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NÚCLEO DE PSICOLOGIA

DO TRABALHO
DUAS DÉCADAS DE HISTÓRIA

Cássio Adriano Braz de Aquino


Raquel Nascimento Coelho
Eveline Nogueira Pinheiro de Oliveira
Thais França
(Organizadores)

1° EDIÇÃO

Fortaleza
Nutra
2017
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca de Ciências Humanas

N879
Núcleo de Psicologia do Trabalho: duas décadas de história / Organizado por Cássio Adriano
Braz de Aquino [et al.] – Fortaleza: Núcleo de Psicologia do Trabalho, 2017.
253 p.

ISBN 978-85-99578-02-5
Inclui bibliografia.

1. Trabalho - aspectos psicológicos. 2. Psicologia organizacional. 3. Gestão de pessoas.


4. Atividades laborais. 5. Administração pública. I. Aquino, Cássio Adriano Braz de (org.). II.
Coelho, Raquel Nascimento (org.). III. Oliveira, Eveline Nogueira Pinheiro de (org.). IV. França,
Thais (org.). V. Universidade Federal do Ceará.

CDD 158.7
Diretores Editoriais
CÁSSIO ADRIANO BRAZ DE AQUINO
RAQUEL NASCIMENTO COELHO

Coordenação Editorial
EVELINE NOGUEIRA PINHEIRO DE OLIVEIRA

Conselho Editorial
CELINA AMÁLIA RAMALHO GALVÃO LIMA (UFC)
IZABEL CRISTINA FERREIRA BORSOI (UFES)
JOSÉ CÉLIO FREIRE (UFC)
JOSÉ LUIS ÁLVARO ESTRAMIANA (UCM)
MARIA DE FÁTIMA VIEIRA SEVERIANO (UFC)
MARIA NEYÁRA DE OLIVEIRA ARAÚJO (UFC)
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VERÔNICA MORAIS XIMENES (UFC)
VERÔNICA SIQUEIRA ARAÚJO (UFC)
WALBERTO SILVA DOS SANTOS (UFC)

Revisão
ADELENA LEITÃO SILVA

Diagramação
GUSTAVO TELES RESIO

Capa
GUSTAVO TELES RESIO
PREFÁCIO

A PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO MUITO


ALÉM DO RECRUTAMENTO E SELEÇÃO

Aécio de Borba Vasconcelos Neto

A Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) é um caso muito particular no cenário


da ciência psicológica. Poucos são os alunos que, ao decidir entrar no curso de Psicologia, apre-
sentam como justificativa a ideia de dedicar-se ao estudo dessa área. Também é comum que,
ao perguntarem qual sua profissão, o público leigo abra um sorriso ao ouvir que você é um(a)
psicólogo(a). Entretanto este mesmo sorriso torna-se “bem amarelo” ao acrescentar que sua
atuação como psicólogo é junto a organizações de trabalho. No meu caso, raramente a conversa
continua por aí.

Tal aparente desinteresse parece desmerecido ao se observar a importância da área e


seus impactos na história da Psicologia aplicada. A Psicologia Industrial, como então chamada,
figura entre as primeiras incursões da Psicologia como profissão, ainda nas décadas iniciais do
Século XX. Se, em sua fundação e desenvolvimento, a Psicologia era tomada como uma ciên-
cia basilar, que permitiria ajudar a compreender o impacto da mente/cognição/subjetividade na
construção do conhecimento, o final do século XIX viu a Psicologia ser chamada a responder
a problemas surgidos no âmbito do fortalecimento do modelo industrial (Borges & Yamamoto,
2014). No âmbito dos estudos iniciais da administração, a Psicologia veio auxiliar a indústria a
aumentar seu poder do trabalhador, visando um desenvolvimento científico a serviço da lucra-
tividade e modelos mais eficientes de controle.

A máxima de que “a primeira impressão é a que fica” parece ser eficiente para des-
crever o impacto que esse início trouxe à POT. Até hoje, como discutem Bastos, Yamamoto
e Rodrigues (2013), parece quase consenso a ideia de que uma Psicologia atuante no mundo
do trabalho é descompromissada socialmente — ou pior, compromissada com o apoio a uma
visão desumanizante e exploradora do trabalhador. Dizem os críticos que a Psicologia do Tra-
balho ignora a subjetividade, colocando homens e mulheres a serviço do capital; desconsidera
necessidades de mudança organizacionais, servindo para reproduzir o status quo; surge como
alienante e alienadora no processo de exploração; ou mesmo que se confunde com a adminis-
tração, haja vista que se resume a processos burocráticos como recrutamento e seleção. Como
discutido por Codo (1985), dentro deste pensamento, a POT é representada como “O Lobo Mau
da Psicologia” (ou outros termos menos alegóricos e mais pejorativos).
Podemos destacar algumas questões frente a essas críticas. Primeiramente, cabe desta-
car a importância do trabalho no mundo contemporâneo, que não pode ser ignorado. A ativida-
de desenvolvida por um indivíduo em nossa sociedade é determinante na sua função social e
na sua própria identidade: apresentamo-nos, com frequência, acompanhando nosso nome com
nossa profissão ou, no caso de estudantes (que não deixa de ser também um trabalho), pergun-
ta-se o que ele estuda, ou, quando ainda mais jovem, o que ele “quer ser quando crescer”.

Na mesma linha de raciocínio, podemos ainda ressaltar que parte significativa da vida
do indivíduo na sociedade contemporânea está relacionada ao trabalho. Não apenas na constru-
ção da identidade social, como já mencionado, mas em um sentido literal: o tempo que um su-
jeito em uma sociedade capitalista contemporânea passa no ambiente de trabalho é uma grande
parte de seu dia — no Brasil, provavelmente cerca de um terço dele. Ele impacta suas relações
de amizade, familiares e até românticas. O trabalho impacta diretamente na saúde mental do
indivíduo, para bem ou para o mal (Borges, Guimarães e Silva, 2013). Ao mencionar especi-
ficamente as organizações, portanto, torna-se claro seu impacto na vida cotidiana. Estamos
imersos em diversos grupos sociais, muito deles sistemáticos e com objetivos definidos, dentro
dos quais: empresas, instituições públicas, universidades, hospitais, escolas, clubes esportivos,
e assim por diante.

No caso específico da Psicologia, a importância de compreender organizações e o mun-


do do trabalho parece fundamental, mesmo quando não se pretende inserir-se em POT. A Psico-
logia Escolar e Educacional atua dentro de organizações de ensino. Quem atua na área de Psi-
cologia da Saúde o faz, por exemplo, em organizações hospitalares. Docentes e pesquisadores
desenvolvem suas atividades junto a organizações de ensino e pesquisa, como universidades. O
mesmo poderia ser dito para Psicologia Jurídica, Social, do Esporte, do Trânsito, etc., mesmo
o clínico clássico, em seu “castelo-consultório autônomo”, lidará com o impacto do trabalho e
das organizações na subjetividade de seus clientes. Em outras palavras, o campo de estudo da
Psicologia Organizacional e do Trabalho é de uma complexidade e impacto que não podem ser
ignorados por nenhum pesquisador ou profissional da Psicologia.

Outro motivo pelo qual a POT não deve ser ignorada é o impacto e tamanho da área. No
Brasil, a Psicologia Organizacional absorve um grande número de profissionais e estudantes.
Bastos e Gondim (2009), por exemplo, apontaram que 25,1% dos psicólogos apresentavam in-
serção na área — a maior após a clínica (ainda que, segundo a mesma pesquisa, frequentemente
esteja associada a outras inserções profissionais).

Por fim, e talvez mais importante, aquelas críticas a respeito do objetivo e compromisso
das intervenções em POT parece datada a um estudioso da área. Ainda que o (des)compromisso
para com o indivíduo e sua saúde mental possa ser questionado no primeiro momento da ad-
ministração científica — e da própria Psicologia Industrial, como foi então chamada (Zanelli,
Bastos e Rodrigues, 2014) —, dificilmente tais críticas são capazes de descrever os cerca de 120
anos de desenvolvimento da área. Muitas transformações — teóricas, metodológicas e mesmo
éticas — separam a origem da área ao nosso momento atual. Em uma linha semelhante, a iden-
tificação da Psicologia Organizacional e do Trabalho apenas com a área de gestão de pessoas
em geral — e o subsistema de Recrutamento e Seleção em particular — também demonstra
desconhecimento de todo seu desenvolvimento, sua variedade e abrangência das discussões.

O presente livro destaca essa variedade, relatando atividades, pesquisas e intervenções


realizadas ao longo dos vinte anos de existência do Núcleo de Psicologia do Trabalho, da Uni-
versidade Federal do Ceará. Muito além de discutir “recursos humanos”, o livro traz discussões
pertinentes em diversos contextos que têm, em comum, uma reflexão acerca do mundo do tra-
balho e seu impacto sobre o comportamento humano.

A primeira seção EXPERIÊNCIAS E PRÁTICAS: O NUTRA EM CAMPO apresenta


várias das pesquisas de campo desenvolvidas ao longo dessa história. No primeiro capítulo,
intitulado Memória, contexto e práxis: um relato de experiência acerca dos primeiros passos do
Nutra – Núcleo de Psicologia do Trabalho, Mariana Aguiar Alcântara de Brito e Francisco Her-
cílio Brito Filho situam a criação do NUTRA, destacando sua consolidação, trabalhos iniciais
e os membros que o formaram.

No capítulo Projeto “Kara a Kara”, conversando sobre drogas, sexualidade, trabalho


e cidadania: uma experiência nas escolas municipais de Fortaleza, Monalisa Xavier e Juliana
Oliveira apresentam as atividades do projeto Kara a Kara, que articulava a categoria trabalho
a temas como sexualidade, identidade e o uso e abuso de drogas em um espaço de discussão e
reflexão de adolescentes. Este projeto em questão teve muitos frutos e reverberações positivas
para o NUTRA.

No terceiro capítulo Qualificação profissional na área de costura em Horizonte-CE: Per-


cepções das Mulheres participantes de um projeto de Extensão do NUTRA UFC, Mabel Sousa
destaca como as reconfigurações do mundo do trabalho impactam em questões relativas a qua-
lificação profissional em uma cidade de recente industrialização localizada na Região Metropo-
litana de Fortaleza.

No capítulo Núcleo de Psicologia do Trabalho e Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas: co-


laboração em Ensino, Pesquisa e Extensão, Gabriel Ramalho, Gabrielle Silva, Mateus Adriano
e Ravi Castro apresentam outro grande projeto que nasceu da colaboração entre o NUTRA e
subunidades da PROGEP da UFC articulando ensino, pesquisa e extensão na universidade.

Melina Gomes, Eveline Oliveira e Francisco de Assis demonstram também a abrangên-


cia da discussão sobre trabalho e uma articulação entre a área e a Psicologia Jurídica, no capítu-
lo Censo Penitenciário do Ceará: uma análise da situação laboral dos encarcerados. Os autores
analisam a situação laboral de internos ao sistema penitenciário do Ceará, visando, entre outros
objetivos, a reinserção social por meio do trabalho.
Já Lúcia Siebra, Daniel Almeida, Maria Citó e Jairo Silva Júnior discutem os processos
de capacitação na Escola de Governo no estado. O capítulo Escola de Governo: importância dos
processos de capacitação dos servidores para a gestão pública destaca a importância do alinha-
mento entre o treinamento, desenvolvimento e educação para atingir os objetivos estratégicos
definidos pela gestão pública — e possibilitar mudanças na própria lógica da gestão, orientando
seus esforços para resultados.

Natália Brito e Eveline Oliveira aprofundam, no penúltimo capítulo desta primeira parte
A Psicologia Social do Trabalho nas organizações: relatos de experiências, as reflexões que fiz
anteriormente a respeito da visão e da prática da psicologia no campo organizacional. Para isso,
discutem as experiências de estágio que tiveram em dois contextos tradicionais de intervenção
no campo do trabalho: uma indústria e uma consultoria.

Para encerrar a seção acerca de reflexões e pesquisas de campo, Cássio Aquino, Dímitre
Moita e Karlinne Souza discutem a questão da precarização laboral, privilegiando as categorias
de temporalidade e flexibilidade ao examinar o trabalho dos professores substitutos da própria
UFC no capítulo A trajetória da pesquisa em iniciação científica: reflexões sobre o fenômeno da
precarização laboral e flexibilização dos professores substitutos da UFC.

A segunda parte do livro ESTUDOS, REFLEXÕES E INVESTIGAÇÕES TEÓRICAS


conta com discussões teóricas, que nos permitem avançar nossas reflexões acerca do fenômeno
do trabalho. Ítalo Pinheiro e Raquel Coelho iniciam essa parte em no capítulo Juventude Pro-
longada e Condição de Cidadania que debate acerca das transformações no mundo do trabalho
e seu impacto na relação entre os conceitos de prolongamento da juventude e cidadania.

Thaís França e Cássio Aquino discutem, ainda, a questão da mobilidade acadêmica,


facilitada por programas como o Ciência sem Fronteiras. Os autores refletem no capítulo Mo-
bilidade acadêmica: internacionalização ou reprodução de desigualdades acerca do alcance de
programas desse tipo, discutindo em que medida eles refletem (ou reproduzem) questões de
manutenção e reprodução de assimetrias de gênero, nacionalidades, precarização acadêmica
entre outras discussões.

Pamella Melo e Pablo Pinheiro, no capítulo Saúde na Perspectiva da clínica da ativi-


dade: o poder de agir do trabalhador, refletem acerca das possibilidades de atuação junto aos
trabalhadores, diretamente a partir da lógica da clínica da atividade. Tomando o trabalho como
categoria fundamental na relação do sujeito e sua construção social, os autores apontam para o
impacto desse fazer psicológico sobre a saúde mental do trabalhador.

Voltando à questão da reestruturação produtiva, no capítulo Reestruturação Produtiva


e Planos de Demissão Voluntária: reflexões sobre a reconfiguração do setor bancário, Natália
Brito coloca em pauta os impactos de mudanças socioeconômicas que afetam o setor bancário
— em particular, a partir da discussão dos planos de demissão voluntária.
A questão da construção da subjetividade em sua relação com o trabalho também é tema
de Tainã de Carvalho no capítulo Trabalho e subjetividade: aportes iniciais à discussão a partir
da crítica à Economia Política, ao trazer as contribuições marxianas para o debate sobre a rela-
ção entre o sujeito alienado do trabalho / alienado de si mesmo.

Contribuindo para a pluralidade de abordagens psicológicas que podem ser utilizadas no


campo da discussão do trabalho, Juliana Dias e Iratan Sabóia refletem acerca da aproximação
entre o conceito de comportamento utilizado na gestão de pessoas e na Análise do Compor-
tamento no capítulo De ou do comportamento? Considerações sobre o emprego dos termos
comportamento/comportamental na Gestão de Pessoas.

Por fim, Camilla Sampaio e Khalina Bezerra discutem pesquisas empíricas que lidaram
com o tema do Tempo e suas relações com o mundo do trabalho no capítulo Tempo de trabalho:
considerações e perspectivas de pesquisa. O tempo, nessa perspectiva, surge como uma cate-
goria norteadora do funcionamento social da sociedade contemporânea, e impactando relações
de trabalho.

Como pode ser visto, o livro se insere em um campo de discussão acerca de questões
sociais amplas. Percorrendo desde transformações econômicas, políticas e históricas, até o im-
pacto de todas essas mudanças na práxis psicológica. Para além das contribuições de cada um
dos capítulos às discussões específicas com o qual dialogam, o livro tem o mérito de demonstrar
a abrangência da Psicologia Organizacional e do Trabalho e seu compromisso social.

O presente livro tem a função de olhar para os mais de vinte anos de estrada do NU-
TRA e permite refletir sobre seu papel. Claramente, o Núcleo marca sua importância na pro-
dução de conhecimento a respeito do mundo do trabalho; demonstra qualidade nas discussões
e privilegia temas importantes. Devo apontar, ainda, o que acredito ser a maior contribuição:
demonstrar o papel do NUTRA como fundamental na formação de psicólogas e psicólogos
comprometidos socialmente, capazes de refletir sobre o impacto de suas práticas na sociedade
e na subjetividade do trabalhador.

Tive a oportunidade de ter sido parte dessa história como estagiário do Núcleo entre
2003 e 2005, onde pude ter meus primeiros contatos com organizações, ao me inserir no setor
de gestão de pessoal do Hospital Universitário Walter Cantídio; atuar junto ao planejamen-
to estratégico de diferentes órgãos parceiros — e do próprio NUTRA; desenvolver pesquisas
de clima organizacional e refletir o impacto das condições socioculturais nas organizações; e
participar da organização e realização do I Encontro Cearense em Psicologia do Trabalho, o
ECEPOT. Cada uma dessas experiências hoje reverbera em minhas pesquisas, orientações, e
atuação profissional e científica.

Em outras palavras, ao ler esse livro, é impossível não perceber as sementes plantadas,
frutificadas e colhidas do que aprendi junto ao Núcleo de Psicologia do Trabalho. Em particu-
lar, tenho grande débito com a Profa. Fátima Sena (Fatinha, que nos deixou saudades demais) e
Prof. Cássio (orientador, supervisor, professor, modelo e amigo). Ao receber o honroso convite
de prefaciar esse livro, posso dizer que ele reflete a importância e o valor do NUTRA para a dis-
seminação do conhecimento e experiência lá produzido e, certamente, contribui para a forma-
ção daqueles que podem dizer com orgulho “sou um psicólogo organizacional e do trabalho”.

REFERÊNCIAS

Bastos, A. V. B., & Gondim, S. M. G. (2009). O trabalho do psicólogo no Brasil. Artmed


Editora.

Bastos, A. V. B., Yamamoto, O. H., & Rodrigues, A. C. A. (2013). Compromisso social


e ético: Desafios para a atuação em Psicologia Organizacional e do Trabalho. Em: L. O. Borges,
L. Mourão (Orgs). O trabalho e as organizações: Atuações a partir da Psicologia. (pp. 25 - 52).
Porto Alegre: Artmed.

Borges, L. O., Guimarães, L. A. M., & Silva, S. S. (2013). Diagnóstico e promoção da


saúde psíquica no trabalho. Em: L. O. Borges, L. Mourão (Orgs). O trabalho e as organizações:
Atuações a partir da Psicologia. (pp. 25 - 52). Porto Alegre: Artmed.

Borges, L. O. & Yamamoto, O. H. (2014). O mundo do trabalho: construção história e


desafios contemporâneos. Em: J. C. Zanelli, J. E. Borges-Andrade, A. V. B. Bastos (Orgs). Psi-
cologia, organizações e trabalho no Brasil. 2a Ed. (pp. 25-72). Porto Alegre: Artmed.

Codo, W. (1985). O papel do psicólogo na organização industrial (notas sobre o lobo


mau em Psicologia). Em: S. T. M. Lane, W. Codo (orgs.). Psicologia Social. O homem em mo-
vimento (pp.195-202). 2ª ed. São Paulo, Editora Brasiliense.

Zanelli, J. C., Bastos, A. V. B, e Rodrigues, A. C. A. (2014). Campo profissional do psi-


cólgo em organizações e no trabalho. Em: J. C. Zanelli, J. E. Borges-Andrade, A. V. B. Bastos

(Orgs). Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. 2a (pp. 549-582). Porto Alegre: Artmed.
SUMÁRIO

Prefácio........................................................................................................................................5

I EXPERIÊNCIAS E PRÁTICAS: O NUTRA EM CAMPO

Memória, contexto e práxis: um relato de experiência acerca dos


primeiros passos do Nutra – Núcleo de Psicologia do Trabalho..........................................13
Mariana Aguiar Alcântara de Brito
Francisco Hercílio de Brito Filho

Projeto “Kara a Kara”, conversando sobre drogas, sexualidade, trabalho


e cidadania: uma experiência nas escolas municipais de Fortaleza....................................26
Monalisa Pontes Xavier
Juliana e Silva de Oliveira

Qualificação profissional na área de costura em Horizonte-CE: Percepções


das Mulheres participantes de um projeto de Extensão do NUTRA UFC.........................41
Mabel Melo Sousa

Núcleo de Psicologia do Trabalho e Pró-Reitoria de Gestão de


Pessoas: colaboração em Ensino, Pesquisa e Extensão........................................................56
Gabriel Martins Ramalho
Gabrielle Coutinho Silva
Mateus Silveira Adriano
Ravi Moreira Lima de Castro

Censo Penitenciário do Ceará: uma análise da situação


laboral dos encarcerados.........................................................................................................68
Melina Sousa Gomes
Eveline Nogueira Pinheiro de Oliveira
Francisco de Assis Alencar Pereira Filho

Escola de Governo: importância dos processos de capacitação


dos servidores para a gestão pública......................................................................................82
Lúcia Maria Gonçalves Siebra
Daniel Marinho de Almeida
Maria Hebe Camurça Citó
Jairo Ferreira da Silva Júnior

A Psicologia Social do Trabalho nas organizações: relatos de experiências......................98


Natália Diógenes de Brito
Eveline Nogueira Pinheiro de Oliveira
A trajetória da pesquisa em iniciação científica: reflexões sobre o fenômeno
da precarização laboral e flexibilização dos professores substitutos da UFC..................117
Cássio Adriano Braz de Aquino
Dímitre Sampaio Moita
Karlinne de Oliveira Souza

II ESTUDOS, REFLEXÕES E INVESTIGAÇÕES TEÓRICAS

Juventude Prolongada e Condição de Cidadania...............................................................128


Raquel Nascimento Coelho
Ítalo Emanuel Pinheiro

Mobilidade acadêmica: internacionalização ou reprodução de desigualdades...............145


Thais França
Cássio Adriano Braz de Aquino

Saúde na Perspectiva da clínica da atividade: o poder de agir do trabalhador..............160


Pamella Beserra de Melo
Francisco Pablo Huascar Aragão Pinheiro

Reestruturação Produtiva e Planos de Demissão Voluntária: reflexões sobre


a reconfiguração do setor bancário......................................................................................173
Natália Diógenes de Brito

Trabalho e subjetividade: aportes iniciais à discussão a partir da
crítica à Economia Política....................................................................................................190
Tainã Alcantara de Carvalho

De ou do comportamento? Considerações sobre o emprego dos


termos comportamento/comportamental na Gestão de Pessoas.......................................208
Iratan Bezerra de Sabóia
Juliana Maria Braga Dias

Tempo de trabalho: considerações e perspectivas de pesquisa.........................................229


Camilla Regya de Figueiredo Dias Sampaio
Khalina Assunção Bezerra

Sobre os autores......................................................................................................................247
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 13

MEMÓRIA, CONTEXTO E PRÁXIS: UM RELATO DE EXPERIÊN-


CIA ACERCA DOS PRIMEIROS PASSOS DO NUTRA - NÚCLEO DE PSI-
COLOGIA DO TRABALHO
Mariana Aguiar Alcântara de Brito

Francisco Hercílio de Brito Filho

INTRODUÇÃO

O mundo do trabalho e suas metamorfoses têm revelado, cada vez mais, sua influência
na produção da subjetividade, nos processos de saúde e adoeciXmento do trabalhador. A cate-
goria trabalho permanece central em nossa sociedade e carece de uma investigação aprofunda-
da em todas as suas nuances, indo além de sua perspectiva mercadológica e alienante (Antunes,
2010; Borsoi, 2007).

