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Revista de Ciências Humanas | v. 22 | n.

2 | Julho-Dezembro 2022
Dossiê Práticas como Pesquisa: Criação/(Des)Organização dos corpos da cena

Prática Artística como Pesquisa no Brasil: Reflexões Iniciais

Artistic Practice as Research in Brazil: Initial Insights

Melina Scialom1
Ciane Fernandes2

Resumo: A prática como pesquisa, mesmo não sendo nomeada enquanto tal, acontece no
Brasil desde a década de 1990, estando relacionada aos cursos de pós-graduação, grupos de
pesquisa e ao trabalho de artistas-pesquisadores locais. Apesar de já existir desde a última
década do século passado enquanto epistemologia de pesquisa, o cenário ainda é pouco
nítido, pois o termo – Prática como Pesquisa – é importado (de Practice as Research) e só
chegou no país e passou a ser usado na produção acadêmica nacional na segunda década do
século XXI. Esse artigo tem o intuito de traçar um panorama sobre a Prática como Pesquisa
no Brasil, considerando o histórico de pesquisa em artes cênicas, as associações
metodológicas recorrentes e buscando as particularidades e exemplos de como ela vem se
materializando nas pesquisas brasileiras. Os dados para a elaboração desse artigo foram
coletados através de busca nos websites das agências de fomento nacionais, entrevistas
abertas com diferentes artistas-pesquisadores brasileiros, pesquisa em base de dados
eletrônicas e nos anais da ABRACE e da ANDA.
Palavras-chave: Prática como pesquisa. Metodologia de Pesquisa. Pesquisa em Artes.
Artes Cênicas.

Abstract: Practice as Research, even not being identified in such terminology, has been
occurring in Brazil since the 1990’s, associated to postgraduate degrees, research groups
and the work of local artist-researchers. Although it exists as a research epistemology since
the last decade of the previous century, the scenario is still blurred, as the term – Practice as
Research was imported into Brazil (in Portuguese translated as Prática como Pesquisa) and
only reached the country and began to be cited locally on the second decade of the 21st
century. This article intends to trace an overview of Practice as Research in Brazil,
considering the history of research in performing arts, its recurring methodological
associations and seeking the particulars and examples of how it has been materializing
itself in Brazilian research.

1
Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: melinascialom@gmail.com.
2
Professora titular da Escola de Teatro da UFBA. Diretora e performer do Coletivo A-FETO de
Dança-Teatro. E-mail: cianef@gmail.com.

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Keywords: Practice as Research. Research Methodology. Research in Arts. Performing


Arts

Introdução

O reconhecimento da prática, especificamente da prática artística, como


conhecimento no contexto acadêmico brasileiro, tem sido discutido desde os anos de 1990
em um cenário de pesquisa plural, em desenvolvimento e por vezes pouco nítido. O fato de,
até recentemente, a Prática como Pesquisa (Practice as Research - PaR) não ter sido
nomeada com uma terminologia distinta na pesquisa acadêmica nacional impede a
possibilidade de traçar uma linhagem precisa de suas raízes e desenvolvimentos no país. No
entanto, ao identificar algumas diferentes correntes de PaR em desenvolvimento desde o
início dos anos de 1990, mesmo que não nomeadas como tal, reconhecemos que
pesquisadores brasileiros já vêm investigando, há bastante tempo, a prática como meio de
gerar conhecimento artístico e acadêmico.
Pesquisa com prática artística surgiu nos cursos de pós-graduação em artes cênicas
nos anos de 1980, já a partir do primeiro programa criado em 1981 na Universidade de São
Paulo (USP). Outros programas surgiram na sequência, como os da Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA). E
muitos outros floresceram em todo o país na virada do milênio. Hoje o país conta com 37
programas de pós-graduação em artes cênicas em universidades públicas, que incluem
mestrado e (ou) doutorado (CAPES, 2022).
Uma característica singular da pesquisa em artes no país é o fato de que a maioria
dos programas de pós-graduação está alocado em instituições públicas. Tais instituições
promovem a produção de conhecimento gratuito de livre acesso, desde teses e dissertações
a revistas acadêmicas e livros, além de eventos de divulgação e troca de saberes - muitos
deles realizados com investimento público ou dos próprios pesquisadores. Isto traz uma
característica singular ao cenário da pesquisa em artes cênicas no país, onde pesquisadores
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não atrelam suas pesquisas a interesses de mercado. Apesar disso, todas estas atividades,
materiais e produções continuam a serem avaliadas por pares, inclusive para manutenção
ou renovação de apoios etc. Assim, este sistema vem garantindo a liberdade de expressão e
de temática de pesquisa, incentivando estudos inovadores e realmente relevantes, tanto no
âmbito cultural quanto social. Neste sentido, os cortes e boicotes sofridos por este sistema
nos últimos anos têm sido cruciais e têm merecido debates e críticas justas, especialmente
no campo das artes (Matos, 2020), que já recebe a menor fatia de todo apoio
governamental, tanto na ciência quanto na cultura. Haja visto, por exemplo, que,
diferentemente de alguns anos atrás, grande parte dos estudantes não têm recebido bolsas
de estudos durante o curso, o que dificulta a dedicação exclusiva e compromete a pesquisa.

