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A pesquisa sobre Teatro de Animação

no Brasil
por Valmor Níni Beltrame
CEART – UDESC

É  importante  salientar  que  as  pesquisas  sobre 


teatro  de  animação  no  Brasil  se realizam em pelo
menos dois segmentos bastante definidos: no interior dos
grupos de teatro e  em  algumas  universidades 
brasileiras  que  nos  últimos  anos  acolheram 
estudantes  e pesquisadores sobre esse tema em seus
programas de pós-graduação.

As pesquisas efetuadas no interior dos grupos de teatro


acontecem nos processos de criação de espetáculos. O
objetivo é pesquisar para a cena, para o espetáculo em
processo de  montagem.  Por  isso,  o  modo  de 
divulgar  o  resultado  dessas  investigações  é,  quase
sempre, o próprio espetáculo, o palco.

Os  grupos  sistematizam  os  saberes  adquiridos  nos 


processos  de montagens  dos espetáculos e assim
acumulam conhecimentos indispensáveis para seguir
trabalhando e, ao mesmo  tempo,  formam novos
profissionais. Estes saberes, nem sempre sistematizados
na forma de discurso  racional,  são assimilados na
con(vivência) com artistas no  interior dos grupos
durante as etapas de criação e ensaios. “É interessante
observar, por exemplo, como os grupos de teatro de
bonecos sistematizam um trabalho processual.

Guardam o sentido de um núcleo agregador de aptidões


várias e que se somam no resultado artístico final, talvez
pela  indispensabilidade de conhecimentos específicos
como a produção artesanal, ou pela necessidade  de 
fabricar  o  personagem  com  as mãos  e  depois  levá-
lo  à  cena  imbuído  de toda a carga sensível”
(BRAGA,1997:55).

Já,  as  pesquisas  efetuadas  dentro  das  universidades 


são  processos  dos  quais obrigatoriamente  se  exige  a 
sistematização  organizada  em  discurso  verbal  e 
escrito. Eventualmente e não obrigatoriamente a
pesquisa ocorre com a demonstração prática. São os
trabalhos de conclusão de curso efetuados por alunos da
graduação TCC e os trabalhos na  Pós-Graduação  em 
seus  quatro  níveis:  especialização  (monografia), 
mestrado (dissertação),  doutorado  (tese)  e  pós-
doutorado.

Paralelamente  se  realizam  pesquisas efetuadas por


professores que integram o corpo docente fixo das
universidades.  A  história  do  ingresso  do  teatro  de 
bonecos  nas  Universidades  Brasileiras  é relativamente
recente. Seguramente existem diversas iniciativas que
desconhecemos.

Mas, entre os precursores dessa  iniciativa estão Álvaro


Apocalypse, Madu Vivacqua Martins e Teresinha Veloso, 
integrantes do Grupo Giramundo, professores da
Universidade Federal de Minas Gerais. No mesmo
período, por volta de 1978, na Universidade de São
Paulo, os cursos de Licenciatura em Artes Cênicas e o
Bacharelado em Direção Teatral ministram disciplinas 
com  esse  tipo  de  conteúdo,  sob  a  responsabilidade 
da  Professora Ana Maria Amaral.

Na Universidade  do  estado  de  Santa Catarina  –


UDESC  isso  vai  acontecer  em 1987. Ali, o Curso de
Artes Cênicas oferece  três disciplinas obrigatórias  com 
conteúdos sobre máscaras, bonecos e sombras. Já em
1990 o Programa de Pós-graduação (Mestrado e
Doutorado em Teatro) da USP oferece disciplinas
regulares e orientações a pesquisas nessa área. Pela
primeira vez ocorre duas importantes ações: a formação
sistemática do artista de teatro, na universidade
brasileira, oferece conteúdos relativos à arte do teatro de
animação e os cursos de Pós-Graduação recebem
pesquisas sobre esse campo artístico.

Essa mudança significativa, porém  sem muita


visibilidade,  começa  a demarcar o  início de um
processo que  já ocorre  em diversos países da Europa.
Ou  seja, o Brasil  começa  a produzir  teoria,
sistematizando  reflexões  sobre os aspectos  técnicos e
estéticos dessa arte e  suas  relações com outras
linguagens artísticas.

