino de artes no período de 1971
,

a 1981, no qual tornou-se disciplina obrigatória nos currículos de 10 e 20


Influenciada pelas discussões de
cunho crítico, que se iniciaram no
diz:
de graus, e assim
curso mestrado desenvolvido nos Estados Unidos (de 1972 a 1974), a
autora, no seu doutoramento (em 1977), prosseguiu nas investigações
Durante os primeiros sete anos, a educação artística foi um caos, uma inu-
sobre a História do Ensino de Arte no Brasil. O enfoque de seus estudos tilidade, uma excrescência no currículo, com professores despreparados,
108 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 109

deslocados e menosprezados pelo sistema escolar. Nos últimos três anos, Educação, por constituir então uma área com poucas publicações e pes-
os professores de arte vêm abrindo um espaço de resistência nas escolas, quisas, não era respeitada no meio acadêmico e nas fontes financiadoras
através da demonstração de um padrão de melhor qualidade de ensino. deparou não partiam
de pesquisa. Os preconceitos com os quais Barbosa se
(Barbosa, 1984, p. 23-24) apenas dos educadores, ou dos historiadores, mas também dos
arte-edu-
cadores.
Seudiscurso apresenta como elemento novo a ideia de que é possível
Os interlocutores de Ana Mae Barbosa, na década de 1980, são os
a superação do estado de marginalidade pela via da união de forças, or-
educadores em geral, o Estado, na figura da escola oficial, os artistas e,
ganização política e qualificação dos profissionais da área, e, principal-
principalmente, os professores de Arte. Com os educadores, a autora
mente, a crença na possibilidade de compreender o espaço escolar, em
debate sobre a abertura do espaço para o Ensino da Arte na escola e o
sua dialeticidade.
reconhecimento do arte-educador como uma categoria profissional. Do
As pesquisas desenvolvidas na área, a partir dos cursos de pós-gra-
Estado, continuava reivindicando uma proposta de política para a for-
duação, tiveram início na década de 1980, de forma incipiente e localiza-
dos arte-educadores, um comprometimento qualitativo para a
da. Os resultados dessas pesquisas
vão sendo então gradativamente di- nnação
oferta da disciplina nos currículos da escola básica e a democratização
vulgados na década de 1990.
das questões pertinentes à escola, no que se refere, especialmente, à ges-
A organização política do arte/educador também se torna uma ne- tao do processo de ensino-aprendizagem. Aos artistas, Barbosa reforça os
cessidade nesse período. Impulsionados por um conjunto de condicio- "apelos"5 para o envolvimento destes nas discussões sobre Arte/ Educa-
nantes, entre os quais os movimentos de organização política e científica
çáo, no sentido da participação desta área na formação dos indivíduos,
na sociedade, em especial na educação, promove-se, em agosto de 1984, pela via da escola enquanto espaço de democratização da arte. Critica a
na Universidade de São Paulo (USP), o Simpósio Internacional de His-
I
atitude de negar a Arte/Educação e defende um trabalho de parceria
tória da Arte/ Educação. A este, Barbosa dedica maior empenho. Neste,
entre artistas e arte-educadores, na escola. Sua atenção maior recai sobre
organiza livro, publicando as palestras e as mesas-redondas do referido
o professor de Arte. Com os quais estabelece diálogo intenso a partir de
Seminário. Na introdução dessa publicação, a autora comenta: encontros no Brasil, como ampliando o debate com arte-educadores de

Nunca havia se realizado em nenhum outro país um encontro sobre Histó- diferentes nacionalidades, através de encontros promovidos pelo INSEA
da Arte/Educação. Mesmo os americanos, onde as pesquisas em Arte/
ria (Internacional Society of Education Through Art).

Educação são mais avançadas, ficaram entre temerosos e esperançosos O livro intitulado A imagem no Ensino da Arte: anos oitenta e novos

acerca do sucesso do Simpósio. Nos Estados Unidos, segundo eles, o desin- I('IIIPO, publicado em 1991, constitui importante produção nas discussões
teresse pela História da Arte/ Educação se reflete na dificuldade que os do campo do Ensino da Arte. Nessa publicação, resgata a trajetória e
estudiosos têm encontrado para financiar suas pesquisas. embates do Ensino da Arte, em especial, na abordagem metodológica
Foiprecisamente na luta para obter financiamento para o Simpósio que me deste campo, e propõe o que passou a ser denominada de Metodologia
deparei com uma série de preconceitos. (Barbosa, 1986, p. 8). Triangular. Apresenta a tendência do Ensino da Arte que parte da leitura

Os preconceitos aos quais foi submetida dizem respeito diretamente


5,
Trata-se de um texto publicado em vários jornais do Brasil, escrito pelos participantes do
à falta de tradição, à fragilidade do movimento, pouco expressivo e mui- Simpósio sobre Artes em Banff, Canadá em 1984. Barbosa participou da Comissão Cientifica deste
to
pouco reivindicador no interior do debate sobre educação. A Arte/ Congresso.
110 BARBOSA • CUNHA

e contextualização da imagem de qualquer categoria, inclusive das mídias liaulo Pasta fizeram com Tuneu, que foi aluno de Tarsila do Amaral. Sua

comunicativas. Defendendo a indissociabilidade entre a história, o fazer conversa partia da preocupação com o slogan de que arte não se ensina.
artístico e a leitura crítica e estética da imagem, sistematiza algumas 'linha como objetivo descobrir como era a relação de passagem de uma
abordagens que partem desse princípio. Também reforça, nesse livro, sua experiência de Tarsila para o 1998, p. 151).

reivindicação por um Ensino da Arte de qualidade, enquanto disciplina O início da década de 1990, que chamava de "novos tempos", é
curricular nas escolas. Essa publicação torna-se um marco nas discussões compreendido como momento da grande expansão do setor de serviços,
da Arte e seu ensino, visto que afirma-o como espaço para introduzir a no que se refere à produção; de crescente necessidade de qualificação e,
"imagem" na escola. Atribui ao Ensino da Arte o precípuo papel de edu- principalmente, nodomínio da informação;e como momento de impres-
car artística e esteticamente. Contudo, defende que educação estética não cindível aproximação entre subjetivação e razão. Seus argumentos já
se restringe apenas ao Ensino da Arte, mas deve ser uma preocupaçãode
(lenotavam sua preocupação
com as questões da pós-modernidade, ao
todas as áreasdo conhecimento humano. Parte do princípio de que a Arte defender os espaços profissionais para o cidadão nos "novos tempos",
é um componente da herança cultural de um povo, assim sendo, deve especialmente quando propunha a leitura da obra de arte no ensino,
estar presente na sala de aula, ser contextualizada e analisada. Reiteradas demonstrava uma identificaçãocom as discussões da contemporaneida-
de. Diz, ao sugerir
vezes reforça a ideia de que não deve ser exigida a interpretação gráfica o uso da imagem na sala de aula: "Uma forma, uma
fiel à obra, pois não defende a cópia, assim como não preconiza uma itnagem viajando através da história, recebe o tratamento plástico con-
leitura daquilo "que
o artista quis dizer" com a obra, mas sim daquilo temporâneo submetido à desconstruçãoque teoricamente é a escola crí-
tica da pós-modernidade" (Barbosa, 1991,
que a obra diz a você". p. 81).

A contextualização da obra de arte é um dos eixos da Abordagem A ênfase de suas discussões recai sobre a leitura da imagem, que para
ela não pode ser compreendida
Triangular que recebe grande influência de Paulo Dizia, "a ideia
Freire. como cópia ou representação fidedigna
da obra ou da imagem do cotidiano,
da contextualização, de leitura, é influenciada por Paulo Freire. a ideia É mas como contextualização, análise,
de que nunca se deve descontextualizar o ensino. O ensino deve estar interpretação, julgamento e recriação. Passa, a partir daí a perseguir uma
ideia de ensino contemporâneo da arte.
sempre referido ao seu contexto" .6
A construção de uma proposta de ensino que eleja o princípio da Após a publicação do livro A imagem do Ensino da Arte (Barbosa, 1991),
historicidade e a referência do homem e seu meio ambiente natural e por várias vezes manifestou interesse em acompanhar sistematicamente
social é o objetivo da autora. Porém, a construção de uma proposta de interpretação da Abordagem Triangular nas aulas de arte, e é precisa-
ensino nessa perspectiva somente poderia ser construída na coletividade. sentido que a presente publicação toma força e se consolida
nw•nte nesse

Suas num esforço coletivo, como pesquisa coordenada por Ana Mae Barbosa
perguntas se ampliam e diversificam com o passar do tempo,
c Fernanda P. Cunha.
em especial com a participação em um movimento coletivo ampliado.
Embora ainda perseguisse uma questão fundamental, como dizia: "uma Desde meados dos anos 1990 defendia que a metodologia de Ensino
da Arte deve ser proposta pelo profissional da Arte/ Educação. Por isso
coisa que me preocupava muito no Ensino da Arte é o método" (Barbosa,
1998, p. 157). Tal questão é recorrente em suas pesquisas em diferentes acredita que o termo "metodologia triangular" nãoé o mais apropriado,
pois poderia induzir a compreensão de que esta é a única maneira de se
espaços e com diferentes sujeitos. É o exemplo da entrevista que ela e
ensinar Arte. Para a autora, a Abordagem Triangular
não pode ser trata-
da de forma dogmática. Defende Ensino da Arte pode ser desen-
6.
Entrevista concedida em 1995, disponível no site: <www.proex.ufes.br/arteducadores>. que o
112 BARBOSA • CUNHA
rromu

volvido com diferentes abordagens, mas que partam da leitura de obras historicidade do ponto de vista da diacronia, mas aceita e toma
posse da
e do campo de sentido da arte, leituras do meio ambiente, leitura de ou- historicidade do ponto de vista sincrônico".8
tros meios de comunicação. Acredita que a Arte é informada pelo contexto econômico, político
No que se refere à leitura da obra de arte, não delimita o enfoque a ser e socialque a produziu. Assim sendo, torna-se imprescindível um estudo
dado, desde que sejam respeitados os princípios da "análise crítica da ma- da produção artística e cultural da humanidade interligadas.
A seleção
das imagens a serem exploradas parte do princípio multi/intercultura-
terialidade da obra de princípios estéticos ou semiológicos, ou gestálticos
lista. Nesta Abordagem acredita ser possível uma aproximação de códigos
ou iconográficos" (Barbosa, 1991, p. 37), de acordo com a especialidade,
culturais de diferentes grupos sociais e de imagens de diferentes mídias
domínio e interesse dos sujeitos do processo de ensino-aprendizagem.
da indústria e da obra de arte.
Orisco de que se fizessem interpretações equivocadas da Abordagem
Triangular sempre esteve presente. Na concepção da autora, algumas
mudanças poderiam ser feitas no livro A imagem no Ensino da Arte, com 0 ensino contemporâneo da Arte em novosdesafios
relação principalmente à releitura, pois em todo o livro essa palavra só
aparece nas legendas das ilustrações, o que, segundo ela, poderiam indu- O ensino contemporâneo da Arte nãoprescinde da leitura da imagem.
zir o leitor a uma compreensão de que a Abordagem Triangular restrinje-se Mediados pelo professor, ou pelas novas tecnologias na sala de aula ou
pelo contexto imagético local,
à ideia de releitura. Compreende que a ilustração é um meio muito po- ou ainda por imagens de diferentes reali-
deroso de comunicação e de formação do indivíduo, diz: a illlstração é111ais dades e culturas, o aluno da licenciatura em artes constrói conhecimento
poderosa do que a palavra, o na relação com a produção visual. Nesse sentido, outros desafios se im-
que se torna especialmente perigoso em se
tratando de um livro sobre o Ensino da Arte. Para a autora: "A releitura põem ao pesquisador e estão relacionados às novas tecnologias no Ensi-
é possível, nãoé condenável, desde que seja uma reiterpretação do sujei- no da Arte, às questões da diversidade e das culturas, entre outras pers-
7
pectivas.
to e não
uma mera cópia"
Outra observação feita pela autora, em relação à operacionalização Barbosa comenta que seu interesse pela relação entre as tecnologias
da Abordagem Triangular, diz respeito à História da Arte. Esta não deve contemporâneas de Arte/ Educação se aguça a partir da arte produzida
em ambientes virtuais e pelas possibilidadesde leitura e compreensão
sernecessariamente abordada de forma linear, mas parte da análise da
obra de arte contextualizada no tempo e em sua circunstancialidade. que esta propõe. Pergunta: "como ver a arte produzida pelas tecnologias
contemporâneas? A arte no ciberespaço estimula mais o intelecto? Qual
Assim compreende que:
o alcance da sensorialidade virtual?" (Barbosa, 2005, p. 11()). Suas questões

Em lugar de estarmos preocupados em mostrar a chamada "evolução" das são compartilhadas pelos pesquisadores contemporâneos da Educação e
da Arte (Pimentel, 2002; Ruschel Nunes, 2009) e
formas artísticas através do tempo, pretendemos mostrar que a arte não está permanecem em aberto,
isolada de nosso cotidiano de nossa história pessoal. (Barbosa, 1991, p. 19) visto que são parte de um processo dinâmico, em constante movimento
e transformação.Suas contribuições, contudo, impulsionam a reflexão
Abordagem contextualizada da obra a
Nessa perspectiva defende a crítica sobre o tema. Especialmente, referindo-se à produção
que se faz
partir de uma concepçãopós-moderna. Diz: "o pós-modernismo recusa a hoje a partir dos museus, problematiza: "ansiava por evolução mais
uma

7. Em entrevista, conforme nota 6. 8. Entrevista, conforme nota 6.


BARBOSA • CUNHA
114 ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 115

integrada do que a que temos hoje entre conteúdo e tecnologia nos pro- Destas, 52 foram reprografadas para iniciar a
organização de um banco
dutos de museus. [...] esperava mais da interatividade como recurso de teses. A metodologia da pesquisa apoiada em Eisner caracterizava-se
educacional em museus" (ibid., p. 110). como abordagem qualitativa.
Neste debate, a pesquisadora ocupa importante papel na circulação
[...] depois de identificadas as teses, passamos a tarefa de delimitação do
das informações e discussões a partir de diferentes mídias. Como exem-
plo cito a série de cinco programas sobre Arte na Escola apresentada pela corpus e da definição das variáveis que precisávamos observar no setting
escolhido para tornar exequível a pesquisa, mas ao mesmo tempo obter
TV Escola, que integrava Um Salto para o Futuro, no ano de 2000 e que suficientes informações para tirarmos conclusões acerca das influências
Ensino da Arte, publi-
gerou o livro intitulado Inquietações e mudanças no estrangeiras e na mudança de paradigma a respeito do Ensino da Arte.
cado pela Cortez, em 2002. (Barbosa, 1997, p. 13)
Nesta produção se evidenciam alguns dos grandes temas que passam
a fazer parte das pesquisas dos professores de
Arte, como: tecnologias A pesquisa também abarcou uma enquete com participantes do
contemporâneas, metodologia e leitura de imagens, formação de profes- Congresso Nacional de Arte/ Educação da National Art Education Asso-
interculturalidade/multiculturalidade e interdisciplinari- ciation (NAEA-USA), no Arizona, em 1992. Através dessa enquete infor-
sores de Arte,
dade. Evidencia-se na produção organizada por Barbosa a crescente mal buscou "saber a quais teóricos internacionais os arte-educadores
participação dos pesquisadores de um campo que se produz no movi- atribuíam as mudanças e quais seriam as mudanças" (ibid., p. 14). Ao
mento coletivo da busca permanente e compartilhada dos profissionais. final, na análise das teses, as conclusões as quais chegou foram de
que os
Os professores de Arte consolidam um campo de pesquisa e ensino, ins- "pós-graduandos que pesquisam sobre Arte/ Educação leem pouco em
tigam perguntas e a constituir-se como um grupo autorre-
passam língua estrangeira e leem sobre Arte/Educação" (ibid., p. 17).
novas pouco
ferente. Nesta análise, contudo, não ficaram evidentes os processos mediadores
Contudo, ainda no início da década de 90 Barbosa alertava para a desempenhados pelos programas de pós-graduação e orientadores, nas
necessidade de ampliar os referenciais da área: "era imperioso encontrar diferentes áreas nas quais as teses foram desenvolvidas e que são gran-
mecanismos que permitissem aos alunos terem acesso a outras abordagem demente responsáveis para definição do referencial.
de Arte/ Educação diferentes da minha" (1997, p. 8). Visto que não se O desafio à pesquisa sobre o estado da arte das pesquisas sobre En-
dispunha de doutores formados na área que pudessem integrar o curso sino da Arte no Brasil ainda está em aberto. Importantes passos já foram
de pós-graduação, propôs cursos com profissionais do campo da Arte e dados nessa direção, mas uma sistematização dessa produção ainda não
da Educação, nacionais e estrangeiros. Estes cursos, segundo a autora, se fez de forma mais abrangente. Sem dúvida é um desafio frente à cons-
"serviram a um duplo propósito: preparavam os alunos da pós-graduação trução de um campo de estudos que se ampliou e apresenta abordagens
e os educadores do museu, além de servirem a um sem-número
de ar- nnúltiplas no que se refere aos conceitos e às práticas, e especialmente aos
te-educadores de outras instituições, e até
mesmo de outros Estados" espaços e temas pesquisados. Como salienta Tourinho (2009, p. 2), ao
(ibid., p. 8). deparar-secom o volume e diversidade da produção do 170 Encontro
No bojo dessas discussões, realizou uma pesquisa visando identificar Nacional da Anpap: "Minhas primeiras sensações, confesso, foram de
principais referenciais utilizados nas investigações no campo da Arte/ 'desassossego"'

Educação. Para isso, propôs o primeiro estado da arte da pesquisa neste Iniciativas de pesquisas locais também mostram que, ao sair de cen-
1981 a 1993.
campo no Brasil. Coletou cerca de 79 teses, defendidas de tros de referência como São Paulo, a realidade da pesquisa sobre o Ensino
116 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 117

da Arte é relativamente recente.9 Conforme Weiss e Zanin no Pro- (2009), encontrou mais de duzentas perguntas. Dos sessenta trabalhos consulta-
em Educação,10 da Universidade Federal do dos, "apenas 14 não apresentavam questões". Diz então: "pensei nestas
grama de Pós-Graduação
Espírito Santo, perguntas como sinais, sintomas, indícios de inquietações que não visam
II ma resolução e, sim, formas sutis de trabalhar com o conhecimento, de
a maior parte das pesquisas que contemplam temáticas da Arte, Educação d iscernir
novos tópicos a serem estudados e de abrir novas rotas especu-
e suas variantes encontram-se concentradas na linha de pesquisa Educação
Iativas e epistemológicas" (Tourinho, p. 5).
e Linguagens, que faz parte do programa de Pós-Graduação em Educação

1996. Entretanto, a primeira defesa dentro da linha que contemplou Na conclusão chama a atenção para a diversidade das perguntas e
desde
comenta: "celebro este fato" (Tourinho, 2009, p. 14). Compartilhamos de
arte como temática data de 2003. (p. 3)
seu argumento, que citamos:
O Panorama de Pesquisa Anpap Comitê Ensino e Aprendizagem

da Arte, apresentado por Pillar e Rebouças, em 2007, na Associação Na- Conforme já disseram, a ciência avança pelas perguntas que faz e não ne-
cional de Pesquisadores em Artes Plásticas (Anpap), fez levantamento da cessariamente pelas respostas que encontra. Cada pergunta nos oferece a
chance de criar mais uma explicação para nossa relação com o mundo.
participação dos programas de pós-graduação nos encontros de 2005,
(Tourinho, 2009, p. 4)
2006 e 2007. Mapeou participações, temas e referenciais nas pesquisas
apresentados nos três encontros. A partir dessa pesquisa, Tourinho (2009)
É no bojo desse debate que pode e deve discutir a Abordagem
se
propôs-se à análise da produção de 2008, no mesmo comitê da Anpap; "li'iangular. Contudo, é preciso dimensionar também a formação dos pro-
sua investigação recaiu sobre as perguntas que têm fundamentado as fessores na perspectiva da socialização profissional docente com autono-
pesquisas nesse comitê:
liiia e pesquisa. A construção de propostas de ensino fundamentadas e
[...] guiei meu olhar para as perguntas que os pesquisadores levantam e, contextualizadas é possível efetiva dos profissionais do
na participação
Ensino da Arte, como sujeitos e investigadores de sua realidade. Deman-
em alguns casos, aquelas que escolhem citar no desenvolvimento de suas
nesse sentido, uma formação que fomente a pergunta mais do que
cia-se,
reflexões. São as perguntas que nos incomodam, que nos provocam, que
nos fazem inventar maneiras de conhecer. (Tourinho, 2009, p. 4) a que ofereça respostas.
Como pesquisadora, Barbosa tem promovido o debate e feito circu-
Suas reflexões ajudam-nos a perceber um grande e diversificado
lar produção que abarca diferentes temas. Constitui-se como importante
campo de pesquisa que construímos coletivamente. Em sua pesquisa referência para os professores de Arte e para a produção teórica da área.

Consultar Maria Cristina Monteiro, que realiza levantamento de dissertações e teses relacio-
9.

nadas a Abordagem Metodológica Triangular, no período de 1995 a 2000. Texto na Parte III, capítu-
10 1,
deste livro. Considerações
finais e novos desafios
O programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo é
10.

antigos do país. Desde sua criação, em 1978, até julho de 2007, foram defendidas 389
um dos mais
A Abordagem Triangular inscreve-se num contexto sociopolítico-eco-
dissertações de mestrado. Vinte e duas versavam sobre a Arte e seu ensino. Destaco nesta produção
as dissertações de Marília Moreira Antunes Santos, com o título Educação
artística: o discurso
oficiale nômico e filosófico, no qual o arte-educador é protagonista, produtor de
a realidade na escola de 10 grau, defendida em 20/12/1983, e a dissertação de Eusdete de Jesus Trabach história. Entender essa produção a partir de uma análise mais ampla da
de aula, de-
Gobetti sobre A prodilção de sentido
na relaçãotexto verbal e visual no programa veja na sala
fendida em 10/12/2004. Esta última orientada pela profa. dra. Moema Martins Rebouças, primeira
sociedade é indispensável para compreendermos melhor a origem das
Arte/ Educadora a integrar o colegiado deste programa. perguntas dos profissionais do Ensino da Arte.
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGUIAR
NO ENSINO
ARIES CULTURAS VISUAIS
119

Assim poderemos compreender a Arte/ Educação Para tanto é importante construir


como campo de
trabalho e pesquisa em sala de aula, com os alunos,
no âmbito da construção da educação brasileira (Ro- [u
ndamentos necessários os
para uma leitura abrangente de
manelli, 1984; Rodrigues, 1987; Frigotto e
Ciavatta, 2001). seja possível compreender o objeto artístico mundo, na qual
O profissional do Ensino da
relacionado às questões de
Arte tem como desafio colocar-se no cada momento histórico. Nesse
sentido, a imagem na sala de aula
movimento e participar de seu processo de oferecer elementos de discussão pode
formaçãoarticulando quali- que não se restringem ao aspecto ilus-
tativamente as dimensões técnica, científica e política de trabalho. Espe- trativo ou à visualidade aparente.
Ao Ensino da Arte cabe
cialmente, compreender promover
como políticas nacionais de educação estão ar- questões e ampliar os referenciais
de análise de imagens
ticuladas às políticas regionais e locais. Fica assim para na escola. A
reflexão
nossa possibilidade de uma abordagem mais
abrangente do fenômeno
coletiva: tico implica compreendê-lo imagís-
como uma particularidade. Assim, dimensio-
nando o conceito de
Não importa em que sociedade estejamos, em que mundo nos encontremos, contextualizaçãoda obra e do
calllpo de sentido da arte a
partir da pesquisa permanente e da
não é possível formar engenheiros ou pedreiros, físicos ou enfermeiras, te a estabelecer
pergunta provocativa. Isto
reme- nos
dentistas ou torneiros, educadores relação da imagem com o produtor, tanto
a
ou mecânicos, agricultores ou filósofos, a sua distribuição/conservação, quanto com
pecuaristas ou biólogos sem
uma compreensão de nós mesmos enquanto como com a recepção. Requer também
a na lisá-las
seres históricos, políticos, sociais e culturais. (Paulo Freire, 1993, com produto do trabalho e nelas encontrarmos
p. 134) o homem como
ser social. Desse
modo, podemos compreender-nos
e a nossa heterogenei-
Assim, a formaçãodo professor como intelectual da dade cultural e
educaçãoneces- percebemo-nos como transformadores
do mundo,
sita de urgente revisão. Necessitamos dimensionar a pesquisa como nos diz Lukács, produtores de ou
nas práticas uma realidade humana.
de formaçãodocente. O professor de Arte, intelectual, traz
como um em
sua prática uma continuidade histórica, os discursos e práticas construí-
dos no processo coletivo da definição de
seu campo profissional. Porém,
Referênciasbibliográficas
como ser social e intelectual, o pesquisador se coloca a urgente necessi-
dade de perceber-se como um novo intelectual, como "construtor, organi- BARBOSA, Ana Mae. Teoria
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origens ao modernismo. São Paulo: Perspec-
.

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A produção artística é constituída de significados. No caso das Artes
Visuais, o objeto artístico é a imagem. Esta,
como produto do trabalho Recorte e colagem:
.

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ColeçãoEducaçãoContemporânea.
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ciais" de A imagem
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125

À REALIDADE: ÉAPOSSÍVEL
DAS UTOPIAS
UMA DIDÁTICA ESPECÍFICA
PARA FORMAÇÃO
INICIAL DO PROFESSOR DE ARTES VISUAIS?

Fábio José Rodrigues da Costa

Introdução
A pergunta estabelece conexões entre os estudos curriculares, as
didáticas específicas e a didática geral no terreno da formação inicial do
)fessor.
Tem seu surgimento a partir da pesquisa realizada no progra-
de doutorado em Educação Artística da Universidade de Sevilla-Es-
panha e teve como resultado a tese "Didática das Artes Visuais: uma
jposição pós-moderna" que deu origem a uma didática específica para
,

formaçãoinicial do professor de Artes Visuais.


No âmbito epistemológico se fundamenta na teoria pós-moderna e
nua imbricação com a Educação e a Arte/ Educação. Essa teoria tem exi-
gido uma (re)significação e uma (re)conceitualização para a formação
inicial do professor e reivindica outras áreas de conhecimento para o
currículo das licenciaturas.
Essa teoria parte do conceito de mudança de Paulo Freire e Joe Kin-
cheloe
que consideram que a pós-modernidade exige uma (re)conceitu-
126 BARBOSA • CUNH
M TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES CULTURAS VISUAIS 127

alização do conhecimento do professor e o concebe como um pesquisador Yin Ticular das universidades que em sua maioria não renunciam a um
provocando uma (re)contextualização de sua formação inicial (Kincheloe, de formaçãoinicial do professor proposta pela educação moderna
2001), tendo nos pressupostos da pesquisa qualitativa suas principais Iza, 2001).
ferramentas com inclinação para os estudos etnográficos e semióticos.
Propõe, portanto, uma ruptura com os modelos modernos de formação
inicial por considerar que estes oferecem uma formação tecnicista. Origensda narrativa
Considera
formação inicial centrada na experimentação entendida
a

como "experiência reflexiva" promovida pelo pensar como um processo Minha narrativa nasce das preocupaçõesque estão ainda na pauta
de indagação, de observação das coisas, de pesquisa (Dewey, 2004b). dia quando nos perguntamos sobre a formação inicial do professor

Parte de uma educação pós-moderna e de uma perspectiva crítica e a área de Ensino de Artes nos mais diferentes contextos culturais, o
pós-formal que desconstrói a concepção de ensino como uma transferência significa que a formação de professores não é privilégio de uma de-
neutra da verdade (Kincheloe, 2001). sociedade e/ou cultura, mas sim que em tempos contempo-
Desconstrói a lôneos ainda se reconhece a importância desse profissional da cultura
forma absolutista de certeza, uma vez que o pensamen-
to pós-formal atento para o uso dado à cognição pela educação contem- aroux, 1999).
porânea vislumbra um desenvolvimento cognitivo ou emancipatório Para mediar a leitura que cada um fará deste texto, não posso deixar
(Kincheloe, 2001). No contexto da didática geral e das didáticas específi- contextualizar sua "gêneses" ou seja,como vão tomando corpo minhas
,

cas, compreende a cognição para além do essencialismo e se destaca por l"'óprias indagações nascidas das contradições que, acredito, ainda per-
sua adesão aos estudos críticos como a teoria sociocognitiva pós-piage- •neiam a formação inicial do professor de artes construída por nós histo-
tiana com base no pensamento pós-formal e a teoria feminista. ricamente.

A didática geral orientada por essa teoria vislumbra uma açãoedu- Responder aos questionamentos que foram sendo levantados exigiu
cativa crítica e centrada nos múltiplos saberes, nos múltiplos lugares e formulação de um projeto de pesquisa que se materializou na tese de
tempos em que o conhecimento tem origem e se desenvolve e são utili- doutorado intitulada Didáctica de Ias Artes Visuales: una proposición post-
zados para analisar a formação inicial contemporânea do professor. Esta "10(lerna
(Didática das Artes Visuais: uma proposição pós-moderna), de-
(re)significação tem no multiculturalismo crítico uma base teórica que a lendida em junho de 2007 na Universidade de Sevilla, Espanha.
explica e a justifica em plena contemporaneidade (Candau, 2001), já
que A pesquisa buscou dialogar com três importantes campos do conhe-
a cultura é dinâmica, se reinventa e (re)significa as instituições e seu papel
que constituem a formação inicial do professor e à luz da teoria
(Ojnento
na formação humana. pós-moderna crítica permitiu trabalhar com a categoria (re)significação.
A didática geral reconhece sua natureza incompleta e encontra nas l•Àsa categoria orientou a identificação dos elementos (re)significadores
didáticas específicas contribuições que a complementa ou tenta (De La para a formação inicial do professor, a didática geral e as didáticas espe-
Torre, 1993). A didática específica
não substitui a didática geral, porém cílicas, e a
partir desses elementos foi possível conceitualizar e sistema-
estabelece conexõesdiretas com a
açãoeducativa do professor na escola ti/,ar uma didática específica para a formação inicial de professores para
com a perspectiva de (re)conceitualizar os conteúdos de ensino que se linguagem das Artes Visuais tomando como proposição a Abordagem
caracterizam como conteúdos educativos, instrumentais e operativos I'riangular formulada e amplamente experimentada pela profa. dra. Ana
(Souza, 2004). A incorporação da didática específica passa pela estrutura
Mae Barbosa para o contexto brasileiro.
TRIANGULAR NO ENSINO OAS ARIES CUIJIJRAS VISUAIS 129
BARBOSA • CUNHA

professor, de escola e de ensino aprendizagem. Portanto,


Essa didática foi tecida tendo como eixo norteador a leitura da ima- Çao inicial do e
lñ/.endo rebentar um "saber renovado" que
gem, a educação visual para a leitura da imagem e de seu decampo
sentido, a partir da concepção de educação como leitura de mundo se-
é construído a partir do confronto entre os saberes que uma pessoa já pos-
gundo Paulo Freire.
sui e outras informações, concepções e pensamentos aos quais tem acesso,
No entanto, Didática das Artes Visuais, como a concebo, não se
a por diferentes e diversos meios. Esse confronto provoca conflitos sociocog-
propõe a dizer ao professor de Artes Visuais ou Arte/ Educador como ele nitivos que podem possibilitar a desconstrução das ideias anteriores e a
deve ensinar, mas sim, com ele conhece, aprende e compreende as peda- construção de uma outra compreensão do assunto em foco ou do problema
gogias contemporâneas e seus modelos educativos para a educação vi- em estudo. (Souza, 2004, p. 19)

sual ou para a decodificação das visualidades do tempo presente. E no


As contribuições da teoria pós-moderna para a Arte e seu ensino
currículo da licenciatura em Artes Visuais ou similares que se dá a inser-
começam pela compreensãoda Arte como um conhecimento implicado
çãodessa didática,que impõe a (re)conceitualização dos currículos
o
no mundo rompendo com o isolamento característico da modernidade.
destinados à formação inicial do professor.
Ao mesmo tempo que a Arte na pós-modernidade busca conectar-se com
Desse modo, essa orientou em primeiro lugar pela
proposição se
o público de forma interdisciplinar e pela exposição de temáticas que se
compreensão de que a pós-modernidade está a (re)conceitualizar e (re)
aproximam da cotidianidade (Gisbert, 2002).
significar a formação inicial do professor de Artes Visuais, já que no Nesse sentido, a Arte na pós-modernidade é um produto cultural,
mundo considerado global há outras formas de compreendê-lo e esta
devendo ser entendida no contexto onde teve origem e recepção (Efland;
forma é uma abordagem metodológica centrada nos aspectos culturais
Freedman; Stuhr, 2003) e que reflete o retorno ao real, ao tempo presente
que busca explicar o eu e o outro em seu próprio contexto, porém bus- (Gisbert, 2002).
cando a relacionalidade como modo operante da teoria pós-moderna
(Chang, 2003).
Para Eisner (2004), a Arte foi marginalizada no processo de formação
do cidadão por meio da escola porque para essa instituição e os sistemas
Essa relacionalidade orienta-se
pelo princípio de pertença, de perten- educativos cabia à Arte desenvolver as habilidades manuais dos estudan-
cer a um lugar, um grupo, uma comunidade, um país, um gênero e ao tes,
portanto exigindo pouco ou quase nenhum esforço intelectual, uma
mesmo tempo pertencer a todos. Isso porque no contexto atual homem/ vez para fazer Arte ou para aprender Arte é necessário mais emoção do
mulher caminha em direção a encontrar sua própria identidade não guia-
que reflexão. Contrapondo-se a essa concepção, Eisner defende que
da por uma epistemologia de verdade única moderna e, sim, por sua
própria necessidade de respostas a sua condição humana. muitas das formas de pensamento mais complexas e sutis têm lugar quan-
do os estudantes têm a oportunidade de trabalhar de uma maneira signifi-
Assim que as contribuições da teoria pós-moderna estabelecem ou-
tras relações entre o passado e o presente, entre o tempo e o espaço, entre cativa na criação de imagens, sejam visuais, coreográficas, musicais, literá-
rias ou poéticas, ou a oportunidade de poder apreciá-las. A capacidade de
o homem/ mulher de antes e o homem/ mulher de hoje em exercício
uma forma de experiência que se pode considerar estética requer uma
criar
constante de leitura que impõe a compreensão crítica da realidade, ao
mente que anime nossa capacidade de imaginação e que estimule nossa
mesmo tempo que supõe sua denúncia, supõe, também, o aviso do que capacidade de viver experiências saturadas de (2004, p. 14)
emoções.
ainda não existe (Freire, 2001).
Desse modo, essa pós-modernidade tenta abrir caminhos em direção Na pós-modernidade, a arte, seu ensino e sua aprendizagem passam
"se realiza na reinvenção permanente que o ser
outra forma de organização humana, do saber, da educação, de forma- por uma recognição

a
130 OARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 131

humano está a cada momento desafiado a fazer de si mesmo" (Souza, formaçãoestá orientada pelo pensamento pós-formal que se ocupa da
2004, p. 19).
desconstruçãoda forma absolutista de certeza. O pensamentopós-formal
está atento
ao uso dado à cognição pela educação contemporânea e
identifica duas formas distintas de tratá-la. Em uma, se detecta uma
Elementos (re)significadoresda formaçãoinicial do professor de Artes
concepção de educação que se dedica à manipulação da cognição, e na
Visuais no contexto da pós-modernidade ou tra, uma educação para o desenvolvimento cognitivo ou emancipató-
rio (Kincheloe, 2001).
Parto do conceito de mudança a partir das ideias de Paulo Freire e
educação para o desenvolvimento cognitivo ou emancipatório
Essa
Joe Kincheloe (2001) que consideram que a pós-modernidade exige uma
(re)conceitualização do conhecimento do professor como ponto de parti- promove na formação inicial do professor de Artes Visuais uma recogni-
da já que esta (re)conceitualização começa pela aceitação do professor çáoque vislumbra uma ressocialização entendida como
como pesquisador e, que a partir desta perspectiva se (re)contextualiza a processos que se dão mediante o confronto entre conheceres, fazeres e sen-
formação inicial tendo nos pressupostos da pesquisa qualitativa suas tires de uma pessoa ou de um
grupo cultural com os de outras pessoas ou
principais ferramentas com uma forte inclinação para os estudos etno- grupos culturais cujos resultados são novos conhecimentos, emoções
e ações,
tornando cada um dos envolvidos mais socializados, culturalmente enri-
gráficos e semióticos.
quecidos simbólica e materialmente. Numa palavra, mais humanos. (Souza,
Esta(re)conceitualização propõe uma ruptura com os modelos mo- 2004, p. 19)
dernos de formação inicial do professor por considerar que estes oferecem
uma formação tecnicista que está fechada à argumentação. Considera,
portanto, que a formação inicial do professor está centrada fundamental-
Elementos (re)significadoresda didática geral e das didáticas
mente na experimentação que se aproxima do pensamento de Dewey
específicas no contexto da pós-modernidade
(2004) e de seu sentido de "experiência reflexiva" promovida pelo pensar

como um processo de indagação, de observação das


coisas, de investigação.

Ao mesmo tempo que essa (re)conceitualização parte de uma edu- No âmbito da (re)significação da didática geral e das didáticas espe-
cíficas, a cognição é compreendida para além do essencialismo cognitivo
cação pós-moderna e de uma perspectiva de formação inicial do professor
que caracteriza a educação moderna e se caracteriza por sua adesão aos
de forma crítica e pós-formal e que por intermédio dessa formação se
estudos críticos como a teoria sociocognitiva pós-piagetiana
desconstrói a concepção de ensino como uma transferência neutra da ver- com bases
no pensamentopós-formal e na teoria feminista.
dade (Kincheloe, 2001).
(re)significação estabelece a crítica ao essencialismo e ao redu-
Essa
Portanto, estamos diante de um tempo no qual a formação inicial do cionismo que orientam a didática geral e instrumental moderna inspira-
professor está a exigir uma recognição e uma reinvenção, pois estas "con- da na psicologia do desenvolvimento, a favor de
um desenvolvimento
formam o processo mais amplo de ressocialização do sujeito humano em cognitivo não
quese constitui de uma dimensão estática e inata do ser
(Souza, 2004, p. 19).
seus processos de humanização ou desumanização" h mano.
Nesse sentido, a formação inicial do professor deve promover uma A didática geral orientada pela teoria sociocognitiva pós-piagetiana
recognição e uma reinvenção de seus próprios sujeitos, uma vez que essa vislumbra uma
açãoeducativa crítica e centrada nos múltiplos saberes,
132 OARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO CULTURAS VISUAIS 133

nos múltiplos lugares e tempos em que o conhecimento tem origem e se A Abordagem Triangular no contexto da pós-modernidade
desenvolve e os utiliza para analisar a formação inicial contemporânea
e a formação
inicial do professor de Artes Visuais
do professor.
A didática geral se (re)-significa a partir da incorporação de novas Os pressupostos teórico-filosóficos
que fundamentam a Abordagem
temáticas vinculadas diretamente com o ensino enquanto uma prática li•iangular tornam essa proposição
uma referência para a formaçãoinicial
do professor de Artes Visuais
no multiculturalismo crítico (McLaren, 2000) uma
social concreta e tem
para além do contexto brasileiro, porque
base teórica que a explica e a justifica em plena contemporaneidade (Can- parte de uma visão interdisciplinar e contextual do fenômeno
artístico,
do artefato artístico e do sujeito
dau, 2001), já
que tem a cultura como categoria central de análise uma que produz como dimensões de um
o

vez que a cultura é dinâmica, se reinventa e (re)-significa as instituições ensino e formação inicial do professor exigida pela inter-relação
como
e seu papel na formação humana. ca tegoria mediadora das diferentes culturas, dos fatores
ambientais e da
relação com outros grupos sociais (Gisbert, 1993).
Oprocesso de (re)significação da didática geral reconhece sua natu-
reza incompleta, portanto, encontra nas didáticas específicas contribuições A Abordagem Triangular recebe influências do pós-modernismo
que a complementam ou tentam (De La
Torre, 1993). A didática específi- entendido como um fenômeno estético, cultural e intelectual
que se ma-
ca não substitui a didática geral, porém estabelece conexõesque amplia, nifesta concretamente nos estilos, práticas e formas
culturais nas Artes
principalmente, a formação inicial do professor e busca estabelecer rela- Visuais contemporâneas (Hargreaves, 1998).

çõesdiretas com a açãoeducativa desse profissional da cultura na escola Inserida no contexto da pós-modernidade e de
seu movimento cul-
com a perspectiva de (re)conceitualizar os conteúdos de ensino que se
tural, a
Abordagem Triangular reconhece o conhecimento em Artes
que
caracterizam como conteúdos educativos, instrumentais e operativos Visuais se dá na
intersecção da experimentação, da decodificação e da
(Souza, 2004). informação, uma vez que a Arte/ Educação é epistemologia da arte
como
A construção das didáticas específicas resulta imprescindível para o pressuposto e como meio de inter-relação ente arte e público,
ou seja, a
professor que se
ocupa de uma determinada disciplina (Gallego,
2002) e intermediaçãoentre o objeto arte e o público (Barbosa, 1998).

seu papel na formação do sujeito a partir do projeto educativo e curricular Neste sentido, nem a Arte/ Educação como pesquisa dos modos
de um determinado contexto de ensino/ aprendizagem (Zabalza, 2001). pelos quais se aprende arte,
nem a Arte/ Educação como mediadora entre
A incorporação da didática específica passa por uma (re)conceitua- a arte e o público podem prescindir da inter-relação entre contextualiza-
da Arte, leitura da obra de arte
lização da estrutura curricular das universidades que em sua maioria não çáo e das imagens do cotidiano e do fazer

renunciam a um tipo de formação inicial do professor formulada por uma artístico, segundo Barbosa (1998).

educação moderna (Zabalza, 2()()1). O Ensino da Arte na escola orientado pela Abordagem
Triangular
Talvez a concepção modernista de formação inicial do professor de pretende formar o conhecedor, o decodificador da obra de arte
e das
Artes Visuais permaneça predominando nas universidades porque "para imagens do cotidiano ou da cultura visual. Ou seja, este
ensino promo-
crescer profissionalmente necessitamos retroalimentação sobre nossa verá uma recognição, uma reinvenção dos sujeitos envolvidos e estes se
prática docente. Em termos mais gerais, devemos tratar o ensino como uma ressocializarão e se humanizarão.
formade pesquisa pessoal. Devemos aproveitar nossa prática docente como A açãoeducativa do professor de Artes Visuais mediada pela Abor-
81).
uma oportunidade para aprender a ensinar" (Eisner, 2004, p. dagem Triangular organiza o currículo entrelaçando o fazer artístico, a
BARBOSA • CUNHA IRIANGIJ[AR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS
135

respei- que é exatamente o fato de que o aluno-professor


contextualização da arte/ imagem e a leitura de forma que sejam em formação
chega
tados tanto as necessidades, interesses e desenvolvimento do aluno como a estabelecer as
relações e conexõestanto dentro de
próprio processo de aprendizagem seu
oferecendo ao próprio ensino outros valores de forma a contribuir para como a partir de seu encontro
a cultura (Barbosa, 2001).
com as situaçõesgeradas nos momentos de
pôr em prática suas
de formação inicial primeiras iniciativas
A Abordagem Triangular vislumbra um campo como docente na escola;
d)
do professor de Artes Visuais em que
teoria e prática se fundem em um compreende o sentido da experiência
no processo de formação
inicial do professor mediatizada
todo e por esta razão é imprescindível a experimentação caminhando lado pela leitura do mundo
Nesse sentido, a proposto por Paulo Freire; como
a lado com os pressupostos teóricos e metodológicos.
pós-moderna a partir e) define
educação cultural é o que pretende esta proposição no âmbito institucional o lugar
para a formaçãoinicial do
de uma educação crítica do conhecimento construído pelo
aluno, com a professor e que se
ocupe dos problemas e especificidades das
Visual (Barbosa, 1998)
mediação do professor, acerca do mundo da Cultura diferentes etapas e modalidades da
educaçãobásica, estabelecen-
da liberdade (Freire, 2001).
a partir de uma leitura do mundo como prática do o equilíbrio entre o domínio dos
conteúdos curriculares e
adequação à situaçãopedagógica e sua
cultural;
f) define licenciatura como o lugar da
a
docência onde se constroem
Da (re)conceitualização inicial do professor de
ao lócus de formação competências e se configura a identidade profissional
do professor
Artes Visuais no contexto da pós-modernidade em geral e, em específico, para ensino das
o Artes Visuais;
g) assume
faz parte do como eixo da matriz curricular
Compreendendo que a formação inicial do professor que a açãoeducativa não
cada
é só histórica, filosófica, educativa e pedagógica
e, sim,
sistema de educação superior das sociedades contemporâneas, que que é
e
disciplinar e interdisciplinar,
portanto, cultural.
elementos (re)significadores abrem
uma delas guarda especificidades, os
releitura do lugar de formação do professor na contem-
espaço para uma
poraneidade, ou seja: Conclusão
a) define a licenciatura como o campo de formação inicial do pro-
fessor na educação superior; A conclusãoa que chego neste texto
cicio que nos
nãoé definitiva porque o exer-
b) considera a formação inicial do professor como preparaçãopro- propomos a vivenciar deverá oferecer
novas contribuições,
no entanto, a mesma pode ser
fissional e que esta preparaçãopassa a ter um papel importante compreendida como um exercício de res-
possibilita aos professores expe- posta à pergunta formulada a partir do
no contexto contemporâneo que título proposto, ou seja: possível
É
de u ma didática específica
rimentarem em sua própria aprendizagem o desenvolvimento para a formação inicial do professor de
Artes
Visuais? Apoio-me neste
competências necessárias para atuar neste novo cenário de trans- momento nas ideias e categorias sistematizadas
por Gallego (2002) para definir os elementos
formações; que deve conter e constituir
toda e qualquer didática
experiência a partir do pragmatismo específica e, no caso deste
c) toma para si o conceito de Artes
texto, a didática das
de for- Visuais:
deweyano e amplia consideravelmente o próprio sentido
1
maçãoinicial doprofessor, já que a ela se acrescenta não só o categoria organizada do
conhecimento: se constituiu
da no âmbito
conceito, mas sua dimensão educativa e formativa mais ampla didática das Artes Visuais pelas aproximações
às pedagogias
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES CULTURAS VISUAIS

contemporâneas e seus modelos educativos que objetivam des- 6 os fundamentos de Paulo Freire (2004) são acolhidos pela didá-
de a educação visual à educação para a experiência estética, além tica das Artes Visuais, já que em seus esforços por explicar e
disso, no processo de formação inicial do professor gera outras interpretar a realidade parte da compreensão de que a educação
possibilidades de desenvolvimento de modos de ensinar e deve entender-se como a construção de identidades (Giroux,
aprender Artes Visuais; 1997; Aguirre, 2006);
2 constitui-se em um campo emergente e que levará seu tempo para 7 explicar e interpretar a realidade é para a didática das Artes Vi-
que seja acolhida pela própria problemática que caracteriza a área suais identificar os limites que apresenta o currículo atual para
da Arte/ Educação ou Educação Artística que não tem incorpora- a formação inicial do professor e o papel das instituições forma-
do estudos e pesquisas que ultrapassem os territórios do como se doras e, ao mesmo tempo, a própria didática se ver como objeto
aprende, para o território do como se ensina/ aprende Artes Visu- de explicação e interpretação da realidade por está inserida como
ais no contexto da educação básica e na universidade; disciplina do processo formativo levado adiante pelas instituições
3 a didática dasArtes Visuais como uma comunidade de conhe- formadoras e sua imbricação com a educação básica;
cimento surge da constatação de problemas nas concepções 8 a didática das Artes Visuais apresenta como categoria o signifi-
primeiro de formação inicial do professor, porém que seu enfo- cado e suas vinculações sociais, uma vez que as disciplinas e
que principal é o porquê e o como se podem superar os imagi- matérias escolares foram se construindo ao longo da história da
nários que limitam a formação de identidades (Aguirre, 2006) educação escolar e a formação inicial do professor, deste modo,
já que se ocupa na busca por superar o ideário modernista de se ocupa do significado e suas vinculações sociais em relação ao
ensino/ aprendizagem das Artes Visuais, ainda, centrada na que ocorre na escola de educação básica a partir do que ensinam
autoexpressão criativa, na obra de arte como o "refinamento" e os professores buscando estabelecer relações entre
ela, a
matéria
o "bom gosto" caracterizadores do neoclassicismo; escolar, os professores, a escola, a universidade e as relações de

4 a didática das Artes Visuais no contexto da formação inicial do poder que cada uma representa (Goodson, 2000);
professor busca desenvolver uma concepçãodo currículo como 9 o imaginário se constitui em outra categoria da didática das

pluridisciplinar, aberto a emergência, crítico e não reprodutivo, Artes Visuais que maneja com os imaginários constituidores do
portanto, centrado nos significados e na preparaçãode pessoas perfil do professor modernista e busca o desenvolvimento de
para desenvolver-se em contextos cada vez mais dominados um imaginário pós-modernista onde este perfil revele um pro-
pelo visual (Aguirre, 2006); fessor reflexivo, crítico, sujeito implicado e que dialoga com a
5 a didática das Artes Visuais deve dedicar-se, a partir de uma realidade, que compreende que sua ação educativa está envol-
concepção interdisciplinar do problema atual do ensino das vida nas dimensões sociocrítica e integrada em contextos ideo-
Artes Visuais no contexto da educação como área do conheci- lógicos, que busca desenvolver uma compreensão crítica do
mento para a escola e o processo de ensino/ aprendizagem do fenômeno artístico e que, além disso, se vê mediatizado pela
professor para ensinar Arte (Artes Visuais) nesta escola a partir cultura e as instituições culturais;

de uma concepção que supere o modernismo e dê lugar ao 10 a Artes Visuais inserida no pós-modernismo e na
didática das
pós-modernismo, que considera a arte como experiência (Bar- pós-modernidade apresenta léxicos como as palavras que cons-
bosa, 2005); tituem um repertório de significados, o que supera a dimensão
ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 139
138 BARBOSA • CUNHA

BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998.


semântica que normalmente se exige de uma comunidade de
conhecimento, pois considera que os termos que usa para des- .

John Dewey e o Ensino da Arte no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001a.

cobrir-se a si mesmo e as coisas estão sempre sujeitos a mudan- .

A imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva, 2001b.


2006);
ças (Aguirre, Arte/Educação contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo:
1 1 adidática das Artes uma comunidade de conhe-
Visuais como Cortez, 2005.
cimento se identifica no âmbito metodológico pela ação-refle-
CANDAU, Vera Maria. A didática em questão. Petrópolis: Vozes, 2001.
xão-ação como possibilidade de aproximação a realidade com
a intenção de na práxis social compreender os processos,
signi- CHANG, Elaine K. El cruce de fronteras: Feminismo, posmodernismo y subjeti-
ficados e interpretações que as pedagogias contemporâneas e vidad fugitiva. In: MICHAELSEN, scott; JOHNSON, David E. Teoría de lafronte-
ra: los límites de la política cultural. Barcelona: Gedisa, 2003.
seus modelos educativos propõem para a formação inicial do
professor de Artes Visuais ensino/ aprendizagem que colo-
e o DE LA TORRE, Saturnino. Didáctica y currículo: bases y componentes del proce-
cará em movimento considerando esta formação e açãoeduca- so formativo. Madrid: Dykinson, 1993.
tivamediatizada pela experiência como reorganizadora e reno- DEWEY, John. Democracia y educación. Madrid: Morata, 2004a.
vadora de outras experiências (Dewey, 2004; Freire, 2001).
.
Experiencia y educación. Madrid: Biblioteca Nueva, 2004b.

Patricia. La educación en el arte


Com base no exposto, este texto finaliza suas contribuições com a EFLAND, Arthur 10.; FREEDMAN, Kerry; STUHR,
posmoderno. Barcelona: Paidós Ibérica, 2003.
compreensãode que no contexto da pós-modernidade e do pós-moder-
nismo a sistematização e proposição da didática das Artes Visuais resul- EISNER, Elliot W. El arte y la creación de la mente: el papel de Ias artes visuales
en
tou em uma aproximação a educação como uma constante reorganização la transformación de la conciencia. Barcelona: Paidós Ibérica, 2004.

das experiências humanas (Gisbert, 1994), onde sua mais sensível crença FREIRE, Paulo. Pedagogía de la indignación. Madrid: Morata, 2001.
reside no fato de que toda atividade humana começana observação. Do
Pedagogia do oprilllido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
mesmo modo, aprendizagem ou construção de novos conhecimentos
.

começa com a observação de acontecimentos, objetos ou ideias a partir GALLEGO, Isidoro G. Las didácticas de área: un reciente campo científico. Re-
dos conceitos prévios que possuímos.O ensino tratará, portanto, de cons- vista de Educación, Ministerio de Educación, Cultura y Deporte. Madrid: Secreta-
truir a trama estrutural do conhecimento a partir das proposições que ría General Técnica, n. 328, p. 11-34, 2002.
formam os conceitos e estes, a sua vez, o significado (Gisbert, 1994). GIROUX, Henry A. Cruzando lími{es: trabajadores culturales y políticas educati-
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po Editorial Universitario, 2001. p. 25-46. Eu te digo: estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que

que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é.
Quero apossar-me do é da coisa. Esses instantes que decorrem no ar
que respiro: em fogos de artifício eles espocam mudos no espaço. Que-
ro possuir os átomos do tempo. E quero capturar o presente que pela

sua própria natureza me interdito: o presente mefoge, a atualidade


é
me escapa, a atualidade sou eu [...] E
sempre no já. no instante
está o

é dele
mesmo. Quero captar o meu é. E canto aleluia para o ar assim

como faz o pássaro, E meu canto é de ninguém. Mas não há paixão


sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia.
Clarice Lispector, 1998

O instante-já que apresento neste texto é o da Arte/ educação na prá-


tica pedagógica no curso de Licenciatura em Pedagogia, da Unidade
Acadêmica de Garanhuns (UAG), da Universidade Federal Rural de
Pernambuco (UFRPE), na qual leciono quatro disciplinas: Arte na Prática
Pedagógica Metodologia do Ensino de Arte I e II, cada uma com 45
I e II,
horas/ aula. Nelas os/ as estudantes pesquisam e estudam sobre os fun-
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES CULTURAS VISUAIS 143

procedimentos para o ensino de arte. Claras por quê? O instante-já não permitia mais que
(la nwntos históricos e filosóficos da Arte / Educação e dos
leituras, contextualizações e produções ar- os/as professores/ as de arte utilizassem suas aulas para que os/ as estu-
metodológicos para se fazer Abordagem dantes fizessem o que quisessem: desenho livre ou ensaiassem para as
dela, a partir da perspectiva da
tísticas em sala de aula e fora festas comemorativas das escolas. O momento era de estudo, de formação
Mae Barbosa.
'Triangular, sistematizada pela professora Ana adequada ao conteúdo necessário à aprendizagem da arte, de responsa-
nomeada como metodologia na década
A Abordagem Triangular foi de uma me- bilidade com a educação. E isto estava claro na Metodologia Triangular.
seria, nem deveria ter o rigor
de 1980. Ao entender que não Radicais por quê? Teria
revisão teórica passando a chamá-la
de que ser uma mudança completa de atitude na
todologia, a autora realizou uma docência. E isso
provocou muitas
considerando então, nesse instante-já, uma pro- reações.
Abordagem Triangular, Abordagem, Hoje, os/ as professores/ as que reagiram têm consciência da impor-
seguida. Posteriormente tornou-se uma
posta que poderia ser abordar, tância desse instante-já, pois as mudanças que Ana Mae propunha, em
Aurélio, é "o ato ou o efeito de abordar";
que, segundo o Dicionário
de, versar sobre (tema ou assun- suas pesquisas, era que o/ a professor/ a além de estudar, deveria visitar
outros, "tratar
por sua vez, gnifica, entre
si
leitura de imagem, contextuali- exposições nos espaços museais; fazer análises críticas do que ocorria no
to)", versar sobre arte com a triangulação:
diversas metodologias, propostas,
adequando mundo da arte; ler sobre arte e o seu ensino; pesquisar; atitudes estas que
zagão e produção, nas mais escola, no estavam bem longe da sua realidade. Para ter um conteúdo que seja re-
práxis educacional. Práxis essa que pode
ser na
o conteúdo à levante para vida de seus/suas estudantes,
na rua, na praça,
asilo, a
hospital, creche,
museu, em uma ONG, em um
a aprendizagem da
arte.
dependendo dos projetos apresentados para O professor precisa de tempo e de recursos para pesquisa. O professor de
instante-já, de Clarice Lispector, para
Tomo emprestado o termo
arte precisa sair da sala de aula e interagir
com os espaços culturais, museus,
se encontra a Arte/
Educação quando
mostrar os diversos níveis em que bibliotecas e outras instituições que produzem e veiculam os bens culturais.
a Abordagem Triangular
inserida em sua prática. Essa Precisa se conectar
às redes de informação. Precisa buscar o conhecimento
é trabalhada com professor/ a;
lugar; com a formação do/ a junto com seu aluno onde ele se encontra. (Coutinho, 2002, p. 158)
prática varia de acordo com o galerias; com as
professor e estudante têm a museus e
com o acesso que Atualmente, ao olharmos para trás, parece-nos estranho dizer que
origens culturais de cada grupo.
instante-já de uma edu- os/ asprofessores/ as precisavam estudar para dar aula, pois o estudo é
Essa Abordagem para a Arte/ Educação é o inerente à profissão. É como se isso não fosse possível de ter acontecido
desde a década de 1980, quando
contemporânea em mudanças,
cação trouxe essa discussão sobre a Arte [Educação pós-modernista um dia. Mas, se formos a alguns lugares onde essa discussão não chegou,
Ana Mae "Unesco, atra- a Abordagem Triangular ainda é um pensamento inovador, pois já nãoé
de uma pesquisa encomendada pela
para o Brasil, a partir through Art (Estados Unidos,
In- o mesmo instante-já, é outro.
da International Society of Education
vés Brasil)" (Barbosa, 2008, p. XI). Foi quando
ela
O modelo modernista utilizado, por parte, era baseado no
glaterra, França, Canadá e
oitenta e
que foi
livro A imagem no Ensino da Arte: anos amplamente difundido pela reforma Carneiro Leão, da década de 1930,
publicou essa pesquisa no
Perspectiva, no qual detalha toda a Metodolo- que se iniciou em Pernambuco, através do livro de José Scaramelli, Esco-
novos tempos, pela Editora
questionar a Arte/ Educação
gia Triangular, como era chamada para
la nova brasileira: esboçode um sistema, segundo Ana Mae:
ensino
modernista, dando origem e mostrando caminhos para um
brasileiros/ as. Realizando [...] onde ele dá os pressupostos teóricos da reforma Carneiro Leão muitos
pós-modernista aos/ as arte/educadores/as
e

os resultados da sua
pesquisa, exemplos práticos de aulas, a função da arte está explicitamente ligada à
muitos encontros pelo Brasil para divulgar claras e radicais interpretação
tempos com mudanças simplificadora da "experiência consumatória" de Dewey. [...]
a professora anunciava novos
144 BARBOSA CUNHA A ABORDAGEM NO ENSINO

ARIES VISUAIS

De acordo com as descrições de Scaramelli, a arte era usada para ajudar a técnicas demonstradas pela professora e experimentadas pelas estudantes,
criança a organizar e fixar aprendidas em outras áreas de estudo. A
noções com é construído um álbum onde elas colecionam imagens para uma
isso

expressão através do desenho e dos trabalhos manuais era a última etapa posterior avaliação da professora. As técnicas são: colagem com camurça,
de uma experiência para complementar a exploração de um determinado papel laminado, algodão, folha de árvore, canudo; pintura; desenhos (es-
assunto. (Barbosa, 2008, p. 2) fumaçado, livre, memorização, observação, temático, texturização e ponti-
lhado).
Juntando-se a essa interpretação equivocada da experiência consu- [...] A produção dos/ as estudantes é realizada a partir de desenhos que
matória da reforma de Carneiro Leão, na qual os/ as estudantes se expres- recebem prontos, xerografados, figuras estereotipadas. Atividades aliena-
savam nos desenhos e trabalhos manuais; temos a arte como liberação doras, tais
como pintar, colar pedaços de crepom, cobrir pontilhados, colar
emocional, a partir de 1948, que tinha o objetivo de "liberar a Expressão algodão no Papai Noel para a capa da prova, decalcar desenhos, entre outras,
da criança, fazendo com não contribuem para o crescimento quanto ao conhecimento de Arte. Con-
que ela se expresse livremente" (Barbosa, 2008,
p. 5). Na década de 1970, a Escolinha de Arte de São Paulo do movimen- tribuem apenas para uma demonstração de habilidades com as técnicas, ou
to escolinhas de criatividade com originalidade, mas levava
arte traz "a seja, o como fazer. (Ferreira, 2009, p. 37-38)
a sua potencialização por meio de exercício com os processos mentais
Para as professoras com formação em Normal Médio, que entram
envolvidos na criatividade pesquisados por Guilford" (ibid., p. 9). Também
na Universidade, a abordagem triangular é o instante-já do início de uma
com a obrigatoriedade do ensino de arte nas escolas públicas pela dita-
formação para o Ensino de Artes, como se ainda estivéssemos na década
dura "[...] tratava-se de um mascaramento humanístico para uma lei
de 1980. Por que Porque ainda não temos uma política
isso acontece?
extremamente tecnicista, a 5692, que pretendia profissionalizar os jovens educacional democrática, na qual todos, sem exceção, tenham acesso à
na EscolaMédia" (ibid., p. 10). São heranças ideológicas e filosóficas que
Arte, à educação e a uma formação crítica. A Arte ainda é "para poucos".l
ainda fundamentam a prática de muitos/ as professores/ as, principal-
Uma educação que disponibilize o acesso a todas as áreasde conhecimen-
mente em alguns municípios do Brasil, onde encontrar um/ a arte/
to, principalmente da arte, está apenas começando, e as expansões uni-
educador/ a é como procurar "agulha no palheiro".
versitárias
são um dos caminhos para uma democratização do conheci-
Essas
práticas vêm sendo comprovadas a cada pesquisa sobre Arte/ mento. As aulas de artes ainda são consideradas supérfluas em alguns
Educação no curso de Pedagogia da Unidade Acadêmica de Garanhuns lugares, e serem substituídas, por qualquer motivo.
são as primeiras a
(UAG-UFRPE). Em sua pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso Os/ as professores/ as precisam de uma formação que dê subsídios para
(TCC), Adriana Ferreira,
que teve como campo o único curso municipal a reflexão da prática em arte, para torná-la importante para o ensino-apren-
de Normal Médio de Garanhuns (P E), observou que nas aulas de artes a dizagem, pois
professora repassa técnicas de recorte e colagem, com imagens estereoti-
padas, como Papai Noel, Mickey, coelho da páscoa, para exercitar a co- Arte não é básico, mas fundamental na educação de um país que se desen-
volve. Arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferen-
ordenação motora, ou como diz Adriana, uma simples demonstração de
habilidades com as técnicas, porque a coordenação motora nãoé estuda- te da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é
da, conteúdo. Como conteúdo, arte representa o melhor trabalho do ser huma-
ou sequer citada, em sala de aula.
4)
no. (Barbosa, 2005, p.
Para uma melhor visualização e compreensão da metodologia utilizada
nessas aulas, destaco algumas imagens dos trabalhos na disciplina de Artes: 1.
Jargão muito utilizado pelos/ as estudantes quando se referem ao inacessível.
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS
146

Os/ as professores/ as têm sede de aprender e ministrar aulas signi- na leitura de imagens e da necessidade de dar informação histórica [...l.
(Barbosa, 1991, p. 21).
que tenham conteúdo, mas falta-lhes formação.
ficativas, Existe uma
dizendo Como podemos observar, existe um paradoxo na prática da professora, ao
vontade de aprender, como mostra ainda Adriana Ferreira, ser
da pesquisada mesmo tempo em que eladispõe de recursos didáticos para fundamentar
um paradoxo entre o desejo de acertar professora e a sua
suas aulas, conhecimentos específicos de Arte (o que poderia ser usado
prática com a técnica pela técnica sem fundamentos.
como contextualização), na sala de aula, falta-lhe o conhecimento sistema-
tizado da Arte/ Educação,
Em uma das aulas, professora levou um vídeo educativo do Telecurso 2000,
a para que a produção (ou fazer artístico) seja mais
do que meras cópias e técnicas a serem re/copiadas pelas estudantes do
onde há depoimentos das professoras pesquisadoras Ana Mae Barbosa e
Normal Médio que, futuramente estarão trabalhando com as crianças das
Rejane Coutinho. A professora colaboradora relacionou esses depoimentos
séries
iniciais, repetindo talvez também as técnicas apreendidas durante o
à sua compreensão de Arte: a ampliação da visão de mundo proporcionada
pela Arte.
Normal Médio. (Ferreira, 2009,
p. 35-37)
[...] Observei, nessa primeira aula, a relevância na iniciativa da professora
Como se pode perceber, ao mesmo tempo que a professora realiza
ia passando, ela ia te-
em levar o vídeo para a sala e, à medida que o filme
um álbum de figuras estereotipadas para a aprendizagem de meras téc-
cendo comentários sobre o conteúdo visto, pausando, fazendo as conside-
nicas,
nas aulas de artes, ela faz discussão acerca das teorias abordadas
raçõese interagindo com as estudantes. pela Arte/ Educação. É grande a dificuldade para essa professora sele-
Entre uma pausa e outra, surgiam comentários que apontavam para uma cionar os conteúdos da disciplina a serem estudados, pois "A pluralida-
prática de Ensino, baseada na Abordagem Triangular2 da professora Ana
de diáfana das formas artísticas é
Mae Barbosa. Ela deu indício de utilizar a abordagem, proposta por Barbo- uma fonte de confusão tanto para
aqueles que fazem o curriculum como para os estudantes" (Efland, 2005,
sa, quando fez
menção em realizar uma visita ao Instituto Ricardo Brenannd
e à Oficina Cerâmica Francisco Brenannd. Uma tentativa de realizar o exer-
p. 178), e para uma professora que não teve formação específica a difi-
cício de leitura de obras de Arte em museus, este é considerado um dos
culdade aumenta. Os instantes-já da Arte/ Educação são diversos, de
acordo com os contextos, e nesses contextos encontramos práticas em
vértices da abordagem triangular. Essa viagem não ocorreu, infelizmente,
se tivesse acontecido poderia se configurar em princípios que se baseiam diferentes estágios.
na Abordagem Triangular. Com obrigatoriedade do ensino de arte na reforma educacional em
a
Nessa predisposição para uma prática ensino significativa é imprescin-
de 1971, surgiu a necessidade de formação de professores
para a área, porém
dível utilizar espaços museais3 para leitura de imagens. A professora, ao se
poucos cursos universitários para formar esses profissionais foram criados.
dispor em visitar os espaços acima citados, diz que é importante trabalhar Até hoje, existe uma desarmonia entre a demanda para profissionais da
com a criança das séries iniciais a apreciação da obra de Arte para ampliar áreae cursos de formação. Houve, então, a necessidade das instituições
a sua visão de mundo. Assim, ela apresenta a necessidade dessas visitas de ensino de "tapar os buracos".4 As escolas particulares, públicas muni-
ideia: [...] intro-
como relevantes para o Ensino de Artes. Completando esta cipais e estaduais resolvem colocar professores/ as de outras áreas para
duzir a obra de arte em aulas de arte, da necessidade de iniciar as crianças
lecionar artes e o critério de seleção é: gostar de ou fazer arte, ou os que
lecionam literatura, história (as mais comuns), podendo encontrar
2.
A Abordagem Triangular é uma proposta da professora Ana Mae Barbosa para o Ensino de
pro-
Arte, que tem a preocupação com uma compreensão da arte a partir da leitura da imagem, contex-
4. Termo utilizado
tualização e produção. no cotidiano escolar para os/ as professores/ as que têm uma formação e
complementam sua carga horária em outra área, ou mesmo quando não há professor/a
3.
Espaços museais devem ser entendidos como todo e qualquer lugar de exposição de obras com forma-
de artes. na área.
148 NO ENSINO OAS ARIES CULTURAS VISUAIS 149

fessores/as de qualquer área ensinando artes. Esse é um instante-já que Enquanto seres humanos somos incompletude, convivemos
permanente-
persiste em vários municípios do Brasil. mente com a falta. Sempre falta.
É
da falta que nasce o desejo. Porque
seres
Na minha prática de formadora em Artes de professores/as do Ensi- incompletos, no convívio permanentecom a falta,
somos sujeitos desejantes.
(2008, p. 24)
no Básico, observo que um dos estágios dessa mudança da docência em
arte ocorre com a utilização da cópia como produção artística. Muito cri-
O instante-já para a Arte/ Educação contemporânea não é
mesmo por mim, ultimamente tem me feito refletir. As questões o mesmo
ticada, até
no Recife, em São Paulo, ou em Garanhuns. Em São Paulo, os/ as arte/
são muitas, mas, será que a cópia não é um caminho para a apropriação educadores/as podem contar
de um conteúdo até então desconhecido? Será que este não seria o instan- com Ana Mae Barbosa, Christina Rizzi,
Regina Machado e Rejane Coutinho,
te-já inicial para uma aprendizagem do/ a próprio/ a professor/ a? Équan- que formam professores/ as de arte
na capital paulista; no Rio Grande do Sul, Ivone Richter faz
história na
do
começam a pesquisar e incorporar o conhecimento de
arte, nessa
Arte/ Educação, e Marilda de Oliveira, também da Universidade
abordagem, que os/ as obriga a serem professores/as-pesquisadores/as. Federal
de Santa Maria (RS), trabalha
com formação de professores/ as; Leda
Os/ as professores/ as, pornão terem conhecimento suficiente para Guimarães e Irene Tourinho, em Goiânia (GO), Ana Del Tabor,
ensinar artes aos seus estudantes, utilizam a cópia de obras já conhecidas no Belém
(PA), Lúcia Pimentel, em Belo Horizonte (MG), muitos
e outros/ as Arte/
por eles para a produção artística, que é um dos vértices da Abordagem Educadores/ as pelo Brasil afora estão formando tantos/ Arte/
Triangular; mesmo não sendo obrigatório, os/ as professores/ as iniciantes as Educa-
dores/as.5 Na Prefeitura do Recife,
obrigados a seguir os três: leitura, contextualização e produção temosuma equipe de arte/educado-
se sentem res/as competente e comprometida, desenvolvendo seu trabalho nas
que é outro equívoco.Mas, esse é um instante-já para a apren-
artística, o
escolas municipais. Cada
dizagem mútua, professor/a-estudante, ambos iniciam suas pesquisas um desses lugares tem o seu instante-já, mesmo
que, contemporaneamente, as culturas, os espaços, os climas, as estrutu-
em artes pelos artistas já conhecidos pelo/ a professor/ a ou os de fácil ras,as flexibilidades políticas ou econômicas, os poderes e tantos outros
acesso pela internet, por
livros didáticos, ou outro recurso disponível na
elementos culturais influenciem a práxis
escola. em arte.
Uma abordagem que leve em consideração a contextualização
Não devemos concordar com essa prática de ensino de arte, mas não e a
produção para a aprendizagem de um conteúdo, em determinada
podemos ignorá-la, não podemos negar a recorrência dessa técnica entre área
de conhecimento, tem sido
os/ as professores/ as que iniciam a sua prática. Foi assim na década de um percurso didático recorrente no processo
ed uca tivo. A arte pode ser
1980, entreos/ as professores/ as com formação em artes; e é hoje para um vetor de mediação para essa aprendizagem.
Na Unidade Acadêmica de Garanhuns, da Universidade
aqueles que nunca tinham escutado falar em Abordagem Triangular. Ao Federal Rural
de Pernambuco (UAG/UFRPE), a
ouvirem, discutem e refletem sobre o assunto; mas, apesar das práticas professora Daniela Oliveira,6 de Ana-
diversas em sua aprendizagem, ao irem para sala de aula como profes- tomia, do Curso de Medicina Veterinária,
vem utilizando a arte para
aprendizagem da anatomia animal, fazendo análises comparativas
sores/ as, utilizam a cópia com seus/ suas estudantes. É
necessário
que entre
o conteúdo da disciplina e a anatomia
esses/ as professores/ as participem de grupos de estudos, de pesquisas, na arte, por vezes, estudando o
de congressos para que aos poucos internalizem a verdadeira ideia da
5.
Abordagem Triangular, tendo a consciência de que sua formação é incom- Essas são arte/educadoras que estão mais próximas a mim, porém de
norte a sul, principal-
'nente nas capitais, muitos arte/educadores e arte/educadoras estão formando outros.
pleta e sempre será, pois somos incompletude para desejar aprender, como 6. Profa. dra. Daniela Oliveira, doutora
em cirurgia veterinária pela Unesp de Jaboticabal em
diz Madalena Freire: 2004.
150 BARBOSA •
MIOROAGEM TRIANGULAR NO ENSINO
ARUS CULIURAS VISUAIS 151

contextoambiental apresentado pelo artista e transformando-o em um acompanhamento da professora de artes para a realização da atividade
ambiente para o animal, como ela própria relata: Anatomia, como também já houve, em outro momento,
uma interven-
Realizou-se atividade com os alunos da disciplina de Anatomia Topográfi- çàoda professora de Anatomia, com uma palestra sobre o
trabalho de
corpo humano,
para um Arte no curso de Pedagogia. Essas trocas devem ser
ca Veterinária da Unidade Acadêmica de Garanhuns (UAG), UFRPE, em alimentadas,
que foi solicitado que eles pesquisassem sobre
artistas e suas obras de arte mesmo que pareçam áreas tão distintas, para que haja uma
de traba- aprendizagem significativa para ambas as áreas de conhecimento.
que retratassem aspectos anatômicos. Como o corpo é ferramenta
lho de vários artistas, com técnicas diversas (pintura, escultura, gravura, Além da arte, a contextualização cultural medeia a aprendizagem
colagem, fotografia), os alunos ficaram encarregados de, ao selecionar a cloconhecimento em todas as áreas. Podemos observar isso na prática
técnica, pesquisar um artista que a utilizasse e realizar uma releitura da- das professoras de História e Geografia, da
mesma instituição e curso em
quela obra, transportando-a para o mundo animal (sem humanizá-lo), re- que leciono, Marta Andrade Lima7 e Alzenir Silva,s respectivamente. As
tratar osanimais em foco, anatomicamente. Após a produção artística fa- professoras citadas têm
uma prática docente seguindo uma abordagem
zendo uma releitura da obra, os alunos de cada grupo apresentaram e considera
que a apreensão dos conhecimentos, a partir do estudo da te-
explicaram a técnica utilizada, baseando-se na história de vida do autor e oria, da
contextualização e da produção (que não é artística, mas pode
nas adaptações realizadas, inserindo os animais naquele contexto.
De acor-
ser). Ambas utilizam pinturas históricas e filmes
do com Fernandes et al. (2008), encontramos a anatomia artística inserida para contextualizar os
con teúdos trabalhados em suas áreasde conhecimento. Portanto, podemos
saúde. Desta
no contexto educacional e extensamente aplicada na área da
desenho, pintura, colagem, escul- identificar uma tendência, no sistema educacional brasileiro, à utilização
forma, através da arte, seja em gravura, de abordagens semelhantes
tura e até mesmoem arte digital, é possível repassar conhecimentos
anatô- à Triangular, da Arte/ Educação. A construção
dos conhecimentos na contemporaneidade deve contar também
micos, pois possibilita a utilização decolorações diversas, aumento de ta- com a
manho, noções de profundidade e até mesmo movimentos. Atualmente, experiência vivida por cada educando.
além da utilização de ilustrações cada vez mais reais e dos recursos com- Em relação à Arte na Prática Pedagógica, disciplina curricular obri-
putacionais disponíveis, a anatomia utiliza como fonte didática a pintura ga tória da licenciatura em pedagogia da UAG/UFRPE, relato dois cami-
in vivo, valorizando ainda mais a arte de ensinar
em corpos de pessoas nhos nos quais a Abordagem Triangular a base fundante:
é como conte-
anatomia. No trabalho de anatomia topográfica veterinária da UAG, os tido e como prática docente em sala de aula. Estes dois
caminhos estão
alunos relataram que a realização desse seminário ampliou os horizontes
intrinsecamente interligados; ao mesmo tempo que os/ as estudantes se
do saber de cada um, pois aplicaram os conhecimentos adquiridos na dis-
aprofundam teórica e filosoficamente sobre a Abordagem Triangular,
ciplina, ao mesmo tempo em que incrementaram a cultura geral.
utilizam-na na prática de sala de aula e de estágios. A abordagem faz
parte da ementa das disciplinas
Para essa atividade, nós conversamos no período do planejamento e que leciono:
durante as aulas. Professora e estudantes me procuraram para tirar dúvi- Estudo dos fundamentos históricos e filosóficos da arte/ Educação e dos
das e orientações: Que artistas poderiam ser utilizados? Quem eram? Que
procedimentos para se fazer a leitura da obra de arte, sua contextualização
obras poderiam ser lidas para a produção dos trabalhos da disciplina? e o fazer artístico em sala de aula, segundo a Abordagem Triangular de Ana
Realizamos uma atividade interdisciplinar: Arte e Anatomia, consideran- Mae Barbosa.
do que a interdisciplinaridade prevê três pontos básicos: a manutenção
dos campos disciplinares; o conteúdo a ser explorado que permite essa 7. Profa. doutoranda Marta Margarida Andrade Lima pela Faculdade de Educação da Unicamp.
articulação e a postura de diálogo entre os/ as professores/ as. Houve um 8. Profa. doutoranda Alzenir Severina da Silva pela
Faculdade de Geografia da UFPE.
152 CUIIURAS VISUAIS 153
BARBOSA • CUNHA A TRIANGULAR NO ENSINO OAS ARIES

Partindo desse princípio, os/ as estudantes pesquisam e estudam


Arte/ Educação fundamentados/ as
nos textos de Mariazinha Fusari e
Maria Heloisa Ferraz, Rejane Coutinho e da própria Ana Mae Barbosa

principalmente as coletâneas como Arte/Educação contemporânea,


por
elaorganizada, estudam os pesquisadores nacionais e estrangeiros. Atra-
vés desses textos, suscito discussão sobre o Ensino da História da Arte,
as metodologias para leituras possíveis da arte, a utilização das
tecnolo-
gias como recurso didático e não como fim, entre outros conteúdos. Du-
rante o semestre,visitamos exposições, nas quais os/ as estudantes fazem
leituras e produções de imagens.
Uma das experiências sob a ótica da Abordagem Triangular foi
um
estudo no oitavo período do de Pedagogia, sobre artista
curso o pernam-
bucano Renato Valle e seu trabalho. Os/ as estudantes pesquisaram sobre
desenho, retratos, artistas
que empregavam essa técnica e fizeram leituras
comparativas. Posteriormente fomos ao Museu do Estado de Pernambu-
Figura I
co onde estavam expostos os trabalhos do artista e tivemos
uma conver- Conversa com Renato Valle
sa com ele (Figura 1). Utilizando
uma das técnicas usada pelo artista —

desenho de figuras humanas adquiridas pelas sombras


com lápis,
borracha e retroprojetor os/ as estudantes exercitaram o desenho pro-

duzindo seus retratos (Figura 2).