A polissemia desta categoria vem suscitando que várias áreas do conhecimento possam
se debruçar sobre suas complexas temáticas, e propor diversos olhares capazes de ampliar seu
escopo, expondo sua relevância.

A partir desta compreensão, foi criado institucionalmente em 21 de setembro de 1994 o


Núcleo de Psicologia do Trabalho – NUTRA, tendo sido gestado desde a década de 1980 por
seus fundadores, os professores Cássio Braz de Aquino, Fátima Sena e Lúcia Siebra, como um
programa de extensão da Universidade Federal do Ceará, com a proposta de viabilizar um es-
paço em pesquisa e extensão que servisse também para complementar o ensino em psicologia
social do trabalho, firmando-se sob o tripé que sustenta a práxis universitária (Nutra, 2015).

O NUTRA atua ainda hoje como um canal de comunicação com a sociedade, contribuin-
do através de seus estudos e pesquisas para a formação de alunos e profissionais em Psicologia
Social do Trabalho, suscitando discussões a respeito das relações laborais que se estabelecem
na realidade atual (Souza, Fraga, Sampaio, Gomes e Aquino, 2011).

Neste contexto, o objetivo geral deste trabalho foi realizar um relato de experiência
acadêmica-profissional desenvolvida no NUTRA durante o período de sua criação, até o ano
de 1998. Tem como objetivos específicos: contextualizar o cenário econômico-político, orga-
nizacional e universitário do Brasil da década de 1990; contribuir na construção da memória
enquanto dispositivo histórico-cultural do NUTRA e do curso de Psicologia da Universidade
Federal do Ceará – UFC e realizar uma reflexão sobre uma práxis em psicologia do trabalho a
partir dessa experiência matricial.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 14

METODOLOGIA

No que compete ao método de análise, segue sob inspiração da psicologia histórico-


-cultural, configurando-se como desenvolvimentista-experimental, que prioriza a análise do
processo em oposição à análise do objeto. É histórico-genético com foco no desenvolvimento
da atividade acadêmica-laboral, desde as origens do comportamento fossilizado, isto é, aqueles
processos psicológicos já automatizados ou mecanizados, que apontam para o que já foi reali-
zado e ao seu potencial de realização. Estudando-o em seu processo de mudança, até a situação
atual e com um enfoque explicativo e psicológico das relações dinâmico-causais dos fatos.
(Vygotsky, 2007).

A relação entre sujeito-objeto de pesquisa deve ser compreendida como uma relação
dialógica, que aponta para o caminho do estranhamento, capaz de evocar um sentimento de
perplexidade e de interrogação acerca do objeto pesquisado, mesmo que este também lhe seja
familiar. A constituição de um dispositivo teórico que possa efetuar o desvio necessário para
uma análise crítica da experiência é salutar em ciências humanas (Costa, 2007).

Para isso, esse texto está alinhado com a perspectiva da psicologia histórico-cultural de
Vygotsky como inspiradora da psicologia social do trabalho de vertente crítica, que, por sua
vez, se assenta sob as bases do materialismo histórico dialético.

CONTEXTUALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO


SUPERIOR NA DÉCADA DE 1990 E O NASCIMENTO DO NUTRA

“Não sou de nenhum lugar

Sou de lugar nenhum

Sou de lugar nenhum”

(Titãs, Lugar Nenhum, 2005).

A partir da década de 1990, inicia-se no Brasil um consistente processo de redução de


gastos públicos federais que gerou forte impacto na educação pública de nível superior. Foi
neste período que a máxima neoliberal da deserção do Estado da gestão da universidade públi-
ca ganhou força (Mancebo; Silva Júnior e Oliveira, 2008). Na prática, este fenômeno pode ser
comprovado com o aumento vertiginoso no número de matrículas em instituições privadas de
ensino superior (Brasil, 2012).

A compreensão desse comportamento das matrículas no ensino superior brasileiro resi-


Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 15

de num conjunto de ações político-administrativas adotadas ao longo dos governos de Fernando


Henrique Cardoso (1995 a 2002), caracterizadas por medidas governamentais de restrição do
crescimento do setor público federal e de incentivo à expansão do setor privado. No caso das
instituições públicas de educação superior, isto foi traduzido em sucateamento de suas estrutu-
ras e precarização do trabalho de seus profissionais (Mancebo, 2010).

Como consequência do sucateamento das instituições públicas e da restrição de recursos


financeiros, alguns cursos superiores, por meio de programas de extensão, passaram a oferecer
seus conhecimentos para determinados segmentos do mercado, como forma de suprir a ausên-
cia do estado enquanto provedor financeiro da universidade (Maués, 2010).

O resultado dessa política mercantilizada materializou-se, a partir da década de 1990,


num crescimento da lógica do produtivismo acadêmico. Durante toda esta década, o repasse
regular de recursos para as instituições federais ficou praticamente congelado e configurou-se
um contexto adequado para a indução de políticas que forçaram a elevação do produtivismo
(Borsoi, 2012).

Neste contexto, é necessário considerar as mudanças na sociedade que impactaram nos


novos modelos de funcionamento das organizações e nas representações do trabalho que emer-
giram de todas essas mudanças, afetando, dentre outras, a dinâmica e o ethos das instituições
educacionais. No que se refere aos docentes, um dos principais dispositivos utilizados, na me-
dida em que a quantidade de trabalho aumenta, é a ideia de que os professores devem ser “mais
produtivos”, correspondendo a “produção” à quantidade de “produtos” declarados, que além
das aulas, incluem orientações, publicações, projetos, patentes, apresentações e participações
em eventos dentre outros (Bosi, 2007).

No curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará este cenário não se delineia


de forma distinta. O Núcleo de Psicologia do Trabalho – NUTRA inicia suas atividades no final
de 1994 com a proposta de estabelecer discussões profícuas entre docentes e discentes em torno
da práxis da psicologia do trabalho. O NUTRA se instaura neste contexto de sucateamento das
instituições públicas de educação e, fazendo coro com um discurso e com uma prática funda-
mentados na criticidade ao modelo neoliberal, passa a disponibilizar seus conhecimentos para
outras instituições, como o Centro de Treinamento e Desenvolvimento – CETREDE, o Instituto
Dragão do Mar de Arte e Indústria Audiovisual, a Receita Federal do Brasil, dentre outros.

É digno de nota que, em todas as atuações extramuros da universidade, o NUTRA,


através de seus representantes (professores e alunos), sempre teve como premissa básica a
revelação para o trabalhador dos contextos de sua exploração, de sua manipulação e de sua
alienação pela organização do trabalho e pelo próprio sistema capitalista de produção, assim
como sempre foi sensível aos efeitos danosos da lógica neoliberal à saúde física e mental do
trabalhador.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 16

RELATO DE EXPERIÊNCIA: RECORDAR É VIVER


“Não é verdade que o que se passou esteja no passado” (Mead, G., 1929)

O NUTRA foi fundado como um projeto de extensão da Universidade Federal do Ceará


em setembro de 1994, pelos professores do departamento de Psicologia, Cássio Braz, Lúcia
Siebra e Fátima Sena, com o objetivo inicial de ampliar as discussões da área de psicologia
organizacional e do trabalho para além da sala de aula. No entanto, sua pré-história remonta aos
seminários de Psicologia Organizacional realizados desde 1985 e coordenados pela professora
Fátima Sena, que se constituíram como marco zero no processo de concepção do Núcleo (Sou-
za et al, 2011).

O ano de 1994 foi caracterizado pelo surgimento institucional do NUTRA, que atuou
primordialmente como um espaço de estudos e de referência aos alunos estagiários da área de
psicologia organizacional e do trabalho (Silva, Aquino, Feitosa, 2002).

O ano de 1995 foi marcado por iniciativas de ampliação na atuação e maior divulgação
do NUTRA na Universidade com o intuito de viabilizar um espaço maior na área de psicologia
do trabalho. Através do núcleo, foram retomados os seminários de psicologia organizacional,
que não eram realizados desde 1990 (Souza et al, 2011).

No final de 1995, a professora Fátima Sena afastou-se para cursar doutorado na Espa-
nha, o que gerou uma desaceleração no projeto expansionista do Núcleo, contudo um número
cada vez maior de estagiários e voluntários se engajou e passou a ter uma colaboração marcante
no NUTRA (Nutra, 2015).

O Núcleo passou a ser um espaço de acolhida, lugar onde aconteciam as supervisões


de estágio, que dispunha de uma biblioteca especializada em livros e artigos da área. Ele se
constituía enquanto um locus de catarse das dificuldades de inserção profissional e de discus-
sões éticas e teórico-metodológicas acerca das demandas do mercado em oposição aos valores
humanitários e de transformação social apregoados na formação acadêmica.

Sob a coordenação do professor Cássio Adriano Braz de Aquino e com uma maior ma-
turidade, o Núcleo pôde desempenhar sua vocação de extensão. O reflexo desse direcionamento
fez-se sentir nas atividades futuras que passaram a ser empreendidas pelo NUTRA (Souza et
al, 2011).

Nos anos de 1996 e 1997, o NUTRA passou a ter a responsabilidade pelo processo de
seleção de todo o corpo discente do Instituto Dragão do Mar de Arte e Indústria Audiovisual,
através de um convênio com a Secretaria de Cultura do Estado, no intuito de garantir a idonei-
dade emblemática da Universidade Federal do Ceará e do Núcleo perante a sociedade. Ainda
nesse período, foi realizado o II Seminário Interno de Planejamento Estratégico, onde foram
redefinidos seus objetivos e identidade organizacional (Souza et al, 2011).
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 17

No ano de 1997/1998, o Núcleo deu continuidade à manutenção dos trabalhos reali-


zados junto ao Instituto Dragão do Mar de Arte e Indústria Audiovisual, não somente com os
processos seletivos, mas também com programas de treinamento e desenvolvimento de seus
trabalhadores e a expansão de atividades de consultoria junto a órgãos da administração pública
(Silva et al, 2002).

A procura pelo Núcleo, por parte das instituições públicas, ampliou-se e esta procura
dava-se, em parte, por sua marca de idoneidade, herdada do curso e da universidade e referen-
dada em sua atuação, e também pela busca de um conhecimento mais especializado e crítico
que pudesse fazer frente às demandas de competitividade aliadas ao temor da privatização.
Assim, o Núcleo também colaborou no processo de resistência das instituições, formação de
excelência de seus trabalhadores e ressignificação do sentido do trabalho de servidores de di-
versas instituições.

Atuou na Receita Federal em seus diversos setores com processos de integração, análise
comportamental do trabalho e auxílio em seu planejamento estratégico participativo.

Contribuiu com o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará com programas de desen-


volvimento de lideranças de várias comarcas e com educação corporativa em excelência no
atendimento.

Colaborou com o Sindicato dos Servidores da 7ª Região da Justiça do Trabalho na cons-


trução de seu planejamento estratégico.

Elaborou, prospectou e executou cursos de qualificação em turismo e organização de


eventos coordenados pelo CETREDE e financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador –
FAT, com foco em profissionais em situação de vulnerabilidade e exclusão social.

Após ter adquirido experiência nessas diversas instituições e em atividades variadas,


promoveu cursos de extensão universitária em recrutamento e seleção, treinamento e desen-
volvimento de pessoas e jogos e dinâmicas de grupo a fim de disseminar os conhecimentos e
práticas aprendidas.

No decorrer do ano de 1998, foi elaborado o Regimento Interno do NUTRA, que re-
presentou uma oportunidade de reflexão acerca das atividades desenvolvidas até o momento,
apontando para esclarecer as expertises e limitações do Núcleo. Neste documento, elaborado de
forma participativa pelos professores e alunos, definiu-se sua missão:

Pensar a Psicologia Social e do Trabalho, enquanto disciplina científica e campo profissional,


através da construção teórica e metodológica, trazendo contribuições para a pesquisa, o ensino
e a extensão. Possibilitando, desta forma, a difusão e inserção dos conhecimentos no mercado
sócio-laboral (Silva, Aquino, Feitosa, 2002, p.233).
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 18

Esse período também foi marcado pelo afastamento do professor Cássio Braz para rea-
lizar seu curso de doutorado (Souza et al, 2011).

Em relação aos integrantes que participaram do NUTRA e colaboraram com seus pro-
jetos durante algum tempo no período de 1994 a 1998, é digno de nota citar a contribuição dos
autores deste trabalho, Hercílio Brito e Mariana Alcântara, que estiveram presentes durante
esses 4 anos, inicialmente, enquanto estagiários e, posteriormente, como profissionais membros
do Núcleo (Silva et al, 2002).

Hercílio Brito é psicólogo graduado pela Universidade Federal do Ceará – UFC (1997),
mestre em Administração pela Universidade Estadual do Ceará – UECE (2000), coordenador
dos cursos de graduação em Administração e pós-graduação em gestão estratégica e liderança
avançada de pessoas da Faculdade 7 de setembro – FA7, sócio-diretor da Ethos Empresarial
criada em 1997, empresa de consultoria na área de gestão de pessoas e psicologia do trabalho
e doutorando pelo programa de pós-graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza –
Unifor, desenvolvendo tese relativa à carga de trabalho docente.

Mariana Alcântara é psicóloga graduada pela Universidade Federal do Ceará – UFC


(1996), mestra em Administração pela Universidade Estadual do Ceará – UECE (2003), atual-
mente leciona nos cursos de Psicologia e Administração da Universidade de Fortaleza – Unifor
e na pós-graduação da Faculdade 7 de Setembro – FA7. É sócia-diretora da Ethos Empresarial
e doutoranda do programa de pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará
– UFC, estando novamente vinculada ao NUTRA enquanto núcleo de estudos e pesquisa em
Psicologia do Trabalho e desenvolvendo sua tese acerca da temática saúde e trabalho e proces-
sos de vulnerabilidades sociais em trabalhadores novatos e veteranos.

Além dos autores deste trabalho, é possível fazer referência a Renata Carvalho, psicólo-
ga graduada pela Universidade Federal do Ceará – UFC (1996), mestra em Administração pela
Universidade Estadual do Ceará – UECE (2001), professora do curso de Psicologia da Univer-
sidade Federal do Ceará – UFC, Campus de Sobral e Doutora pelo programa de pós-graduação
em Psicologia da Universidade de Fortaleza – Unifor, com tema de pesquisa voltado para os
estudos de autonomia e mercado de trabalho informal dentro de uma perspectiva crítica.

Maria Lucimeyre Rabelo que possui graduação em Psicologia pela Universidade Fe-
deral do Ceará (1996), licenciatura em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (1997),
mestrado em Educação pela Universidade Federal do Ceará (2000) e doutorado em Educação
pela Universidade Federal do Ceará (2012). Atualmente é técnica em educação da Prefeitura
Municipal de Fortaleza e psicóloga da Universidade Federal de Ceará. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em fundamentos da educação, atuando principalmente nos seguintes
temas: psicologia, autonomia, leitura, escrita, educação especial e educação infantil.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 19

Vládia Jamile dos Santos Jucá possui graduação em Psicologia pela Universidade Fede-
ral do Ceará (1996), mestrado em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade
Federal da Bahia (1999) e doutorado em Saúde Coletiva pela Universidade Federal da Bahia
(2003). Atualmente é professora adjunta III do Instituto de Psicologia da Universidade Federal
da Bahia e pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Saúde Mental do Instituto
de Saúde Coletiva. Realiza estudos na interface de três campos de saber: psicanálise, saúde
pública e saúde mental.

Raquel Gomes Lopes é profissional graduada em Psicologia pela Universidade Fede-


ral do Ceará (1996), com pós-graduação lato sensu em Educação Especial pela Universidade
Federal do Ceará (1998). Possui experiência como psicóloga organizacional, apresentando co-
nhecimento em seleção, treinamento, avaliação psicológica, pesquisa de clima organizacional
e avaliação de potencial e de desempenho. Atualmente atua como professora universitária em
nível de graduação e pós-graduação lato sensu.

Esses profissionais, todos oriundos da graduação em psicologia pela UFC, foram super-
visionados durante o citado período pelos professores Cássio Braz de Aquino e Lúcia Siebra e
todas as informações citadas acima foram publicadas pelos próprios autores em seus currículos
Lattes.

Além das referências dos alunos e profissionais colaboradores do NUTRA, é necessário


fazer menção à trajetória profissional de seus coordenadores, a saber:

O professor Cássio é graduado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (1989)


e em Administração pela Universidade de Fortaleza (1986), possui Suficiência Investigadora
em Psicologia Social - Universidad Complutense de Madrid (2000), mestrado em Administra-
ção pela Universidade Federal da Paraíba (1994) e doutorado em Psicologia Social - Univer-
sidad Complutense de Madrid (2003). Estágio pós-doutoral na Universidad Complutense de
Madrid (2009). Tem experiência na área de psicologia, com ênfase em psicologia do trabalho
e organizacional, atuando principalmente nos seguintes temas: trabalho, precarização laboral,
psicologia social do trabalho, psicologia do trabalho e subjetividade, ócio e temporalidade.

A professora Lúcia Siebra possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal


do Ceará (1986) e mestrado em Administração pela Universidade de São Paulo (2000). Pro-
fessora Adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará, atua em
cursos de graduação, pós-graduação e supervisiona estágios. Tem experiência na área de admi-
nistração, com ênfase em administração de recursos humanos, tendo atuado principalmente nos
seguintes temas: recursos humanos, processos de desenvolvimento profissional e significado
do trabalho. A experiência acadêmica, o conhecimento de diferentes ambientes de trabalho e os
questionamentos acerca da qualidade de vida dos profissionais nas organizações, levaram-na,
naturalmente, ao interesse por uma nova área da psicologia, a Psicologia Ambiental. Desde
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 20

2003, desenvolve estudos nesta área, especialmente sobre temas relacionados à apropriação e
qualidade de vida na cidade, tendo sido uma das fundadoras do LOCUS - Laboratório de Pes-
quisa em Psicologia Ambiental da Universidade Federal do Ceará. Doutora pela Universidade
de Barcelona - UB (2012) no Programa de Doutorado Interdepartamental, Espaço Público e
Regeneração Urbana: Arte, Teoria e Conservação do Patrimônio, promovido pelas Faculdades
de Belas Artes e de Psicologia.

Mesmo estando de licença para seu doutoramento na época, é digno de nota citar a traje-
tória profissional da professora Maria de Fátima Sena e Silva, posto ter sido a grande inspirado-
ra, junto aos professores acima citados, da fundação do NUTRA. Fazer referência ao seu nome
e à sua contribuição representa uma pequena homenagem, visto que, por conta de um câncer,
Fátima nos deixou precocemente, falecendo em setembro de 2013.

Fátima Sena era graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (1982),
mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília (1993) e doutora em Psicologia Social pela
Universidade Complutense de Madrid (2011). Desde 2007, compunha a equipe gestora da Pró-
-Reitoria de Extensão, onde foi Coordenadora de Extensão do Campus do Benfica. Coordenou
ainda os núcleos de Psicologia do Trabalho (NUTRA) e de Estudos sobre Drogas (NUCESD),
vinculados ao Departamento de Psicologia da UFC. Tinha experiência na área de psicologia,
com ênfase em psicologia social do trabalho, atuando principalmente nos seguintes temas: tra-
balho, psicologia social do trabalho, drogas, cidadania e redução de danos.

Além dos profissionais acima citados, é importante demarcar a contribuição dos profes-
sores Cezar Wagner, Caubi Tupinambá e Isabel Borsoi que compunham a área de psicologia
organizacional e do trabalho da época citada e que colaboraram, seja como incentivadores, seja
com projetos pontuais e participação nas reuniões de planejamento, e se fizeram presentes no
processo de construção do NUTRA (Silva et al, 2002).

É digno de nota pontuar a influência que os NUTRA e seus professores tiveram na


formação e nas trajetórias profissionais de cada integrante, visto que todos exercem atualmente
atividades ligadas à docência, em sua maioria na educação superior, tanto em Instituições
públicas como privadas. Além disso, destaca-se a prevalência da área de atuação e pesquisa em
psicologia do trabalho e em psicologia social.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 21

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁXIS


EM PSICOLOGIA SOCIAL DO TRABALHO E A ESTIMA DE LUGAR
“Lá o tempo espera

Lá é primavera

Portas e janelas ficam sempre abertas

Pra sorte entrar”

(Marisa Monte, Vilarejo, 2006)

A relação das pessoas com os lugares é repleta de significados e sentidos que vão sendo
construídos ao longo de uma trajetória. Um espaço pode se tornar um lugar simbólico a partir
do processo de apropriação e significação da realidade, podendo tornar-se identitário, relacional
e histórico (Ponte, Bomfim e Pascual, 2009).

O espaço, transformado em lugar, representa signo, por conta de seu caráter semiótico.
Neste sentido, o lugar, assume papel preponderante na construção da subjetividade, visto que o
signo funciona como um mediador da interação humana (Vigotski, 2000).

O NUTRA, além de todos os objetivos institucionais já citados, funcionou como este


lugar simbólico, lugar de acolhida, de formação, oportunidade, de trocas, como uma categoria
profissional e referência para todos que por lá passaram.

A identidade de lugar é construída em uma relação afetiva e política que envolve a apro-
priação e significação do espaço (Sawaia, 2014). Essa dimensão afetiva é vista como uma força
transformadora da realidade e a dimensão política como compromisso do homem com o que é
comum, o que permeia a dimensão da ética.

Neste sentido, é possível destacar que o NUTRA nasce de uma demanda e contexto neo-
liberal de sucateamento das instituições públicas, no entanto, desde seu início se posiciona não
de forma reativa e submissa, mas através de uma resistência ativa, movido pela potência do co-
natus, que para Spinoza (2014), representa um esforço de preservação e de resistência humana
que pode ser ampliado quando nos unimos a outras pessoas, através dos afetos que incentivam a
amizade e a solidariedade, vitalizando o poder de agir em comum e a vivência com a alteridade.