Contexto local de pesquisa e(m) artes

Um dos principais aspectos de nossa cultura é a riqueza das formas artísticas locais
e mestiças, expressas por comunidades de diversas matrizes étnicas e culturais. Em sua
grande maioria, estas inúmeras formas operam através de tradições orais e corporalizadas
de conhecimento, validado pela transmissão de geração a geração. A separação entre o
pensar e o fazer veio com a colonização europeia e a institucionalização do conhecimento,
através da introdução da chamada high art nos conservatórios. Consequentemente, o
colonialismo acadêmico - onde o conhecimento é diretamente associado a formas literárias
e à observação externa analítica e antropológica – reduziu e marginalizou conhecimentos
locais orais e corporalizados a objetos de pesquisa, como salientado por pesquisadores
locais, a exemplo de Edir Augusto Dias Pereira (2020, p. 19).
Até a virada do milênio, o conhecimento tácito local era validado na academia
apenas através da pesquisa social e cultural qualitativa sobre estas práticas, analisando os
fazeres locais através das lentes da erudição colonial europeia e norte-americana masculina
e branca. Este cenário apenas começou a mudar com a virada para o governo de esquerda

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em 2002, com o investimento na educação, aumentando o número de cursos de artes em


universidades públicas, tanto de graduação quanto de pós-graduação. Neste período, até
2016, pudemos verificar também um aumento do acesso de minorias subalternizadas à
educação universitária, através de programas de cotas e bolsas em vários níveis.
Com o aumento da diversidade e acesso à educação superior, diferentes
profissionais da prática, grupos étnicos e classes sociais começaram a ocupar vagas como
professores em universidades. Isto impactou nos modos como a pesquisa é feita,
introduzindo “epistemologias do sul” (Santos & Menezes, 2010)3 nas pesquisas, pedagogias
e fazeres artísticos locais. Pesquisas começaram a apresentar relatos em primeira pessoa,
incluindo referências de conhecimento tradicional oral e corporalizado, e parte das
experiências de vida dos pesquisadores. Esta mudança de paradigma em andamento tem
propiciado espaço para que a diversidade fale por si mesma, ao invés de ser objeto de
estudo de outros grupos sociais e étnicos. Esta transformação faz parte da virada decolonial
em nossas universidades na última década, valorizando tradições culturais como, por
exemplo, as de povos originários e afrodescendentes.
No entanto, diante de 500 anos de segregação colonial e disparidade econômica, a
transformação está apenas iniciando. Mudanças epistemológicas rumo a perspectivas mais
diversas nos currículos universitários estão nascendo. As temáticas dos últimos quatro
congressos da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas
(ABRACE) comprovam esta mudança, enfocando este conhecimento popular prático,
associado à diversidade e aos direitos humanos. Nesta associação, pesquisadores brasileiros
de PaR têm se reunido no Grupo de Trabalho Processos Criativos e Expressão Cênica,
durante a coordenação de Alba Pedreira Vieira e Valéria Figueiredo (2017-2021). Em 2021,
na Associação Nacional de Pesquisadores em Dança (ANDA), Diego Pizarro e Melina

3
As Epistemologias do Sul é um termo lançado por Boaventura de Souza Santos e Maria Paula Meneses para
revelar uma busca por referências epistêmicas nascidas no sul global em prol de articular o que o os autores
chamam de uma ecologia de saberes que inclui modos de existir característicos dos territórios em processo de
decolonização.

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Scialom, com colaboração de Ciane Fernandes, criaram o comitê temático Somática e


Prática como Pesquisa em Dança, marcando a primeira vez que os termos PaR e Somática
surgem oficialmente em uma associação nacional de pesquisa. Em 2022 o comitê recebeu,
para participar do Encontro Científico da Associação, 24 resumos de autores cobrindo as
cinco regiões do Brasil.
Com a continuidade de mudanças na pesquisa em artes, o valor da cultura local
como fonte de conhecimento - não apenas através de meios antropológicos, mas também
como modos de fazer-pensar - tem sido redimido na pesquisa e expressado na busca por
epistemologias que dão suporte e honram esta validação.