Com o mesmo respeito sem que os/ as estudantes pesquisaram


um
artista contemporâneo, estudaram a obra de José Bezerra, artista de
Buíque,
que com galhos e troncos cria personagens imaginários (Figuras 3 e 4).
Baseados em estudos sobre o escultor José Bezerra e arte
rupestre,
visitamos o vale do Catimbau, localizado também em Buíque, e realizan-
do leituras de imagens os/ as estudantes produziram textos e instalações
que foram expostos na UAG. Essa exposição recebeu visitas de escolas
públicas do município, as quais tiveram mediação dos próprios estudan-
tes criadores (Figuras 5 e 6).
Outra prática pedagógica inserida
na Abordagem Triangular foi uma
oficina sobre land art, que aconteceu na
semana da IX Jornada de Ensino,
Pesquisa e Extensão (IX Jepex), da Unidade, idealizada e realizada
pelo
estudante do sexto período de Pedagogia, Sidney Peterson, monitor da
Figura 2
disciplina Arte na Prática Pedagógica I (Figura 7). Estudantes de Pedagogia desenhando seus retratos (2009)
154 BARBOSA • CUNHA MIORDAG[M TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES CULTURAS VISUAIS

Figura 3
Figura 5
Escultura de José Bezerra Trabalho de Suzana Cordeiro (2007)

Figura 4 Figura 6
Espaço museal de José Bezerra —
Buíque Trabalho de Láysa Mirelly Santos (2007)
156 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS

Artes Visuais: pintando na


UAG
Maria das Vitorias Negreiros do Amaral

Sidney Peterson Ferreira de Lima

IX
Jornada de Ensino, Peswisa c Extensão-JE%X

Figura 7
Cartaz da oficina produzido por Sidney Peterson (foto de Luciano Cavalcanti)

Nessa oficina, estudantes de Medicina Veterinária, Zootecnia, Agro-


nomia, Letras e Pedagogia realizaram leituras de imagens de artistas
contemporâneos, orientadas por Sidney, assistiram a videoclipes, entre-
vistas sobre Arte/ Educação e debateram por dois dias. No terceiro dia

foram ao campo para realizar produção artística (Figuras 8, 9, 10, 11 e


a
12). Com troncos das árvores cortadas para a construção da Unidade,

criaram instalações pensando em temáticas suscitada pela land art. Com


terra, os/ as estudantes do agreste pernambuca-
uma ligação forte com a
no têm uma preocupação com a preservaçãoda natureza, tema recorren-
te em suas produções artísticas: extinção de animais, desmatamento,

sangramento das árvores, a utilização de espelhos como reflexo do sujei-


to social responsável e a relação mãe e filha na natureza.

São necessárias a percepção, compreensão, interpretação e consideração das


especificidades dos contextos histórico-culturais (das diferenças culturais)

nas práticas pedagógicas, tanto dos alunos e das comunidades quanto da Figuras 8, 9 e 10

própria escola, enquanto instituição social e histórica. Isso deve ocorrer a Produção artística
na Jornada de Ensino Pesquisa e Extensão (Jepex, 2009)
158 BARBOSA • CUNHA MIOROAGEM NO ENSINO CULTURAS 159

especificidades dos contextos no cotidiano refletindo visual, histórica,—

antropologicamente ou a partir de outro conhecimento que dê subsídios


para a leitura dos trabalhos artísticos contemporâneos, consequentemente
do mundo em
que vivemos, considerando as características individuais de
cada um. Considerar também a importância de olhar
para os trabalhos do
passado com a consciência de que, ao lê-los, estamos
com o olhar impreg-
nado do presente, de um outro instante-já. E que, muitas vezes,
ao produzir
e criar estamos apontando para o futuro que em instantes torna-se passado.

Mas o instante-já é um pirilampo que acende e apaga, acende e apa-


ga. O presente éo instante em que a roda do automóvel em alta veloci-
dade toca minimamente no chão. E a parte da roda que ainda não tocou,
tocará no num imediato que absorve o instante presente e torna-a passa-
do. Eu, viva e tremeluzente como os instantes, acendo-me e
me apago,
acendo acendo Só aquilo
apago,
e e apago. que que capto em mim tem,
q tuando está sendo agora transposto em escrita, o desespero das palavras
ocuparem mais instantes que um relance de olhar. Mais que um instante,
quero o seu fluxo. (Lispector, 1998, p. 16)

à. Referências bibliográficas

BARBOSA, Ana Mae (Org.).Arte/Educação contemporânea: consonâncias interna-


cionais. São Paulo: Cortez, 2005.
Figuras 11 e 12
Produção artística no Jepex, 2009 A imagem no Ensino da Arte:
.

anos oitenta e
novos tempos. Situação con-
cei tual do ensino de arte no Brasil: os
anos oitenta e as expectativas para o futu-
ro. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.
fim de
que, confrontando essas particularidades com os conhecimentos
(Org.) Ensino da Arte: memória e história. São Paulo: Perspectiva, 2008.
científicos e técnicos que o educador deve proporcionar aos educandos,
possam ser elas transfiguradas, no processo de formação humana dos edu- COUTINHO, Rejane (Org.).Arte/Educaçño mediaçãocultural e social.

como
candos. Talvez seja essa a maior, a mais complexa e ambígua das exigências Paulo: Ed. Unesp, 2009.
do fazer educativo, sobretudo se o desejo é transformar essas singularidades
'OU TINHO, Rejane Galvão. A formação de professores de arte. In: BARBOSA,
em um dos polos dos conteúdos curriculares a serem objeto de estudo nos
processos educativos. (Souza, 2001, p. 114)
I iFl.AND, Artur. Imaginação e cognição: o propósito da arte. In: BARBOSA,
Ana
Os instantes-já do ensino-aprendizagem em arte aqui apresentados Mae (Org.).Arte/Educação contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo:
fazem-me entender como devemos compreender, interpretar e considerar Cortez, 2005.
BARBOSA CUNHA 101
160 •

FERNANDES, A. M. G.; SILVA-NETO, J. E; MOREIRA, R. A.; ALVES, T. S.; NA.


GASHIMA, A. G.; ALBUQUERQUE, D. E; DANTAS, H. W.; PEREIRA, P. F. A.;
PIRES, M. G. P.; MAGALHÃES, K. 10.; DAVIM, A. L. S. Aplicabilidade da anato-
mia artística como recurso didático. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ANA-
TOMIA, 23., Anais... Belém, 2008. CD-ROM.
FERREIRA, Adriana. A formaçãode professoras do normal médio para o ensino de
Trabalho de Conclusão de Curso
artes. —
Universidade Federal Rural de Per- 3
nambuco/Unidade Acadêmica de Garanhuns, Garanhuns, 2009.

FREIRE, Madalena. Educador, educa a dor. São Paulo: Paz e Terra, 2008. FORMAÇÃO
CONTINUADA DE PROFESSORES E A

LISPECTOR, Clarice. Águaviva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.


ABORDAGEM TRIANGULAR DE ENSINO DA ARTE

SOUZA, João Francisco de. Atilalidade de Paulo Freire: contribuição ao debate


sobre a educação na diversidade cultural. Recife: Bagaço, Núcleo de Ensino,
Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos e Educação Popular da Everson Melquiades Araújo Silva
UFPE (Nupep), 2001. Clarissa Martins de Araújo

Arte/Educação e a formação
continuada de professores

A Arte/ Educação é epistemologia da Arte. ciência do Ensino da


E a
Arte (Barbosa, 1998b, 2002; Rizzi, 2002; Saunders, 2004). Nesse sentido, a
Arte/ Educação tem se caracterizado como um
campo amplo de conhe-
'niento que, durante a sua trajetória histórica e socioepistemológica, vem
agregando diferentes estudos, são frutos de pesquisas científicas
os quais
na áreada arte e seu ensino, pesquisas artísticas e da produção de conhe-
lünento/saberes, através da prática de ensino experimental de arte, na
O'lucaçãoescolar e não escolar.
Assim, a Arte/ Educação, como campo de conhecimento empíri-
i o•conceitual, tornou-se aberto a diferentes enfoques e vêm agregando

seu corplls uma diversificada linha de atuação, estudo e pesquisa, tal


"a formação do professor para o Ensino da Arte".

A discussão sobre a formação de professores no cenário brasileiro


se constitui em uma temática recente, posto que, desde a década de
198(), ela tornou-se
uma das questões centrais do campo educacional.
162 BARBOSA • CUNHA
ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 163

Tomando de empréstimo uma expressão utilizada por Azevedo cesso se houvesse a implementação de um programa de formação e
(1997), a formação de professores
aparece como uma questão socialmente atualização para os professores, seja no âmbito da formação inicial, seja
pl'oblematizada; uma temática que tem sido tratada, até certo ponto, com
no âmbito da formação continuada para aqueles que já atuam nas salas
abundância pela literatura educacional sob variados ângulos e critérios de aula.
e que conta, inclusive, com um amplo movimento de discussão e reflexão
Especificamente no campo da Arte / Educação, o marco histórico do
institucionalizada sobre o campo denominado "Formação de Professores".
sti rgimento do
processo de formação de professores para o Ensino da Arte
Nesta direção, desde adécada de 1990, diferentes estudos vêm sen- no Brasil não está relacionado à Lei de Diretrizes e Bases da Educação
do empreendidos com o objetivo de delimitar o objeto de pesquisa do
Nacional de número 5.692/71, que estabelece a obrigatoriedade do Ensi-
campo da formação de professores no Brasil. Dentre esse estudos podemos no da Arte nas escolas de 10 e 20 graus e a criação dos Cursos de Licen-
citar os trabalhos de Krazilchik (1988), Faria Jr. (1989), André (2002), Lima
ciatura Curta Educação Artística,
em década de 1970.
na
(2003) eBrzezinski (2006, 2007). Desta forma, esses autores apontam como
objetos de estudo do campo da formação de professores os seguintes
Segundo estudos de Varela (1986) e Barbosa (1984), é possível
os
afirmar que a formação dos professores para o Ensino da Arte
vem ocor-
campos temáticos: (1) a formação inicial de professores; (2) a formação
rendo no Brasil de forma mais sistemática desde a metade do século XX.
continuada de professores; (3) a profissionalização docente; (4) a identi-
Na realidade, essa prática foi instituída na década de 1950, pelas diferen-
dade docente; (5) os saberes docentes e aprendizagem profissional; e,
por
fim, (6) as políticas educacionais de formação de professores.
tes instituições
que faziam parte do Movimento Escolinhas de Arte (MEA),
através da realização de cursos de formação inicial e continuada, espe-
Apesar da amplitude de objetos apresentados pelo Campo da For-
cialmente, para os professores que atuavam nos anos iniciais da escola-
maçãode Professores no Brasil, o enfoque desta pesquisa está relaciona- rização.
do à formação continuada de professores para o Ensino da Arte.
No entanto, a maior expressão desse processo formativo aconteceu
A formação continuada de professores no Brasil possui uma trajetó-
ria histórica e socioepistemológica marcada a partir da década de 1960, com a criação do "Curso Intensivo de Arte na
por diferentes concepções.
Educação" (CIAE). Esse curso foi realizado sob a coordenação técnica e
No entanto, nos filiamos a um grupo de teóricos que compreende a for-
pedagógica da professora Noêmia de Araújo Varela, que trouxe para a
maçãocontinuada de professores como um processo contínuo e perma- Escolinha de Arte do Brasil toda a sua experiência acumulada no decorrer
nente de desenvolvimento profissional do professor que esteja em pleno
de sua formação como Arte/ Educadora.
exercício profissional, realizada através de um conjunto de ações dentro
Sob
e fora da escola, que possibilite a reflexão crítica sobre a prática educativa uma orientação modernista, em vinte anos de sua existência
escolar (Freire, 2001; Perrenoud, 2002; Alonso, 1999; Pimenta e Ghedin, (1961-1981), esse curso formou aproximadamente 1.200 arte/educadores
2002; Imbernón, 2001; Alarção, 2003; García, 1999; entre outros). Nesta de diferentes regiões do Brasil. Para que possamos ter uma maior com-
direção, a formação continuada de professores vem sendo encarada como preensão sobre o CIAE, buscamos em Varela a seguinte declaração:
um dos mecanismos centrais da profissionalização docente e de mudan-
Em minha opinião, que mais caracterizou o CIAE em seu decurso, foi
o
ça da prática educativa. estar centralizado no vigor do ato de criação, mobilizando o impulso ex-
Corroborando com esta perspectiva, desde década de 1970, Barbo-
a ploratório de seus alunos, levando cada participante a explorar potenciali-
sa (1975) já alertava que mesmo com a reformulação de novas funções, dades emotivas e expressivas das linguagens artísticas, fazendo pensar e
de novos objetivos e métodos para o Ensino da Arte, este só obteria su- educação, no cultural. (Varela, 1986, p. 20)
repensar em arte e contexto
104 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARIES C CULTURAS 165

Com o decorrer dos anos, a açãoformativa de preparaçãodos pro- Por compreender a arte como uma áreade conhecimento, como
tanto,

fessores para o Ensino da Arte vem se intensificando, em suas diferentes uma construção social, histórica e cultural é trazer a Arte para o domínio
esferas. Nesse sentido, é possível encontrar, em todo o território nacional, da cognição. Nessa direção, o conceito de arte também está ligado à cog-
diferentes iniciativas relacionadas à necessidade de formação dos profes- nição como um dos elementos de manifestação da razão, pois existe na
sores para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem da Arte. Arte um conhecimento estruturador, que permite a potencialização da
cognição. Corroborando com essa ideia, Barbosa afirma:
No entanto, o primeiro curso de formação continuada dentro de uma
orientação pós-moderna da Arte/ Educação ocorreu no Festival de Inver-
Não é possível uma educação intelectual, formal ou não formal, de elite ou
no de Campos de Jordão, em São Paulo, sob a coordenação da professora popular, sem arte, porque é impossível o desenvolvimento integral da in-
Ana Mae Tavares Bastos Barbosa, no início da década de 1980. Realizado teligência sem desenvolvimento do pensamento divergente, do pensa-
o
culturais, a partir da implementa-
em parceria com diferentes instituições mento visual e do conhecimento presentacional que caracterizam a arte.
çãode inúmeras atividades, esse evento contou com a participação de mais (Barbosa, 2002, p. 5)
de 400 professores de arte de São Paulo. Foi a primeira tentativa de atua-
lizar os Arte/ Educadores brasileiros sobre os
novos princípios do Ensino Atualmente, no Brasil, abordagem mais contemporânea da Arte/
a

da Arte, dentro de uma perspectiva pós-moderna. Educação está relacionada ao desenvolvimento cognitivo, que, segundo
Nesse período, o termo "atualização" foi utilizado por Barbosa para Barbosa (2005), vem se impondo cada vez mais entre os Arte/ Educadores
designar o de formação continuada de professores, conforme brasileiros. Essa compreensão nos impõe a pensar de maneira diferente
processo
citação abaixo: o Ensino da Arte na educação escolar, provocando o deslocamento das

nossas preocupações relacionadas à questão de "como se ensina Arte"


Venho frequentemente usando o termo "atualização de professores" para
para "como se aprende Arte". Questão essa que vem gerando, ao longo
designar aeducação permanente que deveria ser propiciada pelo Estado de mais de duas décadas, teorias e estudos, tais como os trabalhos de
àqueles que são responsáveis pela educação de crianças e jovens. Prefiro a Pillar (2001), de Barbosa de Parsons (1992), entre outros, que
(2002) e
expressão "atualização de professores" à fórmula mecanicista "reciclagem buscam explicar o processo de ensino-aprendizagem dos conhecimentos
de professores" (professor não é máquina), porque a palavra atualização
artísticos.
tem várias conotações que reforçam a ideia de educação como processo de
liberação. (Barbosa, 1984, p. 127) É dentro desse pressuposto que emerge a orientação teórico-meto-
dológica denominada de Abordagem Triangular de Ensino de Arte,
Percebe-se, portanto, partir dos dois exemplos apresentados, que
a abordagem epistemológica, também conhecida como Abordagem Pós-Co-
há quase seis décadas, diferentes iniciativas vêm sendo empreendidas Ionialista de Ensino de Arte Brasileiro. Essa abordagem foi sistematizada
elas
para a formação dos professores para o Ensino da Arte, sejam no pela professora Ana Mae Barbosa e suas colaboradoras, na década de
âmbito da formação inicial ou continuada. 1980, a partir das atividades educativas desenvolvidas no Museu de Arte

No entanto, desde o Festival de Inverno de Campos de Jordão, na Contemporânea, da Universidade de São Paulo. A referida abordagem
década de 1980, compreendemos no Brasil que não é suficiente formar defende a aprendizagem dos conhecimentos artísticos a partir da inter-re-
o professor continuamente. É preciso formá-lo dentro de uma orien- lação entre o fazer, o ler e contextualizar arte.
tação da Arte/ Educação, que compreende a arte como uma área de Mas, qual o impacto dessa abordagem no processo de formação
conhecimento. continuada de professores para o Ensino da Arte nos sistemas oficiais de
ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS CULTURAS
166 BARBOSA • CUNHA

ensino? Nesta direção, esta pesquisa teve como objetivo compreender filiasprimeiras escolas, a rede vem contemplando o Ensino da Arte na
como vem sendo recepcionada/ apropriada [compreendida a abordagem educação escolar, a partir de diferentes organizações e tratamentos con-
triangular de Ensino da Arte na formação continuada de professores para ceituais e metodológicos. No entanto, foi no ano de 1993 que o Ensino da
A rte foi implementado
o Ensino da Arte. como área de conhecimento do currículo escolar
e como disciplina autônoma, com os seus conteúdos específicos, da Edu-
Na próxima sessão, apresentaremos o percurso metodológico que
Infantil e do Ensino Fundamental (SEC/PCR, 1996; SEC/PCR, 2000).
desenvolvemos para obtermos os resultados do nosso estudo.
'orroborando com essas informações, verificamos, a partir do estudo de
Silva (2004), que no estado de Pernambuco o Ensino da Arte passou a
sobre o percurso metodológico: perseguindo a compreensão
Considerações constituir o currículo escolar como área de ensino obrigatória, a partir da
da Abordagem Triangular na formação
continuada de professores nnetade da década de 1960.

Para obtermos uma compreensãodo objeto investigado, adotamos


Conforme anunciado anteriormente, esta pesquisa teve como obje- diferentes instrumentos e procedimentos de investigação. Dessa forma,
tivo compreender
como vem sendo recepcionada/ apropriada/compre- coleta de dados foi realizada a partir da pesquisa documental e da en-
endida a abordagem triangular de Ensino da Arte na formação continu-
trevista.
ada de professores para o Ensino da Arte. Para tanto, realizamos uma
análise dos conteúdos expressos nos documentos norteadores dessa for- Na pesquisa documental, foi recolhida nos arquivos da Secretaria de
Ed ucação, da prefeitura da cidade do Recife, apenas a proposta curricular
maçãoe no discurso dos formadores. da rede, intitulada de "Proposta Pedagógica da Rede Municipal de
Nesta direção, escolhemos como campo de investigação da nossa
Ensino do Recife", por se tratar do único documento oficial que orien-
pesquisa a Rede Municipal de Ensino da Cidade do Recife, que atende os
diferentes níveis da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Funda- processo formativo dos professores. Segundo Lüdke e André (1986,
ta o

p. 38), a
pesquisa documental "pode se constituir uma técnica valiosa de
mental e Ensino Médio) e suas modalidades (Educação Especial, Educa-
abordagem de dados qualitativos seja complementando as informações
çãode Jovens e Adultos e Educação Profissionalizante). obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema
Foram três razões que nos levaram à escolha da Rede Municipal
as
ou problemas".
de Ensino da Cidade do Recife como campo de estudo: primeiro, por se
tratar de uma instituição pública responsável pela gestão do ensino de Foram realizadas também entrevistas semi-estruturadas com os nove
formadores que fazem parte da Equipe Pedagógica da Área de Arte, que,
uma grande parte da população da cidade do Recife, e, desta forma, com
os conhecimentos produzidos, contribuir com o movimento mais amplo
depois de gravadas em fitas de áudio, foram transcritas, formando, ao
final, nove protocolos de entrevistas. Nesse sentido, a entrevista semies-
de luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade social; segun-
do, por se constituir truturada foi adotada por constituir-se como um procedimento que
uma rede que, tradicionalmente, vem investindo na
formação continuada dos seus professores; terceiro, por se tratar de uma possibilita a flexibilidade ao se pautar em perguntas temáticas e não em
rede pública de questões fechadas, favorecendo assim a ênfase nos aspectos que se mos-
ensino no Brasil que, historicamente, vem contemplando
em sua proposta curricular o Ensino da Arte para todos os níveis da
trarem mais relevantes para análise e compreensão do objeto" (Guimarães,
2003, p. 14).
Educação Básica.
No ano de 2010, a Rede Municipal de Ensino do Recife completou Utilizamos como procedimento para tratamento, organização e aná-
115 anos. Desde o seu surgimento, no ano de 1895, lise dos dados desta pesquisa as técnicas da análise temática, sistemati-
com a fundação de
168 BARBOSA • CUNHA
A ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO DAS ARTES CULTURAS VISUAIS 169

zada apartir dos estudos de Bardin (1977) e Minayo (2000). Segundo


como orientação prioritária para o Ensino da Arte na rede,
gular aparece
Bardin, "O tema é a unidade de significação liberta naturalmente
que se conforme pode ser verificado nos fragmentos abaixo:
de um texto analisado segundo critérios relativos à teoria que serve de
guia à leitura" (1977, p. 105). Nessa mesma linha de raciocínio, comple- A Abordagem Triangular é pensada como um sistema aberto de abordagem
básicas do
da Arte, seu ensino e sua história. Nela, três ações
menta Minayo: processo en-
sino e aprendizagem são articulados: o ler, o fazer e o contextualizar, que
Tradicionalmente, a análise
temática se encaminha para a contagem de se apresenta relevante para Educação Infantil, Ensino Fundamental,
como
frequência das unidades de significação como definitórias do caráter do Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos, por compreender a Arte
discurso. Ou, ao contrário, qualitativamente a
presença de determinados como construção
histórica, social cultural. (SE/PCR, 2002, p. 18)
temas denota os valores de referência e os modelos de comportamento A Abordagem Triangular Brasil,
foi sistematizada,
no por Ana Mae Barbo-
presentes no discurso. (2000, p. 209) sa nos anos 1980/1990; embora tenha sido gestada para as Artes Visuais,
ela vem sendo discutida e reelaborada por arte-educadores das linguagens
Desta forma, o "tema" pode constituir-se em uma afirmação ou uma de Teatro, Dança e Música. (SE/PCR, 2002, p. 18)

alusão, que pode ser representada graficamente através de palavras, fra-


ses ou outras unidades de significação maiores. Podemos ainda nos fragmentos que acabamos de apresen-
verificar

que a Abordagem Triangular na proposta da rede não


tar está restrita
Nesta direção, nossa análise foi operacionalizada a partir de quatro
a

operações básicas: (1) a pré-análise; (2) a exploração do material; (3) o apenas ao Ensino da Artes Visuais, mas se constitui também como orien-

tratamento dos resultados obtidos; (4) e a interpretação dos resultados, a tação teórico-metodológica para as outras linguagens, tais como dança,
partir da música e teatro. No entanto, o fenômeno que acabamos de constatar não
inferência. Assim, a análise
temática foi uma técnica poderosa
para verificarmos tanto os conteúdos expressos superficialmente nos
está limitado
apenas à Proposta Pedagógica do Recife, pois podemos
encontrá-lo em outras propostas oficiais, a exemplo dos Parâmetros Cur-
dados coletados como os conteúdos intrínsecos a esses dados (conteúdo
riculares Nacionais (Brasil, 2001).
dinâmico, estrutural e histórico).
significa que, apesar de a Abordagem Triangular ter sido gesta-
Isto
A seguir, apresentaremos os dados encontrados a partir da realização
da para o ensino das artes visuais, dada a força dos seus princípios e
do percurso metodológico
que acabamos de explicitar. Esses resultados
pressupostos filosóficos, ela vem se constituindo entre os Arte/ Educado-
são frutos tanto da análise dos conteúdos manifestos como da análise dos
res, ao longo de quase duas décadas de sua sistematização, como uma
conteúdos latentes, encontrados nas unidades de contexto.
abordagem epistemológica para o ensino das diferentes linguagens artís-
ticas,
posto que a mesma busca pensar a área de arte como um conheci-
0 processo de mento, para diferentes níveis e modalidades de ensino.
formação
continuada de professores para o Ensino de
Arte: qual a compreensão
sobre a Abordagem Triangular? Para uma maior compreensão dos princípios e pressupostos filosó-
ficos da Abordagem Triangular de Ensino de Arte, do ponto de vista das
teorias educacionais e das teorias da aprendizagem, Barbosa afirma:
Ao analisarmos Proposta Curricular da Rede Municipal de Ensino
a

da Cidade do Recife foi possível compreender melhor as opções teóri-


A educação cultural que se pretende com a Abordagem Triangular é uma
co-metodológicas da referida proposta. Desta forma, a Abordagem Trian- educação crítica do conhecimento construído pelo próprio aluno, com a
ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO
BARBOSA • CUNHA

mediação do professor, acerca do mundo visual e Assim, a leitura da obra de arte poderá ser realizada a partir de di-
não uma "educação ban-
cária". (Barbosa, 1998a, p. 40) ferentes linhas estéticas e enfoques metodológicos, tais como: a gestáltica,
a semiótica, a empírica, a fenomenológica, a mito/ poética, o kantianismo,
Para deixar mais clara essa compreensão, a autora complementa: a epistemológica, a gramática gerativa, entre outras.
Nessa mesma direção, a contextualização da obra de arte poderá ser
A Abordagem Triangular é construtivista,interacionista,dialogal, multicul- realizada a partir de diferentes pontos de vista: "histórica, social, psico-
turalista é pós-moderna por tudo isso e
por articular arte como expressão lógica, antropológica, geográfica, ecológica, biológica etc., associando-se
e

e como cultura na sala de aula, sendo esta articulação o denominador comum de


o pensamento não apenas a uma disciplina, mas a um vasto conjunto
de todas as propostas pós-modernas do Ensino da Arte que circulam inter-
saberes disciplinares ou não" (Barbosa, 1998a, p. 37-38). Nesta direção, a
nacionalmente na contemporaneidade. (Barbosa, 1998a, p. 41)
contextualização no processo de ensino-aprendizagem de Arte se consti-
tuiu no elemento que possibilitará a interdisciplinaridade.
A proposta curricular de Recife esclarece ainda que a Abordagem
Triangular não se trata de uma técnica ou método de Ensino da Arte, No entanto, os princípios da Abordagem Triangular explicitados nos
antes, se constitui em um sistema epistemológico, devendo as atividades fragmentos da proposta curricular do Recife apresentados anteriormente
ficar a cargo do professor e de sua inventividade, conforme pode ser não aparecem refletidos na sua matriz curricular. Ao contrário, apresen-
verificado nos fragmentos abaixo: Ia-se como uma incompreensão da Abordagem Triangular. Vejamos: se-
gundo Barbosa (1998a; 2002), a abordagem triangular é pensada como
Sendo um sistema aberto, a Abordagem Triangular não privilegia nenhuma articula, de forma sistêmica,
um sistema aberto de Ensino da Arte, que
das do processo ensino e aprendizagem, nem as hierarquiza, mas
ações três
ações: ler, contextualizar e fazer arte. A compreensãoexpressa na
enfatiza conexões e interseções existentes entre elas. Assim cada profes-
as matriz curricular é que essas "ações articuladas" são "eixos" que se apre-
sor a organizará a seu modo, pensando no contexto de seus alunos e nas
sentam de maneira desarticulada, tal como poderemos verificar na tabe-
necessidades de aprendizagem dos mesmos em cada ciclo, objetivando que
la a seguir.
os alunos construam competências em Arte. (SE/PCR, 2002, p. 19)
Esta abordagem busca articular conteúdos referentes às três Ao analisarmos parte da matriz curricular apresentada acima, o "eixo
açõesdo contextualizar", o "eixo ler" e o "eixo fazer" referem-se a grupos de con-
processo ensino e aprendizagem, aqui compreendidas como eixos: a
leitura da Arte e de outras manifestações estéticas com o fazer artístico teúdos completamente diferentes. Nesse sentido, a compreensãoexpres-
do aluno e a contextualização (histórica, geográfica, social, cultural, psi- sa na matriz curricular é que a Abordagem
Triangular nãoépensada como
cológica, antropológica, entre outras). A contextualização pode ser esta- de um processo, mas como conteúdos e atividades estanques, com
ações
belecida pelo professor de acordo com seus conhecimentos e pode, um fim em si mesmo, o que contraria completamente os princípios da
também, ser uma exigência da obra ou objeto de arte em estudo. (SE/ Abordagem Triangular.
PCR, 2002, p. 18)
Ao analisarmos o discurso dos formadores dos professores da Rede
Vale ressaltar Municipal de Ensino da Cidade do Recife expressos nas entrevistas, foi
ainda que esses fragmentos afirmam que a Abordagem
Triangular não hierarquiza as ações do conhecimento da arte (contextu- possível compreender que para eles, arte se constitui em uma área de
alizar, ler e fazer arte). Dessa forma, a construção metodológica fica a conhecimento específica do currículo escolar. No entanto, é preciso que
ela esteja apoiada em uma abordagem de ensino que lhe possibilite essa
cargo de cada professor, a partir do desenvolvimento de sua prática de
Ensino da Arte. caracterização. Dessa forma, a Abordagem Triangular é evocada pelos
BARBOSA • CUNHA NO ENSINO VISUAIS

Tabela I
Nacionais
Matriz curricular da Proposta Pedagógica da Latino-americanos
Rede Municipal de Ensino da Cidade do Recife • Internacionais

Género aqui refere-se à classificação do humano quanto ao sexo (masculino feminino) e gêneros

e
Ensino Fundamental EJA
art ísticos.
EIXOS Conteúdos de teatro 11 111
IV le 11 111
O termo minoria refere-se aos grupos humanos/sociais que têm pouca representatividade ao nível
CONTEX- Multiculturalidade:
do poder.
TUALIZA • Multiculturalismo no teatro
Leitura de espetáculos /produções teatrais/cenas de novela, filmes, vídeos e textos dramáticos:
• Teatro produzido nas diferentes exploração dos aspectos
culturas, gêneros* etnias e
,

simbólicas:
> interpretação dos significados X
Construção de conceitos emocionais, estéticos,
ideológicos, entre outros.
• Multiculturalidade
• exploração dos aspectos formais
• Teatro como linguagem
x x — percepção/ identificação/
• Artes gênicas análise de:
• Teatro
> signos do ator (a
palavra, a
x x
entonação e o gesto);
• Jogos dramáticos
x x > signos fora do ator (cenário,
• Jogo teatral indumentária);
> gêneros/ estilos;
Signos teatrais (cada
> artistas/ autores;
nomenclatura)
> tecnologias
• Gêneros/estilos/movimentos
I'A'/.F.R Produção em teatro:
(nomenclatura)
relaxamento/ alongamento/
• Teatro de bonecas
aquecimento corporal;
Gêneros/estilos/movimentos (história/contextos)
• jogo dramático;
Comédia
• jogo teatral;
• Tragédia
improvisação a partir de: textos
• Farsa jornalísticos, textos dramáticos,

• Drama objetos de cena, cenário,


figurino, filme, poema entre
• Melodrama
outros;
• Realista leitura de texto teatral;
• Naturalista • elaboração de texto teatral;
Simbolista
• construção de personagem;
Expressionista
confecção de adereço, figurino,
Épico
cenário, objeto de cena, entre
• Futurista ou tros;

Crueldade • pesquisa musical de


indumentária, de movimentos,
Absurdo de contextos históricos, entre
Happing outras;
x x
• Performance do
marcação espaço cênico;
Autores/atores/encenadores (temporalidade e culturas diversas) manipulação de bonecos
(mamulengo, marote,
Locais
marionete, boneco de vara,
• Regionais
entre outros.
BARBOSA • CUNHA
IRIANGU[AR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 175

formadores como orientação primordial para que o Ensino da Arte da "fruição", foram utilizados pelos sistematizadores dos PCNs de Arte,
e
cidade do Recife constitua-se como uma área do conhecimento, conforme
pa ra substituir as nomeclaturas criadas por Ana Mae Barbosa para Abor-
podemos verificar nos seguintes depoimentos: (lagem Triangular. Uma maneira escondida encontrada para utilizar a

"O Ensino da Arte vem sendo pensado a partir da Abordagem Triangular,


Abordagem Triangular como orientação teórico-metodológica para o

da Arte em nível nacional, sem reconhecimento de sua autoria e


sistematizada por Ana Mae. (Formador VI, Membro da Equipe Pedagógi-
"

ca de Arte) contribuição. De alguma forma isto indica os formadores dos profes-


que
"A Rede Municipal de Ensino de Recife tem se apropriaram da Abordagem Triangular, também, através dos
é focalizada
uma proposta que
na Abordagem Triangular. Dentro disso foi elaborado uma proposta que discursos dos PCNs, uma vez que essas nomeclaturas utilizadas pelos
prevê essas competências do fazer, do conhecer e do perceber. (Formador" I'CNs habitam o imaginário desses Arte/ Educadores.
I,
Membro da Equipe Pedagógica de Arte) A partir da análise dos documentos norteadores da formação de pro-
"Olhe! O Ensino da Arte, ele vem sendo pensado e tratado há muito tempo fessores e dos discursos dos formadores da Rede Municipal de Ensino da
a partir da proposta sistematizado no Brasil por Ana Mae Barbosa a —
Cidade do possível compreendermos alguns significados e sen-
Recife, foi
Abordagem Triangular para o Ensino de Arte. Na verdade, é uma propos- tidos que a Abordagem Triangular vem recebendo no processo de formação
ta
que envolve a apreciação, a contextualização e a leitura da obra." (For- continuada de professores, conforme buscaremos explicitá-los na próxima
mador V, Membro da Equipe Pedagógica de
Arte)
seção, onde apresentaremos breves considerações do nosso trabalho.

A partir dos depoimentos, foi possível verificar também que as "ações


mentais/ sensoriais" da Abordagem Triangular são compreendidas pelos
afinal, como a Abordagem Triangular vem
A título de considerações:
formadores como "competências" ou como "eixos temáticos". Essa com-
sendo compreendida na formação continuada de professores?
preensão é resultado da adaptação da Abordagem Triangular à política
curricular adotada na proposta curricular do Recife, que está fundamen-
Partindo do princípio de que as concepções que habitam o processo
tada na concepção de ensino como desenvolvimento de competências e de formação de professores não estão restritas apenas às práticas forma-
do conteúdo curricular
como eixos temáticos. Neste sentido, é preciso tivas em si, mas em grande medida estão presentes nos discursos insti-
uma vigilância epistemológica, para que, na tentativa de transposição tuídos pelos documentos oficiais que orientam esse processo formativo
didática, não se cometam erros conceituais, que atribuam outros signifi-
e pelos discursos dos formadores que materializam essas concepções
cados que alteram os princípios e pressupostos da Abordagem Triangular.
nas práticas formativas, buscamos compreender, do ponto de vista dos
Conforme observamos anteriormente, este fato constitui-se como dos discursos dos formadores, como vem sendo recepcio-
um documentos e
reflexo do que ocorreu na proposta curricular.
nada/apropriada/compreendida a Abordagem Triangular de Ensino da
Constatamos ainda que são utilizadas pelos formadores diferentes Arte na formação continuada de professores para o Ensino da Arte.
nomenclaturas para designar como sinônimos as "ações mentais/ senso- Nesta direção, o processo de formação continuada de professores da
riais" da Abordagem Triangular. Desta forma, o "fazer" é designado Rede Municipal de Ensino da Cidade do Recife foi escolhido como cam-
como "produção", "manifestação" e "comunicação"; a "contextualiza-
po de estudo dessa pesquisa, por se constituir de uma Rede pública de
ção", como "perceber" e "conhecer"; e,
por fim, a "leitura", como "apre- ensino no Brasil que historicamente vem investido no Ensino da Arte e
ciação". De forma geral, esses e outros sinônimos, tais como "reflexão"
na formação continuada de professores.
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES CULTURAS VISUAIS

A partir da análise temática foi possível compreender que a Aborda- professor para o Ensino da Arte.
É
preciso buscar nos fundamentos da
de
gem Triangular vem se constituindo como conteúdo para a formação Educação, da Arte e do seu ensino elementos
para uma epistemologia da
professores dos diferentes níveis e modalidades de ensino da Educação formaçãoem Arte, como já proclamava, desde a década de 1980, a pro-
Básica e como orientação prioritária para o ensino das diferentes lingua- fessora Noêmia Varela, dos primeiros cursos de formação
precursora
gens artísticas na prática educativa escolar. inicial e continuada para Arte/Educadores realizados no Brasil, através
da pertinente reflexão:
No entanto, este processo formativo é habitado por diferentes com-
preensões sobre a Abordagem Triangular. Uma das compreensõesvai
Mas, que devemos pensar da formação do arte-educador? Quais
defender a Abordagem Triangular como um sistema aberto que privilegia as relações
da arte com a educação
que poderão melhor delimitar o lugar e a natureza
mentais da aprendizagem dos conhecimen-
de forma articulada três ações
do processo de formação do arte-educador? O
tos artísticos, denominadas de criação, leitura e contextualização. Outra que dá mais a pensar sobre
esta questão e que ainda não foi pensado? Que necessário desaprender
vai compreender a referida abordagem como um conjunto de competên- é
cias, conteúdos e atividades estanques com um fim em si mesmas. I para encontrar o caminho mais sábio que nos leve à elaboração mais rica
do processo de formaçãodo arte-educador? (Varela, 1986, 12)
p.
Essas diferentes compreensões da Abordagem Triangular no proces-
so de formação continuada de professores são, de forma geral,
resultado

das adaptações da Abordagem Triangular aos pressupostos das políticas


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180 TRIANGULAR NO ENSINO ARTES CULTURAS VISUAIS 181

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liroposta Curricular do Município de Concórdia, em Santa Catarina,
no ano de 2007. Importante considerar que, antes, as discussões já es-
tavam presentes e os professores da Rede Municipal tinham em mãos
documento esboçado, onde se encontrava estruturado um rol de
con teúdos para cada série. Tudo parecia estar pronto, consolidado, uma
4 vez que aqueles tópicos eram suficientes para nortear "o
Arte,
propor" em
que
faltando, apenas, o planejamento da aula propriamente dita, o que
incluiria estudos de ponto, linha, plano, cor, História da Arte, entre outros,
ABORDAGEM TRIANGULAR COMO PRESSUPOSTO
elencados naquela proposta.
CONCEITUAL: PERCURSO E EXPERIÊNCIASNA
Após três anos de trabalhos, rememoro as pautas de cada um dos
ELABORAÇÃO CURRICULAR PARA O ENSINO DA encontros (que aconteciam em intervalos de dois a seis meses) e concluo:
ARTE NO MUNICÍPIODE CONCÓRDIA (SC) foram muitos estudos, leituras, questionamentos, debates, análises,
um
ir e vir constante para, muitas vezes, o
grupo de professores perceber
avançospouco significativos, externando o desejo de manter aquilo que
Rita Peixe
já existia ou ainda, de se apropriar de algo já pronto. Muitas eram as
desconfianças, gerando dúvidas, a ponto de não acreditarem que a nossa
proposição seria consolidada.
'O currículo é lugar, espaço, território. A primeira vista, pode parecer simples pensar um currículo, consi-
O currículo é relaçãode poder. derando todas as experiências já desenvolvidas, em âmbitos que vão
O currículo é trajetória, viagent, percurso. desde os Parâmetros Curriculares Nacionais, passando pelas Propostas
O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae:
Curriculares Estaduais e as iniciativas municipais de elaboração curricular.
no currículo se forja nossa identidade.
O currículo é texto, discurso, documento. É mais prático, tendo outras referências, se apropriar daquilo que já foi
O currículo é documento de identidade.
"
pensado por outros ou delegar que outros pensem por nós. Todavia,
tra tava-se da minha experiência atrelada vivência de cada
Tomaz Tadeu da Silva à um daqueles
docentes que, ao discorrerem sobre a realidade das escolas onde atuavam,
descreviam contextos particulares, únicos e com características distintas.
Como constrói o conhecimento em Arte? Qual a nossa concepção
se Circunscritos tais aspectos, a necessidade da elaboração de um documen-
de Arte naEducação? O que uma educação em Arte possibilita? O que to
que sintetizasse os anseios e expectativas daquele grupo de professores
fundamenta as açõesdocentes para o Ensino da Arte? se traduzia numa condição premente.

estas reflexões com alguns questionamentos que certamente


Inicio Nas falas, ficavam perceptíveis certa resistência, alguns desejos e
estão na cabeça da grande maioria dos educadores em Arte. Os mesmos muitas certezas. Quando se propunham discussões, as respostas conver-
que sempre me fiz e estavam sendo parte das minhas inquietações, nas giam para afirmações que endossavam um fazer coerente: "As aulas já
primeiras aproximações com o desafio que me havia sido proposto, quan- acontecem desta maneira" ou ainda "Nossa prática tem os requisitos
BARBOSA • CUNH
IRIANGU[AR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 183

necessários, que lhe


garantem a qualidade".
debate se acalorava com
E o
II iorciona a oxigenação necessária para que não perca a atualidade. É
questionamentos que seguiam em outra direção: De que maneira este
q(le torna uma proposta curricular um corpo vivo e atuante, de pers-
planejamento acontece? Quais são as suas referências de pesquisa? IÉ i vas realizáveis, passível de
possível ultrapassar o limite da "receita" em Arte? Como reverter pro• novos investimentos e "aberta" às inicia-
do contexto que a originou.
postas anacrônicas, oriundas de processos de trabalho não consideram
que
o contexto?
O grupo de professores se percebe mais motivado e avalia que os
Ijetos de trabalho propostos e desenvolvidos em seus espaços de atu-
Importantes autores subsidiaram as reflexões, em torno dos quais
dentro das redes temáticas levantadas e sugeridas pela comunida-
nossa caminhada foi sendo definida, passo a passo: Antônio Joaquim escolar, passaram a ter outros sentidos. Os planejamentos coletivos
Severino, Ana Mae Barbosa, Analice Dutra Pillar, Dermeval Saviani, Fer-
'leixaram de ser pensados a partir de conteúdos estanques e previamen-
nando Hernández, João Luiz Gasparin, Kerry Freedman, L. S. Vygotsky,
estabelecidos, pois não há o compromisso de "cumprir tabela" tendo
Paulo Freire, Roseli Cação Fontana, Tomaz Tadeu da Silva, entre outros,
referência um rol de elementos desconexo, distante da realidade,
cujas leituras foram fundamentais. Nas pautas, experiências de outros /h•wontextualizado. Os conteúdos em Arte não deixarão de se fazerem
professores eram trazidas e estudadas, ao lado de planejamentos e relatos
I ii" 'sentes, garantindo o conhecimento no processo de ensino e aprendi-
de situações locais. A cada
novo encontro, retomávamos os anteriores, o 'agem para a área em relação às demais, porém, agora, não mais vistos
que representava infindáveis questionamentos, com significativos avan- Loladamente, como ponto de partida para as ações pedagógicas. A opção
ços e também alguns retrocessos. Por vezes a minha própria atuação era Abordagem Triangular que já era

familiar aos professores

des-
interrogada: "Se você sabe, por que não nos diz ?" eixo, de uma estruturação mais rígida e estática, passa a definir
'ca seu
Havia, contudo, dilemas mútuos, que requeriam mais do que o es- onceitualmente a proposta, tendo ainda como ancoragem alguns con-
tudo da realidade, organização e aplicação do conhecimento: tempo e
a eitos correlatos.
amadurecimento foram fatores imprescindíveis neste percurso. Ao final
Finalizo exposição retornando aos meus questionamentos ini-
esta
de quase dois anos, resultados mais consistentes e melhor estruturados
não com o intuito de respondê-los, pois isto iria requerer páginas e
ciais,
foram sendo obtidos, abrindo algumas clareiras naquela aparentemente páginas de apontamentos e ainda muitas dúvidas,
mas deixando claro
obscura caminhada. Um processo lento, considerando que os trabalhos eles estarão
que permanentementeem pauta. Todo este
processo evoca,
acabavam se limitando apenas àqueles encontros. Algo compreensível,
na minha memória, a maiêutica socrática esse parto intelectual

que

afinal,
o cotidiano do reduzido ou esparso número de aulas acaba por primeiro coloca os anseios e as ambiguidades para, após, dar à luz ideias
devorar a maior parte do tempo do professor,
que vai de uma escola a niais consistentes.
outra a fim de fechar a carga horária, mantendo a
sua efetivação. Fica compreensível que "sempre será necessário reorganizar cada
No terceiro ano, apenas dois encontros foram oficialmente propostos trajetória curricular que se estabeleça em diálogo com o que acontece nas
e ocorreram algumas reuniões informais, o
que dificultou a consecução cl i ferentes experiências de sala de aula, da escola e de fora dela" (Hernán-
dos objetivos e ocasionou uma lentidão no processo, redundando em dez, 2000,
p. 137).Não restam dúvidas de que há muito a fazer, um vo-
progressos pouco significativos, se considerarmos aquilo que ensejávamos expressivo de trabalho pelo caminho. Contudo, há também um
atingir. A proposta não se encontra concluída e, mesmo que nela estives- desejo muito grande para que não percamos a direção, sem que isso seja
sem integralizados requisitos complementares como os pressupostos
entendido com propósito sensacionalista ou inovador, mas como inicia-
metodológicos e avaliativos, é a sua permanente continuidade que lhe tiva em garantir para o ensino e aprendizagem da arte o espaço ao qual
ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO l)AS ARIES CULTURAS VISUAIS 185
184 BARBOSA • CUNHA

cleuma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes


faz jus, enquanto área do conhecimento, cuja função social é indispensá-
vel e tendo Neleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo"
como alcance o merecido reconhecimento.
(Silva, 2004, p. 15).

Para Freedman (2006, p. 145) sendo uma forma de açãosocial e me-


Abordagem triangular: perspectiva conceitual diaçáo do conhecimento cultural, o currículo "reflete as esperanças e os
'sonhos das pessoas". Esta é uma das razões pelas quais um currículo se
Passo agora, de maneira breve, a fundamentar teoricamente alguns reveste de importância, na medida em que determina aquilo que é ou não
aspectos que incluem currículo e cultura visual, justificando ainda a opção fundamental ao ser humano em termos de conhecimento, buscando
do grupo de professores em designar a Abordagem Triangular como modificá-lo mediante o tipo de conhecimento considerado importante, o
pressuposto conceitual, no intuito de melhor explicitar os encaminha- que é deduzido pelas teorias: "No fundo das teorias do currículo está,
mentos que estão, até o presente momento, sendo efetivados na Propos- pois, uma questão de 'identidade' ou de 'subjetividade"' (Silva, 2004,
ta Curricular para o Município de Concórdia (SC). p. 15). Compreendemos melhor esta questão ao recorrermos a Hall (2006),
que faz um mapeamento das relações identitárias do sujeito e suas impli-
conceptuais.
cações Em suas análises, sujeito moderno com
aponta o
Ao revisar as teorizações acerca do Currículo, Silva (2004, p. 147) o identidade definida e localizada de maneira fixa e estável —, o que, na

define como "uma questão de saber, identidade e poder" sendo condição


,
atualidade, com o deslocamento e diluição de fronteiras, torna-se menos
primeira em todos os âmbitos, incluindo o educacional, pois toda a ação tangível. Assim, a mudança de estruturas e processos centrais da socie-
educativa traz subjacente uma proposta curricular, considerados os as- dade moderna traz como resultado identidades abertas, contraditórias,
pectos que vão desde a dinâmica social, política e econômica até a orga- inacabadas, fragmentadas, do sujeito pós-moderno. Com relação à iden-
nização das atividades voltadas para "o que ensinar e aprender" tidade e à subjetividade, é importante considerar que o reconhecer-se e
ser reconhecido pelos outros é possibilitado pelas formas de
falar,
A inquietação com as questões curriculares está ligada à história da ver,

educação ocidental moderna, presente desde a Didactica Magna, de Co- pensar, comportar-se o discurso diretamente ligado às experiências
— —

menius, cujos antecedentes revelam preocupação com a atividade edu- de formação de identidade. Isto é apontado por Hernández (2007, p. 72)
cacional (Silva, 2004, p. 21). De lá para cá, ao esclarecer, em nota de rodapé, que esta noção é dada culturalmente e
passamos por inúmeros mode-
está relacionada caracterização dos indivíduos mediada pela linguagem
los, dentre eles o tecnocrático, humanista,
progressista, com tendências à
mais tradicionais, críticas, autobiográficas, sociológicas, pós-colonialistas, e determinadas práticas sociais, enquanto subjetividade é uma maneira
de constituir-se a partir da reflexão (a tomada de consciência sobre si
pós-críticas e outras tantas, pautadas em rupturas ou continuidades que
mesmo) na interação com os outros.
se manifestam implicadas nas demandas de construções curriculares. Daí
dizer
que a sua elaboração não se dá arbitrariamente, como forma de Tais características estão relacionadas a conceitos ligados às teorias
controle ou como por decreto, em decisões de gabinete —
refletidas por pós-críticas, ponderando, como ainda aponta Silva (2004), que uma teoria
alguns "eleitos" —

em um contexto alheio ao tempo e espaço onde ela é definida a partir dos conceitos que a ela estão subjacentes, os quais or-
efetivamente se fará acontecer. Pensar uma proposta curricular supõe ganizam e estruturam uma forma de ver a "realidade", dirigindo nossa
participação, construção partilhada, diálogo, interação, produção de a tenção para certas coisas que, sem eles, não "veríamos" (Silva, 2004, p. 17).

sentido, abertura, escolha, interpretações à luz da realidade e das concep- As categorias conceituais possibilitam que concebamos o currículo não
como um conjunto de conteúdos, atividades que acompanham um amon-
çõesque lhe servem como ancoragem: "O currículo é sempre o resultado
186
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS

toado de textos explicativos ou ainda um receituário compilado, no mais desfrute", oferecendo aos alunos possibilidades para outras leituras e
das vezes prescrito por instâncias superiores, o qual é eventualmente produções de "textos", de imagens e de artefatos (ibid., p. 71). Recomen-
letivo
consultado geralmente em épocade planejamento do ano para da e orienta, ainda,
que se ampliem e desnormatizem os objetos e artefa-

justificar a sua vigência ou presença no âmbito escolar. Subjacentes ao tos com os quais se forja uma educação das Artes Visuais, utilizando como
de
próprio discurso, sua presença nos remete a determinadas formas proposta pedagógica os projetos de trabalho. Através deles é possível
organização e estruturação deste discurso, criando redes relacionais mais uma reorganização da gestão do espaço, do tempo, da relação entre os
amplas, que possibilitam abstrações e posteriores generalizações por meio docentes e os alunos, havendo ainda uma redefinição do discurso acerca
das palavras, que codificam a experiência em esquemas conceituais: do saber escolar: aquilo que regula o
que se vai ensinar e como devemos
intelectuais, o sujeito
"Utilizando os conceitos nas atividades práticas e fazê-lo (Hernández, 2000). Diante disto,
serãoos planejamentos constan-
vai apreendendo as relações de generalidade que os vinculam em um tes
nos projetos de trabalho orientarão os percursos das distintas
que
sistema, e que lhe permitem formular qualquer conceito em termos de áreas, considerando uma visão mais ampla da realidade e os problemas
outros conceitos, de inúmeras formas, e coordenar pensamentos (Vygotsky, ou situações com as quais se irá trabalhar, dentro da diversidade e plu-
apud Fontana, 2000, p. 18). ralidade presentes no contexto de cada
uma das
escolas.

Discutindo acerca de currículo e ensino da cultura visual, Freedman Todas as discussões empreendidas para elaboração da Proposta
(2006) assinala sua importância dentro fora da escola, colocando que a
e Curricular do Município de Concórdia foram perpassadas pela ideia de
aprendizagem da Cultura Visual é parte integral da construção do co- Temas Geradores, os quais articulam Propostas de Trabalho, uma vez que
nhecimento: "Quando os estudantes desenvolvem uma compreensão nas Unidades Escolares sua elaboração e execução ocorrem sistematica-
olhar de forma
mais aprofundada de suas experiências visuais, podem mente, em consonância com os eixos temáticos eleitos a partir da identi-

mais crítica as aparências superficiais e começara refletir sobre a impor- ficação dos problemas, oriundos da própria comunidade, transformados
tância das Artes Visuais para dar forma à cultura, à sociedade e, inclu- em questões problematizadoras, que se articulam nas dimensões das
sive, à identidade individual" (p. 19). Porém, um currículo não é com- diversas áreas do conhecimento implicadas ou, nas palavras de Freire
visualidade, os quais
posto única e exclusivamente pelos aspectos de (1997), estando abertos
ao contorno ecológico, econômico e social em que
referenciam apenas uma parte do amplo espectro que o Ensino da Arte vivem os educandos. Assim, o professor nãoserá um repassador de con-
contempla. Na presente explanação, todavia, o aporte para o qual optei teúdos, mas um mediador, conforme assinala Gasparin (2002, p. 114), uma
diz respeito à dimensão visual, pois esta ocupa um papel importante na
que a mediação implica
releitura, reinterpretação e ressignificação do
vez
atualidade e ainda por grande parte dos meus estudos estarem concen- conhecimento, pressupondo atitudes e ações do professor e dos alunos.
trados neste foco. Como mediador, o professor passa a "indagar", a criticar e a criar a partir
Hernández (2007), que há muito vem propondo reflexões e suscitan- das produções da Cultura Visual (Hernández, 2007, p. 89), deixando de
do o debate relacionado à Cultura Visual e seus desdobramentos, sugere ser transmissor de informação a uma audiência passiva. O endosso destas
narrativa educacional, metaforizando o sentido de "catar" (em afirmações nos é dado por Barbosa (2005, p. 98), ao enfatizar que "Arte/
uma nova
Catadores da cultura visual), numa perspectiva mais ampla de exploração, Educação é a mediação necessária entre arte e público e ensino da Arte é
da cultura vi-
que resulta em uma "compreensão crítica e performativa compromisso com continuidade e/ ou com currículo quer seja formal ou
sual". O escopo da sua proposta está em "procurar não destruir o prazer informal. Esses conceitos associados ao conceito de arte como experiência
[no caso, em se tratando do brincar com
que os estudantes manifestam
cognitiva vêm se constituindo o núcleo das teorias pós-modernas em
de
as Barbies], mas "explorá-lo para encontrar novas e diferentes formas Arte/ Educação".
188 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM NO ENSINO CULTORAS VISUAIS 189

Fica compreensível, portanto, a opção em deslocar o eixo programá- assim como é recomendável introduzi-la transversalmente em todo o
tico da proposta, no sentido de pensá-la a partir dos seus referentes con- currículo, provocando a imbricação de territórios e a multiplicação de
ceituais,
que estão ancorados na Abordagem Triangular, a qual traz o interpretações" (Barbosa, 2008, p. 26). Neste caso, na prática social dialó-
Leitura da gica (mediada pela palavra) e pedagógica (mediada pelo outro) o
Contextualizar, o Fazer e a Imagem e seus conceitos corre-

proces-
de conceitualização busca a interlocução mobilizando tanto a prática
latos como pressupostos. Aqui, eles não podem ser traduzidos em so

pedagógica quando o percurso da investigação (Fontana, 2000). Para esta


atividades de ensino,
mas como elementos alicerçadores e sustentadores
das significações para a arte e seu ensino. Trata-se de um revisitamento, a u tora os conceitos são "produtos históricos e significantes da atividade

"entendido como esse momento de ir ao encontro, do olhar reflexivo mental mobilizada a serviço da comunicação, do conhecimento e resolu-

sobre a uma ideia ou conceito" (Lamas, 2005,


obra objeto de atenção, sobre çàode problemas" (ibid., p. 13). Há, portanto, muito de dialógico e dis-
cursivo no âmbito conceitual, ao mesmo tempo
p. 24) a uma abordagem que desde sua implementação, há vinte anos, que há complexidade,
teve inúmeras apropriações, tendo sido referência nos ideários de forma- interação, processos mentais, pesquisa e esquemas de aprendizagem e
conhecimento. Por isso dizemos que um conceito perpassa uma ideia,
çãode professores. A inicialmente denominada Metodologia Triangular "não exige somente um problema sob o qual remaneja ou substitui con-
vem sendo corrigida, revisada e rediscutida pela própria autora, ao longo ceitos precedentes,
destes anos nas suas dezenas de livros, cujas reflexões têm sido funda- mas uma encruzilhada de problemas em que se alia
a outros conceitos coexistentes" (Deleuze, 1992, p. 30). Independentemen-
mentais aos debates artístico-educacionais no Brasil e além-fronteiras. te de modelos
ou teorias, o pensamento humano inicia-se com a formação
Esta grande-angular, pela qual o Ensino da Arte vem olhando (e sen-
de conceitos, que são, portanto, o resultado das apreensões dos dados e
do olhado) a partir da AbordagemTriangular, possibilitou que não se di- das relações da nossa experiência global, objeto do pensamento(Severino,
luísse representou avançossignificativos dentro de uma
no tempo algo que 1996). Algumas características importantes relacionadas
à linguagem
área que ocupava uma posição periférica no âmbito educacional. Desde conceitual são apontadas por Chaui (1999): procurando evitar analogias
aquela época, Ana Mae Barbosa já alertava para questões importantes e metáforas, a linguagem conceitual esforça-se para dar às palavras um
acerca do Ensino da Arte nas escolas: "Pela acomodação na dependência, sentido; proporciona que acompanhemos o passo a passo da análise e da
estamos perdendo uma oportunidade de transformar a arte no meio de síntese, buscando, ainda, fazer
com que cada palavra tenha um sentido
humanizar a escola e de ajudar a formação de uma identidade cultural" próprio e que seus diferentes sentidos dependam do contexto no qual é
(Barbosa, 1982, p. 121). Na recente revisão do livro A imagem no Ensino da empregada; enseja convencer-nos e persuadir-nos por meio de argumen-
Arte (7. edição), que, na década de 1990 divulgou a Abordagem Triangular tos, raciocínios e provas, exigindo, ainda, o trabalho lento do pensamen-
no Brasil, Ana Mae Barbosa
(2009) aponta
que essa proposta "não se baseia to. Assim, busca dizer o
nosso mundo, decifrando seu sentido e ultrapas-
em conteúdos, mas em ações", caracterizando-se numa referência para o sando suas aparências, o nosso presente, determinando suas causas ou

como se aprende e não um modelo para o que se aprende. motivos razões;procura, também, as linhas de força de suas transfor-
e

e o campo dos possíveis, como possibilidade objetiva.


Reforço, posicionamento que faz coro com o grande dilema
aqui, o mações
no qual nos detivemos por muito tempo com o grupo de professores, ao Vale dizer
que Contextualizar, Fazer e Ler Imagens e Obras de Arte
pensarmos uma Proposta Curricular que não tivesse conteúdos como estão colocados como bases referenciais para o pensamento conceitual
elementos deflagradores das e reflexões, pois compreendemos que
ações proposto e que irá aglutinar as proposições e experiências em Arte, sendo
ideias
'não basta ensinar com horário marcado, é necessário ensinar inter-
arte que representam desafios neste processo de ensino e aprendizagem.
disciplinarmente para provocar a capacidade de estabelecer relações, 'Quando a aprendizagem é proposta como uma produção ativa de sig-
ABORDAGEM NO ENSINO ARTES VISUAIS 191
190 BARBOSA • CUNHA

BARBOSA, Ana Mae. Arte/educação contemporânea: consonâncias internacionais.


nificados, transforma-se numa manifestação das possibilidades dos seres
Sáo Paulo: Cortez, 2005.
humanos, por exemplo, de sintetizar informação complexa e díspar de
maneira coerente, de observar situações a partir de diferentes pontos de .

A intagem no Ensino da Arte:


anos 1980 e novos tempos. 7. ed. São Paulo:

vista ou de estar conscientes dos preconceitos determinados diante dos Perspectiva, 2009.

fatos e fenômenos" (Hernández, 2000, p. 178). A Abordagem Triangular, BARBOSA, Ana Mae; AMARAL, Lilian. Interterritorialidade: mídias, contextos e

neste sentido, dialoga com as propostas de Hernández e de outros teóri- educação. São Paulo: Editora Senac-SP / Edições Sesc-SP, 2008.
cos da área do teatro, da música, da dança, das histórias em sequência, BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte, 1997.
das mídias contemporâneas, justamente porque seu foco parametriza os
aspectos conceituais e se coloca como eixo de referência para os processos CHAUI, Marilena. Convite à filosofia.São Paulo: Ática, 1999.

de ensino e aprendizagem em Arte. DELEUZE, Gilles. O que éfilosofia?Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.

Como apontei, minha intenção foi, à luz de alguns


recuperar autores, FONTANA, Roseli Cação. Mediação pedagógica na sala de aula. 3. ed. Campinas:
as questões que iam sendo levantadas e pensadas nos processos de for- Autores Associados, 2000.
mação, às quais o grupo de professores respondia de maneira receptiva, la
FREEDMAN, Kerry. Enseñar cultura visllal•. curriculum, estética y la vida social
procurando encontrar sentido dentro dos aspectos que eram propostos. del arte. Barcelona: Octaedro, 2006.
Reitero
que não foi uma tarefa fácil e, à primeira vista, tenho a impressão
de que concluímos obviedades ou simplesmente fizemos sutis inferências FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
Sôo Paulo: Paz e Terra, 1996.
em caminhos já trilhados. Contudo, um olhar mais atento sobre a cami-
nhada me leva à compreensão de que este resultado é uma pequena GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. Campinas:
parte de um trabalho mais substancial, que ainda está em consolidação e Autores Associados, 2002.
terá reflexos significativos delas,
que nas salas de aula e a partir num I IALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,
contexto mais amplo. 2006.

O documento organizado pelos professores do Ensino da Arte da


Rede Municipal de Ensino de Concórdia, resultante das discussões em- Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
preendidas sobre os temas que expus neste artigo ainda requer encami-
.
Catadores da cultura visual: transformando fragmentos em nova narrativa
nhamentos, discussões reflexões e ajustes pertinentes.
educacional. Porto Alegre: Mediação, 2007.

LAMAS, Nadja de Carvalho. Revisitamento "na" e "da" obra de Luiz Henrique


Referências bibliográficas Schwanke. Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Porto Alegre, 2005.

BARBOSA, Ana Mae. colagem: influência de John Dewey no Ensino da


Recorte e PILLAR, Analice Dutra. A edilcaçãodo olhar no ensino das artes. Porto Alegre: Me-
Arte no Brasil. São Paulo: Autores Associados, 1982. diação, 1999.

John Dewey e o Ensino da Arte no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001. SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta
('lirricular:
.
Inquietações e mudançasno Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2002. arte. Florianópolis: Cogen, 1998.
193

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. Campinas: Autores Associados, 1995.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do 20. ed. São Paulo:


trabalho científico.
Cortez, 1996.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do


currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
VIGOTSKY, Lev Semenovich. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São
Paulo: Icone, 2001.

PARTE III

De diferentesteses:
derivaçõescognitivas
TENDÊNCIAS
DE PRODUÇÃO
CIENTÍFICA
EM ARTE/EDUCAÇÃO NO BRASIL E A
ABORDAGEM TRIANGULAR DE ENSINO DA ARTE

Maria Cristina Monteiro


Solange Puntel Mostafa

Introdução

A Abordagem Triangular de Ensino da Arte sistematizada por Ana


Mae Barbosa, na década de 1980, aponta a necessidade do Ensino da Arte
nas escolas desde os primeiros anos, porque não se trata de algo básico,
mas fundamental. Não existe desenvolvimento cultural de
uma socieda-
de sem as possibilidades do seu desenvolvimento artístico. De acordo
com Barbosa (1991), uma sociedade só é artisticamente desenvolvida
quando as suas produções artísticas são apreciadas, entendidas, ou melhor,
valorizadas pelo público. Esse entendimento só se dá a partir do momen-
to em
que propiciamos situação de ensino e de aprendizagem na qual os
alunos possam criar e decodificar imagens.
Delineamos como objetivo desta pesquisa, realizada em 2005, inves-
tigar as tendências de produção científica em Arte/ Educação nas insti-
tuições de ensino superior brasileiras no período de 1995-2004.
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO ARIES CULTURAS VISUAIS
196

belecido por "o ensinar, quando ensinar e como ensinar" sendo assim,
Os objetivos específicos trabalhados foram: que ,

compreendem-se que as pesquisas que abordam a arte, seu ensino e os


identificar as áreas de concentração dos programas de
a) pós-gra-
métodos que compõem e estruturam os processos de criação em institui-
duação das pesquisas selecionadas;
b) categorizar asproduções científicas em Arte/ Educação das uni- çóesde ensino devam estar inseridos nesta categoria.
versidades brasileiras no período de 1995-2004;
Entendeu-se que as pesquisas que são apresentadas
na categoria
Apreciação Estética são as que envolvem os temas referentes à fruição,
c) resumos que abordam o tema Abordagem
selecionar para análise os leitura e interpretação de imagens,
como a sublimação dos sentidos, a
Triangular no Ensino da Arte e pesquisar sobre o assunto. emoção, a imaginação No livro A apreciação da Arte, de Osborne
e a beleza.
(1998), "somente
no século atual é que a palavra 'apreciação' veio gradu-
almente a ser adotada como termo-chave na linguagem estética". Com-
Metodologia da pesquisa
plementa o autor, que o emprego estético atual de apreciação está mais
próximo como percepção, especialmente de impressões ou distinções"
Iniciaram-se osestudos a partir da consulta a vários sites de educação,
de várias universidades (p. 22). Na contemporânea, a leitura/apreciação é reconhecida, hoje,
arte
nas bases de dados on-line, resumos de pesquisas
"arte educação" como um dos modos de construir conhecimento em arte. Sendo assim,
brasileiras
que salientassem o termo "arte/educação" ou selecionou-se para esta categoria as pesquisas que tratam da linguagem
Foram encontradas 98 teses e dissertações.
visual e as leituras de imagens.
Para ordenar as pesquisas selecionadas elaborou-se uma planilha
Teses em Arte/Educação, organizadas, A categoria Psicologia da Arte é compreendida como o estudo da
com a Relação de Dissertações/ estética e a organização consciente de sistemas de estímulos
portanto em: categorias, área de concentração,
instituição, titulação, es- reação que
envolvem os fatores socioculturais que influenciam os indivíduos (autor
tados do país e ano de defesa das pesquisas.
ou espectador). Vygotsky
ressalta
que a arte, ao ser apreendida como
forma de conhecimento, "nunca poderá ser explicada a partir de um

As categoriasde análise pequeno círculo da vida individual, mas requer forçosamente a explicação
de um grande ciclo da vida social" (1999, p. 98-99). A Psicologia da Arte

Por meio dos conhecimentos prévios como educadora e as várias concebe a estética
reação como uma forma específica de conhecimento,
leituras do tema, determinaram-se as categorias por: Currículo, Aprecia- relacionada aos sentimentos humanos,
que são partes constituintes da
Estética, Estética Filosófica, Formação de Professores, Epistemologia composição do conteúdo da obra.
ção
e Psicologia da Arte. É
pertinente salientar
que nas primeiras
leituras dos
Epistemologia é a categoria que se utilizou para classificar as pes-
encontramos dificuldades de categorizar, pois muitos nos pa- quisas de Arte/ Educação, que indicam os estudos, ou as origens do co-
resumos,
receram híbridos, e se adequavam em mais de uma categoria. Logo que nhecimento artístico, inclusive para situar o estudo da arte no contexto.
inserir algumas
os processos de análise foram avançando optou-se por principal foco de estudos da categoria Estética Filosófica, em nos-
O
pesquisas na categoria que estava mais acentuada no seu texto. sa concepção, é definir a natureza da arte, as características que distinguem

Aderiu-se às pesquisas na categoria Currículo as que tratam do con- as obras de como exercício intelectual, mas como neces-
arte, não apenas

texto escolar, e que evidenciam o ensino-aprendizagem, metodologias e sidade absoluta de compreensão da criação humana, da subjetividade,
Coll (1996) ressalta que o currículo é esta- da razão, da matéria e do espírito. Nesta categoria incluíram-se os estudos
processos educacionais. César
198 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARTES CULTURAS VISUAIS 199

de filósofos quanto aos movimentos históricos, sociais, políticos e ideo- As análises obtidas dos resumos permitiram elaborar um perfil his-
lógicos caracterizados nas formas de expressões estéticas condizentes com tórico recente das pesquisas no campo da Arte / Educação defendidas nas
seu tempo. instituições brasileiras. Selecionaram-se nove dissertações e teses centra-
A categoria Formação de Professores refere-se às pesquisas desen- das na Abordagem Triangular no Ensino da Arte com a qual nos identi-
volvidas com professores de arte, em instituições de ensino. O principal ficamos e fizemos a opção do recorte da pesquisa.
enfoque destas pesquisas é questionar, discutir e redimensionar o Ensino Seguem-se os resumos das nove dissertações.
da Arte, por meio da atuação direta ou indireta dos professores de arte.
Compreende-se que "essa necessária renovação da instituição educativa,
e esta nova forma de educar requerem uma redefinição importante da Resumosdas dissertações
por categoria no período 1995-2004
profissão docente e
que se assumam novas competências profissionais no
quadro de um conhecimento pedagógico, científico e cultural (Im-
DISSERTAÇÕES/TESES CATEGORIA
bernón, 2001, p. 12). Entende-se que as pesquisas desta categoria devam I)
A Metodologia Triangular no Ensino da Arte em escolas de pri-
nela
promover uma nova visão de educação, para os profissionais que meiro grau do município de Vitória. Maria Auxiliadora de C. Co-
atuam estabelecerem outra postura perante a profissão, que ultrapasse o rassa. 10/12/1995. Mestrado. Universidade Federal do Espírito Santo
(Educação)
mero fazer pedagógico,
Esta dissertação busca conhecer a utilização da Abordagem Triangular

no Ensino da Arte nas escolas de primeiro grau do município de Vitó-


ria. Aborda esta metodologia em suas origens e pressupostos, enfocan-
3. Resultados do suas três vertentes: apreciação estética, história da arte e fazer ar-
tístico, considerando ainda estudos recentes calcados em sua utilização
As categorias que foram utilizadas para compor a pesquisa, já men- no Brasil. Trata da implantação da Abordagem Triangular na rede
cionadas anteriormente, são: Currículo (32 produções); seguida de Apre- municipal de ensino no final dos anos 80, do conhecimento desta
Abordagem pelos professores, da visão da instituição sobre esse co-
ciação Estética (29 dissertações); Estética Filosófica (13); Formação de nhecimento, assim como da periodicidade com que a mesma é utiliza-
Professores (13); Epistemologia (7), seguida de Psicologia da Arte (4). da no Ensino da Arte.