Seu contexto de surgimento em pleno avanço da estratégia neoliberal, que promove o


desenvolvimento de técnicas de auto regulação, transferindo a responsabilidade do estado para
a esfera das escolhas individuais e enfraquecendo a dimensão político-social, foi rapidamente
identificado pelos seus integrantes, que, em cada pensar, sentir e agir, buscavam integrar a ex-
periência da subjetividade e seu contexto e reconhecer nessa dissociação a causa das mazelas e
adoecimentos da relação homem e trabalho (Ramminger e Nardi, 2008).
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 22

A identidade de lugar é, então, compreendida aqui como uma construção histórico-cul-


tural e afetivo-política, que considera que os lugares não são fixos, mas estão em movimento,
produzindo encontros e desencontros que geram relações de reconhecimento e estranhamento,
proximidade e afastamento, segurança e liberdade, estando coerente, portanto, com a perspecti-
va epistemológica do materialismo histórico dialético aqui apregoada (Ponte et al, 2009).
A construção de uma práxis em psicologia do trabalho foi engendrando-se no NUTRA
no cotidiano e de forma contínua. Mesmo ainda sem tantas referências críticas estruturadas
na época, olhando para trás, é possível demarcar sua filiação metateórica de apropriação do
trabalho pela via social de vertente crítica, sociológica (Farr, 2013), que se caracteriza como
uma práxis que objetiva o desenvolvimento da consciência social crítica e da potência de ação
transformadora da realidade.

Essa via de entrada da psicologia no campo do trabalho compreende o sujeito enquanto


eminentemente social, representando uma “instância determinada pelas esferas do público e do
privado, cujos graus de liberdade e autonomia variam em função dessa mesma determinação”
(Bendassolli, 2011, p.77).

Por sua vez, o trabalho é compreendido “como um objeto do conhecimento cotidiano,


cujo significado emerge de processos de interação interpessoal, do pertencimento a grupos es-
pecíficos e dos repertórios de época sobre o trabalho” (Bendassolli, 2011, p.79).

Desta forma, além do caráter ordenador e disciplinador do trabalho, é possível também


concebê-lo como potencial de resistência, em forma de transgressões e invenção de novos mo-
dos de lidar com as normas (Clot, 2007; 2010).

E, numa perspectiva dialética, à medida em que o NUTRA atuava no campo do trabalho,


mesmo em solo instável, ia sendo repaginado por sua polissemia e abria espaços para novas for-
mas de pensar e atuar em psicologia, constituindo-se enquanto experiência matricial que vem
nutrindo ainda hoje diferentes estudantes, professores, trabalhadores e organizações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fruto dessa experiência aponta ainda hoje para a necessidade da contínua reinvenção
da psicologia frente às transformações do mundo do trabalho, tendo em vista os cenários cada
vez mais instáveis e a predominância da ordem individual e subjetiva em detrimento do coletivo
e do político.

Faz-se mister o reconhecimento do saber-poder e da não neutralidade da psicologia


como ciência e profissão e sua influência na produção da subjetividade laboral, legitimando prá-
ticas discursivas voltadas para a gestão das competências, autodesenvolvimento, empreende-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 23

dorismo, inteligência emocional, que corroboram com a perspectiva individualista, tão nefasta
para as formas de resistência do trabalhador (Jaramillo, 2013).

É preciso o constante exercício de contextualizar as realidades concretas do mundo do


trabalho, levando em consideração inclusive as peculiaridades da América Latina, do Brasil e
mais notadamente do Ceará. Esse olhar local, sem perder de vista o global, busca quebrar com
os discursos psicologizantes e universais que escondem fortes relações de poder.

A psicologia do trabalho deve continuar a propor, como tem feito o NUTRA desde a
sua origem, caminhos teóricos e interventivos próprios que priorizem a perspectiva crítica e
coerente com sua visão de homem, de trabalho e de mundo, afastando-se dos ideais de adapta-
ção e controle próprios do discurso consolidado da psicologia organizacional legitimada pelo
mercado.

É crucial avançar na construção de espaços de encontro, de discussões e questionamentos


locais, que renunciem a perspectiva eminentemente instrumental e técnica presentes nas práticas
discursivas da Psicologia Organizacional e do Trabalho dominante e priorize uma perspectiva
crítica, interventiva e concreta que inclua estudos acerca da subjetividade e suas especificidades
e que promova novas lógicas de trabalho contextualizadas com a realidade (Jaramillo, 2013).

Por fim, sugere-se o cultivo permanente da dimensão do u-topos como espaço aberto,
ainda não preenchido, mas repleto de possibilidades de vir a ser na perspectiva perene da psi-
cologia do trabalho e deixa-se como legado para os que estão e os que virão formar o NUTRA,
essa centelha de elpis grego, ou seja, esperança, na condução de cada passo e de cada trabalho
realizado.

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Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 26

PROJETO “KARA A KARA”, CONVERSANDO SOBRE DROGAS,


SEXUALIDADE, TRABALHO E CIDADANIA: UMA EXPERIÊNCIA
NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE FORTALEZA

Monalisa Pontes Xavier


Juliana e Silva de Oliveira

INTRODUÇÃO

Vinculado ao Núcleo de Psicologia do Trabalho (NUTRA), nasceu o Núcleo de Estudos


sobre Drogas (NUCESD), em 2004, um núcleo destinado a criar um espaço de referência para
o estudo sobre o uso e abuso de drogas, a partir de uma abordagem multidisciplinar e transdisci-
plinar, tendo como público alvo alunos, funcionários e professores da Universidade Federal do
Ceará (UFC) e a comunidade em geral. Desde então, o núcleo tem realizado atividades dentro
e fora do universo acadêmico. O NUCESD foi criado pela Professora Maria de Fátima de Sena
e Silva (in memorian), professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do
Ceará. Entre os objetivos do NUCESD estava o desenvolvimento de uma consciência política e
cidadã, comprometida com a realidade social e com a promoção de qualidade de vida.

A partir da articulação entre o NUTRA e o NUCESD, o Projeto Kara a kara foi pensado
como uma proposta de atuação acadêmico/comunitária frente a dados da realidade que apontam
para a preocupação contemporânea com o uso e abuso de substâncias psicoativas. O Kara a kara
foi um projeto de educação sobre drogas desenvolvido nas escolas da rede municipal de ensino
de Fortaleza e que foi realizado entre 2007 e 2010, através de uma parceria com a Secretaria
Municipal de Educação de Fortaleza (SME) e com a Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura
(FCPC).

Apresentou como objetivo promover junto aos estudantes do ensino fundamental maior
espaços de discussão sobre trabalho, sexualidade, drogas e identidade, configurando-se como
uma estratégia de educação e promoção da saúde, voltada para prevenir e minimizar o uso
e abuso das substâncias psicoativas. Nessa perspectiva, constituiu-se como uma proposta de
‘educação sobre drogas’, por acreditar que a redução do desconhecimento pode gerar formas
mais eficazes de enfrentamento a essa questão, bem como de outras que podem a isso estar re-
lacionadas, como violência, gravidez na adolescência, evasão escolar, entre tantas outras.

O público-alvo do projeto foi composto por estudantes a partir de 12 anos de idade que
estavam devidamente matriculados nas escolas atendidas. Junto a esse público, a equipe do
projeto desenvolveu oficinas e rodas de conversas temáticas, pautadas no método psicossocial.
Segundo Sena e Silva (2004), esse método prevê um protagonismo dos saberes no qual, a partir
de um compromisso reforçado pela vinculação afetiva do grupo, há a possibilidade de cons-
trução de espaços de aprendizado e troca de informações, com a ampliação dos conceitos para
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 27

percepção da realidade e a produção de instrumentos e estratégias baseados no modo de vida


do grupo.

O projeto atendeu aproximadamente 1800 estudantes, formando-os como multiplicado-


res das ações de educação sobre drogas nas escolas, de modo a implantar nas escolas atendidas
espaços contínuos de discussão sobre drogas e temas afins e, com isso, contribuir para a pre-
venção e redução do uso e abuso de substâncias psicoativas, redução dos índices de violência,
educação sexual nas escolas e integração dos conteúdos escolares com a realidade social dos
estudantes.

EDUCAR SOBRE DROGAS COMO ESTRATÉGIA DE PREVENÇÃO E REDU-


ÇÃO DE DANOS

O consumo de drogas faz parte de nosso cotidiano e a história mostra que a humanidade
tem utilizado as drogas com as mais diversas finalidades, como associadas à música, à dança,
às meditações, aos jejuns, às curas medicinais e espirituais, entre tantos os usos já registrados.
O uso de substâncias psicoativas pode ser curativo ou adoecedor, como também lícito ou ilícito,
sendo, portanto, historicamente variáveis as atribuições de valor que recebem. O ópio, por
exemplo, de remédio milagroso, passou, no último século, a ser utilizado como um perigoso
entorpecente.

As manifestações sócio-políticas e artísticas das décadas de 70 e 80 foram regadas a


álcool, tabaco e, eventualmente, alguns ‘baseados’. Em dias de restrições de liberdade, essas
práticas puderam representar, provavelmente, as poucas e permitidas estratégias de afirmações
de individualidades juvenis, como argumenta Carlini-Marlatt (2005).

Hoje, muitos desses hábitos individuais e coletivos viraram ‘big business’ e as estratégias
libertárias de afirmações de identidades se transformaram em espaços de ‘marketing’. A produção
e distribuição das drogas lícitas e ilícitas, neste tempo de globalização, são coordenadas por
grandes corporações transnacionais (Carlini-Marlatt, 2001).

As mudanças nos valores das sociedades ocidentais, a partir da globalização em processo,


vem produzindo nos últimos tempos o desmonte de antigos rituais comunitários presentes na
vida dos indivíduos, acarretando profundas transformações em suas relações com o tempo, com
o espaço e com o trabalho, aguçando os vazios existenciais e incitando os sujeitos ao consumo
imediato de uma infinidade de produtos.

Na contemporaneidade, muitas vezes acometidos pelo vazio existencial que a


desterritorialização identitária provoca, os sujeitos anseiam por referentes. Em consonância
com o hedonismo e o imediatismo característicos de nosso tempo, a toxicomania generalizada
se apresenta como alternativa. Como discute Rolnik (1997), os sujeitos contemporâneos
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 28

buscam nas drogas lícitas e ilícitas, nas tecnologias diet e light, nos dispositivos midiáticos e no
consumo generalizado ou ainda nas patologias lugar de ancorar sentidos sobre si.

Vivemos uma cultura da medicalização. As crianças, ainda em idade escolar ou até antes
disso, já são inseridas como consumidoras de medicamentos para dormir, acalmar, controlar
comportamentos e resolver problemas das mais distintas ordens, como os famosos problemas
de aprendizagem. O Ministério da Saúde (2015), indica que o “Brasil se tornou o segundo
mercado mundial no consumo do metilfenidato, com cerca de 2.000.000 de caixas vendidas no
ano de 2010, e apontam para um aumento de consumo de 775% nos últimos 10 anos no Brasil”
(p.9).

Cada vez mais cedo os jovens vêm fazendo uso de ansiolíticos e outros medicamentos de
uso contínuo. Os benzodiazepínicos são conhecidos ‘companheiros de cabeceira’, mostrando
que a questão do uso e abuso de substâncias psicoativas é muito mais ampla que o uso das
drogas ilícitas.

O consumo indevido de substâncias psicoativas tornou-se uma questão de saúde pública


extremamente relevante em todo o mundo. Os problemas relacionados ao uso de drogas não
ocorrem somente entre os que se tornaram dependentes e necessitam de tratamento especializado,
mas se apresentam desde a criança que cheira cola e cujos pais fumam dois maços de cigarro por
dia, o jovem que não vê o modo que bebe como problema e está hipertenso, a moça de 20 anos
que teve uma relação sexual sem preservativo após cheirar cocaína e contraiu o vírus HIV, além
do homem que acorda com tremores nas mãos e do usuário de crack que rouba e trafica para
sustentar seu hábito. São questões com dimensões sociais, psicológicas, físicas, farmacológicas,
médicas, psiquiátricas, jurídicas e antropológicas que se mesclam aos problemas oriundos do
uso indevido de determinadas substâncias.

A realidade tem apontado para a fragilidade e a ineficácia das ações políticas e acadêmicas
no manejo deste fenômeno. Nesta época de desconstruções, reconstruções e de reinvenções, é
preciso rever o caminho e desenvolver, neste caminhar, novas estratégias de enfrentamento ao
uso e abuso de substâncias psicoativas.

Os fatos cotidianos têm mostrado que nenhuma abordagem está obtendo sucesso nesta
tarefa e as estratégias de combate e controle, muitas vezes numa perspectiva jurídica que se
sobrepõe às ações educativas, se mostram insuficientes e/ou ineficazes. Isso nos faz atentar
para a necessidade de olhares múltiplos e transversais acerca da questão, olhares que envolvam
diferentes campos de saberes, desde os saberes acadêmicos, até os saberes do senso comum, das
ruas, dos usuários, dos familiares e de pessoas que têm suas vidas atravessadas pelas drogas e
os malefícios por elas provocados.

Foi nesta perspectiva que o projeto Kara a kara se instaurou, com a finalidade de construir
um espaço de aproximação, reconhecendo a complexidade deste fenômeno multifacetado em
seus aspectos contraditórios e irregulares. Como alternativa de enfrentamento da questão,
o projeto se edifica como uma estratégia de prevenção e promoção da saúde, voltada para
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 29

minimizar o uso e abuso das substâncias psicoativas, bem como seus desdobramentos.

É uma proposta de ‘educação sobre drogas’, pois acredita que a ampliação da informação
por meio da educação pode gerar formas mais eficazes de enfrentamento desse fenômeno, o que
a ‘educação anti-drogas’ não tem conseguido apresentar.

A perspectiva da “educação sobre drogas” que subsidiou o projeto Kara a kara parte da
compreensão de que pensar em um projeto de prevenção e promoção da saúde, voltado para
prevenir e minimizar o uso e abuso de drogas, é pensar obrigatoriamente em educação (Fuente,
2003; Escohotado,1996). Acrescido a isso, cremos também que é através da educação e da
atividade – no sentido de trabalho e não de emprego – que as pessoas podem se construir como
sujeitos de direitos e deveres comprometidos com sua realidade.

As ações de ‘educação anti-drogas’ não têm conseguido obter os resultados que prometem.
Apesar de todos os esforços e das grandes campanhas, o uso e abuso de drogas continua se
acentuando. Os discursos combativos e proibicionistas não estão dando conta da redução de uso
e abuso de substâncias psicoativas, que cada vez mais se intensificam, considerando somente a
droga como substância, esquecendo a multiplicidade de questões que atravessam o uso e abuso.

As ditas estratégias de prevenção muitas vezes se pautam em coação, busca por culpados,
classificação e punição dos usuários e, assim, esquecem o viés educativo que precisa pautar a
construção de estratégias eficazes de ação sobre a questão. Tais estratégias devem levar em
consideração o sujeito, os determinantes sociais, os sentidos em torno do uso, os discursos
circulantes na sociedade, entre tantos outros fatores relevantes ao problema.

Na ação educativa se fala de formar sujeitos para a tomada de decisões, para assumir
responsabilidades, para evitar dependências, quando, na prática, as intervenções estão se
construindo em sentido contrário, ao dominar a desinformação, a ameaça e o recurso da punição
como estratégias básicas.

A educação precisa recobrar seu sentido mais profundo, não como mecanismo de
controle, mas como meio de formação de pessoas críticas e comprometidas com a saúde
individual e coletiva, fortalecendo no indivíduo a possibilidade de dirigir seu destino em um
mundo acelerado e globalizado. As pessoas precisam compreender a questão das drogas e
desenvolver atitudes saudáveis diante das substâncias que podem criar dependência. Em alguns
casos para prevenir o uso e, em outros, para reduzir ao máximo os danos causados pelo consumo.

Diante desse cenário, o projeto Kara a kara se pautou na busca pela garantia ao direito à
‘educação sobre as drogas’, já que a ‘educação contra as drogas’ não tem conseguido oferecer
os resultados esperados. Educação como um processo para garantir a fundamentação da
democracia, o desenvolvimento do sujeito, a difusão e o incremento do conhecimento e da
cultura em geral e a inserção dos sujeitos no mundo.

As políticas voltadas para uma educação sobre drogas precisam oferecer informação
objetiva, científica, relacionada com as drogas e seu consumo; estimular a procura de informações
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 30

para construção de um comportamento crítico em relação ao consumo de drogas; orientar


sobre os recursos que a comunidade pode oferecer em resposta ao uso e abuso de drogas;
desenvolver o sentido de responsabilidade diante de um problema que necessita de formas
novas de enfrentamento, bem como construir e oferecer atividades e programas preventivos,
terapêuticos e de inserção socio-laboral.

Portanto uma educação sobre drogas deve levar em conta a relação pessoa-substância,
procurando construir a possibilidade de uma vivência saudável ao meio de cultura de drogas,
compreendendo droga, igualmente a Hipócrates e Galeno, pais da medicina científica, como
sendo uma substância que mesmo consumida em doses muito pequenas provocam significativas
mudanças orgânicas, anímicas ou ambas.

Nessa perspectiva, o projeto buscou implementar um trabalho de ‘Educação sobre Drogas’


capaz de possibilitar aos sujeitos participantes o desenvolvimento de uma visão crítica sobre o
uso e abuso de drogas. A partir deste trabalho, intencionou fornecer subsídios para construção
de políticas públicas municipais, estaduais e federais na área de drogas, principalmente na área
de prevenção e de redução de danos para as pessoas que fazem uso abusivo. Também objetivou
desenvolver ações de integração entre políticas de educação, de saúde e de assistência social,
atuando na intercessão de três espaços: escola, CAPS e comunidades; promover ações de
integração da escola com a comunidade; bem como constituir redes de integração das ações de
educação e de saúde.

Como uma ação de extensão, o projeto Kara a kara se constituiu na interface entre
objetivos acadêmicos e objetivos sociais. Academicamente intentou ampliar o debate sobre o
uso e abuso de drogas lícitas e ilícitas; aprimorar a metodologia psicossocial para o trabalho de
grupos; problematizar o conceito de ‘redução de danos biopsicossociais’, compreendendo-o a
partir de uma articulação teórico-prática; e ainda realizar pesquisas sobre a realidade educacional
e de saúde dos participantes, além de elaborar publicações científicas a partir dos resultados do
projeto.

Como objetivos sociais, assumiu: construir espaços de discussão sobre drogas, de forma
clara, científica e acessível ao público trabalhado; ampliar o conhecimento do sujeito sobre si
mesmo no papel de ‘sujeito consumidor’ em suas relações sociais; diminuir a vulnerabilidade
dos participantes frente à atual sociedade de consumo; aperfeiçoar as competências intra e
interpessoais dos participantes; trabalhar a auto-estima e o exercício da cidadania dos
participantes; conhecer e sistematizar dados da realidade dos participantes (pesquisa);
contribuir para construção de novas formas de enfrentamento do uso e abuso de drogas lícitas e
ilícitas; contribuir para uma re-significação da relação dos participantes com o mundo laboral;
promover o desenvolvimento de ações de integração da escola com a comunidade; garantir
ações integradas de educação e saúde; fornecer elementos para a promoção de saúde nas
escolas; capacitar multiplicadores da proposta do projeto; iniciar um movimento de integração
das atividades desenvolvidas pelas escolas, CAPS e comunidade, de modo a articular a rede
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 31

de atenção; bem como contribuir para a construção e manutenção de uma cultura de paz na
sociedade.

METODOLOGIA

Como estratégia de trabalho foi utilizado o método psicossocial. Esse modelo é consoli-
dado a partir do desenvolvimento da participação, da organização grupal e do exercício de uma
consciência crítica (Sena e Silva, 2004). Dessa forma, surge um movimento de investigação
constante e coletiva, cujos membros são do lugar onde o grupo se estabelece e da academia
(profissionais e estudantes comprometidos), havendo a promoção de uma participação que se
instala em todos os segmentos participantes. Vale ressaltar que o método psicossocial não é só
mais uma elaboração teórica a ser somada a outras tantas, é um movimento de aproximação de
dois polos que, por muito tempo, estiveram separados, com a valorização de ambos indistin-
tamente. É um movimento que se funda não mais na construção de teorias, mas na certeza de
que a humanidade merece ser exaltada e defendida em sua dignidade e em seus direitos, além
de estar sendo compreendida como dona e construtora de sua própria história, de sua vida e das
formas de superar os obstáculos (Sena e Silva, 2004).

Seguindo essa concepção, os pontos fundamentais trabalhados no projeto foram a in-


serção e familiarização dos sujeitos envolvidos; o estabelecimento de contrato, dos objetivos
e formas de execução do trabalho proposto; o desenvolvimento participativo dos temas e a
avaliação final.

O trabalho em campo foi desenvolvido através de “Oficinas de Desenvolvimento e


Crescimento Pessoal”, que, em consonância com o método psicossocial, permitiram a cons-
trução de um espaço de discussão e aprendizagem, sempre centrado na realidade e no desejo
dos participantes. Tais oficinas foram facilitadas por duplas de estudantes bolsistas do curso de
Psicologia da UFC, sendo realizadas dinâmicas de grupos, técnicas projetivas, exposição com
recursos audiovisuais e círculo de debates com os participantes.

Além das oficinas, foi realizada em cada escola uma pesquisa com a aplicação de ques-
tionários que continham perguntas sobre as temáticas do projeto, o que trazia uma leitura da
realidade nas escolas participantes acerca dos assuntos abordados. Os questionários eram apli-
cados, tabulados e discutidos pelos próprios alunos participantes das oficinas, bem como expos-
tos para a comunidade escolar.

Em cada escola foi realizada: uma reunião de apresentação do projeto, de seis a oito
oficinas, a aplicação do questionário da pesquisa sobre as temáticas do projeto, um encontro
para tabulação, análise e discussão dos dados da pesquisa e uma devolutiva dos estudantes par-
ticipantes das oficinas para a escola.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 32

O conteúdo trabalhado nas oficinas envolveu quatro grandes eixos norteadores: 1- abor-
dagens psicossociais sobre o sujeito; 2- as substâncias psicoativas; 3- sexualidade e; 4- trabalho
e cidadania. Esses eixos pautaram as discussões construídas com os estudantes e ainda o ques-
tionário da pesquisa, que serviu de instrumento de avaliação do conhecimento dos estudantes
não participantes das oficinas sobre as temáticas trabalhadas, bem como instrumento diagnós-
tico da realidade e de orientação para a produção de material informativo e delineamento das
ações no grupo.