Da prática e(m) pesquisa à Prática como Pesquisa

No Brasil, tanto quanto na América do Sul e Central (Serrano, 2021), diplomas


universitários em artes cresceram a partir de contextos e práticas artísticas profissionais.
Construídos a partir dos modelos de formação de artistas promovidos em conservatórios e
cursos profissionalizantes, os bacharelados e licenciaturas em artes tendem a enfatizar a
prática artística, mas também incluem contextos teóricos, históricos, estéticos e culturais,
além de aplicações pedagógicas. Esta abordagem, fundada primordialmente na prática
artística, facilitou a continuidade deste enfoque também na pós-graduação. No entanto, esta
tendência sofreu uma série de influências distintas que gerou uma multiplicidade de
abordagens na pós-graduação em artes cênicas.
Uma destas influências foi a formação inicial dos professores fundadores destes
programas. Os professores que fundaram estes programas podem ser generalizados em
quatro tipos: artistas que adquiriram o diploma de pós-graduação após vários anos
lecionando em universidade; artistas com diploma de pós-graduação de outras áreas do
conhecimento; artistas com diploma de pós-graduação em artes do exterior; ou
escritores/pesquisadores teóricos que tinham alguma experiência artística (críticos de arte,

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antropologistas, educadores físicos, historiadores etc.). Isto significa que os programas de


pós-graduação acabaram por incluir uma mistura de abordagens, nem sempre preservando a
prática artística ou reconhecendo o conhecimento prático como uma atividade de pesquisa.
Mas os muitos artistas profissionais que continuaram suas práticas intensivamente enquanto
lecionando na pós-graduação, assim como aqueles que nas últimas décadas têm concluído
pós-graduação em artes, continuaram a enfatizar a prática artística no ensino, nas atividades
e na pesquisa na universidade.
Para entender melhor o panorama da pesquisa em artes cênicas que articulam os
saberes da prática, realizamos uma coleta de dados nos anais publicados online das
principais associações nacional de pesquisa na área – ABRACE e ANDA – e também em
base de dados das duas agências de fomento federais – CNPq e CAPES, além de também
buscamos entrevistar (com perguntas abertas via correio eletrônico e WhatsApp) diferentes
artistas-pesquisadores brasileiros que vêm se destacando enquanto difusores de
conhecimento artístico-acadêmico a âmbito nacional. Buscamos pelo uso de termos chave
como Prática como Pesquisa (e seus derivados com letra minúscula e com hífens), Pesquisa
Performativa, Pesquisa Somática e Processos de Criação. Também trouxemos referências a
partir das nossas vivências interinstitucionais, que incluem pesquisas que orientamos e (ou)
das quais participamos de bancas de avaliação, bem como pesquisas apresentadas em
eventos da área e (ou) em grupos de pesquisa dos quais temos participado tanto como
integrantes quanto como convidadas.
Justamente pelo fato desta busca não ter atingido práticas e pesquisas que não foram
publicadas a âmbito nacional, não foi possível exaustar o panorama de Prática como
Pesquisa no Brasil. Inclusive porque se trata de uma metodologia plural que ainda está em
desenvolvimento e cujos critérios estão em franco intercâmbio acadêmico intercultural.
Desta forma, acreditamos que este artigo apresente reflexões iniciais sobre o tema,
deixando aberto o convite para investidas verticais e a nível tanto local quanto nacional e
sul-americano.

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Resumindo, uma visão geral dos programas de pós-graduação em artes no país


revela uma mistura híbrida de abordagens, oscilando entre prática artística e estudos
teóricos. Como apontado acima, estas categorias advêm de nossa experiência
interinstitucional por mais de três décadas. No entanto, trata-se de uma categorização
inicial, criada para esclarecer as delimitações entre prática e teoria no âmbito acadêmico em
artes cênicas, mas sem fechar em tipos estanques, já que esta é uma metodologia em
desenvolvimento e muitas outras categorias e sub-categorias já podem existir e podem estar
surgindo nesse exato momento. Neste esboço inicial, a gradação entre prática artística e
estudos teóricos cria um mosaico bastante interessante, que inclui:

● Pesquisa sem prática artística per se (apesar que possa ser que inclua alguma
análise da prática);
● Pesquisa com prática artística, mas com enquadramento e abordagem teóricos;
● Pesquisa com prática artística com diferentes aplicações práticas (pedagógicas
e/ou sociais);
● Pesquisa com prática artística onde esta prática é o eixo e objeto da pesquisa,
apesar de que não necessariamente usada como metodologia;
● Pesquisa com prática artística na qual esta prática é o eixo, mas a metodologia
associa várias abordagens;
● Pesquisa com prática artística na qual esta prática é o eixo e principal metodologia
usada;
● Pesquisa com prática artística na qual a prática é a metodologia principal usada,
mas não necessariamente o eixo do objeto da pesquisa em si mesmo (o/a pesquisador/a não
está interessado/a em criar uma obra final ou um instrumento artístico de qualquer tipo).