A áreade concentração de mestrado e doutorado na qual encontramos 2)


Arte/Educação: pressupostos teórico-metodológicos na obra de
o maior número de dissertações e teses em Arte/ Educação é a área de Ana Mae Barbosa. Gerda Margit Shutz Oerste. Vitória (GO). 1996.
Educação, com 49 produções; seguida de Artes, com 16 pesquisas; Comu- Mestrado. Universidade Federal de Goiás (Educação)
Este estudo, de natureza exploratória, realiza rigorosa análise da obra
nicação e Semiótica, com 8. Filosofia, educação e cultura contabilizam
de Ana Mae Barbosa. Elabora nucleação de seu discurso pedagógico,
respectivamente 7 e 5 produções. Nota-se também que engenharia da a partir das concepções pedagógicas, busca analisar a consistência e
produção concentrou 5 trabalhos. coerência interna de seu discurso. Identifica-a enquanto pesquisado-
Currículo é a área de maior dedicação no corpus investigado. A ra que amplia as referências para futuras discussões na área e possi-
pro- bilita a realização de estudos e debates subsidiados por sua obra, ao
posta de inserção das artes no currículo veio marcada pelas discussões
mesmo tempo que assume o desafio de compreendê-la como repre-
discussões essas
que antecederam os Parâmetros Curriculares Nacionais, sentante de um projeto educacional dialético. O trabalho reafirma a
da Abordagem Triangular, isto é, o fazer artístico,
que ressaltam o
tripé necessidade de se elaborarem propostas de ensino nas quais as con-
da capacidade de leitura da obra de e do campo de
tradições sejam explicitadas e o projeto de construção da sociedade
acompanhado arte
cidadã seja priorizado.
sentido da imagem.
200 BARBOSA TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS

DISSERTAÇÕES/TESES CATEGORIA DISSERTAÇÕES/TESES CATEGORIA


3) Arte na escola: um estudo sobre a leitura e a releitura como possi- ileuencadeadas a partir dos trabalhos de leitura e releitura desenvol-
bilidade de criação. Mariza Missako Sakamoto. São Paulo (SP), vi' 105, permitindo a elaboração de uma pesquisa em arte, revelando
10/3/2001. Mestrado. Universidade Presbiteriana Mackenzie (Educa- '"Nibilidades para um aprendizado significativo.
ção, Arte e História da Cultura)
Um aplicativo multimídia para o Ensino da Arte: geometria. An-
uma abordagem interdisciplinar, envolvendo
Tra ta-se de Arte, Educação
Ionio Biancho Filho. Brasília (DF), 10/12/1998. Mestrado. Universi-
e História da Cultura, onde procurou estabelecer relações partindo da
dade de Brasília (Artes)
premissa da Abordagem Triangular, apresentada pela professora Ana
Mae Barbosa, na qual estuda os modos de inter-relacionamento entre dissertação analisa metodologias de ensino que foram utilizadas
leitura da obra de arte, envolvendo análise crítica, contextualização e Ensino da Arte no Brasil, destacando a Abordagem Triangular
produção a aprendiza-
(fazer artístico) como elementos indicadores para aplicada na produção de um programa multimídia denominado Geo-
Trazendo escolar, nw•tria. Aborda as possibilidades dos sistemas multimídias como fer-
gem em arte. esse pressuposto para o universo a pes-

quisa compôs-se de reflexão sobre o Ensino da Arte na escola arte rmnenta para ampliar o ensino, enquanto sistema interativo e enfoca
uma

através da utilização da imagem o ensino de conceitos da geometria euclidiana para as quatro primeiras
enquanto matéria do conhecimento —

(reprodução de pinturas) para leitura e releitura. Leitura enquanto aét'ies do ensino básico fundamental. Busca descrever os principais

decodificação de seus elementos visuais para uma interpretação cog- conceitos utilizados para a concepção do aplicativo educacional que

nitiva, permitindo a compreensão do mundo, e a releitura enquanto acompanha a dissertação, alguns momentos na história da arte onde
produção, por meio da experimentação de materiais artísticos, de um geometria foi importante para a relação geometria e imagem.
pensamento, uma ideia própria do indivíduo como o sujeito da ação 5)
Arte enquanto linguagem: uma reflexão sobre o curso de pedago-
e não a simples reprodução de imagens, reduzindo o fazer artístico em 2.
gia da Unoesc. Petronila Maria Bolfe. SMO. 10/2/2001. Mestrado.
reflexão sobre a definição de mimese de
mero exercício escolar. Uma Universidade Federal de Santa Catarina (Educação)
Platão e Aristóteles foi estabelecida, bem como a pesquisa à História
da Pintura, a partir de algumas releituras feitas por artistas do século presente estudo teve como meta principal identificar e analisar as
( )

XIX e XX, reafirmando o valor desta prática no universo da arte e es- concepções pedagógicas de Arte/ Educação, que perpassam os projetos
de estágio dos acadêmicos docentes, concluintes do curso de Pedago-
tabelecendo aproximações com a produção artística na escola. Foi
apresentada uma análise das propostas pragmáticas, desenvolvidas gia —
Habilitação Séries Iniciais da Unoesc campus de São Miguel

5a a 80 séries do Ensino Fundamental da instituição do Oeste. Neste trabalho, são discutidos alguns conceitos de Arte/
com alunos de
particular Externato São Paulo —

uma proposta de intervenção


artís- Educação à luz da obra de Ana Mae Barbosa e da Abordagem Trian-
tica e educacional, propiciando
momentos favoráveis à experimentação gular, que tem por base um trabalho pedagógico integrador das três
de materiais por meio de técnicas e estratégias de trabalho individual facetas do conhecimento em Arte: a história da Arte (classificação de
estilos, contextualização da obra),
e coletivo, através da leitura e releitura como condição essencial para o fazer artístico (expressão com
criação no Ensino da Arte, a partir de obras como Mulata, de Alfredo utilização de técnicas) e a leitura da obra de Arte (fruição, análise crí-
Volpi, Pequenas alegrias, de Wassily Kandinsky, As meninas, de Diego tica e princípios estéticos). A análise dos resultados obtidos permite

Velázquez e
uma das releituras destas obras, feita por Pablo Picasso e verificar que a questão da Arte/ Educação no curso de Pedagogia,
Violeiro, de Almeida Júnior em comparação com a obra Rock Balada acima mencionado, exige maiores reflexões acerca da importância das
para Almeida Júnior, de Antônio Victor. O trabalho envolveu algumas linguagens artísticas para o desenvolvimento do educando-cidadão.
relações entre a epistemologia e a práxis, oferecendo subsídios para
reflexão sobre a prática educativa, referente à leitura, à interpre-
6) Arte, conhecimento, educação e a Abordagem Triangular. Maria
uma Regina Johann. Ijuí (RS), 10/10/2001. Mestrado. Universidade Regional
tação de obras de arte e as várias possibilidades de criação decorren-
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Educação nas Ciências)
te desta Abordagem. Por fim foi analisado o processo de criação na
escola, através do relato de experiências com os alunos da 8a série, Sem resumo
202 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO ARIES CULTURAS VISUAIS 203

DISSERTAÇÕES/TESES CATEGORIA DISSERTAÇÕES/TESES CATEGORIA


7)Sistemas estéticos sequenciais: proposta de desenvolvimento de 8)
A informática como suporte no Ensino da Arte. Maria de Fátima
modelo híbrido para o ensino na escola regular na área de Educação l.opes Gonzaga. Florianópolis (SC), 23/9/1999. Mestrado. Universi-
Artística. Michael John Chapman, 2003. Doutorado. Universidade dade Federal de Santa Catarina (Engenharia de Produção)
Federal de Santa Catarina (Gestão Integrada do Design)
A arte é um conhecimento construído pelo homem através dos tempos,
Este trabalho aborda problemas identificados no Ensino da Arte na sendo um dos meios que permite a comunicação entre indivíduos,
escola regular, refletido em divergentes interpretações a possibilitando a compreensão do mundo das culturas e o nosso, em
respeito da
função e finalidade de seu ensino para o desenvolvimento psicossocial particular. A concepção histórico-cultural de aprendizagem associa a
dos alunos e na marginalização histórica da área. A necessidade ética incorporação das tecnologias na prática pedagógica como instrumentos
de oferecer uma educação de qualidade na área de concentração do med iadores no aprendizado.Com esse entendimento e acreditando que
pesquisador motivou a estruturação e aplicação de Ensino da Arte com Abordagem Triangular e com o suporte dos sis-
um modelo de o
ensino-aprendizagem, denominado de SES, em ambiente interati- temas computacionais, por gerarem novas formas de acesso às infor-
um
vo integrando tecnologia, técnicas e processos artísticos, com fenôme- e de produzir conhecimento, motiva o aluno
mações a conhecer e estu-
nos da percepção humana para resolver um problema coletivo. O dar arte. Realiza um estudo de caso, no contexto da escola pública.
modelo foi aplicado com uma população de alunos com problemas Observamos duas turmas de sexta série do ensino fundamental, em um
na
escola regular. Os objetivos definidos
para a pesquisa e aplicação do ambiente real, sendo que uma utilizou sistemas computacionais e a
modelo SES responderam às diretrizes e enunciados nos PCNs. A outra não. Analisando os dados coletados percebemos que os alunos
metodologia da pesquisa enquadra-se como pesquisa qualitativa com associam o uso do computador com o processo de aprendizagem, com
uma abordagem dialética e classifica-se como construção de conheci- o conhecimento. A arte está sendo vista como conhecimento, como algo
mento. A estrutura e aplicação do modelo SES demonstrou que os que pode ser aprendido, por um bom número de alunos. Como algo
procedimentos utilizados nas etapas da construção de uma obra de que tem que ser entendido, fruído, decodificado.
arte servem também como meio para viabilizar a construção do conhe-
cimento do aluno. A integração de estratégias pedagógicas, desenvol-
9)
Educação em arte: uma proposta de formação continuada dos
vidas por Freire, Vygotsky e Davydov, a procedimentos artísticos professores de Artes Visuais por meio da utilização das tecnologias
de informação e comunicação. Sheila Maria Conde Rocha Campello.
empregados por alunos na construção de uma obra de arte, formou o
alicerce para a estruturação de um modelo germinal assim como os Mestrado em Arte. 2003. UnB (DF)
roteiros para a construção do conhecimento dos alunos. O
motor des- Tendo como base o construcionismo sistematizado por Papert (1985),
te
processo deu-se em crescentes ciclos de construção e mecanismos fundamentado nas abordagens teóricas de John Dewey, Vigotsky,
de feedbacke retroalimentação estabelecidos pela vinculação do conhe- Piaget e Paulo Freire; a Abordagem Triangular de educação em arte,

cimento existente, com a produção de conhecimento novo. Um sistema sistematizada no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de
de criação baseado na contextualização do conhecimento dos alunos São Paulo (MAC/USP) e apresentada por Ana Mae Barbosa, e consi-

e a leitura da imagem instaurou


um processo dialético de construção, derando, ainda, atautologia cognoscitiva proposta por Maturana e
no qual tanto o objeto quanto o sujeito se transformam. A efetiva me- Varela (1995, 2001) que reconhecem a natureza circular do conhecimen-
Ihora do poder de articulação dos alunos foi observada ao longo da to humano, o presente projeto pretende
promover a formação de
aplicação, comprovada por uma expansão de suas habilidades e en- professores de artes visuais das escolas de ensino médio da Rede Pú-

trosamento em todas as atividades planejadas. Cabe, portanto, enfati- blica do Distrito Federal, por meio da criação de uma comunidade
zar a estreita convivência entre o desenvolvimento do potencial dos virtual de aprendizagem. A formação dos educadores fundamenta-se
alunos e o de transformação engendrado pela estrutura do na inter-relação das modalidades presencial e a distância tendo por
processo
modelo. Pode-se concluir que aaplicação do modelo SES estabeleceu base a dialética ação-reflexão na qual a construção do conhecimento

uma base e contextura que permitiram aos alunos estruturar e reestru- se processe por meio deaçõescolaborativas que permitam a organiza-
cognitiva do sujeito ativo, cuja organização inter-
turar seu conhecimento
num processo de produção, leitura da obra e çáo reorganização
e

contextualização, assim alcançando os objetivos da pesquisa e valida- na encontra-seem um movimento contínuo de mudança em processo
de reconstrução gerado nas inter-relações entre pessoas e a sociedade.
çãodo modelo.
204 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 205

Discussão dos resultados unna reflexão sobre o curso de pedagogia da Unoesc", não são mencio-
nadas as obras artísticas, objetos do trabalho de leitura e releitura, mas
Das novedissertações e tese selecionadas para estudo, seis estão as referências teóricas de suporte ao trabalho de interpretação, como é
analisando a inserção da Arte no Currículo, levando-nos a perceber a o caso de Freire, Vygotsky e Davydov; segundo a autora, o referencial
problematicidade desta inserção; em algumas dissertações a Abordagem teórico proposto
por esses autores, aliado aos procedimentos artísticos
Triangular está mencionada no título, como é o caso de "A metodologia ennpregados pelos alunos, formaram um alicerce para a construção de
triangular no Ensino da Arte em escolas de primeiro grau do município conhecimento dos alunos.
de Vitória"; outras mencionam a referida Abordagem
nos resumos, a Os dois temas em destaque na categoria Currículo, isto é, o emprego
exemplo de "Arte e seu ensino: uma proposta teórico-prática reflexiva das Tecnologias de Informação e Comunicação e a Releitura de Obras são
com professores das séries iniciais" ou "Arte enquanto linguagem: uma indicativos importantes de como a Abordagem Triangular está sendo
reflexão sobre o curso de Pedagogia da Unoesc". incorporada nas escolas. "Arte na escola: um estudo sobre a leitura e a
Alguns trabalhos têm suas propostas envolvendo também as Tec- releitura como possibilidade de criação" por exemplo, é outra dissertação
,

nologias de Informação e Comunicação, como é o caso de "Sistemas que agora, sim, traz o termo médio da trilogia no
título,
reforçando a
estéticos sequenciais: proposta de desenvolvimento de modelo híbrido categoria da apreciação estética, como uma das vias do fazer artístico
para o ensino na escola regular na área de educação artística" e "Um absorvido no ensino de Arte/ Educação no Brasil.
aplicativo multimídia para o Ensino da Arte: Geometria"; no primeiro Nas instituições de ensino, quando se fala em leitura e releitura de
caso, sobre os sistemas estéticos sequenciais; no segundo caso, sobre o obras, encontram-se muitas divergências quanto à utilização desses termos
aplicativo multimídia, destaca-se o ensino de conceitos da geometria e dos processos educacionais que envolvem essas duas práticas; existe
euclidiana para as quatro primeiras séries do ensino básico fundamen- certa confusão, em
nome da Abordagem Triangular, quando os professo-
tal; a dissertação destaca "alguns momentos na história da arte em res trabalham a releitura como cópia. Na verdade, há uma grande distân-
que
a geometria foi importante para a relação geometria e imagem", se- cia entre as duas, pois, enquanto na primeira acontece a transformação,
guindo, então, a recomendação da Abordagem Triangular
no quesito interpretação e, principalmente, a criação com base num referencial, na
da contextualização. segunda acontece somente o aprimoramento técnico. Na leitura existe
Nota-se, também, que na categoria Currículo aparece destacada na um diálogo entre leitor e a obra, num tempo e espaço precisos. Já na re-
trilogia: fazer artístico/apreciação estética/ contextualização, uma pro- leitura, há um diálogo entre os textos visuais, intertextos, dos quais podem
eminência do termo do meio, a leitura e releitura de obras. No caso da se valer para novas criações. Ambas são produções de sentido que expli-
dissertação"Sistemas estéticos sequenciais: proposta de desenvolvimen- cam relações de um texto visual com o contexto.
to de modelo híbrido para o ensino na escola regular
na área de educa- Complementando essas ideias, quanto à inserção da arte no currículo,
ção artística", as próprias obras relidas são nomeadas no resumo; por acrescenta-se que, nas várias disciplinas ministradas nas escolas, em vá-
exemplo, obras como Mulata, de Alfredo Volpi, Pequenas alegrias, de rias áreas do conhecimento, muitas vezes, os educandos se submetem a
Wassily Kandinsky, ou As meninas, de Velásquez, são exemplos; a auto- copiar textos, ideias, sinais, formas e normas. Não se quer questionar os
ra menciona, também, os processos criativos advindos deste exercício, métodos utilizados como meios de ensino-aprendizagem, e não se pre-
embora não tenham sido fornecidos ao leitor do resumo maiores escla- tende posicionar quanto às outras disciplinas, o
que se quer evidenciar é
recimentos desses processos. Já no caso de "Arte enquanto linguagem: o fato que, para muitos educandos que estão acostumados a copiar tudo
zoo BARBOSA • CUNHA MIOROAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARIES CULTURAS

que está na lousa, copiar uma imagem é banal. Nesse momento é que os Nitário
brasileiro; o autor menciona, ainda, a dialética açáo-reflexáo e
arte/ educadores devem mediar, contextualizar e incentivar a
criação sem
o recurso da cópia.
as
açõescolaborativas permitindo a organização e reorganização cog-
nitiva do sujeito ativo na reconstrução do conhecimento gerada pelas
A falta dacompreensão dos processos de leituras e releituras de al- inter-relações entre pessoas e sociedade. Além do referencial teórico
guns profissionais da educação pode desencadear simplesmente uma nnencionado nas teorizações de Barbosa (Dewey, Vygotsky, Piaget e
prática copista, sem atender às exigências dos parâmetros curriculares Paulo Freire), o
autor acrescenta, também, as propostas de Maturana e
que apontam a Abordagem Triangular como base do ensino-aprendizagem Varela e o construcionismo de Papert, o inventor da linguagem LOGOI
da arte. Entende-se que, quando a imagem é apresentada de programação, embora
para o educan- uma dissertação voltada à formação dos pro-
do, sem a devida orientação, esta vai representar
apenas um objeto de fessores de artes visuais, por meio das tecnologias de informação e
modelo, para um exercício vazio. Essa estratégia de ensino usada comunicação, como informa o título.
como
prática comum poderá causar no educando uma estagnação na sua pró- Já
dissertação que trouxe no título a expressão "Informática",
a
pria criatividade, passando, então, a se utilizar da cópia como forma de
classificamo-la em Psicologia da Arte. Este exercício de classificação das
expressão contínua e repetitiva.
d issertações em categorias tomou boa parte de
nosso tempo na construção
Toda açãopedagógica deve trazer em si a busca incessante do co- da dissertação, possibilitando conhecer as temá ticas e também aprofundar
nhecimento, através de experiências metodológicas,
que visam a um as categorias por nós elencadas. Para Mostafa e Máximo (2003), títulos,
ensino satisfatório. Embora os sistemas educacionais estejam sujeitos às sumários, listas e outros dispositivos para textuais podem ser vistos
como
classes dominantes, a essência da educação e seus preceitos básicos
envolvem a identidade dos educadores. São estes os principais agentes
marcações semióticas, porque dão pistas do conteúdo dos textos. Assim,
a dissertação "A informática como suporte no Ensino da Arte" foi classi-
de mudanças, pois através das suas pesquisas, vivências e experiências ficada por nós em Psicologia da Arte, pelas incursões na obra de Vygotsky,
educacionais, atuando nos seus espaços diários,
promovem, ou não, principalmente o primeiro capítulo sobre "a metodologia do problema".
mudanças. Neste caso, foi o resumo a unidade de análise autorizada para tal classi-
Retomando as análises, dentre os dois destaques da categoria ficação.A autora da dissertação sobre a Informática no Ensino da Arte
Currículo, isto é, o
emprego das Tecnologias de Informação e Comuni- nos informa que "a concepção histórico-cultural de aprendizagem associa

cação e a Leitura de Obras, a dissertação "Educação em arte:


uma a incorporação das tecnologias na prática pedagógica como instrumentos
proposta de formação continuada dos professores de artes visuais mediadores no aprendizado". Informa, também,
por que a arte está sendo
meio da utilização das tecnologias de informação e comunicação"
é um vista conhecimento,
como como algo que pode ser aprendido, no sentido
exemplo de dissertação que se categorizou no tema da Formação de de ser entendido, fruído, decodificado.
Professores. O
resumo é claro quanto aos objetivos da dissertação, cujo O texto oriundo da Engenharia de Produção relaciona as tecnologias
projeto pretende "promover a formação de professores de artes visuais
com as artes e o aprendizado. Classificou-se como Psicologia da Arte, mas
das escolas de ensino médio da Rede Pública do Distrito Federal", isto
com ênfase no Currículo. Curiosamente, aparece nas Engenharias a
é, realizado segundo as informações do resumo, através da criação de
preocupação com a aprendizagem ou o desenvolvimento humano.
uma comunidade virtual da aprendizagem. Nota-se que essa disserta-
çãoé mais recente, datando do ano de 2003, quando os ambientes 1. LOGO é uma ferramenta computacional que permite a construção de novos ambientes virtuais
virtuais já estão desenvolvidos e sendo utilizados no ambiente univer- de aprendizagem.
208 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO CULTURAS VISUAIS 209

A Abordagem Triangular Ainda jornalista questiona a entrevistada. Como esse conceito


o
(criatividade) pode ser usado na vida?
A trilogia "fazer artístico, leitura e contextualização" vem tendo Uma pesquisa enl Nova York mostrou que jovens infratores
de 12, 13 anos
papel relevante no decorrer das duas últimas décadas. Sua flexibilidade
permite adequações diante de novos quadros conceituais sobre a escola satisfatórios, mas iam deixando rolar. Não conseguiam reelaborar o mínimo, do
e sobre os próprios processos sociais. Talvez quiséssemos perguntar se a

Abordagem Triangular para a Arte/ Educação tem futuro? Se ainda é dessa obra efazera sua própria desenvolvem no aluno a capacidade de reorgani-
relevante enquanto Abordagem? em qualquer situação.
zação
Ana Mae Barbosa responde estas perguntas quando entrevistada Compreende-se, então, que para a entrevistada a maior contribuição
pelo Jornal Folha de S.Paulo, no dia 26/4/2005. O jornalista questiona: que a arte pode oferecer é o auxilio a vislumbrar outros caminhos, meios e
Hoje, ser criativo é importante? óticas
na reelaboração pessoal e social. Melhorando a capacidade de comu-
O discurso do modernismo era o discurso da criatividade. Mas ninguém nicação e reestruturação interna e externa, pode-se então dizer que, con-
sabia bem o que era isso naquela época.Ser criativo era forme as falas de Barbosa, o papel da arte na pós-modernidade está cen-
fazer coisas novas. Por
isso, com o tempo, a originalidade passou a ser trado na capacidade de reorganização do espaço/ mundo utilizando a
um critério relativo. Hoje, há
in teligência, a percepção,a imaginação, a elaboração e a capacidade crítica.
outros processos importantes da criatividade, como ter fluência e flexibilidade,
Finalizando,
dar várias soluçõespara um mesmo problema e desenvolver a capacidade de, dada um comentário geral sobre esses dados se impõe: evi-
uma circunstância, reelaborar
uma ideia. dencia as Instituições de Ensino que mais abordaram a Arte/ Educação
no Brasil: UFSC (12), USP (9) e Mackenzie (8). O ano de maior contribui-
No discurso modernista onde a livre expressão era o foco central,
encontrávamos um fazer-por-fazer, mas como uma forma de expressão çâoem teses/dissertações de arte educação foi no período de 2000 e 2001.
Os estados brasileiros que mais contribuíram com as pesquisas desta
primária corporal do sujeito, ou seja, a necessidade de exprimir sentimen-
natureza são: São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro.
através de materiais, técnicas e procedimentos variados.
tos e
emoções
Podemos exemplificar, através das produções artísticas das crianças, e as A Abordagem Triangular no Ensino da Arte pesquisada oferece os
parâmetros para o conhecimento, a reflexão, a compreensão e a própria
suas garatujas, que são necessidades básicas motoras-corporais da infân-
cia. Conforme os anos passam, essas crianças vão tendo
criação da arte.
um entendimen-
to, consciência e
percepção de mundo, aprimorando os seus fazeres ar-
tísticos, através de seus signos internos e externos, reformulando,
Referências bibliográficas
redimensionando e reconstruindo novos sentidos nas suas relações sociais
e culturais. Portanto, não se pode dizer que este sujeito está copiando o
BARBOSA, A. M. T. B. A imagem do Ensino da Arte:
anos oitenta e novos tempos.
mundo, mas sim dando para esses símbolos internos e externos outros Porto Alegre: Fundação Iochpe, 1991.
sentidos.
CARVALHO, C. O currículo de arte: as escolhas dos conteúdos sob o olhar dos
Pode-se dizer, então, que, a partir das falas da entrevistada, a criação professores. Linha de pesquisa formação docente e identidades profissionais.
na pós-modernidade não está voltada somente para o objeto da arte,
mas Dissertação (Mestrado em Educação)

Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí,
2003.
para comportamentos.
210 BARBOSA • CUNHA 211

COLL, César. Psicologia e Currículo. São Paulo: Ática, 1996.

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26 abr. 2005. Sinapse, p. 16-17.

IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a in-

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MONTEIRO, M. C. Tendências de produções científicasem Arte-Educação e a Aborda-


Educação) Universidade
2
gem Triangular de Ensino. Dissertação (Mestrado em

do Vale do Itajaí, Itajaí, 2005.


FRUIR, CONTEXTUALIZAR E EXPERIMENTAR COMO
MOSTAFA, S. P.; MÁXIMO, A produção científica da Anped e Intercom no
L. F.

GT Educação e Comunicação. Ciência da Informação, Brasília, v. 32, n. p. 96-101,


1, POSSÍVELESTRATÉGIABÁSICAPARA INVESTIGAÇÃO
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PCN. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte. Secretaria de Educação Funda-
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VYGOTSKY, L. S. Psicologia da arte. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fon-
tes, 1999.
Introdução
A arte/educaçãol contemporânea tem buscado novos paradigmas
para o Ensino de Arte, considerando seus aspectos cognitivos implicados
com reflexão,
crítica,
compreensão histórica, social e cultural da arte nas
sociedades.

O Ensino de Arte2 no Brasil tem


um histórico de importação de mo-
delos educacionais, que nem sempre vem acompanhada de reflexão sobre

como adaptá-los ao nosso contexto. Na maioria das vezes, ainda não se


pratica a antropofagia modernista aplicada ao mercado de arte.

1. Neste texto, Arte/


Educação refere-se a um campo mais amplo de atuação, podendo ocorrer
espaços formais ou não formais. Não tem como foco o ensino de conteúdos específicos de arte,
einbora isso possa ocorrer.
2.Ensino de Arte refere-se a um campo mais específico, em que o foco da atuação é o ensi-
no-aprendizagem de conteúdos específicos em Arte.
ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO OAS ARIES CUITURAS VISUAIS
212

métodos (que podem vir disfarçados com o educador levar em consideração as diversas possibilidades de expressão
A grande diferença entre abordadas pela abrangência dos objetos artísticos e as especificidades
"metodologias") e propostas/abordagens é que os primeiros são
nome de ed ucacionais de formação
seguida, limitando a possibilidade que o pro- que pontue como relevantes.
tomados como regra a ser
aulas momentos de criação. Entende-se aqui A partir de seus três eixos fazer, ler e contextualizar
—, que não
fessor tem de fazer de suas

seguido com vistas à obtenção de um "bom" sáo hierárquicos ou lineares, é possível pensar uma atuação significativa
como método algo a ser
necessariamente o co-
resultado. A aplicação de um método não supõe no Ensino de Arte.
aplicação de sequências de
nhecimento de seus princípios, mas sim a
aplicação deve levar a um resultado pretendido. Pode-se entender que "Contextualizar éestabelecer relações. Neste sentido,
açõesou fórmulas cuja construção, por parte do professor, de a contextualização no processo ensino-aprendizagem é a porta aberta para
Por metodologia entende-se a a interdisciplinaridade" (Barbosa, 1998, p. 38). Seria a discussão acerca dos
a partir do conhecimento
dos fundamentos ou
propostas de aulas e ações elementos que circundam, em vários níveis possíveis (ideológico, político,
divulgadas. Assim, os
premissas de métodos, propostas ou abordagens mitológico etc.), concepção e a concretização do objeto artístico, sua esco-
metodologia é criada por cada a
métodos estão à disposição de todos, mas a lha estrutural, e a relação desses elementos com nossa contemporaneidade.
trabalho nas aulas de Arte ou em ações
3
que
professor a cada proposta de Morin (2001 b, p. 12) postula tal abrangência inter-relacional como a "neces-
professor limitado aplica métodos de
integrem o componente arte. Um sidade de promover o conhecimento capaz de apreender problemas globais
de outrem. Um professor dinâ-
ensino que podem ser de sua autoria ou aulas e fundamentais para neles inserir os conhecimentos parciais e locais".

mico e atuante cria metodologias que


enriquecem tanto as suas
Partindo do pressuposto de que "As sociedades, em seu tempo e espaço,
quanto a si mesmo, enquanto docente-artista. estão intrinsecamente unidas aos objetos artísticos que produziram e pro-
Triangular sistematizada por
É nesse sentido que a Abordagem

duzem" (Andrade, 2006, p. 22),


entende-se que a fruição, inicialmente
Arte/
Ana Mae Barbosa na década de
1980 vem contribuindo para a

percebida como ato de


prazer, percepções do objeto que
irá propiciar outras
método a ser aplicado, mas uma
Educação e o Ensino de Arte: não é um não prescindirão do conhecimento em constante construção. Desta forma
Sendo uma abordagem
proposta a ser estudada e pensada artisticamente. a fruição pressuporá conhecimento e consequente correlação de elementos
favorece a ampliação de fronteiras cul-
de arte/educação pós-moderna, contextuais. Assim o contato e percepção acerca dos elementos manifestos
da arte, pela compreensão histó-
turais e interdisciplinares para o estudo no tema de estudo propiciarão uma ampliação qualitativa do olhar discri-
rica, social e cultural da arte nas
sociedades, e pela elaboração da experi- minador e igualmente questionador de nossos educandos.

mentação artística. Por fim o experimento da expressão ou seja, a construção do edu-


artística,

basta propor e desenvolver


atividades; cando a partir de materiais e experiências que adquiram significado dentro
Nas aulas de Arte, não apenas
artístico, diversificando-as, contex- de um contexto, poderá despertar um conjunto de habilidades e competên-
é preciso desenvolver o pensamento
curiosidade investigação, interligando cias
que propiciarão uma relação mais íntima e crítica com o fazer artístico.
tualizando-as, motivando a e a
trabalho com o pensamen- Segundo Barbosa (1998, p. 39), "O erro mais grave é o de restringir o fazer
Aulas de Arte pressupõemintrinsecamente o
to artístico.
artístico, parte integrante da triangulação,
à realização de obras", ou seja,
referencial, possibili- preconizar a ideia de cópia ou "parecência" como atributos desejáveis à
A Abordagem Triangular é, portanto, um uma
arte/educação; cabe ao arte/ expressão individual. Ao contrário, entende-se que a experimentação, que,
dade concreta de trabalho complexo em eixos, não possui ordem dentro do trabalho, deve
como os outros dois
maiúscula quando se refere à disciplina escolar e
propiciar uma rede de construção de conhecimentos baseados no contato
3. Arte, neste texto, está grafado com inicial
refere ao campo em geral.
direto com experimentações estéticas de relevância para tema abordado.
com inicial minúscula quando se
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES
214 CUIIURAS VISUAIS

educando possa inferir e discutir seus próprios posicionamentos, bem Sendoespeculação uma prática artística de
que o
interlocuções, de maneira estética com o fito de construir suas
a
açãoe de pensamento,
como suas é necessário que tenhamos o conhecimento de aspectos diversificados das
de Belo
próprias percepçõesreflexivas em decisões empíricas. (Prefeitura expressões artísticas nas amplas possibilidades de qualidades dessas
2009)4
Horizonte, expressões. E importante ressaltar o caráter político que temos como in-
divíduos culturais; daí nossa responsabilidade frente às escolhas que
Ressalte-se que o que se busca é o diálogo entre açõesintrínsecas fazemos na composição de nossas próprias concepções do
abor- que seja ensi-
para o com arte/educação, propondo a articulação entre
trabalho
nar/aprender arte, em todos os ambientes.
dagens não hierarquizadas do objeto artístico, uma vez que "não se
trata
interligam Outra observaçãoimportante é que a Abordagem Triangular não se
de fases da aprendizagem, mas de processos mentais que se
limita a si mesma. O
diálogo de suas premissas com as teorias de outros
(Barbosa, 1998, p. 40).
para operar a rede cognitiva da aprendizagem"
arte/
autoresé essencial para a construção de novas formas de pensamento e
Segundo Ana Mae Barbosa (2005a, p. 98), "hoje, a aspiração dos de
educadores é influir positivamente no desenvolvimento cultural dos es- açãono Ensino de Arte.
inclui a potencialização
tudantes por meio do conhecimento de arte que
da recepçãocrítica e a produção" Abordagem Triangular e pesquisa sobre/em Ensino de Arte
Influir positivamente engloba uma série de ações, inclusive a de
diversas possibilidades Muitas
partir do pressuposto de que a investigação de são as pesquisas que tomam por tema a Abordagem Trian-

de abordagem da produção artística é uma das formas de construção de gular e inúmeras as que a ela se referem como parte do trabalho. Em
conhecimento em arte. Nesse viés, as propostas oferecidas por pesquisa- Congressos Seminários de Arte/Educação, podem ser lidos textos
e
que
dores, estudiosos e atuantes no Ensino de Arte são contributos aos demais discorrem sobre seus aspectos conceituais, ou analisam práticas educati-
profissionais da arte/ educação. vas partir de suas premissas,5 embora ainda certo número deles apre-
a

está em constante mudança de forma, sente problemas de falta de entendimento de conceituação e de análise.
Há que pensar que a arte
se
de materiais e de temáticas que refletem o pensamento humano com seus É possível detectar
que cada vez mais outras áreas de expressão —

prazeres, suas incongruências e seus


conflitos, o
que propicia que possa- que não somente Artes Visuais têm apresentado estudos

que conside-
revisitar o que já foi pensado e produzido e, ainda, pensar a criação ram a Abordagem Triangular como referência para a construção de me-
mos
isso que "Tam-
de ampliação do nosso próprio espaço de criação. Alie-se a todologias de trabalho em arte. Importante ressaltar
que esses trabalhos
bém essencial o conhecimento dos diversos instrumentos de produção
é a presentam, na maioria das vezes, inter-relações pertinentes
com teóricos
artística,ficando bem claro que esse conhecimento não deve ser um fim de seus campos específicos.Serão citadas aqui algumas das pesquisas
ver, significar e produzir realizadas no Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Be-
em si mesmo, mas um meio para que se consiga
arte". Portanto, "não podemos nos esquecer que, para que possamos Ias-Artes da Universidade Federal de Minas Gerais
(EBA/UFMG).
crítico, isto
pensar artisticamente, énecessário que tenhamos pensamento Em sua dissertação de mestrado em Artes, Ensino de Artes: entre a
é, que saibamos analisar o que nos é apresentado e nos posicionar frente illiagem e a ação, Sâmara Carbonari Santana demonstra trabalho
como o
a isso" (Pimentel, 2003, p. 114).
5.
No Congresso Latino-Americano e Caribenho de Arte/ Educação e 190 Confaeb, realizados
Disponível em:
4. <http:/['portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/contents.do?evento=conteudo&id Belo Horizonte de 24 a 28/11 por volta de 70% dos trabalhos brasileiros faziam à
em: 3 fev. 2010. Abordagem Triangular.
menção
Conteudo=29681&chPlc=29681&termos=ReferenciaisCurriculares>. Acesso
216 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM IRIANGU[AR NO [NSINO
CULTURAS VISUAIS

da Abordagem Triangular ganhou um Codificação, ao se depararem com peças


com artes audiovisuais a partir audiovisuais que, a princípio,
professora, e para os alunos que pareciam-lhes
novo significado para ela, enquanto
estrangeiras,
feitas por artistas ou pessoas de diferentes
idades. Ao ter contato,
participaram de um projeto de criação de vídeos. por exemplo, com os vídeos que participaram da
feitos com alunos de mostra competitiva, os alunos perceberam que se tratava de
Em dois projetos Máquinas e VideoArte


peças audio-
visuais de diferentes objetivos e
criou metodologias que con- destinos. Outro exemplo pode ser o de
uma escola particular de Belo Horizonte, decodificar o texto narrativo
e adaptá-lo à proposta fílmica contemplada
templavam o queali era feito tradicionalmente nas aulas de Arte e propôs
pelo audiovisual.
novos direcionamentos para outros trabalhos. Informação, quando esses alunos conheceram os principais
procedimentos
A autora considera que, naquela escola, o ver e o fazer já eram con- audiovisuais e seus processos, utilizados artistas e videonmkers
por em geral,
templados, mas ficava uma lacuna no contextualizar. Ao propor os pro- as formas de exibição encontradas atualmente e a possibilidade de eles
jetos, levou em consideração o que já vinha sendo
feito e
acresceu a próprios produzirem vídeos do seu universo, da sua comunidade, do
seu
contextualização de forma a que suas aulas fizessem significativa dife- mundo.
aulas de Arte.
rença no modo como os alunos consideram as A utilização dessas perspectivas básicas abriu o
processo para novas inter-
O Projeto Máquinas foi a porta de entrada para uma nova maneira venções e seu caminho foi construído à medida que os passos eram dados,
de trabalhar nas aulas de Arte. O fazer, que era a tônica das aulas até en- de maneira produtiva, colaborativa e consistente. (Santana, 2009,
105-106) p.
tão, foi contemplado em grande parte do trabalho, mas houve a preocupa-
discreta, para não Dessa maneira, professor
também tem que ser um especulador e
o contextualizar de forma mais
o
cãoem incluir o
fruir e

causar tanta estranheza em relação ao que já vinha sendo


feito pelas tur- um pesquisador, na medida em que o planejamento das aulas, a avaliação
de sua conduta e sua crítica a
mas e ter a aceitação inicial para seu trabalho. respeito do está ocorrendo
que e quais —

'Sôo
O Projeto VideoArte teve como objetivo propor a produção de um suas consequências são construídos no próprio processo.

mas com o prévio contato com produções audiovisuais


vídeo em Os dois projetos são analisados, também, luz das
grupo, à teorias de Arthur
feitas por artistas e com o estudo da contextualização dos ambientes dos F,fland sobre metáforas cognitivas e imaginação
e de Tim Ingold sobre
ed da atenção.
alunos.
ucação
A pesquisa de Geraldo Freire Loyola, meadiciona.com, dirige-se ao uso
Consciente da complexidade existente no conceito da Abordagem Triangu-
foi estrutu- das tecnologias contemporâneas, mais especificamente o uso da internet
lar, é importante registrar aqui como a metodologia do projeto
rada com a finalidade de contemplar "o cruzamento entre experimentação, no ensino de Arte. Seu trabalho também tece relações
com as concepções
(Barbosa, 2008, p. 337) de Ana Mae Barbosa sobre o das
codificação e informação". uso tecnologias, ressaltando o fator di-
Abordagem Triangular, quando pro- IOrencial da consciência crítica. Cita várias
O Projeto VideoArte buscou utilizar a opções de acesso à internet,
pôs uma perspectiva que revela essa triangulação. Ressalte-se que a própria que podem ser acessadas por professores e alunos, oferecendo de
gamas
autora não separa os conceitos de forma independente uns dos outros, possibilidades de trabalho a partir da Abordagem Triangular, principal-
considerando a totalidade do trabalho. nnente em atuações coletivas.
Experimentação, quando os próprios alunos foram responsáveis pela cons-
trução do roteiro e das escolhas das imagens e cenas, figurinos, locações, Termos e práticas adequados para lidar com as tecnologias contemporâneas
diálogos, objetos e todo o aparato que envolveu o processo de produção no universo da educação são a crítica, a parceria e a aprendizagem. O sen-
dos vídeos. so crítico deve ser continuamente empregado A parceria sugere a ajuda
218 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES CULTURAS VISUAIS 219

mútua e o professor pode encontrar no aluno um parceiro, uma vez que em Outros trabalhos de cunho mais teórico também têm trazido tona
à
muitas ocasiões o aluno sabe lidar melhor com as tecnologias do que o possíveis aproximações entre conceitos de diversas
áreas e a Abordagem
professor. Também a parceria entre os professores é importante para a tro- l'riangular.
ca de informações e para o desenvolvimento de projetos coletivos e inter-
Fernando Deoud Siqueira, em sua dissertaçãoArte: ambiência imagi-
disciplinares. (Loyola, 2009, p. 95)
nativa, estética e metafórica, relaciona estudos de diversos autores, princi-
palmente Hofstadter, Tomasello e Varela, a ambiência necessária
Juliana Gouthier Macedo focaliza a lacuna existente no material di- com ao
dático à disposição dos professores de Arte com relação à arte latino-ame- ensino de Arte. Embora seu trabalho não seja focalizado na Abordagem
'I*riangular, na proposta de
ricana. Em sua dissertação de mestrado, Inventário e partilha, discute a açãofaz considerações sobre o Ensino de Arte
a partir de suas premissas e considera-a mais
arte / educação e o Ensino de Arte na educação não formal, considerando, em zigue-zague que fecha-
da em triângulo.
entre outras, a necessidade de reconhecer arte como área de conhecimen- um Alguns conceitos
como imaginação, metáfora, esté-
tica, cognição, rede,
to e não como dom divino ou como recreação, como também ir além do conexão, coletividade e interação permeiam, implí-
cita ou explicitamente, todo o conteúdo do trabalho. Esses conceitos
fazer como totalidade da criação. não
são autônomos, não aparecem isoladamente, mas interligam-se constan-
Outra questão importante de abordar é a ênfase que se costuma exigir na temente sem, no entanto, se aglutinarem em uma forma fechada.
produção, no fazer, na reprodução de técnicas, uma constatação da maioria Fabrício Andrade Pereira,
em sua pesquisa O conhecimento epistemo-
dos educadores entrevistados. Além da demanda do retorno aos patrocina- lógico e o conhecimento em arte: análise de paradigmas do século
XXI sob enfo-
dores, o outro desafio éo desconstruir a associação restritiva entre arte
de
transdisciplinar, de seu doutorado em andamento, dialoga
(Ille
e produto, seja em uma pintura, uma apresentação cênica, ou uma peça
com a
psicologia cognitiva e as neurociências, baseando-se em autores
musical. (Macedo, 2008, p. 91) como
Gazzaniga, Sternberg, Lent e Tomasello, entre outros.

redução da arte à comunicação


Discute, ainda as questões de e o que Pesquisando diversos campos do saber inclusive psicologia cog-

há de político em arte/ educação na educação não formal. nitiva e neurociência da mente e do comportamento para a compreen-

sãoe alargamento epistemológico relativo ao campo de conhecimento da


Se compreensão da educação como essencialmente política ainda é tímida,
a arte/ educação, é
um dos jovens pesquisadores que vêm desenvolvendo
quando o assunto é arte/educação ainda há uma associação forte à visão seu trabalho na interface de como se ensina/ aprende arte. Sua pesquisa
discursiva da arte e às interpretações que a reduzem à comunicação. Para nãotem como foco a Abordagem Triangular, mas os estudos feitos ante-
ilustrar, vale lembrar aqui a colocação de Barthes (1984) de que a sutileza e riormente lhe deram bases para que propusesse nova pesquisa de
se a
a qualidade estética da obra de Brecht não deixaram que seu teatro fosse caráter múltiplo, com vistas à produção de teorias
'politicamente eficaz". O potencial crítico da arte fica sempre em um espa- que auxiliem o profes-
sor de Arte em sua atuação. Sua proposta é, a partir do diálogo
çotênue. Não é a obra em si, mas o que ela pode vir a provocar. Não é o seu com
campos diversificados do saber, poder "discutir problemáticas específicas
conteúdo em si, mas o que ele pode despertar e agregar. Também não ne-
e procurar a proposição e o estabelecimento de
cessariamente do político, mas do sujeito, do humano, da capacidade de novas formas dialogais
do conhecimento" (Pereira, 2009, p. 11).
percepção de mundo. É aí que entra a importância da arte/educação, mui-
tas vezes confundida com educação cultural. Quando a arte e a cultura se O autor parte do princípio de que não há campo que domine, sozinho,
confundem, abrem-se brechas para um vale-tudo que esvazia a cultura e o conhecimento abarcado sobre seu próprio
campo e que é necessário
esvazia a arte. (Macedo, 2008, p. 94) tanto dialogar
com a própria essência do campo quanto respeitar seus
220 CULTURAS VISUAIS 221
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM IRIANGU[AR NO ENSINO

próprios limites e os limites dos outros campos com os quais se possa Destaque-se também as pesquisas que estão sendo feitas sobre o uso
transpassar a criação de conceitos que interessem ao estudo. Defende que de tecnologias contemporâneas na produção de material didático-peda-
as pesquisas em arte, tanto no campo artístico quanto no de ensino e no gógico para o Ensino de Arte, que emergem da consideração dos três
teórico, têm compromisso social. Por isso, elas precisam
estar disponíveis eixos propostos pela Abordagem Triangular. A partir desse marco, tor-
arte/educador signifique e ressignifique seu âmbito de atuação. trabalho e de formação do
para que o nou-se preciso levar em conta outra forma de
Lembra, ainda, que os alunos hoje têm acesso a informações que também professor de Arte6 e, portanto, ampliar e relacionar os estudos que antes
lhes permitem confrontar distintas versões para fatos e acontecimentos eram separados em categorias de fazer, criticar e historicizar.
que poderiam ter sido afirmados como verdadeiros anteriormente. Tor- Paula Pereira direciona sua pesquisa para a possibilidade
Patrícia de
na-se premente, então, desenvolver o pensamento crítico. de uso de instrumentos digitais como material didático, mais especifica-
Não é necessário aqui explicitar a ligação entre o que o autor discute mente os gallles de caráter didático-pedagógico para o Ensino de Arte via
e a Abordagem Triangular, pois está posto fazendo uma análise dos jogos já existentes e levantando condições
zoeb,
que suas premissas estão apa-
rentes. O autor conclui
que para que
eles
possam ser considerados adequados para o envolvimento
de alunos e professores no processo ensino-aprendizagem.
[...] nem todas as formas de discussão e reflexão acerca do conhecimento
conheci-
em arte possam se refletir de maneira prática, fácil ou imediatamente A vem se mostrando como um importante instrumento para o
web

utilizável para educador, assim como o próprio estudo do objeto artís-


o mento em arte diante das possibilidades de democratização e divulgação da
tico. Objetos esses
que, por intenção, insistem em não se mostrarem com informação, ou mesmo de criação e interação. Pode-se indicar aqui, ainda
a simplicidade
que deles se espera. Pode-se afirmar que por serem, via de que brevemente, algumas referências nesse sentido como: a net.art,7 os mu-
artistas e outros. Porém,
fruto das necessidades seus, fundações, organizações, galerias, páginas de
regra, ou das questões humanas, fazem-se assim:
complexos, intrínsecos e capazes de sugerir fontes significativas para a é importante advertir que o fato de poder fazer uso desses instrumentos de
formação educacional. Desta forma, por mais banais que as formas ex- comunicação e informação não significa, necessariamente, abandonar ou
pressivas se apresentem, ou aparentem, a educação pode estabelecer ca- simplesmente substituir os modos de conceber conhecimento artístico do
o

minhos que mais intriguem do que respondam. Mas esses mundo tangível, como visita a museus e galerias, ou mesmo as produções
mesmos cami-
nhos, nem sempre, resolverão problemas intrínsecos relacionados aos atos de obras de artes visuais originadas a partir de instrumentos tradicionais,

em si de educar e de conhecer. Porque nos é possível, apenas, pensar como tais como a pintura, a escultura, a gravura, o desenho, muito menos excluir
o corpo humano desse processo de cognição. (Pereira,
2008, p. 17)
se fôssemos outro ser humano. Mas nunca ser o outro. Nossas principais
reflexões e a resolução de
nossos diferenciados dilemas educacionais
Todas essas modalidades de produção visual resultam dos avanços
pertencerão, sempre, a cada um de nós mesmos. E estão em diálogo re-
corrente com nossas escolhas e relações pessoais, culturais e ideológicas.
técnicos e transformações estéticas ocorridos ao longo dos séculos. Pode-

(Pereira, 2009, p. 19) rão reinventadas a qualquer momento, mas jamais descartadas do
ser
hoje é a
processo de ensino-aprendizagem em arte. O que se apresenta
Assim, a partir de uma pesquisa
feita por Ana Mae Barbosa, e de sua
divulgação, outras pesquisas foram sendo feitas e divulgadas, 6.Considero que ainda não temos sistematizada a formação do arte/educador. Ela se faz um
promoven- prática, nos trabalhos em centros
do mais e mais construção de conhecimento nos pouco na formação inicial do professor de Arte, mas muito na
campos da arte/ educa- culturais, organizações sociais.
museus e outras

çãoe do Ensino de Arte. 7. Projetos de Artes Visuais desenvolvidos na web.


222 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGU[AR NO [NSINO ARIES CULTURAS VISUAIS 223

possibilidade de aprofundamento do saber em cada


uma dessas modali- Épreciso encontrar, então, fontes de análises e de ações
para lidar com esses
dades artísticas e
do redimensionamento das relações possíveis com elas. espaços proporcionados pelas tecnologias contemporâneas. Afinal, essas
O Ensino de Artes visuais requer entendimento sobre os conteúdos, os análises e vão depender de como serão as relações estabelecidas entre
ações
materiais e técnicas com os quais se esteja trabalhando, assim as pessoas para conviver com esses sistemas do mundo virtual. Para Lévy
como a
compreensão desses recursos em diversos momentos da história da arte, (2000, p. 11), sobre o ambiente virtual existem dois fatos bem demarcados:

inclusive da arte contemporânea. E preciso passar por um conjunto amplo o primeiro diz respeito ao desejo de ocupação individual/ coletiva deste

de experiências, articulando percepção, imaginação, conhecimento, instrumento diferente de comunicação; o segundo está ligado à abertura
pro- desse novo
ambiente "e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais
dução e sensibilidades artística pessoal e coletiva. O contato com o mun-
positivas deste espaço nos planos econômicos, político, cultural e humano".
do virtual possibilita um alto grau de interação
com obras produzidas via
web, mas somente ele não abarca o conjunto de necessidades de vivências Tudo pode e deve
questionado. Para toda ou qualquer discussão que
ser
envolva o tema tecnologias contemporâneas
e, consequentemente,
seu
e experiências em arte.
vínculo com a humanidade, surgem indagações sobre sua importância para
Com sua pesquisa, Patrícia abre, ainda, uma perspectiva de pesqui-
os diversos campos do saber e da vida, bem como sobre seus problemas e
sa no Ensino de Arte nos cursos de educação a distância, outra modali- possíveis soluções. Para cada situação/ problema apresentada, há
sempre
dade proporcionada pelo ciberespaço, destacando a possibilidade de mais questionamentos do que propriamente respostas ou soluções. (Perei-
interação em grupo de pessoas que não se encontram necessariamente ra, 2008, p. 25-26)
na mesma localização geográfica. Levanta questões sobre a importância
da experiência corpórea e das vivências pessoais para a construção de de outras pesquisas, propostas de trabalho a partir
A partir dessas e
conhecimento em arte, alertando para o perigo de o aluno trabalhar so- de vários vieses vêm se desenvolvendo, contribuindo cada vez mais para
mente o processo produtivo e não com o construtor crítico de conheci- a diversidade de possibilidades de pensamento e no Ensino de Arte
ação
mento, estando aí um de seus limites. e em arte/ educação.Podemos citar como exemplo os estudos da Abor-
dagem Triangular na perspectiva da Cognição Imaginativa.
O usuário da web
pode entendê-la totalmente ou parcialmente. Sabendo
pouco sobre sua estrutura de funcionamento e qualidade de informação, Contemporaneamente, estudos e pesquisas apontam o deslocamen-
ele só lida to da linha de arte como sendo linguagem para arte como imagética.
com o processo produtivo e não com o processo construtor crí-
tico de conhecimento. Se,
por um lado, há uma gama de materiais disponí- Assim, seu ensino não se daria por comunicação, mas sim por metáfora.
veis para a formação do indivíduo via por outro, assim como seus Sairemos do campo da semiótica para o específico da arte
campo como
usuários podem criar personagens e informações enganosas para colocar
área de conhecimento autônoma e mais determinada, onde os estudos
no mundo virtual, o mesmo pode acontecer com aqueles que precisam de transdisciplinares ganharão força.
conhecimento seguro para a construção do saber, pois nem tudo o que
Segundo Efland (2002), é a metáfora que constrói ligações que nos
aparece na internet tem conteúdos ou referências confiáveis. O problema da
tecnologia é o uso que se faz dela e não a ferramenta em si. Nesse sentido, permitem entender e estruturar o conhecimento em diferentes domínios
Ash aponta dois erros: "subestilllar a velocidade da inforlllaçãoe subestimar as para estabelecer conexõesentre coisas aparentemente não relacionadas.
De acordo com o autor, a metáfora tem três partes:
consequências". (Ash, 2000, p. 83) um domínio das fon-
tes (baseado alguns do pré-conceitual
em aspectos ou em níveis básicos
8. Sensibilidade não fortuita ou aleatória, mas construída por experiências artísticas significati-
de experiências
corpóreas), um domínio dos objetivos e um recurso de
vas. mapeamento desses objetivos (meta). Os domínios da meta são desco-
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM NO I!NSINO CULTURAS VISUAIS

nhecidos e se reconfiguram constantemente, sendo impossível determi- Referências bibliográficas


nar-se uma sintaxe para os mesmos.
Ainda segundo metáfora aparece em todos os domínios do
o autor, BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998.
conhecimento, mas é principalmente em arte onde fazemos experiências
(Org.). Arte-educação:leitura no subsolo. São Paulo, Cortez, 2002.
de metafóricas da mente como via de construção de sentidos. O que
ações (Org). Inquietações e mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2003.
distingue a experiência artística de outras experiências não é a metáfora

por si só, mas a excelência dos níveis metafóricos de imaginação e seu .

Arte-educação contenlporânea: consonâncias internacionais. São Paulo:


vínculo com a estética. Propiciar experiências e vivências significativas, Cortez, 2005.
que possam construir esquemas e provocar metáforas é a linha de ação
da Cognição Imaginativa. .
Artes Visuais: da exposição à sala de aula. São Paulo: Edusp, 2006.

A prática educacional na pedagogia do conhecimento imaginativo PEIXOTO, Marcelino; PIMENTEL, Lucia. Ensino da Arte no Brasil. Belo

reconhece que ensinar envolve mediação interativa. Em arte envolve Horizonte: EBA/UFMG, 2005.
pensar, contextualizar, fazer arte e a habilidade de fruir obras de arte,
BRITES, Blanca; TESSLER, Elida (Org.). O meio c01110 ponto zero: metodologia da
focalizando na potencialidade que as obras de arte têm em suas estrutu-
pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 2002. p. 37-50.
rasmetafóricas. Sua prática potencializa a vivência pessoal elou bagagem
(Col. Visualidade, n. 4.)
imagética do aluno, gerando maior capacidade cognitiva em quaisquer
práticas do conhecimento. BRITO, Ronaldo. O moderno e o contemporâneo: (o
novo e o outro novo). In:

Podemos dizer que várias são as formas de pensar uma imagem,


se V VAA —
Arte brasileira contemporânea. Caderno de Textos, Rio de Janeiro: Fu-
seja ela sonora, gestual gráfica e a linguagem não substitui o pensa- narte, n. I, 1980.
ou
mento em imagem, é apenas uma forma de comunicá-la. Portanto, há que
CENTRO DE REFERÊNCIA VIRTUAL DO PROFESSOR (CRV). Disponível em:
se fazer distinção entre o que seja o pensamento e a comunicação via
imagens, uma vez que arte e comunicação são duas áreasde conhecimen- <http://crv.educacao.mg.gov.br>.
to distintas, embora concomitantes às vezes. A linguagem refere-se a CONDURU, Roberto. Arte afro-brasileira.(Orientações Pedagógicas de Lucia
comunicação. Ainda que a arte busque a semelhança via percepção,deve Gouvêa Pimentel e Alexandrino Ducarmo). Belo Horizonte: C/ Arte, 2007.
ser compreendida como um meio de destruir automatismos perceptivos,
DAVIES, T.; PIMENTEL, L. G; WORRALL, 12 Electric Studio: New Practice in ICT
indo além da proposição da linguagem.
Art and Design. London: Anglia Multimedia, 1999. Livro e CD-ROM.
No Ensino de Arte contemporâneo, é fundamental que os educandos,
através de pesquisas, observações, análises e críticas, DEOUD, Fernando. Arte: ambiência estética, metafórica e imaginativa. Disserta-
possam conhecer e
analisar os processos dos artistas, das obras de arte e da multiculturali- ção.(Mestrado em Artes) Escola de Belas-Artes, Universidade Federal de

dade presente na arte. Para se chegar à elaboração de formas originais de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005.

produção de obras artísticas é preciso haver conhecimento suficiente de


DOMINGUES, Diana (Org.).Aarte no século XXI: a humanização das tecnologias.
possibilidades de feitura, repertório imagético de referência e disponibi-
São Paulo: Unesp, 1997.
lidade à criação. O ensino contemporâneo de arte deve estar atento a isso.
E é essa contemporaneidade EFLAND, Arthur D. Art and cognition: integrating the visual arts in the curriculum.
que a Abordagem Triangular vem propor-
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BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO OAS ARIES CULTURAS VISUAIS

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2002. O CONTEXTUALIZAR E O CONHECER:
UMA ABORDAGEM SEMIÓTICA

Terezinha Losada

Introdução
Vigor talvez seja a palavra que melhor sintetize o espírito de Ana Mae
Barbosa: vigor intelectual, investigativo, político,
mas especialmente o
vigor humano, sua alegre e generosa curiosidade sobre o outro, seja ele
um simples professor dos confins do Brasil, ou uma proeminente referên-
cia do cenário internacional. A elaboração da Abordagem Triangular du-

rante aefervescência das discussões metodológicas para o Ensino de Arte


na década de 1980 exemplifica tal espírito, pois estabeleceu uma profícua
relação de trocas entre os mais diversos pares alunos, professores, teó-

ricos sem qualquer vício conservador ou de modismo colonialista.


A Abordagem Triangular foi inicialmente proposta tendo como vér-


tices a "leitura da obra", o "conhecer" e o "fazer". Posteriormente, o
termo "conhecer" foi substituído por "contextualizar". Este ensaio pre-
tende ampliar o leque de correlações que sua teoria suscita discutindo
a Iguns significados dessa mudança. Para isso serãoaplicados os princípios
epistemológicos da Semiótica de Charles Sanders Peirce (1839-1914) e de
outros pesquisadores ligados às teorias da linguagem.
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM NO ENSINO OAS ARIES CULTURAS VISUAIS 231

Filósofo norte-americano, Peirce


se intitulou pragmatista devido à co possibilita uma experiência exclusivamente racional, constituindo,
base fenomenológica de teorias.
suas A partir do estudo da lógica, ele portanto, um conhecimento no sentido estrito do termo. Por isso, Peirce
desenvolveu a teoria semiótica para discutir distingue o signo genuíno de terceiridade, dos "quase-signos" de primei-
como ocorre o conhecimen-
to,
não como prerrogativa da filosofia ou da ciência, mas os ridade e secundidade, que, para representar algo mentalmente, sempre
processos
cognitivos de modo geral. Para ele, o pensamento é dependem de uma interação concreta com o mundo exterior por meio da
uma semiose, ou
seja, a projeção contínua de um signo em outro signo. Peirce delimitou percepção.
seu conceito de signo de forma bem distinta daquela normalmente for- Porém, quando houver alguma nova experiência de primeiridade
mulada pela linguística e, à primeira vista,
como algo muito pouco (impressão) e de secundidade (conflito) que atinja aquele conceito insti-
delimitado. Para Peirce (1977), signo é tudo aquilo
que representa algo tuído que o signo sintetizou, esse signo passa a ser "objeto" de uma nova
para alguém em dadas circunstâncias. Umberto Eco (1980) traduz essa semiose. Nesse processo, o signo é substituído por um novo signo de
definição em outra, aparentemente, ainda mais ambígua e bizarra: "Sig- terceiridade, podendo, nessa nova síntese conceitual, tanto reforçar seu
no é tudo aquilo que serve para mentir". Vejamos sentido inicial quanto negá-lo. Por isso, Peirce considera o pensamento
como ocorre pro-
o
cesso semiótico: como sendo uma contínua projeção de um signo em outro signo, num
Uma impressão fugidia, dessas movimento infinito.
que temos milhões de vezes em um
só dia sem nos determos sobre elas mais que um segundo Contarei uma breve história que ilustra esse processo. Minha mãe
que logo se
dissipa, é o que Peirce denomina como "primeiridade". Apesar de ser
sempre comenta que, além dos balbucios do tipo "mama" e "papa", as
um fenômeno absolutamente efêmero, para Peirce esse instante de pri- primeiras palavras pronunciadas por João um de meus irmãos

foram, —

meiridade é a fonte de toda descoberta e o


motor de todo conhecimen- de fato, uma frase completa de franco estupor. Nos arredores de casa era
to. Pois,
embora normalmente ocorra o contrário, quando esse muito utilizado o transporte por carroças.Passeando com o filho, minha
momen-
to não se dissipa imediatamente e
nos detemos sobre ele, estranhando-o, mãe apontava-as dizendo expressões tais como: "Olha o cavalo!" Que
"

questionando-o, confrontando-o a outras situações e conceitos já esta- cavalo bonito!" Então, ao ver pela primeira vez um cavalo livre pastando
belecidos, enfim,quando entramos numa situação de conflito
que Peir- no campo, ela afirma
que pequeno
o arregalou os olhos de espanto e
ce denomina como "secundidade", poderemos —
desde que também exclamou repetidamente: "Cavalo cortado! Cavalo cortado!"
não estacionemos no próprio conflito, abandonando-o em seguida —
Na prática, esse é o processo semiótico descrito teoricamente acima.
chegar a uma síntese conclusiva. Ou seja, poderemos vir
a formular um Numa primeira semiose, carroça+cavalo apresentaram-se aos sentidos
novo conhecimento, um novo conceito, uma nova representação de algo
do mundo. como uma primeiridade. Recortando essa impressão entre múltiplas
outras, João intriga-se com tal objeto relacionando-o com as considerações
Peircedenomina essa síntese triádica como "terceiridade". Nela da mãe, que persistentemente pronuncia a palavra "cavalo", experimen-
configuramos um signo completo, genuíno. Portanto, embora o tando, desse modo, uma situação empírica de secundidade. Provavel-
signo de
terceiridade tenha, necessariamente, como primeiro mente tenham ocorrido sucessivas experiências desse tipo antes de João
momento uma im-
pressão e como segundo momento um conflito, ao constituir-se chegar ao seu primeiro conceito de cavalo, ou seja, à formulação daquele
síntese, ele
como
não depende mais desses processos empíricos, tornando-se signo que tinha como objeto a totalidade formada por cava10+carroça.
uma representação mental, que para evocar (substituir) algo não mais Pois, como vimos, o processo semiótico pode estancar-se tanto na mera
precisa de
uma relação concreta com o mundo. Em suma, o signo triádi- impressão, quanto no mero conflito, formando os quase-signos. Porém,
ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO DAS CULTURAS VISUAIS 233

feita a síntese triádica, João interiorizou um signo genuíno, uma repre- (signos) já formulados pela ciência. Énesse sentido que Umberto Eco diz
sentação autônoma que passa a habitar sua mente e pode ser resgatada que "signo é tudo aquilo que serve para mentir" e substitui os conceitos
por ela a qualquer momento. Em suma, João formulou um conhecimen- de "objeto", da semiótica persiana, e de "referente", oriundo da linguís-
to. Contudo, cavalo pastan-
numa segunda semiose, ao deparar-se com o tica, pelo termo "cultura".
do sem a carroça, João teve uma impactante primeiridade, entrou em
Portanto, o dinamismo lógico da semiótica de Peirce permite-nos
profundo conflito e, imediatamente, substituiu aquele signo por um novo, extrair tanto
exclamando: "cavalo cortado!". Eureca! Assim também acontecem as uma lógica culturalista,
que relaciona conhecimento e con-
texto,
quanto romper a lógica positivista das ciências, apontando-nos o
grandes descobertas científicas, filosóficas e artísticas. Peirce denomina
caráter provisório de todas as "verdades". Exatamente por isso, suas ideias
esse impacto de primeiridade experimentado por João como "Abdução".
nãoforam valorizadas no seu próprio tempo, vindo a encontrar recepti-
Segundo ele (1977, p. 220):
vidade apenas em meados do século XX. Partindo da lógica formal, e
Abdução é o processo de formação de uma hipótese explanatória. É a úni- fazendo um grande inventário das principais questões da tradição filo-
ca operação lógica que apresenta uma ideia nova, pois a indução nada faz Nófica, pode-se dizer
que a semiótica de Peirce é uma teoria do conheci-
além de determinar um valor, e a dedução meramente desenvolve as con- mento (gnosiologia) e uma teoria da ciência (epistemologia).
sequências necessárias de uma hipótese pura.
Em resumo, este artigo pretende discutir como a Abordagem Trian-
gular de Ana Mae Barbosa dialoga com esses princípios fenomenológicos
Certamente, depois daquele impacto abdutivo, João enfrentou
e culturais subjacentes a estrutura também triádica da semiótica
inúmeras outras semioses, menos traumáticas, é claro, aprofundando o
— —

peirceana.
seu conceito de "cavalo". Como é certo, também, imaginar que, sendo
ele hoje engenheiro nuclear, tenha ainda um conceito de cavalo muito A associação do "ver" em nível da primeiridade é a mais tácita des-
ingênuo e primário, se comparado ao de um veterinário ou de um cria- sas possíveis correlações. Pois, conforme mencionado brevemente acima,

dor de cavalos. Tanto quanto é certo afirmar que nenhum deles —


João, este da experiência estética pura e imediata, seja na
é o nível apreciação
tenha um conhecimento total sobre objeto das obras de arte, ou de qualquer outra coisa
veterinários e criadores o ou fenômeno que se nos

cavalo. apresente aos sentidos.


Por isso, Peirce distingue dois tipos de objetos. O objeto em si mesmo Entendido como mediação, como confronto de qualidades, de signi-
na sua plenitude, que ele chama de "objeto dinâmico", e o "objeto ime- ficados e de valores o termo "contextualizar" remete à esfera da secundi-
diato", que é o objeto tal como ele é captado no processo semiótico. O dade, conforme proposta por Peirce.
objeto imediato faz parte do signo,
não tem existência concreta, pois é Porém, os termos "contextualizar"
"conhecer" ocupam diferentes
e
fruto da representação mental que fazemos do objeto dinâmico. Desse lócus na teoria peirceana. A contextualização é processo, é um "quase
modo, o objeto imediato só viria a coincidir completamente com o objeto
signo", ao passo que o conhecimento é o signo instituído, ou seja, a cons-
dinâmico quando alcançássemos o conhecimento total sobre algo. Peirce
trução mental que configura a síntese de terceiridade. Seguindo esta ló-
denomina essa semiose plena de "interpretante final" Bica associativa, buscaremos defender a hipótese de que o conhecimento
Mas, como nosso conhecimento é sempre parcial e provisório, vive- liga-se à esfera do "fazer" pretendendo, em última análise, correlacionar
mos sempre a ilusão de que as coisas são aquilo que pensamos dela a as ideias de Peirce ao socioconstrutivismo de Paulo Freire (1987), que
partir de nossas experiências pessoais e culturais ou dos conhecimentos fundamenta as concepções educacionais de Ana Mae Barbosa.
A ABORDAGEM NO ENSINO
BARBOSA • CUNHA

Arte, conhecimento e cultura objetivo de representação do espaço e uma "forma simbólica". Ao buscar
intencionalmente representar com fidelidade o espaço físico natural,
Afinal, o que é a verdade? O que é a realidade? O aqueles artistas também representaram, inconscientemente, o espaço
que é a consciência?
O que é o conhecimento? Pautada divórcio
no entre razão e sensibilidade, psíquico, mítico e cultural de seu tempo.
desde Platão e Aristóteles essas questões instigam os filósofos ocidentais.
Panofsky diferencia concepção de espaço "descontínuo" das ima-
a
As artes se inscrevem nesse debate filosófico sobre o conhecimento, ora
gens da Antiguidade, nas quais eram utilizados sistemas perspectivos
como o contraponto negativo da razão, como o fizeram todas as tendên-
cias com vários pontos de fuga, da perspectiva central desenvolvida no Re-
racionalistas; ora como um modo rudimentar de elaboração da ex- nascimento, que articula uma concepção "contínua" e homogênea do
periência, tal como formulado pelos empiristas, e ora como a manifesta-
espaço. Um ponto de vista único e soberano que, antropologicamente, ele
çãomais perfeita do espírito, maneira privilegiada de alcançar o associa à Igreja onipotente, e, sociologicamente, poderíamos ainda asso-
absoluto, como fora considerado por Hegel, Nietzsche e pelos estetas
ciar ao rei soberano do sistema absolutista, à verdade inquestionável da
românticos. De fato, essa fissura dicotomizante está presente na própria
ciência emergente.
identidade antropológica da sociedade ocidental, repercutindo
nãosó nas
teorias filosóficas e científicas, mas também nos nossos modos de perce- Seguindo a mesmalinha de raciocínio, podemos tomar os pressu-
ber, agir e representar o
mundo, refletindo também nas diversas postos científicos do Impressionismo, oriundos da física óptica, como a
concep-
de arte e de educaçãoao longo da história. justificativa superficial de uma transformação mais profunda nas concep-
ções
Sempre nos impressiona a capacidade que o homem pré-histórico çõesde espaço e tempo do homem moderno. Decerto por isso, o Impres-
do período Paleolítico tivera de representar sionismo é, simultaneamente, a última expressão da tradição "mimética"
com acuidade o mundo sen-
e o precursor de sua dissolução nas vanguardas do século XX. Como
sível, especificamente os animais, objeto de sua sobrevivência. Esse
cará- também se torna plausível a tese de que o naturalismo nas representações
ter imitativo ou "mimético" da representação só reaparecerá na Antigui-
dade grega e depois no Renascimento, passando então a dominar dos animais realizados pelo homem caçador do Paleolítico resulte da
o
interesse da arte ocidental por cinco séculos. O Impressionismo foi úl-
o crença mágica de que capturamos as coisas apreendendo sua imagem,
timo grande esforço dos artistas nesse sentido e, tal mito que, em larga medida, ainda anima a atual sociedade tecnológica
comoo Renascimen-
to, postulava fundamentos científicos para a veracidade de seu modo de dos simulacros, conforme formulada por Baudrillard (2001).
representar mundo sensível. 'Eis aí, num mesmo nó, aquilo que funda a miséria e a grandeza
'

Contudo, são dois modos díspares de representação. Qual seria então de nossa condição como seres simbólicos" afirma Lucia Santaella (2001,
,

a maneira correta? Seria a maneira renascentista, p.


52): "Somos
no mundo, estamos no mundo, mas nosso acesso sensí-
que esquadrinha geo-
metricamente o campo visual, conferindo aos objetos e planos uma ilusão vel
ao mundo é sempre como que vedado por esta crosta sígnica que,
de tridimensionalidade quase palpável? Ou a maneira impressionista, embora nos forneça o meio de compreender, transformar, programar o
que funde todas as figuras e planos numa lâmina colorida e luminosa? mundo, ao mesmo tempo usurpa de nós uma existência direta, imediata,
Estamos novamente diante da questão da verdade e do conhecimento, palpável, corpo a corpo e sensual com o sensível"
ou melhor, da relatividade desses conceitos, modo
como eles são postos Nesse sentido Kant anuncia que nos é vedado o acesso à "coisa em
pelas teorias filosóficas e científicas
contemporâneas. si". Peirce, por sua vez, irá distinguir o "objeto dinâmico" a coisa tal como
,

Expoente da iconologia, Panofsky (1993) demonstrou-nos ela é a nossa revelia, do "objeto imediato", a coisa tal como ela é para nós,
que a
perspectiva desenvolvida na Renascençaé, resultado de nossas relações semióticas, significativas com o mundo.
ao mesmo tempo, um sistema
236 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM NO I!NSINO CULTURAS VISUAIS 237

Hannah Arendt (1991) afirma que entre homem e natureza há um "mun- códigos representa tivos dos estilos, como muitas vezes deixa transparecer
do" interposto, fruto do trabalho humano e das ações e discursos que o mecanicismo simplista de algumas explicações sociológicas ou antro-
sobre ele tecemos. Umberto Eco, por fim, irá negar o termo "referente" pológicas da história da arte. Quem transforma a arte é o artista por meio
utilizado pela linguística para designar o universo extralinguístico da de seu fazer concreto. Como isto ocorre é a questão de Gombrich, sendo
realidade. Segundo ele, pela linguagem e na linguagem, tratamos sempre também a questão de fundo de todas as teorias do conhecimento.
do mundo intralinguístico da experiência simbólica, substituindo, por Valendo-se dos conceitos de Popper filósofo da ciência —, Gom-

conseguinte, o termo "referente" pelo conceito de "cultura". não é diferente da


que a história das descobertas
brich dirá artísticas
história das descobertas científicas, ou de qualquer outro
processo de
descoberta. Popper negará a convicção sustentada pela tradição positi-
0 fazer artístico vista de que a ciência é construída a partir do método indutivo que vai
do particular para o geral. Segundo ele, as descobertas ocorrem no sentido
Ao afirmar que "não existe olhar inocente" Gombrich (1986) também inverso do geral para o particular por meio do jogo de "ensaio e
,
— —

se filia à tendência simbólica ou culturalista exposta acima. De fato, um erro", típico do pensamento "hipotético-dedutivo".
dos seus principais objetivos foi discutir por que a arte tem uma história.
Em outras palavras, não basta observar a maçãcair uma, duas, três
Ou seja, por que a arte não é um conjunto de manifestações inventivas
vezes para descobrir a lei gravitacional, como supõe o método indutivo.
desconexas nem tampouco um processo unidirecional, como supunha o
porque ela caiu infinitas vezes, e apenas Newton estranhou esse
Isso fe-
evolucionismo positivista. Em outras palavras, Gombrich buscou demons-
nômeno trivial da queda dos corpos, questionando-o e formulando a
trar
que não existe apenas um caminho para arte. Ao contrário, seus in- hipótese da existência de uma força de atração.
teresses e soluções representativas variam de cultura para cultura, e não
Decorre da análise desse processo insólita constatação de Popper
a
há arte que não percorra um caminho histórico de continuidade e ruptu-
de que as respostas antecedem as perguntas. Isto é, só somos capazes de
ras, de diálogo com sua própria tradição cultural.
questionar algo quando já imaginamos uma explicação para aquele fenô-
Tendo em vista que as relações entre a arte e fatores históricos, so-
meno ou situação. Para se tornar conhecimento ou lei científica, esta tese
ciológicos e antropológicos já eram amplamente aceitas e pesquisadas ao genérica (hipótese) terá de ser testada empiricamente por tentativas de
longo do século XX, poderíamos até dizer que essas teses de Gombrich
ensaio e erro. Se a hipótese resistir aos testes, temos uma nova teoria que
apenas ratificam o consensual. Porém, o que as tornam singulares são os pode ser demonstrada indutivamente pelos próprios testes realizados,
pressupostos cognitivos de que ele se valeu para construí-las. Ao analisar passando a ter valor de verdade enquanto não for refutada por outra nova
'quais" foram as principais mudanças estilísticas da arte, Gombrich foi teoria. Ao discutir esse tema na obra Conjecturas e refutações(1982), Popper

um historiador respeitável. Porém, ao indagar "como" estas mudanças conclui


que o objetivo da ciência é provar a mentira, refutando as
falsas

ocorrem, tornou-se um estudioso da "psicologia da representação" modo ,


teorias, de modo que a verdade é sempre provisória.
como ele denomina seus estudos considerados precursores da semiótica Nota-se que há grande similaridade entre o conceito de "conjectu-
das artes, posição que lhe é conferida por Calabrese (1987), entre outros ra" formulado por Popper e os conceitos de a priori de Kant e de "abdu-
importantes historiadores da área. ção" formulado por Peirce. Conceitos que levaram tanto Popper quan-
Ora, a arte muda de acordo com as mudanças contextuais, mas não to Peirce a relativizar o conceito de verdade, enquanto Kant, num gesto

é a sociedade, esta entidade abstrata, que efetivamente transforma os intelectual mais incisivo, dirá que não temos acesso a ela.
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM NO ENSINO ARIES COEI URAS VISUAIS 239

Retomando nosso paralelo entre renascentistas e impressionistas, Para explicar tal fenômeno, Gombrich refutará a teoria ainda hoje
podemos então dizer que, ao buscar imitar a natureza, o artista do Renas- muito veiculada de que existem dois métodos de representação visual: o
cimento priorizou a representação de um espaço racionalmente ordenado, natural, baseado conceitual, baseado
na visão, e o no conhecimento. O
definindo a particularidade de cada coisa. O artista impressionista, por primeiro é exemplificado pelas imagens já comentadas do período pale-
outro lado, buscou resgatar o frescor e a inconstância do fluxo sensorial, olítico, da arte
grega e de toda a tradição artística ocidental desde o Re-
reduzindo tridimensionalidade do espaço
a
uma estampa de cores lu-
a nascimento ao Impressionismo, sempre justificadas como resultantes da
minosas, aproximando-se assim do modo inocente sem padrões observação direta científica do mundo natural.
ou mesmo
— —
— —

como cada um de nós viu o mundo pela primeira vez. E nesse sentido O método conceitual, ao contrário, estaria ligado a modos esquemá-
relativo que podemos dizer que ambos desenvolveram métodos corretos
ticos ou abstratos de representar a natureza, aproximando-se do caráter
de representação, embora, no nosso dia a dia, não vejamos o mundo
nem convencional da linguagem verbal. Esse abarcaria todo o "resto", isto é,
com a rigidez dos renascentistas, nem com a espontaneidade dos impres-
todas as obras que, nãocompartilhando do interesse imitativo que animou
sionistas.
a arte ocidental "culta" por séculos, só seriam reconhecidas como arte
Se, diante
dos resultados de suas obras, ambos estavam corretos, quando esse termo viesse atrelado ao estigma de algum adjetivo, tal como
apenas tinham objetivos diferentes. Em contrapartida, quanto aos seus "arte ingênua arte primitiva
, arte popular arte alienada";
como
pressupostosmetodológicos, Gombrich dirá que ambos estavam errados. também pelo uso de nomenclaturas específicas, como desenho infantil,
Isto é,
nem os renascentistas, nem os impressionistas pintaram suas obras desenho técnico, caricatura, cartuns etc.
a partir da simples observação da natureza, como sempre afirmaram
Gombrich negará esta teoria, afirmando que toda arte é conceitual.
esses artistas, os teóricos, e o público em geral sempre acreditou.
Assim como a percepção não é o mero registro dos estímulos visuais,
Para criar a aparência do fluxo sensorial,
artista impressionista não
o exigindo a formulação conceitual de padrões perceptivos (Arnhein, 1984),
saiu simplesmente do ateliê, deixando trás todos os padrões conhe-
a representação visual não é o simples registro das percepções,como
para
cidos e entregando-se à observação espontânea da paisagem
ao ar livre. pressupõe o método natural. A representação também exige a criação de
Não existe esse "olhar inocente", afirma Gombrich. Para fazê-lo, o artista padrões, ou seja, de esquemas representativos, os quais Gombrich deno-
teve antes de se sentir insatisfeito como o modelo renascentista vigente mina de schematas. Em outras palavras, do mesmo modo como precisamos
na academia neoclássica, questionando-o e conjecturando novas possibi- criar algumas "chaves" conceituais para perceber o mundo, também
lidades para a arte. E, depois,
como faz o cientista, ele teve também de precisamos criá-las para poder representá-lo.
testar suas hipóteses, preservando certos princípios da tradição e
rom- A lógica cognitiva para a criação dos schematas é a mesma dos 'ipa-
pendo com outros. drões preceptivos": o teste de hipóteses por tentativas de ensaio e erro,
Precisou, em suma, equacionar sua nova visão de mundo às possi- criando —

como afirma Arnheim (1984, p. 39) "esquemas correlatos


bilidades e aos limites dos modos representativos


que conhecia e dos de formas gerais que são aplicáveis não somente a um caso individual
materiais de dispunha trabalhar, criando, partir destas tenta-
que para a concreto, mas a um número indeterminado de outros casos semelhantes".
tivas de ensaio e erro, uma nova maneira de representação, um novo No entanto, Gombrich salienta que os processos da percepção e da repre-
código, um novo estilo para a arte. E tal modelo, até que surgissem novas sentação são distintos, sendo esse um dos seus pontos de discordância
visões do mundo, apresentou-se
como o mais adequado
"
verdadeiro"

frente
às teorias de que, segundo ele, projetam indiscriminadamente re-

para representar a realidade. sultados de pesquisas sobre a percepção na análise da representação.