Além das oficinas de desenvolvimento e crescimento pessoal, também foi realizado um


treinamento com os estudantes participantes das oficinas para capacitá-los a aplicar o questio-
nário de pesquisa junto aos colegas da escola. Após o treinamento, os estudantes envolvidos no
projeto aplicaram os questionários e os dados foram tabulados, analisados e discutidos junto
com a equipe acadêmica.

Foram ainda realizados fóruns semestrais com as escolas participantes, de modo a pro-
mover um espaço de interação e trocas entre estudantes de diferentes escolas. Nos fóruns, a
equipe de estudantes de cada escola apresentava uma produção decorrente da participação do
projeto. A produção apresentada era de livre escolha dos estudantes, sendo elas desde cartazes
produzidos e expostos nos corredores da escola, a peças de teatro e confecção de fanzines.
Houve ainda a elaboração, pela equipe acadêmica do projeto (professor (a) coordenador (a),
profissionais e bolsistas), de uma cartilha informativa sobre as temáticas discutidas, a qual foi
distribuída nos diversos espaços de atuação do projeto.

Aproximadamente oitenta e nove escolas foram atendidas pelo Kara a kara e partici-
param diretamente das atividades aproximadamente 1800 estudantes. As atividades realizadas
funcionaram como espaço de promoção de saúde e cidadania, na medida em que se pautaram na
reflexão e fortalecimento da consciência crítica dos adolescentes, a partir de problematizações
contextualizadas na realidade social em que eles vivem.

CONVERSANDO KARA A KARA

Por se tratar de um projeto de grande alcance territorial e de grande quantitativo de esco-


las a serem atendidas, para a sua execução, o Kara a kara foi dividido em quatro fases. Em cada
uma dessas fases foi atendido um quantitativo de escolas de uma mesma secretaria executiva
regional,1 previamente compactuada com a Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza. A
divisão em quatro etapas seguiu também o repasse de verbas ao projeto, que foi financiado pela

1 A cidade de Fortaleza é divida territorialmente em seis secretarias executivas regio-


nais. As escolas foram atendidas seguindo a divisão: escolas pertencentes às regionais I e III;
escolas pertencentes às regionais II e IV; escolas pertencentes à regional V e; escolas perten-
centes à regional VI.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 33

SME de Fortaleza. A seleção das escolas atendidas pelo projeto seguiu indicação das Secre-
tarias Executivas Regionais, de acordo com as vulnerabilidades apresentadas nas escolas que
fossem relacionadas aos eixos norteadores do projeto.

Ao início de cada fase, foram realizadas visitas às Secretarias Executivas Regionais e


a cada uma das escolas contempladas pelo projeto. Nessa ocasião, o projeto era apresentado à
equipe gestora da escola e os bolsistas conheciam a estrutura física de cada escola e os recursos
disponíveis para uso durante as oficinas. O contato inicial também objetivava analisar a viabi-
lidade do desenvolvimento do projeto na escola e, caso constatada a viabilidade, planejar sua
realização. Por fim, era feito o agendamento de uma palestra de apresentação do projeto aos
estudantes do contra turno a ser atendido, já que os alunos deveriam participar das atividades no
contra turno das aulas, a fim de não haver prejuízos nas atividades escolares.

A palestra inicial de apresentação do projeto Kara a kara tinha como objetivo apresentar
a proposta de trabalho, informando detalhadamente aos estudantes sobre cada tema tratado e, ao
mesmo tempo, incitar o interesse dos alunos em participar das oficinas, convidando-os. Após a
identificação dos interessados, era compactuado um horário semanal de encontro.

A primeira oficina seguia o eixo temático “abordagens psicossociais sobre o sujeito” e


trabalhava mais especificamente a questão da identidade. Apresentava como objetivo promover
a reflexão em torno da construção de identidade e das escolhas, a partir de uma discussão da
identidade como metamorfose (Ciampa, 1987) e da desconstrução de estigmas e representações
de si cristalizadas e pautadas, muitas vezes, em perspectivas normativas, discriminatórias e ex-
cludentes a respeito do jovem pobre, habitante de periferia de uma capital.

Essas representações muitas vezes eram assumidas como significativos referentes iden-
titários por esses jovens, que findavam por reproduzir concepções preconceituosas acerca do
seu meio, de seu modo de vida e das possibilidades vislumbradas para o futuro.

As oficinas sobre identidade eram consideradas satisfatórias quando os estudantes con-


seguiam vislumbrar outras perspectivas de futuro, de mudança de vida e de transformação
social. Esse momento era de grande importância para o trabalho posterior, pois dava início a
um processo coletivo de construção de cidadania e mobilização com fins de promoção da trans-
formação social.

Por ser o primeiro contato mais próximo com o grupo formado, essa oficina também
trabalhava o fortalecimento de vínculos, a contextualização na realidade social do grupo, o
contrato de funcionamento e os princípios norteadores do método psicossocial, com seus pres-
supostos teóricos orientando já a discussão sobre identidade, implicação, compromisso social
e transformação da realidade. No estabelecimento do contrato eram discutidos pontos, trazidos
pelos próprios membros, necessários ao funcionamento do grupo, como sigilo e assiduidade,
com o objetivo de trabalhar a responsabilização e a construção coletiva.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 34

A segunda oficina tratava da questão das drogas e apresentava como objetivo esclarecer,
debater, informar sobre os diversos tipos de substâncias psicoativas, seus efeitos e causas, tanto
físicos como psicossociais. Abordava a classificação dessas substâncias (lícitas e ilícitas, natu-
rais ou sintéticas etc.), os preconceitos existentes sobre quem usa e os fatores envolvidos no uso
ou abuso das substâncias psicoativas.

A oficina sobre drogas primava por dar voz aos estudantes, de modo a por em discussão
seus conhecimentos e vivências em torno das drogas, os sentidos a elas atribuídos e as questões
transversais ao uso e abuso. Pautada no cuidado em desconstruir juízos de valor e preconcei-
tos, buscava entender os múltiplos olhares sobre a questão e respeitar a condução dada pelos
próprios jovens – alguns já usuários e/ou ‘aviõezinhos’ – à discussão. Em um segundo momen-
to, priorizava passar informações e apresentar as diretrizes nacionais para a redução de danos
(Brasil, 2003).

Um instrumento que funcionou de forma bem interessante foi a criação de um jogo so-
bre drogas, no qual os jovens competiam entre si sobre conhecimentos a respeito das substân-
cias psicoativas, do uso e abuso, efeitos, estratégias de combate e tratamento, redução de danos,
etc. Além disso, algumas tarefas do jogo eram a encenação, imitação e outros desafios.

O jogo se mostrou uma forma interessante de conferir voz aos estudantes, minimizando
aspectos como a timidez, a vergonha de falar, o resguardo de informações e ainda incentivan-
do-os a buscar conhecer mais a respeito do uso e abuso de substâncias psicoativas. O aspecto
lúdico também funcionou como importante promotor de integração do grupo e de construção
coletiva de estratégias e de superação de desafios.

Na semana seguinte, o tema da oficina era sexualidade e apresentava como objetivo dis-
cutir questões que atravessam a sexualidade dos adolescentes, como, por exemplo, mudanças
corporais, namoro, virgindade e iniciação sexual, sexo e tabus na sociedade, gravidez, doenças
sexualmente transmissíveis, proteção sexual, métodos anticoncepcionais, questões de gênero e
de orientação sexual, cuidados com o corpo, preconceitos e estereótipos, entre outras questões
demandadas por cada grupo em particular.

A sexualidade é uma questão que atravessa a adolescência, porém, embora seja assunto
comum aos jovens, essa temática costumava causar timidez e silenciamento quando de sua
abordagem. Por isso, algumas estratégias foram importantes para que a discussão atendesse ao
objetivo de dar voz aos estudantes, de modo que a oficina funcionasse como espaço de fala e
tira dúvidas. Para isso, foi criado o ‘quiz da sexualidade’, outro jogo adaptado às demandas de
cada um dos grupos e que envolveu atividades como ‘batata quente’, ‘dança’, entre outras.

De início difícil, as oficinas sobre sexualidade costumavam ser as mais intensas e parti-
cipativas. Os estudantes usavam o espaço para tirar dúvidas, pediam dicas e indicações de lei-
tura, mostravam bastante curiosidade e interesse para entender as informações e participavam
ativamente do ‘quiz’. Traziam histórias de vida como exemplo, falando sobre si e comumente
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 35

faziam uma devolutiva afirmando a importância da informação nas suas vidas. Alguns falavam
que desconheciam métodos contraceptivos além da camisinha e tinham muitas dúvidas sobre
a iniciação sexual. Relatavam ainda que a oficina facilitou o diálogo com pais e irmãos sobre
sexualidade e comumente algumas mães e outros alunos não participantes do projeto pediam
informações e preservativos.

A oficina sobre sexualidade mostrou a importância do trabalho das equipes de saúde nas
escolas, pois muitas dúvidas poderiam ser esclarecidas, prevenindo assim gravidez na adoles-
cência e doenças sexualmente transmissíveis, de modo a promover saúde e bem-estar psicos-
social.

Muitas questões manifestas pelos estudantes estavam também relacionadas ao descon-


forto frente às mudanças corporais e psicossociais características da adolescência. Isso possi-
bilitou uma maior articulação com as discussões da oficina sobre identidade já realizada e a
posterior oficina sobre trabalho e cidadania. Apontou ainda para a relevância de proporcionar
espaços de fala aos adolescentes nas ações educativas, pois uma das principais queixas era de
que eles não se sentiam escutados e as conversas sobre sexualidade eram sempre pautadas em
proibições e riscos, como uma aula onde não podiam perguntar o que realmente queriam saber,
conforme foi afirmado.

A oficina seguinte era organizada em torno da discussão sobre trabalho e cidadania, de


modo a compreender as concepções que os jovens tinham sobre cidadania, como se sentiam
cidadãos, as representações construídas sobre trabalho e outras questões de atravessamento
como pobreza e cidadania, exclusão social, marginalização, sociedade de consumo, função da
educação, entre outras surgidas em cada grupo.

Nessa oficina também era discutido sobre participação social, formação política dos jo-
vens e compromisso com a transformação social, de modo a empoderar os estudantes e promo-
ver uma consciência crítica frente à realidade social mais ampla. Nesse ínterim, a capacitação
dos mesmos como multiplicadores do projeto era discutida e apresentada como uma estratégia
de participação social e cidadã na escola do qual faziam parte.

Isso possibilitou uma reflexão sobre o sentimento de pertença à escola e à comunidade


na qual estavam inseridos e na construção de modos de abordar os problemas que acometiam os
sujeitos desses espaços. Também promoveu a formação de um coletivo que objetivava se apro-
priar dos dados de realidade, a fim de, a partir deles, construir estratégias de resolução dos pro-
blemas imediatos e mobilização para reivindicação de ações sobre os problemas macrossociais.

O encontro seguinte era para apresentar aos participantes a pesquisa, explicar o questio-
nário e ensinar a tabulação dos dados, além de falar sobre a importância do sigilo e capacitá-los
para aplicar o mesmo com os demais alunos da escola. A participação dos alunos como pesqui-
sadores se mostrou produtiva, despertando o interesse de outros estudantes para o projeto.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 36

Vale ressaltar o estímulo ao protagonismo, visto que os próprios alunos participaram da


aplicação e tabulação dos questionários da pesquisa, além da construção de um mural com os
resultados, que foi apresentado nos fóruns, tomando assim conhecimento da importância de se
estudar a realidade de suas escolas no que concerne às temáticas trabalhadas.

Também foi destaque o modo como os participantes se sentiram valorizados pela opor-
tunidade de eles mesmos realizarem a pesquisa e, conforme relatavam, “contribuir com a uni-
versidade”, que alguns julgavam a princípio um mundo bem distante de suas realidades.

Tal fato nos fez perceber um deslocamento de lugar desses sujeitos nas práticas escola-
res, na medida em que muitos dos alunos participantes das oficinas eram considerados ‘maus’
alunos, com baixo rendimento escolar, histórico de reprovação e/ou evasão, queixas de indisci-
plina, entre outras.

A esse respeito, Patto (2000) nos fala sobre os diferentes modos que os alunos “proble-
ma” são rotulados e as implicações disso para o próprio processo de aprendizagem, na medida
em que geram insatisfação nos alunos em frequentar a escola e a opção desses alunos por inves-
tir em outros espaços. Nas palavras da autora (Patto, 2000):

A alguns alunos a escola atribui todas as deficiências e déficits, mas saindo da


aula, o que acontece é muito diferente. Então, o menino vai jogar bola. Lá ele é o líder,
manda e desmanda, organiza seu time e desorganiza o adversário em campo, tem um
controle perfeito sobre o tempo, o espaço, a noção de causa e efeito, uma habilidade
ideomotora, ideoperceptiva e ideocognitiva para o jogo que faz dele um craque, um Gar-
rincha! A mesma máquina humana que joga bola, estuda na escola. Escrever não é mais
difícil do que jogar bola, marcar um gol não é mais fácil do que resolver um problema de
matemática. Aliás, marcar um gol é também um problema de matemática, de balística,
de controle motor fino, e muito mais. (p. 198).

A oportunidade de assumirem outro papel na escola, no qual se sentiam valorizados e se


destacavam positivamente, possibilitou a ressignificação da escola e das práticas escolares, com
implicações nas relações de ensino-aprendizagem. Em consonância com Patto (2000), a cons-
trução de caminhos como esse se constitui como relevante forma de enfrentamento também dos
problemas de aprendizagem.

A oficina de encerramento teve como função promover junto aos participantes uma re-
flexão a respeito da conexão entre os temas discutidos durante o projeto e a vida prática deles;
fazer uma avaliação do projeto e dos bolsistas, além de realizar uma confraternização final por
meio de dinâmica(s) de fechamento. Na ocasião também ocorreu a apresentação e discussão
dos dados da pesquisa. A partir desses dados, os estudantes tinham a tarefa de construir formas
de intervenção na escola para transformar a realidade retratada na pesquisa. O resultado desse
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 37

trabalho foi apresentado nos fóruns semestrais, que reuniam todas as escolas atendidas.

Quanto ao resultado das pesquisas, eles apontaram dados significativos e que justificam
e corroboram a importância de inserção de projetos que abordem temas como os propostos –
identidade, drogas, sexualidade, trabalho e cidadania – no contexto escolar. Muitos diretores
ressaltaram a necessidade de abordagem dos temas nas escolas, visto que eles são recorrentes
nas discussões de sala de aula e, apesar da relevância, há pouco espaço para serem abordados
no ensino formal ou mesmo com a família.

Alguns setores das comunidades passaram a demandar que os temas fossem debatidos
não apenas no espaço escolar, o que levou o Kara a kara a atuar também em Organizações Não
Governamentais (ONG) – Água de Beber – e em grupos mistos de alunos e demais membros da
comunidade, bem como propor ações pontuais em alguns grupos comunitários.

Algumas Secretarias Executivas Regionais, a exemplo da SER I e da SER VI, deman-


daram outras ações sobre os temas trabalhados em escolas específicas, o que demonstrou a ne-
cessidade e a urgência de inserção no contexto escolar de espaços de “educação sobre drogas”
e de questões relativas à sexualidade.

O sucesso dos resultados alcançados fizeram com que o projeto fosse renovado por dois
anos seguintes – 2008 e 2009, levando o Kara a kara até a terceira fase, na qual foi ampliado
para atuar também em dispositivos psicossociais e comunitários, a exemplo do CAPS e dos
grupos comunitários e ONGs.

Ao longo da realização do projeto, algumas dificuldades precisaram ser superadas. Den-


tre elas, foram relevantes os atrasos na liberação da verba para a execução da primeira fase do
projeto, bem como o consequente atraso no cumprimento das metas inicialmente firmadas. A
ocorrência desse atraso de liberação de recursos e, consequentemente, de início das atividades
somou-se a outro atraso decorrente de greve dos professores da rede municipal de ensino, que
desregulou o calendário escolar.

Em virtude disso, a inserção do Kara a kara em algumas escolas aconteceu em períodos


próximos ao final dos semestres, o que, a nosso ver, acarretou prejuízos ao alcance dos objeti-
vos e metas inicialmente propostos, pois esse período final costuma ser atribulado para muitos
alunos, com uma sobrecarga de tarefas e pela busca de recuperação de notas para aprovação.
Com isso, muitos não tinham disponibilidade para participar das oficinas, alguns pais proibi-
ram os filhos de se envolverem em atividades extraclasse por causa das notas, as faltas foram
frequentes, assim como algumas desistências.

Ainda em decorrência da greve dos professores, se impôs o desafio de adequar a progra-


mação do Projeto ao calendário escolar, que é planejado no final do ano anterior e não tem mui-
tos espaços reservados para atividades extras. A redução do tempo para cumprir o calendário
resultou na falta de disponibilidade de muitos professores e também dos pais para participarem
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 38

das atividades programadas pelo projeto realizadas fora da programação escolar.

Outro fator que impactou prejuízos foi a dificuldade de apoio e interlocução com a Se-
cretaria Municipal de Educação, o que dificultou o contato com as Secretarias Executivas Re-
gionais e as escolas, bem como interferiu na credibilidade conferida ao projeto por diretores de
algumas escolas. Esse empecilho foi minimizado com o grande apoio e receptividade recebidos
dos chefes de distrito de Educação de algumas regionais.

Os diretores de algumas escolas indicadas afirmaram não ter interesse no projeto e ou-
tros aceitavam o projeto mas não repassavam as informações aos vice-diretores, professores,
alunos, porteiros, o que resultava em idas consecutivas à escola seguidas pelo impedimento
de realização das atividades planejadas. Também alguns diretores afirmavam desconhecer
o projeto e que não haviam sido comunicados pela SME da indicação da escola e, por isso, se
mostravam relutantes quanto à aceitação do projeto nas escolas sob suas responsabilidades. O
apoio da SME era imprescindível para a oficialização e bom funcionamento do projeto.

Outra situação enfrentada foi a ocorrência de muitos projetos simultâneos numa mes-
ma escola, pois boa parte do tempo de contra-turno dos alunos era dedicada a esses projetos.
Dentre eles, podemos citar o ‘Segundo Tempo’. As atividades desenvolvidas pelo ‘Segundo
Tempo’ impediram a realização de oficinas em alguns horários por duas razões: a primeira é
que o projeto Kara a Kara não apresentava recusa por tirar alunos de sala de aula e de atividades
complementares à sala de aula; a segunda era que, no caso dos jovens, as atividades desportivas
são, geralmente, mais atrativas.

Para lidar com essa situação, foi apresentada à SME a proposta de inserção do Projeto
Kara a Kara na programação do ‘Mais Educação’ e/ou do Programa “Segundo Tempo na esco-
la”. Não houve, porém, tempo hábil para a efetivação dessa proposta.

Apesar de algumas dificuldades encontradas, decorrentes prioritariamente do atraso na


liberação da verba que financiou o projeto e do calendário irregular após a greve docente, os
resultados obtidos se mostraram bastante satisfatórios, na medida em que o número de pessoas
beneficiadas foi superior à meta, o engajamento dos estudantes produziu resultados para além
dos previstos, outros dispositivos sócio-comunitários e psicossociais buscaram parcerias e o
incentivo ao protagonismo e ativismo dos estudantes passou a ser destaque nos contextos aten-
didos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos inúmeros problemas decorrentes do uso e abuso de substâncias psicoativas,


da carência e/ou pouca efetividade, à época, das ações nesse campo e da dificuldade de falar
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 39

com os jovens sobre essa questão, o Projeto Kara a kara se configurou como uma estratégia
de educação sobre drogas contextualizada à realidade e ao público atendido e que se mostrou
efetiva por ‘falar a língua’ dos jovens e, mais que isso, escutá-los, dando-lhes espaços de pro-
dução autônoma de sentidos sobre a questão e oportunizando a esses jovens levar aos demais
suas ideias.

O método psicossocial adotado como diretriz de trabalho foi responsável pelo dialogis-
mo e sentimentos de protagonismo emergentes nas oficinas, que foi capaz de implicar os estu-
dantes com as questões que lhes rodeiam, assim como mobilizá-los na criação de insurgentes
práticas que façam frente ao uso e abuso de substâncias psicoativas.

A grande aceitação do projeto apontou a urgência da saúde e das práticas psicossociais


adentrarem os muros escolares, não apenas como ações pontuais, mas sim como ações con-
tinuadas que bem podem ser conduzidas pelos atores escolares, juntamente com as parcerias
estabelecidas.

Através do projeto Kara a kara, cremos ter contribuído para a redução no uso e abuso de
drogas, além de ações pontuais de redução de danos, e na prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis e gravidez na adolescência, bem como com o bem-estar psicossocial, em defesa
da vida e contra a cultura de violência da população atendida pelo projeto.

Por fim, como elemento mais significativo, o projeto semeou a participação social, o
empoderamento e a autonomia dos atores escolares na condução de outros projetos e ações
capazes de dar conta das demandas de cada escola em particular, bem como das comunidades
nas quais estão inseridas.

REFERÊNCIAS

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Júnior (Orgs.), Dependências de drogas (pp. 191-197). São Paulo, SP: Atheneu.

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Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 41

QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL NA ÁREA DE COSTURA EM


HORIZONTE-CE: PERCEPÇÕES DAS MULHERES PARTICIPANTES
DE UM PROJETO DE EXTENSÃO DO NUTRA UFC

Mabel Melo Sousa

INTRODUÇÃO

A globalização do capital, o avanço científico e tecnológico e as novas formas de orga-


nização das empresas têm dado lugar a uma profunda transformação da natureza do trabalho
assalariado, modalidade cujos princípios constituem a denominada sociedade salarial (Luque,
2006). Essas transformações podem ser exemplificadas por alguns processos destacados por
Santos (1997), como: a transnacionalização da produção e o consequente surgimento de em-
presas multinacionais em distintos países (inclusive países tradicionalmente fora do circuito
industrial); uma fragmentação geográfica e social dos processos laborais; uma ampliação e
diversificação do mercado de trabalho e a divisão entre países devedores e credores.

Antunes (2006) apresenta algumas características relevantes da forma flexibilizada de


acumulação capitalista, observada nos dias atuais: redução do proletariado fabril estável; incre-
mento dos assalariados médios e de serviços; exclusão dos jovens e dos idosos do mercado de
trabalho; inclusão precoce e criminosa de crianças; expansão do trabalho em domicílio; recon-
figuração, tanto do espaço quanto do tempo de produção.