A  pesquisa  acadêmica  sobre  teatro  de  animação  no 


contexto  da  realidade brasileira é  revestida de certa
peculiaridade porque os pesquisadores que hoje nela
atuam não  abandonam  o  palco,  a  criação  de 
espetáculos.  Antes  de  serem  professores universitários
atuaram e continuam atuando na criação de espetáculos.
São professores que conjugam o fazer e o pensar,
produzindo teoria sobre essa arte. Esse vínculo com a
prática desacelera  o  processo  de  criação  de 
espetáculos,  dadas  as  exigências  que  o  trabalho  na
universidade  impõe mas, não os afasta do  fazer.  Isso
qualifica as pesquisas no sentido de serem estudos
voltados para a realidade do teatro de bonecos.

Passados esses anos é possível afirmar que o teatro de


animação deu passos muito importantes na  sua 
consolidação como campo de conhecimento dentro das
universidades brasileiras.  Identificar quais as
universidades que oferecem disciplinas obrigatórias 
sobre teatro  de  animação  nos  cursos  de  Artes 
Cênicas  exige  constante  atualização.  Porém,  é
possível  confirmar  a  existência  dessas  disciplinas  na
Universidade  de  São  Paulo  – USP, Universidade do
Estado de Santa Catarina -UDESC, Universidade Federal
do Maranhão -UFMA, Universidade Federal do
Pernambuco – UFPE, Universidade Nacional de Brasília.
Longe  de  considerar  a  situação  ideal,  dados 
quantitativos  mostram  que  a  pesquisa acadêmica 
cresceu muito, nos últimos  anos no Brasil. Um 
levantamento preliminar,  sem muito rigor, possibilitou
identificar cerca de 50 pesquisas (TCC, monografias,
dissertações e teses) produzidas no Brasil nos últimos 20
anos.

No  entanto  é  fundamental  apresentar  alguns 


desafios  que  essa  realidade  nos impõe:

1 – Para os grupos de teatro:


.  registrar,  documentar,  e  na  medida  do  possível, 
sistematizar  os  processos  de criação de espetáculos;
. tornar esses registros acessíveis a grupos e
interessados de modo a compartilhar esses saberes.

2  –  Para  os  pesquisadores  nas  universidades 


existem  questionamentos  que merecem reflexão:
. Para quem pesquisamos? Para quem escrevemos?
. Nossa  pesquisa  é  parte  do  nosso  compromisso 
com  as mudanças  da  realidade brasileira em relação a
área das artes e do teatro de animação em especial?
. Quem afinal se beneficia com os nosso escritos, com as
nossas pesquisas?
. Qual o nosso papel como intelectuais e estudiosos desse
tema?

Essas  questões  definem  um  dos maiores  desafios 


que  a  pesquisa  acadêmica  se defronta:  torná-la 
acessível  aos  jovens  estudantes  de  teatro  ou 
praticantes  dessa  arte. Certamente  essa  não  é  só 
responsabilidade  individual  do  pesquisador,  esse 
engajamento exige  compromissos  e  determinações 
políticas mais  amplas.    No  entanto,  o  debate  que
interessa é sobre como podemos fortalecer e valorizar a
arte que fazemos, refletindo sobre como se pode
aproximar a teoria da prática e a prática da teoria.
Os  caminhos  pelo  sociólogo  português  Boaventura 
de  Souza  Santos  apontam caminhos interessantes que
vale ter sempre presente. Refletindo sobre a necessidade
de se rever os paradigmas racionalistas na produção do
conhecimento o autor afirma:

1  –  Todo  o  conhecimento  científico  visa  constituir-se 


em  senso comum. Boaventura está propondo “uma
transformação tanto da ciência quanto do senso comum,
pois enquanto a primeira  ruptura é  imprescindível para
constituir a ciência  , mas deixa  o  senso  comum  tal 
como  estava  antes  dela,  a  segunda  ruptura 
transforma  o  senso comum com base na ciência. Com
esta dupla transformação pretende-se  um senso comum
esclarecido  e  uma  ciência  prudente…  uma 
configuração  de  conhecimentos  que,  sendo prática,
não deixa de ser esclarecida e, sendo sábia, não deixa de
estar democraticamente distribuída.

2 – Todo o conhecimento é auto-conhecimento.


Boaventura, defende que o conhecimento  científico 
deve  ser  cada  vez  mais  um  saber  científico 
vinculado  com  a prática.  Por  isso  é  necessária  uma 
outra  forma  de  conhecimento,  um  conhecimento
compreensivo e intimo que não nos separe e antes nos
uma ao que estudamos.

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