Apesar da prática estar amplamente presente, como indicado, o critério de avaliação


baseado em outras áreas do conhecimento, a exemplo das ciências humanas sociais e da

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educação, é aceito sem questionamento, como uma condição si ne qua non para ser
considerado como pesquisa acadêmica. A inclusão de um trabalho de arte como meio e
produto de pesquisa é muito comum, mas a validação desta prática em si mesma como
produtora de conhecimento permanece em questão.
Nelson (2013) explica que nos países onde a Prática como Pesquisa foi instaurada
perante as agências de fomento locais, foi determinado que as teses realizadas sob esse
paradigma devem incluir registros das práticas e apresentar de cinquenta a sessenta por
cento da contagem de palavras finais do material escrito. Por exemplo, no Reino Unido,
uma tese apresentada para um doutoramento do tipo PhD (Doctor of Philosophy)4 em artes,
precisa conter entre 80 e 100 mil palavras. Já um doutoramento realizado sob a
epistemologia da Prática como Pesquisa exige a apresentação de uma tese de 50 mil
palavras, acompanhada de registros das práticas. Essa regra é diferente para os programas
de Doutorado Artístico (Artistic Doctorate), os quais, diferentemente dos programas de
PhD, possuem a prática como componente central do produto apresentado para avaliação
acadêmica. Nesse caso a ADiE (2019) – uma parceria entre pesquisadores oriundos de
universidades e instituições do Reino Unido, Suécia e Finlândia – tem realizado esforços
para debater e justificar a prática e os produtos artísticos como elemento central de
pesquisa.
No Brasil, não encontramos parâmetros reguladores similares registrados na
CAPES. Dessa forma, percebemos que cada programa tem instaurado seus próprios
parâmetros para avaliação desses trabalhos. Para citar um exemplo, no PPGAC da UFBA,
antes da Prática Artística como Pesquisa internacional se espalhar no país, falávamos de
“mestrado ou doutorado com componente prático” ou “com encenação” ou “com
componente de performance”, e dissertação ou tese também com estes complementos.
Onde componentes práticos são apresentados – como um exemplo da investigação ou

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A palavra philosophy nesse sentido é relativa não à disciplina da filosofia, mas sim ao significado da palavra
em grego que está relacionado à “conhecimento”.

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mesmo como um resultado dela – ainda são avaliados como parte de um material escrito –
dissertação ou tese – cujo requisito de tamanho não diminui por conta do desenvolvimento
da prática artística. Cada vez mais, em várias instituições, a exemplo da UNICAMP e da
UFBA, a obra ou instrumento artístico criado e (ou) seu processo em si mesmo contam
oficialmente como material de defesa de dissertação ou tese, com inserção do material
gravado em vídeo ou sonoplastia ou imagens em formatos específicos parte do trabalho
final. No entanto, isto também não implica na diminuição efetiva do trabalho escrito
mediante os requisitos oficiais para obtenção do título. No Brasil, as regulamentações
oficiais para a obtenção do diploma não reconhecem práticas artísticas em si mesmas, ou
seu registro em outros formatos, como parte integral da pesquisa. Isto é diferente, por
exemplo, na Austrália, onde a obra artística criada e apresentada conta efetivamente como
parte quantitativa do resultado e a defesa se faz com um documento de volume escrito
bastante reduzido com relação a teses e dissertações sem prática artística (Haseman, 2015).
As discussões sobre a metodologia da PaR no país estão em seus estágios iniciais, e
pesquisadores em geral ainda tendem a confundir validação de pesquisa artística e PaR com
conhecimento artístico. Este quadro fica ainda mais confuso quando lidamos com os
recém-criados Mestrados Profissionais em Artes (PROF-ARTES) em diferentes
universidades brasileiras, os quais têm uma ênfase prática e em geral dirigem-se
principalmente à arte-educadores. De um lado, existe a ênfase na prática em si mesma ou
como instrumento pedagógico e social, buscando não enfatizar uma grande carga horária
teórica o que, a priori, fica a cargo dos mestrados acadêmicos. Por outro lado, a
metodologia usada, em sua maioria, ainda vem de métodos qualitativos. Deste modo, a
separação entre prática e teoria ainda persiste, por vezes até criando uma atmosfera
pejorativa aos mestrados profissionais por não serem teóricos o “suficiente” (já que este
“suficiente” não segue critérios de PaR, e sim de outras áreas e de outras metodologias).
Mas, pelo menos, o requerimento destes mestrados inclui necessariamente um trabalho
prático, além do trabalho escrito, e ambos são levados em consideração na avaliação para