240 BARBOSA CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO ARTES

CULTURAS VISUAIS

Gombrich adverte que, na percepção visual, o pensamento lida com motivações culturais que orientam a produção artística das várias
osa das
inputs luminosos
os que os olhos captam do ambiente, enquanto, na re- dos diversos grupos no interior de uma mesma sociedade,
civilizações,
presentação visual, o pensamentolida com as possibilidades e limites dos bem como das diferentes funções da imagem em cada contexto prático.
diferentes materiais e códigos, como também das diferentes visões de Sem dúvida há uma estreita convergência entre esses fundamentos
mundo e interesses comunicativos. Vejamos brevemente esses aspectos.
culturais dos estudos cognitivos de Gombrích, o socioconstrutivismo de
O material condiciona o trabalho do artista. Grosso modo, pode-se Paulo Freire e o conceito de contextualização formulado por Ana Mae
dizer que, para traduzir
numa imagem aquilo que vê (ou imagina), o Barbosa para orientar o Ensino da Arte. Todos confluem para o hoje tão
artista terá se estiver utilizando o lápis sobre papel de pensar sua em voga critério de respeito à diversidade cultural.

obra em termos de linhas, contornos, contrastes de claro e


escuro; se es-
tiver utilizando a tinta sobre a tela, terá de formular outros
procedimen-
tos, como o uso de manchas e contrastes de cores. O 0 fazer interpretativo
mesmo será exigido
diante da especificidade de qualquer outro material e
suporte (físico ou
eletrônico) que o artista vier a incorporar ao seu trabalho. Por essa razão, Tomando os doispolos do processo comunicativo emissor e re-

ao discutir a importância da materialidade no processo de criação, Fayga ceptor —, Umberto Eco destaca que, nesta delimitação da semiótica, a
Ostrower (1983, p. 53) afirma que "criar é um pensar específico sobre ponta da recepção é sempre a mente humana. Ou seja, o emissor pode ser
um
fazer concreto". outro ser humano, mas pode ser também qualquer outro elemento natu-
ral ou artificial,
Os esquemas ou códigos também condicionam o trabalho do artista, como uma obra arquitetônica, um quadro, uma música,
acrescenta Gombrich. Ao dispor de qualquer um desses materiais, o ar- um livro ou um gibi, um filme ou um seriado de tevê. Enfim, interessa à
semiótica humana o receptor,
tista não partirá do zero, pelo contrário, tomará
como ponto de partida que diante da impressão de qualquer coisa
algum esquema representativo que já lhe seja familiar. (primeiridade), com ela interage (secundidade), construindo significados
Resultam dessas análises de Gombrich duas máximas de grande (terceiridade).
importância e profunda atualidade. A primeira refere-se ao fazer artístico Embora o principal objetivo de Gombrich em seus estudos sobre a
levando-o a afirmar que (1986, p. 24). "Nenhum artista é independente psicologia da representação fosse a análise do trabalho crítico e criativo
de predecessores e modelos". Ao desenvolver o trabalho educativo do artista, ele destaca com ênfase que o sucesso de tal esforço depende
em
museus aliado à atividade de releitura de obras de proposições
arte, as também da capacidade crítica e criativa do receptor. Segundo Gombrich,
de Ana Mae vão de encontro a essas teses de Gombrich, tomando todo efeito de ilusão na arte é de fato um acordo entre artista e público.
como
válidos para o aluno de arte os mesmos fundamentos cognitivos que Facilita a compreensão desta sua tese tomarmos como exemplo os
regem o trabalho do artista. efeitos de ilusão produzidos pela indústria cinematográfica. Assistindo
A segunda diz respeito ao trabalho da crítica. Quando afirmar que a uma retrospectiva dos mais famosos seriados de heróis, meu filho então
(1986, p. 18) "o evolucionismo está morto", Gombrich questiona as con-
com nove anos, acostumado às novas tecnologias da imagem, desatou a
cepções historiográficas idealistas, que de modo descontextualizado e —
rir ao ver o
voo do Super-Homem nos seus primeiros filmes. Esse
efeito
autoritário —

tomam suas concepções de arte como universalmente vá- é ridículo! exclamou ele, pontuando que o ator ficava parado com os
,

lidas. Segundo ele, a fonte dos vieses e estigmas citados acima resulta do braços esticados para a frente, enquanto se percebia nitidamente que o
desconhecimento, ou de algo ainda pior, a desconsideraçãopreconceitu- movimento estava noutro filme que passava por trás, mostrando o céu e
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS 243

uma vista aérea da cidade. Realmente, as técnicas de gerar a ilusão no O


repertório diz respeito ao contexto acima citado por Gombrich.
cinema evoluíram de tal maneira, que, muitas vezes, o último filme pre- Envolve o conjunto das referências pessoais, culturais,
como também os
miado nos festivais por seus "efeitos especiais" apresenta-se ultrapassa- conhecimentos propriamente artísticos
que o artista e o público receptor
do no ano seguinte.
possuem previamente. Embora nunca sejam idênticos, naturalmente,
Como no voo do Super-Homem, só poderemos entender o valor de quanto maior for o grau de afinidade entre os repertórios do artista e do
inovação formal e semântica de certas obras de arte, se fizermos, público, menor será o grau de ambiguidade na comunicação entre eles.
como
diz Gombrich (1986, p. 53),
um exercício de "imaginação histórica", ten- Quanto às estratégias, Iser afirma que envolto por suas próprias

tando nos colocar no contexto de sua produção. Só assim deixaremos, referências contextuais produz
por o artista

sua obra dirigindo-se a um


exemplo, de perceber os efeitos de tridimensionalidade desenvolvidos receptor imaginário que ele denomina como "leitor implícito". O
que
por Giotto, no início da era moderna, como algo tosco, inverossímil, ou interessa para Iser é o fato de que, enquanto objeto físico, a obra constitui
mesmo ridículo. Só dimensionando o impacto de sua obra no seu próprio apenas uma "estratégia", isto é, um conjunto de "instruções" formuladas
tempo, compreendemos o seu valor para a posteridade. Então, o efeito pelo artista para provocar certos efeitos
no receptor. Para se tornar efeti-
de ilusão não
ocorre porque tal efeito imite a realidade, mas sim porque vamente um "objeto estético", a obraprecisa então ser "realizada", ser
ele agrada ao espectador, conclui Gombrich, rompendo
definitivamente complementada em suas ambiguidades, por meio da "participação do
com o conceito de mimese. Em suma, a partir de seu estudo sobre a arte observador"; aspecto esse que Gombrich também destaca em sua teoria.
ilusionista, Gombrich demonstra-nos que toda comunicação visual,
como As estratégias são, em suma, aquilo que normalmente denominamos
de resto toda comunicação humana, é
sempre o resultado de um pacto como "estilo" ou "expressão" de cada época ou artista. Gombrich dife-
entre emissores e receptores, de um código compartilhado entre eles.
rencia esses dois conceitos. Tal como a língua, o estilo é por ele definido
Decerto, esta
relação entre artista e público pode ser muito variada. como um código construído e compartilhado coletivamente, enquanto o
Pode haver aí uma fina sintonia ou mesmo subserviência, como também termo expressão estaria relacionado ao caráter particular do conceito de
ser repleta de hostilidade e provocação. Mas, sem dúvida, esta relação fala. A expressão é, portanto, o modo concreto como cada artista dispõe
sempre existe orientando tanto o trabalho de produção da obra pelo ar- daquela estrutura abstrata, simbólica, que é o estilo. Não se pode perder
tista, como o de sua decifração pelo público. de vista, contudo,
que a expressão é também o único veículo de transfor-
Wolfgang Iser (1999), ao elaborar sua "teoria do efeito estético" na li- maçãodesses códigos estilísticos ao longo da história. Do mesmo modo
teratura, endossará essas teses de Gombrich,
radicalizando-as. Para ele, a como são os falantes, e não os gramáticos, que mudam as línguas, são os
obra de arte em sua dimensão física, isto é, o livro artistas, e não os críticos e teóricos,
com todas as suas pági- que mudam a arte, embora, muitas
nas impressas (assim como podemos dizer da tela com todas as suas cama- vezes, estes julguem poder fazê-lo.
das de tinta), não constitui a verdadeira obra de arte. Segundo Iser (1996,
Podemos observar que são muitos os pontos de convergência entre
1,
v. p. 51), "a obra é o ser constituído do texto na consciência do leitor", as teorias de Iser e Gombrich, de modo que seus conceitos de "estratégia"
ou seja, a essência da obra de arte está no "efeito estético"
que ela provo- e "schemata" guardam grande semelhança. Ao formulá-los, ambos estão
ca na mente do receptor, sendo, portanto, uma experiência "virtual". se referindo ao trabalho do artista,
que, diante de suas referências cultu-
Iser descreverá esse comunicativo entre o polo da obra rais e artísticas, cria esquemas de representação.
percurso e o
polo da recepção, destacando três dimensões: repertório, as estratégias Por fim, conforme
o já mencionamos, a realização ocorre no Ato da
e a realização. Leitura, sendo esse o título de um dos livros no qual Iser formula sua
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS

teoria. Esse é o momento em que a obra efetivamente se completa, não aspectos estéticos e éticos da realidade,
que sempre caracterizaram o
Ensino da Arte, passaram a ser exigidas também
como "pré-texto" físico, e sim como "efeito estético" para o ensino de ciência.
sobre o trabalho do artista Por outro lado, o acesso aos conteúdos sistematizados,
Ligando as ideias de Gombrich a que sempre mar-

estas de Iser sobre o trabalho do receptor —, podemos compreender


— cou o ensino de ciência, começoua ser requisitado também para o Ensino
da Arte. Evidentemente, esses modelos
melhor o sentido do termo contextualizar na abordagem de Ana Mae não podem ser simplesmente
trocados,
Barbosa, pois, do mesmo modo como o artista cria suas estratégias por porque assim estar-se-ia apenas invertendo a posição dos velhos
tentativas de ensaio e erro, o receptor também o faz, buscando realizar problemas.
sua interpretação. Em outras palavras, não é "o olho
inocente"
que produz Uma das características mais instigantes da Abordagem Triangular
a obra de nem tampouco o seu virtual
arte, mas só o
"efeito estético", proposta por Ana Mae é exatamente evitar esse paradoxismo. Pelo vérti-
contínuo processo de contextualização. li ce dacontextualização, suas formulaçõespromovem ao mesmo tempo o
Tal processo, contudo, envolve múltiplas e imprevisíveis relações, desenvolvimento do aluno como emissor, sem cair
no viés espontaneísta
da Escola Nova, e também
entre as quais podemos discernir algumas significativas para orientar o como receptor, sem com isso promover a frag-
trabalho do professor de arte: mentação disciplinar, ou estimular concepções universalistas de arte
que
caracterizam, por exemplo, modelo do DBAE. Mas

nexos sócio-históricos, permitindo a compreensãodas linguagens para que essa alme-
jada contextualização efetivamente
e suas manifestações artísticas como conhecimentos historicamen- ocorra, é necessário restaurar o sen-
tido do fazer.
te construídos, os quais
expressam as diferentes visões de mundo
de cada época e grupo social, revelando assim a sua identidade Para Peirce, o jogo de impressões de primeiridade e de possibilidades
cultural; do processo contextualizador de secundidade gera os quase-signos. A
efetiva construção do conhecimento se dá
o
nexos intersemióticos, explorando as relações entre as
diversas apenas na dimensão represen-
tativa, que ocupa a terceira ponta do triângulo,
linguagens (verbal, visual, sonora, cênica) e suas hibridizações, momento da síntese inte-
lectiva. Do ponto de vista do emissor, Gombrich sustenta
especialmente nas mídias contemporâneas; que este é o
momento da criação de novas obras de arte e estilos artísticos. Analisando
0
nexos interdisciplinares, correlacionando ou mesmo subsidiando
a ponta da recepção, Iser o caracteriza como o momento da elaboração do
de modo instrumental o aprendizado das outras áreas curricula-
"efeito estético", ou seja, da construção da obra virtual em nossa mente.
res;
Em suma, o FAZER é o momento que institui o conhecimento. Deve-se

nexos transversais, tomando a arte como meio privilegiado de
notar que, depois de qualquer
interpretação e representação de aspectos do cotidiano vinculados um desses fazeres artístico e crítico ——,

afetivas, entre passamos ver


a diferente, a contextualizar diferente, fazendo novas e
a questões éticas, políticas, ecológicas, sexuais,
diferentes sínteses; gerando, assim, um processo contínuo de aprendiza-
tantas outras.
gem. Porém, aquilo que muitas teorias pós-modernas desconsideram
neste processo é que, embora seja
sempre parcial e provisória, esta cons-
Conclusão: o fazer educativo trução do conhecimento é necessária, pois representa as escolhas
que dão
significado ao conhecimento e sentido à existência. Sem esta construção
Há na atualidade um fecundo jogo de trocas entre as metodologias nos perdemos na malha das possibilidades (Peirce), das conjecturas
de Ensino da Arte e ciência. De um lado, as ênfases no fazer criativo, nos (Popper) ou das ideologias, como bem nos adverte Paulo Freire. Ao re-
246 BARBOSA • CUNHA
A ABORDAGEM NO [NSINO ARIES CULTURAS VISUAIS

lacionar o conceito de conhecimento ao vértice do fazer nas formulações 13ARBOSA, Ana Mae. A imagenl no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva, 1991.
de Ana Mae, buscamos salientar este diferencial socioconstrutivista,her-
.
Arte/ Educação:Leitura no slibsolo. São Paulo: Cortez, 1997.
dado de Paulo Freire, que a triangulação de sua abordagem suscita.
Jolill Dewey e o Ensino da Arte no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001.
Ana Mae Barbosa não relaciona a Abordagem Triangular aos funda-
.

mentos da semiótica. Pós-modernista,no sentido mais positivo e genero- SALES, Heloísa (Org.).OEnsino da Arte e Sila história. São Paulo:
MAC-USP,
.

1989.
so do termo, a educadora elabora sua teoria a partir do conhecimento
profundo das contribuições e das lacunas legadas pela própria história BAUDRILLARD, Jean. A ilusão vital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
da educação e do Ensino da Arte. Contudo, consideramos tais nexos
CALABRESE, Omar. A linguagem da arte. Rio de Janeiro:
Globo, 1987.
bastante pertinentes, fato que apenas confirma a extensão da aplicabili-
dade da teoria peirceana, a qual é em si mesma um modelo totalmente ECO, Umberto. Tratado geral de semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1980.

abstrato ou lógico. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
Aliás, Peirce define a semiótica como um método de descobrir mé- GOMBRICH, E. Arte e ilusão. São Paulo: Martins Fontes, 1986.
todos, o qual teria a finalidade de subsidiar o desenvolvimento das ciên-
ISER, Wolfgang. O ato da leitura. São Paulo: Ed. 34,
1999.
cias aplicadas. O
mesmo pode dito sobre a abordagem (ou método?)
ser
desenvolvido por Ana Mae Barbosa, diante da fertilidade da influência OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação.Petrópolis: Vozes, 1983.

de suas ideias na formação acadêmica e no exercício profissional de toda PANOFSKY,E. A perspectiva como formasilllbólica. Lisboa: Edições 70, 1993.

uma nova geração de Arte/ Educadores. As três dimensões do ensino


PEIRCE, C. S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1977.


ver, contextualizar e fazer não visam dividir o processo de aprendiza-

Semiótica e filosofia.São Paulo: Cultrix, 1975.


gem em áreas estanques, nem fornecer um receituário específico de
.

práticas pedagógicas, mas, ao contrário, recompor a dinâmica fenomeno- POPPER, Karl. Conjecturas e reflitações.Brasília: Ed. UnB, 1982.
lógica do processo de construção do conhecimento, permitindo o diálogo SANTAELLA, Lucia. Matrizes da linguagem e do pensamento:
sonora, visual, verbal.
com a tradição de modo plural e identitário. São Paulo: Iluminuras, 2001.

Afinal, o que é a realidade? O que é a verdade? O que é a consciência?


O qlle é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1989.
O que é o conhecimento? Senão esse permanente duelo, ou melhor, trielo,
quadrielo; esses infinitos elos
que estabelecemos em nossa mente quando
interagirmos com o "outro", isto é, com a diversidade do mundo e da
natureza?

Referências bibliográficas

ARENDT, Hannah. A côndiçãohumana. Rio de Janeiro: Forense Universitária,


1991.

ARNHEIN, Rudolf. Arte e percepção visual. São Paulo: Pioneira, 1984.


ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARTES CULTURAS
248

O Ensino Fundamental prevê "o desenvolvimento de diferentes


capacidades cognitivas, afetivas, motoras, éticas, estéticas, de relação

interpessoal inserção pessoal" (Brasil, Ministério da Educação e do


e
I Desporto, 1997,
p. 3). Este mesmo documento chama a atenção para o fato
de que o cumprimento dos objetivos acima supõe a coerente articulação
entre "o que", o "como", e o "para que" se ensina.

4 O Ensino da Arte, apesar da conquista de sua inserção como disci-


plina obrigatória no currículo escolar, não garante sua qualidade, uma
vez que os professores, em sua maioria, não tiveram acesso a essa área
FORMAÇÃO
DE PROFESSOR
de conhecimento durante toda a sua formação escolar, tampouco duran-
PERSPECTIVA DE ABORDAGEM te a sua formação de magistério.

Acreditamos que só um trabalho de Formação Continuada, no En-


sino da Arte, confere condições para que o professorado da Educação
Vera Lourdes Pestan da Rocha Infantil e do Ensino Fundamental possa exercer, de fato, as funções
que
lhe são atribuídas pelo art. 13 da LDB, quais sejam,
nova as que versam
sobre as incumbências no sentido de virem a garantir a qualidade da
educação escolar. Das seis funções elencadas, destacamos a que diz res-
O objetivo deste texto/ capítulo em síntese é apresentar uma propos-
peito a "Garantir a aprendizagem de todos os alunos nas diferentes áreas
ta de ensino de arte
para formação do professor da Educação Infantil e
do conhecimento" (p. 53). Dessas, gostaríamos de destacar o Ensino da
do Ensino Fundamental, postos na atualidade, com bases em premissas
Arte como área de conhecimento.
"freirianas" desenvolvidas por Pernambuco (1994)/ Gepem (Grupo de
Estudos de Práticas Educativas em Movimento), por Barbosa (1998) Durante pesquisa desenvolvida sobre o ensino de arte quando do
Abordagem Triangular e por Rocha (2000). nosso doutoramento em educação e por ocasião dos assessoramentos em
serviço, buscamos o aprofundamento nos conteúdos referentes às questões
Nossa convicção é a de que uma educação para a produção do co-
estéticas, artísticas, comunicativas e cognitivas da arte, pautando-nos nos
nhecimento é aquela que busca formar sujeitos que leiam a realidade
criticamente e que sejam capazes de criar novas formas de produzir e resultados das discussões junto aos professores e suas práticas até então,
conhecer. Partindo deste entendimento, destacamos, dentre outros, como trazendo à tona as contradições do cotidiano da sala de aula e do proces-
so educativo em arte.
objetivos da proposta de formação continuada que vislumbramos:

possibilitar aos seus participantes elementos necessários à análise,
Essas questões refletem a realidade escolar e a ideia do "senso co-
mum" sobre o entendimento acerca da arte, decorrente de todo um pro-
reflexão e formulação de propostas, no sentido de solucionar as
cesso histórico e da forma como se deu a inserção desse ensino na edu-
distorções existentes no ensino de arte e suas implicações com a
formação dos profissionais para o ensino fundamental; caçãoformal.

atualizar os professores, sem, no entanto, afastá-los do seu local Ao longo de nosso processo de pesquisa/ intervenção e da sua ava-
de trabalho. liação como uma constante, pudemos constatar quatro organizadores,
250 BARBOSA • CONH TRIANGULAR NO ENSINO OAS ARTES CULTURAS VISUAIS 251

traduzidos como elementos estruturais na construção de nossa proposto epistemológica e contemporânea, cujoscomponentes do ensino-apren-
de formação continuada: sensoriais e mentais básicas:
sáo nomeados através de três ações

necessidade do entendimento da arte situado no campo da esté- (fazerartístico), leitura da obra e do campo de sentido da arte e
tica contemporânea (ver, ler, contextualizar); itnagem de arte e contextualização.

necessidade do entendimento da arte como sistema de represen- Neste reafirmamos a fala de Barbosa ao redimensionar
sentido, a
tação construído culturalmente; (contextualização) Abordagem Triangular na ótica contemporânea:

necessidade do entendimento da arte como área de conhecimen-
to e sistema comunicativo;(ler, fazer, contextualizar); construtivista,interacionista, dialogal, multiculturalista e pós-moderna [...]
por articular arte como expressão e como cultura na sala de
aula, sendo esta
• necessidade da iniciação teórico-prática do professor nas lingua-
articulação o denominador comum de todas propostas pós-modernas do
gens artísticas (fazer arte). ensino de arte que circulam internacionalmente na contemporaneidade.
(1998,
p. 41)
E como chegamos esses organizadores? Responder
a a esta indagação
supõe percorrer a nossa açãointerventiva junto aos professores do NEI Assim, foi nosso caminho na proposta de formação observar a ne-
(Núcleo de Educação Infantil da Universidade Federal do Rio Grande do cessidade de seu caráter dialógico, ser produzida coletivamente, portan-
Norte), retornando, nesse trajeto, às análises avaliativas pertinentes e pautada num processo de contínua interação. Cumpre ressaltar que
constantes na pesquisa/ intervenção —
então desenvolvidas numa di- conteúdo não foi estabelecido aprioristicamente, a não ser no que diz
mensão de construção coletiva no decorrer da qual nos debruçamos respeito aos seus elementos estruturadores seus organizadores. De

sobre as questões afetas à aquisição do conhecimento nas linguagens igual modo, esse conteúdo não está disposto de maneira linear, terá mar-
artísticas. O caminhar desse cos referenciais determinados pelos participantes, decorrentes de seu
processo mostrou-nos que se fazia necessário
entender, com clareza, a perspectiva conceitual de arte, e sob caráter significativo durante a construção do trabalho.
que enten-
dimento estético queríamos estabelecer parâmetros para a análise/leitu- A formação continuada com a qual nos identificamos, e na qual
ra das produções artísticas, bem como para o seu ensino. acreditamos, é a
que resulta de "maior consenso entre os profissionais da
Em função das várias situações vivenciadas por nós e pelos partici- educação" (Candau, 1998), aquela para cuja realização adota a própria
pantes/professores do processo de pesquisa/ intervenção, certas questões, escola como local privilegiado, igualmente privilegiando, como referência

por suas complexidades, sempre se faziam presentes ou voltavam à tona, básica no processo de formação, o saber do professor.
tendo como consequência várias perspectivas de abordagens: Afinal, o Trata-se, pois, de uma proposta de formação que ressalta a impor-
que é arte? O que não é arte? O que é estética? Arte é conhecimento? É tância da prática docente cotidiana, ou o saber da experiência.
preciso "ter jeito"? Arte é linguagem. Mas o
que constitui esta linguagem? A opção pela formação continuada decorre também do clima de
O que é específico dela? Que arte? Que estética? companheirismo e respeito instaurado pelas discussões e trocas estabe-
A tentativa de responder a estas questões foi sistematizada na cons- lecidas entre os professores, sobre o dia a dia escolar, as dificuldades no
trução de nossa Proposta de Formação Continuada —
a partir da prática trabalho e desejos de superá-las. Por serem todos participantes da mesma
interventiva vivenciada no NEI; fundada
na metodologia do Gepem e na unidade escolar, essas dificuldades são muito próximas, principalmente
Abordagem Triangular (Barbosa, 1998) que busca enfrentar os desafios
no que tange à ordem institucional, concorrendo para que se efetive uma
nas dimensões do entendimento da Arte e do seu ensino numa perspec- cumplicidade no momento de solucionar e propor novos encaminhamen-
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM IRIANGU[AR NO [NSINO DAS ARTES
CULTURAS VISUAIS

detransformação e superação no que for necessário, uma vez que • Da Aplicação Metodológica:
fazem parte do mesmo grupo. 1) Aplicação no Sistema Educacional;
Este clima de cumplicidade propicia o encorajamento para que os 2)
Construção de Forma Coletiva;
professores
ousem e assumam a condução de suas propostas de trabalho, 3)
invistam na própria formação e se sintam mais confiantes em intervir e
Construção através de Processos de Mediação.
Da Operacionalização Metodológica Interventiva:
propor direções para solucionar os problemas enfrentados na escola e na
sua própria sala de aula, assumindo, assim, um compromisso em relação 1) Dos Momentos Pedagógicos:
ao ensino de arte. a) Estudo da Realidade (ER);
Tendo em vista estimular o desdobramento simultâneo e redimen- b) Organização do conhecimento (OC);
sionado da vivência do professor em formação através do
que ele revê

c) Aplicação do Conhecimento (AC).


e reordena na sua prática junto a seus alunos —, a proposta em pauta
2) Dos Organizadores Elementos estruturais Metodológicos:
permite que isto seja feito numa perspectiva mais lúdica, mais afetiva, —

menos autoritária, uma vez que o processo deve ser planejado e respal-
a) Fundamentos da do ensino de arte situados no
arte e
campo
dado coletivamente, sem que os sentimentos de incompetência, insegu- da estética contemporânea (leitura da obra e do campo de
rança e baixa autoestima possam
vir a interferir. sentido da Arte);

É no coletivo que as individualidades e diferenças são mais respei- b) Fundamentos da arte como sistema de representação (cons-
tadas; laços afetivos se reforçam e as dificuldades de relacionamento
os truído culturalmente e explicitado
pela contextualização);
se esclarecem; as "paranoias" se desfazem e as "neuras" tomam seu de- c) Fundamentos da arte
como áreade conhecimento e
vido caminho. como
sistema comunicativo (interpretação e
produção de sentidos);
Um dos requisitos exigidos pela nossa proposta de formação conti-
d) Iniciação teórico-prática dos professores nas linguagens
nuada é a garantia de que sejaministrada por profissionais especializados
artísticas (a experiência do fazer)
nas varias áreas de conhecimento artístico. Consideramos como tais
aqueles qualificados no fazer artístico e no seu ensino, bem como pressu-
postos pedagógicos e metodológicos e suas implicações interativas no A estrutura operacional da proposta guarda uma relação de perti-
nência com:
contexto de construção do conhecimento em Arte.
O nível decisório, no que se refere à tomada de decisão
O envolvimento de pelo menos 80% dos professores da Escola e do que torna
Corpo Técnico faz-se necessário no sentido de buscar modificações signi- legítima e governa as atividades de planejamento e organização
ficativas no ensino de arte da escola, e assim poder criar condições para da formação continuada. Evidencia-se, neste nível,
a consideração

que o processo venha a adquirir autonomia e continuidade, transforman- que se deve ter às necessidades postas pelos professores.
do-se num continuum. O seu processo, tomado em referência ao
que vai ser aprendido
Os princípios orientadores nos quais se funda nossa proposta foram (conteúdos) e como será ministrado e avaliado. Ressaltamos
que
constituídos de três grupos de fatores, cuja operacionalização se dá de a proposta não
apenas sirva de base para o professor, mas que
forma simultânea; no entanto, tendo em vista as razões que justificam a ele a utilize simultaneamente
com seus alunos de modo que venha
sua especificidade, estão aqui agrupados de forma distinta: a suprir, igualmente, as necessidades metodológicas destes,
de
254 BARBOSA • CUNHA TRIANGULAR NO ENSINO CULTURAS VISUAIS

atividades
artísticas e culturais fora da escola. Este momento coin-
novos procedimentos; da competência exigida pela docência e das exerça
necessidades individuais dos educadores. com o início da intervenção e confirma o começo da construção do
• Os fatores facilitadores,
aqueles que dizem respeito aos incentivos habalho. Através de reuniões realizadas com os professores, procede-se
e ao inter-relacionamento que se pode estabelecer entre o pessoal a nn levantamento, através de conversas informais, do entendimento que
eles têm:
envolvido, em especial professores e instrutores (professores es-
pecialistas). Nesse ponto, sobre arte: o que consideram e conhecem de arte e o que identifi-
merecem destaque o interesse pessoal,

cam como arte. As imagens de publicidade, músicas,


o local de realização e o fornecimento de certificados. Esta estru- filmes,
peças
tura baseia-se no trabalho de Pereira (1994). de teatro preferidas. Onde moram e as produções artísticas lá
existentes, quais suas preferências e se existe desejo de aprender
Em relação aos momentos pedagógicos: Estudo da Realidade (ER); alguma linguagem artística em especial; bem como saber se exis-
Organização do Conhecimento (OC) e Aplicação do Conhecimento (AC), te
no algum professor
grupo alguma atividade artís-
que exerça
a sua aplicaçãoé inter-relacionada metodologicamente com a Abordagem tica e cultural;
Triangular e com os Organizadores (elementos estruturais na construção sobre Ensino de Arte: este item prevê o estabelecimento de uma
de nossa proposta). conversa, a fim de verificar o entendimento dos professores sobre
Neste sentido, passamos a situar o desenvolvimento do processo:
este ensino; acoleta de informações sobre sua prática de ensino
com seus alunos, bem como o seu conhecimento sobre a
história

do Ensino de Arte a partir de sua própria aprendizagem da Arte


NO PRIMEIRO MOMENTO Estudo da Realidade (ER)
— —
"[...l
e das experiências que provocou nos alunos ao longo de sua
é momento da fala do outro, o momento de compreender o outro e
o signi-
ficado carreira.E o momento em que surgem as problematizações e/ ou
que proposta
a universo
tem em seu e, ao mesmo tempo, permi-
os primeiros desequilíbrios, que tanto podem ter origem a partir
tir-lhe pensar, com certo distanciamento, sobre a realidade na qual está
do material adotado pelo próprio professor, como podem origi-
imerso (Pernambuco, 1994, p. 35).
nar-se de suas próprias falas em relação ao que lhes é pedido e/
Faz parte deste momento o período de leitura da situação e do con-
ou sugerido pelo manuseio cotidiano do material didático junto
texto que corresponde à primeira fase da proposta, quando se faz um

aos seus alunos;


levantamento prévio da escola, nos moldes de um levantamento estatís-
tico: número de alunos, professores, entre outros, bem o terceiro ponto destina-se a levantar as expectativas sobre a pro-
como as razões e
possibilidades para implantação da formação continuada, localização da posta de formação continuada, ao mesmo tempo que tenciona
colher sugestões para estruturá-la e operacionalizá-la.
escola, as imagens que vestem as paredes das escolas, atividades culturais
existentes no bairro, e seu relacionamento com a escola. Investiga-se
também, do corpo docente da escola, os seguintes dados:
que conside-
o NO SEGUNDO MOMENTO Organização do Conhecimento

ram e conhecem de arte e o identificam como tal;


que como usam a ima- (OC) —

é [...] "quando, percebendo quais as superações, informações,


sala de aula, quais
suas preferências artísticas e se existe desejo habilidades necessárias para dar conta das questões inicialmente coloca-
gem na
das, o professor
de aprender alguma linguagem artística em especial. Faz parte igualmen- ou educador propõe atividades que permitam sua con-
te da investigação saber se existe, presente quista. Aqui predomina a fala do organizador" (Pernambuco, 1994, p. 35).
no grupo, algum professor que
256 BARBOSA • CUNHA TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES t CULTURAS VISUAIS 267

Com este entendimento é planejada a forma de operacionalização e apreendidos, fazem um exercício de generalização e ampliação dos hori-
os conteúdos que farão parte da formação dos professores, bem como a zontes anteriormente estabelecidos" (Pernambuco, 1994, p. 35).
projeção que eles farão dos trabalhos a serem desenvolvidos com seus A avaliação deverá ser feita num processo contínuo, segundo o qual
alunos. Desta etapa também consta o trabalho de assessoramento e su- realizadas as adequações necessárias. Tratando-se, pois, de um pro-
pervisão e as oficinas teórico-práticas nas linguagens visuais, teatrais, cedi mento intrínseco ao próprio desenvolvimento das fases de execução
musicais e na dança. Por serem estas linguagens artísticas canônicas e (Ia proposta. Ela
será feita também através da análise e discussão do
uma vez previstas nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), sobre processo de sistematização dos trabalhos dos professores, desenvolvido
elas já se registram, facilidade, estudos e práticas sistematizadas;
com certa seus alunos. Propomos como itens avaliativos: seminários com apre-
assim sendo, elas fazem parte da estrutura da nossa proposta. No entan- \'entação dos trabalhos escritos, apresentação da programação de conti-
to,
como um dos nossos objetivos é considerar o acesso à produção artís- idade do processo, dentro das atividades normais da escola e avaliação
tica e estética numa abordagem multicultural, prevê-se o espaço para geral do processo.
quaisquer outras categorias de imagem ou de produção artística existen-
Ao propormos sistema tização como processo avaliativo, o fazemos
a
te, desde
que a
ela se tenha acesso
como uma produção significativa, atendendo à própria estrutura de nossa proposta, bem como no intuito
portanto de interesse do grupo (cultura visual, arte popular etc.) de ressaltar o foco do
processo de qualificação, vivenciado pelo professor,
Faz parte, ainda, desta etapa: atividades culturais em que são

alunos.
na prática com seus
previstas visitas a galerias e/ ou exposições de pinturas, esculturas, foto-
A análise sistematização implicam a possibilidade de distancia-
e
grafia, design, estúdios de tevê, entre outras; comparecimentos a teatro,
nnento do processo planejado e vivido, possibilitando desta forma pers-
cinema, circo, recital poético, show musical; visita a oficinas de produto-
pectiva crítica. Assim, contribui tanto para que se perceba a lógica de sua
res de gravura, cerâmica, escultura, e outros sejam de cunho popular

condução como para que se identifiquem os fatores que possam interferir


ou erudito; visitas a monumentos públicos, bem como a construções,
no direcionamento do processo. De igual modo, a sistematização co-or-
desde que para isto haja razões arquitetônicas significativas; visitas a
dena as percepçõespor intuições surgidas ao longo do processo. As in-
espaços tidos como estratégicos para se interagir com a natureza; organi-
terpretações resultantes da análise desse processo ganham sua verdadei-
e participação em eventos artístico-culturais na escola. Nestas
zação ra dimensão ao serem discutidas e compartilhadas entre os participantes
ocasiões a leitura crítica e a contextualização cultural serão experimenta-
do processo de formação continuada.
das e desenvolvidas.
são os elementos contidos na proposta, o que não impossibilita
Estes

que outros possam ser acrescidos, a depender das necessidades, desejos e Referências bibliográficas
decisões do grupo em formação e das possibilidades de sua realização.

BARBOSA, Ana Mae; BASTOS, T. Tópicos utópicos. Belo Horizonte C/ Artes, 1998.

NO TERCEIRO MOMENTO —
Aplicação do Conhecimento (AC) BRASIL: Ministério da Educação e do Desporto. Referencial Pedagógico Curriclllar
[...] o terceiro momento é de síntese, quando a junção da fala do ou- professor da Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental
para _f01'1nação
tro com a fala do organizador permite a superação das duas diferentes —
Documento Preliminar de dezembro de 1997. Brasília: MEC / SEF / Coedi, 1997.
visões [...].
Éum momento em que umafala não predomina sobre a outra, 'ANDAU, Vera Maria (Org.).Magistério: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes,
mas juntas exploram as perspectivas criadas, reforçam os instrumentos -1998.
BARBOSA • CUNHA 269
258

PEREIRA, Ruth da Cunha. Educação em Serviço para o professor: dimensões


de sua estrutura operacional. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Inep-MEC,
n. 179-181, jan./dez. 1994.

PERNAMBUCO, Maria Marta C. A. Educação e escola como movimento: do ensino


de ciência à transformação da escola pública. Tese (Doutorado)

Universidade
de São Paulo, São Paulo, 1994.

ROCHA, Vera Lourdes Pestana da. Construindo caminhos: linguagens


artísticas
5
Universidade Federal do Rio
na formação de professores. Tese (Doutorado)

Grande do Norte, Natal, 2000.


E-ARTE/EDUCAÇÃOCRÍTICA

Fernanda Pereira da Cunha

A tecnologia éassimilada pelo indivíd110de modo a reforçar


Sila atitoridade, mas pode também mascarar estratégias de

dominaçãoexercidas defora.Ofator diferencialdessas duas


hipóteses é a consciência crítica.

Ana Mae Barbosa

O Ensino da Arte na escola tem como premissa o desenvolvimento


da capacidade crítica dos alunos para a leitura de uma construção estéti-
ca. Como explica Ana Mae Barbosa, o desenvolvimento artístico de uma
sociedade está relacionado não apenas à produção de qualidade, mas
também à alta capacidade de entendimento desta produção pelo público,
capaz de decodificar (corretamente) a obra ou o campo de sentido de arte.
O "desenvolvimento cultural que é a alta aspiração de uma sociedade só
existe com o desenvolvimento artístico neste duplo sentido", pois saber
interpretar uma imagem está intimamente vinculado a este crescimento
cultural (Barbosa, 1998, p. 32).

Desta maneira, a e-Arte/Educação é uma epistemologia da arte di-


gital, pois intermedeia a aproximação entre o objeto de arte digital e o
260 BARBOSA • CUNHÁ TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 261

apreciador. A e-Arte/Educação torna-se facilitadora no processo de ensino/ geração nãoapenas como vitrines para garantir maior índice de matrículas,
aprendizagem da arte digital. inas para formar o público consciente, como adverte Barbosa:

Parafraseando o conceito de Arte / Educação da professora Ana Mae


Com a educação vem dando às novas tecnologias na sala de
atenção que a
Barbosa e inserindo-o no universo da sociedade em rede, Arte/Educaçâo aula, torna-senecessário não só aprender a ensiná-las, inserindo-as na pro-
intermidiática
ou e-Arte/Educação é a mediação entre arte intermidiática dução cultural dos alunos, mas também para a recepção, o entendimento e
(e/ mista)l e público e Ensino da Arte intermidiático, que integra
ou arte a construção de valores das artes tecnologizadas, formando um público
seus inputs e outputs, constituindo uma interface entre o universo tradi- consciente. (Barbosa, 2008, p. 111)
cional e o universo em rede, quer seja no ensino formal ou informal.
Faz-se necessário formarmos
um público consciente, capaz de
ler/
Concebemos a e-Arte/Educação como construção de conhecimento,
interpretar os códigos culturais que compõem o universo digital da so-
em que cognição está inserida no "processo pelo qual o organismo torna-se
consciente de seu meio ambiente" por meio de experiências significativas
,
ciedade em rede com autonomia e criticidade, para não ser assimilado,
»ugado pela "ordem de massificação humana"
ao longo de um processo, pois
"refinar os sentidos e alargar a imaginação
que tem como premissa a
é o trabalho que a arte faz para potencializar a cognição" (Barbosa, 2008, homogeneização. Por isto, educar somente para a produção não garante
p. 12). Assim, a e-Arte/Educação deve promover a apropriação da vida formaçãoplena.
em consonância com a noção de realidade em seu estado perceptivo da Com relação ao Ensino da Arte e tecnologias digitais, há singular

realidade significada —, em interconexão com as relações com o mundo, ênfase somente na produção, inserindo-se
uma educação modernista
enaltecendo a consciência crítica do posicionamento da pessoa (ativo/ digital nas escolas brasileiras que envereda pela livre expressão o —

reflexivo) no mundo e com o mundo situando-a. —


Maissez-faire, ou seja, uma versão eletrônica do laissez-faire?
Deste modo, a e-Arte/Educação converge para formação percep- a Em nossa vivência como professora, vimos observando que esta si-
(Barbosa, 2008, p. 17),
cujo conheci-
tiva, em
que "perceber é conhecer" tuação se repete porque o professor de arte modernista transfere o mo-
mento se dá de fato em atos experienciados. Neste paradigma, o sujeito dernismo convencional para o computacional ou porque quem ministra
deve ser capaz de fruir arte de ler/ interpretar autonomamente, com

aula de artes é o professor de informática, que não tem conhecimento da


fluidez, o mundo a imagem

que o cerca. Assim, há que postular uma


jnatéria e de seu ensino. Resumindo, as aulas se limitam ao ensino de


e-Arte/Educação libertadora.
programas computacionais, utilitários, ou têm ênfase apenas no fazer
As instituições de ensino vêm dando significativa importância à (ateliês eletrônicos), em que os alunos, que sabem mais informática que
informática. E
como esta tem sido expoente de importante valor por o professor, "expressam-se livremente", com a justificativa modernista
de educar para o desenvolvimento emocional e afetivo. Entretanto:
agregar a si a inserção no mercado de trabalho, muitas escolas utilizam
sofisticadas estruturas laboratoriais digitais para impressionar pais e
alunos, Aqueles que defendem a arte na escola meramente para liberar a emoção
como se apenas a magnífica infraestrutura garantisse a plena
devem lembrar que podemos aprender muito pouco sobre nossas emoções
formação da pessoa, de forma desvinculada de políticas educacionais
se não formos capazes de refletir sobre elas. Na educação, o subjetivo, e a
comprometidas com seu uso. As escolas devem aproveitar seu arsenal
supermidiático (referimo-nos à superestrutura) de tecnologias de última
2. Laissez-faireé parte da expressão, em língua francesa, "laissez-faire, laissez-aller, laissez-passer",
que significa, literalmente, "deixai fazer". É o mote do liberalismo clássico. Disponível em: <http://
1. Compreendemos por arte mista a arte composta por material digital e/ou não digital. pt.wikipedia.org/wiki/Laissez-faire>. Acesso em: 10 out. 2008.
262 BARBOSA • CUNHA TRIANGULAR NO CULTURAS VISUAIS 203

vida emocional devem progredir, mas não ao acaso. Se a arte não é tratada Barbosa indaga: "Como ver produzida pelas tecnologias con-
a arte
como um conhecimento, mas somente como um "grito da alma", não es- tejnporâneas? A arte no ciberespaço estimula mais o intelecto? Qual o
tamos oferecendo nem educação cognitiva, nem educação emocional. alcance da sensorialidade virtual?" (Barbosa, 2008, p. 110). Dada a natu-
Wordsworth disse: "Arte tem que ver com emoção, mas não tão profun-
reza da metalinguagem no ciberespaço, as obras de arte propostas pelas
damente para nos reduzirmos a lágrimas" (Barbosa, 1998, p. 20)
novas tecnologias proporcionam uma consumação estética metassensória,

Complementa, na mesma direção de crítica à "livre expressão" tal estando no ciberespaço ou adaptadas a um ambiente expositivo conven-
cional —

não digital.
como vem sendo praticada:
Compreendemos que ver não é o termo mais adequado para a frui-
A prática sozinha tem se mostrado impotente para formar o apreciador e
fruidor da arte. Nos Estados Unidos, o ensino livre expressivo da arte exis-
çáo da obra de arte digital, mas vivenciar, ou, de forma metassensorial,
perceber —
dado que perceber converge com reconhecer, interpenetran-
te nas escolas públicas, portanto para todas as classes sociais, desde os anos do o conhecimento sensório com o cognitivo, pois as obras de arte digitais
30, isso os americanos são apreciadores mais
nem por argutos da arte. Pelo se apresentam inclusive como jogos (games), cuja apreciação só se confi-
contrário, a livre expressão, sem desenvolvimento da capacidade crítica
gura de fato se o apreciador aceitar o convite interativo que a obra propõe,
para avaliar a produção, tem formado nos Estados Unidos um consumidor
que necessita do envolvimento de outros órgãos sensórios, não sendo
ávido e acrítico de imagens. [...] Por outro lado, é bom lembrar que o de-
mais suficiente apenas a apreciação/observação visual. Por isto, a edu-
senvolvimento da capacidade criadora, tão caro aos defensores do que se
estético-digital deve atender à metalinguagem e, portanto, ser in-
convencionou chamar livre expressão no Ensino da Arte, isto é, aos cultua- cação
termidiática que vai para além da visual. Visão, tato, audição, olfato,

dores do deixar fazer, também se dá no ato do entendimento, da compreen-


paladar e o corpo
são, da decodificação das múltiplas significações de uma obra de arte. como um todo se integram numa consumação estéti-
Flexibilidade, fluência, elaboração, todos estes processos mentais envolvidos
co-digital para ser vivenciada de fato perfazendo a metaleitura. A

natureza epistemológica da apreciação estético-digital se configura de


na criatividade são mobilizados no ato da decodificação da obra de arte.
(Barbosa, 1991, p. 41) fato num processo interacionista tecno-humano.
E, portanto,
imprescindível a interação para que obra de fato acon-
A e-Arte/Educação pós-moderna diverge, portanto, da modernista, teça. Na obra digital o fruidor é não somente o expectador, mas um per-
por não restringir o Ensino da Arte à produção, mas por compreender sonagem, um elemento da obra. Sem a sua participação, a obra não se
arte
como expressão e cultura, com capacidade de desenvolver a cogni- constitui de fato, é uma obra em potencial.
ção, pois "Percepção, memória, mimeses, história, política, identidade, Assim, relação obra-apreciação apresenta uma vivência estética
a
experiência, cognição são hoje mediadas pela tecnologia" (Barbosa, 2008, consumatória em outro paradigma, com relação às não digitais; por isto
p. 111). as obras digitais se assemelham mais às instalações, porém constituídas
Buscamos neste estudo propor um novo paradigma para o Ensino em outra configuração, material e diálogo.
da Arte digital, repensando o processo de ensino-aprendizagem imerso Esta característica, em obra de
que a arte digital se apresenta mais
na linguagem da cultura digital, e não apenas produção instrumentaliza- como um jogo game art, pela sua natureza interativa programada arti-

da com os padrões técnicos oferecidos pelos efeitos computacionais, para ficialmente, vem se constituindo desde as primeiras expressões artísticas
que o aluno se aproprie da linguagem para expressar-se. digitais.
NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS
264 BARBOSA • CUNHA

Apontamos características peculiares da arte digital presentes nas A ciberarte necessita de novos critérios paradigmá ticos de apreciação
e de do mercado, da formaçãode críticos e das práticas dos
obras da cibercultura, como destaca Pierre Lévy (1997, p. 94-95): conservação
nutseus, como adverte Lévy:

PARTICIPAÇÃO DO EXPECTADOR —
Uma das características
mais constantes da ciberarte éa participação daqueles que a ex-
a ciberarte pede novos critérios de apreciação e de
perimentam, interpretam, exploram ou leem. Não se trata somen-
conservação que entram
muitas vezes em contradição com os hábitos do mercado da arte, a forma-
te de
uma participação na construção do
sentido,
mas realmente
çâode críticos e as práticas de museus. Esta arte, que encontra a tradição
uma vez que o "expectador" é
de uma coprodução da obra, cha- do jogo e do ritual, pede também a invenção de
novas formas de colabora-
mado a intervir, a fazer a obra acontecer (a materialização, o çâo entre os artistas, os engenheiros e os mecenas, tanto públicos
como
aparecimento das imagens, a edição, o desenvolvimento efetivo privados. (Lévy, 1997, p. 95)
naquele momento e lugar), atendendo a sequências de sinais ou
de acontecimentos, que configuram o evento.
Beyond pages é uma obra de de Masaki Fujihata, analisada por
1995
I .évy,que compreende esta obra ser típica de certas tendências fortes da

PROCESSOS DE CRIAÇÃO COLETIVA DO VIRTUAL —
Neles
ciberarte. É uma metáfora entre e ler um livro, situan-
a obra se estrutura por meio do envolvimento de artistas parti-e
clo-se
comer uma maçã
"Entre signocoisa" com finesse, delicadeza e humor (Lévy, 1997,
e
cipantes, constituindo uma elaboração interdisciplinar, ou seja, 96).
p. Beyond pages deve ser incluída entre uma das mais belas ilustrações
são processos de criação coletiva, em que artistas e engenheiros das "artes do virtual" em emergência.
estabelecem uma rede de participação na produção de uma obra.
O ATO DA CRIAÇÃO Tanto a criação coletiva como a partici-

A cibercultura apresenta uma diversidade de gêneros,cujas caracte-
císticas proliferam acentuadamente,
pação dos intérpretes estão de acordo com um terceiro traço ca- e seu predomínio e seu refinamento
expressivo concomitantes ao avanço tecnológico digital estão presentes
racterístico da ciberarte: a criação contínua. A obra virtual está
"aberta" para a construção. O dispositivo virtual propõe uma por meio da assimilação da linguagem digital como manifestação cultu-
ral expressa
máquina capaz de provocar eventos. nas artes digitais da atualidade, em que a cada período a
tecnologia é mais absorvida, dando
OS LIMITES DA OBRA Programas informáticos reúnemtextos

voz à poiésis digital. O percurso his-
tórico da cultura digital vem sendo mostrado nas edições do Festival
'originais" recombinando fragmentos de corpos preexistentes.
Internacional da Linguagem Eletrônica (File) que, desde sua primeira
Os websites remetem-se uns aos outros, sua estrutura hipertextual
edição, em 1994, até a mais recente, em 2008, apresenta o
administra uma interpenetração de mensagens, um mergulho percurso inter-
nacional da linguagem eletrônica, por meio das manifestações/expressões
recíprocodos espaços virtuais. da poiésis digital:

DECLÍNIO, DESAPARECIMENTO DO AUTOR E REGISTROS

A participação ativa dos intérpretes, a criação coletiva, O File, maior festival de arte tecnologia do Brasil e da América Latina,
e
obra-acontecimento, obra-processo, interconexão e mistura dos bem como mundialmente um dos maiores acontecimentos nesta área, há
limites, obra-emergente (como uma Afrodite virtual, de um oce- nove anos vem inserindo o país no contexto mundial da arte e tecnologia
ano de sinais numéricos) convergem para o declínio do autor e ou da mídia arte. O File é um festival que aninha vários festivais que ocor-
do registro, mas não o seu desaparecimento puro e simples, que rem simultaneamente. Além disso, o File possui um symposium internacio-
nal,
até então garantiam a integridade, a substancialidade e a totali- um arquivo com mais de dois mil trabalhos e um laboratório para a
dade possível das obras. produção e desenvolvimento de novos trabalhos, o File Labo. O File é um
zoo BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO CULTURAS VISUAIS
ARIES

evento anual que neste ano de 2008 já aconteceu, com outras versões, em ser crítico e atual" (Barbosa, 2008, p. 110), portanto temos que formar o
Porto Alegre, no Santander Cultural, e no Rio de Janeiro, no Oi Futuro.
fruidor crítico, postulando o desenvolvimento da capacidade de ler/ in-
Participam desta 9a edição do File aproximadamente 300 artistas tre en terpretar expressivamente a arte digital, pois a linguagem digital está

grupos, coletivos e trabalhos individuais —


de mais de 30 nacionalidades,
ilnersa nos valores culturais e a qualidade perceptiva depende em maior
com trabalhos em várias áreas da cultura digital.3
escala das significações contextuais atribuídas.
O File 2008 apresentou
diferentes categorias da arte digital, desde Para se educar em prol do desenvolvimento da capacidade crítica,
cinema em altíssima resolução, instalações, instalações games e grafite para que nossos alunos e alunas sejam capazes de codificar e decodificar
eletrônico, dentre outros. os sinais comunicacionais interligados presentes no universo digital em
Não conseguimos sequer nos aproximar dos games, pois o público rede, em primeira instância são necessárias propostas educacionais con-
que lá estava disputava acirradamente por uma vivência neles. O públi- cernentes à cultura digital, que é composta por códigos peculiares.
co jovem consome games de modo frenético atualmente. Os games digitais Há um descompasso educativo entre professores e alunos no Ensino
são interativos, em rede, em que podem participar jogadores de localida- da Arte digital. Enquanto os alunos consomem vorazmente o entreteni-
des diferentes. São ambientes virtuais, em que se podem vivenciar os mais
mento digital, por meio de games, sites de relacionamento, Orkut, Youtu-
diversos mundos e "concretizar" as mais diversas fantasias. O entreteni- be,MSN, dentre outros, os professores, em geral, utilizam a informática
mento concebido como game pode ser um grande deflagrador dos mais
como instrumento, desprezando, talvez por desconhecimento, o univer-
diversos consumos culturais, os quais podem capturar a mente o de- so cultural.

sejo humana. A e-Arte Educação pode educar o fruidor crítico digital.



/

A arte digital é um potencial em arte ou melhor, uma arte em


potencial, porque só existirá enquanto signo artístico, de fato, enquanto Sistema Triangular Digital
houver a participação do intérprete. O intérprete é o oxigênio pulsante
da obra. O Sistema Triangular Digital (também denominado Sistema e-Trian-
Há uma superexpectativa em torno da arte digital, no desejo de gular ou Sistema Triangular Intermidiático) é uma proposição derivativa
uma
compreensão imediatista descolada da cultura. Um encantamento exa- da Abordagem Triangular.
cerbado em relação à tecnologia, ao suporte tecnológico, A Abordagem Triangular, em diálogo com o tempo, éuma abordagem
como se somen-
te o instrumental bastasse como poiésis. E preciso educar para formar o processo, portanto, contínua, dado seu aspecto orgânico, por ser uma
fruidor de arte digital crítico, repetimos. Não podemos, como educadores, perspectiva cuja gênese epistemológica se alicerça em seu caráter genui-
aceitar arte computacional como instrumento nem tampouco aceitar namente contextual, para o desenvolvimento da identidade cultural e da
que
somente a apresentação do computador, seus inputs e outputs
para nossos cognição / percepção.
alunos seja considerada educação inclusiva promoção da cultura
com Assim, sistematização da Abordagem Triangular acontece no tem-
a
digital.
po gramatical do gerúndio, porque dialoga no curso do e com o tempo.
Educação não pode ser concebida como puro treinamento técnico. Neste sentido, a força motriz desta Abordagem, de natureza conceitual
"Saber ver e avaliar a qualidade do que passa na tela do computador é cultural e dialogal, torna-a flexível e contemporânea no curso do tempo.
A Abordagem Triangular perfaz uma rede sistêmica, por isto, viva, orgâ-
3. Disponível em: <http://www.file.org.br/>.Acesso em: 10 out. 2008.
nica e, portanto, pulsante. Compreender o processo de edificação desta
coo ABORDAGEM TRIANGU[AR NO INSINO OAS ARIES CULTURAS VISUAIS 269
BARBOSA • CUNHA

proposta está, portanto,


intimamente vinculado à trajetória epistemolo- vimos, difere do pensamento/ linguagem discursivo (do discur-
gicamente teórica/ empírica que a professora Ana Mae Barbosa constitui (Barbosa,
so verbal) e também do pensamento científico lógico"
em sua vida com a arte e seu ensino. 1991, p. 34).

Na busca determinada de uma abordagem arte/ educativa pós-colo- 2) e-Ler:


na prática da leitura de produção digital,
pela sua nature-
nialista, a professora Ana Mae Barbosa, conectada com as vozes do mun- za, desloca-se a figura do leitor para a do intérprete, como trata-
do, pela sua natureza indócil, crítica, de educadora,
sempre cultivou a mos anteriormente. Assim, desenvolve as habilidades interativas
pesquisa como meio de reflexão para sua análise, a qual mantém diálogo de ver, julgar e interpretar, que é perceber metassensoricamente,4
investigativo com abordagens educativas do ensino das artes no cenário enquanto participador-intérprete crítico, questionador, e não
internacional. É neste ambiente investigativo, de olhar brasileiro em re- meramente ser passivo, depositário de informações transmitidas.
lação internacional, que se situa a Abordagem Triangular pós-colonialis- Assim, as áreasde crítica e estética enquanto experiência consumató-
ta, a qual é um ícone arte/ educativo
na contemporaneidade. ria são imprescindíveis. A leitura, a metaleitua que é peculiar do universo
Assim, o Sistema Triangular Intermidiático pela sua gênese deriva- digital, que passa a se dar pelos sentidos envolvidos de acordo com inte-
tiva da Abordagem Triangular
que é "construtivista, interacionista, dia- ração proposta pela obra digital, possibilita a educação intermidiática, pois,
logal, multiculturalista e é pós-moderna por tudo isto e por articular arte por meio da metaleitura (intrínseca à metalinguagem), estaremos prepa-
como expressão e como cultura na sala de aula, sendo esta articulação o rando as crianças para a decodificação da gramática do universo compu-
denominador comum de todas as propostas pós-modernas do Ensino da tacional da cultura digital, pois nossa "ideia de leitura da imagem é

Arte que circulam internacionalmente na contemporaneidade" (Barbosa, construir uma metalinguagem da imagem. Não é falar sobre uma pintura,
1998, p. 41), sistematiza
uma abordagem da educação digital inclusiva, mas falar a pintura num outro discurso, às vezes
silencioso, algumas vezes

por meio da educação intermidiática crítica. gráfico, e verbal somente na sua visibilidade primária". O que se pretende
Assim, o Sistema Triangular Digital é
uma abordagem e-arte/edu- é contextualizar a obra de arte digital "no tempo e explorar suas circuns-
cativa, cujo paradigma educacional também é pós-moderno, cultural, tâncias" (Barbosa, 1991, p. 19).
cognitivo, contextual, interacionista e está fundamentado em três "pro- Assim, sua visualidade primária permeia todos os sentidos, não mais
cessos mentais" que constituem sua triangulação, se interligam por
que de um observador, mas de um elemento o intérprete que dá sentido

meio da linguagem digital "para operar a rede cognitiva da aprendiza-


à obra.
gem" (Barbosa, 1998, p. 40), ao relacionar produção artística com leitura consumá-la me-
imagem no universo digital é vivenciá-la
Ler a

e contextualização. "preparando-se para o enten-


tassensoricamente é entendê-la;

assim,
O Sistema Triangular Digital é constituído dos três componentes da dimento das artes visuais [bem como das artes intermidiáticas] se prepa-
Abordagem Triangular que se inter-relacionam com o universo simbólico
ra a criança para o entendimento da imagem, quer seja arte ou não"
digital em questão, sendo eles: e-contextualizar, e-ler e e-fazer: (Barbosa, 1991, p. 35).
1) e-Fazer: como o próprio nome expressa,
vivenciar
açãopela qual pode-se
de
a
execução empírica produções artísticas intermi- A percepção metassensorial neste contexto está intimamente vinculada com os adventos
4.

diáticas, através dos inputs e contemporâneos socioculturais e tecnológicos, que, segundo Castells (1999), inserem um novo siste-
outputs computacionais. "O fazer é oral e a expressão audiovisual,
ma de comunicação que integra a expressão escrita, a expressão
indispensável para o aprendizado da arte e para o desenvolvi- originando uma forma de expressão e cultura a metalinguagem que estabelece um novo esta-
— —

mento do pensamento/ linguagem presentacional do da mente humana.


que, como

BARBOSA • CUNHA TRIANGULAR NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS

3) e-Contextualizar: ampliar os campos de sentidos das obras digitais gem — do universo digital, sabendo-se que cognição é (re)conhecer/
estabelecendo comparações em diversos tempos e espaços em perceber/ conceber.
relação ao próprio intérprete e ao mundo que o cerca. Parâmetro Oestímulo aos processos mentais metalinguisticamente está no cer-
norteador para estabelecer relações, as quais podem potencializar ne epistemológico do desenvolvimento da capacidade cognitiva (e, por-
a análise crítico-reflexiva do indivíduo, bem
como a interdiscipli- tanto, perceptiva) da fluência digital crítica, que constitui o Sistema
naridade no processo de ensino/ aprendizagem, pois "a leitura
l'riangular Digital.
dos campos de sentido da arte o
é cerne de seu ensino neste início de Saber pensar e se
século. expressar metalinguisticamente é ter fluência di-
A história ganha importância como contexto que dialoga
Bital —

pensamento digital —, porque o "pensamento é qualquer ativi-


com outros contextos na decodificaçãoda obra" (Barbosa, 2008, dade mental ou espiritual", como concebe Descartes: .Com a palavra
p. 107).
pensar' entendo tudo o que acontece em nós, de tal modo que o perce-
A interseção entre estas três
lizar) por
ações
mentais (e-fazer, e-ler, e-contextua- bamos imediatamente por nós mesmos; por isso nãosó entender, querer
meio da linguagem digital é o conhecimento da arte digital. e imaginar, mas também sentir é o mesmo que pensar", ou seja, pensar
Isoladamente, qualquer um dos elementos da tríade não corresponde também "é discurso" (Abbagnano, 2000, p. 751). "É esse o pensamento
à
epistemologia da arte digital.
que Platão chamava de dianoia, considerando-o o órgãodas ciências pro-
O Sistema e-Triangular, pela sua estrutura funcional sistêmica, inte- pedêuticas (aritmética, geometria, astronomia e música), encaminhamen-
rativa e simultânea entre todos os seus elementos constituintes, e to e preparação
para o pensamento intuitivo do intelecto", no caso em
por
permitir realizar diferentes questão: o intelecto digital (Abbagnano, 2000, p. 751).
conexões(e combinações) entre os três pro-
cessos mentais, é um sistema não linear e, portanto, complexo. Barbosa embasado nas ações
Assim, o Sistema Triangular Digital está mentais
salienta: "Em arte e em educação, problemas
semânticos nunca são ape- que estão imbricadas nos códigos metalinguísticos da cultura digital. A
nas semânticos, mas envolvem conceituação" (Barbosa, 1998, p. 33). metalinguagem está intimamente introjetada em nossas sensações e per-
Denominamos de linear um ensino do tipo modernista, cepções digitais.
que divide
as áreasde conhecimento da arte em disciplinas no processo de ensi- cognitiva, deflagrada pelo Sistema e-Triangular, institui um
Esta rede
no-aprendizagem. O DBAE é um exemplo de abordagem de Ensino da processo mental sistêmico, e por isto não linear, cuja proposição depende
Arte linear. E relevante ressaltar a tentativa frustrada, neste da resposta que damos à pergunta: como se dá o conhecimento em arte
caso, da cons-
trução de uma inter-relacionalidade entre mídias, pois computacional?
uma educação
intermidiática não se processa.
questionamento é a chave para acionar o processo cognitivo. Por-
O
Denominamos de lineares também os sistemas apostilados, como tanto, aproposição deste sistema se vincula à elaboração de respostas à
manuais de softwares, dentre outros, que compõem um verdadeiro pergunta, suscitando, assim, buscar a solução de um problema que tem
com-
pêndio de procedimentos predeterminados. como fim a produção do
material ideia.
A mente comprometida com a so-
O Sistema Triangular Digital Iução de um determinado problema, submersa num ambiente simbólico,
ou Sistema e-Triangular tem como ob-
jetivo desenvolvimento promoverá uma complexa elaboração de pensamento, na busca pela
o crítico da percepção digital; da mente digital;
do pensamento digital, prol da fluência sensório-cognitiva-interpre- resposta significativa (ideia / signo) que responda ao problema em questão.
em
tativa acerca do
mundo digital. Estes processos mentais, interligados, Ideia "significa representação geral" mas Descartes, ao introduzi-la
,

podem colocar em operação a rede cognitiva da aprendizagem da lingua- na linguagem filosófica, entende por "Ideia o objeto interno do pensa-

CUNHA NO vr»um•»

mento geral", "afirma que Ideia é 'a forma do pensamento, para cuja Esta sincronia tem como objetivo possibilitar vivências significativas
imediata percepção estou ciente desse pensamento'". Identificava-se por e efetivas no processo de ensino/ aprendizagem digital, por promover o
ideia a representação de alguma coisa, sendo posteriormente este concei- diálogo entre os discursos e recursos midiáticos e a experiência constru-
to rejeitado por Kant. tiva de uma expressão intermidiática.
A ideia, sendo um produto conclusivo que comunica um sentido, que O interessante é que parece que a escola muitas vezes deforma esta
representa algo, ou ainda sendo um material comunicativo, remete-nos apropriação da linguagem que o jovem traz em sua bagagem cultural
mais uma vez à afirmação de Postman, de que nós não
vemos a realidade digital, por insistir na educação instrumental, em vez de trabalhar os
ela é,
como mas como são nossas linguagens que são nossas ideias —-, valores culturais por ele agregados. A escola, ao enfatizar apenas a pro-

sendo nossas linguagens nossas mídias; nossas mídias nossas metáforas, dução técnica digital, muitas vezes acaba por aumentar a angústia do
as quais criam o conteúdo de nossa cultura digital. tecnofóbico ou reforçar a euforia do tecnomaníaco.
A ideia é o produto mental de algo culturalmente interpretável. Ou Os tecnofóbicos são aqueles que possuem aversão, repulsa, medo de
seja, para interpretarmos determinada ideia, necessitamos saber decodi- se relacionar com o equipamento, de tal maneira que se paralisam diante
ficá-la. O nível de capacidade de nossa mente para ler/ interpretar códigos dele.5 Já os tecnomaníacos são aqueles fascinados pelas possibilidades
digitais está relacionado ao nível de imersão, interação e compreensão técnicas que o equipamento oferece, a tal ponto que a aula acaba e não
crítica com o universo digital e seus códigos comunicacionais. Para tanto,
conseguem dirigir-se a outra atividade.
a epistemologia e-arte/educativa do Sistema Triangular Digital (ou Sis-
Ambas as situações interferem no processo do ensino-aprendizagem
tema e-Triangular) consiste no desenvolvimento da consciência crítica
de quem utiliza tais recursos: no primeiro caso, o aluno que não quer nem
para a elaboração de critérios a serem utilizados no universo digital.
chegar perto da máquina; no segundo, o seu centro de interesse é quase
Neste processo de ensino-aprendizagem,intenciona-se
que os alunos totalmente voltado para o
que a máquina faz, para desenvolver trabalhos
vivenciem situações problematizadoras. A cada etapa surge um problema restringem aos recursos que o equipamento possibilita.
que se
diferente e o aluno deverá solucioná-lo. Estas situações investigativas têm
O aprendiz tem, geralmente, uma receptividade curiosa em relação
como objetivo envolver o aluno, possibilitando-lhe uma experiência sig- ao equipamento empregado. Se esta curiosidade for bem aproveitada pelo
nificativa, através
de projetos digitais, devendo estes ter o desígnio como
professor, poder-se-á evitar, em muitos casos, as duas situações opostas
motivo impulsionador. Desta maneira, a arte digital e seu ensino deve
e específicas, ambas prejudiciais, com as quais vimos nos deparando em
buscar transpor o modelo educativo do tipo linear, por meio das
ações sala de aula: alunos "tecnofóbicos" e "tecnomaníacos".
educativas que realizamos, visando a um modelo sistêmico do tipo sin-
Os jovens de hoje, que nasceram com a informática, transpiram a
crônico.
linguagem computacional da sociedade em rede, enquanto muitos pro-
Entendemos por sincronismo uma abordagem e-Arte/Educativa que
fessoresainda necessitam dominar o instrumento. Esta incongruência
constitui um sistema integrador, que não divide as áreas de conhecimen-
tem gerado inversão de papéis. As escolas não estão preparadas para
to da arte em disciplinas, mas que, através de
bercultura, aciona processos mentais
açõesinvestigativas na ci- formar fruidores da cultura digital, além de "corrigirem" excludente- —

que deverão promover o desenvol-


vimento da capacidade de análise crítica e, portanto, de atribuir valor,
5. Em nossa prática como professora, presenciamos, dentre outros casos peculiares e particulares,
além do desenvolvimento da capacidade de expressão por meio da lin- o de uma aluna que nas primeiras aulas tinha a mão que estava sobre o mouse gelada, suada e endu-
guagem e recursos digitais. recida, a ponto de não conseguir mover os dedos para acioná-lo.
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO OAS ARIES CULTURAS VISUAIS

mente —
repertório digital que seus alunos trazem consigo, castrando
o A elas compete abordar os aspectos da tecnocultura, indo além da instrução
as expressões digitais, por identificá-las como erros gramaticais. Ora, a rotineira, possibilitando a reavaliação do sentido da criatividade, da per-

escola tem de identificar e trabalhar os valores culturais trazidos pelos cepçáo, da cognição, da educação. (Barbosa, 2008, p. 111-112)
alunos, mas, muitas vezes, resulta
numa importante entidade de segre-
gação da cultura digital. A e-Arte/Educação está intimamente inter-relacionada com os meios
Temos notado o quanto parece ser difícil identificar a geografia da
tecnológicos interligados. Estes, portanto, são o
campo de estudo episte-
cultura digital. Se as escolas aprendessem o processo de ensino-aprendi- mológico. Ao simplificar, minimizar o conceito de técnica, desvinculando
as relações contextuais de seu conceito, podemos estar incorrendo na
zagem calcado no diálogo, na troca, na interculturalidade, teriam menos banalização, bem como no reducionismo epistêmico. Com isso, corre-se
preocupação com a instrumentalização dos aparatos tecnológicos, dando
o risco de o ensino enveredar para simples atividades de treinamento
ouvidos às vozes que disseminam a linguagem digital. Para ensinar, temos
fim, e não o meio
de aprender. Para aprender, temos de estar abertos para ouvir o
técnico, em
que a instrumentalização passa a ser o para
que o reverberar expressivas autônomas do sujeito.
mundo tem a dizer. "A consciência da tecnologia e da arte para a educa- ações
Com uma educação digital questionadora, o centro de interesse
çãoda recepção das artes tecnológicas é o que deveríamos procurar de-
volver para ver um público crítico e informado" (Barbosa, 2008, p. 110). deixa de ser a máquina, por se viabilizar o desejo exploratório, indócil e
curioso que pode ensinar a conhecer e expressar. Assim, o equipamento
Vimos como os novos meios de comunicação mediada por compu-
se desloca do centro das atenções e assume seu verdadeiro papel de fa-
tador (CMC) estabelecem outro paradigma de comunicação, viabilizando
cilitador do processo de ensino-aprendizagem da arte.
a formaçãode comunidades virtuais, as quais compreendem "como
uma
rede eletrônica de comunicação interativa autodefinida, organizada em Neste contexto, o instrumento torna-se tanto intermediador como
torno de um interesse ou finalidade compartilhados, embora algumas suporte desse processo, possibilitando o desenvolvimento de um espíri-
to crítico-questionador, "capaz de romper limites, subverter critérios e
vezes a própria comunicação se transforme no objetivo" (Castells, 1999,
p. 385). Estas comunidades virtuais vêm proliferando abruptamente cada instaurar novos paradigmas", que passa a permear todos os níveis "téc-
nicos" (Barbosa; Ferreira; Vernaschi, 1993, p. 73). Concordamos com José
vez mais em escala global, englobando, principalmente, os jovens.
Assim, Alberto Nemer, que considera "o Ensino da Arte muito mais amplo, mais
dirigentes de ensino e os professores necessitam
a escola, os
aprender com complexo e mais rico que o restrito treinamento visual e mecânico" (Nemer,
os jovens a
consumação estética da cultura digital, para
apud Barbosa; Ferreira; Vernaschi, 1993, p. 73).
ensiná-los a de forma mais aguçada. Orkut, MSN, comunidades vir-
ver
tuais, perfis de identidades etc. devem ser incorporados tanto quanto Devemos procurar desenvolver com nossos alunos e alunas um
outras manifestações/expressões humanas. Qual é o medo? Há a neces- processo educativo centrado no indivíduo e sua contextualização cultural
sidade de formação crítica destes profissionais quanto à cultura digital, e política, por meio de projetos temáticos, num "sistema de avaliação

enquanto as instituições formadoras devem estar preparadas para formar contextualizado" (Gardner, 2000, p. 115), com o objetivo de atingir pro-
cedimentos e instrumentos que sejam "justos com a inteligência" (Gard-
o crítico digital:
ner, 2000, p. 78), para estes se envolvam e tomem consciência de suas
que
A formação crítica daqueles que saíram da escola antes da revolução tec- responsabilidades neste processo. Isso possibilita a superação de barreiras
nológica e que não tiveram acesso às novas tecnologias é responsabilidade da educação formal, bem como de sua forma padronizada de avaliação,
das instituições culturais.
sendo uma postura educativa tecnoética.
276 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES E CULTURAS VISUAIS

O processo avaliativo, neste panorama, não se resume a um instru- josos de levar adiante suas atividades, traz muito incentivo à nossa prá-
mento aplicável igualmente a todos os estudantes, com o objetivo de tica profissional.

medir conhecimentos quantitativos, e sim qualitativos. Deste modo, a As expressões intermidiáticas oriundas da Internet, pela sua nature-
avaliação tem como objetivo ser um instrumento auxiliador no processo za de navegabilidade ou por um discurso apresentado (nos referimos aos
contínuo da realidade vivenciada individualmente, "dando-lhes a chan- d iscursos multi e intermídias, e não somente
ou exclusivamente ao textual
ce de refletir sobre sua experiência e sentimento em relação aos seus in- oral), estão intimamente relacionados
ou com o desenvolvimento de um
teresses e potencialidades" (Gardner, 2000, p. 93). Assim, as avaliações roteiro intermidiático, o qual supõe uma ideia,
uma intenção expressiva.
contextualizadas "refletem uma complexidade realística; o conteúdo é Então, os alunos desenvolvem roteiro, pois
escla-
dominado como meio, não como fim, e os alunos devem propor e
(Gardner, 2000, p. 115).
recer problemas, não apenas oferecer soluções" transformar uma história qualquer num roteiro cinematográfico significa
penetrar num universo estrito de escolhas estéticas ao nível do equilíbrio
Para proporcionar ao educando experiência artística, fundamentação
visual (cores, formas, movimentos), do efeito sonoro (graves, agudos, ritmo,
teórica é preciso elaborar, testar e refazer propostas coletiva-
e reflexão,
volume) e da competência narrativa (encadeamentos lógicos e psicológicos,
mente. Algumas respostas são mais rápidas, como aprender a apresentar
pontos de vista, jogos de tensões e reflexões etc.). (Gardner, 2000, p. 95-6)
determinadas soluções que o novo equipamento exige; outras virão com
o tempo, no posicionamento estético e crítico frente ao mundo. O impor-
A partir do conteúdo ou de uma ideia, os alunos realizam o roteir06
tante é procurar ser sujeito e não objeto da prática que desenvolvemos,
para a expressão intermidiática, concomitantemente à edição, havendo
juntamente com alunos e alunas, conscientes de que o trabalho é uma intensa dedicação na escolha das imagens, sons e outros efeitos (proces-
busca constante.
so que compõe a edição/ produção), podendo potencializar ou minimizar
Os educandos devem lançar mão dos recursos intermidiáticos para o discurso desejado. A relação íntima entre o e-fazer, o e-ler e o e-contex-
experimentar os limites do tempo, da improvisação técnica (intuitiva) ao tualizar mostra-se
um diálogo construtivo, com vistas à realização de
direcionamento de um processo de ensino-aprendizagem que dê ênfase uma construção intermidiática, que deve estar imbuído num universo
à expressão por meio da intermídia/ metalinguagem, recorrendo às esco- de significação.
adequado.
lhas que impulsionem o julgamento expressivo mais Marília Franco faz distinção com relação ao cinema
uma e ao filme:
Assim, as pesquisas (ou seja, o processo investigatório/explorató- enquanto o primeiro é um universo de produção, o último é universo de
rio digital) desempenham um papel singular neste processo de ensi- significação. Portanto, do fazer, nesta atividade, está vinculada
no-aprendizagem, pois devem estimular a vivência, que deve contribuir
a
ação à
concepção de filme, o
qual está contido no universo de criação: "espaço
ob-
com informações significativas, as quais são impossíveis de serem de escolhas do artista ou comunicador,
tidas através da Internet ou outro meio digital interconectado, bem como
campo de manifestação do senti-
mento, no que respeita ao fazer" (Gardner, 2000, p. 52).
outra forma de registro informacional que dialoga com os meios digitais.
Desta maneira, amplia-se a potencialidade ilimitada de técnicas e
Os alunos e alunas se entusiasmam ao se envolver de modo mais
materiais, bem como suas combinações, podendo experimentar todas as
afetivo com o projeto, tomando para si autonomamente a responsabili-
dade na construção deste discurso empolgado. Notamos que o jovem de 6.Ou arquitetura de navegação —
existem várias nomenclaturas de acordo com a natureza da
hoje, em especial os alunos de classe média e média alta da cidade de São produção a se desenvolver, mas essencialmente todas têm
como eixo central o roteiro, ou seja, um
Paulo, têm uma tendência ao sedentarismo. Assim, vê-los em ação, dese- caminho ou múltiplos caminhos que são programados.
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO OAS ARIES CULTURAS VISUAIS

opções para explorar e criar novas possibilidades neste campo, tendo Nas artes visuais, estar apto a produzir uma imagem e ser capaz de ler uma
imagem são duas habilidades inter-relacionadas. (Barbosa, 1998, p. 17)
apenas a imaginação como limite.
Uma das importantes situações problematizadoras que podem vi-
Esperamos que nossa prática em sala de aula e o aprofundamento
venciar nesta atividade/ produção criativa é a síntese, bem como a abs- teórico proporcionado por esta pesquisa contribuam para resgatar esta
tração das informações e sentimentos que desejam explorar em suas in ter-relação.
produções, pois:
O ciberespaço deve um sistema marcado pela identidade, em
ser

Qualquer atividade artística exige do criador a sensibilidade de perscrutar que as partes formam um todo não homogeneizado, multicultural, mul-
real o de tidialogal, multidisciplinar e assimétrico. Há que se estabelecer uma
no jogo emoção racionalidade predominante no seu tempo e
e
globalização (presente nas redes vivas
e pelas escolhas da sua lin-
devolvê-lo, mediado por sua própria emoção como a Internet) ecológica/ ética,
guagem, em obras que espelhem seu público. Esse diálogo íntimo e univer- para dinamizar a identidade pessoal pelo (re)conhecimento das diferen-
sal de sensibilidade humana constitui o alimento da mente. Cada socieda-
ças por meio de uma interatividade crítico-autônoma. Não ocorrendo
de tem suas especiarias e seu paladar próprio, no cardápio cultural. isto, poderá imperar uma ditadura globalizante, hegemônica, em que o
(Franco, 1988, p. 88)
capitalismo global, não centralizado,
mas com poder
vertical, manipu-
lador,
acentua o analfabetismo e a homogeneização do pensamento
Resumindo, os alunos devem ter
oportunidade de vivenciar um
a
humano. Há que escolher entre a globalização democrática (horizontal)
processo educativo centrado no indivíduo, com um sistema de avaliação
e a arbitrária (vertical).
contextualizado que os preveniria contra o individualismo e com o —

objetivo de atingir procedimentos e instrumentos que sejam "justos com Em suma, a comunicação metalinguística presente em nossas vidas
in tegra nossasexpressões escritas, orais e audiovisuais, as quais compõem
a inteligência". É por isso
que devemos propor políticas e açõeseducati- a cultura digital, impondo a necessidade de os dirigentes de ensino, bem
vas que promovam o envolvimento e o desenvolvimento da consciência
das suas responsabilidades neste processo. como os educadores, reavaliarem os atuais programas educacionais; re-

Compreendemos que a integração escola/ alunos/pais/ comunidade


avaliação esta que também deve ocorrer nas políticas educativas e nos
processos de ensino-aprendizagem,para que possam se estabelecer outros
(digital e não digital) é uma açãosignificativa no processo da construção paradigmas educacionais, convergentes com as novas formas de expres-
da comunicação que, no mundo intermidiático, tenha como objetivo o
desenvolvimento da formação do conhecimento reflexivo/crítico do são e de cultura.
aluno. Os professores de arte
que eventualmente ainda rejeitam tais fer-
ramentas contemporâneas midiáticas podem, com base no exposto, in-
corporá-las em seus recursos pedagógicos, como intermediadoras no Referências bibliográficas
processo de ensino-aprendizagem.
Os recursos tecnológicos podem estimular (e facilitar) os alunos a ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia.São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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283

PARTE IV

Da Educação Infantil à cultura


visual:diferentescontextos e
fazeresteorizados
285

LEITURA DE IMAGENS NA EDUCAÇÃO


INFANTIL:
IMAGENS DE ARTE EM SALA DE AULA

Rosana Fachel de Medeiros

artigo apresenta uma situação de aprendizagem com imagens


Este
de arte na Educação Infantil com doze crianças de uma turma de Jardim

na faixa dos cinco anos de idade.l A partir da Abordagem Trian-


13, todas

gular de Ana Mae Barbosa2 procurei trabalhar com uma de suas dimen-
soes, a leitura de imagens, tendo em vista que nessa etapa de escolariza-

çáoé comum que a arte fique restrita ao fazer.