Como resultado dessas transformações, Antunes (1998) aponta como sendo o mais bru-
tal o crescimento do contingente de pessoas em busca de inserção no mercado de trabalho, ou
seja, a expansão do desemprego estrutural, que atinge o mundo em escala global.

De acordo com Moraes (2005), a reemergência dos movimentos sociais no Brasil e no


mundo, a partir de fins da década de 1970, produz e projeta no país outra concepção de cida-
dania, baseada no trabalho, na qualidade de vida e na luta social. Uma cidadania que busca
enfrentar os problemas cotidianos da coletividade, em especial da exploração, da miséria e da
desigualdade social, sempre presentes na formação social brasileira.

O Plano Nacional de Qualificação (PNQ), lançado em 2003 e coordenado pelo De-


partamento de Qualificação da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do
Trabalho e Emprego, teve como desafio principal a possibilidade de implementar uma política
pública fundamentada na formulação da inclusão social pela via do trabalho e da educação.

As bases dessa nova política pública estão em consonância com as discussões interna-
cionais no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que entende a qualificação
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 42

social e profissional como direito e condição indispensável para a garantia do trabalho decente
para homens e mulheres. Tal qualificação é entendida como sendo aquela que permite a inser-
ção e atuação cidadã no mundo do trabalho, com efetivo impacto para a vida e o trabalho das
pessoas.

Borsoi (2005) afirma que o que parece ocorrer em regiões de recente industrialização,
como o município de Horizonte-Ceará, “é também um processo de ‘reeducação’ dos traba-
lhadores, de seus ritmos de trabalho e de vida, formas de consumo, hábitos, modos de pensar
e agir” (p. 32). Segundo a autora, a partir do momento em que iniciam suas atividades nas
indústrias, os trabalhadores, e às vezes seus familiares também, precisam aprender, inclusive,
determinados hábitos, como postura durante as refeições e cuidados higiênicos com o próprio
corpo.

Seguindo as prerrogativas da gestão presidencial vigente, cujas políticas de governo


passaram a exigir um compromisso, tanto do poder público como da sociedade civil na arti-
culação, concretização e implementação de proposições e de alternativas para os problemas
sociais da população brasileira, foi elaborado pelo Núcleo de Psicologia do Trabalho (NUTRA)
o Projeto de Extensão “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades: um resgate da criativi-
dade e da cultura para a geração de trabalho e renda entre mães chefes de famílias oriundas de
comunidades de Fortaleza e Horizonte”.

O projeto, que teve o território quilombola do município de Horizonte-Ceará como um


dos campos de atuação, foi desenvolvido durante o ano de 2007 com o propósito de qualificar
profissionalmente mães chefes-de-família para a geração de trabalho e renda, com o ofere-
cimento de cursos e oficinas articulados com a realidade local e a cultura da região. Surgiu,
então, o interesse de relatar a experiência da autora enquanto coordenadora e facilitadora do
processo, para analisar como as mulheres perceberam a sua condição, descendentes ou não de
quilombolas, vivendo em uma comunidade assim reconhecida, bem como a sua participação
em um projeto de capacitação que teve como prioridade a autonomia profissional. Este cons-
tituiu, portanto, o objetivo deste capítulo, que foi fruto da pesquisa de mestrado “Alinhavando
Sonhos / Construindo Realidades: os significados do trabalho para mulheres do município de
Horizonte-CE”.

Dentre os objetivos específicos, foram traçados para o projeto (BRASIL, 2006): sensi-
bilização e instrumentalização da clientela assistida para o mercado de trabalho e para a res-
posta social; aperfeiçoamento das competências intra e interpessoais; trabalho com autoestima
e exercício de cidadania; facilitação de um posicionamento mais consciente frente às opções
profissionais; contribuição para a apropriação da noção de trabalho como uma categoria mais
ampla do que a ideia de emprego formal; incentivo ao engajamento e utilização das forças gru-
pais como estratégias de enfrentamento das adversidades do mundo do trabalho; facilitação da
construção/resgate da cidadania e da independência financeira das mulheres envolvidas; reali-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 43

zação de um resgate histórico da identidade cultural e individual dos sujeitos descendentes de


escravos, dentre outros.

METODOLOGIA

O projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades” foi financiado pelo Progra-


ma de Promoção da Inclusão Produtiva de Jovens, através de um acordo entre o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome (MDS). O edital, lançado em 2006, teve como finalidade possibilitar a
cooperação técnica e financeira entre instituições para a implementação de projetos visando
promover: I – a conscientização e a organização dos jovens frente ao mundo do trabalho; II – a
valorização da autoestima e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários; III – a
formação e/ou capacitação para o trabalho com ênfase na identificação e no desenvolvimento
de habilidades pessoais e coletivas; IV – a qualificação profissional como estratégia para a con-
quista da autonomia pessoal e familiar; dentre outros aspectos.

O desenvolvimento do projeto incluiu pressupostos como a valorização do protago-


nismo de saberes por parte dos integrantes, partindo de um compromisso reforçado pela vin-
culação afetiva do grupo e da possibilidade de construção de espaços de aprendizado e troca
de informações, com a ampliação dos conceitos para percepção da realidade e a produção de
instrumentos e estratégias baseados no contexto e modo de vida do grupo.

Esse modo de atuação é consolidado a partir do desenvolvimento da participação, da


organização grupal e do exercício de uma consciência crítica e se funda na crença de que a hu-
manidade merece ser defendida em sua dignidade e em seus direitos, além de estar sendo com-
preendida como dona e construtora de sua própria história, de sua vida e das formas de superar
os obstáculos. (BRASIL, 2006).

Em observância à Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, o presente es-


tudo foi devidamente submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade
Federal do Ceará no final de 2007.

A metodologia utilizada na pesquisa foi a abordagem qualitativa, tendo como primeira


técnica utilizada a observação participante, que se insere no que Montero (2006) denomina
de método participativo, que busca preservar a integridade dos eventos do mundo social. Isso
ocorreu tanto através do exercício de coordenação no projeto, como por visitas periódicas ao
território quilombola nas mais diversas situações: festas juninas, eventos religiosos, reuniões
da associação comunitária, comemorações, desfiles etc. Na condição de coordenadora, foi pos-
sível à autora o acesso a todas as informações oriundas das fichas de inscrição e de avaliação
das integrantes, a observação e o acompanhamento de todo o processo de desenvolvimento das
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 44

propostas do projeto.

O principal instrumento de coleta de dados utilizado foi a entrevista, que consiste em


uma técnica que permite a produção do sentido. Pinheiro (1999) entende a entrevista como sen-
do uma prática discursiva, ou seja, “como uma ação (interação) situada e contextualizada, por
meio da qual se produzem sentidos e se constroem versões da realidade” (p. 186). As entrevistas
foram abertas semi-dirigidas, utilizando-se um roteiro estruturado com 19 tópicos divididos em
cinco temas: Trabalho, Horizonte, Território Quilombola, Vida Pessoal e “Alinhavando Sonhos
/ Construindo Realidades”. As interrogações foram realizadas em três momentos distintos, dois
deles com a participação de duas mulheres e o terceiro com três, sendo todos gravados e trans-
critos. Optou-se por uma abordagem coletiva das mulheres com o intuito de proporcionar uma
interação entre elas e enriquecer o diálogo.

A seleção de seis dentre as 25 mulheres participantes se deu por conveniência, pela fa-
cilidade de acesso e pela disponibilidade em participar da pesquisa. Todas assinaram o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os dados obtidos foram analisados a partir das seguintes categorias: as experiências do


emprego nas fábricas; questões de gênero e de raça ligadas ao trabalho; vivência do projeto;
resignificando o trabalho.

RESULTADO / DISCUSSÃO
Expectativas e Seleção das participantes

O cadastramento de mulheres interessadas em participar das atividades do “Alinhavan-


do Sonhos / Construindo Realidades” teve 45 inscritas, todas moradoras das comunidades de
Alto Alegre e adjacências. A ficha que elas preencheram no momento da inscrição continha
um item aberto com a pergunta: “Por que deseja participar do projeto?”. Do grupo inscrito, 25
candidatas relacionaram suas respostas ao interesse em ingressar no mercado de trabalho ou ar-
ranjar um emprego; 22 candidatas mencionaram melhoria de renda e de vida e 15 responderam
que pretendiam aprender coisas novas ou ter uma profissão.

O processo seletivo contou com a presença de 35 pessoas, durante o qual solicitamos


a confecção, em grupos, de bolsas femininas, para a qual foram disponibilizados materiais
como retalhos, botões, lantejoulas, vieses e instrumentos para costura em geral. Os critérios
que nortearam a escolha das 25 mulheres que integraram o grupo final foram definidos a par-
tir da configuração de organização nessa ação coletiva: habilidades manuais, capacidade de
trabalho grupal, iniciativa, comunicação, desenvoltura individual. Essas seriam características
importantes para a constituição de uma equipe tendo como objetivo final e posterior ao projeto
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 45

a criação de um grupo produtivo autônomo ou mesmo uma cooperativa de costureiras.

A média de idade das mulheres selecionadas foi de 28 anos, tendo 12 delas mais de 30
anos. Analisamos também aspectos sociais e econômicos, como configuração e renda familiar,
o que originou essas exceções. Somente uma das mulheres ainda não era mãe. As outras tinham
dois ou três filhos cada e apenas quatro estavam separadas do marido ou do pai de seus filhos.

O nível e a situação escolar do grupo eram bastante diversificados: somente cinco mu-
lheres afirmaram estar estudando naquele período; apenas seis haviam concluído o Ensino Mé-
dio e outras seis o Ensino Fundamental. O último ano de frequência à escola foi 1999 para 15
das mulheres.

Quanto à situação ocupacional, duas mulheres apontaram que trabalhavam por conta
própria sem carteira assinada (lavando roupas, fazendo faxinas em residências, fabricando e
vendendo artesanato), 11 disseram não trabalhar e 12 afirmaram estar desempregadas. Contu-
do, a vivência no projeto mostrou que essas mulheres eram donas-de-casa e responsáveis pelos
filhos, além de realizarem atividades adicionais para aumentar a renda familiar (bolos e doces
por encomenda, cuidado dos filhos de amigos etc), o que não é apontado por elas, de imediato,
como atividade laboral.

Metade do grupo (12 mulheres) revelou não possuir renda individual fixa alguma, pois,
embora todas as famílias fossem cadastradas no Programa Bolsa Família, nem sempre eram
as titulares do benefício, bem como o município não recebia, no período, verba suficiente para
contemplar todos os indivíduos cadastrados. Quanto à renda familiar, cinco mulheres disseram
receber menos de R$ 100,002 por mês, dezoito até R$ 400,00 e somente duas afirmaram que o
valor total recebido por sua família estava acima de R$ 700,00. Vale ressaltar que cada domicí-
lio contava em média com quatro ou cinco moradores.

No tocante à cor/etnia declarada pelas próprias mulheres, 11 delas se consideraram,


espontaneamente, negras; oito se autodenominaram pardas e seis (o restante) amarelas ou indí-
genas.

ATIVIDADES DESENVOLVIDAS, AVALIAÇÕES, APRENDIZAGENS

A primeira capacitação realizada foi a Oficina de Retalhos, durante a qual as mulheres


confeccionaram produtos, principalmente bolsas femininas, utilizando pedaços e sobras de te-
cidos doados por costureiras e empresas do ramo têxtil do município. A facilitadora da oficina
foi uma professora do curso de Estilismo e Moda da UFC, que costumeiramente trabalhava
com grupos de mulheres na periferia de Fortaleza e em cidades do interior do Ceará. Todas as
peças foram elaboradas conjuntamente e à mão, uma vez que as máquinas de costura ainda não
2 Valor do salário mínimo vigente no período: R$ 350,00.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 46

estavam disponíveis para o grupo, como pode ser observado no registro fotográfico abaixo:

FIGURA 3 - Fotografia da Oficina de Retalhos. Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.

O material produzido nessa primeira oficina foi exposto em um estande na VI Feira de


Negócios de Horizonte, durante as comemorações do 20º aniversário da cidade.

FIGURA 4 - Fotografia da Exposição de produtos. Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.

Os depoimentos, oriundos dos formulários de avaliação preenchidos anonimamente ao


final de cada atividade, refletiram a visão das participantes acerca da vivência no projeto, logo
no início. O quadro abaixo apresenta, fielmente, trechos dos textos produzidos pelas integrantes
do projeto, razão pela qual não foi feita qualquer correção ortográfica:
Quadro: Observações da Avaliação da Oficina de Retalhos.

Críticas nenhuma. Vamos consegui acasar no hobigetivos. Sugestões ter mais hunião entre o grupo.
Apesar de ter tão pouco tem po até agora deu tempo para aprendermos várias coisas interessantes isso nos
mostra que daqui pra frente temos muita capacidade para aprendermos mais e mais durante este projeto.
Sugestões para que nois continue quada vez mais desenpenhada nas participação do nosu curso. Que nuca
desista desa grandi oportunidadi.
Tá tudo maravilhoso.
O curço foi muito bom é um sonho realizado. Esperamos que continuem dezevolvendo cada veis mais.
Eu aprendi muito durante as oficinas e eu quero parabenizar a todas.
Gostei muito do projeto porque mostrou que nois pordemos fazer com nossa criatividade.
Nunca pensei que fosse capaz. Não costurava nem mesmo as roupas do meu marido e consegui produzir.
É muito bom trabalhar em equipe, uma ensinando às outras.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 47

A oficina ajudou a dispertar a criatividade de todos


É uma experiência que temos que agarrar.
Poder mostrar nosso produto, nossa história, trabalhar com artesanato.
Foi excelente, em só duas semanas de trabalho já conseguimos expor nossas peças.
Fizemos na mão e as pessoas já queriam comprar nossos produtos. Imagine quando começarmos a costurar.
Por que eu aprendi nova atividade e tive a chance de conhecer novas pessoas capaz de ajuda o próximo.
Até agora, só posso parabenizar o trabalho de todas as meninas que estão à frente do projeto e das alunas pela
força de vontade.
Porque eu gostei muito de ter aprendido coisas novas.
Fonte: Silva, 2007.

A exposição das peças produzidas no mencionado evento municipal parece ter sido
de extrema importância para o pontapé inicial de formação daquele grupo, tendo em vista os
elogios tecidos pelos frequentadores da feira e a visibilidade proporcionada ao trabalho e à co-
munidade das artesãs.

As mulheres do grupo manifestaram o seu contentamento diante dos comentários de


reconhecimento de sua coleção e mostraram-se satisfeitas em apresentar e divulgar seus tra-
balhos para moradores e visitantes de Horizonte. Mais uma vez os depoimentos das mulheres
ofereceram um panorama acerca da experiência: “na feira conseguimos até encomendas”; “se
Deus quiser, ano que vem estaremos vendendo”; “foi muito bom poder mostrar nosso produto,
nossa criatividade”; “nossa barraca estava cheia de harmonia” (Silva, 2007, p. 8).

A atividade seguinte foi conduzida por uma artesã horizontina, que ensinou às mulheres
a confeccionar peças de “fuxicos”3. O fato de a facilitadora ser uma pessoa do convívio das
mulheres e de utilizar uma linguagem simples foram relevantes para o aprendizado, no sentido
de proporcionarem uma troca de experiências interessantes para todas. Enquanto profissional
do artesanato, a instrutora pôde repassar informações não somente acerca da criação dos pro-
dutos, mas também sobre a sua profissão, os benefícios e dificuldades de se trabalhar por conta
própria. Vale a pena transcrever alguns manuscritos da avaliação dessa oficina:
Quadro: Observações da Avaliação da Oficina de Fuxicos.

A instrutora foi muito legal com todos nós. Eu acho que seria muito bom se for possível ter mais aulas
com ela.
A estrutora é muito legal, mais durou muito pouco.
A oficina foi ótima, a capacitadora e muito legal, mas que pena que durou pouco.
Não gostei de algumas pessoas que não fazia nada, mais a instrutora foi maravilhosa.
Pra me so teve pontos positivos foi tudo de bom.
Foi bom porque nós aprendemos mais um trabalho.
O aprendizado de fuchicos como fazer cortinas, flores, enfeites etc. O modo da professora nos tratar
muito bem...
Fonte: Silva, 2007, p. 3.

3 Técnica de costura em que círculos de tecido são costurados em forma de pequenas


trouxas e cuja junção origina peças diversas de decoração, vestuário, cama, mesa e acessórios.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 48

FIGURA 5 - Fotografia da Oficina de Fuxicos. Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.

Outro grande momento para o grupo de mulheres ocorreu durante as primeiras aulas
do tão aguardado Curso de Costura, pois, conforme relatos, a maioria nunca havia manuseado
uma máquina elétrica para este fim. O aprendizado dessa capacitação consistiu em um aumento
das possibilidades de concepção de peças, já que, até ali, as aprendizes dispunham apenas de
agulhas para a junção dos cortes de tecido.

FIGURA 6 - Fotografia do Curso de Costura. Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.

No final de junho de 2007, foi realizado o Seminário Alinhavando Sonhos/Construin-


do Realidades, no Auditório da Reitoria da UFC, para socializar as atividades dos núcleos de
Fortaleza e Horizonte em sua primeira etapa e dar visibilidade aos resultados obtidos até ali. O
evento representou um momento importante para a visibilidade interna e externa dos grupos,
além de contar com a representação de membros do MDS, do PNUD e de outras instituições
parceiras. A foto seguinte contém grande parte da equipe de trabalho e das integrantes dos dois
grupos do projeto.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 49

FIGURA 7 - Fotografia 6 do Seminário na UFC. Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.

As mulheres demonstraram estar orgulhosas por aquilo que produziram, já que foi feita
uma mostra da produção para a comunidade acadêmica. Na ocasião, elas tiveram contato, pela
primeira vez, com as companheiras do outro núcleo e seus trabalhos. O seguinte trecho de uma
avaliação resume o evento: “Palestras bastante esclarecedoras, onde aprendemos muito mais
com relação ao projeto como um todo e como ele funciona em outros lugares, enfim foi bem
produtivo”.

O contato inicial do grupo com o núcleo de Fortaleza do projeto serviu para estimular
a produção das mulheres, pois, como as fortalezenses haviam iniciado suas atividades semanas
antes, o arsenal produzido foi superior ao das horizontinas, como pôde ser constatado na se-
guinte opinião de uma integrante: “Creio que a mostra de produtos foi boa, porém poderíamos
melhorar na produção para termos mais a apresentar”. Além disso, o projeto foi divulgado nas
mídias televisiva e impressa, através de matérias nas quais integrantes deram seus depoimentos
sobre a vivência no projeto.

Seguindo o objetivo específico de buscar a melhoria da qualidade de vida das mulheres


e suas famílias, o projeto ofereceu palestras educativas sobre “Automedicação”, “Atenção à
Saúde” e “Sexualidade”, visando fornecer esclarecimentos acerca de cuidados básicos com a
saúde, de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DST), planejamento familiar e
outros assuntos.

Oficinas de crescimento e desenvolvimento interpessoal também foram realizadas com


as participantes, durante as quais foram abordados temas como elevação da autoestima, au-
toconhecimento, desenvolvimento de habilidades de comunicação e de trabalho em grupo. A
fotografia abaixo registra um momento dessas oficinas.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 50

FIGURA 8 - Fotografia da Oficina de Crescimento e Desenvolvimento Pessoal. Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.

Em outra atividade, efetivada para contemplar os propósitos acadêmicos do projeto de


fortalecer o diálogo sobre a Psicologia Social do Trabalho e de ampliar o debate sobre as novas
tendências do mercado de trabalho (BRASIL, 2006), realizou-se uma roda de conversa sobre
trabalho, cuja participação das seis mulheres deu-se de forma espontânea. Foi solicitado que
elas pusessem livremente no papel, sob a forma de desenho, música, palavras, tudo que lhes
viesse à cabeça com relação à temática. Em seguida, cada uma apresentou sua produção para o
grupo, expressando em que consistiam os desenhos, frases ou palavras escritas.

FIGURA 9 - Fotografia da Roda de Conversa sobre Trabalho. Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.

Algumas mulheres representaram o trabalho através de desenhos diversos: utensílios


e móveis domésticos (vassoura, fogão, talheres), retratos humanos, figuras bucólicas (flores,
jardins), bolo confeitado, peças de vestuário e textos. O quadro seguinte apresenta partes dos
textos escritos por elas.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 51

Quadro - Manuscritos de roda de conversa sobre trabalho.

O trabalho é um dom de Deus que nus deu cada um di nois para sermos sidadao (Luzirene).
Trabalho nem sempre quer dizer emprego, muitas vezes trabalho é produzir algo sem ter remuneração.
Trabalhar é você sentir útil, produtivo e capaz de com o seu trabalho, seja ele qual for sentir-se realizado,
como profissional e pessoa. Trabalho dignifica, dá auto-estima e é algo de suma importância na vida do
ser humano. (Virgínia).
Trabalho para min e uma fonti que quada um di nos dependi deli porque sem trabalho nos não somos
nada. Dependemos deli para todas as coisas di nossas sobrivivencia. Trabalho e uma coisa muito inpor-
tanti não so di pão vivi o homem mais di toda palavra da boca di Deus (Lucimar).
Trabalho e tudo aquilo que faz parte da nossa vida, principalmente quando se faz com amor carinho e
dedicação, paciência. (Letícia).
No meu ponto de vista trabalhar e senpre ter auqela tarefa a fazer todos os dias e fazer co carinho porque
trabalhar e lida do dia-a-dia. Todo dia estamos trabalhando, fazendo uma coisa ou outra (Valquíria).
Trabalhar pra mim significa tudo porque através do trabalho nós temos tudo que sonhamos e se inda
não temos com certeza algum dia da vida teremos, pois quem espera por Deus não cansa. Temos que ter
nosso próprio trabalho pra que nós possamos se alto sustentar comer do próprio suor do nosso rosto por
que mente vazia é oficina do diabo e também eu gostaria de trabalhar para ajudar meu marido e pagar
a faculdade do meu filho. Trabalho que eu amo fazer é costurar. Peço muitas forças a Deus pra que eu
possa alcançar esse objetivo (Marília)
Fonte: Material interno do projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades”.

Iniciado o segundo semestre de 2007, as mulheres participaram de um curso para con-


fecção de bonecas de pano, instruídas por duas senhoras fortalezenses, integrantes da Rede
Cearense de Sócioeconomia Solidária.