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obtenção do diploma. Isto favorece a utilização da PaR como metodologia nestes


programas, o que vem acontecendo, por exemplo, no Programa de Pós-Graduação
Profissional em Dança da UFBA.
Apesar da prática artística (pesquisa em ou através das artes) fazer parte de grande
parte das pesquisas na área, a necessidade de uma discussão aprofundada e abrangente
sobre isto, especialmente com as agências de fomento, ainda não surgiu. Talvez isto seja
porque o tamanho (número de páginas totais) dos trabalhos escritos finais seja
tradicionalmente alto (com ou sem trabalho artístico), apesar de também não existir uma
regulamentação nacional homogênea para isto (como acontece nos países onde a
terminologia de PaR foi introduzida e sua metodologia instaurada). Então, até o momento,
ainda não surgiu uma necessidade de estabelecer regulamentações acerca do componente
prático como parte do conhecimento gerado na pesquisa. O resultado é que, até a última
década, poucas pesquisas têm sido geradas a respeito da prática como produtora de
conhecimento, e uma epistemologia clara nesta direção (como a PaR, por exemplo) ainda
não está estabelecida no território nacional.
Em geral, mesmo quando a prática artística é desenvolvida durante toda a pesquisa
de pós-graduação, estudantes tendem a procurar outras descrições metodológicas quando
vão escrever a dissertação ou tese (na maioria das vezes porque são aconselhados a fazer
isso) para seguir as regulamentações acadêmicas. Isto provavelmente se deve à
desinformação generalizada sobre PaR, e ao equívoco de achar que praticar arte durante a
pesquisa já se configura como PaR. Esta situação leva a duas atitudes contrastantes e
mutuamente excludentes: invalidar PaR e colocar outras metodologias em primeiro plano;
ou assumir que toda prática é pesquisa. Esta última atitude inclusive por vezes utiliza o
argumento de que PaR já tem sido feita há muito tempo no país e que apenas agora vem
adiante como outra regra colonizadora a ser seguida em detrimento de condições locais já
estabelecidas.

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Há, de fato, uma linhagem de metodologias de pesquisa que incluem práticas, e que
poderíamos dizer que dialogam com PaR até certo ponto. Por exemplo, a Pesquisa-Ação
Participativa, do cientista colombiano Orlando Fals Borda (2008; 2013), é amplamente
usada, especialmente na pesquisa em teatro-educação que lida com comunidades
selecionadas. No entanto, em muitos casos, quando chega a hora de organizar o material
coletado e escrever o trabalho final do curso, a prática artística desenvolvida de modo
participativo torna-se um objeto de análise.
Outro exemplo bastante comum nas pesquisas em artes nas últimas décadas é o uso
de teorias de outras áreas, como as de ciência e cognição de Humberto Maturana e
Francisco Varela (2001), as quais muitas vezes são associadas a práticas artísticas ou
mesmo a metodologias de PaR. No entanto, estas abordagens não vêm do campo artístico
em si mesmo, e impõem certas limitações na prática da pesquisa, além de reforçar a
necessidade da validação científica. Além disso, por exemplo, teorias de crítica literária
também vêm sendo aplicadas às artes do corpo, como a Crítica Genética, de Cecília de
Almeida Salles (2008). No entanto, esta aplicação tem suas limitações e inadequações,
como argumentado pelo coreógrafo Cláudio Marcelo Carneiro Leão Lacerda (2018), que,
em sua tese, defendeu o uso da PaR no lugar de outras teorias como as de Salles.
Em sua tese (Lacerda, 2018), o coreógrafo explica que a proposta de Salles envolve
uma análise semiótica da documentação de processo criativo a qual foi inicialmente
desenvolvida para a escrita literária. Por conta disso, a teoria não se adequa à PaR em
dança, pois não foi desenvolvida para ser usada por um praticante, mas sim como um
instrumento analítico de materiais criativos levantados por terceiros. Além disso, esta teoria
não estimula a experiência ou linguagem corporalizada para realizar a análise dos materiais
de pesquisa, como acontece com vários outros métodos desenvolvidos da e para as artes do
corpo, com arcabouços que enfatizam práticas em movimento, a exemplo dos Estudos
Coreológicos, utilizados por Lacerda.