Organizei esse texto em cinco momentos. No primeiro justifico a
utilização da palavra leitura com um sentindo mais abrangente. Dessa
forma, ler
umaimagem implica analisá-la, relacioná-la com um determi-
nado contexto; apreciá-la. No segundo momento, mostro o quanto as

realizado a partir do meu estágio curricular obrigatório, para habilitação em


I. Este artigo foi
Pedagogia —
Educação Infantil pela UFRGS realizado no primeiro semestre de 2006, para tanto tive
a orientação do professor doutor Gabriel Junqueira Filho.
A Abordagem Triangular se alicerça em três instâncias: a leitura de imagem, o fazer artístico
2.

e a contextualização,visando a um ensino em que a experiência artística e estética dos alunos seja o


ponto de partida para as discussões em sala de aula. Barbosa defende um ensino que tenha como
meta a imagem, a contextualização e a leitura da obra e do campo de sentido da arte, que devem ser
elementos motivadores a prática na sala de aula.
para
286 BARBOSA • CUNHA NO INSINO CULTURAS VISUAIS

imagens ensinam. No terceiro


apresento três situações de aprendizagem As imagens ensinam...
realizei alunos e suas leituras.
que com os
Em seguida, aponto o quanto a atribuição de significados, frente a Ao pensar nos diferentes ensinamentos proporcionados pelas ima-
uma imagem, depende das vivências e experiências de cada
leitor, e
como gens como, por exemplo, o que é ser bonito, feliz e bem-sucedido, consi-
clero
finalização trago algumas considerações sobre essa experiência. que é de fundamental importância que o professor leve para sala de
0111a diferentes imagens. Desta forma, ele poderá possibilitar aos alunos
momento de reflexão sobre esses artefatos culturais, uma vez que as
Leitura de imagens noagens nos ensinam mesmo que, num primeiro momento, nós não per-
cebamos esses ensinamentos. De acordo com Barbosa:
Paulo Freire (1995) se refere à leitura não somente como a decifração
[...] maior parte de nossa aprendizagem informal se dá através da imagem
a
dos códigos da língua escrita, mas sim com uma visão mais globalizada.
e parte desta aprendizagem informal é inconsciente. A imagem nos domina
O autor ressalta que "a compreensão do texto a ser alcançada por sua
leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto" porque não conhecemos a gramática visual nem exercitamos o pensamen-
tovisual para descobrir sistemas de significação através das imagens. (1998,
(1995, p. 8). Mesmo que o autor faça referência à leitura de mundo, há p. 138)
semelhança com a concepção de leitura de imagens que proponho neste
texto como situação de aprendizagem. Dessa forma, acredito que quanto mais dermos a oportunidade aos
Dentro desta perspectiva, ler uma imagem é o que fazemos ao re- nossos alunos para pensarem sobre o que estão vendo, mais preparados
eles estarão para compreender os ensinamentos
fletir sobre aquilo que estamos vendo, é relacionar o conteúdo da imagem que lhes são transmitidos,
gnesmo que inconscientemente, por essas imagens.
com o contexto no qual estamos inseridos. Conforme Pillar (2004), ao
lermos uma imagem deixamos que algo entre em nossa intimidade e Para fazer esse exercício de leitura de imagens com uma turma do
tome conta de nossos sonhos. "Não há leitura se não houver este movi- Jardim B, de uma escola pública da cidade de Porto Alegre (RS), optei,
dentre os diferentes tipos de imagens
mento em que algo, às vezes, [...] nos deixa vulneráveis, nos coloca em com que as crianças têm contato,
questão" (ibid., p. 18). Pensando nesses aspectos é que utilizo a leitura pelas reproduções de obras de arte, mais especificamente as pinturas.
de imagens como conteúdo escolar, uma vez que esse exercício, segun- lirimeiro por ser um tipo de imagem a que as crianças, normalmente, têm
do Barbosa: pouco acesso, e também para que essa situação estivesse relacionada com
o projeto maior, sobre brincadeiras, que explicitarei a seguir.
[...] prepararia os alunos para a compreensão da gramática visual de qualquer

imagem, artística ou não, na sala de aula de artes, ou no cotidiano, e que


torná-los conscientes da produção humana de alta qualidade é uma forma As leituras das crianças
do Jardim B
de prepará-los para compreender e avaliar todo tipo de imagens, conscien-
tizando-os do que estão aprendendo com essas imagens. (1995, p. 14) A partir de um projeto maior Resgatando brincadeiras infantis bus-
— —

(1 nei
uma forma diferenciada de trabalhar comjogos e brincadeiras em sala
Segundo a autora, quanto mais as crianças tiverem possibilidade de (le aula. Para isso, selecionei três reproduções de pinturas de dois artistas
contato e reflexão a partir de diversificadas imagens, mais preparadas nacionais e um estrangeiro que apresentam brincadeiras infantis como tema
elas estarão para olhar criticamente para o mundo. para que as crianças fizessem suas leituras a partir dessas imagens.
288
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO CUIIURAS VISUAIS 280

Na sala
de aula, com as crianças sentadas em roda, apresentei as
reproduções das três obras para as crianças; cada
uma delas em um mo-
mento diferente do projeto. Primeiro eu mostrava a obra ao mesmo tem-
po para todas as crianças e deixava que elas falassem suas impressões
sobre a mesma. Em seguida, eu passava a imagem cada criança
para que
olhasse-a em suas
mãos e, individualmente, fizesse comentários sobre
ela. Nesse momento, todas as crianças presentes falavam sobre a
imagem.
Nenhum dos alunos negou-se a expressar suas opiniões sobre as pinturas, 'E
o que possibilitou que esses momentos fossem riquíssimos.
Meus objetivos com essa proposta foram: proporcionar às crianças
o contato com reproduções de obras de arte, nesse caso pinturas, de di-
ferentes autores e também possibilitar turma
à o olhar reflexivo frente a
essas produções, pois
a partir desse exercício elas poderiam se tornar

capazes de "compreender e avaliar todo o tipo de imagens" (Barbosa,


1995, p. 14).

A primeira imagem apresentada foi uma reprodução da pintura de


Milton da Costa, Roda (Figura 1), de 1942, a qual retrata Figura I

um grupo de me- Roda, de Milton da Costa. Disponível em: <www.bndespar.com.br/.../2004_espaco_Iudico.htmI>.


ninas brincando de roda
em um espaço externo. Assim que apresentei a Acesso em: 15 abr. 2006
obra para as crianças, perguntei-lhes o
que elas estavam vendo, o que essas
pessoas estão fazendo, onde elas estão... Apresento agora algumas das
leituras das crianças frente à imagem:
de roda e o dançar. A influência das aulas de dança na leitura da Náthali
"Elas estão rezando,
porque é de noite!" (Gabriel)
o
também aparece no sentido que ela atribuiu à obra Na rua que apresen-
• "Elas primeiro construíram
uma barraca, depois foram brincar de tarei em outro momento desse texto, mais adiante (Figura 3).
roda!" (Ana) Assim, também, é interessante pensar na leitura de Gabriel para essa
• "Elas tão dançando!" (Náthali) imagem de arte: "Elas estão rezando, porque é de noite!" o aluno prova-
velmente atribuiu esse significado a obra porque o hábito de "rezar" deve
Sobre a leitura fazer parte do seu dia a dia e ser realizado à noite, antes de dormir.
que as crianças fizeram em relação a essa imagem foi
possível perceber
que na leitura da Náthali, por exemplo, ficou evidente A segunda imagem foi uma pintura de Auguste Renoir intitulada
o quanto essa significação atribuída por ela —
"Elas tão dançando!" Gabrielle e Jean (Figura 2), de 1895, que representa uma mulher e uma
está relacionada com a sua realidade,
com a sua vivência, tendo em vista criança brincando com uma boneca e com algumas miniaturas de animais
ela foi a única a fazer relação da Roda
que como sendouma dança. Penso de brinquedo sobre uma mesa no interior de uma casa. Depois de apre-
que, provavelmente, isso se
deve ao fato de ela fazer balé duas vezes por sentar a imagem, fiz os seguintes questionamentos para as crianças: Quais
semana e a cena apresentada na obra assemelhar-se a alguma das coreo- cores tem na tela? De que essas pessoas estão brincando? Que título vocêsdariam
grafias aprendidas, fazendo-a relacionar as duas situações: a brincadeira para essa obra? ... Estas foram as suas leituras:
TRIANGULAR NO ENSINO OAS ARIES [ CULIURAS VISUAIS
BARB(M •

e, ainda, por ser esta criança


que deixa dúvidas sobre seu sexo,
( 189.5), o

está segurando a boneca. Como normalmente e socialmente são as


inas que brincam de boneca, a maioria das crianças da turma do Jardim

rapidamente concluiu que aquela criança era uma menina.


No momento em que deixei as crianças expor suas opiniões não quis
menina(o)?,
intervir com questionamentos do tipo: Por qlle tu achas que éuma
pois, como essa situação ocorreu na rodinha, pensei que esse tipo de
ined iação pudesse influenciar a opinião das outras crianças, e o meu in-
teresse naquele momento era perceber qual a significação que as crianças

iriam atribuir para a obra, nesse primeiro contato com ela. É importante
o professor intervir com o intuito de fazer a criança pensar
sobre sua
opinião e aprofundá-la, mas esse não era o objetivo naquele momento.
(1940),
A última imagem que apresentei para as crianças foi Na rua
de Carlos Scliar (Figura 3). Ela mostra crianças brincando de jogar bola
de gude na rua. Deixei que as crianças expusessem suas opiniões. Elas
Figura 2 atribuíram os seguintes significados para essa obra:
Gabrielle e Jean, de Auguste Renoir. Disponível em: <http://www.claudiobattisti.it/galleria/
impressionisti/images/Pierre%20Auguste%20Renoir,%20Gabrielle%20e%20Jean,%201896.JPG>.
Acesso em: 20 maio 2006

"Uma mãe e um bebê brincando de celeiro." (Ana)



"A mãe tá brincando com o bebê." (Carolina)

"A mãe e a filhinha tão brincando. Ela tá fazendo assim (mostra
o movimento com a mão) com a boneca." (Náthali)

"A mulhere a criança, que nãoé um bebê, é um menino, tão brin-
cando de celeiro." (Gabriel)

"A mãe e a filha tão brincando de fazenda." (Júlia)

Foi interessante perceber na leitura das crianças sobre essa obra que
somente uma delas disse
que quem estava brincando com a mulher ou
com mãe
a era um menino. Olhar para a criança da pintura e indicá-la
como uma menina o que aconteceu com a maioria das crianças talvez

Figura 3
tenha ocorrido pelo fato de a criança
que está representada nessa pintura Disponível em: <http://www.itaucuIturaI.org.br/aplicExternas/enciclopedia_lC/
Na rua, de Carlos Scliar.

ter os cabelos até ?fuseaction=artistas_obras&cd_verbete=1362&cd_idioma=28555>. Acesso em: 1 7 jan.


quase a altura do ombro e usar vestimenta de época index.cfm
292 BARBOSA • CUNHA TRIANGULAR NO ENSINO DAS CULTURAS VISUAIS 293

"Eles tão brincando de bolinha e as mulheres tão olhando." (Júlia) tepresentados remetam aos olhos de pessoas dessa etnia. Desta forma,

"São chineses." (Gabriel) leitura realizada por esse aluno torna-se ainda mais compreensível e
"Eles tão jogando bolinha de instigante, ao levarmos em consideração que, segundo a teoria semió-
gude." (Gabriela)
tica, a leitura de qualquer imagem deve sempre partir dos elementos

"Os meninos tão jogando e as meninas tão se vestindo para ir no presentes na imagem.
balé." (Náthali)
"Eu acho que eles são escravos e eles tão jogando bolinha e tão
tristes." (Helena) Os sentidos atribuídos

Como pudemos observar, no item anterior, as leituras das crianças


A significação, por exemplo, que Náthali expressou a partir dessa
obra —
"Os meninos tão jogando e as meninas
vestindo para ir no balé"
tão se
em relação à mesma imagem foram diversificadas. Isso não é de se estra-


demonstra o quanto os sentidos atribuídos a uma imagem estão com-
nhar,
uma vez que, de acordo com Pillar:
prometidos com o contexto e com as vivências de cada leitor, tendo em O olhar de cada indivíduo está impregnado com experiências anteriores,
vista que ela, como mencionei anteriormente, faz aulas de balé, estando associações, lembranças, fantasias, interpretações etc. O que se vê não é o
adança muito presente em sua vida. Talvez por esse motivo ela enxergou dado real, mas aquilo que se consegue captar e interpretar acerca do visto,
significativo. (2001a, 13)
na obra meninas que estavam se arrumando para ir ao balé, algo que o que nos é p.
normalmente ela faz.
A partir daafirmação da autora, pude perceber que as crianças fize-
Foi curioso
perceber que nessa obra não há, ao menos não explicita- leituras, e não outras, devido aos elementos
ram essas que estavam pre-
mente, meninas representadas, só meninos. Mas analisando a obra e
sentes nas imagens e também em virtude de suas vivências e lembranças.
buscando atribuir sentido a ela,
percebi que há
uma pessoa que está afas- Uma vez que o ato de olhar está comprometido com o passado, tendo em
tada por esse motivo, não é
e, possível visualizar com clareza seu rosto vista que, segundo Rossi (2003, p. 19), "o significado surge a partir do

nem tampouco sua vestimenta. Assim, não é possível definir com certeza mundo do leitor, pois não existe interpretação desconectada do mundo
se essa pessoa está usando vestido, saia, calça
ou bermuda, o que instau- que se vive". Dessa forma, duas pessoas podem ler a mesma imagem e
ra a dúvida no leitor que
não pode afirmar se figura representada é um
a chegar a conclusões completamente diferentes.
menino ou uma menina. Para Náthali é uma menina. Essasdiferentes atribuições de significado se devem, também, ao
Ao analisar as significações das crianças, pude perceber que elas fato de que, conforme a teoria semiótica, o sentido não está pronto e
foram bem diversificadas, especialmente para essa última imagem. Tal acabado nos textos, mas ele surgirá na relação entre destinador (nesse
diversidade de leituras arte) e destinatário (as crianças). A esse respeito, Oli-
revela
que cada indivíduo explicitamente, ou caso as obras de
não, relaciona o visto com o vivido ao fazer análises desse tipo. Também veira afirma que "a semiótica [...] fundamenta que o significado não
foi possível notar que suas leituras partiram do que estava posto nas está nas coisas, na ordem do mundo, mas na ordem da cultura [ ...l'
imagens, mesmo que em um primeiro momento nos cause estranha- (2008, p. 28).
mento. Como, por exemplo, quando o aluno Gabriel visualiza "chineses" Nessa perspectiva, o sentido não está nos objetos, mas na relação que
na obra de Scliar, contudo, sua leitura não foi aleatória, tendo em vista o leitor estabelece com eles. Assim, o significado de determinado objeto
que o estilo de pintura do artista faz
com que os olhos dos meninos ou imagem dificilmente será o mesmo para duas pessoas. Uma vez que,
294 BARBOSA • CUNHA NO [NSINO CIJIIURAS VISUAIS

na busca por darsentido ao mundo e ao que vê, cada leitor utiliza-se de "11,1 ,AR, Analice Dutra. A Edilcaçtio do olhar no ensino das artes. Porto Alegre:
seus conhecimentos prévios e suas vivências. Mediação, 2001a.

_. Criança e televisão. Porto Alegre: Mediação, 2001b.

Reginies de visibilidade nos desenhos aninlados da televisão. Porto Alegre:


Algumas considerações IA PIERC,S/UFRGS, 2004.

RC )SSI, Maria Helena Wagner. Intagens qllefalam:


Finalizo este texto reiterando a importância
da Abordagem Triangu- leitura da arte na escrita. Porto
Alegre: Mediação, 2003.
lar para a educação em Artes Visuais e para a formação dos alunos, espe-
cialmente, para esse texto, a relevância de Abordagem possibi-
uma que
lite aos educandos um momento para apreciar imagens e pensar sobre o
que estão vendo, tendo em vista que na atualidade vivemos rodeados por
imagens e não fomos educados para pensar criticamente sobre elas.
Em relação à quantidade de imagens com as quais convivemos na
atualidade, Rossi afirma que "hoje vivemos na chamada 'civilização da
imagem"' (2003, p. 9). Dessa forma, somente a partir da análise crítica
dessas imagens teremos consciência de que "somos destinatários de
mensagens que pretendem impor valores, ideias e comportamentos que
não escolhemos" (ibid.).
A leitura crítica realizada pelos alunos frente às imagens, como já fiz
referência anteriormente, partirá de suas competências de leitura e de
seus repertórios. Dessa forma é de fundamental importância que os pro-
fessores explorem, respeitem e valorizem as suas diferentes leituras.

Referências bibliográficas

BARBOSA, Ana Mae. Educação e desenvolvimento cultural e artístico. Edilcaçño


e Realidade, Porto Alegre, v. 2, n. 2, p. 9-17, jul./ dez. 1995.

Tópicos litópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se conlpletam. São

Paulo: Cortez, 1995.

OLIVEIRA, Ana Claudia de. Interações nas mídias. In: PRIMO, A. et al. Comuni.
e interação.Porto Alegre: Sulina, 2008. p. 27-42.
cação
296 ABORDAGEM IRIANGULAR NO ENSINO OAS ARIES CULTURAS VISUAIS

Com o apoio de uma professora arte/educadora auxiliar esta pes-


quisa desenvolveu-se a partir da disciplina optativa denominada Projeto

para Ensino Médio, durante o ano


letivo de 2008. Tal
projeto recebeu o
título de Metodologia Triangular Obras do Acervo da Pinacoteca. A

atividade didática envolveu duas turmas da 2a série do Ensino Médio do


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IF/
2 SP),2 totalizando
cerca de oitenta alunos com faixa etária média de 16 a
17 anos. Este projeto partiu da premissa
PROPOSTAS POÉTICASA
PARTIR DO ACERVO que a fruição, a análise estética,
a contextualização e a produção de obras de arte podem tornar-se uma
DA PINACOTECA DO ESTADO DE SÃO PAULO realidade possível no ambiente da sala de aula,
como pressupõem os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio Arte,
que ti-

veram a Abordagem Triangular como agenda escondida.


Eduardo Mosaner Jr.
Na proposição deste estudo subentende-se que a Abordagem Trian-
Petra Sanchez Sanchez gular em seus pressupostos e propostas são os mais abrangentes para a
Norberto Stori educação da arte, procurando englobar todos os aspectos do conhecimen-
entender o mundo imagético além de produzir,
to artístico: ler, escrever e
sendo a maneira mais completa e consistente de trabalhar os conteúdos,
Introdução as competências e as habilidades previstos para a disciplina Artes no
Ensino Médio.
O problema que originou este trabalho pode ser formulado através Complementando e elucidando as características desta Abordagem
de uma questão: como iniciar
um processo de educação visual, de con- Pedagógica na Arte/Educação, a autora e maior divulgadora nos meios
textualização das obras e elaboraçãode respostas poéticas trabalhando
educacionais do Brasil reafirma:
Artes com adolescentes do Ensino Médio de
uma escola pública?
O objetivo deste trabalho é apresentar uma pesquisa da utilização A Abordagem Triangular é construtivista, dialogal, multicultu-
interacionista,

da Abordagem Triangular, enunciada pela ralista e é pós-moderna [...] por


articular como expressão e como cultura
arte
professora Ana Mae Barbosa,
visando ao desenvolvimento de habilidades sala de aula, sendo esta articulação o denominador
para a leitura da imagem,
na comum de todas as
contextualização elaboraçãode propostas poéticas pelos alunos de En-
e propostas pós-modernas do Ensino da Arte que circulam internacionalmente
sino Médio. O material construído para o desenvolvimento desta pesqui- na contemporaneidade. O grande guarda-chuva dewiano,3 a articulação entre
a educação artística (criação) e a educação estética (apreciação), define o
sa é composto detextos e reproduções de imagens de obras brasileiras
significativas dos séculos XIX e XX, pertencentes
ao acervo da Pinacoteca
do Estado de São Paulo.l 2. O Cefet/SP, a partir do início de 2009, teve sua denominação alterada para Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). Foi criado
em 1909 com o nome de Escola de
Aprendizes e Artífices e na década de 60 transformou-se na Escola Técnica Federal de São Paulo, até
I. A Pinacoteca do Estado de São Paulo, inaugurada 2000, quando passou a ser o Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo (Cefet/SP).
em 1905 no prédio do então Liceu de Artes
e Ofícios, é o mais antigo museu de arte da cidade de São Paulo. Ela tem 3. Referência ao filósofo e educador John Dewey (1859-1952), um dos fundadores da Escola
um perfil bem definido de
arte brasileira a partir do
século XIX. Seu acervo possui cerca de seis mil
peças. progressista norte-americana, conhecida também como Escola Nova.
298 BARBOSA • h, ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO CULTURAS VISUAIS 299

pós-modernismo em Arte/ Educação, ou a contemporaneidade, se alguém, presen tando três momentos correspondentes às três da Abordagem
ações
por horror à palavra pós-moderno, preferir. (Barbosa, 2007, p. 41) liiangular proposta pela professora Ana Mae Barbosa: "o ler a imagem,
o contextualizar e o fazer ou produzir uma obra poética". Ao final de cada
Trabalhar com a faixa dos alunos do Ensino Médio, cerca de
etária
bi mestre, os alunos visitavam o acervo da Pinacoteca para ter contato com
16 a 17 anos, se constituiu um grande desafio, pois a literatura e os traba-
o original das obras abordadas em aula, completando-se assim o inven-
lhos acadêmicos referentes à sua aplicabilidade no ensino médio são
rio de cada uma, tornando-o mais consistente quanto à leitura e análise
muito escassos. A quase totalidade dos trabalhos tem como foco a Edu- das mesmas.
Infantil e as primeiras séries do Ensino Fundamental.
cação interpretação de obras de arte foram balizadas pelos
A leitura e a
Neste trabalho também foi considerada a importância de visitas a procedimentos previstos pelo Image Watching, sistema proposto pelo
museus e o exame das obras originais de seus acervos tanto para o professor Robert William Ott,4 articulado em seis momentos, que tem
desenvolvimento crítico dos alunos como para a criação do hábito de como objetivo, além da utilização inteligente por parte do aluno da críti-
visitação. ca, apreciação estética e do estudo da História da Arte,
da a produção
As atividades estabelecidas no decorrer da pesquisa iniciaram-se a criativa no ateliê de artes. O professor Ott define que
partir da seleção de obras pertencentes ao acervo da Pinacoteca do Esta-
do. Foram estabelecidos os parâmetros para a seleção das obras para o O ensino da crítica por meio do sistema de interpretação Image Watching
objetiva a integração do pensamento crítico a respeito das obras de arte e
objeto de estudo: arte brasileira dos séculos XIX e XX, de autores mais
da transformação dos conceitos aprendidos dessa forma de crítica artística
conhecidos, abrangendo as várias tendências e períodos como o Acadê-
voltada à produção criativa na aula de artes. (Ott, 2005, p. 130)
mico, o Modernismo, o Concretismo e a Arte Contemporânea. Tais obras
poderiam bidimensional como tridimensional, figurativas ou
ser tanto
Os seis momentos que compõem o sistema formam um método di-
abstratas, com formas orgânicas ou geométricas, abordando temas rural
recionado ao Ensino da Artes. Na maneira como foi inicialmente escrito,
ou urbano, utilizando-se de materiais e técnicas desde as mais tradicionais
utilizou-se do gerúndio para nomear cada uma das categorias ou mo-
Observando tais parâmetros, as primeiras cinco obras
até as mais atuais.
tnentos, exatamente para deixar explícita a ideia de
que a atividade está
selecionadas foram pinturas a óleo sobre tela: O violeiro (1889), de José
em processo de andamento. Este caráter processual e dinâmico é uma das
Ferraz de Almeida Jr. (1850-1899), São Paulo (1924) de Tarsila do Amaral
características mais marcantes dos passos do método.
(1886-1973), e Mestiço(1934) de Cândido Portinari (1903-1962), e as escul-
São seis os momentos
que perfazem a experiência: aqllecendo, descre-
turas Portadora de perfume (1923), bronze, de Victor Brecheret (1894-1955), vendo, analisando, interpretando, fundamentando e revelando. Para maiores
e Fita vermelha (década de 1980), ferro esmaltado, de Franz Weissmann esclarecimentos sobre Image Watching, é interessante consultar os auto-
o
(1914-2005). res Ana Mae Barbosa (org.) em Arte-Educação: leitura no subsolo, e Luciana
A reprodução das imagens das obras foi feita através de fotografia M. Arslan e Rosa lavelberg em Ensino de Arte.
ampliada exposta em todas as aulas. Para cada obra selecionada foi
e

completado ciclo de atividades a cada três a quatro semanas,


um com
4.
Arte/ Educador norte-americano (1935-1998) da Pennsylvania State University. Em 1988 veio
ao Brasil a convite da professora Ana Mae Barbosa para ministrar cursos no MAC-USP. Introduziu
blocos de quatro aulas-hora semanais, trabalhando-se com a mesma ima- o método de análise de imagem, o Sistema de Crítica Artística Image Watching, exposto em seu

ciclo de atividades foi repetido


gem. Este para as demais imagens, sempre artigo "Ensinando crítica nos museus", in Barbosa (2005c, p. 113-141).
300 301
BARBOSA • TRIANGULAR NO ENSINO DAS CULTURAS

Procedimentos •
Aplicação, avaliação e análise dos resultados produzidos pela
atuação de um Gl'llpofocal.
Dentre os procedimentos metodológicos utilizados para planejar, • Aplicação, avaliação e análise das informações contidas no Diário
desenvolver e finalizar este trabalho, podemos destacar: de cantpo produzido durante as aulas de ateliê.
Revisão bibliográfica das publicações sobre a História do Ensino de • Análise de toda a documentaçãofotográficaobtida durante o processo.
Artes, sobre os métodos pedagógicos de Ensino de Artes, sobre
a impor•
tância da leitura de imagens em sala de aula e sobre a metodologia de Já na primeira semana de aula do semestre os alunos, a partir de suas
pesquisa a ser adotada, que no caso é a pesquisa-ação. preferências, formaram oito grupos, em cada turma, com cinco compo-
o Revisão bibliográfica da legislação vigente, nentes. Em cada um deles, foram eleitos
um coordenador um relator.
como a Lei de Dire• e
trizes e Bases da Educação Nacional e suas orientações posteriores Para cada uma das obras selecionadas no acervo da Pinacoteca do
que a explicitam: os PCNs, os PCN+ e as Orientações Curriculares listado foi percorrido um ciclo completo de doze a dezesseis horas-aula,
para o Ensino Médio. como descrevemos a
seguir.
Pesquisa de
campo na Pinacoteca

do Estado de São Paulo para O primeiro momento foi o de Leitura da obra. Manteve-se a imagem
análise e seleção das obras existentes no acervo. da obra projetada em tela, sem ser mencionado o nome da obra ou do
o
Elaboração dos instrumentos de avaliação da pesquisa: inventá- autor, sem qualquer outra referência. Foi pedido a cada aluno que per-
corresse lentamente com a vista, com muita atenção, todas as partes da
rios,
diário de campo, relatórios de visita à Pinacoteca, questioná-
rio aberto, obra projetada. Após um tempo para esta operação, insistiu-se que exa-
grupo focal.

Elaboração e reprodução de material escrito e imagens que pu- minassem todos os detalhes vagarosamente. Em seguida, o aluno anotou
em uma folha em branco a descrição de tudo que estava vendo,
sentindo,
dessem apoiar a leitura e a contextualização das obras de arte e
das apresentações de slides referentes História da Arte. entendendo, através da elaboração mental de perguntas e de suas respec-
à
tivas respostas. Posteriormente, cada aluno transmitiu para os demais
• Série de visitas didático-pedagógicas na Pinacoteca do Estado,
colegas do grupo tudo que foi anotado na atividade anterior, iniciando-se
com o acompanhamento dos alunos, visando à complementação
da leitura da imagem feita em aula, a partir do original de cada uma breve discussão sobre a importância de cada item, tentando agrupar
as perguntas e respostas do mesmo tipo e eliminando-se as repetidas.
obra selecionada e gerando o documento Relatório de visita didáti-
ca, redigido Promoveu-se a leitura de reproduções de obras do acervo da Pina-
individualmente pelos participantes a cada visita
coteca do Estado de São Paulo através de roteiros de análise que foram
programada.
denominados Inventários e que foram construídos colaborativamente com
Análise e avaliação da documentaçãode todo o material escrito
produzido pelos alunos e das propostas poéticas construídas a
os alunos participantes. É
importante ressaltar que nestas atividades de
leitura de imagens não se pode "engessar" a análise
partir da
com questionários
obra original do acervo da Pinacoteca.
ou instrumentos rígidos preestabelecidos pelo professor. Esses instrumen-

Análise e avaliação dos registros de dados através de relatórios, tos devem ser, a partir de um eixo norteador, sugeridos e completados
que nesta pesquisa denominam-se Inventários. coletivamente pelos participantes.

Aplicação, avaliação e análise dos resultados do Questionário Nessa mesma linha de pensamento, Rossi alerta sobre os malefícios
aberto.
de introduzir receitas prontas, previamente acabadas, para a leitura de
CULTORAS VISUAIS 303
IRIANGIJIAR NO ENSINO
BARBOSA • CUNHA

imagens, para tornar a experiência mais dolorosa e ineficiente, desco•


e, utilizada devido ao desgaste sofrido por este termo
a palavra releitllra
nhecer ou desprezar a vivência e o conhecimento do aluno: Braças a seu uso excessivo e mal empregado por parte
de professores,
nulitas vezes confundido com cópia com outros materiais. Releitura é pro-
Frequentemente, leitura
a estética tem se reduzido a
um roteiro preestabe• posta como a produção daquilo que se entendeu, sem qualquer preocupa-
lecido de perguntas
que não respeitam a construção dos alunos nesse do-
ao
% com similitude. Ela pode levar a uma obra em que não se reconhece
mínio, nem tampouco a natureza e especificidade da imagem
mas pela qual sempre manterá alguma relação.
inicial,
que está nquela considerada
sendo analisada. Presume-se que as informaçõeshistóricas e colocar sua visão do mundo, suas críticas, sua
os conteúdos Reler é reinterpretar, é
formais podem dar conta do pensamento estético
no domínio da leitura, linguagem e suas experiências sobre a obra escolhida. É, portanto, uma
[...] O papel do professor
éprovocar questões e esclarecer ideias, sem dog- nova construção, um novo significado, uma nova
leitura,
um novo texto.
matismos ou imposições. Ao desconhecer o pensamento estético do aluno,
li é este novo texto que diferencia uma releitura de uma cópia. Sobre a
oprofessor corre o risco de enfatizar as suas ideias favoritas. Ao contrário,
reinterpretação de obra, o professor Ott acrescenta:
uma
oprofessor atento às ideias dos alunos saberá quando e
como enriquecer
as suas leituras e contribuir para que a leitura estética é
artística essen-
possa cumprir a A integração do conhecimento com expressão e produção
função de enriquecimento da vida e não apenas de fornecedora de infor- cial para a crítica artística. A crítica
é mais efetiva quando combinada com
mações. A leitura estética deve ser um elemento fundamental, essencial, a produção artística e não quando considerada como um item separado,
no
processo educacional, e que tenha significado para a vida dos alunos, e não escrito ou visual, um mero exame de obras. O ato de transformação ou
in-

ser apenas mais um exercício escolar. (Rossi, 2006a, p. 133) terpretação criativa do conhecimento da arte, adquirido por meio de expe-
riência de crítica
em museu, torna-se essencial. A transformação estimula a
Considerou-se também que nenhuma reprodução de da
crítica
imagem subs- integração dos conceitos inerentes à estética, História da arte e
titui a obra original. Outra questão relevante aluno participante arte. Quando o aluno está envolvido no ato de transformar, ele não copia
o que
sentiu é que não existe uma única leitura da obra, mas cria outra que é base-
mesma obra, ela dependerá ou simplesmente descreve a partir de uma
do objeto e do observador e, principalmente, de sua vivência ada nas percepçõese compreensões que derivam do observar obras no
e nível so-
ciocultural. original. (Ott, 2005, p. 126)

O segundo momento foi o de Contextllalizaçãoda obra através da


Ao término de cada período de produção no ateliê era feito coletiva-
apresentação de slides. As obras foram discutidas e contextualizadas em
mente a análise e a discussão de todos os trabalhos.
seu tempo e espaço através da História da Arte, levando-se
em conside- Posteriormente os inventários foram completados em um quarto
ração as influências das tendências artísticas da época sua produção,
de
momento, quando os alunos analisaram o original da obra no próprio
das demais obras do
mesmo artista, de seus contemporâneos, dos ante- Estado. Tais visitas periódicas para exame dos
acervo da Pinacoteca do
cessores que o influenciaram e de seus seguidores.
originais foram de fundamental importância tanto para um olhar mais
Após a leitura, análise e contextualizaçãoda obra
em foco, foi redi- detalhado das dimensões da obra, das texturas, do tratamento gráfico,
gida colaborativamente a Síntese de todos os inventários
produzidos até dos materiais, como também para perceber as possibilidades de análise
então pelos alunos e os
grupos. de outros materiais, e outras obras expostas na Pinacoteca. Os alunos
O terceiro momento foi o de Elaboraçãode resposta poética, quando os perceberam claramente a importância de deter-se mais tempo em frente
alunos foram orientados para a construção de
propostas poéticas a partir às obras e nãosomente durante os tais "seis segundos" que muitos museus
da leitura, contextualização, de
novas leituras individuais e reinterpreta- apregoam como sendo o tempo médio que o visitante permanece peran-
ções das obras. Propositalmente, neste
momento de elaboração, não foi te cada obra exposta.
304
BARBOSA • IRIANOUUAR NO ENSINO DAS ARTES E
CULTURAS VISUAIS 305

de exposição, é
local de criação do trabalho plástico, sobre reinterpretação das obras
O exercício visual frente ao original, no próprio jcesso
nobre a importância das visitas à Pinacoteca do Estado.
igualmente um fator facilitador para que o aluno adquira o hábito de novas
todos
visitas a espaços de artes, ampliando o público frequentador, algo que O Diário de campo, o mais pessoal dos instrumentos de apoio à inves-
alcançar.
os museus e instituições culturais tanto se esforçam para
ligação foi utilizado durante as aulas de ateliê para anotar e registrar as
informações e percepções, facilitando a construção de um conhecimento
Éparte integrante desta pesquisa o conjunto de imagens dos originais
Inventários is próximo da realidade da pesquisa. Ele permitiu equilibrar a análise,
das obras analisadas do acervo da Pinacoteca, as sínteses dos
elaborados coletivamente, os resultados da realização de um grupo
focal I
otnparando o observado com as outras ferramentas utilizadas. Na pre-
fotográfica das diferentes uente pesquisa, o Diário de campo foi complementado pela Documentação
com nossos alunos, bem como a documentação
respostas poéticas que foram elaboradas a partir de
leituras e interpreta- 'tográfica, um instrumento bastante útil nas atividades desenvolvidas nos
obra discutida. Todo esse material veio a compor ateliês, acompanhando o processo de criação e elaboração das propostas
çõesdiferentes de cada béticas,
em todas as suas fases. Acrescenta-se que, além da documentação
um texto, o Caderno
da obra, construído em colaboração com os alunos
a síntese de todas as pesquisas escritas
fotográfica como uma das maneiras de armazenar os acontecimentos, a
para cada obra, onde se encontra
fotografia foi também utilizada como ferramenta pelos alunos ao foto-
elaboradas durante o processo de leitura, análise e discussão do grupo
de alunos envolvidos no estudo, bem como as imagens das respostas grafarem para facilitar a criação de seus trabalhos, assim como maté-
poéticas deles. Cada caderno é composto de capa com identificação e cia-prima para os exercícios plásticos.
imagem da obra do acervo da Pinacoteca, um breve informe sobre o
Pro- O Relatório de visita didática foi mais
um dos instrumentos utilizados,
jeto do Ensino Médio, dados da vida e da obra do autor (cronologia), nendo preenchido e completado por cada aluno logo após cada visita à
há textos
texto contextualizando o autor e seu tempo. Complementando, Pinacoteca. No relatório houve espaço para o aluno assinalar as novas
leitura
críticos sobre o autor e sua produção, outro discutindo a análise e informações e impressões obtidas ao examinar mais detalhadamente o
da imagem focada, cerca de oito a dez fotografias de reinterpretações original das obras, já que, até então, só havia tido contato em sala de aula
produzidas pelos alunos e, na contracapa, referências e indicações de com ampliações fotográficas. Outras questões foram abordadas neste
textos e sites pertinentes ao assunto do caderno. documento, como a oportunidade de o aluno assinalar que obras que
gostaria de, no futuro, trabalhar em aula, se ele sentiu que houve ou não
mudanças na sua maneira de visitar ou examinar obras no museu e se ele
Os instrumentos de coleta de dados achou que adquiriu o hábito de visitar exposições.

Os Inventários e as Sínteses, considerados fontes de análise documental,

conseguiram identificar e explicitar informações importantes sobre as obras Considerações


estudadas. Além destes instrumentos, foi também utilizado o Grupo focal,
referen-
composto de cerca de doze alunos, onde foram discutidos tópicos Ao analisar os diversos resultados obtidos com a aplicação de ins-
tes ao uso da Abordagem Triangular, ao andamento do projeto e questões trumentos qualitativos e quantitativos, constata-se que o objetivo desta
levantadas pelos alunos como sugestões durante a discussão. pesquisa, ou seja, a utilização da Abordagem Triangular considerando

Utilizou-se também neste trabalho Questionário aberto, composto


o seus três momentos propostos inicialmente, foi positivamente atingido
de poucas perguntas que de alguma maneira complementam as questões no que diz respeito à quase totalidade dos participantes, alunos do Ensi-

abordadas na realização do grupo focal. Envolviam questões sobre o no Médio do IF SP. Durante todo o processo houve o desenvolvimento
BARBOSA • CUNHA NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS

das habilidades para a leitura crítica, contextualização e a elaboração


a Abordagem para induzir o afloramento das potencialidades
"-se desta
de propostas poéticas de obras do
acervo da Pinacoteca do Estado. Esta destes adolescentes de escolas públicas. Segundo eles, é importante ter
afirmação torna-se visível e plausível ao se examinar o material escrito diferentes visões de uma mesma obra e sentiram que houve maior apro-
gerado, com cerca de seiscentos inventários, sínteses e relatórios, ou a fundamento e facilidade na aprendizagem.
centena e meia de trabalhos plásticos, bi e tridimensionais, produzidos
Ironicamente, os alunos, na elaboração das sínteses, sentiram maior
durante o semestre.
dificuldade com a linguagem escrita, que utilizam desde os sete anos de
Verifica-se que a maior parte dos alunos afirma que as atividades de idade, do que com a linguagem visual, muito bem explorada por eles nas
leitura e análise da obra, assim como sua contextualização através da aulas de ateliê, de acordo com a observação do professor, de diários de
História da Arte, são práticas facilitadoras
para a criação de respostas
poéticas partindo de reinterpretações, críticas e imagéticas
ou intertex- Se aspropostas poéticas forem examinadas mais detalhadamente,
tualidades da obra original. Eles consideram que tais atividades de re-
verificar-se-á a alta qualidade da produção dos trabalhos plásticos elabo-
criação são "agradáveis", "prazerosas", e se sentem livres dentro do
cados pelos alunos. Um dos indicativos para esta afirmativa é o fato de
ateliê para criar novos trabalhos. Por outro lado, os alunos também des-
cobriram e mencionaram, assim como os especialistas da área já sabem, que muitas dasreinterpretações são tão sutis, tão camufladas que sequer
lembram visualmente a obra tratada. São produzidas por múltiplas ou por
que nenhuma cópia, por mais perfeita que seja, substitui completamente tal maneira que para quem
uma sucessãode analogias e correlações, de
o original. Eles valorizaram as visitas à Pinacoteca tanto pelo fato de
poder examinar o original das obras estudadas, como também por terem nãoconhece toda a história, não consegue na maioria das vezes perceber
a possibilidade de entrar em contato com outras produções, sejam elas
asrelações entre as imagens dos dois trabalhos, do original e o dos alunos,
2, criada a partir do original, Figura 1.
do mesmo autor, de seus contemporâneos ou de como no caso da Figura
mesma tendência artís-
tica. Percebe-se que os participantes adquiriram um grande respeito pelas
obras, pela profissão de artista e souberam se portar adequadamente
em
todos os momentos das visitas. Ao final, após as várias visitas e aborda-
gens das obras inicialmente propostas, os alunos acabaram conhecendo
com detalhes praticamente todo o acervo exposto na Pinacoteca.
Entre os diferentes depoimentos fornecidos pelos alunos, é animador
para o professor constatar o grau de percepção por parte deles quando
descobrem a importância da utilização da Abordagem Triangular. Os
procedimentos desta pesquisa, postos em prática nas aulas, fizeram com
que, segundo própria declaração no grupo focal, "desenvolvessem um
olhar sensível para a arte", "aprenderam a interpretar a arte de
uma ma-
neira diferente e melhor", "houve estímulo para a criatividade", experi-
mentaram a "liberdade para uma interpretação própria da obra" e, acima Figura I
Portadora de perfume (1 923), de Victor Brecheret
de tudo "houve integração entre os alunos". Bastariam respostas
como (1894-1955). Bronze 341 xl OOX87 cm. Pinacoteca
estas para incentivar um maior número de professores de Artes a utili- do Estado de São Paulo
308 309
BARBOSA • TRIANGULAR NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS

Figura 3
Figura 2
Reinterpretaçãoda obra O violeiro (1889), de Almeida Jr. (1850-1889).
Reinterpretaçãoda obra da Figura I. André, Cainã, Vivian, Lívia Victor e Ricardo.
Autores: Amanda, Fernando, Karina, Laysa e Giuseppe. Técnica/materiais: colagem,
Técnica/materiais: arame e tecidos
30x26 cm. Foto dos autores fotocópias, papier-mâché, canela, açafrão, urucum e café. 52x70 cm. Foto dos autores

Na Figura 3, pela imagem, percebe-se uma versão, redefinindo e


entender e apreciar as obras de arte já que desenvolveram um olhar mais
reinterpretando obra de Almeida Jr. através de
a
uma visão particular dos crítico durante o projeto. Souberam incorporar gradativamente a Abor-
autores, mas ainda muito semelhante ao original em suas linhas e cons-
dagem Triangular no Ensino da Arte por assimilar os vários passos dados,
trução. Mas será que é só isso que este trabalho apresenta? Éinteressante
desde a primeira vista da imagem até a elaboração de uma proposta po-
ou inovador? Apenas pela imagem perder-se-ia uma faceta importante e ética, reinterpretando-a.
criativa
que só o original elaborado pelos alunos apresenta. Através do
Atualmente, pelo fato de ter frequentado mais amiúde o acervo da
Diário de campo, descobre-se que os autores associaram a cena rural do
tema utilizado na obra, com os produtos da terra. Assim, nenhuma tinta
Pinacoteca e, nessa trajetória, ter pesquisado diversos autores e períodos
da História da Arte, percebe-se que os alunos participam de uma visita a
industrializada foi aplicada neste quadro. Utilizou-se simplesmente de
canela,
exposições de maneira diferente da habitual, ou de como agiam antes,
açafrão e urucum para dar a cor à obra, além de, para tingir o fun-
demonstrando muito mais respeito pelo trabalho em artes, pelos artistas
do do quarto, o mais rico produto agrícola
que o Brasil já produzia desde e por seu produto. Muitos deles declararam que antes encaravam esta
o século XIX e que é o responsável pela riqueza de São Paulo: o café.
visita e a pesquisa em museus como simples passeio ou lazer. Após a
Uma das estratégias utilizadas para coleta de dados foram os Rela- participação neste trabalho, mesmo aqueles que já frequentavam espaços
tórios de visita à Pinacoteca. A partir da análise de culturais, especificamente de artes visuais, viram esta atividade ser inten-
seus itens, pode-se
afirmar que nos dias atuais os alunos têm muito mais facilidade para visitas periódicas ou,
sificada, acreditando
que já adquiriram o hábito de
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARIES VISUAIS 311
310

revelam ter uma pré-disposição para adquiri-lo. Em suma, à BARBIER, René. A pesqllisa-ação. Brasília: Líber, 2002.
ao menos,
medida que se interessam mais pela Abordagem Triangular e pela obra, 13ARBOSA, Ana Mae. A illiagelll no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva, 2005a.
ao pesquisar, entendem melhor e perdem o medo e a inibição, passando .

Arte-educaçãono Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2005b.


a apreciar mais e mais os produtos de arte.
(Org.) Arte-Educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 2005c.
O Caderno da obra, elaborado para cada um dos cinco trabalhos da
Pinacoteca analisados nesta pesquisa, foi produzido para resumir em um .
Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 2007.
só documento as informações, análises, discussões, sínteses e respostas BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais —
arte: Ensino Médio. Brasília: MEC/
poéticas sobre a mesma obra. Ele corresponde à organização formal dos Sem tec, 2000.
conhecimentos e saberes gerados por esta pesquisa durante o período de
sala de aula e na Pinacoteca. Para os alunos, a BUORO, Anamelia Bueno. Olhos que pintam: a leitura da imagem e o ensino da
seu desenvolvimento em 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
arte.
finalização deste material didático, construído coletivamente, foi tão es-
perado que foi proposta a impressão de um número maior de exemplares FERRAZ, Maria H. C. T.; FUSARI, Maria F. R. Metodologia do Ensino de Arte. 2. ed.

de cadernos, para o próprio uso, assim como para os amigos e parentes São Paulo: Cortez, 1999.

que pretendem levar a uma visita à Pinacoteca. Além


disso, neste
ano de Metodologia do Ensino de Arte. São Paulo: Cortez, 1993.
2009,
apesar do projeto já ter terminado no ano passado, os alunos estão LÜDKE, Menga; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em edilcaçño:abordagens qualita-
construindo um site na Internet para abrigar todo o material escrito e
tivas. São Paulo: EPU, 2005.
todas as imagens produzidas no decorrer do projeto.
MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Cisa; GUERRA, M. Terezinha Telles.
Esta pesquisa, considerando aspecto de prática de uma metodolo-
o
Didática do ensino de arte:
a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer. São Pau-
gia de ensino na sala de aula, pode ser um caminho para renovar e arejar
10: FTD, 1998.
os conhecimentos do docente de Artes e procurar adaptá-la e reaplicá-la
da OTT, Robert W. Ensinando Crítica nos Museus.
com e para seus alunos. Não há necessidade de a escola seja próxima
In: BARBOSA, Ana Mae (Org.).

Pinacoteca ou de qualquer outro museu. Embora a visita a um espaço de Arte-educação:leitura no subsolo. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 113-141.

arte ser
uma ótima atividade, ela nãoé a única possibilidade de trabalho. PILLAR, Analice D. (Org.). A educaçãodo 0111ar no ensino das artes. 4. ed. Porto
Aliás, não há necessidade nem de que as figuras tratadas sejam obras de Alegre: Mediação, 2006.
arte. Podem ser outros tipos de imagens,
como fotografias ou peças de ROSSI, Maria Helena Wagner. Imagens qllefalam: leitura da arte na escola. 3. ed.
publicidade como anúncios de revistas outdoors. Talvez esta sejaa maior
ou
Porto Alegre: Mediação, 2006a.
contribuição deste trabalho aos professores.
A compreensão do desenvolvimento estético. In: PILLAR, A. D. (Org.).
.

A educaçãodo olhar no ensino das artes. 4. ed. Porto Alegre: Mediação, 2006b.
Referências bibliográficas THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

de
ZAMBONI, Silvio. A pesqllisa em arte. 3. ed. Campinas, SP: Autores Associados,
ARSLAN, Luciana Mourão; IAVELBERG, Rosa. Ensino arte. São Paulo:
2006.
Thomson, 2006.

ARNHEIM, Rudolf. Arte y percepción visllal. 5. ed. Buenos Aires: Universitaria,


1972.
A TRIANGULAR NO ENSINO CULTURAS VISUAIS 313

•gcandense embora em tempos distintos (Ruth Lerm em 1992 e


I )onaldKerr Jr. em 1994),
para a disciplina de Educação Artística, então
presente no primeiro ano dos cursos técnicos da Instituição. Com a cria-
do curso técnico de Desenho Industrial, em 1992, passamos a trabalhar
na disciplina de História da Arte além de outras ligadas à arte, como
I )esenho à Mão Livre e Estudos Compositivos. Naquela época, os
cursos
3 técnicos de nível médio eram integrados e seu sistema era anual, com
(hl total de quatro anos. O primeiro
ração ano era básico a todos os cursos
e a opção pelo curso era feita pelo aluno, ao final do primeiro ano, segun-
ABORDAGEM TRIANGULAR do os critérios de rendimento escolar.
E ENSINO PROFISSIONALIZANTE:
Com a Reforma da Educação Profissional, decorrente da nova Lei de
A ARTE NO CONTEXTO DO DESIGN I )iretrizes
e Bases da
Educação Nacional, Lei n. 9.394/96, o curso de De-
"enlno Industrial foi desmembrado
em dois cursos com módulos básicos
em comum, porém focoscertificações distintas: Programação Visual e
e

l)esign de Móveis. Os cursos passaram a ser concomitantes ao Ensino


Donald Hugh de Barros KerrJr. (Goy)
Médio, isto é, o aluno cursava o Ensino Médio de forma simultânea a um
Ruth Rejane Perleberg Lerm
cu rso técnico, ou no sistema pós-médio (após ter concluído o Ensino Mé-
dio), ambas as modalidades com duração de dois anos. Com isso, além do
desdobramento do curso em dois, muitas disciplinas foram retiradas do
No final dos anos 198() concluímos nosso curso de Educação Artís- currículo anterior e outras sofreram considerável redução de carga horária,
tica, Habilitação em Artes Plásticas e ingressamos, juntos, em 1990, no como foi o caso de História da Arte, que passou de anual a semestral.

curso de especialização em Arte-educação, ambos ofertados pela Univer- Embora tenhamos utilizado caminhos da Abordagem Triangular
os
sidade Federal de Pelotas (RS),
momento em que entramos em contato em várias disciplinas que lecionamos, passaremos a descrever especifi-
com autores como Herbert Read, João Francisco Duarte Jr., Ana Mae camente o que ocorreu com a disciplina de História da Arte.
Barbosa. Fundamental, dentre uma série de livros a que passamos a ter
acesso, foi A imagem no Ensino da Arte (Barbosa, 1979).
História da Arte e a Abordagem Triangular
Naquela época, fomos "atravessados" pela então chamada Metodo-
logia Triangular, uma vez que, na universidade, não havia uma abordagem
A disciplina de História da Arte, de duração semestral, está inserida
ou encaminhamentos metodológicos que nos auxiliassem em nossa futu-
no primeiro módulo dos currículos dos cursos técnicos de Programação
ra prática pedagógica. Embora cada
um lecionasse em contextos diferen-
tes,
nossa prática procurou fundamentar-se na Abordagem Triangular. 1. IFSul—
a Instituição tem passado por transformações ao longo dos anos e recebido diversas

Mais tarde, tivemos a grata satisfação de ingressar como professores denominações: Escola Técnica de Pelotas (ETP), Escola Técnica Federal de Pelotas (ETFPel), Centro
Federal de Educação Tecnológica de Pelotas (Cefet/RS) e, atualmente, Campus Pelotas do Instituto
efetivos no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio- Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Riograndense (IFSul).
CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO CULTURAS VISUAIS
314 BARBOSA •

o inesperado, a
Visual e Design de Móveis do IFSul em conjunto com outras disciplinas,
e, surpresa eo encontro entre prática e teoria, no ensino de
fundamenta e dá suporte teórico e conceitual para os trabalhos desenvol- História da Arte.
vidos nos projetos finais destes cursos: Mobiliário no curso de Design de Quanto aluno um sujeito capaz de efetuar leituras mais
a tornar o
Móveis e Identidade Visual de Empresas, Design de Embalagens e Pro- aprofundadas da arte e de sua cultura, colocamos,
primeiramente, um
dutos de Comunicação Visual (folders, cartazes, banners, outdoors etc.) no peso muito grande na leitura de imagens. O momento em que esta leitu-
curso de Programação Visual. ra deveria entrar no processo, porém, constituiu-se em
um problema. A
leitura das imagens acabava
Não obstante a disciplina já constasse no currículo do curso, tivemos por influenciar a produção dos alunos, que
a mobilidade da escolha dos conteúdos, optando pela Arte Moderna e se constituía muito mais de cópias do que de releituras.2
Contemporânea. Um dos problemas enfrentados foi: como dar conta de Tentando evitar a cópia, buscou-se priorizar nas aulas o fazer artís-
um conteúdo tão vasto em tão pouco tempo?
Se
para o sistema anual já era tico dos alunos. Era escolhido um processo de cada "linha"
para que o
um problema, como fazê-lo em apenas um semestre? Além
disso, quais os
aluno pudesse vivenciar ao longo do semestre. O momento em que a
criativo em Design?
processos criativos em Arte relevantes para o processo leitura de imagens, relatos pessoais do artista,
críticas de Arte e dados
utilizan-
Na tentativa de podermos agilizar o processo, continuamos históricos entravam, passaram a variar de acordo com o Artista ou mo-
do a sistemática do livro História da Arte Contemporânea de Renato de vimento a ser estudado. Passando primeiro pelo
processo para depois
Fusco (1987), em que o autor não trabalha a História da Arte de forma exercitar a leitura conseguiu-se, de certa forma, evitar a cópia.
temporal, porém agrupa movimentos e artistas diversos nas chamadas
"linhas" filosóficas. Exemplo disso sãoo Realismo Expressionista de Kãthe
Kollwitz e a Arte Pop de Jasper Johns; ainda que tenham ocorrido em Uma aula
espaço e tempo distintos, estão organizados na mesma linha da Arte Social.
Para explicar mais detalhadamente nossa prática pedagógica, des-
Algumas questões nos afligiam: como deveria ser o processo de
ensino-aprendizagem de Arte dentro de um curso de Design? Como tor- creveremos a maneira como trabalhamos a compreensão, por exemplo,
do Surrealismo. Antes de trabalhar os conteúdos sistematizados
nar o aluno um sujeito capaz de efetuar
leituras mais aprofundadas da por di-
ferentes autores para caracterizar este movimento, propúnhamos ativi-
arte e de sua cultura? Como se daria o processo de criação em Arte de
sala de aula? dades como "brincadeiras" e jogos cênicos. O objetivo desses jogos era
alunos/ designers em
trazerà tona conteúdos inconscientes dos aprendizes assim como de seu
Observamos que Ensino da Arte costumava partir de algum texto
imaginário, utilizando conceitos da Psicanálise freudiana, de forma simi-
acadêmico ou da análise de imagens das obras de arte produzidas em
lar como era usada pelos surrealistas, em
algum período determinado. Para romper com essa estrutura, que se sua tentativa de conjugar sonho,
arte e realidade. Procuravam, através do jogo, criar
baseava em pura transmissão dos conteúdos, propusemos ações em que não uma realidade
é, participassem possível, mas desacreditar a realidade, tornando-a impossível como
os aprendizes fossem chamados a entrar no "jogo", isto

de aprendizagem. no Surrealismo, onde encontramos cenas que não estão de acordo com a
ativamente da aula para que se efetivasse processo
o
Os aprendizes tinham sempre uma expectativa em relação aos encami-
2.
Para Pillar (2003, p. 18), a cópia "diz respeito ao aprimoramento técnico,
sem transformação,
nhamentos de cada encontro, pois a estrutura da aula e as estratégias em sem interpretação, sem criação". Na releitura, por sua vez, "há transformação, interpretação, criação
relação ao envolvimento com os conteúdos mudavam sempre. Essas ca- com base num referencial, num texto visual que pode estar explícito ou implícito na obra final'
racterísticas das aulas introduziam elementos novos para os aprendizes: Nesse caso, não se busca a reprodução de
uma imagem, mas a criação.
316 • CUNHA A ABORDAGEM NO ENSINO om»

lógica da consciência, mas sim dizem respeito à arbitrariedade do incons- de aula, realizavam o
que se denominou "Poética Visual", que consistia
ciente, quando livre da
razão. Tentávamos fazer com que os aprendizes na escolha de um período artístico (estudado anteriormente não), ou um
experimentassem algo desconhecido, de caráter alucinatório. tema um tipo de material ou técnica. A escolha ocorria na metade do
e

Ao estimularmos o aprendiz a experimentar e depois refletir sobre semestre e, a partir daquele momento, os aprendizes
começavam a de-
a forma de estruturação e definição dos elementos da linguagem artística, senvolver trabalhos práticos, a cada semana. Cada aprendiz desenvolvia
oito trabalhos
provocávamosuma desarticulação na maneira tradicional de fazer cone- com características do movimento artístico escolhido pre-
xões entre eles, possibilitando a pluralidade de sentidos. As possibilidades viamente. Era necessário, para que ocorresse um acompanhamento sis-
de cruzamento de imagens nos sonhos são infinitas e permitem a geração temático, que eles apresentassem seus trabalhos,
ao longo da metade do
de novas percepções. semestre. Assim, no decorrer das atividades, iam ajustando
suas obras, a
partir das orientações.
Como próximo passo, estudávamos o Surrealismo através das obras
de outros artistas, traçando paralelos com todas as atividades a ele rela- Paralelamente a essa atividade, desenvolviam uma monografia con-
cionadas que haviam sido realizadas em aula. Depois disto, apresentáva- tendo uma revisão bibliográfica sobre a prática dos artistas daquele
mo-
vimento artístico que haviam escolhido e uma reflexão sobre as
mos aos aprendizes um texto com con teúdos sistema tizados por historia- suas
dores da arte sobre o Surrealismo. Acreditávamos ser importante trazer próprias obras. A monografia deveria estar dividida em: página de rosto,
tal texto para que eles entrassem em contato com o conhecimento produ- sumário, introdução, desenvolvimento, conclusão, bibliografia e
anexos.
zido pela sociedade sobre esse "movimento artístico", inclusive abrindo O desenvolvimento deveria ser composto análise da vida de
por: um
caminhos para discussões sobre concepções diferentes e olhares distintos. artista que aprendiz julgasse significativo para seu trabalho; análise de
o
obras de arte produzidas dentro desse movimento artístico (em termos
Finalizando,propúnhamos uma atividade de pintura, onde cada um
sociais, subjetivos, críticos, históricos), com esquemas gráficos de leitura
deveria representar plasticamente elementos de seu imaginário. O traba-
formal (leitura dos elementos da linguagem visual:
lho era realizado em um suporte formato A3, com material previamente cor, linha, equilíbrio
etc.) leitura dos seus oito trabalhos (contextualizada
e
escolhido (tinta acrílica, lápis de cor etc.). e com esquemas
gráficos de leitura formal).
Quando expúnhamos essas etapas para o desenvolvimento dos con-
Em um dia predeterminado, os aprendizes
teúdos, tínhamos a intenção de envolver nossos aprendizes, estimular montavam uma exposição
com todos os trabalhos de sua Poética Visual, defendendo-a oralmente.
suas potencialidades e seu poder de criação e proporcionar-lhes a opor-
tunidade de vivenciar as experiências de uma produção Surrealista hoje, A defesa oral era considerada de suma importância, pois, naquele mo-
mento, o aprendiz tinha a possibilidade de mostrar, aos outros colegas e
não nos limitando somente a um olhar para o passado.
à comunidade escolar, como havia estruturado seu trabalho, quais ele-
Mas um problema ainda afligia. Onde ficava a própria produção do
mentos haviam sido mais significativos para ele, além de poder responder
aluno?
a dúvidas que poderiam surgir por parte dos espectadores. Depois disso,

entregavam a monografia.
Poética Visual Em alguns semestres, dependendo do tempo despendido para a
realização das atividades, propúnhamos outros exercícios correlatos.
Na segunda metade do período escolar, concomitantemente aos Dentre eles, citamos a criação de um livro didático
para crianças, relacio-
exercícios de cada "linha" pelos quais os aprendizes passavam em sala nado ao conteúdo escolhido pelo aluno para o desenvolvimento de sua
318 319

Poética Visual. Esse livro deveria conter atividades lúdicas, onde as crian• As ideias a seguir constituem-se em achados ao
que pontuaremos
ças "descobrissem" o conteúdo de História da Arte através dos jogos, desses anos:
breves comentários sobre o movimento artístico escolhido e a vida de um aprendizagem;

o prazer é mobilizador da
artista a ser ilustrado por algumas de suas obras. •
os desafiosproporcionados pelas atividades pedagógicas são
motivadores do processo de aprendizagem;
Considerações
finais as trocasque se estabelecem entre os envolvidos no processo

pedagógico e o clima de descontração proporcionado em aula são


Ao longo desses anos, ao mesmo tempo que adaptar o Ensino da de suma importância;
Arte para o ensino de design tem sido um grande desafio, é também gra• •
é a partir da reconstrução interna dos modos compartilhados de
tificante. O fato de participarmos da formação profissional de jovens e
pensamento e ação que os conceitos sãoformados e internalizados;
adultos faz com que possamos acompanhar seu crescimento ao longo do

a construção de sentido ocorre com auxílio de atividades práticas,
curso e assistir a sua inclusão e ascensãosocial. Por outro lado, através
do Ensino da Arte, participamos de alguma maneira, na formação de
entendendo prática/ teoria como uma totalidade;
pessoas críticas, que não só são capazes de ler a arte, bem como de ler seu são as problematizações que possibilitam a estruturação ativa de
cotidiano. um aprendizado;
Conseguimos, ao longo dos anos, fazer a transposição do ensino de quando generalizamos o que aprendemos e transferimos o conhe-
História da Arte para o Ensino da Arte. Com a Abordagem Triangular, cimento para uma nova situação, ampliamos a zona de desenvol-
sem dúvida trabalhamos com a Arte e não meramentecom a História da vimento do aprendiz.
Arte. O que era uma obrigação curricular passou a ser nosso espaço para
o Ensino da Arte. Por fim, enfatizamos que nossa prática nos impeliu ao aprofunda-
Outro fato relevante, que deve ser levado em consideração, é a im- É
mento de estudos e, consequen temente, à pesquisa. enriquecedor sermos
portância de profissionais com formação em Artes estarem inseridos em professores/ pesquisadores. A prática alimenta a pesquisa e a pesquisa
diversos contextos. Temos consciência de termos deixado marcas nãosó alimenta a prática.

nos alunos, como também contagiado outros colegas que conosco foram
atingidos pela Abordagem Triangular. Alguns professores que conosco
trabalharam deram o depoimento de que, após terem vivenciado o pro- Referências bibliográficas
cesso conosco, passaram a adotar em outras escolas nossa forma de tra-
13ARBOSA, Ana Mae. A imagenl no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 1979.
balhar a Abordagem Triangular.
(Org.). Arte-edllcação:leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 1997.
Após muitos anos investigando, analisando nossas práticas pedagó-
gicas e estudando inúmeros teóricos da Arte, da Educação, da Filosofia e BARBOSA, A.; GUINSBURG, J. O pós-modernismo. São Paulo: Perspectiva, 2005.
da Semiótica, pensamos que podemos apresentar algumas ideias,
que CERTEAU, M. A illvençño do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1998.
julgamos apropriadas e possivelmente úteis para educadores que, como
DELEUZE, G.; GUATTARI. E O que éfilosofia.São Paulo: Editora 34, 1996.
nós, trabalham com História da Arte, influenciados pela Abordagem
Triangular e que procuram desenvolver um trabalho de relevância. DELEUZE, G. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1998.
320 BARBOSA • CUNHA 321

FUSCO, Renato de. História da Arte contenlporânea. Lisboa: Editorial Presença,


1988.

LISPECTOR, C. 14111 sopro de vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.

PILLAR, A.; VIEIRA, D. O vídeo ea Metodologia Triangular no Ensino da Arte. Por-


to Alegre: Palotti, 1992.

PILLAR, Analice Dutra et al. Pesquisa em artes plásticas.

Anpap, 1993.
Porto Alegre: UFRGS/
4
PILLAR, Analice Dutra (Org.). A edilcaçãodo 0111ar no Ensino das Artes.

gre: Mediação, 2003.


Porto Ale-
EXERCÍCIOSDE TRIANGULAÇÃO DE CONTEÚDOS

VYGOTSKY, L. S. A formação social da Illente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.


NA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DE ARTE

. Pensanlento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999.


Vicente Vitoriano Marques Carvalho
.

Tendo em vista as disciplinas História das Artes III, Crítica de Arte


e Pintura I,
que venho ensinando, desde 2006, no Departamento de Artes
(Deart) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),I a
apropriação que tenho feito da Abordagem Triangular implica exercícios
de triangulação de conteúdos
que comportam os lados da História da
Arte, da crítica de arte e da produção artística. Faço a designação dos
lados assim mesmo, não obstante as diversas denominações
que estes
têm recebido desde a formulação inicial feita pela professora Ana Mae
Barbosa. Naturalmente, a ênfase em um ou outro destes lados é deter-
minada pela disciplina ministrada, cujos conteúdos orientam as interfa-
ces com os demais lados, sendo, portanto, instâncias geradoras das
ações
pedagógicas.
Diferentes maneiras de
adoção da Abordagem Triangular, nestas
experiências, são configuradas sem levar em conta uma sistematização
rigorosa, de modo que uma triangulação plena não se dá relativamente

1. As disciplinas
são ofertadas para o Curso de Licenciatura em Artes Visuais (CLAV), do Cen-
tro de Ciências Humanas Letras de Artes (CCHLA/UFRN).
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS

a todos os pontos ou tópicos de conteúdo das disciplinas. No entanto, em temporânea, em que pude conciliar minha própria aprendizagem do
todos os momentos, a exploração dos conteúdos possui um eixo de atra- assunto e o esforço paralelo em fazer o alunado introduzir-se no mesmo
de modo profícuo. A experiência melhor sucedida se deu no primeiro
çãoou de expansão constituído em torno da pesquisa. Inicialmente, uti-
lizar a pesquisa
como eixo estrutural do processo pedagógico também semestre de 2007,quando estudamos a arte conceitual. Naquela oportu-
objetiva aproximá-lo da triangulação a que se submete o sistema acadê- nidade discutiram-se as inter-relações entre produção artística e teoria da
mico da Universidade, qual seja, a que envolve o ensino, a pesquisa e a arte, assim
como a necessidade de o artista desenvolver um discurso
extensão. Informo que não tenho praticado de extensão oriundas
ações sobre sua obra e sobre seus processos criativos.

do ensino, o que deverei encetar a partir de 2010, junto ao Núcleo de Arte Encaminhei o estudo, começando pelo lado da crítica de arte, tendo
e Cultura (NAC /UFRN), em um projeto de mediação a ser desenvolvido
como objeto de análise a obra Ipso facto:ecce 1101110, readymade do artista
na Galeria Conviv'art, que funciona sob responsabilidade deste Núcleo. Ilkes Peixoto, apresentada
no X Salão de Artes Visuais da Cidade do Na-
Por outro lado, percebo como de fundamental importância que o aluno, tal, do qual eu havia sido curador em parceria artista Ricardo Ve-
com o
por definição futuro professor de Arte, compreenda o ensino e a apren- riano. A obra consistia em três fogareiros artesanais de tamanhos diferen-
dizagem como situações de pesquisa, o que também se aplica à prod ução feitos
com latas de óleo, adquiridos pelo artista numa feira de
tes,
artística.
Parnamirim (RN). Interpretações variadas surgiram da análise feita pelos
Consideradas estas linhas gerais, a relatar experiências
passo com a alunos e tenderam a tomar os objetos como "representações", inclusive
Abordagem Triangular levadas a efeito em cada uma das disciplinas representações dos três Reis Magos. Mas as condições de criação da obra
acima listadas, no intuito de explicitá-las em sua aplicação. ensejaram maiores debates. Ou seja, a apresentação de objeto pronto
(readymade), não manipulado pelo artista e como obra sua, feria literal-
de arte que os alunos possuíam. Num movimento diacrô-
História das artes III
mente a
noção
nico, foi feita
uma pesquisa bibliográfica sobre o dadaísmo e, particular-
Sintomaticamente, o primeiro projeto de pesquisa que desenvolvi mente, sobre os empreendimentos protoconceituais de Marcel Duchamp,
levando o estudo da discussão crítica ao lado da História da Arte. To-
como acadêmico procurava historiar a prática da crítica de arte em Natal.
O viés histórico da pesquisa tornou-se, desde então, fundamento teórico mando-se Duchamp como antecessor do conceitualismo, o estudo sobre
e metodológico de meu trabalho, embora, até hoje, reluto em assumir o movimento da arte conceitual foi feito com base numa pesquisa com-
pessoalmente o caráter de historiador. Quando me vi na iminência de plementar de textos e de imagens na Internet, orientada pela leitura de

ministrar disciplinas de História da Arte fiquei duplamente tocado, ven- Lucie-Smith (2006) e de Archer (2001).
do naquele desafio a oportunidade de aprofundamento, ao tempo em que As leituras
feitas puderam, em sua abordagem histórica, descritiva
me assomava uma grande insegurança. Naquele momento, a ascendência e crítica,redimensionar a noção de arte dos alunos e lhes dar uma visão
intelectual da professora Ana Mae Barbosa que, ainda em 1984, me havia panorâmica da criação artística de caráter conceitual. As notícias de ordem
iniciado na pesquisa da História do Ensino de Arte, como que me salvou, internacional dadas foram então complementadas pela leitura de Canton

por mediação da Abordagem Triangular. (2001) e Freire (1999), o


que aproximou o estudo da arte brasileira. A
partir disto, julgando haver possibilidade efetiva, propus um exercício
A potencialidade metodológica da proposta me permitiu organizar
de produção de base conceitual a ser desenvolvido individualmente. A
um processo de ensino da disciplina que trata da História da Arte con-
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM IRIANGUIAIR NO INSINO CULTURAS VISUAIS

fim de retornar à relação arte/ teoria, o exercício teve como motivação a Com a criação do CLAV e da disciplina de Crítica de Arte, pelo Deart,
leitura e discussão de textos de Sol LeWitt (2006) sobre arte conceitual.
rgiu a estimulante oportunidade de operar diretamente com esta
açào
A avaliação do processo consistiu na apresentação de cada trabalho a rtística. Isto
ocorreu no segundo semestre de 2008, momento em eu que
pelos seus autores, seguida da discussão por seus pares e com a minha experimentava procedimentos pedagógicos baseados na Abordagem
participação. A discussão propiciou o retorno ao lado do triângulo de li•iangular com outras disciplinas, já de forma sistemática. A princípio,
conteúdos referente à crítica de arte. Com isto, fechou-se o envolvimento como pude rever no programa elaborado para a disciplina, não incluí
dos três lados da triangulação, segundo a articulação que pudessem caracterizar ou ensejar uma experiência de triangu-
com a pesquisa. ações
Na análise das apresentações, teve-se em vista a coerência entre os lação no item "Metodologia" do formulário padronizado pelo Deart.
conceitos eleitos Somente no decorrer do semestre é que, então também considerando a
as soluções teórico-formais para a confecção das obras.
e
discussão objetiva sobre a proposta
Outro ponto focalizado foi a amplitude e a profundidade do próprio com os alunos, desenhou-se a trian-
discurso verbal desenvolvido gulação, conceituando a escritura crítica como ato produtivo artístico.
por cada aluno, dos objetivos colocados
um
no início dos estudos. Em geral, os trabalhos realizados deram uma res- Logo no início das aulas, a leitura de Argan (1988, 1994)
deixou bas-
posta satisfatória às pesquisas e debates anteriores, especialmente em tante evidentes interfaces observáveis entre história e crítica de arte,
relação às ligações da arte conceitual com a linguagem verbal e ao pro- mormente no fato de que suas escrituras se produzem segundo uma
blema da materialidade e da longevidade/ efemeridade das obras. alimentação recíproca. Desta forma, compreendeu-se que seria imprati-
Considero ainda como resultado destes estudos sobre arte conceitu- cável fazer crítica de arte sem recorrer ao contexto da história da arte e

al vice-versa, além de que, nas duas formas de escritura sobre arte, o juízo
a seleção da obra de Leandro Garcia, um dos alunos, para o XI Salão
de Artes Visuais da Cidade do Natal, em dezembro daquele crítico constitui elemento comum e capaz de limitar as diferenças que se
ano de 2007.
possam definir entre as duas (Argan, 1994, p. 16). Tal conectividade entre
as duas formas de
açãoartística fazia coincidir não apenas dois lados do
Crítica de arte triângulo de conteúdos, mas todos os três, pois se compreendeu, também,
que a escritura crítica consiste num ato criativo ou, mais objetivamente,
A prática da escritura crítica é uma das atividades com que venho num ato de produção artística, próxima das poéticas literárias. Desta
trabalhando na formação de professores de Arte há bastante tempo, mais forma, vi
com os alunos que, ao produzirmos nossos textos críticos, está-
ou menos desde quando se começou a apregoar as qualidades pedagó- vamos produzindo arte, pesquisando, discutindo ou fazendo história da
gicas da leitura de imagens em sala de aula, apelo claramente associado arte e, a princípio, fazendo crítica de arte, obviamente.
à Abordagem Triangular. Em disciplinas como Evolução das Artes Visu- Oentendimento da escritura crítica como produção artística, inclu-
ais,Fundamentos da Arte na Educação e, principalmente, Fundamentos sive no sentido de ser
uma extensão ou continuidade da obra analisada,
da Linguagem Visual I, do currículo do então Curso de Licenciatura
em nos foi reforçado na medida em que avançávamos no estudo histórico da
Educação Artística habilitaçãoem Artes Plásticas, eu introduzia práti-

crítica de arte, particularmente, a partir da leitura de Diderot (1993), este


cas críticas sem, porém, articulá-las segundo a perspectiva da proposta. tomado como um autor típico da chamada crítica subjetiva (Richard, 1988)
Normalmente, o objetivo era exercitar o uso de terminologia técnica ou e de Baudelaire (1996). Experiências e valores pessoais, de ordem cultural
aplicar conceitos estudados nas disciplinas em função do desenvolvimen-
ou afetiva, poderiam ou deveriam servir de base para a estruturação do
to da leitura de imagens.
texto crítico, remetendo a escritura ao comportamento artístico expres-
370
BARBOSA • CUNHA NO ENSINO ARTES CULTURAS VISUAIS

sionista. No entanto, ao lermos Greenberg (1996) e tomarmos contato com companhia e, dispersarmos, fizemos uma discussão a fim de
antes de nos
sua abordagem de caráter ora formal, ora histórica, vimos que os compo- definir consignas para a redação dos textos críticos sobre os salões. Uma
nentes pessoais do texto crítico continuam a exigir, na contemporaneida- delas consistia na confrontação de opiniões próprias com critérios oriun-
de, a coparticipação de
operações racionais só que mais próximas do que (los das leituras feitas
na disciplina. Talvez a que mais tenha ensejado
se convenciona como científicas. Assim, a crítica de arte discussões relacionava-se com o conceito de arte contemporânea, dada a
é um espaço de
expressão e reflexão sobre a experiência pessoal. presença de obras realizadas com meios e temáticas "tradicionais", inclu-
Uma discussão em particular disse respeito à relação entre a escri-
"ive
no Salão Abraham Palatnick, destinado a premiar prioritariamente
crítica obras experimentais ou de arte tecnológica.
tura e o público a que se destina. A noção
de crítica de arte publi-
cada na grande imprensa predominava a princípio. Notícias sobre Já em sala de aula, apósa leitura que fiz dos textos criados, a discussão
os
estudos críticos, estes precedentes da Abordagem Triangular, trouxe a realizada tendeu mais para a avaliação técnica dos textos do que para seus
informação sobre publicação em periódicos especializados, em catálo-
a conteúdos, uma demanda do próprio grupo de alunos. No entanto, foi
gos (textos curatoriais) e, particularmente, pela chamada crítica acadê- possível isolar pontos de importância para o fechamento da triangulação
mica. Um de conteúdos.
consenso direcionou os trabalhos seguintes no sentido de se
exercitar escritura conforme parâmetros da crítica acadêmica, conside-
a A avaliação técnica ponderou sobre algum avanço na redação dos
rando-se o conceito de mediação e a abertura textos, não obstante a pequena incidência de textos mais ambiciosos em
para composições críticas
de feição poética. termos literários ou mesmo de alcance teórico. Em termos gerais, o tipo de
Seguindo estes pressupostos, a prática da escritura crítica baseou-se crítica utilizado pelo grupo pode ser caracterizado como descritivo, perma-
na observação de obras em exposições na cidade (Natal-RN). Após as
necendo em um nível elementar de escritura, revelando o problema peda-
visitas, algumas feitas em grupo gógico que é a dificuldade do alunado no trato com a linguagem escrita.
e em minha companhia, os alunos escre-
viam e me entregavam seus textos para que eu os lesse. Na minha leitura, Aspectos institucionais mereceram atenção nos textos, quando estes
eu organizava os tópicos a serem discutidos em sala em categorias rela- estiveram preocupados em debater as formas de montagem das mostras
tivas aos lados da triangulação de conteúdos. Desta forma, fazíamos e relações com a curadoria, esta entendida como a seleção e premia-
suas

cãodas obras. Foi destacado o fato


de,
discussões sobre a escritura (produção) e sobre digressões relacionadas no Salão Abraham Palatnikc, as
à
crítica de arte e à História da Arte. A confrontaçãode ideias também ge- obras não selecionadas estarem expostas e em separado das demais.
rava ricos debates sobre as obras analisadas, onde não se buscava o con- Desta discussão, já a partir de colocações existentes em dois textos, foi
senso, mas a clarificação dos fundamentos críticos (critérios) e históricos feita a articulação com a História da Arte segundo uma remissão aos
das opiniões e interpretações. salões acadêmicos do século XIX, o Salão dos Recusados, em particular,
e um sumário da evolução deste tipo de evento, sua pertinência e suas
A última atividade da disciplina decorreu das visitas feitas ao II
Salão Abraham Palatnick de Artes Visuais e formatações.
ao XII Salão de Artes Visuais
da Cidade do Natal,2 em cartaz
à época.As visitas foram feitas em minha A História da Arte, entretanto, teve seu ponto focal incidindo sobre a
caracterização de obras como modernas ou como pós-modernas ou, ainda,
2. Salões de
Artes Visuais promovidos, respectivamente, pela Fundação de Apoio à Pesquisa contemporâneas. O conceito central da discussão foi a liberdade criativa e
no
Rio Grande do Norte (Fapern), do
governo estadual, e pela Fundação Capitania das Artes (Funcap), de escolha de meios, em cada um destes momentos históricos, assim como
da Prefeitura do Natal.
a displicência ou refinamento no uso daqueles. Não obstante a tendência
328 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM IRIANGtJIAR NO INSIN() DAS ARIIS VISUAIS

conservadora da opinião dos alunos, critérios de avaliação baseados na e discussão teórica numa disciplina prática não foi boa. Porénn, na
densidade conceitual ou no caráter processual das obras, de ação, interven- da em que os estudos evoluíam, eles foram compreendendo a innportân•
ção e interatividade,foram definidos como os mais importantes. cia da reflexão crítica feita
e teórica em paralelo
à prática artística, o que
Ao final da disciplina, as conclusões a que chegamos incluíram con- veio facilitar a introdução à pesquisa em arte, esta desenvolvida a partir
siderações sobre as possibilidades de adequação da Abordagem Triangu- do segundo módulo da disciplina.
lar a diversas situações de Ensino da Arte teórico ou prático, orientando As leituras de caráter histórico, exigidas
de todos os alunos, tivera no
aplicações pelos alunos em continuidade nos textos de Baudelaire (1996) e de Herbert Read
suas futuras ações pedagógicas. Em termos
imediatos, os alunos revelaram ter aproveitado os estudos principalmen- uma contribuição para a fixação de conceitos como os de transgressáo,
te
em função de suas próprias experiências como fruidores de arte e, em composição e de modernidade/ contemporaneidade. Outras leituras,
alguns casos, como artistas. Para eles, o
estudo da crítica de arte foi capaz foram feitas individualmente a fim de auxiliar a produção e sua contex„
de ampliar seus aportes às obras artísticas, no tualização, incidiram sobre a teoria da cor, o classicismo, o impressionis-
que se incluíam meios de
mo e suas técnicas, o expressionismo como estilo gráfico e pictórico, o
análise, maior liberdade
para o desenvolvimento de interpretações e a
consequente elasticidade na aferição de sentidos. construtivismo e a arte concreta. Em referência às técnicas, os alunos
vantaram diversos manuais que foram compartilhados entre eles, a fim
de ampliar as orientações e sumarizações que eu fazia como encaminha-
Pintura I mento para as atividades práticas em sala.
Durante os dois primeiros módulos, o acompanhamento individual
No segundo semestre de 2009, procurei repetir experiências anterio-
e as explanações para o grupo foram sedimentando e orientando para o
res com a disciplina Pintura I, porém fazendo
uma melhor articulação exercício de pesquisa em arte. Ao mesmo tempo, foi-se construindo e se
dos lados do triângulo de conteúdos pesquisa. Desde o planeja-
com a
fixando o conceito de produção em pintura como experimentação (pes-
mento da disciplina, eu já pusera o uso de portfólios individuais como
quisa) constante. Isto levou, em certos casos, ao uso de técnicas mistas
artefato pedagógico capaz de operacionalizar,pelo aluno, a triangulação. até fotografia
em que se incluíram materiais não específicos de pintura e
Ou seja, o portfólio seria caracterizado como construção crítica e, ao mes-
e infografia.
mo tempo, extensão da obra requerida como trabalho final da disciplina,
exploração do lado da crítica de arte foi muito enriquecida pelos
A
segundo procedimentos introdutórios à pesquisa em arte.
exercícios de redação sobre algumas exposições de pintura visitadas,
Pela sua ementa, a disciplina de Pintura I constitui
um estudo prá- especialmente a da artista Selma Bezerra, que nos recebeu na galeria e
tico de pintura com base na exploração técnica de meios hídricos (aqua-
discorreu sobre o seu processo criativo que incluía acaso e participação
rela,guache e acrílica). Com isto, já a partir da primeira sessão de aula,
voluntária ou não de anônimos. A explanação da artista foi muito positi-
foram introduzidas técnicas elementares de aguadas com aquarela, mas,
va em termos de deixar os alunos mais à vontade em termos de
relatar e
ao mesmo tempo, foi encaminhada uma discussão histórica que envolveu discutir
por escrito o processo de sua própria produção em seus portfól iOS.
os conceitos de desenho, pintura e composição (síntese entre desenho e
Evidencie-se que as leituras preparatórias para a pesquisa em arte,3 que
cor),baseada na leitura de compilação de textos feita por Jacqueline
Lichtenstein (2006) e de
um texto de Paul Klee (2001). A reação
inicial 3. Foram feitas leituras de textos contidos
nas obras sobre pesquisa em artes plásticas organizar
dos alunos, do segundo período do curso, diante da inclusão de leituras das por Analice Dutra Pillar (1993) e por Blanca Brites e Elida Tessler (2002).
330 BARBOSA • CUNIIA A ABORDAGEM NO INSINO S I VISUAIS

não mereceram uma discussão mais aprofundada, não foram imediata- Referências bibliográficas
mente esclarecedoras sobre como eles deveriam proceder desde a formu-
lação de um projeto de pesquisa em arte e sobre a seguinte articulação ARCHER, Michael. Arte contenlporânea: uma história concisa. Trad. Alexandre
sincronizada de produção, reflexão crítica e contextualização histórica. Krug e Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
Somente aos poucos os portfólios começaram a ganhar maior densidade ARGAN, Giulio Carlo. Arte e crítica de arte. Trad. Helena Gubernats. Lisboa:
e pertinência, tendo havido casos em que alguns alunos não conseguiram tampa, 1988.
chegar ao que se pretendia, mesmo considerando a natureza introdutória
ARGAN, Giulio Carlo; FAGIOLO, Maurizio. Guia de história da arte. 2. ed. Trad.
da experiência.
M. F. Gonçalves de Azevedo. Lisboa: Estampa, 1994.
Os trabalhos finais, assim, compuseram um conjunto bastante irre-
BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade: o pintor da vida moderna. Rio de
gular em termos da simultaneidade de procedimentos requeridos. No Janeiro: Paz e Terra, 1996.
entanto, os trabalhos práticos, sobre os quais os alunos, de fato, incidi-
BRITES, Blanca; TESSLER, Elida (Org.). O ponto zero: metodologia cia
ram mais firmemente sua atenção, mostraram resultados bem razoáveis
pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Universidade/ UFRGS, 2002.
tendo em vista a sua geral incipiência. Posso afirmar também foi
que
possível fazer-se aceitar que a produção artística requer conhecimento C ANTON, Kátia. Novíssñna arte brasileira: um guia de tendências. São Paulo:
teórico, histórico e crítico. Para tanto, Iluminuras, 2001.
eu mesmo desenvolvi, ao mesmo
tempo que eles e na companhia deles,
um projeto de pesquisa em arte DIDEROT, Denis. Ensaios sobre a pintura. Trad. e apresentação Enid Abreu DOD
sobre a relação entre arte e teoria bránszky. Campinas: Papirus/Editora da Unicamp, 1993.
que resultou na exposição "Palavra
pintada", mostrada em Mossoró (RN), entre dezembro de 2009 e janei- FREIRE, Cristina. Poéticas do processo: arte conceitual no museu. São Paulo: Ilu-
ro de 2010. minuras, 1999.
As experiências acima relatadas constituem um esforço pessoal em GREENBERG, Clement. Arte e cilltllra: ensaios críticos. Trad. Otacílio Nunes. Sào
validar aplicações efetivas e quiçá eficientes da Abordagem Triangular Paulo: Ática, 1996.
na formação de professores de Arte, apelando para adaptações e variações Trad. Pedro Süsseking. Rio de
KLEE, Paul. Sobre a arte 1110derna c outros ensaios.
que venham torná-las também pertinentes, em acordo com as diretrizes Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
do Projeto Político Pedagógico do CLAV, tendo em vista ainda a vigência
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). A Abordagem Triangular LEWITT, sol. Parágrafos sobre arte conceitual. In: FERREIRA, Glória; COTRIM,
Cecília (Org.). Escritos de artistas: anos 60/70. Trad. Pedro Süssekind et al. Rio de
tem sido utilizada em muitos casos de modo negligente ou ingênuo,
Janeiro: Jorge Zahar, 2006a.
conforme me fazem perceber os relatos publicados e, particularmente,
aqueles enviados para os concursos promovidos pelo Projeto Arte na Sentenças sobre arte conceitual. In: FERREIRA, Glória: COTRIM, Cecília
.