FIGURA 10 - Fotografia da Oficina de Bonecas de Pano. Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.

O intercâmbio proporcionado por essa experiência foi importante para a ampliação dos
conhecimentos das mulheres acerca da situação do artesanato na cidade de Fortaleza. Igual-
mente significativa foi a fabricação de produtos ainda não encontrados na comunidade, como
bolsas infantis em formato de bonecas, enfeites de sapos e outros bichos, o que resultou em
inúmeras encomendas por parte de vizinhas e colegas das mulheres.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 52

O passo seguinte ocorreu com outra oficina, ministrada pela mesma professora de Esti-
lismo e Moda, para a elaboração de uma coleção de roupas, segundo a criatividade das alunas,
para apresentação durante a I Feira de Integração Universidade-Movimentos Sociais da UFC. A
interface com outros grupos produtivos, de outras cidades e com produtos variados, proporcio-
nada por essa feira, permitiu uma comparação entre estilos e trouxe novas expectativas e opções
para os núcleos.

Esta ocasião constituiu-se em outro marco nas atividades do projeto, pois foi a primeira
vez que os grupos puderam vender seus produtos. Assim, o aprendizado ultrapassou os aspectos
da técnica e da concepção, uma vez que as mulheres tiveram a oportunidade de lidar diretamen-
te com o cliente, na relação do comércio daquilo que elas próprias haviam elaborado.

Outra questão importante ocorrida a partir dessa feira se deu com a divisão do dinheiro
arrecadado entre as mulheres, cujos critérios utilizados foram definidos por elas mesmas. Para
a realização daquela feira, houve maior engajamento na produção e/ou na venda por parte de
algumas. Outras haviam desistido, se afastado temporariamente por doença ou algum outro mo-
tivo. Assim, o valor, embora não fosse alto, foi bastante representativo por consistir no primeiro
fruto financeiro do processo. A fotografia seguinte ilustra a ocasião em que foi definida a forma
de divisão do dinheiro arrecadado.

FIGURA 11 - Fotografia de Reunião Interna do Grupo de Mulheres. Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.

A segunda oportunidade de venda das peças do grupo ocorreu na I Mostra Alinhavando


Sonhos / Construindo Realidades na Comunidade de Alto Alegre, ocasião ansiosamente espera-
da pelas próprias mulheres e pela localidade em geral, que se mostrava curiosa em conhecer os
resultados de tantos meses de curso e trabalho conjunto. A população das redondezas reclamava
do fato de suas conhecidas já terem participado de feiras na capital e aparecido na televisão
mostrando seus produtos e os ganhos pessoais advindos do projeto, sem, no entanto, terem feito
isso na própria comunidade. Algumas mulheres já vendiam peças ou recebiam encomendas
individualmente, mas de forma coletiva ainda não havia acontecido nada nesse sentido.

A essa altura do projeto, alguns aspectos foram se evidenciando, tais como a diminuição
do interesse de algumas mulheres, concomitantemente a um maior engajamento de outras inte-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 53

grantes e a aptidão de determinadas mulheres para a divulgação e venda dos produtos, enquanto
outras se destacavam na produção e criação.

A última atividade organizada e dirigida pela coordenação do projeto foi a participação


em um desfile de moda que aconteceu durante o evento de comemoração ao Dia Nacional da
Consciência Negra (20 de novembro). As vestimentas foram desenhadas, cortadas e costuradas
pelas mulheres, isto é, não existiu em momento algum um facilitador para gerenciar o processo.
Crianças da comunidade e garotas de Alto Alegre e adjacências que concorriam ao posto de
Miss Negra 2007 de Horizonte trajaram as peças confeccionadas, apresentando as obras elabo-
radas por suas conterrâneas para toda a comunidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As capacitações foram realizadas e muitas ações se efetivaram, porém, o grupo produ-


tivo, que foi um dos objetivos planejados para o projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo
Realidades”, não foi atingido como era esperado. Chegamos com o propósito de montar uma
cooperativa, mas sem conhecimento se seria realmente a vontade das mulheres e sem saber do
potencial ou das condições do grupo para tal.

As mulheres demonstraram interesse em iniciar uma cooperativa na comunidade. En-


tretanto, apesar de terem aprendido muito sobre costura e artesanato, a efetivação da almejada
cooperativa, com trabalhadoras autônomas, não aconteceu. Ainda seria necessário mais tempo
de trabalho em equipe para que elas pudessem empreender um negócio coletivo próprio e de
acordo com o interesse da maioria e, principalmente, com recursos financeiros.

Além disso, havia outras concorrências. Concomitantemente ao desejo da cooperati-


va, por exemplo, estava a vontade de voltar ao mercado de trabalho, agora trabalhando numa
máquina de costura. De certo modo, esse objetivo estava bem mais ao alcance imediato dessas
mulheres, quer dizer, daquelas que ainda não haviam sido contratadas pelas indústrias em outro
momento. Uma participante conseguiu emprego em uma empresa, no setor de pré-fabricados,
mas já estava programando um teste para o cargo de costureira, bem como outras companheiras
estavam deixando seu currículo na fábrica. Apenas três ou quatro dentre as 25 mulheres que
finalizaram o projeto continuaram produzindo alguns meses depois em casa ou nas máquinas
da Associação Comunitária e vendendo seus produtos na comunidade, mas de maneira indivi-
dualizada.

Assim, a busca do emprego de carteira assinada e as possibilidades desse tipo de contra-


tação em Horizonte, constituem adversários extremamente fortes para a iniciativa de um grupo
produtivo autônomo. A estabilidade e a segurança proporcionadas pelo emprego, que garante o
consumo de mercadorias a crédito, certamente são mais atrativas para elas, que já passaram por
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 54

dificuldades inclusive de alimentação, do que a instabilidade da atividade artesanal, cujo rendi-


mento é incerto e não depende somente da habilidade manual ou com os tecidos na máquina.

Estávamos enfrentando uma gama de interferências que versavam para o lado oposto,
para a submissão ao emprego e à prestação de serviços que oferecem condições precárias de
trabalho e recompensas financeiras irrisórias, mas que realizam esse pagamento no dia estabe-
lecido.

A tais interferências, no caso abordado, são forças que estão longe de serem enfrentadas
de igual para igual, às quais se somam: os valores e pressupostos difundidos pela sociedade sa-
larial, que ainda estão altamente presentes no imaginário dessas mulheres; o poder de consumo
proporcionado pelo emprego com carteira assinada; o status social proporcionado pelo uso do
fardamento de uma grande empresa.

Contudo, inúmeros outros frutos foram colhidos desse período de trabalho, como pôde
ser observado na história de cada mulher entrevistada. A busca do conhecimento da história
da comunidade proporcionada pelo projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades”
constitui motivo de orgulho por parte da coordenação. A participação no projeto, ação direcio-
nada para a comunidade em razão das raízes quilombolas desta, constituiu uma oportunidade
de qualificação profissional abraçada pelas mulheres. O acesso ao conhecimento das origens da
comunidade, bem como a aproximação afetiva a pessoas antes desconhecidas, foram aspectos
importantes apontados pelas mulheres como resultados do projeto.

Algumas participantes perceberam nessa experiência a chance de facilitar o início ou o


retorno ao trabalho fabril, ao passo que outras vislumbraram também a possibilidade de traba-
lhar naquilo que realmente poderia ser fonte de prazer, o que não foi apontado como sendo o
trabalho nas fábricas. Entre elas, há aquelas que afirmaram não mais conseguir acompanhar o
ritmo acelerado das máquinas, subordinar-se a um chefe, adaptar-se à jornada intensa de horas
de trabalho, à falta de tempo para um descanso adequado ou para a convivência com os filhos
e com a comunidade. O projeto atuou seguindo uma perspectiva mais voltada para o trabalho
autônomo, sendo esta uma tarefa difícil, uma vez que há uma constante busca por estabilidade.

Essas mulheres conduziam suas vidas e, consequentemente, suas perspectivas em ter-


mos profissionais, de acordo com aquilo que elas próprias consideravam importante, quando,
por exemplo, optaram por tentar ou não um posto de trabalho nas fábricas de Horizonte. Por
esse aspecto, mesmo não tendo constituído um grupo produtivo em forma de cooperativa, o
“Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades” criou algumas condições para que essas mu-
lheres pudessem seguir o caminho que achavam mais adequado, fosse na busca de um emprego,
fosse no trabalho autônomo.

Assim, de um modo ou de outro, vinculado a um emprego formal ou ao trabalho por


conta própria, ficou claro o papel central que o trabalho exerce em suas vidas e a consciência
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 55

por parte delas dessa centralidade. Elas falaram das consequências de suas experiências ante-
riores de trabalho em seu cotidiano familiar e social, das conquistas efetivadas a partir delas,
bem como dos sonhos que queriam realizar. Mostraram que sabiam o que gostariam de ter e/
ou fazer para si e para os filhos. Suas falas revelaram também, que elas tinham consciência das
dificuldades e impossibilidades de pôr seus projetos e sonhos em prática.

REFERÊNCIAS

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mundo do trabalho. São Paulo: Cortez.
Antunes, R. (2006). O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São
Paulo: Boitempo.
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/ Construindo Realidades: um resgate da criatividade e da cultura para a geração de trabalho
e renda entre mães chefes de famílias oriundas de comunidades de Fortaleza e Horizonte.
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Montero, M. (2006). Hacer para transformar el método en la Psicología Comunitária. Buenos
Aires: Paidós.
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Brasília: MTE, SPPE. DEQ. Coleção Qualificação Social e Profissional.
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Santos, B. S. (1997) Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 4. ed. São
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Discursivas e Produção de Sentidos no Cotidiano – Aproximações Teóricas e Metodológi-
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Sousa, M. M. (2009). Alinhavando Sonhos Construindo Realidades: os significados do tra-
balho para mulheres do Município de Horizonte – CE. 2009. Dissertação de mestrado não
publicada, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.
Silva, M. F. S. Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades. (Relatório de Projeto de Exten-
são 2007), Fortaleza, CE, Pró-Reitoria de Extensão, Universidade Federal do Ceará.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 56

NÚCLEO DE PSICOLOGIA DO TRABALHO E PRÓ-REITORIA


DE GESTÃO DE PESSOAS: COLABORAÇÃO EM ENSINO, PESQUISA
E EXTENSÃO
Gabriel Martins Ramalho

Gabrielle Coutinho Silva

Mateus Silveira Adriano

Ravi Moreira Lima de Castro

INTRODUÇÃO

O Núcleo de Psicologia do Trabalho (NUTRA) completou 20 anos de existência no ano


de 2014 e este capítulo foi desenvolvido a fim de comemorar e fazer uma retrospectiva sobre
sua atuação junto à Divisão de Apoio Psicossocial (DIAPS) da Coordenadoria de Qualidade de
Vida no Trabalho (COQVT) da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (PROGEP). Tem-se como
objetivo principal apresentar as diversas ações realizadas em conjunto e salientar a importância
dessas para a formação dos alunos que compõem o Núcleo e como essas ações têm contribuído
para a melhoria da saúde e das condições laborais dos trabalhadores da Universidade Federal
do Ceará (UFC).

O NUTRA foi fundado no ano de 1994, surgindo da necessidade do curso de Psicolo-


gia da UFC ter um espaço de debate voltado às questões ligadas ao mundo do trabalho. Nesse
mesmo ano, no dia 21 de setembro, foi apresentado e aprovado o projeto de extensão NUTRA,
coordenado pelos professores Cássio Braz, Fátima Sena e Lúcia Siebra.

Entre os anos de 1995 e 2000, o NUTRA firmou e consolidou várias parcerias importan-
tes em seu percurso, além de promover e desenvolver diversos eventos, tais como seminários
e palestras. Por meio do convênio com a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, o Núcleo
se responsabilizou por todo processo seletivo do corpo discente do Instituto Dragão do Mar,
local de referência para promoção de cultura no estado. Ainda neste período, o Núcleo realizou
o II Segundo Seminário Interno de Planejamento Estratégico, redefinindo, nesse encontro, os
objetivos do grupo.

Já entre os anos de 2001 e 2010, o NUTRA sofreu uma reestruturação, revendo seus
objetivos de trabalho e colocando como central o estudo da categoria “trabalho”, de uma for-
ma mais ampla. O núcleo passou a desenvolver diversos seminários, tais como Seminário de
Introdução ao Curso de Psicologia; Seminário de Teorias e Práticas Psicológicas, entre outros.
Entre os anos de 2006 a 2009, volta-se para os projetos de extensão, quais sejam: “Alinhavando
Sonhos, Construindo Realidades”, “Movimento A” e “Kara a Kara”.

Nos anos de 2010 a 2015, o núcleo novamente reformula-se, com a continuação de di-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 57

versas atividades e início de outras. Entre estas, referentes a esse período, podem ser elencados
o Cinema e Trabalho, os grupos de estudos em Introdução à Psicologia Social e do Trabalho,
Saúde do Trabalhador em Debate: a Clínica da Atividade de Yves Clot e em Psicologia Orga-
nizacional, além dos Seminários Integrados de Trabalho; das parcerias com a Justiça Federal,
com o Curso Paulo Freire, com a Fábrica Escola, com o Programa de Educação Tutorial (PET)
e com a PROGEP, contextos em que se desenvolveram pesquisas e intervenção, bem como di-
versas outras ações que foram desenvolvidos pelo núcleo durante esses anos.

Dentro desse percurso histórico, o NUTRA se desenvolveu e se reinventou, mantendo-


-se coerente com os princípios definidos, a saber: o compromisso com a formação profissional,
teórica e crítica, com o desenvolvimento de consciência política e cidadã e com a produção de
conhecimento fundado na realidade social e que sirva de referência para esta; primazia pela
qualidade e presteza dos serviços; respeitar as entidades que porventura venham a fazer parce-
ria com o Núcleo e o respeito à identidade da área de conhecimento, não perdendo a dimensão
do trabalho a ser realizado (Souza, Fraga, Sampaio, Gomes & Aquino, 2011).

Seus objetivos têm sido uma pauta constantemente renovada, de forma a sempre esta-
rem atualizados e confluentes com sua forma de conceber o homem, a sociedade e a construção
da subjetividade de uma forma global e crítica. Os seguintes objetivos foram debatidos e cons-
truídos coletivamente pelos membros do NUTRA no último ano: formar profissionais críticos
através de estudos e intervenções na área de Psicologia Social do Trabalho; realizar projetos de
pesquisas e extensão visando à produção do conhecimento e atendimento de demandas internas
e externas; estabelecer convênios, intercâmbios e parcerias, visando à troca de experiências, de
recursos e a produção de conhecimentos; estimular a formação de grupos de estudos de Psico-
logia Social do Trabalho e áreas correlatas; servir de campo de estágio para a Psicologia Social
do Trabalho tanto no núcleo como na inserção e acompanhamento de alunos nas organizações
e estimular e abrigar projetos de extensão, de iniciação à docência e de iniciação à pesquisa que
contribuam na operacionalização de nossos princípios.

Tendo em vista os objetivos deste capítulo, faz-se necessária uma breve apresentação da
Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (PROGEP, antiga Superintendência de Recursos Humanos)
da UFC. Esta é uma instância da Universidade que se destina a

desenvolver políticas e ações de planejamento, de organização, de execução e de avaliação de re-


sultados no âmbito da gestão organizacional e dos subprocessos de Gestão de Pessoas – dimensionamen-
to, seleção, gestão de carreiras, formação e capacitação, qualidade de vida no trabalho, relacionamento
interno e externo, conformidade legal e normativa e da gestão da informação de pessoal – em articulação
com as prioridades estabelecidas no Plano de Desenvolvimento Institucional da UFC. (Pró-Reitoria de
Gestão de Pessoas da Universidade Federal do Ceará [PROGEP UFC], 2015).
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 58

Entre seus objetivos estão: selecionar e ambientar os novos servidores, promover e


acompanhar o desenvolvimento destes, atender as demandas ligadas à política de pessoal, bem
como a efetivar ações relativas à promoção da saúde (PROGEP UFC, 2014).

O contexto mais amplo que envolve o surgimento e desenvolvimento de ações de pro-


moção à saúde do servidor, de acordo com o objetivo supracitado, inclui a implementação da
Política de Atenção à Saúde e Segurança do Trabalho do Servidor Público Federal (PASS) e
do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal (SIASS), oriundo do
decreto nº 6833, de 29 de abril de 2009, do qual a Universidade Federal do Ceará (UFC) cons-
titui-se como unidade, sendo responsável pelo atendimento a outros órgãos federais nos eixos
de assistência à saúde, de perícia oficial e de promoção, prevenção e acompanhamento da saúde
dos servidores federais. Essa política se alinha à perspectiva da Saúde do Trabalhador, enquanto
campo teórico, metodológico e prático. De forma mais ampla, este campo está incluído num
panorama histórico que envolve a transformação de uma perspectiva em saúde relacionada ao
universo laboral (Mendes & Dias, 2011).

De início, essa noção de saúde era reduzida à Medicina do Trabalho, surgindo no con-
texto da revolução industrial, em que o trabalhador era visto como ponto central para o aumento
de produtividade da empresa, de forma que as modificações do ambiente de trabalho visavam
a este propósito e não a promover um espaço mais saudável ao trabalhador, configurando uma
lógica adaptacionista. Além disso, acidentes de trabalho eram de responsabilidade dos empre-
gados.

No contexto pós-guerra, surge a proposta da Saúde Ocupacional, diferenciando-se da


anterior na medida em que busca atentar para a situação do trabalhador e ir além da apropriação
do conhecimento médico, contando com atuação multiprofissional e uma proposta de racio-
nalidade científica, no entanto, ainda se restringindo a uma visão unicausal do adoecimento,
limitado a causas apenas no ambiente de trabalho.

Com o objetivo de superar algumas questões da perspectiva anterior, a Saúde do Traba-


lhador vem se desenvolvendo. No Brasil, é legitimada na Constituição de 1988, a primeira que
contava com uma sessão dedicada a saúde (Ministério da Saúde, 1990). Em 19 de setembro de
1990, ocorre a regulamentação da Lei 8.080, que versa sobre a implantação do Sistema Único
de Saúde (SUS), e, em seu capítulo sobre objetivos e atribuições, legitima uma definição de
Saúde do Trabalhador. Pautada na interdisciplinaridade, busca ultrapassar um viés adaptacio-
nista da atividade, além de incentivar o trabalhador a ser um agente reivindicador de mudanças,
que lute pelos seus direitos e por melhorias no contexto laboral, compreendendo o processo
saúde-adoecimento como multicausal, destacando o papel fundamental do trabalho.

Dentro deste processo, a parceria entre NUTRA e PROGEP, teve início em 2010, devido
ao desejo da Pró-Reitoria de reavaliar as práticas em psicologia, de modo a estar em consonân-
cia com os preceitos da PASS, às necessidades e demandas por parte dos trabalhadores. Cons-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 59

titui-se como um espaço de interlocução e de discussão para questões relacionadas à Gestão de


Pessoas dentro da própria UFC, contando para isso com o apoio da reflexão crítica caracterís-
tica do âmbito acadêmico. Ressalta-se que as ações de pesquisa e extensão se fundamentam na
perspectiva da Saúde do Trabalhador. A primeira atividade desenvolvida foi a pesquisa-inter-
venção intitulada “Análise multidisciplinar da atividade laboral desenvolvida na UFC”. Deste
modo, faz-se necessário apresentar os frutos desta parceria.

A PARCERIA E PROJETOS DESENVOLVIDOS

Essa parceria tornou viável a utilização de espaços para o desenvolvimento de ações


no tripé da UFC - ensino, pesquisa e extensão. A primeira área se efetiva pela facilitação de
grupos de estudos no ambiente do NUTRA por profissionais da PROGEP, tais como o grupo
“Saúde do Trabalhador em Debate: a Clínica da Atividade de Yves Clot”, que teve como obje-
tivo introduzir conceitos básicos da Clínica da Atividade. Este grupo surge da necessidade de
aprofundamento e articulação entre teoria e prática a partir de exemplos trazidos da experiência
dos facilitadores. O grupo teve encontros semanais, de aproximadamente duas horas de dura-
ção, nos quais foram discutidos textos previamente selecionados pela equipe do NUTRA em
parceria com psicólogos da PROGEP. Além disso, ocorrem contribuições para outros projetos
do NUTRA, como facilitação da discussão em torno de filmes no projeto Cinema e Trabalho.

Sobre a pesquisa, além da pesquisa-intervenção supracitada, a PROGEP colaborou


quando da execução do Censo Penitenciário4, primeiro levantamento deste tipo do País, que foi
efetivado a partir da parceria entre a UFC (contando com a participação do Laboratório de Es-
tudos da Violência - LEV, Laboratório Cearense de Psicometria - Lacep e o NUTRA) e a Secre-
taria da Justiça e Cidadania do Estado do Ceará - Sejus. A pesquisa envolveu aproximadamente
40 pessoas entre professores, alunos e funcionários da Universidade e da Sejus.

No que diz respeito à extensão, surgiram projetos como ELABORar, Saúde do Tra-
balhador em Debate, Mediação de Conflitos e Projeto de Prevenção e Acompanhamento dos
Servidores com Problemas decorrentes do Uso/Abuso do Álcool e/ou Outras Drogas (PPAD/
UFC). Esses projetos, a serem apresentados a seguir, situam-se na Coordenadoria da Qualidade
de Vida no Trabalho (COQVT) e são executados pela equipe multiprofissional da Divisão de
Apoio Psicossocial (DIAPS), por integrantes do NUTRA e até por estudantes de outras Institui-
ções ou de outros cursos. Onze membros do Núcleo, entre estagiários e bolsistas, fizeram parte
do desenvolvimento e execução dessas ações.

4 Para mais informações, ver Capítulo deste livro sobre o Censo Penitenciário.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 60

ELABORar

Este projeto tem como objetivo realizar intervenções em espaços da Universidade, com
a finalidade de engendrar transformações nos contextos de trabalho que prezem tanto pela saú-
de dos trabalhadores quanto pela qualidade dos serviços prestados. Apoia-se na teoria da Clíni-
ca da Atividade (Clot, 2007), proposta pelo francês Yves Clot, que se constitui como abordagem
teórica, metodológica e prática que visa a uma análise psicológica do trabalho (Santos, 2006)
cujo objetivo é “compreender para transformar” (Clot, 2007) os contextos de trabalho.