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Apesar de ainda estar vigente a valorização de metodologias de outras áreas (e sem


prática) como modelos de pesquisa em artes, o panorama tem mudado. O primeiro evento
totalmente dedicado à PaR no país foi o 5o Seminário de Pesquisas em Andamento, que
aconteceu no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Escola de Comunicação e
Artes da USP em 2015, com organização de Marcello Amalfi e Umberto Cerasoli Jr.
(2015). Outro evento relevante foi a Conferência do International Federation for Theatre
Research (IFTR), que aconteceu pela primeira vez no país, também na USP, em 2017, onde
se reuniram os integrantes do Grupo de Trabalho Performance as Research, incluindo
diversos integrantes brasileiros. Esses eventos possibilitaram o contato de pesquisadores
locais com a epistemologia da PaR e favoreceram trocas entre pesquisadores nacionais e
internacionais que vêm trabalhando com esta metodologia em suas pesquisas.
Como resultado do aumento destas trocas e a busca pela validação das pesquisas
que acontecem através da prática artística, existem sete grupos registrados no Diretório de
Grupos de Pesquisa do CNPq cujas propostas se articulam com a PaR de modo explícito.
Estes grupos são os seguintes: CEDA-SI - Coletivo de Estudos em Dança, Somática e
Improvisação, coordenado por Diego Pizarro (Instituto Federal de Brasília);
CORPOETICA - Poéticas do Corpo coordenado por Kátia Salib Deffasi e Cibele Sastre
(Universidade Estadual do Rio Grande do Sul / Universidade Federal do Rio Grande do
Sul); GIPE-Corpo - Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão sobre as Corporeidades
Mestiças e(m) Ecoperformance, coordenado por Leonardo J. Sebiane Serrano
(Universidade Federal da Bahia); LAPA - Laboratório de Pesquisa em Atuação, coordenado
por Maria Beatriz B. Mendonça (Universidade Federal de Minas Gerais); Pesquisa
Transdisciplinar em Dança, coordenado por Alba P. Vieira e Maristela M. S. Lima
(Universidade Federal de Viçosa); Prática como Pesquisa: Processos de Produção da Cena
Contemporânea, coordenado por Sílvia M. Geraldi e Ana M. R. Costas (Universidade
Estadual de Campinas); Radar 1 - Grupo de Improvisação em Dança, coordenado por Líria
de A. Morais (Universidade Federal da Paraíba).

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O interesse e debates sobre a PaR têm aumentado bastante no país nos últimos cinco
anos, e pesquisadores têm cada vez mais se questionado e refletido sobre as práticas
artísticas e culturais no contexto da pesquisa acadêmica, inclusive na associação de PaR
com outras metodologias locais. Por exemplo, a pedagogia de Paulo Freire vem muitas
vezes sendo usada na pesquisa acadêmica justamente para reforçar e validar práticas
artísticas engajadas social e culturalmente. Este tipo de associação pode ser vista, por
exemplo, nas teses de Neila C. Baldi (2017) e de Sonaly T. Silva Gabriel (2021).
Outro exemplo importante é o Teatro do Oprimido de Augusto Boal (1975). Antônia
Pereira Bezerra, coordenadora do Grupo de Estudos em Teatro do Oprimido (GESTO) nos
explica que apesar do trabalho de Boal não ter sido inicialmente visto como uma
metodologia de pesquisa por seus proponentes, essas práticas podem ser usadas como tal
(2021). A pesquisadora afirma que para trabalhar ou pesquisar Teatro do Oprimido é
preciso praticá-lo. Inclusive, seu projeto de pesquisa atual explora justamente o uso do
Teatro do Oprimido como metodologia de prática artística.
Com o crescimento gradual de publicações de PaR, eventos, atividades e grupos de
estudos, pesquisas cada vez mais assumem abordagens como a Pesquisa-Ação em projetos
de PaR, ou associam metodologias do fazer artístico. Por exemplo, a tese de doutorado de
Antônio Ricardo Fagundes de Oliveira (2020) associa a Pesquisa-Ação Participativa e a
PaR no fazer teatral com uma comunidade de mulheres em terceira idade da área rural
baiana. A tese de Carlos Alberto Ferreira da Silva (2018) é outro exemplo desta associação
metodológica, onde conjugou Pesquisa-Ação Participativa, PaR e a Pesquisa
Somático-Performativa (Fernandes, 2014). Em seu trabalho, Ferreira criou uma intervenção
urbana com aproximadamente 40 performers com deficiência visual, desdobrando uma
série de princípios somático-performativos aplicados à deficiência.
A introdução da terminologia PaR no universo acadêmico brasileiro não apenas
apoia um uso reconhecido e rigoroso da prática na pesquisa artística, mas também legitima