(Org.). Escritos de artistas: anos 60/70. Trad. Pedro Süssekind et al. Rio de Janeiro:
Escola, alguns dos quais pude analisar como jurado em 2008. Tal leitura
fez Jorge Zahar, 2006b.
me entender que a Abordagem Triangular, em suas potencialidades
é um meio de organização pedagógica capaz de oferecer respostas a mui- LICHTENSTEIN, Jacqueline (Org.). A pintllra: textos essenciais. O desenho e

tas questões teórico-metodológicas do Ensino de Arte, em face das cor. Trad. Magnólia Costa. São Paulo: Editora 34, 2006. v. 9.
mu-
danças efetivadas nos universos artístico e educacional contemporâneos, LUCIE-SMITH, Edward. Os 1110vi111entos artísticos a partir de 1945. Trad. Cassia

inclusive absorvendo ou descartando modismos. Maria Nasser. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
332 BARBOSA • CUNHA 333

PILLAR, Analice Dutra et al. Pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Editora da
Universidade/ UFRGS/ Anpap, 1993.

READ, Herbert. Uma história da pintura moderna. Trad. Ivone Castilho Benedetti.
São Paulo: Martins Fontes, 2001.

RICHARD, André. A crítica de arte. Trad. Naria Salete Bento Cicaroni. São Paulo:
Martins Fontes, 1988.

A ABORDAGEM TRIANGULAR NOS ESTÁGIOS


DE DOCÊNCIADE ARTES VISUAIS DA IJCS

Maria Helena Wagner Rossil

Este texto trata da presença da Abordagem Triangular do Ensino da


Arte nos estágios curriculares do curso de Licenciatura em Artes Visuais
da Universidade apresentados três projetos
de Caxias do Sul (RS). São

que demonstram a preocupação em trabalhar com o Ensino da Arte de


modo significativo para os estudantes, através das três açõesque consti-
tuem essa Abordagem: o fazer artístico, a contextualização e a leitura.
Desde a década de 1990, os projetos de estágio vêm gradativamente
abandonando as abordagens modernistas e as tecnicistas, visando à ade-
quação aos pressupostos do Ensino contemporâneo da Arte. Assim, foram
sendo deixadas para trás a livre-expressão com a valorização da sub-

jetividade e da individualidade e os—


trabalhos centrados nas técnicas
e nos materiais. Uma característica
comum nessas duas abordagens era
a descontextualização do Ensino da Arte, pela desconsideração do con-

texto da arte e também do estudante.

I. Orientadora de estágios de docência do curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universi-


dade de Caxias do Sul.
334 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARTES CULTURAS VISUAIS

Os estágios são desenvolvidos nas séries finais do Ensino Funda-


numa turma de jovens e adultos que chegam à escola trazendo um con-
mental e no Ensino Médio, em escolas da rede pública de Caxias do Sul. junto de experiências acumuladas nos contextos pessoal e profissional.
A seguir são abordados três projetos de estágio desenvolvidos no Ensino Lembramos de Vincent Lanier quando diz que a experiência estética vi-
Médio. sual "já é desfrutada pelo indivíduo antes
que ele entre para a escola.
Portanto, não a introduzimos para nossos alunos,
mas a incrementamos
de algo
que já
a partir está lá" (1997, p. 46). Conscientes disso, encaramos
1) Livro de artista: identidade e significados o desafio de propor algo significativo para esses alunos, algo que lhes
permitisse trazer o seu conhecimento para a sala de aula de modo e
Estagiárias: Rosmari Brezolin e Simone Dallegrave contemplá-lo na sua produção artística.
As estagiárias desenvolveram este projeto na EJA (Educação de Jo- Assim, o projeto teve o objetivo de oferecer condições para o aluno
vens e Adultos), no período noturno, numa escola situada numa zona de ideias, aspectos de
sua identidade, subjetividade ou história de
expressar
indústrias, frequentada por trabalhadores da indústria metal-mecânica, vida, na produção de um Livro de Artista, compreendendo-o e valorizan-
empregadas domésticas e trabalhadores autônomos, borracheiro, como do-o como gêneroe linguagem da arte. Visava, ainda, à compreensão de
manicure, bordadeira, vigia etc.
A faixa etária varia de 19 a 53 anos. aspectos que contribuíram para mudanças de concepções sobre a arte ao
longo da história.

0 projeto segundo as estagiárias? Iniciamos com a leitura de imagens integrada à contextualização. A


partir de uma série de imagens de obras de arte de diversos períodos e
Nosso interesse em trabalhar com questões de identidade surgiu em contextos, refletimos acerca da diversidade de objetivos, materiais, mo-
dos, temáticas e
decorrência das observações feitas na sala de aula, quando notamos que, processos da produção de arte. Também desafiamos a
turma a pensar sobre as diferenças entre a visão estética moderna (con-
mesmo diante de um tema gerador rico e da visão de interdisciplinarida-
de, os conteúdos eram isolados, descontextualizados e, portanto, sem templação, deleite sensorial e ênfase nos elementos formais da obra) e a
ampliação das linguagens e conceitos da arte na pós-modernidade (que
significado para os alunos. Uma prática usual nas aulas de Artes era a
convida à reflexão, é questionadora, deseja desestabilizar...). Contextua-
produção de uma "releitura" a partir da observação de uma imagem da
arte. Era visível a lizamos a série de imagens e discutimos sobre aspectos da produção de
insatisfação da turma. Conversando com os alunos,
arte hoje, enfocando mais detalhadamente imagens de Livros de Artista,
percebemos que não viam a disciplina Artes como detentora e tampouco
formadora de conhecimento. Eles queriam aprender, mas esperavam como os de Waltércio Caldas, Paulo Bruscky, Bruno Munari, Daniel Bu-
ver ren, Francisca Prieto, Paulo Miranda, Marinês Spagnol, Lia Braga, Ma-
significado nessa aprendizagem.
rilyn Goodrich, Paulo Miranda, Michelle Cunha, Manoela Afonso, entre
Um projeto enfocando o Livro de Artista, que é ao
mesmo tempo outros. Além das imagens, os alunos puderam manusear Livros de Ar-
designação de uma categoria artística e de um produto dessa categoria, tistas de diferentes formatos e materiais, de autoria de Mariana da Silva
poderia ser fonte de mais amplos significados, portanto, conveniente
(artista gaúcha), do artista local Paulo Vega Jr. e alguns produzidos por

Este texto foi elaborado a partir dos projetos


2.
nós mesmas.
e relatórios dos estagiários, que apresentam
diferentes tempos verbais. Para dar coerência às narrativas, alterei os tempos verbais mantendo todos Ana Mae, ao falar sobre a contextualização, diz: "Em lugar de estar-
mos preocupados em montar a chamada 'evolução' das formas
no pretérito. artísticas
330 •
CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO OAS ARIES CULTURAS VISUAIS

através do tempo, pretendemos mostrar que a arte não está isolada de


nosso cotidiano, de nossa história pessoal (Barbosa, 1991, p. 19). Por isso,
já nesse momento da leitura & contextualização, introduzimos questões
para encaminhar o projeto do Livro de Artista de cada um. Foram con-
vidados a refletir sobre suas maneiras de viver, hábitos, manias, o que
lhes agrada, o que os deixa felizes, o que consideram necessário para se
viver bem, o
que lhes proporciona prazer, medo, nojo, desejos, sonhos
elaborar o projeto. Todos concordaram
então que o Livro tra-
etc.,
para
taria de aspectos de
suas vivências e histórias de vida. Como os alunos
tinham tido poucas oportunidades de usarem a arte como meio de ex-
pressão, achamos pertinente que enfocassem suas próprias vivências no
fazer artístico.

Figura 2
Livros de Artista das estagiárias (acima) e dos artistas Daniel Buren e Manoela Afonso

Durante produção observamos que os alunos estavam envolvidos


a
de corpo e alma na proposta, comentando sobre os significados dos signos
que iam colocando no seu Livro. Os que estavam com o trabalho adianta-
do ajudavam os colegas,
com observações e sugestões. Sentimos que as
aulas de Artes
passaram ser interessantes para eles, pois, mesmo após
a

um longo dia de trabalho, demonstravam entusiasmo na produção. Mes-


mo os que avançarampara o nível subsequente durante o semestre retor-
navam às aulas de Artes para terminar o seu Livro, o que nos emocionou.
Um desses alunos construiu seu Livro em tecido e usou sobras da injetora
de plástico que opera para "desenhar" nas suas páginas. Uma aluna
usou
resíduos de plástico e sacolas de supermercado
para fazer a capa do seu
Livro. A aluna bordadeira fez a capa do Livro usando o ponto cruz. A
Figura I

Livros de Artista de Marilyn Goodrich, Waltércio Caldas (acima), manicure fotografou as mãos de todos os colegas para compor o seu Livro.
Marinês Spagnol e Lia Braga (abaixo)
A proposta promoveu um misto de criticidade, criatividade e desen-
volvimento do pensamento estético. Assim, contribuiu como instrumen-
NO IA%INO S

to
para a compreensào e visão crítica do cotidiano,
uma das linhas noc„
leadoras da Educação de Jovens e Adultos.
Ao entrar em contato conj
produções artísticas de modo significativo, o aluno amplia
sua capacida-
de crítica, estabelecendo relação de
uma aprendizagem com a arte. Poc
isso consideramos a relevância da Abordagem
Triangular no Ensino da
Arte: a integração do fazer artístico, da leitura e da
contextualização
porcionou reflexões, comparações e reconstruções de conceitos sobre a rte,

Considerações
sobre o projeto

Figura 3 Durante socialização dos trabalhos, no último dia do estágio,


a
Livros de Artista
elaborados pelos alunos observei
que proposta das estagiárias foi geradora de uma experiência,
a

no sentido que Larrosa (1996, p. 63-64) propõe,


como algo que se pas-
sa no sujeito; que o toca, que o afeta. Por vezes a contextualização
na
Abordagem Triangular é reduzida à informação, seja histórica, factual,
técnica ou outra. Mas, alerta Larrosa, a busca excessiva pela informação
impede que algo se passe ao sujeito. Informação não é sinônimo de co-
nhecimento ou de aprendizagem. Há conhecimento quando há experiên-
cia; quando algo acontece
ao sujeito-aluno.
Nos anos iniciais de disseminação da Abordagem Triangular era
comum o uso da releitura sem clareza dos objetivos. Muitas vezes, essa
prática se reduzia a um arremedo do trabalho do artista. Nesse projeto,
ao
elaborar o seu Livro de Artista,
os alunos fizeram reinterpretações gráficas
de modo contextualizado, conscientes do
como e do porquê. Talvez seja
por isso notava um certo orgulho pela
que se autoria de cada trabalho.
Um fator positivo neste projeto é que os alunos puderam trazer a sua
vivência no trabalho, no lazer, vida,
na para a construção do conhecimen-
to em arte. E o melhor, com prazer! Assisti um homem de 50 anos dizer
que se realizou nesse trabalho: "Quando ouvi
que teria que fazer um Livro
de Artista, eu pensei: Simples! Faltarei cinco
semanas de aula e retornarei
quando o estágio tiver terminado. Mas esqueci de faltar a aula na
semana
seguinte! E isso foi muito bom! Aqui está o meu Livro de Artista!" Seu
Figura 4 Livro mostrava, com destaque, um laço de boiadeiro trançado (por ele)
Livros de Artista
elaborados pelos alunos em macramé, remetendo ao seu passatempo preferido, o tiro de laço.
340 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES CULTURAS VISUAIS 341

Acredito que, para a maioria desses alunos, a elaboração de um Livro tura da


imagem e a contextualização sistematizaram a construção do
de Artista constituiu-se em uma experiência significativa. conhecimento. Concordo com Ana Mae, quando diz: "Por meio da arte é
possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade
do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo ao indi-
2) Olhar e ver víduo analisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade de
maneira a mudar a realidade que foi analisada" (Barbosa, 2002, p. 18).
Estagiário: Gilmar Pocai
Coerente com isso, o objetivo do projeto foi: Ressignificar e valorizar o
Oestagiário, além de aluno do curso de Artes Visuais, teve experiên- patrimônio escolar e comunitário por meio da linguagem artística, expe-
cia como catador de resíduos recicláveis e, posteriormente, como restau- rienciando-a como meio de expressão de ideias, pensamentose sentimen-
rador de quadros. Assim, tinha familiaridade com materiais reutilizáveis. tos,
ao interferir artisticamente no ambiente escolar.
O estágio se desenvolveu
numa escola da rede pública estadual que aten-
de, prioritariamente, a filhos de operários da indústria metal-mecânica, Antes do fazer foi necessário tomar uma atitude: dar sig-
artístico
nificado e valor ao
sendo que muitos alunos já trabalham na indústria e no comércio. que vemos no cotidiano escolar. Na atitude dos
alunos evidenciavam-se as palavras de Agnes Heller: "Se agimos, somos
responsáveis pelo que se realiza através de nossa se nos afastamos
ação;
0 projeto segundoo estagiário da ação, somos responsáveis pelo que não fizemos" (1992, p. 17). Pen-
sei que se o aluno percebesse a estrutura física da escola através da arte,
Durante as observações que antecedem à prática docente, notei que pudesse atribuir-lhe significado e valor. Se o meio escolar e as relações
os assuntos tratados nas aulas de Artes não chamavam muito a atenção que ali se efetivam se tornassem mais significativas, haveria maior
dos alunos. Nas poucas atividades de produção eles compreensão do que se olha, alcançando-se o ver. Para Pillar, "é só
que presenciei,
demonstraram dificuldades em dar sentido ao fazer artístico. Em uma quando se passa do limiar do olhar para o universo do ver que se rea-
das aulas, um aluno, não tendo em mãos uma régua, pegou uma classe liza um ato de leitura e de reflexão" (Pillar, 2002, p. 73). "O sentido vai
[carteira], desprendeu o tampo e em seguida descolou uma lâmina do ser dado pelo contexto e pelas informações
que o leitor possui" (ibid.,
revestimento para usar como régua. A reação da turma frente ao ato de p. 74). Assim, uma leitura de imagens fotográficas da escola, desde a
depredação foi de apatia e indiferença. Considerando o desrespeito para sua fundação no final da década de 1950 até os dias de hoje, foi feita
com o ambiente escolar e também o fato de que a escola se preparava concomitantemente com uma contextualização sobre a história da es-
para as comemorações do seu cinquentenário, pensei em um projeto cola e relações
que com o desenvolvimento da cidade. Tivemos acesso ao
proporcionasse aos alunos a revisão de valores e a construção de um banco de imagens fotográficas da própria escola e pudemos analisar
novo modo de pensar sua escola e seu patrimônio, sem desconsiderar o aevolução e as transformações da sua estrutura arquitetônica. A com-
conteúdo das artes visuais, foco de meu estágio. Enfatizando as diferen- paração entre o passado e o presente da escola mobilizou a afetivida-
ças entre o simples olhar cotidiano e o ver, pretendia que os alunos se de dos alunos, que se sentiram motivados na discussão. Uma aluna
identificassem com a história da escola e da comunidade, sentindo-se
trouxe um jornal com uma reportagem sobre o cinquentenário da es-
parte dessa história. cola,
que trazia imagens de uma exposição de fotografias da escola que
A realização do projeto baseou-se na Abordagem Triangular de Ana estava acontecendo na prefeitura, o que, parece, atiçou o orgulho de
Mae Barbosa e nas ideias de Analice Dutra Pillar. O fazer artístico, a lei- pertencer à Escola Melvin Jones.
A IRIANGtJlAR NO [NSINO 1 VISUAIS

Figura 7

A cidade e a escola, em 1990 e hoje

Ainda antes do fazer artístico, e para implementá-lo, foram dadas


informações técnicas sobre a pintura em painéis com o uso de tinta P VA
e apresentadas algumas imagens de
obras de arte em pintura, para
observação do tratamento das superfícies, do uso das cores e das tex-
turas. Para iniciar o
processo da produção, os alunos foram convidados
a capturar fragmentos do cenário da escola, algo
lhes
que até então tivesse
passado despercebido. Para tal foram usados a fotografia e o de-
senho a partir de uma "janela" de papel-cartão. Essa coleta
mostrou
uma mudança na percepção dos alunos. Parece que houve uma valo-
rização de cenários e objetos simples e banais,
mas fundamentais na
estrutura da escola.
Figura 6 A utilização do suporte de material reaproveitado e de grandes di-
A escola, já com o novo prédio junto à primeira edificação e imagens de alunos na década de 1960
mensõespermitiu uma atividade expansiva. Ao mesmo tempo, busquei
BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES CULTURAS

e da
a valorização do material já descartado, do reaproveitamento
isso ajuda o aluno a com-
preocupaçãocom o meio ambiente. Penso que
preender criticamente o seu mundo.
linguagem
A expressão individual de cada aluno, embora numa
visual simples, foi significativa. Eles manifestavam entusiasmo e empe-
pintar o que ha-
nho nas atividades de desenho e pintura. Desenhar e
bitava o imaginário foi atribuir um novo significado ao
meio e aos ob-
projeto
jetos do cotidiano escolar. Ressignificar foi a palavra-chave no
Olhar e Ver. E aprender a respeitar o (seu) patrimônio escolar ecomu-
Jones, sentindo-se
nitário e a preservar a história da Escola Melvin
firmado pelos alunos e a dis-
parte dessa história, foi um compromisso
ciplina Artes.

Figura 9
Alunas trabalhando nos painéis. Abaixo, à esquerda, um painel já colocado no átrio

Figura 8 Figura 10
Painéis colocados no átrio de ligação entre os dois prédios da escola
Alunos elaborando os painéis
CUNHA A ABORDAGEM NO ENSINO DAS
BARBOSA • ARIES CULTURAS VISUAIS 347
346

poderia aprender com as imagens, nem produzi-las. Pensando nisso,


sobre o projeto
Considerações nosso projeto se preocupou em contribuir com o desenvolvimento esté-
crescente envol- tico do aluno, proporcionando-lhe momentos de leitura estética do am-
Ao observar algumas aulas deste estágio, percebi o
Adequadamente, seu pro- biente e de imagens da arte, reflexão sobre essas leituras, contextualização
vimento dos alunos na proposta do estagiário.
jeto esquivou-se de abordar a História da
Arte, como estava previsto no visando à compreensão de conceitos abordados pelos artistas e
uma pro-
algo que fizesse sentido àquela turma. dução significativa, que lhe possibilitasse expressar ideias, pensamentos
planejamento da escola, para propor
fez diferença para os envol- ou mesmo sentimentos.
Dessa forma, o desenvolvimento do projeto
desenvolveram
vidos. Alguém poderá contestar dizendo que os alunos não A contextualização se deu de forma simultânea aos momentos de
conhecimentos em arte; que não cresceram culturalmente. Mas
este pro-
leitura, enfocando conceitos e elementos da linguagem fotográfica, do
Efland: "A arte-educação basea-
jeto pode ser defendido com palavras de cinema e do vídeo; princípios e história da fotografia, do cinema e do vídeo;
da em uma definição pós-modernista é potencialmente
conectada ao características da fotografia analógica e digital; manuseio de câmeras e
sentido isso se aplica a esse projeto.
resto da vida" (1998, p. 6). Em certo acessórios antigos e atuais; artistas-fotógrafos: Sebastião Salgado, Cindy
Sherman, Gordon Matta Clark, Sophie Calle e Rochele Costi (artista ca-
xiense
que reside em São Paulo); curtas-metragens, documentários e
3) Um olhar contemporâneo sobre Galópolis videoarte.

Katherine Brusa A realização de um "passeio fotográfico" foi um meio para promover


Estagiárias: Bárbara Oliveira e
afastado
bairro um olhar de valorização da cultura local e proporcionar a captura de
As estagiárias elegeram uma escola localizada num imagens (fixas e móveis). Além desse fazer artístico, os alunos elaboraram
cidade. A co-
do centro, que chega a ser confundido com uma pequena
italiana um texto poético que acompanhou suas produções na exposição final dos
munidade mantém hábitos herdados dos tempos da colonização trabalhos na Mostra Interdisciplinar Projeto Galópolis,
cadeiras que se realizou na
do final do século XIX. Ao final da tarde, as pessoas sentam em antiga sala do cinema da comunidade.
os vizinhos e olham as crianças
nas calçadas, enquanto conversam com
brincando na rua.
Durante leitura das imagens, os alunos foram abandonando algu-
a

mas ideias muito simples do ponto de vista do desenvolvimento estético,


demonstrando crescimento na sua compreensão estética. Por exemplo,
0 projeto segundoas estagiárias em vez de apenas afirmar que os artistas representam o sentiam ao
que
produzir as obras, mencionar as intenções dos autores em
começarama
conceitos e experienciar
O projeto teve como objetivo: Conhecer usar fotografia e
a o vídeo como meios de expressão de ideias. Sobre
videoarte, estabelecendo
linguagens artísticas, como fotografia, cinema e imagens de Matta Clark surgiram falas como:
artística e valores culturais da região.
um diálogo entre a produção Matta Clark quis chocar, exibindo pobreza e lixo retinidos nas cidades ricas.
trabalho teve
O base a Abordagem Triangular, sistematizada
como Ele queria expor a violência utilizando como refúgio este túnel constru-
Ensino da Arte vinculado a uma pro-
por Ana Mae Barbosa, que critica o ído no Illeio da cidade.
dução sem leitura e reflexão, vigente
até
pouco tempo atrás. Nesse mo- Com a obra
estético e, uma vez "JanelasExplodidas" o artista está criticando a violência.
delo, o aluno não desenvolvia o pensamento crítico e
contaminado por imagens à sua volta, também não As janelas quebradas representam o barulho da cidade; a poluição sonora.
que não poderia ser
348 BARBOSA • CUNIIA A ABORDAGEM IRIANGU[AR NO ENSINO DAS ARIES VISUAIS

Após a leitura e a contextualização, passamos para o fazer artístico,


para que os alunos pudessem expressar sua visão sobre a sua comunida-
de. Inicialmente
foi explorada a fotografia e, posteriormente, a elaboração
de um videoclipe. Tudo era discutido em grupos: os temas, os objetivos,
os enquadramentos etc. Para essa discussão, foram enfocadas estas pala-

vras, que escrevemos no quadro: "Arte não é enfeite. Arte é cognição, é


profissão, é uma forma diferente da palavra para interpretar o mundo, a
realidade, o imaginário, e é conteúdo. Como conteúdo, a arte representa
o melhor do trabalho do ser humano" (Barbosa, 1991, p. 4). Também foram

levadas em consideração, na decisão dos temas, as características do


bairro,
que preserva aspectos do passado da colonização
italiana,
como
arquitetura, culinária, modos de viver etc. Trouxemos também, para a
reflexão, as palavras de Cartier-Bresson, artista abordado durante a con-

textualização: "As coisas das quais nos ocupamos, na fotografia, estão em


constante desaparecimento, e, uma vez desaparecidas, não dispomos de
qualquer recurso capaz de fazê-las retornar. Não podemos revelar e copiar Figura II
Alunos interagindo com moradores do bairro e capturando imagens
uma lembrança ". Depois de discutirmos sobre os benefícios e os malefícios
possíveis de serem trazidos pelo progresso, os alunos concordaram
que
suas fotografias e vídeos deveriam focar a comunidade de Galópolis, sua
natureza, sua cultura, sua gente, sua arquitetura.

sobre o projeto
Considerações
Ao observar o processo do estágio, pude perceber que os estudantes
foram aos poucos demonstrando maior respeito e interesse pela discipli-
na Artes. Poder usar a fotografia e o vídeo como linguagens artísticas para
expressar e comunicar ideias e visões de mundo foi decisivo nessa mu-
dança. Em outras palavras, eles sentiram-se protagonistas; autores com
algo a dizer. Talvez esse projeto tenha lhes permitido desenvolver uma
nova percepção da realidade, o que, segundo Ellen Dissanayake, se cons-
titui em uma das funções da arte. Para a autora, a arte "exercita e treina
nossa percepção da realidade" (apud Chalmers, 2003, p. 77). Os estudan-
tes prestaram atenção em alguns aspectos de sua cultura, como a arqui-
Figura 12
tetura, a paisagem natural da localidade, os moradores, e os ressignifica- Produção fotográfica dos alunos
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM NO CULTURAS vtstmts
350

ram pela linguagem da arte. Coisas do seu cotidiano, banais, foram (re)
vistas e (re)conhecidas
por meio da arte. Os diálogos com pessoas da
comunidade, a observação das mãos dos agricultores que ali vendiam
seus produtos, a interação significativa proporcionaram a motivação e os
referentes para sua produção artística. Enfim, na costura entre vivido e
o
a teoria, a contextualização e a leitura de imagens engendraram fazer
um
artístico com significado para os estudantes. E quando a disciplina Artes
permite que os estudantes se reconheçam como parte constitutiva da vida
da comunidade, "enaltecendo-a e perpetuando-a" (ver Chalmers, 2003,
p. 139-142) pela linguagem artística sem descuidar do diálogo com o

mundo da arte —, está cumprindo seu papel na busca de um ensino


'significativo e relevante" (ibid., p. 139).

Considerações
finais
Figura 13
Produção fotográfica dos alunos Ao defender um currículo integrado a partir de ideias e não de

disciplinas Parsons esclarece que "a integração


ocorre quando a apren-


dizagem faz sentido para os estudantes, especialmente quando a conectam
com os próprios interesses, experiências de mundo e vida" (2005,
p. 296).
LEp01s Embora os projetos de estágios de docência do curso de Licenciatura em
Artes Visuais da UCS ainda não privilegiem essa integração sugerida por
Parsons, talvez o primeiro passo
nessa direção esteja sendo dado, ao se
aprender a considerar os contextos dos alunos e das comunidades. Foi-se
o tempo das releituras descontextualizadas, em que o aluno era convida-
do a produzir arte sem saber o porquê. Há muito
que aprender; há mui-
to
que melhorar nos estágios. Ainda surgem propostas que priorizam a
arte hegemônica ou o formalismo, muitas vezes sem contemplar o con-
texto dos estudantes. No entanto, os estagiários estão cada vez mais
procurando aproximar seus projetos dos pressupostos contemporâneos
da disciplina Artes. Em outras palavras, pretendem
que seus projetos
sejam significativos para os estudantes, para as comunidades e para eles
próprios.

Figura 14
Lembrando de Paulo pode-se dizer que os relatos dos estagi-
Freire,

Exposição de fotografias, vídeos e textos produzidos pelos alunos ários mostram que o movimento do mundo à palavra [que substituo por
352 BARBOSA • CUNHA 353

imagem] e dessa ao mundo está presente, no sentido de que a produção


dos estudantes fluiu do mundo através da leitura que dele fizeram (Freire,
1983, p. 22).

Como bem disse Christina Rizzi: "a Abordagem Triangular não in-
dica um procedimento dominante ou hierárquico na combinação das
conceito de
várias
açõese seus conteúdos. Ao contrário, aponta para o
enfatizando,
pertinência na escolha de determinada
açãoe conteúdos 6
sempre, a coerência entre os objetivos e os métodos"
(2002, p. 69). Nos
projetos de estágio, eleger o quê, o como e o porquê,com essa pertinência
e coerência, não é tarefa fácil, mas necessária.
ABORDAGEM TRIANGULAR E AS ESTRATÉGIAS
DE UM EDUCADOR SOCIAL

Referências bibliográficas

Paulo: Perspectiva, 1991. Lívia Marques Carvalho


BARBOSA, Ana Mae. A intagem no Ensino da Arte. São
Jaqueline Alves Carolino

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CHALMERS, F. Graeme. Arte, edilcación y diversidad cultural. Barcelona: Paidós,
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derno. In: A compreensão e o prazer da arte. Anais... São Paulo: Sesc, 1998.
tigar como a arte se insere nas Organizações Não Governamentais
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler enl três artigos que se complelllentanl. São
um dos assuntos problematizados foi a metodologia emprega-
Paulo: Cortez, 1983. da pelos educadores dessas instituições. A pesquisa revelou
que os edu-
HELLER, Agnes. O cotidiano ea história. São Paulo: Paz e Terra, 1992. cadores empregavam uma combinação de procedimentos metodológicos
LANIER, Vincent. Devolvendo arte à arte-educação. In: BARBOSA, Ana Mae sem se limitar a um único método, porém a Abordagem Triangular foi
(Org.). Arte-educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 1997. citada pela maioria a principal abordagem utilizada.
como
lectllra: estudios sobre literatura y formaci- Esse fato atiçou a minha curiosidade. Por
LARROSA, Jorge. La experiencia de la
que a prevalência da Abor-
ón. Barcelona: Laertes, 1996. dagem Triangular nesse contexto de ensino? Como e por que ela se colo-
caria em pertinência com as diretrizes pedagógicas das ONGs, onde a
Mae (Org.).Arte-Educação contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: arte é posta explicitamente a serviço da transformação pessoal e social?

Cortez, 2005. Seria ela adequada a um ensino que busca conjugar educação e consciên-
PILLAR, Analice Dutra. A educação do olhar no Ensino da Arte. In: BARBOSA,
I. O assunto foi tema da tese de
doutorado O ensino de artes em ONGs: tecendo a reconstrução
pessoal, de autoria de Lívia Marques Carvalho, apresentada na Universidade de São Paulo em 2005,
RIZZI, Maria Christina de Souza. Caminhos metodológicos. In: BARBOSA, Ana sob a orientação da professora Ana Mae Barbosa. Em 2008 foi publicada pela Editora Cortez com o
título de O ensino de Artes em ONGs.
354 BARBOSA • CUNHA ABORDAGEM NO ENSINO CULTURAS VISUAIS

ciapolítica, como acontece nessas instituições? Quais seriam as diferenças Ilson concluiu a licenciatura em Educação Artística em 2001, na Uni-
entre a aplicação da Abordagem Triangular no ensino formal e não formal? versidade Federal da Paraíba, mas seu envolvimento com artes se deu
Essas questões me provocaram e estimularam a analisá-las mais detida- muito antes. Quando ainda cursava o Ensino Fundamental no Rio Gran-
de do Sul, foi estimulado por sua professora de Artes a participar de
mente, mas, na ocasião, devido às circunstâncias, foi focado apenas o
esclarecimento dos pontos destacados nos objetivos da pesquisa. Assim, exposições e fazer cursos de Artes. Em 1987, passou a trabalhar em uma
o exame das questões específicas sobre a aplicação da Abordagem Trian- galeria de arte, onde participava do conjunto de suas atividades. Convi-
gular ficou adiado para uma investigação futura. veu com artistas, críticos e fez todos os cursos oferecidos pela galeria.
Dessa maneira, aprimorou suas habilidades e conhecimentos e firmou-se
No início de 2009, credenciamos,junto ao CNPq, um grupo de pes-
quisa com o objetivo de estudar o Ensino da Arte em espaços não formais como artista. Ao tempo em que ia ficando conhecido na cidade, passou
a ser solicitado para ensinar. Isso o animou a abrir
e, juntamente com a professora de Artes e mestranda em Serviço
Social, um ateliê e a dar au-
Ias. O exercício de professor levou-o a intensificar
Jaqueline Alves Carolino, que faz parte desse grupo, iniciamos uma pes- os estudos e pesquisas,
principalmente porque muitos dos seus alunos graduados ou
quisa para observarmos como a Abordagem Triangular é empregada nas eram
universitários.
ONGs de João Pessoa.
Por algum tempo julgou não ser necessário um
Agora, quando as professoras Ana Mae Barbosa e Fernanda Cunha curso superior; su-
punha que a academia não lhe acrescentaria muito, e presumia: "Por
nos dão conhecimento de que estão fazendo uma prospecçãomais apro- que
fazer universidade se as pessoas de lá vêm fazer comigo?" Depois,
fundada sobre as diferentes interpretações que a Abordagem Triangular curso
relatar quando já havia se mudado para a cidade de João Pessoa, se deu conta
vem assumindo desde sua sistematização, parece-nos oportuno de que um curso de licenciatura é uma necessidade imposta a qualquer
caráter singular.
uma experiência que nos chamou a atenção pelo seu
profissional que queira lecionar e resolveu fazer o
Trata-se da maneira como o artista plástico e educador Ilson Mora- curso de licenciatura
em Educação Artística. Hoje tem em conta que tomou a decisão certa, pois
es aplica Abordagem Triangular na oficina de artes visuais da Casa
a
gostou muito do curso e considera que teve acesso a livros e a conteúdos
Pequeno Davi (CPD), uma ONG, fundada em 1985, na cidade de João
Pessoa, que desenvolve atividades educacionais, artísticas e de lazer
que dificilmente teria encontrado fora da academia.
Foi durante o
para crianças e adolescentes de a 18 anos em situação de vulnerabili-
7 curso de Educação Artística que tomou conhecimento
da Abordagem Triangular. Ao
dade social, moradores do bairro do Baixo Roger e adjacências, onde ele começar a lecionar em escolas públicas,
procurou ler mais para entender todo o alcance dessa abordagem de
trabalha desde 2003.
ensino que, a seu ver, é a mais apropriada para ensinar arte. Segundo
Inicialmente, Ilson ensinava Artes em uma escola da rede pública,
Ilson, a Abordagem Triangular permite que o professor conduza o traba-
mas decidiu trabalhar em ONGs, pois considera que nessas instituições lho de maneira mais e mais bem fundamentada.
possível perceber a contribuição de seu trabalho para favorecer o de- segura
é
Ele considera
Abordagem Triangular particularmente adequada
a
senvolvimento pessoal de seus educandos, causando, de fato, impacto na
vida das pessoas e tal impacto é factível de ser avaliado e medido.
— para o Ensino de Artes em ONGs. Argumenta que, habitualmente, o
Outro argumento por ele citado foi a autonomia para elaborar seu plano público-alvo de ONGs mora em localidades desprovidas de equipamen-
de aula, como explica: "Uma das coisas que eu acho interessante na ONG
tos eserviços culturais. A maioria, por limitações de ordem econômica,
é exatamente a liberdade que tu tens para planejar tuas atividades. Então não tem acesso à produção artística e cultural, a não ser as divulgadas
pela mídia, Abordagem Triangular, por envolver um conjunto de
eu fico muito à vontade pra usar qualquer metodologia"
e a
356 BARBOSA • CUNIIA NO vistmrs

saberes
como conhecimentos históricos, sociológicos, antropológicos e melhor a apropriação que Ilson faz da Abordagem Triangular, vamos
artísticos, possibilita aos educandos ter acesso ao saber e à arte, contri- descrever o caso de Wanderley Nascimento, um dos alunos da oficina de
buindo para que os aprendizes desenvolvam uma compreensão acerca artes visuais da CPD.
do mundo e deles próprios.
Wanderley entrou na oficina de arte ainda muito menino, com 7 anos,
A oficina de CPD funciona em dois turnos. Cada turno tem
arte da atualmente tem 16. Ilson nos disse que a conversa dele girava sempre em
três aulas por semana, com duração de quatro horas, perfazendo um torno de animais como porco, bode, galinha. Era aficionado
por esses
total de 12 horas semanais. Cada turma pode receber de 15 a 20 educan-
bichos. Aproveitando esse grande interesse do menino, Ilson sugeriu que
dos entre 7 e 18 anos. Portanto,
numa mesma
sala há os
que possuem um seu trabalho tivesse como tema os animais que povoavam seu universo,
bom nível de domínio técnico e teórico e os iniciantes com pouco conhe- Assim, Wanderley
começou a produzir bodes, galinhas, sapos, bois e
cimento. Assim sendo, o processo de ensino, sempre baseado na Aborda- porcos. Inicialmente, trabalhava em papel machê; em seguida, passou a
gem Triangular, ocorre de maneira individualizada, ou seja, uma propo- desenhar e, mais tarde, a retratar esses animais em técnicas de pintura,
sição para cada aluno. sendo o galo seu tema preferido.
Quando o educando chega pela primeira vez à oficina, Ilson faz uma No decorrer desse processo, Ilson vai fazendo a triangulação. A par-
sondagem para perceber o nível de percepção deste em relação à arte. tir do tema preferido do Wanderley, mostrou-lhe como os bichos foram
Primeiro avalia como eles se saem em desenho; a partir daí vai avaliando retratados ao longo da história, desde a pré-história até chegar a Aldemir
a aptidão de cada um e direcionando um plano de trabalho ajustado para Martins, situando as imagens que iam sendo mostradas no contexto
cada aluno. "Tenho
que atender a capacidade de cada um, dentro daqui- (tempo e espaço) em que foram feitas, ao mesmo tempo que ia estabele-
10 eles gostam de fazer", diz Ilson.
que cendo conexõescom a vivência do menino, sempre chamando a atenção
Assim, encontramos na oficina meninos ou meninas trabalhando para que o garoto observasse os traços, as cores, a composição. Associan-
do, assim, interpretação de significado e julgamento estético.
com papel machê, outros com cerâmica, alguns pintando em cavaletes, A medida
outros desenhando. As diferenças exigem a individualização do ensino que os trabalhos do menino foram apresentando evolução, Ilson passou
adaptado ao ritmo do aprendiz, às suas capacidades, às suas potenciali- a introduzir conhecimentos complementares que o ajudassem a continuar

dades, aos seus interesses e motivações. Como explicou o educador: avançando. O educador fala sobre o impulso que a aplicação dessa abor-
dagem metodológica teve no trabalho de Wanderley:
Aline tem um trabalho muito figurativo, e a tendência dela é essa. Eu não
vou desprezar isso, então eu vou procurar mostrar a ela propostas na mes- Percebendo que o mundo em que Wanderley vivia era o dos animais que o
linha,
ma conversar respeito, mostrar outros trabalhos, pra ver o
a esse cercavam, comecei a incentivá-lo a projetar esse mundo real para o imagi-
andamento dela. Se
um outro menino tem uma coisa puxando pro naif, nário. A princípio, comecei a estimulá-lo a observar as cores dos animais.
então eu fazer pesquisa dentro do naif ele, mostrar os Em conversa falávamos das mudanças das cores sofridas pela luz e o brilho
vou uma com vou
artistas que trabalham nessa linha, vou mostrar o processo todo pra que ele da plumagem, dos
pequenos detalhes encontrados em uma só ave, penas,
consiga produzir seu trabalho. Então, é dentro dessa proposta que eu tra- olhos, patas etc. Os relatos eram constantes e ricos. Após a tentativa de re-
balho. (Moraes, 2009) tratar o real, passei
a estimulá-lo a valorizar algo
que achasse mais interes-
sante nesses animais, intensificando as cores, texturas e, o mais importante,
Ao aplicar Abordagem Triangular na perspectiva de um projeto
a ficando atento ao movimento que propunha dança harmônica de linhas.
uma
individualizado, ele
sempre inicia pelo fazer artístico. Para exemplificar Daí, ele foi abrindo o próprio horizonte. O trabalho foi aos poucos deixan-
BARBOSA • CUNHA
ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS VISUAIS 359

do de ter a dureza
compromisso com o real, passando a assumir uma
e o
em casa no final de semana vendo algum programa na TVE, então eu pen-
leveza, uma estilização e identidade própria. Hoje o galo dele parece mais so, que bom se algum aluno meu visse esse programa. Quando eu chego
um pano, uma renda, do que propriamente um galo. Não é um projeto na oficina, eles comentam o programa e ainda falam de outros programas
que diga: faça assim. Eu vou só orientando na questão das cores, no pro-
que viram. (Moraes, 2009)
cesso da técnica, na harmonia das cores secundárias, complementares.
(Moraes, 2009) Ficamos curiosas
e procuramos saber se Ilson, ao dar aulas no seu

ateliê que

também é um espaço de ensino não formal aplicava a —

Wanderley vem alcançando um progresso notável. A qualidade es-


Abordagem Triangular da mesma maneira que na CPD. Ao que ele
tética de seus trabalhos chama a atenção daqueles que têm a oportunida-
respondeu:
de de observar. Já vendeu alguns quadros e tem participado de exposições
coletivas na CPD e no ateliê de Ilson, e está com uma exposição agenda- Da mesma maneira, um plano para cada aluno e iniciando
sempre pelo
da para Centro Cultural São Francisco. O educando faz planos para o fazer artístico. Esse fazer
é que vai definir as obras de arte que serão anali-
futuro, quer cursar a universidade e ser professor de Artes. Ilson avalia sadas e as informações serão transmitidas para o desenvolvimento do tra-
que o progressivo domínio das técnicas artísticas, conjugado ao amplo balho dos alunos. Muitas vezes, as pessoas chegam e dizem: "Pronto, podes
acesso a conhecimentos culturais e sociais, estimula a evolução progres- me ensinar". Aí eu falo: Primeiro faz, depois eu vou sentir o que tu precisas
saber.
Siva de outro processo com efeitos positivos sobre a personalidade dos
alunos: "o de ser capaz de perceber-se agente, envolvido
em um proces-
A CPD, além da oficina de artes visuais, conta também com as ofici-
so de crescimento enquanto indivíduo, tomando iniciativas e projetando
nas de música, dança e serigrafia. O educador da oficina define sua pro-
seu futuro" (Moraes, 2009).
gramação própria. Afora essa programação específica, as oficinas traba-
Para mostrar imagens aos alunos, Ilson recorre principalmente a
lham também com os temas geradores estabelecidos pela CPD. São temas
livros e à Internet, já que João Pessoa dispõe de poucos espaços exposi-
que perpassam todas as oficinas. "Tema gerador" é uma abordagem ins-
tivos. Mas, sempre que é possível, leva
os alunos a exposições. Ao ana- pirada nas concepções de educaçãode Paulo Freire, entendido como o
lisar sobre
as consequências da aplicação da Abordagem Triangular a
assunto que centraliza o processo da educação e sobre o qual acontecem
aprendizagem dos educandos, não esconde o entusiasmo com o pro-
os estudos, pesquisas, análises, discussões e reflexões.
gresso que alcançam:
Os temas geradores da Casa Pequeno Davi são determinados em
Ao pesquisarem e analisarmos as imagens, eles melhoram muito a parte função das necessidades percebidas pelos educadores, pelos membros da
cognitiva. Eles também começam a perceber formas, cores. Eles mesmos coordenação, familiares e educandos. O processo de seleção dos temas é
realizado por meio de
analisam seus próprios trabalhos. Já dizem, por exemplo, que não está legal um questionário chamado "pré-teste", no qual o
porque tem que ter um peso maior aqui, tal cor acolá. Então isso é interes- educando ou educanda, ao se inscrever na instituição, descreve seu coti-
sante, por incrível que pareça eles conseguem ver isso. Claro que não são diano,
como percebe a si mesmo, como vive; descreve também sobre seus
todos nível de aprendizado diferente,

progressos diferentes. E interes- costumes e sobre o que absorve de sua cultura. Adicionalmente é feita,
sante isso. Uma coisa impressionante é quando um aluno senta contigo e ainda, uma sondagem com os familiares,
com o coordenador pedagógico
começaa falar sobre um gênio da pintura ou sobre a arte com uma proprie- e com os assistentes sociais da CPD. Esses temas envolvem, em geral,
dade tão grande que parece um crítico de arte conversando, entendeu? questões relacionadas a gênero,direitos humanos, cidadania e pluralida-
Então vocêvê que o ensino teve resultado. Algumas vezes, quando eu estou
de cultural.
360 BARBOSA • CUNIIA

existente entrecognição e emoção, subjacente na concepção expression


Quando Ilson trabalha com os temas geradores, utiliza a Abordagem
Triangular de outra maneira.2 Nesse caso, o plano de trabalho deixa de
ta
que preponderava até então. A abordagem proposta veio
ao encontro
daqueles que almejavam uma orientação mais consistente para suas pró•
ser individualizado para ser feito um projeto único para a turma. Em vez
ticas pedagógicas.
de iniciar pelo fazer artístico, ele segue o seguinte roteiro: contextualiza-
ção, leitura e o fazer artístico, interligando as vertentes do triângulo. A Abordagem Triangular concorreu, também, para fortalecer o En-
sino da Arte
Inicialmente, o tema escolhido é discutido e articulado à experiência de como um campo específico de ensino, como uma área espe-
cífica do saber humano, e foi responsável por
vida dos alunos. Em outro momento, exibe filmes ou mostra imagens uma mudança conceitual
no Ensino da Arte no Brasil. A comprovação de sua eficácia em diversas
relacionadas ao tema
que permitam aos alunos obter um conjunto de
pesquisas, e por ter sido tomada como referência
informações e significados que gerem reflexões e pensamentos novos para orientar as propos-
tas governamentais dos Parâmetros Nacionais Curriculares (PCN, 1998)
acerca do assunto e conclui o processo com uma atividade artística. A
para a área de Arte, fez dessa abordagem uma das mais utilizadas pelos
proposta do que seráfeito é sempre fruto de um debate coletivo. Os temas
professores de Artes, tanto
no ensino formal quanto no não formal.
geradores seguem um calendário determinado pela instituição. Ao con-
cluírem essa tarefa, cada oficina retoma sua programação própria. A educação não formal distribui-se em diversos campos. Inclui des-
de as das comunidades, dos movimentos sociais até as organizações
ações
não governamentais e instituições culturais. Enquanto no ensino formal
Discussão e reflexões o ponto central é a formação do aluno, principalmente
no que se refere
ao acesso aos conhecimentos historicamente sistematizados e transmitidos
práticas de Ensino de Arte que antecedia a divulgação
O cenário das em uma determinada sequência estabelecida pela escola, na educação
da Abordagem Triangular3 era de inquietação. Muitos professores se não formal as instâncias podem traçar um programa de aprendizagem
mostravam insatisfeitos diante dos resultados de um ensino centrado em que seja significativo para determinados grupos que se formaram em
práticas não diretivas, que colocavam como questão essencial apenas a função de demandas comuns.
autoexpressão e a autodescoberta dos alunos, sem valorizar nem a trans- O principal objetivo da Casa Pequeno Davi é trabalhar no sentido de
missão de conhecimentos, nem o aperfeiçoamento das habilidades técni- promover, por meio de uma abordagem socioeducativa-cultural, os di-
cas. A baixa qualidade do ensino e dos produtos resultante dessas práti-
reitosfundamentais de crianças e adolescentes que se encontram em si-
cas concorreram para que a disciplina fosse vista com descrédito. tuação de vulnerabilidade social, desprovidos de seus direitos, ou pelo
A Abordagem Triangular desempenhou um papel de "divisor de menos de alguns destes, em consequência das desigualdades que carac-
terizam asociedade brasileira em seus fundamentos essenciais. As
águas", pois, ao propor que o Ensino da Arte ocorresse com a sequência
educativas
ações
das etapas do fazer artístico, da leitura da obra de arte (ou de imagens de são conduzidas na perspectiva de assegurar o desenvolvimen-
to físico, psíquico e social
outras fontes) e a contextualização, contribuiu para suprimir a dicotomia com vistas a uma melhor qualidade de vida.
Para tanto, os princípios da "educação libertadora" de Paulo Freire
são
tomados como referência.
Nos anais do 180 Encontro da Anpap foi publicado um artigo intitulado "Várias etnias, uma
2.

nação:diálogo intercultural na construção de processos educativos de arte/ educação" que descreve


,

Tomar Paulo Freire como referência implica em fazer com que os


na oficina de arte visuais da CPD.
foi desenvolvido
como o tema etnia valores culturais dos educandos
seus hábitos, seus conhecimentos,

3.
A Abordagem Triangular divulgada no livro A illiagelll do Ensino da Arte: anos oitenta
foi e novos
valores morais todas experiências
tenwos, de autoria de Ana Mae Barbosa, pela Editora Perspectiva, em 1991. seus e as adquiridas como membro de
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM IRIANGUIAR NO [NSINO DAS ARTES CULTURAS vrsums 363

uma sociedade estejam presentes no trabalho pedagógico. Partindo


dessa orientação geral, cada educador tem a liberdade e a flexibilidade

para traçar seus próprios caminhos.


De acordo com alguns relatos de Ana Mae, a Abordagem Triangular
tem também influência do pensamento pedagógico de Paulo Freire. Ela
reconhece sua carreira de arte/educadora e sua visão de mundo foram
que
influenciadas pelas concepções desse educador. Sendo orientada para o
saber interpretativo, promove a prática do diálogo e possibilita aos edu-
candos desenvolverem a compreensão acerca do mundo e de si mesmos,
fatores que os levam a interpretar sua própria realidade e se posicionar
criticamente diante dela com vistas a transformá-la.

Os princípios da Abordagem Triangular estão em pertinência com


as diretrizes pedagógicas de ONGs, visto que ambos partem da premissa
de que a educação é um processo realizado no contato do homem com o
mundo vivenciado. Ao integrar o fazer, a leitura e a contextualização, a
Abordagem Triangular se compromete com a cultura e coloca ao alcance
Figura I
dos educandos um vasto conjunto de saberes como conhecimentos his- Oficina de Artes Visuais da Casa Pequeno Davi. Foto: Jack Carolino
tóricos,sociológicos, antropológicos e artísticos. Sua aplicação é, portan-
to,adequada para as instituições que buscam conjugar educação e cons-
ciência política.
Por ser uma proposta flexível, sem uma ordemsubordinação entre
e

os vértices do triânguloler, contextualizar e fazer —, permite que cada


educador tenha a liberdade de definir seu próprio método de ensinar. O


fato de Ilson dispor de 12 horas semanais, sala apropriada e
um número
de alunos diminuto, possibilita-lhe organizar um programa com conteú-
dos programáticos que propicie estímulo adequado para o crescimento
artístico, afetivo, cultural e intelectual de cada aprendiz. O educador

também pode dispor, para suas aulas, de uma diversidade de materiais


e equipamentos que dificilmente conseguiria se ensinasse em escolas da
rede pública.

Ilson tem uma formação artística sólida e se esforça para oferecer


aos seus alunos um ensino consequente, proporcionando o desenvolvi- Figura 2 Figura 3
mento de competência e habilidades em diversas técnicas artísticas. A Óleo sobre tela; Sem título, Wanderley, 2009. Óleo sobre tela; Sem título, Wanderley, 2009.
Foto: Joelma Oliveira Foto: Joelma Oliveira
competência é fundamental para que eles alcancem as transformações
364 BARBOSA • CUNHA 365

almejadas, pois somente quando


educandos passam a manejar bem
os
os elementos construtivos das artes visuais, a conseguir expressar suas
ideias com competência, tornam-se mais autoconfiantes. E a autocon-
fiança que vai impulsionar esses meninos e meninas a traçarem metas
que possam resultar no seu desenvolvimento pessoal e na sua integração
social.

Os progressos de Wanderley, observados nas atividades artísticas, 7


na elevada qualidade estética de seus trabalhos e no plano pessoal, le-
vam-nos a supor que a interpretação que Ilson
faz da Abordagem Trian-
CERAMICAVIVA NO PARTICULAR EXERCÍCIODE
gular é adequada para o público-alvo da oficina de arte da CPD e está
contribuindo para que a CPD atinja seus objetivos. TRIANGULAÇÃO
DOS PROCESSOS DE CONSUMO,
CONTEXTUALIZAÇÃO
E PRODUÇÃO ESTÉTICA
Referências bibliográficas

Isabela Frade
BARBOSA, Ana Mae. A imagem no Ensino da Arte:
anos oitenta e
novos tempos.
São Paulo: Perspectiva, 1991.

Tópicos litópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998.


A poesia ésenwreuma linguagenl agonizante, mas nunca

Entre memória história.


.
e In: BARBOSA, Ana Mae (Org.). Ensino da arte: uma linguagem
1110rta.

memória e história. São Paulo: Perspectiva, 2008.


Robert Smithson

CARVALHO, Lívia Marques. O ensino de artes em ONGs. São Paulo: Cortez, 2008.

A influência da arte na formação do indivíduo: experiências em ONGs.


O presente texto visa contribuir para uma reflexão ampliada sobre a
.

Intervenções:Artes Visuais em Debate. Revista de Departamento de Artes Visuais


Metodologia Triangular elaborada por Ana Mae Barbosa. Publicada no
da UFPB. João Pessoa: Editora Universitária, anos 2 e 3,
n. 2, 2009.
início da década de 1990
como conteúdo principal do livro A imagem no
MORAES, Ilson. Paraíba, Brasil, set. 2009. Entrevista concedida à Lívia Marques Ensino de Arte (1994), apresenta-se como grande marco no campo da arte/
Carvalho e Jaqueline Alves Carolino.
educação brasileira. A Metodologia Triangular se instaura como influên-
cia cardeal, veio maior que drena e irriga as novas práticas e pesquisas
desenvolvidas desde então —
e é importante notar que sua influência se
deu em âmbito nacional e que, de forma intensa, envolveu a comunidade
de arte/ educadores em geral —, enfeixadas e articuladas pelo direcio-
namento na área na promoção do aprofundamento teórico, do trabalho
de pesquisa do educador e de seus estudantes, e a uma nova visão do
projeto pedagógico e artístico
que se configura como ação
cultural. Ser
366 A ABORDAGEM NO ENSINO ARTES CULTURAS VISUAIS
BARBOSA • CUNHA

professor de Artes adquire daí o sentido de envolvimento


com o total exploram esses canais entre os polos como vetores de açãoeducativa
da arte na medida em que essa proposta identifica as estratégicas engajada, consciente e produtiva.)
campo
zonas de sua produção: a crítica e a História da Arte como inserção em
uma particular zona cultural, a produção plástica propriamente dita como
exercício em linguagem (metalinguagem), e a fruição e o consumo da arte
como extensão desse processo.
Pensar hoje essa proposta é trazer novas possibilidades de exercitá-la

e é sobre esse aspecto que meu esforço aqui se dá, no sentido de estar
acompanhando um novo momento de sua trajetorla —, abrindo novos
"

espaços para o estabelecimento de um campo ampliado de ação cultural


e educativa. Para tanto exploro minha própria experiência
como arte/
educadora para elaborar essa reflexão, apresentando propostas pessoais
e coletivas deflagradas a partir dessa vivência mágica da triangulação
no
estudo/ pesquisa e ensino da cerâmica. Nesse aspecto, grande parte des-
te texto é constituída por fragmentos de reflexões já elaboradas sobre
o
método, enxertos diversos, selecionadas as reflexões às
que se somam Figura 1
referências à Metodologia Triangular extraídas de meus próprios textos Produtos da Oficina da Terra. Técnicas de construção de placa e rolete.

dos relatórios acadêmicos, especialmente aqueles referentes ao projeto de Projeto de arte relacional Casa de Passarinho (2007)

extensão Ceramicaviva que vem sendo desenvolvido na Universidade


Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) desde 1998.
O O encontro com
cerâmica estabeleceu o lugar onde pude mirar
a
exercício de pensar o barro e as artes da terra vem se dando de
modo particular. A constante deriva entre os ângulos propostos na trian- essa amplitude, vislumbrando e vivenciando diversos modos de pesqui-
de forma intensa. Sua abrangência cultural inspira continuamen-
gulação,
numa adaptação livre que propõe o jogo com diferentes pesos sa-ação
de seus vértices, a relação entre esses pontos de atuação gera te na busca do reconhecimento de outras experiências na arte, enquanto
percursos
de encantamento e descoberta. Um jogo que desse triângulo se chega a sua plasticidade se revela como território ímpar na promoção de encon-
um poliedro animado. (Enquanto observo o petrificado modo como o tros sensíveis entre o sujeitos (cónsigo
mesmos e com os demais). Desde
exercício da releitura se disseminou, reduzindo e eliminando exatamen- as primeiras explorações das potenciais qualidades de uma matéria-pri-
te
o que de melhor se estabelecia como proposta,l busco me aliar aos que ma às mais
sofísticas reflexões transculturais
que, na minha compreen-

são, é processo que só se inicia a articular a partir de uma experimentação


I. A própria Ana Mae Barbosa comentou, em série de encontros de pesquisadores, o desencan- metodológica inventiva. A apreciação da produção plástica instaurada
to e desapontamento com esse enfadonho aproveitamento, perversão de sua proposta. O abuso
desse procedimento, fruto de
uma apropriação reduzida, gerou uma técnica de aplicação pedagógi-
ca de razoáveis resultados plásticos, uma vez que a referência aos cânones artísticos estavam pre- o canal da experimentação na sua apropriação. Como tenho em Morin uma referência potente com
sentes e, como se deveria esperar, os reflexos de uma obra de vigor estariam assim estaticamente já relação ao método, continuo usando a primeira terminologia, mesmo correndo o risco de ser mal-
autorizados a se imporem na produção. Aliás, esse é o maior motivo da mudança de nomenclatura, -interpretada. Nesse sentido, creio que importa resistir e fazer valer o estudo de uma epistemologia
que de Metodologia Triangular passa a Proposta ou Abordagem Triangular, numa tentativa de abrir aplicada, ou ainda, uma epistemologia prática, é isso a metodologia!!
• CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 369

na Abordagem Triangular foi, neste


caso, o motor indispensável. A com- Ceramicando —
os desejos pela argila
petência para a apreciação crítica das produções artísticas possibilita a
construção de modelos de percepção reflexiva de maior profundidade,
A escolha pela cerâmica se deu por pressões externas: meu alunos
instaurando a curiosa abertura para o outro
uma abrangência cada (CAP UFRJ / 1993-1997) me pediam sempre que trabalhasse com o barro.

vez maior para essa apreciação ao interno e ao externo dos circuitos Questionavam o academicismo reinante e estavam dispostos a experi-
institucionalizados.
mentar novos processos, mas se envolviam de modo intenso na elabora-
Considero essa movimentaçãopessoal
geral: a imersão
como parte de um programa çãode determinados exercícios desde que as técnicas convencionais es-
na fecunda onda multiculturalista instaura tivessem envolvidas. Resolvi investigar as motivações dos alunos e dos
que se no
campo educacional brasileiro a partir dos anos 1990 exatamente se — professores e comecei a pesquisar o currículo programático da escola para
iniciando nas múltiplas apropriações e desenvolvimentos dessa objetiva- descobrir sua história. Na época, seu conteúdo refletia a formação dos

çãodas práticas em arte/ educação. A publicação de Tópicos utópicos (Bar- artistas na EBA e era calcado em técnicas plásticas. Ao redigir projeto de
bosa, 1998) trouxe,
nesse aspecto, obra que alimenta esses novos expe- pesquisa de materiais, ordenei certas matérias convencionais com intuito
dientes, engenharia epistêmica que serve para dar de entender o filtro exercido pela criação artística acadêmica tradicional
um maior impulso à
ampliação e fortalecimento de
um campo ainda tolhido pelas previsíveis e moderna. A questão central era: Se a arte contemporânea provoca a
resultantes à intensa movimentaçã02 pressões e rejeições de cujos efei-

entropia da técnica e amplia o índice das materiais artísticos a toda e
tos ainda hoje se percebem
os ecos —, na promoção de uma grande vira- qualquer substância, qual o papel atual das matéria-primas tradicionais?
da,
em renovação intensa, compondo o estatuto
no qual agora nos encon- Estariam condenadas a ser deslocadas? O que essas tradições artísticas
tramos, o de franca consolidação.
produziram como experiência poderia servir ao artista e educador hoje?
Desde então liderança e responsável pela entrada da arte/educação A argila ficou em primeiro lugar, contemplando o desejo das crianças.
no âmbito acadêmico, Ana Mae Barbosa é referência indispensável. Me inspirava o livro Cerâmica viva de Nino Caruso, grande ceramista
Indiscutível o rigor
com que discute a história do ensino de arte no italiano. Posso dizer então que não pude ultrapassar essa primeira fase
Brasil, tarefa
que, de certa forma, traduz a preocupação em constituir do projeto, mesmo tendo saído da educação fundamental e encaminhado
esse lastro de referências amplas para a consolidação desse domínio.
essa instigante questão sobre os limites do barro para a pesquisa univer-
Esse resultadonão se dá apenas em sua própria produção teórica, mas sitária, quando então assumi essa particular projeção da cerâmica (me
nos grupos que apoia e reúne na promoção de núcleos de intensa atua- instiga sempre sua legião de amantes), apresentando o projeto Cerami-
ção, o que tem resultado
no fortalecimento continuo e reconhecimento caviva na UERJ em 1989. Sobre cada matéria se poderia realizar uma
gradativo do campo. pesquisa deste gênero, assim como fez Bachelard em suas inúmeras in-
vestidas filosófico-poéticas, pensando a pedra, o fogo, o ar, a água. Rea-
2. Segundo Bourdieu (2000), especialmente citado lizar
campos de produção simbólica, a presença de elementos
para a reflexão sobre a prática social nos
um mergulho em profundidade seguia então como modo exemplar
novos e sujeitos insurgentes prescreve a de devaneio através de meio plástico
luta constante entre os agentes na produção cultural. Como entre sua antropologia, sua his-

experiência pessoal que pode ser esten-


dida no campo profissional tória,
como dado histórico, vivi momentos de duras discussões
na universi- sua pedagogia, sua ecologia, sua geografia, para revelar aí sua in-
dade (2001-2003) quando se colocava em questão o
valor da arte/ educação como finita potencialidade expressiva.
campo de conhe-
cimento, por alguns considerada inadequada ao âmbito acadêmico entendida
e como realização
extra-artística. Elas derivavam de um parco entendimento do
campo educacional e de uma ânsia O projeto então assumiu novas configurações: 1) na montagem de
premente na atuação artística restrita e conservadora.
uma Oficina da
Terra,
espaço de atuação específico, um ateliê / laboratório
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 371

que pudesse abrigar nossas investidas plásticas, tratando de reunir equi- Designers, artistaspopulares e acadêmicos, educadores, terapeutas, cien-
pamentos, ferramentas e pessoal especializado e 2) na organização de tistas,
estivemos atentos a produções mais variadas ao percebermos que
uma biblioteca especializada, encontrada a difícil tarefa do material bi- a angulação de 360 graus era necessária. Essa atitude de entendimento
bliográfico especializado em nosso país. O subprojeto Mapa da Cerâmica da arte cerâmica a partir de uma perspectiva multicultural já está conso-
Fluminense teve início, quando pude então treinar
uma equipe de alunos lidada e amadurece nas intervenções de nossos pesquisadores-ceramistas.
pesquisadores para desenvolver as pesquisas de campo. A ideia de colher
Caminhamos no sentido de uma abertura ao movimento das insti-
dados sobre os ceramistas populares e observar sua produção, executar
tuições de arte que promovem o circuito contemporâneo-erudito, eviden-
uma etnografia desses agentes, visava à ampliação do conhecimento de ciando a preocupaçãode criar um diálogo com a produção artística atual
suas práticas. Além disso, criando estratégias para poder, eventualmente,
de modo abrangente. Desafio difícil. Enquanto permanecemos nos am-
aprofundar esse contato e seguidamente trazê-los para o laboratório.
bientes à margem do circuito, criava-se um relativo conforto no que diz
Construir a partir do desejo desses próprios sujeitos uma forma de en-
respeito ao entendimento das linguagens artísticas. Vivemos uma evidên-
tendimento da arte cerâmica de cunho popular, quebrando status único
o cia paradoxal: o que nos é alheio é o mais próximo. A dificuldade maior
do saber acadêmico. A cerâmica popular único, particula-
como espaço em meio a nosso público foi
(e ainda é
para muitos) atingir o elevado
ríssimo, onde se poderia
pensar a arte em termos abrangentes e em rea- índice conceitual exigido na apreciação da arte contemporânea.
lidades diversas.

Neste caso, torna-se visível o valor da relação pesquisa-extensão, pois


a presença dos artistas populares em nosso ateliê como professores, como
a de artistas vinculados à pesquisa de culturas tradicionais, assim
como as
pesquisas da equipe de extensão (professores / bolsistas) criam ambien-
um
te profícuo
para o amadurecimento e fortalecimento das trocas entre as
diferentes formas de arte cerâmica.
Os aspectos da criação artística foram se tornando mais fortes, graças
ao crescimento da comunidade de artistas que passou a frequentar nosso
ateliê/ laboratório. Temos hoje um grupo coeso de pesquisadores e artis-
tas plásticos que encontraram aqui, na UERJ, um espaço de dinamização
e valorização de seus projetos. Essa comunidade
requer maiores recursos:
ampliação do horário de funcionamento da oficina,
novos equipamentos,
orientação mais específica. Passamos a acompanhar a ousadia e esse de-
sejo no aprimoramento de seus trabalhos, traçando novas fronteiras no
que tange ao contato com a produção de arte contemporânea.
A cerâmica enquanto arte popular e/ou étnica (entre nós, uerjianos,
se destacavam os interesses por categorias bem amplas: a indígena, a
africana, a portuguesa e a japonesa) já se incorpora
como produção co- Figura 2
nhecida e prestigiada pelos alunos e pesquisadores
na universidade. Brincante. Aglomerados de argila líquida. Objeto Relacional (2003)
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES CULTURAS VISUAIS 373

Considero que um dos aspectos restritivos a essa aproximação


advém de uma visão estereotipada da cerâmica, que entende o pro-
cesso criativo apenas como produção de objetos decorativos (vasos e
estatuetas principalmente) e não atinge o cerne de uma visão propria-
mente artística. Desde o lidar com a massa, até a consecução
da forma
e a preparação de seu contexto, inúmeros caminhos deixam de ser
explorados.
Os procedimentos assim reduzidos deixam de ser entendidos como
produtores de sentido e passam a ser meios de obtenção de efeitos que
estão superficialmente adequados a um resultado final já planejado de
antemão. Para ampliar o escopo desse entendimento da cerâmica como
lugar de pesquisa e da experimentação plástica há que se alinhar a mo-
dos de intervenção: palestras, visitas guiadas a exposições, vídeos de
artistas, passeios virtuais pelas enciclopédias da arte, diálogo com ar-
tistas, entre outros caminhos, na promoção de uma mediação eficaz que
viabilize um olhar mais penetrante e um fazer consciente que permita
o trafegar nesse território. Força para saltar o fosso que separa a apre-
ciação leiga da acurada intervenção deste meio erudito. Figura 3

Por outro lado, exatamente na outra ponta desse eixo, mesclar a O Círculo da Terra. Aro de ferro como suporte e esfera de barro como instrumento de desenho (2009)

elevada
açãoreflexiva do campo erudito, constituindo um estado de
abertura e diálogo, com a arte popular que entre nós é vivamente presen-
te.3 Colocar diferentes sujeitos em diálogo é
uma sobre esses limites
ação Em 2005 subprojeto Cerâmica Contemporânea teve início voltan-
0

e a consciência do lugar que se ocupa nesses mundos da arte. Para o ar- do-se para a ampliação do Mapa da Cerâmica Fluminense, buscando
tista popular, sair da sujeição e ganhar visibilidade, para o acadêmico, envolver os artistas com repercussão no circuito de arte carioca. Este
flexibilizar seus índices estético-conceituais capazes de possibilitar a tão projeto realiza desde então o levantamento das produções artísticas con-
desejada abertura comunicativa com o público. temporâneas no Rio de Janeiro que exibam a utilização de materiais ce-
râmicos. O mapa se fazendo como um conjunto amplo no qual estejam
Segundo Sielsky (2007), barro hoje recupera sua ampla
a arte do
situadas diferentes categorias de produtores em arte, sejam eles ligados
significação, já explorados os limites entre técnica e processo, esta sendo
vista
como campo de exploração de conceitos plásticos, "para cada con-
às culturas tradicionais populares, aos setores mais eruditos ou aos que
ceito,
uma técnica ", não necessitando ser classificada quanto a sua função: ocupam as faixas intermediárias entre esses segmentos.
esboço, escultura ou cerâmica. A pesquisa trata da análise do conjunto geral dessas produções e do
modo como cada artista dá significado aos procedimentos que desenvol-
3.
Esse modo difere do caso do artista acadêmico que se apropria da cultura popular em seus ve. O sentido expresso é percebido como pertinente aos modelos de
rabalhos. construção formal, sejam eles inovadores ou não. O que implica compor
A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS
371, BARBOSA • CUNHA

dispostas a partir de da social, alimentar nossos desejos de artistas. Essa abertura para o pú-
um quadro onde essas áreas de significação estejam
blico tornou parte de uma
açãocomunicativa premente.
na trajetória que cada
se
suas injunções e/ou disjunções. Busca
detectar,

produtor constrói em suas relações com os materiais que utiliza, o caráter Além de atender a esse movimento intenso na criação de uma Ofi-
que a cerâmica assume na contemporaneidade artística brasileira. cina da Terra, realizamos parcerias com demais projetos acadêmicos de
diferentes áreas. O projeto de alfabetização de adultos, o ProAlfa, nosso
parceiro em várias intervenções educativas, assim como o ProAfro, atra-

vés do levantamento das influências africanas na cerâmica fluminense, o


Proíndio, em corrente pesquisa sobre arte artesanato, planos de escava-
e

ções,e oficinas com o Programa de Estudos da Pré-História, entre outros,


onde exploramos nossos limites do entendimento de uma matéria e dos
modos de estudá-la.
A filosofia de Bachelard (2000, 2001) foi uma forte influência para
esse movimento de composição multidisciplinar. A filosofia da imagina-
çãomaterial servindo como amálgama de concepções variadas sobre a
natureza dos corpos e das humanas sobre a matéria.
ações
Com efeito, a
imagem não deve ser estudada em fragmentos. Ela é precisa-
mente, um tema de totalidade. Requer a convergência das impressões mais

t; diversas, das impressões que vêm de vários sentidos. E com essa condição

que a imagem assume valores de sinceridade e seduz o ser em sua totali-


dade. (2001, p. 12)

exercício dos estudantes/pesquisadores/ artistas nessas parcerias,


O
enquanto dinamizadores de saberes entrelaçados, projeta sua atuação
além dos espaços do Instituto de Artes. Trata de dialogar com novas for-
Figura 4

Montagem da exposição Infinito de 1001 peças de cerâmica em suspensão.