O ELABORar caracteriza-se como ação de promoção à saúde dos servidores, de acor-


do com os objetivos da PROGEP e com a Política Nacional de Atenção à Saúde do Servidor
(PASS). A concepção de saúde que embasa esta Política coaduna-se com a da Saúde do Traba-
lhador, enquanto área teórica, metodológica e prática que se ocupa da relação do trabalho com
os processos de saúde-adoecimento (Mendes & Dias, 1991), pois há a compreensão de que
promover saúde é uma ação complexa e que envolve o desenvolvimento do poder de agir dos
sujeitos, através, inclusive, de transformações dos contextos de trabalho dos indivíduos. Ali-
nha-se também à concepção de saúde da Clínica da Atividade (Clot & Kostulki, 2010, 2011)):
mais do que simples adequação, constitui-se como manutenção do poder de agir dos sujeitos.
Sendo assim, o adoecer implica em eliminação, de modo gradual, dos mecanismos de ação dos
indivíduos e o fortalecimento do poder de ação ocorre coletivamente, através da reinvenção de
suas formas de agir, embasada nas experiências do coletivo de trabalho (Pinheiro, Silva, Tais-
suke & Aquino, 2013).

O processo tem início com a apresentação do projeto para os trabalhadores e gestores,


bem como o levantamento dos sujeitos que irão colaborar para o desenvolvimento do projeto.
O próximo passo constitui-se em observações e posteriores debates sobre os contextos e os
processos de trabalho, momento em que os membros do ELABORar têm a oportunidade de se
aproximar e conhecer as atividades desenvolvidas pelos servidores nas unidades, a partir dos
saberes e experiências destes em seus contextos laborais. Para tanto, alguns métodos são utili-
zados, a saber, a Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho - EACT - (Mendes & Ferreira,
2008), a Instrução ao Sósia (Tomás, 2010) e a Autoconfrontação, que pode ser Cruzada ou Sim-
ples (Santos, 2006). A primeira constitui-se em um instrumento que avalia, segundo o trabalha-
dor, condições de trabalho, organização do trabalho e relações socioprofissionais, os três fatores
que integram o contexto de trabalho. Para além do tratamento quantitativo dos dados coletados,
o instrumento pode ser utilizado como mote para reflexão e discussão entre os trabalhadores.

A Instrução ao Sósia é um tipo de entrevista, na qual se pede ao trabalhador que des-


creva, em detalhes, todas as atividades que desenvolve durante o dia, considerando a situação
hipotética de que, no dia seguinte, o entrevistador irá substituí-lo, e ninguém notará a diferença
a menos que alguma atividade seja executada de modo incorreto. Mais do que o foco na descri-
ção pura das atividades, este relato pode também tocar em outros aspectos tão relevantes quanto
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 61

para uma compreensão ampla do contexto e dos processos, como a relação com os colegas e
chefias, o ambiente físico e o ritmo de trabalho, as condições materiais etc. Também são feitas
visitas aos contextos de trabalho. Esta etapa é gravada e em seguida realizada transcrição que é
devolvida ao trabalhador que irá lê-la e discutir com o mediador alguns aspectos do seu relato.

A autoconfrontação, tanto simples quanto cruzada (Clot, 2007), efetiva-se através da


filmagem de situações de trabalho. A partir da escolha dos trabalhadores que se dispuserem a
participar (no mínimo duas), de modo que os participantes realizem atividades semelhantes e
que o coletivo seja representado em termos destas, para que estas passem a ser observadas e
filmadas pelos facilitadores, juntamente com a realização de discussões com o coletivo. Quando
da finalização da elaboração dos vídeos, ocorre a autoconfrontação simples: na qual os trabalha-
dores têm a oportunidade de assistir às gravações do seu ambiente de trabalho e de suas ativi-
dades. A autoconfrontação cruzada ocorre, posteriormente, quando dois trabalhadores assistem
e discutem sobre o vídeo um do outro. Ressalta-se a importância de o facilitador, usando-se de
sua falta de familiaridade quanto ao trabalho realizado e seu contexto, solicite que os sujeitos
explicitem alguns detalhes sobre o vídeo exibido, a fim de mobilizar os sujeitos para que ajam
sobre a própria ação. Em um segundo momento, as filmagens são exibidas para o coletivo de
trabalho, momento em que servem como mote para novo debate. A intenção é que o coletivo
de trabalho

se aproprie do trabalho de seus companheiros como uma ferramenta para enriquecer as dis-
crepâncias. Os desacordos surgidos na fase anterior adquirem novas significações, inclusive para seus
autores [...] forma de ajudar os esforços dos trabalhadores para ampliar seu poder de ação sobre as coisas
e sobre o mundo, com o objetivo de fazer um trabalho eficiente e de qualidade (Fernandez & Clot, 2010,
p. 15, tradução nossa).

Todas estas informações produzidas a partir da aplicação subsidiarão debates entre os


trabalhadores. Com base nas discussões, os servidores fazem sugestões para efetivar mudanças
no contexto laboral, através do estabelecimento de um plano de ação, definindo quem são as
pessoas e de que modo realizarão as diversas etapas. Destacamos a importância da participação
ativa dos gestores, e, principalmente, dos trabalhadores, como detentores de um saber privile-
giado sobre as atividades que desenvolvem. Posteriormente, ocorre um acompanhamento da
execução do plano, com o apoio da equipe do ELABORar, que também se faz presente nesta
última fase, para facilitar e finalizar o processo junto aos trabalhadores e gestores.

Intervenções foram realizadas em diversos setores, a saber, Almoxarifado Central, Cen-


tro de Ciências Agrárias (Pinheiro et al., 2013), Imprensa Universitária, Divisão de Perícia e
Assistência ao Servidor e Estudante e Departamento de Administração da Pró-Reitoria de Ad-
ministração, bem como na Divisão de Benefícios da PROGEP.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 62

SAÚDE DO TRABALHADOR EM DEBATE

O projeto foi criado em 2011 e estrutura-se através do blog (vidanotrabalhoufc.blogspot.


com) e da transposição dos programas – Vida no Trabalho - realizados no período de 2012 na
Rádio Universitária da UFC FM 107,9. O blog propõe-se a levar informações sobre o mundo
do trabalho aos profissionais da área, de modo a contribuir com seu exercício, e demais interes-
sados, bem como aos próprios trabalhadores. Há postagem de entrevistas, matérias de jornais
e de outras páginas da internet sobre saúde e qualidade de vida, tirinhas, charges e enquetes,
vídeos dos programas de rádio e suas sinopses, além de conteúdo original, feito especialmente
para a página na rede.

Os programas de rádio “Vida no Trabalho – Saúde do Trabalhador em Debate” consis-


tiram em entrevistar dois especialistas no assunto em debate, sempre relacionado ao trabalho e
sua relação com a sociedade. O público interagia a partir de perguntas feitas por telefone, twit-
ter e facebook. Além desses meios, as entrevistas também estão disponíveis em recurso virtual
visual, como o YouTube, por meio do canal “SaudedoTrabalhadorUFC”. Foram apresentadas
25 entrevistas com temas variados, tendo sido debatidos assuntos como assédio moral, precari-
zação laboral, envelhecimento, trabalho informal, dentre outros temas relacionados a aspectos
sociais atuais e suas diversas configurações e interfaces.

O desenvolvimento das ações aconteceu tendo em vista o alcance comunicativo das fer-
ramentas, bem como sua interatividade, fluidez e fácil acesso. Essas ações justificam-se como
ações de promoção à saúde, e, através delas, objetiva-se trazer e difundir informações e debates
que possam promover impactos positivos na qualidade de vida dos trabalhadores.

As ações realizadas no que diz respeito ao blog, que se tornou o foco do projeto, mos-
tram-se efetivas ao passo em que se constata um aumento no número de acessos: até setembro
de 2015, houve mais de 20.800 acessos. A interação com o público que o acompanha é garan-
tida por meio da ferramenta que permite realização de comentários em cada post, assim como
pela possibilidade de compartilhamento nas principais redes sociais.

PROJETO DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

Neste projeto, os profissionais da PROGEP, juntamente com os membros do NUTRA,


intermediavam questões entre servidores docentes e/ou técnico-administrativos da UFC. De-
mandas surgiram de diversos âmbitos, tais como Complexo Hospitalar da UFC, Departamentos
Acadêmicos e vários órgãos administrativos e configuravam-se de diversas formas.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 63

O processo de mediação não tinha a pretensão de encontrar a verdade a respeito dos fatos
que levaram ao conflito, nem quais envolvidos o geraram. O objetivo “era recuperar os sentidos
que os sujeitos atribuíam ao seu próprio trabalho, agora permeado por uma situação para a qual
não dispuseram de ferramentas institucionais e simbólicas para lidar” (Pinheiro, 2014). Para
tanto, eram realizadas entrevistas com cada um dos trabalhadores ou com os grupos envolvidos
e com as chefias; visitas aos locais de trabalho, reuniões com todas as pessoas envolvidas para
mediar o diálogo e, quando possível, facilitar a criação e o desenvolvimento de novas formas
de convivência. Todas estas ações eram realizadas no intuito de, através de um aprofundamento
no contexto de trabalho dos sujeitos, elaborarem um canal de diálogo entre estes a fim de de-
senvolver soluções compartilhadas para o conflito, e, concomitantemente, analisar que aspectos
da organização do trabalho colaboraram para o surgimento do impasse. Em vários dos campos
citados acima, foi possível engendrar ações que recriassem o convívio nos contextos laborais.

PROJETO DE PREVENÇÃO E ACOMPANHAMENTO DOS SERVIDORES


COM PROBLEMAS DO USO/ABUSO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS – PPAD

O Projeto de Prevenção e Acompanhamento dos Servidores com Problemas do Uso/


abuso de Álcool e outras Drogas – PPAD tem como objetivos desmistificar problemas e con-
sequências decorrentes do uso/abuso de substâncias psicotrópicas, tanto lícitas quanto ilícitas,
focando, sobretudo, no álcool; atender pessoas que estejam apresentando algum tipo de proble-
ma relacionado ao abuso de substâncias e promover saúde, tendo como público-alvo todos os
trabalhadores (técnico-administrativos e docentes) da Universidade Federal do Ceará.

Faz-se necessário apresentar o contexto mais amplo de surgimento deste projeto, a co-
meçar pela implementação de políticas públicas nacionais sobre drogas, processo recente no
Brasil. A Política Nacional Antidrogas (PNAD), foi instaurada através do Decreto nº 4.345
de 26 de agosto de 2002, sendo criadas a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) e, poste-
riormente, em 2006, houve a criação do Sistema de Políticas Públicas sobre Drogas, os quais
tinham, dentre outros objetivos, promover a integração entre as políticas públicas de prevenção
do uso indevido, atenção e reinserção social Secretaria Nacional Antidrogas [SENAD] (2008).
É importante pontuar também a instauração da Política Nacional sobre o Álcool, através Decre-
to Presidencial nº 6.117/2007, de 22 de maio de 2007, que regulamenta medidas para diminui-
ção do uso inadequado do álcool e suas relações com a violência e o crime.

Uma preocupação decorrente de todas as discussões e avanços das Políticas Públicas so-
bre Drogas foi a influência que o uso indevido ou abuso trariam para a vida do trabalhador, en-
tendendo assim que o “desenvolvimento de um programa de prevenção ao uso de drogas pelos
locais de trabalho está diretamente ligado não só à integridade dos funcionários, mas também à
saúde da própria organização’’ [SENAD] (2008, p. 165).
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 64

Compreende-se que as intervenções junto às pessoas em situação de dependência quí-


mica requerem o reconhecimento dos múltiplos determinantes do processo saúde-doença e das
contingências que envolvem essa realidade. Por isso, devem-se abranger as diversas instâncias
e os sujeitos que compõem a organização. Sendo assim, é necessário utilizar diversas estraté-
gias e ações para lidar com essa questão.

No período de 2014, foram desenvolvidas campanhas de informação, com a colaboração


dos integrantes do NUTRA, onde foram produzidos folders, em parte dedicados aos servidores,
e em parte construídos com orientações voltadas exclusivamente para as chefias dos setores,
como possíveis encaminhamentos, sugestões sobre como identificar e proceder uma conversa
com uma pessoa que apresenta comportamentos compatíveis com os do uso abusivo de subs-
tâncias. Também foram realizados dois workshops na Faculdade de Medicina e no Centro de
Ciências Agrárias e a previsão era realizar mais onze em diversos centros da universidade para
aprofundamento do debate, porém nos demais locais não houve adesão por parte dos servidores
e/ou gestores.

Durante estas ações, são apresentadas as legislações pertinentes ao assunto, a atuação


da DIAPS junto aos servidores e as práticas de atenção à saúde existentes no município. Além
disso, as discussões visavam sensibilizar os gestores em relação à problemática do uso/abuso
de drogas, especialmente no tocante à identificação e comunicação à DIAPS para que fossem
realizados os encaminhamentos pertinentes.

Além de ações com caráter instrutivo, o projeto também realiza atendimento aos servi-
dores, prestado tanto por psicólogos quanto por assistentes sociais, auxiliando nos problemas
decorrentes do uso abusivo de substâncias e encaminhando para serviços especializados como
CAPS/AD, além de fazer acolhimento, entrevista com o trabalhador e levantamento da deman-
da, inclusive em caso de afastamento temporário, desde o distanciamento da instituição, garan-
tindo todos os direitos do trabalhador, e posteriormente auxiliando na volta e na reinserção no
ambiente de trabalho. Além disso, o projeto mantém campanhas realizadas por outros órgãos e
em datas especiais, como o Dia Mundial contra o Tabaco, realizado pela OMS.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa parceria mostrou-se mutuamente favorável. Para o NUTRA, constitui-se mais um


campo de atuação, pesquisa e ensino e, principalmente, possibilidade de construção de conheci-
mento e aprendizado e de oferecer o conhecimento produzido dentro da própria Instituição para
lidar com suas próprias questões. A PROGEP conta com o apoio dos estagiários e dos profes-
sores para uma atuação embasada e crítica no que concerne à Gestão de Pessoas e à Psicologia
Social do Trabalho e das Organizações. A parceria possibilitou intervenções contextualizadas e
voltadas para a comunidade de trabalhadores da Instituição.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 65

O alcance do projeto ELABORar se apresenta na medida em que estabelece um espaço


para discussão sobre o trabalho dos servidores, compreendido em uma perspectiva mais ampla,
e para propiciar transformações efetivas nos contextos de trabalho destes sujeitos, contando
com a participação destes para tanto. Deste modo, a promoção à saúde dos servidores consuma-
-se a partir da possibilidade de ampliar o poder de agir destes indivíduos.

No que diz respeito ao Projeto “Saúde do Trabalhador”, as publicações no blog e os


programas de rádio “Vida no Trabalho” têm como intuito utilizar ferramentas de comunicação
para veicular informações de forma a promover saúde através do acesso à informação e ao
conhecimento. Logo, as ações do projeto buscam alcançar tanto os servidores da UFC, como
também a comunidade civil em geral, a fim de promover o acesso a informações sobre diversas
temáticas que concernem ao mundo do trabalho.

Outra ação efetiva, realizada em conjunto, foi o Projeto de Mediação de Conflitos. Atra-
vés desse, pôde-se, em conjunto com os trabalhadores, pensar alternativas para problemáticas
encontradas no ambiente de trabalho, buscando formas para que esses recuperassem sentido
no seu próprio trabalho e, assim, modificar a estrutura da organização laboral que colaboravam
para tais dificuldades de relacionamento.

Um olhar voltado à subjetividade do trabalhador perpassa todas as ações da parceria.


Mostra-se relevante a atuação do Projeto de Prevenção e Acompanhamento dos Servidores
com Problemas do Uso/abuso de Álcool e outras Drogas (PPAD). Através de suas intervenções,
buscou-se informar os sujeitos e desmistificar sobre problemas e consequências do consumo e
abuso de drogas em uma perspectiva crítica e ampla, bem como da relação com o contexto de
trabalho, que pode se constituir como um potencializador deste uso-abuso. A partir dessa pers-
pectiva, pode-se sensibilizar as chefias para o problema e buscar, de forma conjunta, meios de
refletir e reconstruir essa questão.

Ressalta-se que a construção de parcerias, que se situem no âmbito da Universidade ou


que ultrapassem seus limites, é de fundamental importância para o desenvolvimento e o aper-
feiçoamento de ações que levem o conhecimento produzido neste contexto a suscitar transfor-
mações na sociedade como um todo.

Deste modo, a parceria apresentada é, em suma, profícua, visto que proporcionou um


espaço de atuação, pesquisa e ensino que integra a práxis e o saber acadêmico advindo da Insti-
tuição, a fim de lidar com seus próprios desafios e aperfeiçoar as práticas da Gestão de Pessoas
neste contexto.

REFERÊNCIAS
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 66

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Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 68

CENSO PENITENCIÁRIO DO CEARÁ: UMA ANÁLISE DA


SITUAÇÃO LABORAL DOS ENCARCERADOS

Melina Sousa Gomes

Eveline Nogueira Pinheiro de Oliveira

Francisco de Assis Alencar Pereira Filho

INTRODUÇÃO

Entre os anos de 2013 e 2014, foi realizado o primeiro Censo Penitenciário do Estado do
Ceará, através de uma parceria entre a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado (SEJUS) e a
Universidade Federal do Ceará (UFC). O projeto foi executado por pesquisadores da UFC, por
meio do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), do Laboratório Cearense de Psicometria
(LACEP) e do Núcleo de Psicologia do Trabalho (NUTRA), com o apoio da Fundação Cearense
de Pesquisa e Cultura (FCPC). Os pesquisadores contaram com a supervisão de profissionais da
SEJUS e com a coordenação dos professores Dra. Celina Amália Ramalho Galvão Lima (LEV),
Dr. Walberto Silva dos Santos (LACEP) e Dr. Cássio Adriano Braz de Aquino (NUTRA).

O objetivo da iniciativa foi realizar uma contagem e um recadastramento da população


penitenciária em regime fechado e semiaberto e realizar uma avaliação psicossocial através
do delineamento de um perfil biossociodemográfico. O projeto teve por base traçar um perfil
completo da população penitenciária a partir de três eixos analíticos: a caracterização da história
de vida que antecede a condição de privação de liberdade, a vivência do sujeito dentro do
sistema e as suas possibilidades de reinserção social pelo trabalho. Para isso, foram abordadas
questões como escolaridade, capacitação profissional, estrutura familiar, indicadores de saúde
física e mental, etc., visando a caracterizar e compreender a história de vida dos detentos,
as vivências destes sujeitos na sociedade, a representação do período de encarceramento e as
disposições e possibilidades para a reinserção social mediadas pelo trabalho.

Neste trabalho, buscaremos, a partir de nossa experiência enquanto recenseadores


(entrevistadores) do Projeto Censo Penitenciário do Ceará, destacar alguns dos principais
aspectos e impressões observados durante as entrevistas; e, enquanto bolsistas do Núcleo
de Psicologia do Trabalho (NUTRA), procuramos analisar algumas das principais questões
surgidas sobre a complexa situação laboral dos encarcerados.

O aspecto laboral se constitui, dentro do questionário do Censo, por uma investigação


a respeito de aspectos do trabalho na vida do detento, como aptidões e interesses profissionais.
Neste trabalho, buscaremos analisar esse aspecto em três direções: a situação laboral antes
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 69

de ser preso, as atividades dentro da unidade prisional e os planos de trabalho após a saída
do sistema carcerário. Após analisarmos as tabelas resultantes do Censo, discutiremos sobre
desdobramentos teóricos e práticos desses resultados, bem como destacaremos algumas
impressões gerais do processo das entrevistas.

CONHECENDO O SISTEMA PRISIONAL DO ESTADO DO CEARÁ

O Sistema Penitenciário do Ceará é coordenado e gerido pela Secretaria de Justiça e


Cidadania do Ceará (SEJUS), órgão responsável por promover o exercício da cidadania e a
defesa dos direitos humanos. Para o cumprimento de seu dever, compete à SEJUS executar
a manutenção, supervisão, coordenação, controle, segurança e administração do Sistema
Penitenciário do Ceará, além de garantir o cumprimento das penas e zelar pelo livre exercício
dos poderes constituídos (SEJUS, 2015).

As unidades de prisão do Ceará são distribuídas em 5 Casas de Privação Provisória de


Liberdade (CPPL), 3 Institutos Penais, 1 Hospital Geral e Sanatório Penal, 3 Penitenciárias,
e 134 Cadeias Públicas e outros distritos. Dentre essas unidades, aquelas de maior porte se
encontram na região metropolitana de Fortaleza, onde está localizada a única penitenciária
feminina do estado. Como pode-se analisar é um sistema penitenciário de grande porte, com
unidades prisionais distribuídas por todo o Estado. Se por um lado isso mostra a amplitude e
complexidade do sistema, por outro lado, enfatiza também a dificuldade organizativa de cuidado
e atenção com esse grande número de encarcerados em relação, dentre outras coisas, a políticas
de reinserção social.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 70

De acordo com a tabela, as unidades prisionais do Ceará de maior porte, com exceção da
PIRC e PIRS, se localizam na Região Metropolitana de Fortaleza. As cadeias públicas perfazem
um total de 134 e estão distribuídas nas macrorregiões. De forma notória, as casas de privação
provisória de liberdade detêm o maior número de detentos do Estado.

SOBRE O PERCURSO METODOLÓGICO DO CENSO PENITENCIÁRIO DE


CEARÁ

A coleta dos dados do Censo Penitenciário do Ceará foi realizada entre abril de 2013 e
abril de 2014 e contou com uma equipe de 40 pessoas, entre professores universitários, alunos
de graduação e pós-graduação (Psicologia, Ciências Sociais, História, Serviço Social, Direito e
Economia), equipe de apoio e funcionários da SEJUS. Todo recenseador passou por uma série
de treinamentos para familiarizar-se com o questionário, bem como tentar aprimorá-lo após a
realização do projeto-piloto (fase de testes). As alterações realizadas foram, em sua maioria, no
sentido de tornar o instrumento o mais claro possível, com perguntas que usassem palavras de
simples compreensão para todos os níveis de escolaridade, facilitando a interação entre sujeito
pesquisado/pesquisador.

A pesquisa foi realizada em unidades prisionais de todas as Macrorregiões do Estado


do Ceará, e foram entrevistados ao total 12.040 homens e mulheres encarcerados em regime
fechado, provisório e semiaberto. Os participantes foram entrevistados individualmente, por
contato direto, com base em dois questionários estruturados: um básico, para fins de contagem
e cadastramento, bem como do perfil biossociodemográfico; e um ampliado, para delinear o
perfil psicossocial.