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o trabalho de pesquisadores que têm buscado modos de escrita experimentais e inovadoras,


além de justificar tal produção e seu financiamento pelas agências de fomento.
Ao fundar e consolidar pesquisa na prática, abrimos caminhos para validar tipos de
conhecimento que vêm sendo marginalizados em nossa sociedade altamente hierárquica.
Onde a divisão de trabalho reforça a distinção binária entre fazedores e pensadores, a
validação da prática como modo de produzir conhecimento integra corpo e mente em uma
combinação de relevância social e somática.
Até hoje, testemunhamos populações marginalizadas sendo repetida e
continuamente removidas de suas terras, sendo exploradas, sofrendo violências e genocídio
– ainda mais durante a pandemia da Covid-19. Trazer a prática – especialmente práticas
marginalizadas – para o primeiro plano da pesquisa é reconquistar um território
reivindicado por nossos ancestrais que foi perdido há muito tempo. E isto é ainda mais
relevante quando lidamos com a prática artística em um país com tamanha diversidade de
manifestações culturais que refletem modos particulares de ser e se relacionar no/com o
mundo. Além disso, modos interartísticos de pesquisar abrem um leque de possibilidades
para além do enfoque acadêmico quantitativo racionalista, instaurando um campo
neurodiverso acessível e necessário (Fernandes, no prelo).
Portanto, a Prática Artística como Pesquisa no país está associada à justiça social, à
igualdade de direitos, à diversidade, à hibridez, assim como a abordagens somáticas e
ecológicas. Um exemplo desta relevância social da PaR é a dissertação de mestrado de
Márcia Lima Gomes (2020), que trabalhou com mulheres em situação de cárcere,
desenvolvendo o solo “Medéia Negra”, de reconhecimento internacional, em associação
com a interseccionalidade feminista. Outro exemplo é a dissertação de mestrado de Brenda
Arelli Urbina Bolaños (2022), a qual associa a PaR e a Pesquisa Somático-Performativa a
documentários interartísticos para lidar com o trauma e o terror vinculados ao genocídio de
povos originários, ao feminicídio e à violência contra as mulheres no contexto da
colonização e da guerra contra o narcotráfico em seu país de origem, o México.

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Algumas epistemologias de PaR no Brasil

Ao longo de décadas de práticas diversas, artistas/pesquisadores brasileiros têm


investigado metodologias que, nos últimos anos, têm integrado um grande número de
projetos de PaR e até mesmo se configurado como metodologias específicas de PaR. Um
exemplo é o trabalho de Angel Vianna (1928 -), que vem desenvolvendo seu método de
pedagogia da dança desde os anos de 1950, culminando na criação da Escola Angel Vianna,
que oferece cursos de graduação e pós-graduação, inclusive com vínculos a instituições
federais e internacionais. O embasamento prático de sua instituição, associando somática e
dança em aplicações artísticas, educacionais e terapêuticas, tem influenciado o
desenvolvimento de projetos de pesquisa enfatizando processos criativos em
desdobramentos diversos. Seu método tem sido objeto de estudo e metodologia de
pesquisas acadêmicas em várias universidades do país (ANDA, 2022; ABRACE, 2022).
O diretor teatral, ator e pesquisador Luís Otávio Burnier (1956-1995) foi o criador
do grupo de Teatro Laboratório LUME, em 1985, juntamente com Denise Garcia e Carlos
Simioni e, desde 1994, está sediado na UNICAMP (LUME). De suas pesquisas, Burnier
concluiu o doutorado e publicou o livro detalhando as práticas e treinamentos (BURNIER,
2013). Pouco a pouco, integrantes do grupo foram também realizando pesquisas,
doutorados e assumindo cargos em universidades, desdobrando e multiplicando este
conhecimento (Ferracini et al., 2020). Apesar de não mencionarem a PaR em suas
publicações, os integrantes referem-se ao trabalho do grupo como pesquisa
“prática-teórica” (Colla, 2021), onde a prática incita o processo teórico/reflexivo em troca
constante. Exemplos de outras iniciativas de PaR baseadas em teatro são as de Marcelo
Lazzaratto (2011) que criou um método e linguagem cênica que fomentam processos de
atuação, criação e pesquisa e Melissa Ferreira (2020) que defende o drama como pesquisa.