& Totalidade. Instalação mas de compreender a cerâmica, o que ébastante enriquecedor. Enrique-
Galeria Gustavo Schnnor, Centro Cultural da UERJ (2008) ce também o universo do outro, sujeito da experiência, que vem entrar
em contato, quase sempre pela primeira vez, com seus próprios poderes
criadores. O encontro é vivificante nos dois sentidos. E interessante
notar que muitos projetos, cursos e eventos já contam conosco, de an-
A partir de 2006, passamos a explorar os espaços institucionais como
temão, o que denota o aprofundamento nessa relação e que aponta para
espaços de comunicação estética. Nossos frequentadores começam a expor
a continuidade desses contatos. A ideia central é formar um laboratório
e comercializar os trabalhos realizados na Oficina. Há uma demanda
transdisciplinar para a pesquisa em cerâmica.
política quanto à promoção de seus trabalhos e esse é outro desafio a se
cumprir periodicamente. Organizar mostras da produção da oficina e Não posso deixar de demarcar o início da disciplina acadêmica ele-
tiva universal Cerâmica, que abre currículo dos estudantes da univer-
uma deman-
fazê-la circular fora do âmbito desta universidade é cumprir o
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 377

sidade —
e não apenas aqueles das artes, mas de toda e qualquer área (é reunindo no campus UERJ Maracanã as obras de vários ceramistas e in-
universal) para os

saberes da terra enquanto ciência e arte. O principal centivando o diálogo entre eles e com o público universitário.
argumento em favor de sua criação foi a notada ausência de referências O projeto Terra Doce, desenvolvido a partir de 2008, se deriva da-
às produções em cerâmica nos livros de História da Arte, uma lacuna quele, explorando a comunidade vizinha da Mangueira como potencial
de docentes e
que a disciplina tenta eliminar com a produção teórica campo de pesquisa-ação para a
arte pública engajada, onde estes mesmos
alunos.
artistas e artesãos pudessem estar desenvolvendo açõeseducativas e
Para os integrantes da equipe de extensão coordenação e bolsistas

entrando em comunicação com um público leigo. A formação do coletivo
se colocam como pesquisadores e produtores de
arte, e não como Círculo da Terra, reunindo mulheres artistas da UERJ e da Mangueira, se

que
labora-
mero instrutores ou transmissores de conhecimento, a prática no consolida e firma, no espaço laboral da Oficina, um encontro entre artis-
tório está profundamente marcada pelo ato de compartilhar. A troca, que tas na discussão sobre as vidas pessoais, os sonhos da arte e as experiên-

sempre ocorre, é dialógico-reversiva, em duplo


sentido, pois o olhar ino- cias plásticas com a cerâmica.
cente sobre a cerâmica costuma revelar novas possibilidades também para
A pesquisa pretende contribuir para o atendimento dessa exigência:
os mais experientes. Vivenciamos o conhecimento e o compartilhamos.
a formação de futuros arte/educadores capazes de lidar com a indisso-
Na verdade, estamos construindo uma comunidade, na medida em que ciabilidade entre prazer estético e qualidade de vida, entre conhecimento
mais e mais pessoas se aglutinam em torno desse projeto. acadêmico e experiência de vida, e capazes de gerar novos enlaces com
O espaço de criação que o laboratório hoje oferece se faz, mais do educativa em comunidade
a pesquisa científica e o saber artístico. A ação

nunca, um território a ser mantido e cuidado na UERJ. É a


defesa do vizinha permitindo uma formação mais completa, ampliando as expe-
privilégio da pesquisa artística com vistas à sua democratização. Éo lugar riências em educação para além do sistema formal de ensino.
da pesquisa e da troca: arte, ciência e comunicação. Os saberes da cerâ-
um projeto de arte voltado para a constituição de um
Trata-se de elo

mica não se esgotam. Ainda que nossa postura seja a de preservar certos (enlace estético/afetual) entre o campus e a favela, comunidades fisica-
saberes aqui nos referimos aos conhecimentos da cerâmica nas socie-

mente tão próximas mas socialmente tão distantes: um projeto de pesqui-
dades tradicionais em certos aspectos então uma ação bastante con- produção
que visa dar subsídios para uma nova dinâmica da
sa-ação

servadora, enfim, também nos projetamos para o futuro, traçando novos artística de
da comunidade da
mulheres Mangueira
e um novo percurso
de outras instigan-
percursos na pesquisa e prática artística, na promoção reflexivo na vida acadêmica de nossa universidade. Não se propõe como
tes formas de se fazer arte. O objetivo maior é nos humanizar nessa investigativa apesar de contar também com
açãointervencionista outrabalho

transformação da matéria inerte em uma matéria vivente, vivificante essas vertentes em seu de composição —, mas de criar um espa-
(Beauvais, 2001). Reinventar o ofício de pensar a terra como espaço pri-
ço comum, um campo de trocas para a "partilha do
sensível" como
pro-
mordial, recriar a arte de trabalhar o barro como o sensível lugar de origem posição aproximada do sugeriu Ranciêre (2005).
que
da vida. A introdução de práticas criadoras em cerâmica, nesse sentido, sur-
Entre as últimas realizações, destaco ainda o projeto Biodiversidade ge como veículo para a ação educativa em arte em âmbitos mais abran-
e Diversidade Cultural, que promoveu a partir de 2007 uma
parceria
gentes, envolvendo questões sociais, ambientais, familiares e pessoais.
profícua com a equipe de educadores ambientais vinculados ao Programa Acreditando na troca dialógica como princípio educativo, embebidos nas
de Pós-graduação em Meio Ambiente. Realizamos uma Mostra de Cerâ- base nas propostas de freirianas, buscando estruturar a efetivação de um
mica Fluminense em 2008 a partir deste trabalho de pesquisa conjunta, espaço sensível de produção de conhecimento e
cultura,
apostamos na
A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO ARTES CULTURAS VISUAIS 379
BARBOSA • CUNHA

Revelo aqui o trecho do


projeto apresentado à Faperj e em parte
introdução de certos procedimentos artísticos em cerâmica como dispo-
discutido entre pares no último encontroAnpap, obtendo apoio financei-
sitivo para a aproximação e o entrosamento capazes de deflagrar entu-
siasmo pelos próprios poderes criativos de suas participantes. ro e se realizando plenamente em nosso laboratório:

O trabalho educativo baseia-se na Metodologia Triangular de ensino de


arte gerando desde as fases iniciais a articulação entre criação, reflexão e
O Instituto Artes e o Projeto Ceramkavi-v•a convaam a

Dessas primeiras experiências com a terra nasce Lembran-


fruição estética, destacando seus aspectos fundamentais. O aprofunda-
corp@artebbor cinhas, obra configurada como veio de arte relacional, onde
mento nas práticas com a cerâmica aponta para o grau de especificidade
o público também é envolvido no processo de criação de
uma onda verde —
são sementes, mudas, vasos com flores que se pretende dar no trato da cerâmica enquanto meio expressivo e
que promovem uma semeadura que acompanha, em sua laboral, explorando a plasticidade da argila como recurso pedagógico,
feitura, o
ritmo do outono. Colher as sementes no campus aprofundando a relação histórica potente
maracanã foi experiência única na vivência de muitos anos .comlastro cultural universal)
de universidade, onde os pequenosjardins mal eram vistos, eequilibrando-a com sua capacidade de servir à metamorfose criativa,
muito menos tocados. A busca do verde na Mangueira, ampliando a individualização imaginante do sujeito, como diria Bachelard.
FESTA ENCERRAMENTO
DE
a poucas árvores e vasos domésticos, resultou
25 de setembro de 2009 18h
reduzido (Frade, 2008)
das artistas
numa alegria intensa. Muitas receitas de remédios caseiros,
da de doces e de artes mágicas foram aparecendo nesse pro-
LEMBRARCiNHAS Explorando espaços cada vez mais amplos, no jogo da triangulação
cesso. A abertura da exposição é o momento onde a obra
ganha vida, na troca econômico-afetiva, pois a ideia é gerar entre ângulos cada vez mais agudos, continuamos o trabalho de pesqui-
renda para a comunidade, fazer com
que arte também sa plástica, crítica e contextual, examinamos formas de entendimento dos
possa ser provento.
espaços sociais reservados à arte. A cerâmica se revelando, em cada um
Figura 5
desses desdobramentos aqui sucintamente descritos, matéria capaz de
Cartaz da exposição Corpoartelabor com texto parcial da obra Lembrancinhas,
congregar um pensamento denso e de estabelecer, como preconiza Rizzi
produção do Círculo da Terra (2009)
(2008),
uma configuração complexa do ensino de arte. Uma matéria capaz
de dar pleno suporte a esse universo amplo de experimentações.

Os fundamentos político-sociais da pesquisa sob a metodologia da Sabemos como começamos um programa de ensino de arte, mas não temos
pesquisa-ação em educação artística referem-se, em especial, à necessi- certeza como o finalizaremos, pois, ao longo do processo ocorre um fluxo

dade de superar um modelo de conhecimento fundamentado na separa- de escolhas, de interferências e retrointerferências que alimentam e desafiam

saber científico e o saber artístico, entre teoria e a prática,


todos os elementos envolvidos no processo. (Rizzi, 2008, p. 346)
çãoentre o a

entre arte e artesanato, entre o conhecer e o agir, entre a neutralidade e a


intencionalidade, entre cultura acadêmica e cultura popular. Tendo a Entre espaços acadêmicos, nas galerias de arte, nas praças públi-
os

cultural, cas, nos terreiros das olarias, nos estúdios de artistas, nas ruelas da fave-
cerâmica grande especialmente fortes nas
lastro e abrangência
la, nos congressos de educação e arte, vamos apresentando esses exercícios
culturas populares, é com ela que prosseguimos, abrindo espaço para o
práticos e discutindo nossas pesquisas teóricas. Há ainda muito que ex-
entrosamento e articulação com as demais formas de arte, estas se refe-
plorar e refletir. O mais importante a notar, na finalização deste texto, é a
rindo às próprias práticas estéticas que vão sendo reconhecidas pela
pesquisa de campo e potencializadas na / educadores envol- dinâmica vivificada por uma metodologia aberta que libera
um espaço
açãodos arte de
vidos no projeto. açãoeducativa multidimensional.
380 BARBOSA • CUNHA 381

Referências bibliográficas

BACHELARD, G. A terra e os devaneios da vontade. São Paulo: Martins Fontes,


2001.

A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

BARBOSA, A. M. A imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva, 1994.

Tópicos utópicos. Belo Horizonte,


8
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BEAUVAIS, M. Magie de L'Argile. Paris: Flammarion, 2001. O ENSINO DA ARTE NO CIBERESPAÇO:A PROPOSTA
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METODOLÓGICA
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CARUSO, N. Cerâmica viva. Milano: Hoelpi Editore, 1982.

FRADE, I. Terra doce. Projeto apresentado à Faperj no edital 2008 de apoio às


artes. Parcialmente publicado. In: BRANQUINHO, F. Arte, educação e Sheila Maria Campello

projeto ambiental. Anais Anpap, Salvador: UFBA, 2007.

RANCIÊRE, J. A partilha do sensível. São Paulo: Editora 34, 2005.

RIZZI, M. C.
Reflexões sobre a Abordagem Triangular no Ensino de Arte. In: A proposta de elaborar este artigo veio no momento em que me
BARBOSA, A. M. (Org.). Ensino da Arte: memória e história. São Paulo: Perspec-
encontro mergulhada na tarefa de organizar informações armazenadas
tiva, 2008.
ao longo dos últimos seis anos em que tem sido oferecido o curso Arte-
SIELSKY, I. O barro na arte: uma questão de limites. Anais Anpap. Florianópolis: duca: Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas para fundamentar
Edusc, 2007.
minha pesquisa de doutorado em Artes, desenvolvida com o objetivo
1

SMITHSON, R. Uma sedimentação da mente: projetos de terra. In: FERREIRA, de fundamentar a proposição de uma abordagem teórico-metodológi-
G.; COTRIM, C. Escritos de artistas anos 60/70. Rio de Janeiro: Zahar editor, 2006. ca a ser aplicada ao ensino da arte no ciberespaço, considerando suas
especificidades. Vou iniciá-lo contando, em rápidas palavras, o éo que
Arteduca como sua história começou. Em seguida, apresentarei os
e
fundamentos da nossa proposta metodológica, detalhando como a
Abordagem Triangular tem sido utilizada e, por fim, serão inseridos
alguns recortes de nossos fóruns, para que sejam compreendidas as
estratégias de desenvolvimento das três açõesprevistas na Abordagem
Triangular.

1. Pesquisa intitulada Cibereducação em Arte: a proposta do curso Arteduca, desenvolvida


junto ao programa de pós-graduação do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (IdA/UnB),
sob orientação de Suzete Venturelli.
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 383

0 que é o Arteduca? Um pouco de história e de números ocasião, direcionei meus estudos para a elaboração de um projeto desti-
nado à formação continuada de professores a ser oferecida por meio de
Trata-se de
uma especialização oferecida pelo Programa de Pós-gra-
uma proposta de aprendizagem construcionista, desenvolvida em um
duação em Artes da Universidade de Brasília, por meio do Grupo ambiente de aprendizagem digital amigável, com o objetivo de buscar
Arteduca,2 com o objetivo de promover a formação de professores para percorrida
uma trilha epistemológica que pudesse ser posteriormente
a realização de estudos e pesquisas em arte/educação e
para o planeja- juntamente com grupos de professores matriculados no curso. Nesse
mento e implementação de projetos de aprendizagem relacionados com
processo, buscaríamos agregar conhecimentos relacionados à educação
a arte e a cultura, no contexto escolar. em arte e à utilização das tecnologias contemporâneas (ou tecnologias da
Os estudos práticas no curso são efetivados por meio de estra tégias
e informação e comunicação TIC) na educação.—

de educação a distância,3 desenvolvidas no ambiente virtual de aprendi-


Ao propor a retomada dessa trilha de estudos, tenho a pretensão de
zagem (AVA) do Grupo Arteduca, fundamentados na autoaprendizagem, concretizar um projeto a ser coconstruído com professores de Artes Visu-
em trabalhos colaborativos e na articulação dos estudos realizados no ais que poderá envolver as demais disciplinas em uma espiral, cujo vór-
curso com a prática profissional dos próprios professores matriculados tice assenta-se na arte e na cultura. Ao desencadear esse processo de
no curso. proposição e implantação de projetos de aprendizagem nas escolas, re-
O curso é desenvolvido em três etapas. A primeira integra seu pro- sul tante da movimentação dessa espiral, espero alcançar outro importan-
cesso seletivo e deve preparar os estudantes para a realização de estudos te objetivo: demonstrar
que a arte educa e, ao contrário do que a comuni-
no ciberespaço; a segunda é referente aos estudos específicos, relacionados dade escolar habituou-se a acreditar, ela possui um corpo de
com a arte/educação, e a terceira visa fundamentar o trabalho de plane- conhecimentos próprios, por meio dos quais podemos formar cidadãos
jamento e aplicação dos projetos de aprendizagem no contexto escolar. capazes de produzir e de usufruir de bens culturais relevantes para a vida
Nesta última etapa, sob orientação de professores, enquanto aplicam em sociedade.
Tal pretensão
nos levou a considerar a possibilidade de
o
projeto nas escolas, os estudantes realizam avaliações processuais ampliar nosso público, oferecendo oportunidade de participação a pro-
nos
projetos e redigem suas monografias.4 fessores de todas as áreas de conhecimento, alcançando um segmento
O projeto do curso Arteduca foi idealizado com base em pesquisas importante para fundamentar os projetos transdisciplinares ou interdis-
ciplinares que nossos estudantes poderão propor em suas escolas. Es-
6
realizadas no mestrado em Arte, sob orientação de Suzete Venturelli.5 Na
peramos conseguir, com essa ampliação de público, importantes aliados
2. O Grupo Arteduca,
inicialmente denominado Grupo de Apoio a Projetos
em Educação a para nosso projeto.
Distância (Gapedia), é vinculado à linha de pesquisa Arte e Tecnologia e foi criado
com o objetivo
de implantar a educação a distância
no IdA, tendo como missão prestar apoio aos professores inte-
A primeira edição do curso, intitulada Formação de Tutores para o
ressados no planejamento e oferta de cursos e
disciplinas por meio dessa modalidade de ensino. Curso Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas, foi oferecida em
Coordenado por Suzete Venturelli e por mim, o Grupo dispõe de um portal, em http://arteduca.
unb.br, no qual poderão ser obtidas mais informações.
3. Optei Não cabe aqui detalhar esses conceitos, mas vale a pena tentar diferenciá-los, ainda que de
6.
por adotar o termo "cibereducaçâo em arte" para me referir ao ensino da arte no cibe-
maneira bem simplificada. Na transdisciplinaridade, podemos dizer que as articulações entre dife-
respaço por considerar que o termo educação a distância (EAD), comumente empregado, não
ex- rentes disciplinas geram um novo campo disciplinar de conhecimentos abarcando conhecimentos
pressa adequadamente o que deve ocorrer nos ambientes virtuais de aprendizagem.
relativos às áreas envolvidas. NO caso da interdisciplinaridade, levam-se em consideração os pres-
4. O programa pode ser consultado em: <http://www.arteduca.unb.br/cursos/arteduca/>. supostos de diferentes disciplinas, mas cada uma delas preserva suas características, contribuindo
5. Ver Campello (2001).
para a construção do projeto sem, entretanto, gerar o surgimento de nova proposta disciplinar.
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES E CULTURAS VISUAIS
384 385

de tutores para agora nos concentrar na apresentação da proposta teórico-metodológica


2004,como um projeto piloto e visando formar um corpo
atuar em nossas próximas ofertas.7 Ao
final dessa edição o
curso havia aplicada ao curso Arteduca.
incorporado o apelido Arteduca, adquirido nas interações com os estu-
dantes, e Suzete e eu havíamos conquistado parceiros importantes para
nosso projeto: o corpo de tutores selecionado para integrar
a equipe do
A definição
da metodologia aplicada ao curso
Rocha.
Grupo ArteducaS e nossa coordenadora pedagógica, Adriana Conde Para definição da metodologia que fundamenta o Arteduca10 foram
profes-
Ao longo das quatro primeiras edições inscreveram-se 1482 realizados estudos a respeito das principais abordagens metodológicas
diversas áreas de
sores, de todos os estados do Brasil e que atuam em aplicadas ao ensino e aprendizagem das Artes Visuais
673. Até no Brasil, buscan-
conhecimento. Dentre eles foram selecionados e matriculados do identificar suas relações
faz com as diversas tendências pedagógicas da
2008 haviam concluído a formação 533 professores. A diferença, que educação escolar, a fim de verificar sua origem e melhor compreendê-las.
cair pela metade o número de matrículas, se deve ao fato do processo
Para atender às especificidades do ambiente no qual o curso seria ofere-
participação
seletivo para ingresso no curso se completar por meio da cido, foram realizados estudos sobre as teorias
forma de sele- que fundamentam a edu-
com sucesso nos dois módulos iniciais. A opção por essa caçãoa distância e o uso da informática na educação.
candidatos que se inte-
çãofoi feita para evitar que sejam matriculados relação educação Como foi dito anteriormente, além de fundamentarem a metodologia
ressem pelo curso com ideias equivocadas em à a
aplicada ao curso, esses estudos resultaram em um relato histórico
de ensino um que
distância, acreditando
que encontrarão nessa modalidade
passou a integrar seu próprio programa, de maneira a proporcionar sub-
meio fácil de conseguir um certificado, sem realizar os estudos com a sídios para que os estudantes reflitam a respeito de suas práticas docen-
devida seriedade. tes, busquem
articulações com as abordagens estudadas e iniciem um
importante mencionar neste breve histórico que, com base na ex-
E de sistematização de suas próprias propostas metodológicas.
processo
periência do curso Arteduca, e em parceria com professores de outras Dessa forma, suas experiências prévias são consideradas e, de forma
universidades públicas, foram elaborados os projetos de Licenciaturas consciente, relacionadas com os estudos sobre a epistemologia do Ensino
Teatro, que estão sendo oferecidos
em Artes Visuais, em Música e em da Arte.
Brasil (UAB).
pelos programas Pró-licenciatura e Universidade Aberta do Sobre o assunto, é interessante dar voz aos próprios
que estudantes,
Mas isso outra história,
é não será abordada neste artig09. Devemos
que semanifestaram em comunicações ocorridas nos fóruns, como na men-
o apoio administrativo do
sagem transcrita abaixo:
7. Para oferta das duas primeiras edições do curso contávamos com
pela Secretaria de Educação
Centro de Educação aDistância (CEAD/UnB) e com a disponibilização,
a Distância do Ministério da Educação (SEED /MEC), do ambiente
virtual de aprendizagem e-proin- Aprovei a metodologia porque me dava a
sensação de que o meu aprendi-
fo, disponível
em: <http://eproinfo.mec.gov.br/>. A partir de 2006 0 curso passou a integrar os zado anterior era valorizado e que tudo o que já havia vivenciado na prá-
de Pós-graduação Arte do Instituto de Artes. Atualmente está em anda- tica educativa e na minha vida pessoal me serviram
projetos do Programa em
desenvolvido pela equipe do Grupo Arteduca, como uma preparação
mento a quinta edição do curso, oferecida no AVA
<http://arteduca.unb.br/ava>.
tendo como suporte a plataforma MOODLE e disponível em:
8. Na edição atual do tutores: Adriana Conde Rocha, Antônio Biancho sadores em Arte, em 2007.
curso contamos com os
Filho, Márcia Rolim Pellisari e Teresa Kátia Alves de Albuquerque. O restante da equipe poderá ser 10. Para
saber mais a respeito da metodologia aplicada ao Arteduca, ver "Arte/ educação em
rede: a proposta do
curso Arteduca
In: Venturelli, S.
conhecido em: <www.arteduca.unb.br/equipe>. Arte e tecnologia, interseçõesentre arte e pesquisas
a distância no Instituto de Artes da tecno-científicas.
Brasília: Pós-graduação em Arte do Instituto de Artes da Universidade de Brasília,
9. Sobre o assunto
ver artigo Licenciatura em Artes Visuais
Universidade de Brasília, publicado nos anais do 160 Encontro Nacional da Associação dos Pesqui-
2007.
CUNIIA A AR NO ENSINO DAS ARIES [
CULTURAS VISUAIS
386
BARBOSA •

minhas atividades presen- mação. Ao percorrermos a mesma trilha epistemológica na companhia


para este curso e para um salto de qualidade nas
tes e futuras na arte/educaçâo.
dos estudantes, a cada edição do curso temos a oportunidade de depura i'
ideias e convicções e de reformular conceitos e procedimen tos, ad mi lindo
No que se refere aos estudos relativos à
arte, as bases conceituais da detectadas qualquer tempo. Como postulam Maturana e
correções a

proposta metodológica aplicada ao curso poderão ser encontradas nos Varela, estaremos nos reconstruindo, na companhia dos alunos, a cada
quais são agregadas propo-
pressupostos da Abordagem Triangular, aos edição do curso (Campello, 2007b).
previstas por
sições de outros teóricos para concretização das três ações Como resultado dessas reavaliações processuais, a proposta inicial
abordagem foi
sua sistematizadora, Ana Mae Barbosa. A opção por essa do curso, que previa a oferta de um projeto de extensão a ser realizado
feita não somente pela coerência de seus pressupostos com outras teorias em 480 horas de estudos, com duração de 10 meses, foi transformada em
trabalho, como também por oferecer uma boa
que fundamentam nosso uma especialização, com carga horária de 640 horas, distribuídas em 15
dos
bibliografia em português, que poderá apoiar os estudos e a prática meses. E a edição 2010/2011 certamente não terá esse mesmo formato,
comparativa entre seus pressu-
nossos estudantes. Ademais, uma análise Entre os pressupostos construcionistas, destacamos em nossa metodolo-
teórico-meto-
postos que atualmente fundamentam as abordagens
e os gia o princípio da equilibração da aprendizagem, proposto por Jean
leva a
dológicas aplicadas à educação no Brasil e em outros países nos
concluir que existem diversos pontos de convergência. Se analisarmos as senvolvimento proximal, definido por Lev Vygotsky e a proposta de edu-
vários pontos de contato dialógica de Paulo Freire (Campello, 2001).12
proposições construcionistas, encontraremos
influenciadas, em
cação
com a abordagem triangular, tendo em vista que foram Para complementar a apresentação dos pressupostos que integram
diversos aspectos, pelos mesmos teóricos. Podemos citar de forma espe- nossa proposta metodológica devem ser mencionados alguns conceitos
cial: Dewey e Paulo Freire (Campello, 2007b). extremamente relevantes: a matriz Ilumanizante, a interação, a colaboraçãoe

Conversaremos sobre Abordagem Triangular mais adiante, após a


a a atitonomia na aprendizagem.

apresentação do referencial teórico utilizado para adequar nossa propos- A 111atriz humanizante é o princípio que faz brotar o ambiente harmo-
ta metodológica às características do ciberespaço, que pode ser encontra- nioso, propício à aprendizagem no ciberespaço, despertando a motivaçà()
professores para o uso
do no construcionis1110, adotado em formações de para viabilizar interações pautadas em atitudes de colaboração, de tole-
da informática educação, e na teoria autopoiética, de Humberto Matu-
na
rância e respeito pelo outro, considerando
sempre suas características e
rana e Francisco Varela (2001). limitações.
Ao propor essa teoria, Maturana e Varela reconhecem a natureza Segundo Mónica Luque,13 na educação a distância os estudantes têm
Rolf Behncke (1995)11 a tendência a seguir modelos de comportamento baseados nas atitudes
circular do conhecimento humano, fenômeno que
chama de tautologia cognoscitiva, por expressar um domínio do conhe- dos tutores, sendo recomendável, portanto, a adoção de posturas capazes
de gerar um ambiente positivo para a aprendizagem. Ao mediar interaçóes
cimento no qual o conteúdo é o próprio conhecimento. Com base nesse
conceito, admitimos que, ao propor uma formação para educadores,
deverá ser objeto de estudos o próprio conhecimento e as formas como
12. Para aprofundar estudos sobre oconstrucionismo, ver obras da Série Estudos da SF,EI j/
IMEC, em especial os volumes de autoria de Maria Elizabeth de Almeida (2000).
eles
sãoconstruídos, seja, seus processos de aquisição e de transfor-
ou 13.Em palestra proferida no encontro presencial realizado em Miami, EUA, para encerra nu•nto
do curso "Calidad de la Educación Básica", oferecido pelo Instituto de Estudos Avançados para
Américas, da Organização dos Estados Americanos (Ineam/OEA).
II. Ver introdução da Obra de Maturana e Varela (1995).
388 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM 'IRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 389

no AVA, abordamos o tema, propondo que todos os participantes do equipe. As interações, viabilizadas por meio dos fóruns murais, são as
curso se preocupem em agir em conformidade com esses preceitos. Pro- formas mais utilizadas para gerar o ambiente da turma. É preciso
que o
curamos sempre lembrar que, apesar de as interações serem viabilizadas estudante se perceba imerso nesse ambiente, para que se integre à turma.
por meio de uma máquina, do outro lado existe um ser humano, sujeito E esse espaço nada mais é do
que o resultante do diálogo gerado no AVA,
a acertos e como qualquer um de nós.
erros em cada um dos fóruns criados. E na interação, na palavra registrada
Buscamos basear nossa matriz humanizante no diálogo amoroso e pelos participantes, que surge a turma. Ao realizarem atividades colabo-
contextualizado proposto por Paulo Freire. Suas palavras expressam rativas, os estudantes se aproximam, criam vínculos e
tornam o ambien-
muito bem a ideia que gostaríamos de transmitir aos participantes do te propício à aprendizagem. Se não podemos arrastar as carteiras da sala

curso, com o objetivo de gerar essa matriz. Não custa transcrever algumas de aula para realizarmos os trabalhos em grupo, é nos fóruns de debates
delas,
para deixar registrada essa marca: das equipes, por meio do trabalho colaborativo,
que provocaremos o
"barulho" que faz surgir a turma. O diálogo deve ser permanentemente
Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é
possível o diálogo. Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade.
alimentado por meio do uso das ferramentas disponíveis no ambiente,

A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, especialmente por meio dos fóruns de discussão e, em algumas situações,
não pode ser um ato arrogante. O diálogo, como encontro dos homens para dos chats. Dependendo da maneira como esses diálogos são alimentados,
a tarefa
comum de saber agir, se rompe, se seus polos (ou um deles) perdem poderemos encontrar formas de expressar sentimentos, de maneira a
a humildade. Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo superar limitações decorrentes do distanciamento físico. O depoimento
sempre no outro, nunca em mim? Como posso dialogar, se me admito como abaixo, feito por
uma estudante, demonstra a importância da matriz
homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros "isto", em humanizante e dessas interações ocorridas nos AVA.
quem não reconheço outros eu? (Freire, 1987, p. 80)
O virtual me permitiu várias emoções, como choro, indignação, afeto e vou
Esse discurso tem sido compreendido pelos estudantes, gerando bons mais além, até o calor humano se fez presente. Se eu chegasse mais perto
resultados, como o depoimento abaixo: da telinha, poderia sentir a respiração da Leci, da Sheila e do Reginaldo.
comprova
Creio que um curso do porte deste não pode simplesmente ser definido
O buscar, o agir, o
refletir, construir e
desconstruir, ressignificar, todas essas
como um curso a Distância, no conceito antigo da palavra. E é essa virtua-
a fazer
parte de cada atitude, virou "mania", por assim
açõespassaram lidade humanizada
ou humanizante que me permitiu sonhar, acreditar,
dizer, qualquer situação
em que me encontrasse em dificuldade, além de mudar, chorar tantas vezes e me posicionar como sujeito da minha própria
aumentar minha tolerância com relação ao tempo de assimilação e apren- trajetória. Já estou emocionada de novo. E, o
curso tem disso, ele
mexe com
dizagem do outro. Esse tipo de aprendizagem nos faz acreditar mais no
a gente. Volto depois. Beijos.14
nosso potencial e a correr atrás dos nossos objetivos, tanto como educador
como na nossa vida pessoal. Por fim, devemos destacar a necessidade da busca da aquisição da
autonomia na aprendizagem por parte dos participantes, pois, embora não
Igualmente relevantes são os conceitos de interação e colaboração,

também presentes na teoria autopoiética e nas abordagens construcionis- possamos prescindir da atuação dos tutores na mediação da aprendizagem
tas. Sem eles, não há possibilidade de formação de turma, como as que
14.
Depoimento feito a Adriana Conde Rocha, em pesquisa de mestrado intitulada A constrilção
encontramos nas salas de aula presenciais. Para que a turma exista, é da filitononlia na aprendizagem: a visão de estildanfes e tutores de clirso on-line, realizada na Universidade
necessário criar espaços para realização de debates e de trabalhos em Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2008.
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGUIAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS 391
390

dos estudantes, devemos buscar meios de conscientizá-los da importân- É por meio da contextualização que o estudante estabelece relações
de da obra com as ideias de seu autor e com contexto sócio-histórico-cultural
cia de tornarem-se cada vez mais autônomos, para que sejam capazes
aplicar os conhecimentos adquiridos no curso e em outros contextos ao em que foi produzida. Tais relações proporcionam meios para que possam
ser encadeadas as demais ações, permitindo que sejam dados os primei-
longo de suas trajetórias.
ros passos para a realização de leituras das obras e proporcionando con-
dições de interpretações, que irão ampliando o repertório do estudante
em arte: a aplicação da Abordagem em relação à obra e, também, ao próprio contexto sócio-histórico-cultural
0 desafio do ateliê na cibereducação
analisado.
Triangular
O fazer refere-se ao trabalho de ateliê, o trabalho de criação visual.
O desafio da produção artística na cibereducação em arte tem sido Consiste na aplicação prática da teoria, responsável,
como bem afirmou
atividades práticas
enfrentado no Arteduca por meio da proposição de Eisner,pela internalização e automaticidade do conhecimento e conse-
previstas na Abordagem Triangular. A Abordagem
baseadas nas
ações necessárias ao ensino da arte: a contextualiza-
quente liberação da imaginação para inovações. O domínio da técnica e
Triangular define três ações das qualidades expressivas dos ma teriais, o conhecimento internalizado
ção, a leitura da obra ou do campo de sentido da Arte e o fazer.Apresentaremos, por meio de tais domínios proporcionam aos estudantes a liberdade de
dessas seguida, rela-
portanto, nossa compreensãoa respeito ações eme,
criação fundamental à educação em arte. Esta açãoconsiste no grande
tarei como elas têm sido propostas ao longo do curso. desafio enfrentado pelo Ensino da Arte no ciberespaço. Mais adiante
dita
Por discordar da disciplinarização, presente na proposta pós-mo- analisaremos algumas propostas de exercícios realizados no curso Arte-
derna norte-americana da década de 1980, o DBAE, Ana Mae Barbosa
duca, para viabilizar a produção artística.
quais
altera o espectro da experiência ao designar ações entre as a con-
A leitura de obras de arte
completa a triangulação. Ao propor ênfase
histórico,
textualização, possibilidades de integrações com o contexto na
leitura
como interpretação cultural, Ana Mae assume a influência da
social, psicológico, antropológico, geográfico, ecológico, biológico
etc.,
abordagem pedagógica desenvolvida por Paulo Freire e justifica sua
"associando-se o pensamento não apenas a uma disciplina, mas a um opção ao destacar a importância da leitura de imagens, vinculada às ne-
(Barbosa, 1998, p. 37).
vasto conjunto de saberes disciplinares ou não" cessidades de valorização da educação para uma leitura, também, visual,
que consiste em parte da
possibilida- leitura de mundo proposta
A contextualização, segundo Ana Mae Barbosa, amplia as por Freire. E exem-
des de implementação da interdisciplinaridade em função das conexões
plifica: "Num país onde os políticos ganham eleições através da televisão,
operacionalmente conatural à linguagem hiper- a alfabetizaçãopara a leitura é fundamental e a leitura da imagem artís-
que estabelece, pois é
tica, humanizadora" (Barbosa, 1998, p. 35).
textual. Ela encontra, portanto, no ciberespaço terreno propício para se
concretizar e para transformar a tecnologia de mero princípio operativo Ao propor essa ação, devemos considerar que nossa época tende a
em um modo de participação e de interação. A Web proporciona, sem tratar o conceito do belo com cautela e a adotar diversas formas de lei-
dúvida, excelentes condições de realização de
contextualizações, ao
pro- turas interpretativas das obras. Consideramos o belo como uma quali-

porcionar vasto campo de pesquisa para sua fundamentação. Nesse dade de certos objetos singulares que nos são dados à percepção. Não
sentido, contextualização e EAD podem se articular e, se os tutores sou- existe a ideia de um único valor estético a partir do qual julgamos as
obras. Cada objeto estabelece seu estilo de beleza, próprio de seu mundo
berem tirar proveito dessa condição, ótimos resultados para promover
singular
aprendizagens poderão ser obtidos. que, segundo Dufrenne (1998), nãoé subjetivo. A subjetividade
392 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS

em relação ao objeto precisa estar mais interessada em conhecer, entre- As diversas formas de abordagens interpretativas, isto é, as diferen tes
tes.

gando-se às particularidades de cada objeto, do que em preferir. Assim, leituraspossíveis, devem ser bem compreendidas pelo tutor, para que ele
é preciso desenvolver a capacidade de julgamento sem preconceitos, para possa proporcionar aos estudantes distintas opções de vivenciar as expe-
que seja procedida uma leitura
estética das obras de arte. Cabe
à Estéti- riências estéticas. E importante observar, ao longo do processo, como a
ca a missão de retirar das experiências estéticas singulares as conclusões visão dos participantes, acerca das diferentes formas de interpretação, vai
teóricas universais e propor conceitos arte. Ao professor, cabe o sendo alterada aos poucos. O processo de leitura é, portanto, enriquecedor
para a
papel de mediar as experiências estéticas vivenciadas pelos estudantes, para todos os participantes da experiência estética, por proporcionar
de forma a lhes proporcionar condições de desenvolvimento de senso condições para que compreendam como realizar leituras e contextualiza-
crítico,
com base em conhecimentos internalizados por meio da articula- ções.Ao estudar o conteúdo referente à Abordagem Triangular os estu-
dantes percebem a importância da realização das três ações. Ao realizar
çãoentre tais conceitos e a prática. Nesse sentido, as três ações propostas
pela Abordagem Triangular podem se tornar importantes meios para as atividades eles compreendem como devem fazer isso.
fornecer subsídios para desencadear esse são dados que o deve ter em mente ao proporcionar con-
processo desejado. O caráter Estes tutor
filosófico da estética, que analisa de forma abrangente as experiências, dições para que os estudantes vivenciem suas próprias experiências es-
se completa ao consolidar teorias filosóficas que as abarquem. Tais teorias, téticas, sem, entretanto, mais uma vez reforçamos, tentar impor suas
entretanto, não devem, jamais, ser impostas aos estudantes sob a forma próprias vivências estéticas que, sem dúvida devem ser amplas, a fim de
de regras prontas, sob pena de tornar-se um mero processo reprodutivo de que seja capaz, como afirma Ana Mae, de discriminar entre opções,
ele

ideias preconcebidas, ou seja, o caráter especulativo da estética não deve tomar decisões e emitir juízos de valor, orientar para descobertas, mas
ser confundido com o caráter programático e operativo da poética. Dessa não devem impedir a construção do conhecimento próprio do aluno.
forma, o aluno não deve ser reduzido a um mero receptáculo de infor- Antes de finalizar este tópico de apresentação da nossa compreensão
mações "repassadas" pelo professor. É necessário que o professor tome sobre a Abordagem Triangular, considero importante apresentar algumas
consciência desta distinção, ao mediar experiências vivenciadas pelos ressalvas percebidas no discurso de Ana Mae Barbosa. A primeira diz
estudantes. Ademais, é necessário considerar
que, por ser próprio da respeito ao uso do termo apreciação, na proposição da de leitura da
ação
filosofia estar sempre se renovando com base em novas formulações, as obra de arte. Segundo suas próprias palavras, "[...] formulações sistemá-
definições por ela propostas não podem ser consideradas acabadas e ticas e de teorias
que produzem definições de arte e análises acerca da
definitivas (Pareyson, 1989).
beleza e da natureza [...] que chamamos educação estética [são] princi-
Segundo Ana Mae Barbosa, as diversas abordagens interpretativas palmente a formação do apreciador de arte usando a terminologia e o
apoiam-se nas variáveis intérprete, obra e contexto, que lutam por prepon- sentido consumatório que Dewey dava à experiência apreciativa" (Bar-
derância e, apesar da pluralidade de leituras e interpretações possíveis bosa, 1998, p. 41). Ao fazer essa ressalva, ela dá o sentido correto ao termo,
inviabilizarem julgamentos quanto ao evitando que se incorra no equívoco de acreditar que a arte deve servir
que é certo ou errado em um obra,
critérios podem e devem ser definidos a fim de desenvolver a capacidade para a formação de um público capaz de apreciar o que a elite propõe.
de julgamento. Por concordarmos com essa observação, apresentamos Ao contrário disso, a crítica, relacionada com a açãode leitura da obra de
alguns desses critérios aos estudantes ao estudarmos a Abordagem Trian- arte, é o despertar de uma capacidade de análise crítica, com base em

gular no curso Arteduca. Com esse objetivo, apresentamos possibilidades conhecimentos construídos pelo próprio aluno, acerca do mundo visual,
de realização de leituras, de forma a apoiar a experiência dos participan- por meio da práxis e com a mediação do professor.
394
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 395

A segunda ressalva refere-se ao termo releitura, que tem sido relacio- mos aplicar à nossa proposta metodológica. Esse ciclo prevê a retomada
nado de maneira inadequada a propostas de atividades baseadas em de
cópias de obras. Esse debate
açõesanteriores,
em um processo contínuo, sem definição de princípio
sempre surge no Arteduca, no momento em fim
16
e

que iniciamos os trabalhos de produção artística, pois os estudantes com Após apresentar minha compreensão a respeito da abordagem Trian-
mais dificuldades buscam suporte nas obras analisadas, para produzirem
gular, é interessante mostrar como a utilizamos, apresentando alguns
novas imagens. É comum a realização de trabalhos utilizando recursos
recortes de uma atividade desenvolvida no curso com duplo objetivo:
de editores de texto, recortando, colando, distorcendo imagens conhecidas
realizar estudos a respeito da própria Abordagem Triangular e propor
da nossa História da Arte. Com o devido cuidado, buscando apoio
na exercícios a respeito de um dos conteúdos abordados no curso, referente
matriz humanizante, procuramos conversar sobre o assunto, sugerindo
ao modernismo brasileiro e aos acontecimentos relacionados com a Se-
que evitem reduzir o trabalho de produção ao mero uso de editores de
textos. A resistência inicial
mana de 22.
ao abandono dessa "tática" é grande, pois
esses editores podem produzir belos efeitos, em imagens
que já possuem
qualidades estéticas indiscutíveis e o resultado interessante fascina o
Festival Arteduca: estudos sobre a Abordagem Triangular e sobre o
estudante. Mas nós
somos persistentes e teimamos em trazer o debate aos modernismo brasileiro
fóruns, para tentar demonstrar que não estamos sugerindo a realização
de releituras com o significado atribuído por alguns professores O Festival Arteduca representa o momento de culminância relativo
como
tentativas de criação com base em cópias de obras de arte. Abordamos
aos estudos do módulo Educação em Arte em uma Perspectiva Pós-mo-
sempre o assunto, pois sabemos que ele é recorrente em debates com derna, no qual abordamos a Abordagem Triangular. Para concretizá-lo,
arte/ educadores, repudiado
por alguns e adotado por outros. Se consi- além dos estudos teóricos propostos, está prevista a realização de ativi-
derarmos que jamais revemos uma obra com os mesmos olhos, a cada dades baseadas nas três
análise realizada, poderemos encontrar açõesque integram essa abordagem. Aproveita-
um significado coerente para o mos, então, estudos realizados em um módulo anterior, referentes ao
termo releitura. Nesse sentido, buscamos trazer o tema para o debate,
modernismo no Brasil, e os encadeamos com os novos estudos relativos
sugerindo que as releituras poderão ser vistas
como sucessivos procedi- à Abordagem Triangular. Em resumo: são propostos exercícios, conside-
mentos de leitura de determinada obra, baseadas em diferentes aborda-
rando as açõesde contextualização, leitura e criação artística, com base
gens, ou, ainda, como proposta de realização de novas leituras sob a
na análise de obras do modernismo brasileiro. Desses estudos resultam
ótica de um mesmo método. Mas esse é um assunto a ser aprofundado
produções artísticas são incluídas em Mostras disponibilizadas na
que
em outro momento. Voltemos às ressalvas, lembrando que a triangulação Galeria Virtual do Portal do
Grupo Arteduca, que podem ser vistas em
proposta não deve ser engessada em uma sequência rígida. Como afirma
<http://www.arteduca.unb.br/galeria>.
Ana Mae Barbosa, elas podem ser realizadas em
um zigue-zague.15 Des- O enunciado das duas primeiras etapas da atividade propõe
forma, a reali-
sa a proposta é coerente com os princípios do ciclo construcionis-
ta,
que se fundamenta no continuum experiencial deweyano, e que busca-
zaçãode trabalho colaborativo, em grupos de até seis estudantes, para o
procedimento das ações de leitura, contextualização, por meio das quais
15.
seriam definidas características específicas do período em análise,
que
Tema abordado em palestra realizada no encerramento do Arteduca 2006, publicada
no
Youtube e disponível no link: <http://www.arteduca.unb.br/galeria/videos>, do Portal do Grupo
Arteduca. Acesso em: 20 fev. 2010. 16. Sobre o ciclo construcionista, ver Almeida (2000).
396 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS

deveriam ser consideradas para a realização da terceira etapa, de produ- térios


para fundamentar a produção artística,
que será realizada na
atividade, baseada no próxima etapa de trabalhos.
çãode exercícios artísticos. Esta última etapa da
fazer artístico, deveria resultar em pelo menos uma produção individual. Etapa 3 —
produção —
exercício artístico
Segue a transcrição do enunciado da atividade, para melhor compreensão •
Para realizar a terceira ação, a produção artística (fazer), utilizem as
da metodologia aplicada ao curso:
características listadas pela equipe. Nesta etapa vocês poderão utilizar
vários
programas disponíveis gratuitamente na Internet (ver dicas pu-
Iniciaremos agora um trabalho especial, que prevê uma atividade prática e blicadas nos fóruns). Cada aluno deverá produzir pelo
a organização de uma Mostra, dos trabalhos produzidos na Galeria Virtual menos um exer-
cício.
do Grupo Arteduca. Vocês deverão escolher uma obra para fundamentar a
• Encaminhe sua produção para a Galeria Virtual do Grupo Arteduca,
atividade colaborativa, na qual, em etapas, realizarão as três ações
previstas
contextualização, seguindo as orientações disponíveis nos sites.
na Abordagem Triangular

leitura produção artística.
e

Seguem as orientações para elaboração da atividade:


Para exemplificar, trarei alguns recortes extraídos de algumas edições
Etapa 1 —
contextualização do curso, nas quais contamos com a participação especial dos professores

Cada um de vocês deverá escolher uma obra para ser analisada. Antônio Biancho Filho e Leci Augusto Costa, formados na edição 2004
• Publique sua opção no fórum da equipe. do Arteduca, que passaram a atuar na tutoria e na moderação especial de

Avalie as opções de seus colegas e vote em uma delas para fundamentar fóruns sobre a Abordagem Triangular, a partir da edição 2005.17
o trabalho do grupo. Após escolherem a obra, realizem uma pesquisa Na mediação desses fóruns, são disponibilizados parâmetros para a
considerando o contexto sócio-histórico no qual ela foi produzida. Cada realização da contextualização e leitura de obras de arte, informando que
integrante deverá publicar sua pesquisa. Busquem informações sobre tais podem basear-se em diferentes métodos: estruturalistas, socio-
o autor, sobre a sociedade da época em que ele viveu e produziu a obra.
ações
lógicos, iconológicos, formalistas, baseados na psicologia da visão, na
Com base nas contribuições individuais, redijam, colaborativamente,
sintaxe visual etc. Seguindo o movimento em zigue-zague, solicitamos
um breve texto apresentando o autor e seu contexto.
que os mesmos parâmetros sejam utilizados para fundamentar reflexões
Etapa 2 —
leitura e análises críticas referentes às produções dos próprios alunos, suas cria-
Observem obra atentamente e descrevam-na. Listem suas principais
a çõesartísticas, resultando em descrições para serem inseridas na mostra
características. Participem do debate com os professores moderadores, organizada na Galeria. 18

para buscar subsídios para realização dessa


leitura, discutindo métodos
No fórum moderado por Leci Augusto foram realizadas análises de
e possibilidades.
imagens, enfatizando análises baseadas nos planos de expressãoe de conte-
• Busquem outras obras produzidas no mesmo contexto sócio-histórico e
procurem listar pelo menos cinco características marcantes do período. 17.
Essa participação resultou no convite para que eles elaborassem textos para fundamentação
Compare diversas obras com a que foi escolhida pelo grupo e confira se das atividades. Dessa forma, além do texto modular, que fundamenta estudos
que incluem a Abor-
taiscaracterísticas estão presentes nas mesmas. dagem Triangular, intitulado A educação em arte em uma perspectiva pós-ntoderna (Campello, 2005),
passamos a contar, a partir da edição
2007 / 2008, com mais duas fontes para os estudos específicos,
• Após realizarem essas duas etapas da atividade vocês terão completado
representadas pelos textos: Dimensões da inmgent: leitura e leitores, de Leci Augusto, e Ampliação das
a contextualização e a leitura da obra de arte. Observem que a contex- possibilidades de leitilra das obras de arte: a contextllaliznção, de
Antonio Biancho.
tualização fornece subsídios que integram parte da leitura da obra. As 18.
A organização da Galeria é um trabalho minucioso que demanda tempo e, por esse motivo,
características listadas nesta atividade deverão ser utilizadas como cri- ainda está em
processo.
398 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM IRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS

lido, considerando as imagens como textos, cuja leitura deve ser feita no
contexto, como se pode constatar na mensagem transcrita abaixo:

A atenção que damos para entender, apreender o sentido de uma imagem,


está direcionada ao plano de conteúdo, um tema ou vários temas que são
explorados pelo artista na obra, juntamente com o plano de expressão, que
é definido pela sintaxe visual (cor, linha, textura, contrastes...). (Re: Fórum
n. 2: Galeria Arteduca —
produção artística, por Leci Maria Augusto 9 —

dezembro 2006, 11:47).

Agora vejamos alguns exemplos de análise feitas por estudantes:19

A obra escolhida por meu grupo para estudo foi o Samba (1925), de Di Ca-
valcanti. Após algumas interferências na obra, consegui realizar no paint e
photoshop o trabalho "O morro" (Figura 2),
que estabelece com a obra ana-
lisada
uma relação associada ao plano de conteúdo. Di Cavalcanti trabalha
com temáticas ligadas ao cotidiano popular: favelas, malandros, sambas,
boêmios e prostitutas. Em 1925 0 samba era uma expressão popular mar-
Figura I
ginalizada, assim
como a favela e suas manifestações culturais ainda o são. Samba (1
925), Di Cavalcanti, óleo sobre tela (177xI 54 cm)
"O morro" apresenta cores vibrantes que causam forte impacto visual, com
características expressionistas, foi realizado a partir de uma fotografia re-
cortada e remontada de uma favela.
(Re: Fórum n. 2: sala 05
grupo 03 Análise de "O morro", por Rejane

Araújo de Oliveira —
segunda, 11 dezembro 2006, 19:10).

Outro exemplo:

Ao realizar a minha produção artística, procurei visualizar as características


do Modernismo na obra de Tarsila, tanto em aspectos gerais
como especí-
ficos da obra escolhida.

Fiz relações entre plano de conteúdo com o tema e o plano de expressão,


o
usando cores fortes primárias, secundárias e terciárias. Ainda no plano de
conteúdo, procurei representar a brasilidade da bandeira, na lateral direita,

19.
Agradecimentos a Rosimar Camarinha e Rejane Araújo de Oliveira, que concordaram em
ceder as imagens para publicação. Rejane atualmente integra o corpo de tutores do Grupo Arteduca,
exercendo uma tutoria na Licenciatura em Artes Visuais, oferecida pelo IdA, pelo Programa Pró-li- Figura 2

cenciatura. O morro (2006), Rejane Araújo Oliveira, arte computacional


400 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO [NSINO ARIES CULTURAS VISUAIS 401

e costumes culturais como tradições de festas de São


com a festa de
João e
Iemanjá. As frutas representando a característica climática e a miscigenação Tema(s)
trilho
com presença do negro, mulato e europeu. Um
a representa a meca-
nização da época, estilizado por linhas que cortam a obra dividindo-a em Plano de conteúdo
lado abstrato da cultura e seus símbolos e do outro,o povo brasileiro na

representação da força que movimenta o Brasil. Concluindo assim, que a


brasilidade está na junção de algo que não é objeto, pátria, cultura e tradi-
ções, com o que no modernismo foi muito bem representado, o brasileiro
Leitor contrasta
de várias
nações.
(Re: Fórum n. 2: Galeria Arteduca produção artística,

Rosimar Camarinha domingo, 10 dezembro 2006, 19:30). Plano de expressão


ódigo

Sintaxe Visual

Tendências

Fau'asrm etc.

Figura 4
Mapa conceitual, Rosimar (2006)

Ao analisar essa representação, a tutora Leci Augusto (2007) relacio-


na-a com as ideias de Ana Mae Barbosa, para concluir:

O desenho apresentado pela aluna, como resumo das experiências viven-


ciadas na atividade proposta, possibilita entender que a prática educativa
mediatizada pela experiência do indivíduo no mundo, influenciada pela
cultura e pela linguagem, resulta conhecimento. Barbosa (2005, p. 12)
em
ressalta que "trata-se de uma experiência com o mundo empírico", isso
significa que a experiência do meu corpo no mundo possibilita a elaboração
dos significados. Como disse John Dewey:20 Antes que o ensino possa com
"

certeza comunicar fatos ou ideias por intermédio de signos, a escola deve


Figura 3 fornecer situações reais
em que participação pessoal do aluno traga do
a
Vendedor de Frutas, Rosimar (2006)
cotidiano a importância do material e dos problemas existentes" (Dewey,
apud Barbosa, 1982, p. 31).

A mesma aluna conclui a atividade elaborando um mapa conceitual, 20. Ana Mae cita o livro de John Dewey. Democracy and education (p. 233), em um texto esclare-
representado na síntese esquemática dos estudos realizados, reproduzida cedor sobre a influência de Dewey na educação brasileira através do pensamento e açõesde Anísio

na Figura 4:
Teixeira.
JRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS
403

No fórum moderado por Antônio Biancho, foram realizados exercí- dos e cabelos curtos e bocas
carnudas. Podem dar os dados da obra,
cios baseados nas proposições de Robert Ott, apresentadas aos alunos por tamanho, técnica, qual paradigma da imagem. Podem
falar do que
meio da abaixo: é
mensagem transcrita figura principal na cena, o que fundo e
é como esses elementos estáo
distribuídos na tela;
Olá Pessoal, 2. analisando: o educador apresenta aspectos
Que boas contribuições! Agora vamos finalizar o trabalho, ok? conceituais, observando a
utilização dos elementos formais da obra,
os elementos de composição
Nós estamos utilizando o Image Watching, de Robert Ott, acoplado à Abor- e da linguagem visual utilizados
na obra;
dagem Triangular, para ampliar as possibilidades de Leitura e a Contextu- 3. interpretando: o educando
expressa suas sensações, emoções
e ideias.
alização, para fundamentar o fazer. Obs.: vamos utilizar o gerúndio para Identifica a utilização de elementos visuais tais
indicar a ação, ok? sentidos que são gerados oferece
como a cor, a linha e os
e suas percepções e respostas pessoais
Uma boa estratégia é o grupo ir construindo a atividade a partir das cola- à obra de arte;
borações e pesquisas individuais, acrescentando mais detalhes em cada 4. fundamentando: o educador oferece elementos
da História da Arte,
categoria, um escreve e organiza e os outros vão alimentando com dados e obtidos em catálogos, livros, vídeos
para ampliar o conhecimento sobre
mais informações. a obra
em nível factual, conceitual econtextual;
Podem definir quem vai fazer o relato, ou quem tem disponibilidade pode 5. revelando: o educando revela através do fazer
artístico o processo vi-
se indicar, e assumir o cargo de fazer o relato. O que pensam? venciado. Mas esta etapa ficará para depois, ok?
Quem fizer o relato pode reunir as colaborações individuais em
um texto
coletivo. Um componente achou um trecho que pode ser adicionado com
a informação que o outro trouxe, e assim vão completando e contemplando

as cinco categorias, ok?


O texto é estruturado em categorias que servem de roteiro para a quinta
categoria que é o revelando, que será abordado em um futuro fórum a ser
criado para a produção. O Revelando corresponde, portanto, ao Fazer Ar-
tístico. No momento, completem as categorias incluindo todas as colabora-
ções,
Relembrando o formato da atividade, ver pequeno exemplo em descreven-
do, abaixo:
Obs.: pode-se usar o verbo das categorias no gerúndio para enfatizar que é
uma ação:descrevendo: analisando: interpretando: fundamentando: re-

velando
Cinco moças de Guaratinguetá —
1930 (Figura 5)

1. descrevendo: o educador questiona sobre o que o aluno vê, percebe; o


aluno faz um inventário de tudo que é perceptível na obra, cinco

(podem descrever cada o tamanho e importância na cena),


moças uma,
usando roupas simples (podem descrever as cores, formas, planos, tex-
turas), chapéus e sombrinhas. Todas mulatas, roliças, olhos bem Figura 5
marca- Cinco moças de Guaratinguetá (1 930), óleo
sobre tela, 1 OOx64 cm. Museu de Arte de São
Paulo (MASP)
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO OAS
404 ARIES CULTURAS VISUAIS 405

Por meio dessa atividade, buscamos instrumentalizá-los para os Vejo que muita gente contribuiu
já com a análise da obra, e quero dar minha
procedimentos previstos na formulação da Abordagem Triangular, no contribuição também propondo o seguinte: que todos
ouçam novamente a
de leitura e contextualização. Para a criação artísti- obra de preferência sem a letra, pois o instrumental
que se refere às ações (original) traz consigo
ca o desafio é bem maior, pois enfrentamos duas dificuldades. A primei-
muitas "imagens" que a letra,
apesar de linda, pode deixar de fora. Lem-
ra decorre do fato de os professores que participam do curso serem ori- brem-se que o "olhar" de cada um é único. Como "ouvintes"
apreendam
ginários de diversas áreas de formação. Ao iniciarem essa etapa, alguns as sensações dos sons da música, apreciando e observando
a sonoridade
deles se declaram incapazes de produzir exercícios que possam ser "apro-
dos instrumentos, seus timbres,
seu ritmo, seu andamento... Observem que
alguns instrumentos
veitáveis", conforme suas próprias palavras. E "haja matriz humanizan- como o violino, por exemplo, é utilizado de maneira
te
para convencê-los a
tentar", brincam os tutores.
É óbvio que tais difi- inusitada, bem diferente da
sua execução clássica e tradicional... E então a
culdades devem ser consideradas, ao avaliarmos os resultados obtidos partir disso montaremos nossa análise usando o plano de
expressão e pla-
não priorizamos resultados, não há como deixar de no de conteúdo.
por alguns. Como
considerar a relevânciado processo vivenciado ao longo do Festival Ar- Penso que o plano de expressão contém todas as ferramentas
técnicas mu-
possível
nossos objetivos têm sido alcançados, pois é
teduca. E ao final, sicais:timbres, alturas, métrica, andamento, crescente, decrescente etc... e
o plano de conteúdo refere-se ao tema,
perceber que eles compreendem a proposta, valorizando mais o processo seu contexto, suas influências, enfim
de aprendizagem vivenciado do os resultados obtidos nas produções
que
tudo o que já foi expressado aqui no fórum...
artísticas, sem, entretanto, desmerecê-las. Será que ajudei? Bem, espero que sim, seria bom se organizássemos
um
decor- cronograma, quem se habilita? O que acham?
A segunda dificuldade que enfrentamos na etapa de produção
Fico no aguardo, e volto
re do ambiente em que as atividades são
realizadas,
o meio computacional com mais contribuições,
e o ciberespaço. Para superar essa dificuldade é necessário
elaborar tutoriais bjão musical.

e orientações do tipo passo a passo, para capacitá-los para o uso


de progra-
Dessa forma
mas e recursos disponíveis na Internet e nos computadores. No fórum da mesma equipe, foi publicada a seguinte análise:
proporcionamos, aos que enfrentam dificuldades, condições para produzir
trabalhos utilizando programas computacionais, editores de imagens ou
outros meios, desde ANÁLISE PESSOAL DA OBRA BACHIANAS N. 2
sons, sem descartar a possibilidade de produção por
que devidamente escaneadas e
publicadas no AVA e na Galeria Virtual. Os
20
MOVIMENTO "TRENZINHO DO CAIPIRA" DE VILLA-LOBOS

resultados de todo esse processo poderão ser vistos nas mostras referentes
Sem dúvida a obra "O Trenzinho do
Caipira" nos leva a imaginar um trem
de partida, desde
às diversas edições do curso, exibidas no Portal do Grupo Arteduca. a estação, o maquinista pondo fogo, o apito chamando os
passageiros e o trem partindo.
Na impossibilidade de me estender mais, finalizo transcrevendo mais
experiência de uma equipe formada por pro- A percussão, juntamente com os violoncelos e contrabaixos,
um recorte, apresentando a do som dos trilhos em movimento, que
fazem a mar-
fessores de música, que analisaram a obra de Heitor Villa-Lobos, consi- cação numa progressão rítmica vão
acelerando andamento da música e tocando em ostinato de semicolcheias,
derando o plano de expressãoe de conteúdo, como se pode perceber na
o
colocando o nosso trem em velocidade, fazendo dessa união de timbres os
mensagem transcrita abaixo: sons das batidas dos ferros da locomotiva.
Olá colegas "Villalobianas" Os metais, ao meu ver, ficam responsáveis pela impressão de partida, de
Bem, que pena que não temos tempo pra análise completa de toda Bachia- todos os sons que
cercam todo o caminho do trem, o apito, os pássaros,
na n. 2... mas
frente.
quem sabe
vamos em a
passagem por um túnel, a aventura e a
emoção.
406 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM NO [NSINO ARIES E CULTURAS VISUAIS

Os violinos, na flautas, na segunda, apesar de ser numa


primeira parte, e as

peça atonal, assumem uma melodia totalmente cantante, que nos remete às
Youo
paisagens do sertão, lembrando inclusive das modinhas sertanejas.
tntorior de pobres uma [rolconstruçao

A progressão musical segue até a chegada do trem na próxima estação, onde


podemos perceber a locomotiva diminuindoa velocidade num rittardando
e decrescendo dos sons, anunciando a sua chegada e, enfim, a sua parada

no destino final.
Mais
Videos relaciona dos

Finalizo sugerindo um passeio pelo portal do Grupo Arteduca e pelo


Youtube para ver resultado
o desenvolvidos pelos estudan-
de trabalhos
tes.Poderão além de
ser vistos, imagens e sons, vídeos experimentais
(Figuras 6 e 7), recortes de peças teatrais, performances, danças e outras
possibilidades, tais como a quadrilha junina da professora Silvia Araújo,
cujos alunos, caracterizados sob inspiração da obra Retirantes, de Porti-
Figura 7
nari, posaram e dançaram na festa da escola. Visitas serão sempre Tela do vídeo Interior dos Pobres II,
produzido por equipe do Arteduca 2009/201022
bem-vindas.

Me despeço deixando com vocês as imagens de Os retirantes de Por-

Figuras 8 e 9
Os retirantes de Portinari e os da professora Sílvia Araújo, de
Figura 6 Taguatinga, DF. Arteduca 2006
Tela inicial do vídeo experimental Eixo, produzido por uma das equipes do Arteduca 2007/200821

22. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=BvWggXbVrpo>.Acesso


em: 21 fev.
21. Disponível em: <http://www.arteduca.unb.br/galeria/videos>.Acesso em: 21 fev. 2010. 2010.
408 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM IRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E
CULTURAS VISUAIS
409

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formação continuada dos professores de Artes Visuais por meio da utilização
das tecnologias de informação e comunicação. Dissertação (Mestrado) Pro- —

em Artes, Universidade de Brasília, Brasília, 2001.


grama de Pós-graduação

curso Arteduca. Brasília: Grupo Arteduca,


2005.

Licenciatura em Artes Visuais a distância no Instituto de Artes da Univer-


.

sidade de Brasília. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO DOS PES-


QUISADORES EM ARTE, 16., Anais..., 2007a.
Arte-educação em rede: a proposta do curso Arteduca. In: VENTURELLI,
.

tecnologia, interseçõesentre arte e pesquisas tecno-científicas.


S. Arte e Brasília: Pós-gra-

Brasília, 2007b.
duação em Arte do Instituto de Artes, Universidade de
COSTA, Leci M. A. C. Dimensões da imagem: leitura e leitores. Módulo virtual do
curso Arteduca.
Brasília:
Grupo Arteduca, 2006.
.

As imagem na relaçãoentre arte e tecnologia. Dissertação (Mes-


diniensões da

trado) —
Programa de Pós-graduação em Artes, Universidade de Brasília, Bra-
sília, 2007,

DUFRENNE, M. Estética e
filosofia.São Paulo: Perspectiva, 1998.
410 A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 411

pode-se dizer que a Abordagem Triangular acumulou uma fortuna críti-


ca no contexto da arte/educação brasileira.
Por outro lado, Abordagem Triangular também foi vítima do seu
a

próprio pioneirismo ao ser utilizada pelos PCNs de modo deturpado,


resultando em receituário metodológico. Documentos tais como os PCNs,
Acelera e outros projetos que se apropriam da Abordagem Triangular,
9 declaradamente ou não, a têm interpretado erroneamente e muitas vezes
esta interpretação é a única que alcança os nossos professores da educação

PROCESSOS DE TRIANGULARIZAÇÃONA básica. Considerando todas essas questões, este texto não parte de certe-
zas prévias, vai sendo construído no exercício do entrelaçamento propos-
TRAJETÓRIA DOCENTE: DA EDUCAÇÃO to e
procura mapear processos de triangularização da trajetória de como
ARTÍSTICAÀ EDUCAÇÃO
A DISTÂNCIA fui me construindo professora de Artes Visuais. Ao apresentar os trânsi-
tos desse percurso, entrecruzo reflexões minhas e de autores da áreapara

que outras pessoas também se reconheçam nessa incompletude.


Leda Guimarães

Primeiras buscas

Neste texto discuto como a Abordagem Triangular alinhava constru- Foi na situação de quem num beco sem saída e que olha
se encontra
çõese desconstruções docentes num recorte de quase vinte anos das suas ao
redor,
só acha
a si mesma, que compreendi que esse era o meu ponto
formulações, das minhas, bem como das formulações do campo do ensi- de partida. Comecei a escavar, mas, ao revirar arquivos, revisitar textos,
nar arte neste país. Para enriquecer a costura pedi ajuda
colaboradores
a
me dei conta de que estava construindo uma viagem aos meus arquivos
que gentilmente me emprestaram suas reflexões que foram entrelaçadas pessoais, perscrutando nestes os vestígios da pergunta que fiz a outros(as)
aos desdobramentos dos achados e perdidos da minha trajetória de apren- professores(as), quando, onde, como
as por que aprendemos sobre a
e
diz e formadora em trânsitos
que vão das artes plásticas à cultura visual. Abordagem Triangular. Como foi se dando minha triangularização? De
Refletir sobreAbordagem proposta por Ana Mae Barbosa em 1991
a
que maneira essa abordagem esteve presente na minha vida, na constru-
pode ser facilmente um exercício de redundância em face do que se tem
çãoda minha docência? Que sinais consigo detectar nas minhas diversas
escrito sobre ela. Dissertações, teses, artigos têm desdobrado a proposta fases de aprendizagens, de descobertas, de equívocos e de angústias?

num exercício crítico: Rizzi


(2002, 2008), Coutinho (2009), Tourinho (2002), Onde eu estava e o que fazia quando do surgimento da Abordagem
Pillar (1999, 1992) e Penna (2001), entre muitas outras publicações
em Triangular? Quando ouvi falar pela primeira vez? E hoje como ela reper-
revistas, dissertações e teses, muitas das quais orientadas por Ana Mae. cute em minha vida profissional? Aprendemos que a memória não é fiel
A autora tem revisto, reformulado, refletido e combatido equívocos, in- depositária dos fatos, ela reconstrói e edita. E com essa percepção que
terpretações esvaziadas e clichês, não da sua Abordagem original, mas mergulhei neste exercício revisitatório de velhas pastas, livros empoeirados
das mudanças que foram se processando em diferentes contextos. Enfim, e arquivos digitais em backups.
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS

A situação de construção de narrativa exige uma atividade psicossomática as colaborações recebidas, possibilidades não aventadas foram surgindo
em vários níveis, pois pressupõe a narração de si mesmo, sob o ângulo da entre Abordagem Triangular e construção de trajetórias docentes. Vi-me
sua formação, por meio do recurso a recordações-referências, que balizam a
como uma fiandeira sem muita habilidade (des)afiada a construir algo
duração de uma vida. No plano da interioridade, implica deixar-se levar
com tantos fios sem clareza do desenho a ser formado. Mas, a medida que
pelas associações livres para evocar as suas recordações-referências e orga- ia tecendo,
o exercício/desenho deste texto foi ganhando significado na
nizá-las numa coerência narrativa, em torno da formação. (Josso, 2004, p. 39)
mistura das histórias: minhas, dos colaboradores, aos quais de pronto
No meio do meu processo de "escavação" dos meus guardados foi agradeço a generosidade desse compartilhamento.
surgindo a necessidade de ouvir outras vozes que também pudessem
mover a minha busca. Desde 1997 sou professora da Faculdade de Artes
Visuais da Universidade Federal de Goiás (FAV/UFG) e atualmente co- Cena 1: Formação/atuação docente e contato com Abordagem Triangular
Ydeno um dos cursos de Licenciatura em Artes Visuais na ainda chama-
da EAD
Todos são docentes já atuaram como tutores ou profes-
e atuam ou
educação a distância. Pressenti que daí poderiam surgir

ganchos para a reflexão sores formadores no curso que coordeno iniciado em 2008. Em termos de
que eu estava buscando construir e procurei co-
formação a maioria (9) fez a graduação na Faculdade de Artes Visuais,
aboradores para a construção deste texto. Organizei um questionário que
enviado por e-mail a professores da equipe do curso de Licenciatura sendo que uma das professoras tem dupla formação: Bacharelado ha- —

Artes Visuais na modalidade a Distância ofertado pela FAV/UFG.I bilitação Design Gráfico e Licenciatura. Outra também formada em Design
está finalizando a Licenciatura
Pedi que informassem o curso de graduação, data e local da finalização em Artes Visuais de Goiás. Esta é uma
local da atuação docente. Além disso, solicitei que respondessem a estas situação que vem aumentando na UFG, pessoas que concluem o Bacha-
lua tro questões sobre a Abordagem Triangular: relado (Artes Plásticas, Design) voltam como portadores de diploma.
Segundo informação da secretaria, já tivemos um semestre em que uma
1. Onde quando tiveram conhecimento da Abordagem Triangular?
e
vaga para o curso de Licenciatura foi disputada por dezenove candidatos.
2. Quais são os eixos dessa Abordagem? O período de formação se dá entre os anos de 2002 e 2009 na Faculdade
3. Como veem proposta no cenário atual do Ensino de Arte no Brasil?
essa de Artes Visuais da UFG. Nos depoimentos informam que conheceram a
4. Caso já tivessem trabalhado com a mesma, que fizessem um breve rela- Abordagem Triangular no curso de graduação.
to da atividade.
Outras duas professoras que finalizaram, respectivamente, Educação
Artística habilitação desenho e Licenciatura em Desenho e Plástica em

As perguntas foram enviadas a vinte professores/ as. Foi pedido que,


1985 relatam
possível, retornassem no mesmo dia, e que não consultassem biblio- que não tiveram informação sobre a Abordagem Triangular
;rafia. Destas, treze responderam, os quais um não foi nesses cursos de graduação. Considerando que Ana Mae Barbosa só pu-
utilizado aqui por
lão ter respondido todos os dados solicitados. blica o livro
A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos em 1991,
a A medida que fui lendo
é compreensível que não tenham tido mesmo esse acesso, assim como eu
1. Professores(as) que trabalham (ou trabalharam) no curso de Licenciatura em Artes Visuais na também não tive.
nodalidade a distância da UFG como tutores ou professores formadores. Os critérios de seleção
a)
A minha graduação também se deu na transição da década de 1970
oram terem experiência docente com o ensino de artes para além da EAD; b) formação na área
le artes visuais
ou plásticas e
c)
estarem na minha lista de endereços eletrônicos. Os locais e as para a de 1980 em dois momentos. Em 1977, fui aprovada para o curso
latas de formação foram sendo revelados com a chegada dos depoimentos. de Educação Artística Licenciatura Plena

com Habilitação em Artes


4
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS

lásticas na UnB, cujos


estudos interrompi e só retomei em 1983, finali- A professora Cristina Rizzi (2008, p. 347), num recente texto sobre
undo em 1985, no
mesmo ano que as minhas duas colaboradoras. A Abordagem Triangular, sugere que investiguemos como as novas gerações
icenciatura em Educação Artística tinha sido criada havia pouco tempo, formadas na década de 2000 têm recebido o conhecimento sobre essa
uto das políticas educacionais da Lei n. 5.692, de 1971. Eu não tinha a Abordagem. Dos doze colaboradores, nove se formaram entre 2002 e 2009,
lenor ideia do que era aquele curso, sabia apenas
que iria me formar em perfazendo quase uma década. Que mudanças podem ser identificadas
go que fosse relativo ao universo da arte. Não me lembro das minhas nessa década? Dentre outros fatores no contexto da Faculdade de Artes
11as de didática para ensino de artes plásticas. Encontro
nos velhos e Visuais de Goiás, gostaria de ressaltar dois: primeiro, a reforma curricular
narelos papéis do
meu histórico escolar a referência a Estrutura e Fun- do curso de Licenciatura em Artes Visuais na virada do ano de 1999 para
onamento de Ensino de 10 e 20 Grau e Didática, disciplinas listadas de um Trabalho de Conclusão de Cur-
no o ano de 2000, quando a exigência
istórico Escolar com a nomenclatura Ensino de 10 e 20 Grau I e II e Meto- so passou a ser parte da integralização curricular. As sementes da pesqui-
'logia para o Ensino de 10 e 20 Grau I, II e III, mas, não tenho recordações
sa chegavam à formação dos futuros professores de Artes Visuais. O se-
'bre odesenvolvimento das mesmas. gundo que mantém vínculos com o primeiro, é a instalação do
fator,

Valho-me das memórias da professora Teresinha Rosa Cruz: no tex- Programa de Pós-Graduação em Cultura Visual, o primeiro na área, no
Memórias e algumas luzes sobre a licenciatura em educaçãoartística país, no ano de 2003. Começa a haver uma conexãoentre graduação e
na
'liversidade de Brasília (Arteduca, 2009) descreve o antigo Instituto Cen- pós-graduação, fato esse que redimensiona o processo de formação de
II de Artes (ICA) da UnB como um "canteiro" efervescente .com ativi- profissionais para a área. Por exemplo, dez dos meus colaboradores for-
Ides inteiramente novas no contexto do ensino superior de Artes e Ar-
maram-se na Faculdade de Artes Visuais de Goiás, e desses, cinco são
litetura" no Brasil. Os governos militares silenciaram essa efervescência, mestres em Cultura Visual uma está finalizando. Também acredito ser
e
ofessores foram expulsos ou se demitiram, importante ressaltar quatro desses mestres são professores de Artes
ocorreu a prisão de intelec- que
ais, artistas e sindicalistas. Chego Visuais em escolas públicas na cidade de Goiânia.
ao Departamento de Desenho (DES)
I
UnB em 1978 com soldados armados nos corredores. Cantavam-se Minha trajetória docente também é ressignificada a partir de 1990,
oleta Parra, Mercedes Sosa e Geraldo Vandré, e
no cineclube víamos com o meu ingresso como docente no Ensino Superior e, quase que ao
21son Pereira dos Santos e o EncouraçadoPotemkin. O DES virou Institu-
mesmo tempo, ingresso no Mestrado em Educação na Universidade Fe-
de Arte (IdA), ao qual retorno
como professora na especialização de deral do Piauí de proposta interdisciplinar, recém-criado pelo Centro de
'te e Tecnologia Arteduca em 2006 e
na construção do projeto da Licen- Ciências da Educação na referida Universidade. Esse período é marcado
Itura em Artes Visuais a ser ofertada
na modalidade a distância numa pela necessidade da corrida a leituras para embasamento teórico, o que
rceria de UnB, UFG, Unimontes,
UFMA e Unir. Ou seja, o local onde me leva aos livros de Ana Mae Barbosa e à
leitura também das referências
mecei minha trajetória de formação docente em 1977 é onde,
que ela trazia, muitos, inclusive, convidados por
com outros ela a participarem de
ofessores, elaboramos uma proposta de formação docente via
EAD cujo eventos no Brasil. Comecei a vivenciar as mudanças conceituais e a viver
'ance nenhum de nós tinha condições de prever naquele ano de 2005. a mobilização dos docentes em congressos, conferências e associações,
Igo esses dados porque percebo que os fragmentos da minha trajetória configurando, aos poucos, base para uma açãodocente crítica e transfor-
itada neste texto vão da minha atuação como professora de Educação madora. Depois do mestrado, faço outra mudança, da UFPI para a UFG,
tística na Escola Técnica Federal do Piauí (ETFPi) à implementação e onde passo a ser professora tanto na graduação como também no mes-
»rdenação de Licenciatura em Artes Visuais na modalidade EAD. trado de boa parte dos meus colaboradores. Vem a pergunta: de que
A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 417
BARBOSA • CUNHA

aneira faço parte do contexto de aprendizagem dessas pessoas? Que vida formação educacional. Foi proposta por Ana Mae Barbosa. A
e

lpactos esses movimentos formativos e docentes indicam a recepção e abordagem nasce dentro dos museus de arte no Brasil, com o intuito
)peracionalização da Abordagem Triangular? Vamos aos depoimentos de sistematizar as Ações Educativas logo depois, se expande para o
Ensino Formal.
sultantes da primeira indagação feita aos meus professores-colabora-
8. A Abordagem Triangular dialoga com a arte e com a cultura, preo-
ires:
O que você sabe sobre a Abordagem Triangular?
cupa-se com a leitura estética do aluno para melhor contribuir na sua
Depois do exercício de contextualização dos meus colaboradores,
vida e formação educacional. Foi proposta por Ana Mae Barbosa. A
(nha e de outras localizações espaço-temporais, a segunda pergunta é
abordagem nasce dentro dos museus de arte no Brasil, com o intuito
aisobjetiva em relação à fortuna crítica à qual me referi no início deste de sistematizar as Ações Educativas logo depois, se expande para o
do. A indagação foi: O que você sabe sobre essa Abordagem? Relem- Ensino Formal.
ando, foi pedido que não se consultassem bibliografias. Vejamos as 9.
É uma proposta da arte/educadora Ana Mae, que a meu ver é a pro-
;postas: ensino de refletir
posta mais completa para o arte, que leva o aluno a

sobre a arte.
1. Que desenvolvida no Brasil por educadores nas dependências do
foi
10. Que formulada pela dra. Ana Mae Barbosa e que tem três pontos
foi
MAC-USP a partir de estudos e observações de outras experiências
para desenvolvimento do ensino da Arte.
metodológicas desenvolvidas em outros países, como o DBAE, Critical
11. Que é uma metodologia da arte/ educadora Ana Mae Barbosa, utiliza-
Studies e o Muralismo Mexicano.
da quando trabalhava com o ensino de arte.
2. Uma proposta teorizada pela arte/ educadora Ana Mae.
12. Que foi desenvolvida pela arte/ educadora e pesquisadora Ana Mae
3. Sei que é uma proposta "sugerida" por Ana Mae Barbosa (que no Barbosa, que, tendo contato com uma abordagem relevante nos Estados
início era tida como metodologia triangular); e que foi através de Unidos, trouxe uma proposta para o Brasil com três eixos de atuação
embasamentos de estudos de Ana Mae sobre o DBAE, onde a aborda-
na arte/educação.
gem era em trabalhar com: História da arte, estética, crítica e Produção
artística, Ana Mae reuniu estética e crítica
em um, ficando: Produção, Seja sistematizada, teorizada, sugerida, desenvolvida ou formulada, a pri-
Leitura e Contextualização, não importando a ordem que fosse apli- meira coisa que fica evidente em relação "ao conhecimento sobre" a
cada.
Abordagem Triangular é a autora. Nas respostas à indagação "0 que você
4. Trata-se de proposta bem-fundamentada na inter-relação entre
uma sabe sobre..." a importância da autoria é o que sobressai provavelmente
,

teoria,reflexão e prática. Estruturada pela profa. Ana Mae Barbosa.


devido ao destaque que a professora Ana Mae Barbosa tem no ensino da
Teve sua primeira inserção no MAC-USP em projeto de mediação
arte no Brasil. Essa visibilidade acarreta muitas vezes em citações de suas
pedagógica. Tem como referência bibliográfica "A imagem no ensino
colabora-
da arte". obras, sem que se tenha lido um texto original da autora. Meus
5. dores localizam superficialmente o contexto do nascimento da Abordagem
Nos anos 1980 a discussão sobre o ensino de artes.
6. Que a abordagem triangular foi sistematizada por Ana Mae Barbosa Triangular e de suas correlações: a contextualização MAC/USP, a locali-
e se articula em três fazer arte, apreciar imagem e a contextua-
ações: zaçãona década de 1980, e as correlações com os Critical Studies e a cons-
lização. trução dos seus três eixos ou operações.A correlação com o DBAE já foi
7. A Abordagem Triangular dialoga com a arte e com a cultura, preo- largamente negada por Ana Mae Barbosa, argumentando que o DBAE se
cupa-se com a leitura estética do aluno para melhor contribuir na sua
refere a disciplinas e a Abordagem Triangular trata da "desdisciplinari-
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS

ao". Por outro lado argumenta também


que a Abordagem Triangular No meu processo de escavação descubro cópia de um projeto de
aspectos sociais e
culturais evidenciados pela contextualizaçãoque Iniciação Científica de 1992, que foi aprovado mesmo eu não sendo ainda
)BAE não tem. Portanto, o equívoco presente nas percepções dos co-
mestre ou doutora (era mestranda), cujo objetivo geral era "pesquisar e
oradores é o fato de alguns afirmarem que a Abordagem Triangular aprofundar o conhecimento sobre a Metodologia Triangular no ensino da
ha sidoinspirada, originada ou adaptada do Discipline Based Art Edu-
arte" e que tinha como objetivos específicos:
on (DBAE), proposta nascida nos anos 1980 no contexto estaduniden-

na Fundação Paul Getty. A respeito deste equívoco, a autora Ana Mae a) levantar dados bibliográficos acerca da Metodologia Triangular e suas
bosa, em e-mail veiculado
no site do Grupo Arte/ Educar, em 2002, aplicações (sic) no ensino da arte;
gido à Fundação Iochpe, esclarece que: b) buscar intercâmbio com instituições que aplicam (sic) a metodologia
triangular em todo o país;
A Abordagem Triangular e o DBAE são interpretações diferentes, no máxi-
c) publicar artigos sobre os fundamentos ea prática da Metodologia Trian-
mo paralelas, do pós-modernismo na Arte/ Educação. O DBAE é um dos
produtos americanos da educação pós-moderna. [...] O Critical Studies a
gular; e
é
d) utilizar a Metodologia Triangular na elaboração de planos de aula da
manifestação pós-moderna inglesa no Ensino de Arte como o DBAE é a
manifestação americana e a Abordagem Triangular a manifestação pós-mo- disciplina Prática de Ensino.

derna brasileira. Há correspondências entre elas sim. Mas essas


correspon-
dências são reflexos dos conceitos pós-modernos de arte e educação. Relendo essa proposta me vejo num esforço para compreender a
"Metodologia Triangular" num movimento paralelo à necessidade de me
No entanto, neste meu texto quero deixar claro que não estou me fazer professora universitária num curso que não falava de metodologia
icionando "do lado de lá" dos que estão na academia tecendo crítica da arte ainda por cima, mestranda em um programa que não falava de
e,
)rofessorado da educação básica. Minha intenção justamente
é o con- arte.
A intenção do projeto era "dar uma contribuição concreta se nãopara
io, é me colocar nessa situação de lacuna e tentar compreender, mais minorar de imediato o quadro atual, mas para preparar de maneira mais
lue apontar, percursos desses conflitos pertinentes à formação de arte/ consistente futuros profissionais, atuais alunos do Departamento de Edu-
cadores no Brasil. Artística (DEA) através do conhecimento da Metodologia Triangu-
cação
A medida que Ana Mae responde, explica os equívocos, vamos com- lar no ensino de arte". Em que pese o tom exacerbado das "contribuições
211dendo melhor concretas" e "maneiras consistentes", sinto que mais do que preparar
não só a Abordagem Triangular, mas também o
texto da mesma. Por exemplo, respondendo a Fernando Azevedo alunos, estava na busca de preparar a mim mesma para o ensino da arte,
-e os Estudos Críticos (Critical Studies), ela explica: "Houve objetivava "utilizar a Metodologia Triangular na
enganos como revela o item que
10
0 de designar um dos componentes como história da arte. Não é elaboração de planos de aula da disciplina Prática de Ensino". Estava em
ária da arte,
mas contextualização, seja social, sociológica, psicológi- jogo a relação teoria e prática de foro metodológico. Ou seja, sendo pro-
listórica enfim... do objeto, da imagem ou do de sentido da
campo fessora de um curso de licenciatura, o desafio se desdobrava para além
o que é requerido na Abordagem ou Abordagem Triangular" (Bar- da minha busca de formação, ao ter como "tarefa" formar professores
i, apud Azevedo, 2009, p. 251). Assim explicações, refutações vão
as para a área de artes visuais. Vejo com certa nostalgia a ingenuidade das
[lido um material formativo para
que os arte/ educadores tentassem minhas intenções naquele momento e com tristeza ao perceber que a si-
nder essas fundamentaçõesconceituais.
tuação descrita na justificativa que escrevi dezoito anos atrás continua
420 A ABORDAGEM NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS
BARBOSA • CUNHA

valendo para os dias de hoje, mudando apenas Percepções e experiências: operacionalizações


Goiás.
o contexto do Piauí para
à prova de fogo
Depois da indagação sobre o "que você sabe", investi de forma qua•
No estado do Piauí é ainda mais grave. Além de pouco incentivo e
o caso se redundante na indagação "como você percebe" a Abordagem Trian•
valorização da arte e consequentemente ao seu ensino, temos um número gular no contexto atual do Ensino de Arte no Brasil. Essa pergunta tinha
reduzido de profissionais licenciados atuando nas escolas ou em outras
por base formação de todos como já foi detalhada neste texto, mas ta m•
a
áreas afins, tais
como projetos alternativos etc. Os poucos profissionais
bém porque todos, estavam ou estiveram envolvidos em situações edu-
contatados queixam-se da distância entre teoria e prática na sua formação
pela UFPI e do total despreparo
cacionais que envolvem arte e educação, seja em espaços formais ou nao
para enfrentar a sala de aula quando se formais. Vamos às respostas:
formam. (Guimarães, projeto "Conhecendo a Metodologia Triangular".
DEA/UFPI, 1992) 1. Para unssuperada/ultrapassada e para outros ela ainda contribui
para uma aprendizagem significativa em arte. Ela foi amplamente
Barbosa (1997, p. 10) explica que "as metodologias que orientaram o
usada nos PCN com os nomes dos eixos modificados o que gerou,
ensino de arte nos anos 1980, consideram a arte não apenas como expres- de certa forma, simplificações e reducionismos
como a famosa relei"
são, mas
também como cultura, apontando para a necessidade da contex- tura.
tualização histórica e do aprendizado da gramática visual que alfabetize 2. Entre os depoimentos que já ouvi, e agora pelos livros que tenho que
para a leitura da imagem". Na minha trajetória, essas metodologias come- seguir (de capa a capa) na escola onde estou atuando, a Abordagem
circular mais sistematicamente
çam a no decorrer dos anos 1990 conside- Triangular de Ana Mae se encontra distante da sala de aula. O tempo
rados como o início de novos tempos para a arte/educação. Muito do que é pouco para muita teoria, ficando a prática reduzidíssima. O livro é
discutimos hoje já tinha sido experienciado por diversos arte/ educadores escrito por uma arquiteta, o que, em minha opinião, aplica sobre os
no Brasil e graças à reflexão e compartilhamento por meio de textos pu- textos uma película senso comum, visão do dia a dia, questionamentos
blicados é básicos, quase nenhum aprofundamento.
que tomamos conhecimento. Cito como exemplo as discussões
do Grupo de Estudos composto pelos professores Sylvia Ribeiro Coutinho, 3. Já usei e uso bastante.
Yara Rosas R. Peregrino, Maura Penna e Vanildo Marinho. Segundo Pere- 4. Percebo que a Abordagem Triangular trouxe segurança para o contex-
to do ensino de arte
grino (1995), em 1991 0 grupo começoua publicar os Cadernos de Textos do no Brasil, no que refere-se à integração dos três
CCHLA. No entanto, uma vez reunidos em publicação pela editora da vértices do triângulo, na compreensão de um ensino de arte enquanto
'saber" não fragmentado. No entanto, projetos Brasil,
própria UFPB, tiveram sua circulação ampliada e o livro Da camiseta ao como o Acelera
transformaram essa abordagem epistemológica num passo a passo,
museu traz discussões que vão "da camiseta ao museu, do rap à sala de
vazio enquanto referência. Limitando o trabalho de professores e estu-
concerto, da novela da TV ao teatro". Peregrino defende
que todas são dantes a reproduções das chamadas "obras de arte" enquanto imagens,
produções culturais
,

artísticas que integram o patrimônio de uma socie-


e
das mais variadas fontes, transitam sem espaço para reflexão, nos di"
dade, ou melhor, de toda a humanidade (Peregrino, 1995,
p. 13). ferentes contextos que compõem o ambiente escolar.
O depoimento da professora colaboradora "A Abordagem Trian-

5. Devido à falta de capacitação do ou para o professor de arte, e destes
gular dialoga com a arte e com a cultura, preocupa-se com a leitura esté- desejarem abandonar a questionada "livre expressão" que dominava
tica do aluno para melhor contribuir na sua vida e formação educacional" na época, os professores que adotaram a abordagem triangular o fize-

exemplifica os encontros aqui mencionados. ram com muita ênfase. E neste afã acabaram por transformá-la em
422 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS

receita quase pronta. Muito embora esteja bem-articulada, acredito que 12. Atualmente, após a expansão dessa proposta, vejo que uma de suas
a intenção de Ana Mae Barbosa é que os professores a utilizem como características tem sido interpretada de forma diferenciada. A propos-
um ponto de partida para, a partir
daí, refletir sobre
sua aplicação em ta é livre e circular, podendo se estender principalmente
no quesito
sala de aula dentro de vários pontos de vista (interdisciplinar, multi- contextualização, algo que vem se tornando
uma constante e
um rigor
disciplinar, transversal etc.). linear e absoluto na tríade.
6. Para grande maioria dos docentes que não passaram por uma gradua-
Se as respostas
anteriores sobre "o que sabem" são mais frouxas, os
çãoem Artes Visuais a abordagem ainda é desconhecida. Mas para
quem a conhece e a
utiliza fica claro o
quanto o grupo pode se desen- depoimentos sobre "como percebem" são mais incisivos, revelando co-
volver de maneira sensorial e cognitiva. nexões com a experiência de cada pessoa, não apenas uma elaboração
7. Creio que esta abordagem no Brasil e para os professores de arte tem teórica conceitual a respeito da Abordagem Triangular. Temos um con-
uma importância decisiva na postura e identidade como profissional junto de posicionamentos
que vão de uma indicação que considera a
docente em arte. Entretanto... os encaminhamentos dados à proposta
abordagem superada/ ultrapassada, do uso superficial que se faz dela em
ainda nos anos 1990, tanto nas discussões como na própria formação
docente, fizeram o Ensino de Arte muito confuso, uma vez que nos programas de educação, indicações de contribuições, crítica a reducionis-
víamos diante da condição de ensinar e as circunstâncias do universo mos de materiais pedagógicos. Apesar de um depoimento indicar como
positivo a "fluidez" mais recente do acesso a bibliografia, o
artístico. Tal construção ainda está presente e com muita força na socie- que fica pa-
dade. Muitos dos professores ainda percebem que a arte é tão somente tente é que a disseminação da abordagem entre os professores da educa-
o objeto eque se basta por ele. Vimos ainda bastante pragmatismo na çãobásica se faz por meio dos documentos oficiais do MEC os Parâ- —

discussão do ensino de arte, beirando a receituário de como e o que metros Curriculares Nacionais, os famosos PCNs que incluíram as artes
fazer para dar ou ser professor de arte. A metodologia triangular no curricular.
como componente
Amapá, em específico, tem 90% de concepção de proposta pedagógica,
tanto incentivada pelos PCNs, pela formação docente e pelo acesso Acredito que este fato deu-se numa transitoriedade entre aformaçãodocente e as
mais fluido de bibliografia acerca deste aspecto. lutas para o reconhecimento da disciplina de arte no currículo oficialdas escolas
8. básicas, que tinham no imaginário as propostas da escola nova. Pra ticamen-
Hoje no Brasil a abordagem é muito conhecida por educadores de arte,
acredito que cada uma tem buscado interpretar da sua forma a abor- te sem rumo para a
ação pedagógica me vi limitada a seguir as diretrizes
dagem, não sei se nessa "Interpretação" todos tem pesquisado a fundo propostas pela secretaria de educação. Em 2001, ao entrar para a universida-

a ponto de entendê-la na sua "essência' .


de comoprofessora substituta tive contato com a metodologia triangular. No
9. Não entendi. mesmo ano fiz uma especialização: Arte/educação em instituições culturais.
10. Não sei... na minha formação não foi falado sobre a autora e sua pro-
(Depoimento de professora colaboradora n. 7)
posta.
Nos depoimentos vemos um posicionamento crítico contra o recei-
11. Ainda longe de firmar no cotidiano do ensino de uma vez que há
arte,
tuário gerado pelas "interpretações" e "pragmatismos", ou seja, as varia-
poucos profissionais devidamente licenciados na área de atuação, há
muitos professores atuando na área de arte sem qualificação e muitos çõesem torno da triangularização da proposta. Temos também a correlação
professores com qualificação, com da dificuldade de sistematização ao baixo número de professores forma-
uma boa com um único ob-
retórica,

jetivo de ampliar carga horária não vivenciando o ensino que ques-


a dos (voltando mais uma vez para a nossa experiência atual com a educa-
tione os processos e as várias possibilidades de se fazer arte. distância). Apesar do tom mais crítico, ficam
cãoa evidentes as contradi-
424 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM NO I NSINO AIU[S CULIURAS VISUAIS

çõespresentes nas diferentes, mas também coincidentes, percepções sobre vejo claramente que foi elaborado sob a influência das ideias e leituras
professora Ana Mae Barbosa. No tópico VII estão os eixos de da Aboc•
a abordagem no atual contexto do ensino de arte no Brasil.
ação
No depoimento da colaboradora n. 7 afirma-se também que a abor- dagem Triangular. Infelizmente não achei o resto do documento que intco•
dagem "tem uma importância decisiva na postura e identidade como duzia e apresentava os tópicos, mas, mesmo assim, achei importante trazê-l(
profissional docente em arte". Esse depoimento vem ao encontro do meu para este texto, pois sinalizam meu processo de triangularização:
esforço na construção deste texto, de entender a abordagem não como um
I) Repensar o conceito do Ensino e aprendizagem de arte. Como qualquer
procedimento metodológico, passível de ser "aplicado" mas como eixo-li-
É, portanto,
,

outra disciplina, arte tem domínio, linguagem e história.


nha que se refaz constantemente por meio de muitas mãos e diversas
mera recreação.de
um campo de estudos específicos e não
vozes. Procedimentos metodológicos que remetem aos trabalhos femininos
II) Arte não tem como objetivo específico desenvolver a sensibilidade e
de caráter colaborativo como, por exemplo, um mutirão de fiandeiras
saúde mental (embora possam contribuir para). Não se destina também
desembaraçando fios, urdindo conceitos, tecendo tramas para o ensino
a servir de instrumento facilitador para a aprendizagem de outros
de arte. Ana Mae, como autora e crítica das suas próprias construções,
conteúdos, embora a sua prática possa promover tudo isso. O ensino
colabora no nosso "mutirão" no processo de compreensão da Abordagem de arte visa ensinar a linguagem da arte. O Ensino de Arte é o desene
Triangular. volvimento da inteligência estética através da sua capacidade de
Chamou-me atenção a referência que a professora colaboradora n. 5 construção do fazer artístico e cultural tanto em nível geral quanto
faz
ao desejo dos professores em abandonar "livre expressão" e à falta de num contexto local.
capacitação como motivo para não "adotarem" a Abordagem Triangular. 111) Uma sociedade industrial e pré-industrial não pode prescindir da arte,

Creio que esse é um aspecto ainda não mencionado na literatura. Esse Abdicando romântica que arte é só
da visão para privilegiados ou
desejo pode estar atrelado a essa vontade deflagrada por muitos fatores, coisa de bom
elite,
é lembrar que a área de artes gera pelo menos 2/5
tais como a circulação de ideias (inclusive em outras áreas), diálogos com dos empregos do país.

colegas, a assistência de palestras IV) Para que uma nova concepção penetre nas escolas e na socie"
de arte
que possam ter despertado esse desejo
dade é preciso antes de tudo pensar na formação de recursos humanos,
impedido pela falta de capacitação. O irônico é que os PCNs tentam pre-
de pessoal capacitado que atue tanto nas escolas de 10, 20 e 30 graus,
encher justamente essa lacuna. Na difusão e uso equivocado da Aborda-
gem Triangular pelos PCNs, temos um paradoxo. A elaboração dos PCNs
V) É fundamental também encontrar fundamentos que norteiem O
currículo do Ensino de Arte. Só através deste teremos ideia do que
como documento oficial distorce os eixos epistemológicos da Abordagem
Triangular e difunde uma orientação equivocada em todo o território será desenvolvido qualitativamente na escola.
VI) Não só os professores de arte precisam de uma reciclagem, mas os de
nacional. Se
um dia essa difusão me pareceu positiva por chegar larga- alfabetizados esteticamente,
outrasáreas também precisam ser espe-
mente aos professores, hoje percebo a armadilha que ela se tornou. A
cialmente os do pré-escolar.
Abordagem Triangular espraia-se desdobrada em fórmulas, clichês e
VII) Alfabetização estética implica o conhecimento dos códigos que possi-
receituários. bilitam o fazer, a contextualização da arte. Esta alfabetiza-
reflexão e a
Em 1996, como professora do já mencionado DEA da UFPI, fui chama-
da a elaborar alguns critérios como sugestão para um documento do Plano
çãose desdobra em outras, como, por exemplo, alfabetização visual,
tão importante no mundo contemporâneo onde vivemos uma profusão
Decenal de Educação para Todos no campo das artes. Não sei que destino de imagens veiculadas pelos meios de comunicação visuais (impressos
teve esse documento entregue à direção do Departamento, mas, relendo-o, e eletrônicos).
426 BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS

Vejo nestes tópicos a mesma confusão conceitual dos depoimentos a Abordagem Triangular durante sua última graduação, mas só nesse
dos meus colaboradores. Uma mistura das minhas apreensões concei- projeto teve oportunidade de vivenciar uma experiência supostamente
tuais, consciência crítica, posturas pessoais frente à maneira de ensinar e sistematizada com a Abordagem Triangular. Isso dá muito que pensar do
repertório cultural, mas com equívocos, tais como no item IV. Hoje per- lugar para a experiência dentro dos nossos cursos de formação de pro-
cebo o quão hegemônica (para não dizer fálica) é essa de que uma
noção fessores. Nesse sentido, o próximo depoimento também revela uma
nova concepção penetre na escola. Já no item VII eu não usaria mais o oportunidade de experiência com a Abordagem Triangular fora do con-
conceito de alfabetização, qualquer que seja, pois para isso teríamos
que texto da sua aprendizagem, bem como do seu local de trabalho:
acreditar que as pessoas sejam analfabetas visuais. Vejo essas transfor-
Sópude usá-la durante um trabalho que desenvolvi de Ação Educativa no
mações conceituais nas experiências de
meus colaboradores, pois, por
Museu de Escultura ao Ar Livre. Nesse trabalho tive como "base" e alicer-
um lado, se uma delas relata o policiamento a que foi submetida ao tra-
balhar num projeto que se apropria da Abordagem Triangular de forma ce a Abordagem Triangular, mas também dialoguei com outros autores que

prescritiva, por outro lado, rememora a experiência de forma crítica e puderam potencializar o Museu é aberto, busquei nesse diálogo autores do
turismo que estabelecem "critérios" importantes para a aprendizagem
reflexiva:
mediada ao ar livre: Reuven Feuerstein, Keith Pennyfather, Freeman Tilden.
O material didático da foi desenvolvido com intuito do professor
Os professores de Artes do "Projeto Acelera" recebiam um manual de ins- ação
realizar a visita ao e trabalhar a produção de arte na escola explo-
truções com as atividades que DEVERIAM ser aplicadas nas aulas de artes. museu
O projeto de Artes Visuais trazia como título algo relativo a cores e formas. rando outras possibilidades, elaborando propostas poéticas a partir da
A estrutura de formação funcionava da seguinte maneira: A SEE-GO reunia leitura/ fruição/ contextualização das obras do museu. A mediação no mu-
seu aberto também visava à experiência da "escuta", e das perguntas pro-
um grupo de professores (multiplicadores) para a formação inicial acerca
do projeto; na sequência cada multiplicador reunia-se, nas subsecretarias, vocativas para os alunos. (Professora colaboradora n. 8. Relato envia-
feitas

com as equipes de professores de artes, responsáveis pela aplicação do do via e-mail em 19 de fevereiro de 2010)
projeto diretamente em sala de aula. Nessas reuniões todos os professores
vivenciavam as propostas indicadas no material. Recebíamos visitas cons- O relato de experiência dessa professora nos leva ao contexto de
tantes dos multiplicadores a fim de consultar nossos cadernos de registro origem da Abordagem Triangular no Museu de Arte Contemporânea da
e saber dos alunos se estávamos trabalhando EXATAMENTE como foi USP. O museu ao qual a professora se refere é um conjunto de esculturas
proposto. O material do projeto apresentava reproduções (tamanho A3 —

na Praça Universitária de Goiânia cujo desenho é de Burle Marx. Essa


papel sulfite) de imagens de artistas consagrados. Entre eles, Tarsila do professora criou um objeto de aprendizagem com essas esculturas deno-
Amaral, Salvador Dalí, Botticelli, Monet, entre outros. Cada uma dessas peda-
minando o programa de Museu Aberto, que é virtual. Na sua ação
imagens deveria ser trabalhada seguindo o que o material apresentava como
gógica a professora dialoga com o turismo, o que suponho que enriquece
"metodologia triangular". O material apresentava uma breve biografia do
o seu projeto. Mas não deixa de ser curioso que adie a realização das três
artista, exemplos de "leitura de imagem". (Depoimento n. 4. fevereiro 2010)
(As palavras em caixa alta são da autora do relato.) açõesda Abordagem Triangular apenas para quando o professor desen-
volver poéticas na escola. Ainda permanece o termo fruição que será
A professora que faz
esse relato não aguentou ir até o fim do projeto, discutido mais adiante. Outra professora colabora com esse texto trazen-

mas faz uma ressalva importante para minha reflexão. Ela passou pelos do um exemplo do trabalho que realizou com 25 crianças (de 8 a 10 anos)

cursos de Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais na UFG, estudou da Sociedade Cidadão 2000 para a sua pesquisa de mestrado:
428 BARBOSA • CUNHA A ABORDAG[M AR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS

Eu trabalhei com imagens em movimento. Levava filmes, elas (as crianças) da História da
Arte. Mas nosso professor avança, extrapola a prisáo tene
escolhiam entre três para assistirem naquele encontro. Assistiam, no próxi-
poral, salta das paredes rupestres para as paredes da vida cotidiana,
mo encontro elas faziam uma atividade plástica sobre o (alguns foram
filme
Provoca os estudantes com trabalhos de arte contemporânea
desenhos, outros colagens, outros modelagem com argila etc.). No final da que condo•
atividade havia um momento para que elas pudessem apresentar seus zem a uma reflexão. Leva-os ao quarto, ao guarda-roupa. Sai da prescri•
trabalhos e relacioná-los ao filme assistido, assim eu, como mediadora, çãopara a provocação. Enfim, vimos nesses relatos de experiências con•
inseria conceitos existentes e por elas percebidos (em alguns momentos não textos educacionais diversos, escolas regulares,
museus virtuais, A,
conseguiam explicar) de maneira mais "completa" (sei que não é a palavra projetos sociais, uma diversidade para a qual a formação de professore»
correta, talvez sistematizada).
Para as atividades descobri que a sequência: de artes visuais precisa estar atenta.
Prática e Contextualizaçãofuncionou melhor, pois durante a prática
Leitura,

acontecia a acomodação e assimilação de novas informações. (Professora


colaboradora n. 3. Relato enviado via e-mail 19 de fevereiro de 2010) Eixos deslizantes: operações
deslocadas

A relação ensino de arte e imagens da mídia nãoé nova. No entanto, As perguntas sobre o "que você entende por..." e "como
a relação direta entre imagens em movimento e a Abordagem Triangular vocêperce•
be.., certamente me trariam os eixos das
"

vem com a pesquisa de Analice Dutra


Pillar e Denise Vieira realizada —
açõespropostas pela Abordagem
Triangular. Mas, ainda assim, perguntei quais os eixos da proposta
com professores da rede pública em Porto Alegre, em 1990 no livro O

discussão. De fato as respostas recebi trouxeram esses eixos de forma


vídeo e a Metodologia Triangular no ensino das artes. Certamente, o interesse que
midiáticas
numerada, um/ dois/ três. A intenção foi a de observar a sequência colo-
sobre essas imagens se estende no Ensino da Arte especial-
cada,
mente com o advento das investigações na arte e tecnologia e, é claro, da que operação vinha em primeiro lugar, se a ordem e as nomencla-
turas se manteriam dentre outras descobertas
educação a distância. que poderiam ser feitas,
Organizei aqui da maneira como recebi:
Já utilizei tanto no Ensino Básico quanto Universitário. No Ensino Básico/
EJA. Abordando o período (cumprindo currículo) da arte rupestre onde os
primeiros homens fizeram inscrições na parede das cavernas especulan-

1. Leitura de obra de arte/ História da 7. Apreciação estética (linguagem
do sobre as motivações que estes homens tinham para esta prática esta- —
arte/Fazer artístico visual) / História da Arte e
sua conu
belecendo um paralelo com as inscrições produzidas pelos grafiteiros e pi-
2.
O ver/ O fazer e /O
contextualizar. textualização histórica/ Fazer
chadores (falando de cada um) memória visual de que espaço grafitado
— 3.
Produção/ Leitura e Contextuali- 8. Fruir / Contextualizar/ Fazer

lembram propondo que se tivessem possibilidade o que eles (os alunos)


zação. 9.
Apreciação/ContextuaIizaçáo/
4. Apreciar/Contextualizar/Fazer
desenhariam ou escreveriam (ou xingariam ou pregariam) nas paredes de Produção
5. Contextualizar/Fazer / Apreciar
seus quartos e nas portas de seus guarda-roupas e do quarto enfocando
— 10. Conhecimento (história)/
a arte contemporânea na instalação de Siron Franco das portas das celas dos
6. Fazer arte/ Apreciar imagem/Con- (percepção)/ Fazer
presidiários mortos em chacina, destacando as "inscrições" nelas expostas textualização 11. Ver/ Fazer/ContextuaIizar
12.
com a pergunta: O que poderia conter naquelas portas? (Professor colabo- Fazer/Apreciar/ContextuaIizar
rador n. 12. Relato enviado via e-mail em 19 de fevereiro de 2010)

Este professor escolha do tema deveu-se ao cumpri-


enfatiza que a Um mesmo termo desliza entre junções ou omissões; esses desliza-
mento do currículo certamente construído na linearidade convencional mentos revelam muita coisa, por exemplo, a palavra "fazer" agregada
à
430 A ABORDAGEM NO ARIES CULTURAS VISUAIS
BARBOSA • CUNHA

palavra arte. A consciência aliada à experiência de que os vértices não de São Paulo, incluindo não somente escultura, pintura e desenho,
têm uma hierarquia aparece nas observações que se seguem logo após também design, tevê e vídeo". Estes
cursos tiveram lugar depois do Ilen•
listarem os eixos, por exemplo, o professor n. 7 diz: "O curioso desta tival de Inverno de Campos do Jordão, em 1983.2 Não há conflito
concepção, para mim, é que ela não necessariamente necessita iniciar por "obra de arte" e "imagem". Já os deslizamentos nas operações de leitura
um específico ponto, linear, contínuo e constante, mas por qualquer um, se difundiram nos materiais didáticos normativos, oficiais, como o ma te•
muito embora quase sempre, os professores e eu também o fazia, con- rial já citado aqui. Leitura implica aprendizagem de códigos e decodifi•
cluíamos nossas aulas com a apresentação da obra de arte dos alunos". de como eles foram organizados, o que já nos leva para interpretação,
cação
Os professores ns. 3 e 4 fazem questão de observar: "não importa a ordem". operaçãoativa, que se opõe a "fruir" e "apreciar" operaçõespassivas atadas
Nesses deslizamentos e desdobramentos, dois conceitos ou operações a um ideal romântico de "obra de arte" como
um estado de espírito ele•
foram mais consistentes: o contextualizar citado nove vezes e o fazer ci- vado propiciado pelo contato com as "obras de arte" especiais, feitas por
tado dez vezes, e ainda os termos produção geralmente vinculados à "artistas especiais". Depois de organizar as respostas que recebi, enviei-as
parte prática, somariam aí doze referências. Nos depoimentos recebidos,
por e-mail para a professora Ana Mae Barbosa e pedi que fizesse um COO
leitura também tem os seus desdobramentos: leitura de obra de arte/ mentário sobre as percepções dos meus colaboradores. Ela responde diu
leitura de imagem e seus deslizamentos: ver, fruir, apreciar, analisar. Ana
zendo que os depoimentos revelam as principais confusões na recepçào
Mae Barbosa enfatiza que no livro A imagem no Ensino da Arte (1991), o da Abordagem Triangular pelos professores e que
qual lançou a Abordagem Triangular, não se propõe apenas a leitura de
obra de arte, pois o próprio título do livro fala de imagem e não de obra A Abordagem Triangular foi atropelada pelos PCNs que elegeram a aprecia.

de arte. No referido livro, Barbosa, citando Robert Saunders (1991, p. 54), ção em vez da LEITURA. Apreciação é o laissez-faireda recepção.Apreciaçáo,
fala também em trabalhar objetos e imagens do cotidiano, por exemplo: eu já dizia no livro A imagem no Ensino da Arte, carrega implicitamente a ideia
'pedir aos alunos uma lista de objetos decorados que tenham em sua casa de aceitação: —
Eu aprecio você, é o mesmo que dizer: Eu gosto de você—

e no dia seguinte trazer a lista admiro. Apreciação leva a um problema de reprodução de valores
com mais alguns que tenham esquecido ou eu o

de mencionar. Fazer observar o padrão da roupa de cada da elite para todas as classes sociais. Vira um discurso de convencimento
um e pedir para
descrever os desenhos e padrões das cortinas, paredes e móveis de sua para fazer as classes oprimidas valorizarem o que a elite valoriza. Isto serio
casa". Ainda na página 62 recomenda "vídeos e filmes para estimular uma forma de colonialismo cultural. (Barbosa, depoimento via e-mail, em
14 de fevereiro de 2010)
uma leitura criadora". Na página 2 aponta a necessidade de a educação

artística preparar para "as profissões ligada a arte comercial como pro-
Na minha elucidação do caráter elitista da "apreciação"
trajetória a
paganda, broadcasting, cinema, vídeo e som, setor de tevê, sonorizadores
é crucial para a fundamentação conceitual da minha busca pela cultura
e câmeras que realmente conheçam a cerca de imagem". Ainda informa
popular, ou, como reformula Ana Mae, pela cultura visual do povo. Para
que "a primeira tentativa de analisar imagens em cursos de arte/ educa- a autora Barbosa, todas as classes devem conhecer (diferentemente de
dores teve lugar durante a Semana de Arte e Ensino na Universidade de
São Paulo (1980), através de workshop utilizando a imagem de tevê, apreciar) todos os códigos culturais em nome do Interculturalismo, mas
mas
a maioria dos participantes considerou aquilo uma heresia" (p. 15). Re-
2. Nota das organizadoras. Neste livro, o texto de Rita Bredariolli sobre o Festival de Inverno
fere-se,
na página 17, à "organização de cursos de Arte na USP para de Campos do Jordão de 1983 demonstra o conceito expandido de arte e valoração do meio ambien•
professores de escolas primárias e secundárias da Secretaria de Educação te e da imagem, não apenas da Arte.
43? BARBOSA • CUNHA ABORDAGIM IRIANGtJIAR NO ARIIS ItJRAS VISUAIS

que levar a gostar do código hegemônico é colonização.Para ela cada mencionadas pela professora n. 4 quando descreve seu enfrentamento
alerta

um gosta do que puder defender como valor visual! metodologia triangular" no Projeto Acelera. Vemos
como a hegemonia
da história da arte convencional
A palavra releitura não aparece nenhuma vez nos depoimentos de ainda predomina nas agendas ed uca tivan,
A nova história e os estudos culturais
meus colaboradores. Considerando que a maioria é, ou já foi, professor/ a que dão base à Cultura Visual tra•
de educação básica em redes públicas, essa ausência traz certo alívio. A zem exemplos para a contextualização: a relação com o cotidiano,
com
releitura desloca-se do vértice ler (re ler = ler de novo) para "o fazer" memória, as tecnologias do ver e do ser visto etc. Ana
Mae lembra que
Rizzi (2002, p. 69) chama a atenção para a diferença entre cópia de um questões que a Cultura Visual trabalha hoje já estavam presentes
no livro
trabalho no qual se busca aprimoramento técnico, apropriação via imita- A ñnagemno Ensino da Arte que lançou a Abordagem Triangular. Nesse
livro a autora aponta para a necessidade da leitura da imagem
çãode soluções de problemas etc.; onde não há interpretação e criação. por meio
Explicita que na releitura há transformação, interpretação, criação com de teorias, quer seja semiologia, teoria da gestalt, e
outras. No entanto,
base num referencial: o texto visual. Pessoalmente, acredito que o proble- sabemos que não é fácil a revisão da hegemonia da História da Arte,
ma não é exatamente a dicotomia entre reprodução e criação. Primeiro Mesmo porque esta foi objeto da exploração comercial da indústria de
porque, de acordo com Ernest Gombrich no livro Arte e illlsão
(1998), a reprodução de imagens de "obras" consagradas no seio dessa disciplina,
cópia leva à aquisição de schemattas por meio do ensaio e erro muito im- Na década de 1990, uma vez abandonado o medo de levar
para a sala de
portantes para o processo de aprendizagem, especialmente no campo do aula imagens a fim de
não macular a "virgindade criadora" dos estudan-
que chamamos de arte. Em segundo lugar, penso que o problema é a
tes,
passamos a recomendação de "acesso e repertório". Essa recomenda-
proposição de uma coisa (cópia) objetivando-se a criação, interpretação. çãovem da contemporaneidade da Abordagem Triangular, que já ganha-
Como diz um bordão novelesco muito popular, "uma coisa é uma coisa, va espaço nas orientações metodológicas no cotidiano de alguns
outra coisa é outra coisa". professores. A professora Alice Martins, que investiga a relaçãocinema e
Segundo Ana Mae Barbosa, nas artes visuais, estar apto a produzir educação, diz que:
uma imagem e ser capaz de ler uma imagem e seu contexto são duas ações
Nos anos 1990, consolidou-se, tantonos ambientes de formação de profes-
mentais inter-relacionadas, o desenvolvimento de uma ajudando no de-
sores, quanto nas escolas de educação básica, a ideia de que deveria
senvolvimento da outra (Pillar e Vieira, apud Barbosa, 2002, p. 15). ser
assegurado, aos estudantes, o acesso aos acervos artísticos, fosse
em visitas
Em depoimento telefônico, Ana Mae alerta que o VER/ FAZER/ aexposições, por meio de publicações e outras
mídias, ou outras estratégias.
HISTÓRIA DA ARTE se refere a experimentação no MAC no período O contato com obras de arte seria a fonte indispensável
à construção
do
entre os anos 1987 e 1990. O Museu respira história. Relembra que já em conhecimento artístico. (Martins, 2009, p. 104)
1991 ampliou a contextualização para além da história, incluindo a con-

textualização sociológica, antropológica, enfim, o que a imagem pede para Relembro a minha fase de "catadora de imagens". Meu
acervo ia se
ser entendida, com os professores da Prefeitura de São Paulo no tempo fazendo com númerosdispersos de coleções, tais "Gênios da Pin-
como
de Paulo Freire. A preocupação de Ana Mae faz sentido, pois nos depoi- tura", "Mundo dos Museus", bem como páginas arrancadas de revistas
mentos de meus colaboradores contextualizar, que tem nove citações, Veja, IstoÉ e outras
que traziam reportagens sobre o mundo da arte, da
quatro delas são conectadas à História da Arte: contextualização por meio cultura, de arqueologia, e o que mais me interessasse. A guisa desse exet%
do conhecimento histórico.de períodos, estilos, biografia de artistas etc. cício revisito a também aposentada
pasta, ou o que restou dela, e
encon-
Essa "contextualização" historicista tem servido de apoio às receitas já tro reportagens tais como "O berço da beleza", sobre uma exposição nos
BARBOSA • CUNHA
A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS

tados
Unidos que reuniu o maior conjunto de escultura clássica, já
A professora Teresinha Losada Moreira aborda a interpretação da
ostrado fora da Europa (IstoÉ, 9 dez. 1992); "Dores populares", sobre a
imagem valendo-se de estratégias de ensino para desenvolver esta ha-
ra do poeta paraibano Augusto dos Anjos com ilustrações de Egin bilidade nos estudantes. Adota alguns fundamentos teóricos baseados
hielle (Veja, 28 dez. 1994); "Circo mágico", sobre o estilista Thierry
nas teorias da linguagem: os princípios cognitivos da semiótica peircea-
ugler relação entre a moda e a arte (Veja, 5 fev. 1997), entre muitas

na, a teoria da representação visual de Gombrich e as discussões de


que iam de
.tras reportagens festas populares, expedições científicas, a
Wolfgang Iser sobre o efeito estético. Uma das ideias centrais de todas
petáculos de dança etc. Muitas viravam transparências alimentando o
essas teorias é a relação entre significado e contexto, como também ocor-
e, consequentemente, o repertório imagético dos
meus estudantes. re na Abordagem Triangular. Moreira elabora dois conjuntos de oficinas
)je, essa busca se faz
na rede web.
pedagógicas de interpretação de imagens onde propõe um "Olhar Sin-
Creio que seja importante, a essa altura da discussão, pontuar a
crônico, se baseia em conceitos oriundos das teorias da linguagem
estão de acesso erepertório: Que repertório? Que tipo de acesso? De
(Peirce e Jakobson), os quais são aplicados para interpretar todo tipo de
em, para quem por que meios e por quê. Uma questão é: a que tipo
e
imagem, tal como elas se apresentam para o estudante, de acordo com
repertório imagético nos referimos? Que tipo de repertório queremos
nentar? Que trocas podemos estabelecer? Por que e para quê? Se am- suas próprias referências culturais". Nesse primeiro olhar vemos a con-
sonância com a mediação proposta por Coutinho na qual se assegura a
armos o nosso raio de percepção, perceberemos que as diferentes
autonomia interpretativa. Já o "Olhar Diacrônico, realiza uma leitura
ssoas têm diferentes repertórios imagéticos vindo do seu grupo familiar,
histórica da arte ocidental hegemônica, adotando os conceitos de dife-
amigos, cultural etc. Outra questão difícil para uma boa parte dos
)fessores (inclusive os de Ensino Superior) é: rentes autores (Gombrich, Wólfflin, Ostrower, Hauser, Arendt)" (Morei-
como lidar com a carga
informação visual que os nossos alunos que podem ser alojados na ra, 2005). Em ambos invés de apresentar interpretações já
os casos, ao

Itura internáutica, tem de referências feitas aos estudantes, a principal estratégia de ensino adotada foi ofere-
que são muito maior do que a
ssa? Entendendo-nos como professores/ mediadores (em contexto cer apenas alguns conceitos-chave desenvolvidos por esses autores, para
mal e não formal), como vamos estabelecer parâmetros de escolha de ajudá-los a fazer suas próprias interpretações. *
jertório e de verdades interpretativas
acerca dos mesmos? Coutinho Ao trazer as diferentes reflexões dessas autoras, quero enfatizar as
109, 177), no texto "Estratégias de mediação
p. Abordagem Triangu-
ea diferentes possibilidades dialógicas que as ações, eixos operacionais ou
,

afirma "que as questões propostas pelo mediador devem procurar vértices da Abordagem Triangular nos oferece para o exercício docente.
:er que os intérpretes possam testar suas hipóteses e confrontar seus Os deslizamentos podem ser frutos da desinformação ou reinterpretação
ntos de vista, garantindo o espaço de expressão de suas ideias e con- desinformada, como nos diz a colaboradora n. 7 no seu depoimento sobre
nando sua capacidade autonomia interpretativa". Essa percepção
e sua
como percebe a abordagem no contexto atual do ensino de artes visuais.
Ilógica integra as contextualização/ interpretação, desvinculando
ações De qualquer maneira, as reinterpretações desinformadas carecem de
necessidade do "conhecimento histórico da arte". Para ela, "a contex-
elucidações. Assim, podemos pensar os deslocamentos dos eixos como
Ilização se integra ao processo de interpretação e é quem irá tecer a
um constante esforço de revisão teórica de fundamentação que alimenta,
ma dos significados, ao mesmo tempo que situa todos os atores da ação explica e reatualiza organicamente a Abordagem Triangular elaborada
erpretativa que operam com seus próprios contextos de referências'
)utinho, 2009, p. 177). *
Ver artigo de Terezinha Losada na Parte 3, capítulo 3, deste livro. (Nota das organizadoras.)
430 BARBOSA CUNHA
• A ABORDAGEM IRIANGIJLAR NO ENSINO DAS ARTES E
CULTURAS VISUAIS

no final da década de 1980 e que continua gerando material crítico para


que a escola pública é sucateada, na sua maioria, violenta
Sabemos
o ensino de arte no país. Rizzi (2002), no artigo desenvolvendo reflexões em todos os sentidos. Mas minha experiência como professora de Estágio
sobre a Abordagem Triangular, explica que nessa Abordagem a constru- Curricular Obrigatório revela também escolas equipadas com labora tól'i(
de
ção conhecimento em arte de informática e alunos equipados com celulares e outras tecnologias de
pequeno porte.
acontece quando há intersecçãoda experimentação conl a codificaçãoe com a
a
informação. Considera-se como sendo objeto de conhecimento dessa con- Sucintamente um projeto que utilizei em sala de
citarei aula,
em que trabae
cepção, a pesquisa e a compreensão das questões que envolvem o modo de lhamos com fotos em celulares. Inicialmente, decidimos em grupo sobre
inter-relacionamento entre a Arte e o Público, propondo-se que a composi- qual o tema que abordaríamos, escrevendo no quadro todos os assuntou
çãodo programa de Arte seja elaborado a partir das três ações básicas que que propunham e depois seguimos com a eleição de 2 daqueles. Decidira Oi
executamos quando nos relacionamos com a Arte: ler obras de arte, fazer arte pelos temas: funcionários da escola e meio ambiente, este último justificado
pela escola ser vizinha de
e contextualizar. (Rizzi, 2002, p. 66-67; grifos nossos) um bonito. Como nem todos tinham celulares
com dispositivo de fotos, criamos grupos, o que funcionou bem. Começamo"
Penso que em muitas "aplicações e usos" da Abordagem Triangular, as aulas com a história da fotografia, a seguir com fotos emcelulares,
em qualquer contexto, espera-se que a intersecção mencionada por Rizzi tizando que a mesma teve grande
repercussão com o acidente no metrô
aconteça nas operações, que como citado por Londres, em que fotografia em celular foi utilizada de maneira utilitária
meus colaboradores, "não
a

importa a ordem". Michael Parsons discutindo sobre currículo integrado e também como registro histórico. Na segunda etapa trabalhamos com

explica que edição destas fotos utilizando os recursos disponíveis nos dispositivots
utilizados, como bluetooth, cabos ou impressões em lan 11011ses. Numa tercei-
a integração ocorre quando a aprendizagem faz sentido para os estudantes, ra e última etapa, analisamos as imagens selecionando as que o grupo

especialmente quando a conectam com os próprios interesses, experiências considerou mais condizentes com a proposta e foram exibidas em data
de mundo e vida. Finalmente, é a mente do estudante em um evento da escola para toda comunidade. (Depoimento da profefi•
que é integrada. É
a

claro que quando se diz "mente", incluímos emoções, intuições, valores e sora n. 5,
2010)
experiências sensoriais. (Parsons, 2006, p. 296).
Vivemos um apartheid entre universidade local de formação e —

E a essa
integração que me refiro quando penso na intersecçãoda professores da educação básica aqueles para os quais nossa fala chega

experimentação com a codificação


e com a informação
mencionada por Rizzi. como balizas. Abordagem Triangular, interdisciplinaridade, multicultu•
Os eixos, ou "as três básicas: ler obras de arte, ralismo, muitas vezes não são vivenciados na formação/ graduação cle
ações fazerarte e contextualizar"*
só fazem sentido quando conectadas a experiências de vida e de mundo professores, como aponta que estudou a Abordagem
a colaboradora n. 4,

de estudantes de qualquer Triangular na graduação, mas só foi vivenciá-la no projeto Acelera, infe•
açãoeducativa: Educação Infantil, Ensino
Médio, EAJA, bem como na vida dos docentes,
como procurei demons-
lizmente. Por outro lado,
penso que seja clara a importância do papel
trar
no meu namoro com fontes imagéticas de temas e procedências formação universitária, no ciclo graduação / pós-graduação, pois expa
variadas. provoca, reconceitualiza paradigmas e formação docente. Os meus col/i•
boradores professores da rede pública, formados na década de 2()()() conj
pós-graduaçà(i,
uma graduação mais problematizadora, e os que têm
*
Ana Mae Barbosa fala da leitura da obra ou do campo de sentido da imagem e da Arte. (Nota
das organizadoras.)
apresentaram exemplos de experiências nas quais, embora os desloca•
438
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM IRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS

mentos conceituais apareçam, demonstram uma atuação mais crítica. Sei não entrou na edição desta narrativa: pessoata,
que muita coisa
Citando Fanon, Ana Mae (2002, p. 18) diz que "a Arte capacita um homem fatos, experiências. Não quer dizer que não sejam importantes ou que
ou uma mulher a não ser um estranho em seu meio ambiente nem estran- fizeram parte dessa construção. Vou pegar emprestado da professora
geiro no seu próprio país. Ela Cristina Rizzi, quando se refere a sistematização por Ana Mae Barbonci
supera o estado de despersonalização, in-
serindo o indivíduo no lugar ao qual pertence, reforçando e ampliando de uma "concepção de construção de conhecimento em arte" (2002, p, 60)

seus lugares no mundo". Diria que tem sido esse o meu processo de para me referir a uma concepção de construção docente em artes visuait4,
que passa inclusive pela desconstrução do próprio conceito de
arte. Assin0
triangularização
que tem ajudado a me inserir em vários pertencimentos sucessivas triangularizaçõesforam ocorrendo por meio de revisões, ensai(
que o ensino de arte tem me proporcionado. Ao construir agenciamentos
e erros, desconstruções conceituais, mudanças de contextos geográficon,
identitários, vejo a minha docência
sempre mais aprendiz que formadora. de trabalho, de temas investigativos etc.
Ao mesclar a reflexão dos depoimentos dos meus colaboradores com a
Gostaria de finalizar este texto dizendo que os lugares em que
minha narrativa pessoal, não sabia muito aonde ia chegar. No entanto,
encontro agora foram construídos nesse processo. Mesmo a EAD,
no processo da construção desse texto algo foi ficando claro: a importân-
sempre como um "acidente" na minha vida ou um desafio provocado
vi
cia da Abordagem Triangular como
uma proposta muito além de uma pelo gosto de aventuras, vejo que tem suas raízes nesse processo. Em 1992,
metodologia a ser "aplicada" em situação de sala de aula ou na elabora-
quando monto um projeto de iniciação científica que objetivava conhecer
çãode estratégias educativas. aMetodologia Triangular, que na justificativa apontava para a necessida•
de de formar mais e melhores professores para o ensino de artes visuai'4
forma se tornou uma
0 que poderia conter naquelas portas? neste país, de certa
açãoconcreta. Nosso curso
apresenta três pilares que têm por base a articulação entre a teoria e

A construção dessa narrativa revelou um processo gradual do que prática no processo de formação. Concebendo o conceito de sujeito que
estou chamando de triangularização ao longo desses vinte anos, pensa, age e transforma suas práticas durante o seu processo de apren•
com pri- dizagem, ao mesmo tempo que essas práticas interferem e articulam na
vilégios, sortes, curiosidade,
dificuldades, altos e baixos, deslocando
construção conceitual e teórica desse sujeito.
constantemente os vértices do triângulo. De acordo com Tourinho, a
'narrativa é uma forma de compreensão da experiência". É dessa forma 1. A articulação do processo de formação de docentes em artes visuais ao
que compreendo esse exercício narrativo, pois contexto educacional existente dialogando com a realidade da regiào
entendendo a realidade existente e propondo transformações que enri•
Ela tem como objeto de estudo histórias vividas
contadas que mediam
e queçam e reforcem a educação em artes no local.
pensamento e ação, contexto e circunstância, presente
e passado,
mapean- 2. A articulação do processo de formação de docentes em artes visuais
do elementos que tecem significados entre a história individual e a história o contexto cultural local apoiando-se numa concepção multicultural
(le

social dos indivíduos. entendida como uma esfera


Personagem(s), contexto, temporalidade e espaço são educação, na qual a arte não pode ser
elementos centrais pressupostos das narrativas: geram tensão e grada para poucos iniciados, mas como um bem cultural acessível
ação.
— —

Nossas referências incluem contextos temporais, espaciais e culturais, todos.


ou
seja, ações que presumem outras pessoas num determinado tempo e lugar. 3. A articulação do processo de formação de docentes em artes visuais aon
(Tourinho, 2009b, p. 2) saberes tecnológicos contemporâneos na direção de uma educação na
BARBOSA • CUNIIA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES E CUI.IURAS VISUAIS

qual se busca autonomia dos sujeitos, descentralização e des-hierar- 1997,


a a BARBOSA, Ana Mae. Arte-edllcação: leitura do subsolo. São Paulo: Cortez,
quizaçáo dos saberes pedagógicos, artísticos e culturais.
(Org.). Inquietações e mudançasno ensino da arte. São Paulo: Cortez,

Temos no momento aproximadamente setecentos alunos espalhados .


Arte/edllcação contelllporânea: consonâncias internacionais. 2. ed. São
10: Cortez, 2008a.
no interior do estado de Goiás em contextos diversos: comunidades rurais,
cidades em desenvolvimento, cidades com oferta de curso superior já .
Ensino da arte: ntemória e história. São Paulo: Perspectiva, 2008b.
instalada até a capital Goiânia. Estamos formando com qualidade futuros (Org.). Ensino da Arte: Memória e História. São Paulo: Perspectiva, 2008c.
professores e professoras em artes visuais
com uma concepçãocultura- •

COUTINHO, Rejane. Arte/Educação con10 mediação cultural e social. Sào


lista de arte/educação. Essa concepção tem como base o conceito de Arte
Paulo: Editora Unesp, 2009. (Col. Arte e Educação.)
como experiência, elaborado em 1934 por John Dewey. Barbosa (2008)
esclarece que este conceito não teve larga aceitação entre artistas e críticos COUTINHO, Rejane. Estratégias de mediação e a abordagem triangular. 10:
de arte durante o alto
modernismo, mas que o pós-modernismo retoma

BARBOSA, Ana Mae. Arte/Ed11caçño como nlediaçãocultllral e social. Sôo


o conceito, embebendo-o em um contextualismo esclarecedor que amplia a Paulo: Editora Unesp, 2009. (Col. Arte e Educação.)
de experiência e lhe dá visu-
noção uma densidade cultural. A construção desse arte/educaçâo e da cultura
locais da
DIAS, Belidson. Pré-acoitamentos: os
projeto tem todas as influências/referências da Abordagem Triangular, al. In: Visitalidade e Educação, Goiânia: Funape, 2008. (Col. Desenredos, n. 3.)

uma proposta que, muito mais do que definir uma sistematização para o JOSSO, Marie-Christine. Experiências de vida eformação.São Paulo: Cortez,
ensino de arte, tem construído de maneira significativa trajetórias de arte/
MARTINS, Alice Fátima. Da educação artística à educação para a cultura visual:
educadores/ as nesse Brasil em suas inquietações práticas, teóricas, con-
revendo percursos. Refazendo pontos, puxando alguns fios dessa meada... In:
ceituais, pedagógicas, artísticas, estéticas e culturais. Entre revistas e livros
vistl(ll:
MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (Org.). Educação da cultura
que li, planos que recriei, pessoas que formei e que me formaram, sigo narrativas de ensino e pesquisa. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2009.
meadas da minha tessitura nos processos contextualizados pelas mudan-
MARTINS, Raimundo (Org.).Das belas-artes à cultura visual: enfoques e deslocou
quais lugares
como Brasília, Teresina, Goiás, São Paulo (entre
ças nas mentos. In: Visualidade e Educação, Goiânia: Funape, 2008.
(Col. Desenredos, n. 3.)
outros) foram e continuam sendo apenas pontos de partida. Abertos, os
TOURINHO, Irene (Org.). Educação da cilltllra visual: narrativas de ensino
vértices do triângulo são vórtices!

e pesquisa. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2009.

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pensarmos o artista e sua obra, a enquanto relação de
poética
da arte. São Paulo: Cortez, 2002. diálogo do processo criativo no fazer plástico e em correlação, pensarmos
Pesquisa narrativa na educação das artes visuais: concepções e caracte-
.
a questão do professor e suas articulações na ação pedagógica, certamen-
icas. CLEA /190 Confaeb. Anais..., Belo Horizonte: UFMG, 2009. te encontraremos o
processo criador. Não é o processo de construção
.

Visualidades comuns, mediação e experiência cotidiana. In: BARBOSA, plástica, mas sim a poética do ato criador exercido no cotidiano da sala
a Mae; COUTINHO, Rejane. Arte/Educação como mediaçãocillttlral e social. São de aula, isto denota pensar o processo artístico paralelo às questões que
110:
Editora Unesp, 2009. (Col. Arte e Educação.) permeiam o ensino da arte. Levando-se em consideração que estas ques-
tões e tantas outras são trabalhadas nos cursos de formação, conforme
Lampert (2005), é questionável o porquê de ainda encontrarmos profes-
sores em escolas (muitas vezes recém-formados) trabalhando de forma
desconexa da realidade do aluno, sendo extremamente conteudista, apli-
cando provas, propondo atividades meramentepelo fazer técnico, e sem
fim educacional nenhum ou por um mero valor cartesiano.
Na contemporaneidade, a formação do artista/ professor/ pesquisa-
dor poderá estar em constante estado de pensar e refletir criticamente o
contexto de tendências e processos globalizantes, onde, de maneira geral,
valores sociais e educativos sofrem embates, questionamentos ou são
pressionados pelos apelos do senso comum ou midiático.
UARUOSA • CUNHA ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E CULTURAS VISUAIS 445

Há uma cultura escolar e outra cultura acadêmica


nos cursos de escultura, fotografia, história em quadrinhos, performances, procedimentos,
-mação inicial. Em Artes Visuais as escolas insistem em práticas poli- artes gráficas, moda, design, propagandas, web sites, filmes, televisão,
lentes e propostas que beiram o "modelo de como fazer". Enquanto entre outras), mas também as entendendo como formas de produção
o, na Universidade há uma abordagem político-teórica e poética
que cultural. A cultura visual tem uma clave sobre a produção, recepção, in-
idencia uma instauração criativa, pautada no exercício de constante ir
tenção, organização que pressupõe considerarmos as visualidades em
'ir do pensamento visual.
contextos de significado, ou seja, estudar o visual como uma reflexão
Entende-se que tanto o conteúdo
que é construído e reconstruído em cultural partindo do que seja real para a construção de repertórios e ima-
sos de formação docente, quanto
a parte subjetiva desse conteúdo ginários visuais para a produção de sentido do sujeito contemporâneo.
verãotangenciar um pensamento vislumbrado em rede, para dar
mar- A cultura visual permeia redes transmetodológicas a partir de diver-
n a toda contextualizaçãoe formas diferentes de narrativas visuais
sas áreas de conhecimento: antropologia, sociologia, filosofia e artes.
estigadas ou propostas.
Trata-se de considerar focos ideológicos, institucionais, sociais, políticos
Para o início desta reflexão
um alerta: épreciso saber deambular! Ter e econômicos como traços vinculados à produção cultural de determina-
ábito de percorrer caminhos diferentes; abrir
mão das certezas abso- do contexto. E conforme Tavin (2009, p. 226), três definições para cultura
desconfiar dos sentimentos já vividos; desvelar o olhar
para o que visual podem ser consideradas:
í; perder o medo em errar; não ter receio de rever o que já foi dito e,
fim, conviver
com o diferente. Eis o tempo contemporâneo em que 1)
uma condição cultural na qual a experiência humana é profundamente
emos ou sobrevivemos. afetada por imagens, novas tecnologias do olhar e diversas práticas do ver,
Em minha vivência como professora mostrar e retratar; 2) um conjunto inclusivo de imagens, objetos e aparatos;
no Ensino Superior, venho
cebendo a forma de articulação e justaposição de ou 3) um campo de estudo crítico que examina e interpreta díspares mani-
referências teóricas
festações e experiências visuais em uma cultura.
nesmo tempo que diferentes abordagens são desenvolvidas em prá-
s educativas plenamente compatíveis muitas vezes o estudante faz
É relevante esclarecer que alguns teóricos se utilizam da expressão

)ção pela articulação


ou interfaceamento em função da perspectiva "cultura visual", outrosainda optam por empregar o termo "estudos da
re o contexto.
cultura visual", e
também há aqueles teóricos que se utilizam da nomen-
A Abordagem Triangular vista hoje como um zigue-zague (ver-con- clatura "estudos visuais". Empregado como um campo de estudo, não
ualizar-fazer-contextualizar-ver-contextualizar-etc.)
propicia uma abstraído de conteúdo substancial e de condição histórica, ou na tentati-
r-relação entre o fazer artístico, a leitura e o contexto sociocultural, e
va de desvincular formações visuais das culturais, a cultura visual, seja
Itura visual, como objeto dos
estudos visuais, ancorada na arte como como projeto/ objeto ou campo de abordagem transdisciplinar, também
iução cultural, propicia uma investigação contextual e
relacional ao se torna um meio propício a embates epistemológicos.
o que faz tessituras.
De qualquer forma, independentemente do termo que seja usado
Por sua vez, a cultura visual pode ser
entendida como um objeto (quer cultura visual, estudos da cultura visual ou estudos visuais), há
ximando a reflexão crítica, constituído de tudo o que pode ser visto
uma temática que perpassa a maior parte da produção acadêmica, tanto
entido, ou que seja comunicado por meio de visualidades. Não so-
no suporte teórico quanto no aporte metodológico: é a temática da con-
te reconhecendo
as linguagens visuais (pintura,
gravura, desenho, textualização da visualidade na vida cotidiana. Não se trata de evidenciar
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM IRIANGULAR NO ENSINO DAS ARIES CULTURAS VISUAIS

uma cultura hegemônica e sim, de desconstruir tal pensamento sedimen- —


incluindo aqui as práticas educativas em escolas, museus, comunúln•
tado por valores de certo ou errado. Entende-se que a escola poderá olhar des ou espaços não acadêmicos.
para o contexto que abarca o que há de popular ao seu redor —

sem fazer A pesquisadora e professora Ana Mae Barbosa, preocupada COIO


distinção do que é ou não arte. democratização do conhecimento em arte, vinculado a uma
Em relação ao ensino de Artes Visuais: foi entre o discurso pós-mo- descontextualizada, percebeu a relevância de conhecer o processo
derno global ou contemporâneo e um processo consciente de diferencia- rico do ensino para intervir no
mesmo com consciência. Neste sentido,
çãocultural que surgiu no Brasil a Abordagem Triangular. Ressalta-se que Ferraz e Fusari (1999, p. 35) apontaram:
a partir dos anos 1980 a teoria social crítica passou a tornar-se parte do
conduzir
discurso da Educação e da Arte pós-moderna, alimentando o crescimen- Ana Mae contribuiu com relatos e reflexões que podem
trabalho de professores a posicionamentos mais claros. Ela considera
to de perspectivas sociais e da representação cultural da Arte.
damental a recuperação histórica do ensino de arte para que se
No Brasil, no fim da década de 1980, o Museu de Arte Contemporâ-
perceber as realidades pessoais e sociais, aqui e agora, e lidar criticanwnie
nea da USP teve sua política cultural pautada em vertentes interterritoriais,
com elas.
tornando-se pioneiro nas referências sobre o discurso de abarcar diferen-
tes culturas, sem privilegiar, mas entendendo um diálogo constante de teórico-metodológico, coe
Sistematizou-se entãoum posicionamento
nhecido como Metodologia Triangular ou Abordagem Triangular, ou a na
aprendizado. Alguns dos projetos mais representativos desse exemplo i vi

Abordagem Triangular (AT), que se referiu à melhoria do ensino de


octe,
foram: os diálogos internacionais intensificados por projetos rela tivos com
Arte e o meio ambiente, bem como epistemologias da Arte; prioridade tendo por base um trabalho pedagógico integrador onde o fazer artístico,
arte e da
para exposições coletivas de jovens artistas, conferindo bolsas de estudos a análise ou leitura de obras de arte (ou do campo de sentido da
crítico, reflexi•
aos mesmos; vinculação de projetos expositivos oriundos de pesquisas imagem) e contextualização interagem ao desenvolvimento
dinâmica contextual sociocultural,
em História da Arte e/ou poéticas visuais de alunos de pós-graduação e vo e dialógico do estudante em uma
professores da ECA e outros centros de ensino da Universidade de São
Dos anos 1990 em diante avançou-se nas reflexões sobre
arte e
Paulo; exposições sobre cultura de massa e cultura popular (como, por ensino. Há uma busca incessante por novas metodologias e abordagenn
exemplo, a exposição "Carnavalescos" (1987), causando repúdio entre a de ensino e aprendizagem de artes nas escolas, que visam à construçào
classe artística universitária da época). da imaginação e da capacidade crítica
do conhecimento, da percepção,
O MAC-USP também foi pioneiro em projetos sobre açãoeducativa inventiva não somente do estudante,mas sobretudo do professor.
onde o museu se dispunha a "ir até a escola". Este museu como museu método,
Épreciso salientar que a AT não se tratou de um modelo ou
universitário deflagrou no Brasil na década de 1980 projetos que viabili- metodologia
mas corresponde aos modos como se aprende, que por
e
zariam o acesso de todas as classes sociais aos códigos culturais, funda- aulas e pt'ó•
entende-se o que cada professor realiza como açãoem suas
mentando uma política pluricultural estendida a todos. ticas de ensino e não como vinculação teórica até
porque vinculaçOcn

Desta forma, as Artes Visuais tornam-se de fundamental relevância teóricas mudam, são mescladas e alteradas de acordo com o contexto
para a transfiguração cultural do discurso político, considerando a inte- onde estamos.
ração social e as formas de tessituras identitárias
que caracterizam uma Pois é papel do campo de conhecimento das Artes Visuais gerar
condição contemporânea. Isto pode manifestar-se de fato por meio de de produção e recepçào:
novas problemáticas e tendências aos sistemas
imbricações culturais interpessoais, ou em encontros sociais, institucionais tencionar acesso, gestar a produção, divulgação, legitimação e circulaçâo
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM TRIANGULAR NO ENSINO DAS ARTES E
CULTURAS v1stJA1s 440

do conhecimento, não de informação apenas. Somente assim serápossível produção cultural, e neste espaço de produção cultural há imbrica•
como
impulsionar formas de aprendizagens autônomas e colaborativas cen- mentos políticos e ideológicos que permeiam o currículo.
trando na indagação ou questionamento em dinâmicas contextuais. O
A cultura visual (visual cultllre) tornou-se um eixo temático e objeto
que se busca é compreender a forma como se constitui o efeito de sentido,
de investigação desde a publicação do texto de W. J. T. Mitchell (1994)
ou como se dá significado às coisas no mundo em que vivemos.
com as primeiras analogias sobre a teoria da imagem. Neste sentido, re•
E viável
que se pense sobre o que é uma imagem. Ou ainda, como fletimos sobre um produto de compreensão de que os elementos formam
pensar a imagem das coisas e a imagem de nós mesmos. Conforme No- parte da condição do espectador, assim o olhar, o ver, a prática da obser•
vaes (2005, p. 11), "o desvelar de uma imagem está na própria etimologia vação, a vigilância e o prazer visual podem tornar-se uma problemática
da palavra theoría. Derivada da fusão de théa ('visão', 'olhar') e ora ('des-
tão intensa quanto o ato de interpretação da experiência visual,
velo')". Desta forma, para tecer um olhar crítico/ estético, é preciso que que CCE
tamente não se restringe a um modelo textual.
se pense em atos que levem à compreensão. "Se não sabemos ver, é cer-
tamente porque a visibilidade não depende do objeto apenas, nem do Nas últimas décadas, tanto estudos visuais, quanto os estudos
os
cultura visual
sujeito que vê, mas também do trabalho de reflexão: cada visível guarda para a com abordagens transmetodológicas, vêm sendo
discutidos por diversos teóricos, tanto na Europa, quanto nos Estados
uma dobra invisível que é preciso desvendar a cada movimento.
"

Desta forma, o que busco explicitar é Unidos e países da América Latina os estudos visuais estão sendo

que AT e cultura visual são


compatíveis não
e excludentes, pois isto justifica-se o deambular no tem-
percebidos como uma forma de pensamento pós-estruturalista na con-
contemporâneo: movimentos de ir e vir sobre o contexto relacional
temporaneidade artística.
po
para a compreensão de imagens e significados que colaboram para a Dikovitskaya (2006) aponta que o criticismo desconstrucionista mos-
produção de sentido na Arte. trou que as ciências humanas eram tanto artefatos da linguagem quanto
consequências da busca pela verdade. Assim:

0 ensino de arte em espaços silenciosos da cultura visual: quiçá de O conceito inclusivo de cultura como "todo um modo de vida" (Raymond
a
colagens conceituais Williams) tornou-se o objeto de questionamento dos estudos culturais, que
circundou a arte "erudita" e a literatura sem dar a elas qualquer status pri-
Do contexto dos Estudos Culturais deriva o campo dos estudos vi- vilegiado. Como resultado da virada cultural, o status da cultura foi exami"
suais,onde o objeto torna-se a cultura visual, como um campo de estudo nado nas humanas: é geralmente visto como uma causa dos ao invés de

que pode incluir combinação entre Estudos Culturais, História da Arte, apenas meramente um reflexo ou resposta processos sociais, políticos e

Antropologia Visual e Ciências Sociais, e assim enfocando aspectos da econômicos. A importância do conceito do contexto cultural nas humanas
cultura que se apoiem em imagens visuais. Surgem, desta maneira, estu- acrescentou cinética adicional à ascensão dos estudos visuais. A percepçào
veio a ser entendida como um produto da experiência e aculturação, e re-
dos sobre cinema, moda, televisão, história em quadrinhos, publicidade,
videogame, meios tecnológicos virtuais/ digitais, enfim, presentações são agora estudadas como um entre os outros sistemas signi-
estudos sobre tudo
ficativos que compõem a cultura. (p. 1)
o que poderá visualmente visto e/ou sentido.
ser

Os estudos para a cultura visual utilizam


um "marco"
cultural, sa- Entendida como produção cultural de seu tempo, a Arte e os estudos
lienta Mirzoeff (1999),
para explicar a história visual. Produtos culturais visuais compreenderiam uma epistemologia política das visualidades
se aproximam de produtos artísticos, assim a Arte poderá ser entendida —
este seria o cerne dos estudos para a cultura visual.
A ABORDAGEM NO ENSINO DAS ARIES CULIURAS VISUAIS
BARBOSA • CIJNIIA

Conforme Brea (2007), enquanto disciplinas dogmáticas com seu se configuram em correntes de proliferação identificam
e imagens, onde se

conteúdo cognitivo teríamos a Estética (Teoria da Arte) e a História da por meio de subjetividades a construção de identidades. O local de signi-
Arte; também poderíamos entender os estudos cultural-visuais como um ficação dessas imagens deve ser percebido como um local de intersecções,
cenário de aproximação multidisciplinar que potencializaria a Como de Artes Visuais poderiam responder a este
os professores
compreen-
são crítica sua eficácia performativa da prática sociocultural na contem-
e tempo contemporâneo? Talvez entender que é preciso mudar e parar de
poraneidade. Os estudos culturais sobre o meio artístico se constituem defender-se em um escudo modernista e tradicional que pressupunha
sobre bases críticas, e os estudos visuais tecem investigações sobre a pro- uma formatação "estanque" de ensino baseado puramente em técnicas
dução de significado cultural através da visualidade e práticas de ver que ou conteúdos (onde o professor ensinava e o estudante aprendia verdades
absolutas); entender que é necessário perceber o contexto onde o estu-
impulsionam miradas críticas.
dante está inserido, além dos muros da escola, inclui-se aqui a necessida-
Seguindo o pensamento de Brea (2007,
p. 9), todo o ato de ver pode- de da percepção para as tendências digitais/ virtuais; reconhecer a rele-
rá, então, ser resultado de uma construção cultural
portanto é um ato

vância da comunicação de massa, dos veículos midiáticos e planejar e


mestiço e híbrido. Assim, a visualidade tem conotação de prática política
integrar essas novas formas estéticas ao currículo proposto.
e cultural, pois dependeria justamente da intensidade performativa
que Espera-se que a escola seja um espaço de criação de percepções,
a conduz em seu poder de prodilção de realidade. Não é a visualidade
que instauradora de sentido sobre o cotidiano.
comporta um componente político, mas sim a linguagem na qual a visu-
alidade se expressa, esta sim comporta uma conotação política, identitá- são formas visuais que podem propiciar uma reflexão sobre
Imagens
o que e como ensinar Artes Visuais na escola. Propõe-se tecer reflexões
ria do desejo e da sociabilidade do indivíduo contemporâneo.
sobre a imagem como colagem para a formação docente em Artes Visuais.
Qual seria o campo intelectual do ensino de Artes Visuais? Seria um de Arte deverá ser um contexto multiplicador
Entende-se que a aula
âmbito do pensamento dentro do qual existe a prática que tem a ver com através da pluralidade de confluências existentes em seu cerne, no entan-
o quê, por
que e como chegamos a ter conhecimento sobre visualidades? to a colagem propiciaria estratégias conceituais possíveis de examinar o
Parte-se do pressuposto de que a cultura visual pode ser um campo de
espetáculo da cultura visual. Para Garoian e Gaudelius (2008, p. 23):
intersecção entre a Educação pensam sobre Arte.
e a Arte, e como as pessoas

O que poderá interessar aos professores de Artes Visuais são os ar- Dada a posição colagem como uma forma usada para atrair consumo,
da

tefatos visuais (não somente aqueles pertinentes ao conteúdo de Artes


ela não é, coincidentemente, a forma de discurso mais amplamente usada
pelos sistemas mediados de massa de televisão, publicidade, noticiário,
Visuais, mas assim como os artefatos que constituem atitudes, crençase
cinema e Internet. Além disso, considerando o excesso de material visual
valores presentes no cotidiano do homem contemporâneo). Esses artefa-
disponível nos jornais, revistas e outras formas de cultura visual, virtual-
tos geralmente envolvem outros códigos
que não os visuais e comprome- mente cada professor de sala tem empregado a colagem como um processo
tem outros modos sensoriais que não a visão. rápido, fácil e barato de produção de imagem para os estudantes ilustrarem
A razão de entender os estudos visuais ou ter um dos eixos do ensino o que eles aprendem em várias disciplinas acadêmicas.

de Artes Visuais centrado em estudos para a cultura visual é que esta po-
deria "prover" os estudantes com um conjunto de ferramentas críticas No entanto, a colagem poderá ser vista não como instrumento ou
(formação de problemas) para a investigação da visualidade humana e não meio somente de um fazer artístico tecnicamente concebido, mas sim
"transmitir" informações ou valores, conforme aponta Mitchell (1994). Os evidenciar a dimensão estética e a narrativa elaborada pelo estudante,
estudantes vivenciam mundos digitais/ virtuais e tecem redes sociais que entendendo a colagem como um eixo conceitual que permeia sim a pro-
BARBOSA • CUNHA A ABORDAGEM NO ENSINO ARIES CULTURAS VISUAIS

Iuçáo plástica, mas também a elaboração crítica do contexto e tal produ- FERRAZ, Maria Heloísa; FUSARI, Maria F. de Rezende. Metodologia do de

de sentido. arte. São Paulo: Cortez, 1999.

Na colagem há uma indecisão, narrativa de caráter representacional GAROIAN, Charles R.; GAUDELIUS, Yvonne. Spectacle pedagogy afl,
um emble-
for o caso), tratando-se de visual culture. Pennsylvania: Penn State University, 2008.
ou antirrepresentacional (seja qual
necessário que seja proposto
na para a cultura contemporânea, assim é HERNANDEZ, Fernando. Catadores de cultura visual: transformando fragmentos
10 ensino de arte uma atenção crítico-pedagógica sobre a colagem. em nova narrativa educacional. Porto Alegre: Mediação, 2007.
Considerando a "dominação" da sociedade pela cultura visual atra- De qué hablamos cuando hablamos de cultura visual? Revista Educaçà()
Jés da televisão, cinema, Internet, propaganda e outras formas de pro-
& Realidade. Porto Alegre, v. 30 n. 2, 2005.
dução corporativa, o campo do ensino de arte vem sendo proposto a
LAMPERT, Jociele. Interfacearte-1110da: tecendo um olhar crítico-estético do pro-
nstigar um de definição de práticas pedagógicas e curriculares
processo fessor de artes visuais. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade

lue poderiam possibilitar aos estudantes Expor, examinar e criticar os Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2005.
:ódigos imutáveis e essencializados de sistemas mediados pela massa.
Estágio supervisionado: andarilhando no caminho das artes visuais. In:
É salientar que AT é plenamente compatível com a cultura
.

preciso
OLIVEIRA, Marilda 0.; HERNÁNDEZ, Fernando (Org.). Aforlllaçãodo professor
visual contemporânea tanto em relação à produção artística, ou às ques-
e o ensino das artes visitais. Santa Maria: Ed. UFSM, 2005.
:õesque se vinculam a reflexões críticas, quanto ao olhar sobre o contex-
Arte contemporânea, cilltllra visllal e fonnaçãodocente. Tese (Doutorado)
:o de forma não linear.
.


Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
159f.

Referências bibliográficas MITCHELL, W. J. T. Picture theory. Chicago: University of Chicago, 1994.

MIRZOEFF, Nicholas. Ulna introducción a cultilra visual. Buenos Aires: Paidós, 1999.
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Safra, 1990. NOVAES, Adauto (Org.). Milito além do espetáclllo. São Paulo: Ed. Senac, 2005.
rânea da Universidade de São Paulo. São Paulo: Banco
ensino da arte: 80 e São Paulo: Perspec- OLIVEIRA, Marilda 0.; HERNANDEZ, Fernando (Org.). A formaçãodo professor
.

A imagem no anos novos tempos.


e o ensino das artes visuais. Santa Maria: Ed. UFSM, 2005.
tiva, 1999.

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