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Outra iniciativa artística e acadêmica que se relaciona com a epistemologia PaR é o


método Bailarino, Pesquisador, Intérprete (BPI), desenvolvido por Graziela Rodrigues,
também na UNICAMP (Rodrigues, 1997), desde os anos de 1980. Este método de
pedagogia e pesquisa artística e acadêmica envolve práticas de campo (como um tipo de
etnografia corporalizada) e explorações de movimento em estúdio buscando gerar
conhecimento corporal a respeito do próprio dançarino e a manifestação cultural sendo
investigada, resultando em obras coreográficas bem como teses e dissertações. Eusébio
Lobo da Silva (1993) é outro exemplo da realização de pesquisa através da prática. Um
uma das primeiras teses defendidas no Brasil na área de Dança, Silva (1993) entrelaça
conhecimentos de dança moderna e capoeira para criar uma proposta de pedagogia da
dança para o artista cênico contemporâneo. Lobo se tornou uma forte influência para a
formalização da pesquisa em e com artes corporais no âmbito universitário brasileiro.
A aplicação de práticas somáticas (a exemplo do Sistema Laban/Bartenieff e do
Movimento Autêntico), da dança-teatro e da performance no contexto da pesquisa tem sido
um projeto contínuo da pesquisadora e performer Ciane Fernandes, através das atividades
que desenvolve no Laboratório de Performance do Programa de Pós-Graduação em Artes
Cênicas da UFBA e no Coletivo A-FETO de Dança-Teatro da Escola de Teatro da UFBA,
desde 1997. Há cerca de 15 anos, ela compilou os princípios da modalidade de PaR sob o
nome de Pesquisa Somático-Performativa, parte de um arcabouço inter-artístico,
pedagógico e de investigação fundado na corporeidade em imersão com o ambiente
(Fernandes, 2018).
A tríade entre PaR, Somática e formas de arte corporalizadas vêm sendo bastante
difundida no país, uma vez que nossa cultura tende a associar livremente diferentes
perspectivas e modelos, numa apropriação antropofágica de conhecimento (Scialom, 2015).
Por exemplo, em sua tese de doutorado (Prêmio CAPES de tese em artes 2021), Diego
Pizarro (2020) associou a anatomia experiencial do Body-Mind Centeringˢᵐ em três projetos

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coreográficos e um vasto entrelaçamento bibliográfico, criando uma epistemologia


somática em dança.
Outra característica interessante da PaR no país nas últimas décadas é que tem se
desenvolvido junto com características de formas corporalizadas de arte popular, como
festividades populares, práticas culturais populares, interartes, intervenções urbanas,
performance e ecoperformance. Alguns exemplos são as pesquisas de Tatiana N. da Rosa
(2010), Caroline Turchiello da Silva (2016), Lenine Guevara O. e Salvador (2017), Ana
Valéria R. Vicente (2019), Gabriela W. de Holanda (2019), José M. Peixoto Santos (2019),
Morgana B. Gomes (2019), Fábio Pimenta (2020), Leonardo Augusto Paulino (2020),
Wagner Lacerda de Oliveira (2020), Nailton R. G. Lima (2022), entre outros.
Estas associações à PaR têm se estabelecido como um apoio mútuo rumo ao
reconhecimento e reforçado a crítica ao logocentrismo na pesquisa em artes, em favor de
modos mais corporalizados e integrados às culturas locais, tanto originárias quanto
afro-descentes. Neste sentido, vale ressaltar também a importância de grupos de pesquisa
que, apesar de não mencionarem a PaR de modo explícito, enfatizam estas práticas
culturais diversas, a exemplo do Núcleo de Estudos das Performances Afro-Ameríndias
(NEPAA), coordenado por José Luiz Ligiéro Coelho, fundado em 1998, o primeiro grupo
no país a ter os Estudos da Performance como referência, ao invés de teorias de outras
áreas. Além disso, inúmeros grupos de pesquisa, vinculados a programas de pós-graduação
em artes cênicas, exploram práticas corporalizadas diversas e seus desdobramentos no
contexto nacional, a exemplo do LAPETT - Laboratório de Pesquisas e Estudos em Tanz
Theatralidades - ECA-USP, coordenado por Sayonara Sousa Pereira.

Conclusão

Neste capítulo traçamos um breve quadro da PaR no Brasil. Certamente muitas


metodologias e grupos de relevância não foram aqui incluídos, dada também a vastidão do

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país e a falta de um levantamento mais detalhado e a longo prazo. No entanto, a partir das
características discutidas acima, podemos comprovar que a PaR é uma metodologia aberta
e flexível, aplicável a diferentes locais e culturas, e identificável em tendências locais
mesmo antes de seu reconhecimento ou denominação como PaR no Brasil.
A mistura de padrões internacionais específicos e tendências existentes variadas cria
híbridos inovadores e aumenta a visibilidade de modos diversos de criar conhecimento
através da prática. Exemplos são as pesquisas de Eduardo Augusto Rosa Santana (2021),
Lia G. Sfoggia (2019), Daniela B. Marulanda (2021), Melina Scialom (2021), entre muitas
outras. Como consequência, acreditamos que a PaR oferece uma opção decolonizadora
justamente por destacar as diferenças e nuances locais e fomentar múltiplos resultados em
desenvolvimento como conhecimento acadêmico reconhecido.

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