O primeiro questionário visava a obter dados mais objetivos, como idade, faixa de renda,
bairro onde residia o detento, idade com que se envolveu em conflito com a lei pela primeira
vez, se era reincidente no sistema carcerário, se era usuário de algum psicoativo, etc. A aplicação
durava um tempo médio de seis minutos, com perguntas objetivas e que não oportunizavam a
abertura de um diálogo.

O segundo tipo de questionário, completo, levava um tempo bastante variável de


aplicação, raramente menos de 30 minutos, podendo estender-se em alguns casos em até
uma hora e meia. Nele, questões como história de vida e indicadores de satisfação pessoal
estavam presentes e podia ser conduzido pelo pesquisador como uma espécie de conversa, o
que abria espaço para um real diálogo. Essa era uma tentativa de superar, quando possível, a
dicotomia entrevistado/entrevistador – algo que se aproximaria, talvez, de uma relação eu-tu
(ainda que efêmera), em vez de uma relação eu-isso (Buber, 2001), tão comum em pesquisas
acadêmicas – especialmente aquelas que lidam com atores sociais vulneráveis, como é o caso
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 71

dos encarcerados.

É preciso ressaltar que nem todos os detentos sentiam-se à vontade com os questionários,
em especial com o completo. Alguns (poucos) recusavam-se a responder determinados itens -
percentual aproximado de 4,7 % de desistências ou recusas - ou respondiam displicentemente,
como quem diz “qualquer coisa” para se livrar do momento. Na aplicação dos questionários
básicos, por vezes também surgia o interesse por parte do entrevistado de fornecer maiores
informações, narrar sua história, o que não ficava registrado formalmente, pois o modelo do
instrumento não permitia.

Para a amostra ser válida, foi feito um cálculo que determinou a proporção e ordem
aleatória para aplicação alternada dos questionários básico e completo, numa proporção de
17 x 1; e no presídio feminino, como a amostra da população era numericamente reduzida, a
proporção foi alterada para 3 x 1.

Dentre os estudantes recenseadores estavam bolsistas e estagiários pertencentes ao LEV,


ao LACEP e ao NUTRA. Enquanto estudantes do NUTRA, interessados pela área do trabalho e
seus desdobramentos, abordaremos e discutiremos alguns dos resultados referentes ao aspecto
laboral. Apresentaremos a seguir algumas das tabelas resultantes deste Censo, as quais usaremos
como base para discussões pertinentes sobre questões que permeiam o estudo do mundo laboral
e complexa dinâmica do quadro carcerário do Estado.

ALGUNS RESULTADOS DO CENSO PENITENCIÁRIO DO CEARÁ

No que diz respeito à investigação da situação laboral na pesquisa, obteve-se dados


sobre atividades laborais antes da prisão, atividades dentro do sistema penitenciário e planos
de trabalho após a saída do encarceramento. De acordo com o relatório (Censo Penitenciário
do Ceará 2013/2014), dentre os detentos, 72,7% estavam trabalhando no momento da prisão,
e, nota-se pela tabela abaixo, que boa parte da população pesquisada teve vínculos laborais
informais (92,1%).
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 72

Esse dado, associado à baixa escolaridade, pode indicar uma alta incidência de vínculos
laborais precários.

Em relação ao trabalho dentro do sistema, a maioria (85,7%) dos detentos nunca reali-
zou nenhuma atividade laboral dentro do presídio.

E, no que se refere a planos de trabalho após a saída, 94,9% responderam afirmativa-


mente.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 73

DISCUSSÕES PERTINENTES DA RELAÇÃO TRABALHO E SISTEMA


PENITENCIÁRIO

Em nossa sociedade o trabalho pode ser encarado enquanto atividade geradora de


emprego e renda, o que possibilita a prosperidade dentro do capitalismo e engendra uma relação
duvidosa que coloca o caminho trabalho – consumo – felicidade como uma das únicas vias de
acesso ao reconhecimento social.

Partindo de uma visão ampla da categoria trabalho e entendendo esta para além de
uma atividade instrumental, tentamos nos aproximar da visão marxista do trabalho, na qual o
homem constrói sua subjetividade pautada em sua atividade, ação esta que deve ser dotada de
consciência e plena de sentido. Assim, o trabalho deve ser entendido enquanto uma categoria
antropo-histórica (Aquino, 2003), ressaltando que o trabalho faz com que o homem se reconheça
enquanto tal na interação com seu meio, mas que esta interação deve necessariamente estar
situada em determinado recorte espaço-temporal. A categoria em questão é permeada, em
suas construções, por relações que envolvem uma multiplicidade de sentidos, que vão desde
o trabalho entendido enquanto pena, castigo, até sua valorização enquanto único meio para
salvação, incluindo aqui a dimensão da espiritualidade.

No Brasil, nossa herança cruel e escravocrata não dissocia em nossas construções a


ideia de que trabalhos, especialmente aqueles pesados, braçais, não são tão dignos quanto os
que são entendidos como intelectuais ou que demandam menor esforço físico. (Antunes, 2000)
Ao mesmo tempo, o ser humano que não exerce funções laborais não é encarado enquanto
cidadão, pois este selo de “trabalhador”, em um passado não tão distante quanto a escravidão,
representava a garantia de direitos básicos, como por exemplo a saúde e acesso a planos de
previdências e pensões, que surgem na Era Vargas (Tapajós, 2006).

Assumir estas contradições presentes em nossa sociedade é caminhar no piso


escorregadio da associação feita entre trabalho e cidadania, especialmente quando se trata do
ambiente de encarceramento. Para discutir esta realidade, porém, é necessário refletir sobre as
novas formas de inserção laboral, que carregam em si fenômenos que fragilizam a identificação
plena com o trabalho. Há em curso um processo de uma sequência de perdas, como redução da
perspectiva profissional (contratos temporários, flexibilidade de demissões) e perda de direitos e
garantias, como descanso remunerado, férias, licenças de saúde, aposentadoria e regulação dos
salários, entre outros, bem como abre margem a um profundo quadro de desemprego (Antunes,
2000). As novas formas de inserção laboral caminham juntas com o aumento do desemprego, a
diminuição dos vínculos formais de trabalho e uma consequente e progressiva marginalização
social. A população carcerária fica ainda mais vulnerável nesse contexto, pois há cada vez
menos empregos para a população em geral, e os indivíduos excluídos ficam cada vez mais à
margem. E é justamente aqui que reside a importância de discutirmos os resultados deste Censo,
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 74

e faremos isso em três sentidos: a predominância da informalidade antes do encarceramento, o


sentido das atividades laborais dentro do encarceramento e o lugar do trabalho para os egressos
do sistema prisional.

A PREDOMINÂNCIA DA INFORMALIDADE ANTES DE


ENCARCERAMENTO

A partir dos dados coletados no Censo, ao analisarmos a situação laboral dos usuários
do sistema carcerário do Ceará, um dado relevante chama a atenção: a maioria dos detentos
ocupava-se com trabalhos considerados informais antes de ingressarem nas penitenciárias
(Tabela 3).

A fim de evitar generalizações conceituais, não é prudente afirmar categoricamente que


há uma relação direta entre trabalho informal e criminalidade, de modo que os trabalhadores
não regularizados estivessem mais propensos a entrar em conflito com a lei. No entanto, há
de se refletir sobre o recorrente entrecruzamento de dados no que diz respeito às consideradas
“categorias marginais”, como informalidade, vínculos laborais precários, baixos níveis
educacionais, criminalidade, etc. Essa relação coincidente pode ser amplamente verificada nas
diversas pesquisas sociodemográficas, a exemplo desta que nos baseamos para escrever esse
artigo (Tabela 3), já realizadas em território nacional e em diferentes momentos históricos.

Pode-se, todavia, afirmar que o trabalho informal no Brasil sempre teve uma relação
com problemas estruturais como a desigualdade social e a inoperância do Estado, enquanto
provedor de políticas que assegurem, de maneira universal, o bem-estar da população, como
educação, trabalho, assistência social e saúde. Outro agravante é a submissão das questões
trabalhistas aos interesses do sistema capitalista, tornando-as, dessa forma, bastante suscetíveis.

Cabe salientar que é preciso ter certo cuidado ao tratar do tema da informalidade, pois
a própria conceituação da relação entre trabalho informal e marginalidade é bastante complexa
e dinâmica, acompanhando as constantes transformações que se dão no âmbito da atual
organização do trabalho em nível mundial. E quando trazido para o contexto do Brasil e da
América Latina, o conceito toma contornos bem mais específicos. De acordo com Costa (2010),
“em termos operacionais, o desafio de conceituar e categorizar o trabalho informal se torna
tanto maior porque os novos e diversificados arranjos produtivos tornam ainda mais complexas
as interconexões entre o formal e o informal, e isso quase põe por terra as abordagens dualistas”
(p. 182).

Pode-se verificar em Vianna (2006) que a produção de dados oficiais acaba por trazer
a ideia de um mundo modificado pelas atuais relações de trabalho, pautadas em um sistema
econômico cada vez mais globalizado e flexível. Tais características tornam difícil a construção
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 75

de instrumentos que façam possível uma interpretação mais fiel das modificações laborais.
Ainda que isso seja possível, haverá sempre lacunas nos dados empíricos, já que as relações
são envoltas na complexidade do contexto econômico pautado da reestruturação produtiva
(Antunes, 2000).

Dessa forma, faz-se necessária uma análise sócio-histórica e econômica, amparada em


dados demográficos, que nos deem subsídios para refletir sobre o trabalho informal e suas
consequências sociais no contexto brasileiro, porém, esse não é o objetivo do presente trabalho.
Não obstante, é importante frisar que a exclusão de grande parte da população brasileira do
mercado formal de trabalho remonta aos princípios da constituição do próprio mercado de
trabalho livre no país, e essa realidade foi sendo reproduzida ao longo das décadas, passando
pelo modelo de substituição de importações até chegar ao processo de reestruturação produtiva
(Antunes, 2000), com todas as suas consequências aí implicadas, entre elas, o aumento da
informalidade, colocando à margem boa parte da população.

Ao falarmos sobre criminalidade no Brasil, podemos talvez inferir que esses índices
incidem consideravelmente sobre as camadas mais desfavorecidas da sociedade, e isso
diz respeito a problemas históricos e estruturais como a falta de oportunidades de trabalho
no setor formal, a baixa escolaridade, o amparo deficiente do Estado e de políticas públicas,
em geral, que venham dar suporte às populações mais carentes e necessitadas (Souza, 2006).
Segundo Costa (2010), “esse é o pano de fundo histórico-estrutural a subsidiar a construção
de uma noção de informalidade que mais fielmente explica as contradições de classe no país
e a origem mesma da informalidade; uma informalidade muitas vezes imiscuída nas redes da
criminalidade” (p.178).

Assim, o problema da informalidade e da criminalidade pode ser pensado como


tentáculos de um mesmo núcleo e que tem suas raízes históricas ligadas, direta ou indiretamente,
à propriedade fundiária, ao sistema escravocrata, à inercia do Estado brasileiro no que concerne
à promoção de seguridade social, aos interesses escusos e excludentes do capital e à reprodução
de desigualdades sociais que só podem ser revertidas através de reformas estruturais em diversos
âmbitos da sociedade brasileira.

O SENTIDO DAS ATIVIDADES LABORAIS DENTRO DO


ENCARCERAMENTO

A ideia de que o detento deve manter-se produtivo na sociedade é antiga e geralmente


bem vista. No Brasil, infelizmente, esta política não é efetiva. Os motivos que surgem caminham
por dois sentidos que ora se cruzam e ora se afastam: primeiro, a pouca oferta por parte do
estado de programas de qualificação profissional e o baixo incentivo a políticas que possibilitem
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 76

a expansão de atividades laborais no ambiente carcerário; e segundo: algo mais próximo de um


senso comum desacreditado e embrutecido pela violência cotidiana, de que é impossível a
ressocialização por meio do trabalho e que, ainda que fosse uma possibilidade, o detento estaria
desinteressado, pois é um “vagabundo”. Ainda é recorrente em nossa sociedade a ideia de que
o crime é uma opção de meio de vida e não uma imposição de um sistema falho em termos
de distribuição de oportunidades. Isto torna o sujeito que comete o delito o centro da questão,
muitas vezes sem levar em consideração as condições sociais e possibilidades de inserção digna
em sociedade das quais ele (não) dispunha.

Foquemos no segundo ponto. Vagabundo (no masculino), em nossa sociedade, é alguém


que não trabalha. Fora do sistema produtivo e da cadeia de consumo, este sujeito fica à margem
e torna-se invisível; é um marginal. É um ser a quem resta uma vida pautada em ilegalidades,
que podem resultar em uma prisão. O encarceramento deveria ser, portanto, a chance negada
anteriormente de engajar este sujeito nesta sociedade, tornando-o apto para ela. Foucault (2011)
já traz esta ideia ao falar do nascimento das prisões, onde elas seriam ambientes propícios para
garantir a produtividade, utilizando-se de mão de obra barata e em dívidas com a sociedade.
Ambiente de adestramento de corpos e movimentos, onde o trabalho compulsório seria mais
um mecanismo de controle que, ao mesmo tempo em que garantiria a manutenção da economia,
traria fortemente esta ideia de retorno e educação social tão almejada.

O que acontece na realidade vivenciada, porém, é muito diferente, e isso foi retratado
nas entrevistas deste Censo. Dentro do ambiente carcerário a oferta de trabalho é mínima e,
quando existente, as atividades são desinteressantes, repetitivas e monótonas, voltadas a um
detento que apresenta um comportamento específico desejado e que não possui, via de regra,
autonomia sobre sua atividade. Talvez daí o dado de que a maioria nunca realizou nenhuma
atividade (Tabela 4). Se o trabalho que significa o homem é aquele que possibilita sua livre
expressão e criatividade, mantenedor de saúde no sentido de que bem estar é poder contar
com suas capacidades em plenitude e ser livre para vivenciá-las (Canguilhem, 1995), a oferta
laboral dentro dos presídios parece estar distante do que entendemos enquanto trabalho digno
e formador de subjetividade.

A vivência em campo nos mostrou, nas penitenciárias masculinas de regime fechado,


atividades como costurar e encher bolas de futebol. Quem realizava essas atividades eram, em
sua maioria, detentos respondendo por crimes de estupro, assédio ou atentado violento ao pudor,
ou seja, eram aqueles que eram mantidos por medida de segurança afastados do convívio com os
demais. A maior parte destes trabalhadores eram idosos ou travestis. No presídio, conviver sem
a superlotação e ter acesso a uma atividade laboral, é luxo. Este quadro controverso obviamente
desperta ciúmes, inveja e indignação nos demais presos, que não raro respondiam à pergunta
“Você desenvolve alguma atividade no presídio?” com um magoado “não, aqui só quem tem
direito são os duzentão(sic)”.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 77

Não trabalhar, ser “vagabundo” no sentido de não realizar atividades laborais em condição
de encarceramento, comporta também uma certa resistência. “Mas se tivesse a oportunidade,
você gostaria de trabalhar aqui?” Alguns, sim. Outros, com ressalvas: “só se não fosse com
eles”; outros, ainda, “Não. Trabalhar é só lá fora.” Estes talvez sejam os que possuem a ideia
mais próxima de um trabalho tido como dignificante, porém ao mesmo tempo compõem o rótulo
do típico “vagabundo” que não trabalha por não querer. Partimos da ideia de que o trabalho
externo, livre, seja encarado como de maior valor devido à alguma possibilidade de autonomia,
não sendo uma imposição de um ambiente restritivo de liberdade. Triste e complicada análise,
que mereceria isoladamente um estudo aprofundado que melhor problematizasse tais questões.
Qual seria a forma, então, de motivar estes detentos? Que atividades, que remuneração, além da
monetária e diminuição da pena, tornariam o trabalho em ambiente carcerário algo interessante?

Alguns detentos realizavam, por conta e talento próprios, artesanatos com os materiais
disponíveis e classificavam esta atividade mais como passatempo que como trabalho. Eram
restos de quentinhas que muito bem torcidos e enrolados viravam automóveis acabados com
fita isolante, eram esculturas feitas com pedaços de fios e madeira, acabadas com restos de rolo
de papel higiênico que viravam enfeites e mimos para os recenseadores – os recenseadores, por
exemplo, ganhavam por vezes objetos feitos de alumínio de quentinha.

No presídio masculino que abrigava o regime de semiliberdade, alguns detentos


trabalhavam na cozinha, como auxiliares e cozinheiros, outros na limpeza e organização do
espaço. No presídio feminino, estes trabalhos eram mais comuns e pareciam mais fáceis de
organizar, talvez pelo reduzido contingente de detentos mulheres, se comparadas ao número de
presos homens.

Vale ressaltar que a realidade do presídio feminino era bem diferente neste aspecto, pois
a maioria das mulheres era de alguma forma responsável pela higienização do espaço e muitas
ajudavam na cozinha. O trabalho doméstico, porém, é invisível e sempre diminuído, entendido
como atributo natural do gênero feminino e por isso esquecido enquanto atividade laboral.
Além dos citados afazeres, havia uma fábrica de jeans, que realizava a aplicação das etiquetas
dentro do presídio, e muitas mulheres eram envolvidas neste trabalho. Lá as atividades não
pareciam tão desinteressantes e os laços de solidariedade pareciam menos frouxos.

O TRABALHO PARA OS EGRESSOS DO SISTEMA PRISIONAL

As principais impressões que tivemos durante as entrevistas, no que diz respeito aos
planos de trabalho ao sair da prisão, é que era quase unânime a resposta afirmativa de querer
voltar ao mundo laboral. Esse quadro percebido durante as entrevistas foi claramente refletido
nos resultados da pesquisa (Tabela 5).
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 78

O trabalho é o cerne de como a sociedade vive e se organiza, e, portanto ele está também
no centro das discussões sobre inclusão e exclusão do sujeito. Miraglia (2010) defende que o
trabalho é o meio de garantir ao homem acesso a recursos para usufruir de uma vida digna.
Assim, o trabalho é compreendido como a condição de valorização e reconhecimento de
identidade do sujeito, ou como resgate de sua cidadania, na medida em que possibilita a sua
integração na sociedade e o recebimento de remuneração, permitindo-lhe realizar a aquisição
de bens, de modo que se integre ao funcionamento social e econômico. E aqui se concentra a
importância de repensarmos possibilidades de reinserção do egresso ao mercado de trabalho.
Isso porque,

Abandonados à própria sorte, sem possibilidade de exercer muitos de seus direitos individuais
por não estarem inseridos em nenhuma estrutura coletiva que os integre na dinâmica social, à maioria dos
egressos do sistema prisional brasileiro resta a alternativa de viver na condição em que o imperativo é
somente a sobrevivência e não o bem-estar social (Seron, 2009, p. 65).

O atual desafio de nosso sistema prisional cearense, e talvez do brasileiro em geral,


é encontrar meios eficazes de conduzir os condenados à condição de cidadãos de modo que,
ao final do cumprimento de suas penas, estejam aptos a conviver na sociedade, por meio da
inserção no mercado de trabalho.
A inclusão social dos mesmos nesse mercado é capaz de devolver-lhes a dignidade, assim como,
possibilita-o criar novas expectativas acerca de um futuro perdido que vislumbrava entre as paredes de
uma penitenciária, detento de um sistema arcaico que apenas pune e não o prepara para retornar a vida
em sociedade, além de oferecer condições de sobrevivência degradante e desumana (Brandão & Farias,
2013, p 6).

No entanto, oferecer trabalho ao ex-detento não é simplesmente colocá-lo para fazer


serviços que ninguém queira executar ou empurrá-lo para trabalhos semiescravos. Não é nesse
sentido que deve se configurar o processo ressocializador. O egresso tem dificuldades claras de
inserção social, principalmente no mercado de trabalho, pelo estigma de ex-presidiário. São
necessárias políticas efetivas para essa reintegração de modo a conferir ao egresso o status
de cidadão, consciente de sua dignidade como ser humano e de sua obrigação para com a
sociedade que passará a integrar.

O egresso do sistema prisional, por ter seus vínculos sociais profundamente deteriorados pela
experiência da prisão, pela exclusão do sistema produtivo e pela vulnerabilidade que o aproxima do crime,
necessita de amparo tanto por parte do Poder Público quanto da sociedade como um todo. Mas chama-se
a atenção aqui para um amparo que afete suas condições concretas de existência, sua condição objetiva
de vida. Não se consegue modificar um indivíduo, transformá-lo, desvinculando-o de seu contexto social,
como se ele fosse apenas sua subjetividade, sem materialidade. E o trabalho, por ser mediador entre
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 79

objetividade e subjetividade, entre ser e mundo que o cerca, deve estar na pauta dos debates e ser foco
das ações que se pretendem transformadoras e promotoras dos direitos do homem (Barbalhos & Barros,
2010, p 2011).

Nesse sentido, os dados resultantes do Censo Penitenciário do Ceará, em relação aos


planos de trabalho dos encarcerados, apontam para uma necessidade quase urgente de que
novos caminhos se abram para o egresso no mercado de trabalho, de que empresas abram suas
portas a esse trabalhador, por meio de melhores e mais amplas políticas públicas para esse fim.
Como estudiosos, profissionais e cidadãos, precisamos refletir sobre novas formas de inserção
e pô-las na prática cotidiana da vida de cada egresso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante as entrevistas deste Censo, não raro, histórias surpreendentes de vida vinham à
tona, algumas permeadas de muita dor e sofrimento, outras cheias de encanto e divertimentos,
o que fazia saltar à memória as instruções recebidas por parte dos agentes e policiais militares:
“preso é tudo cheio de história pra enganar vocês, não caiam na deles, não façam favor...”.
Mas como não se deixar seduzir e levar por um universo tão desconhecido e pouco explorado?
Como não querer conhecer a história, motivações, aventuras e desventuras narradas, fossem
elas reais ou imaginárias? Como continuar invisibilizando sujeitos que queríamos exatamente
conhecer, através do diálogo, para então propor meios efetivos de ressocialização, tornando-os
visíveis? Negar a escuta, nesse caso, seria novamente legitimar os processos de exclusão que,
de tão enraizados, são tidos como naturais.

O Censo Penitenciário do Ceará 2013/2014 se constitui como importante e rico material


para pesquisas acadêmicas e realização de intervenções, já que ele nos dá a oportunidade de
reconhecer nesta população suas deficiências e suas potencialidades e priorizar políticas que
trabalhem no resgate destes sujeitos. Em relação, mais especificamente, ao trabalho, o foco do
projeto está na não reincidência dessa população carcerária, através da oferta de oportunidades
e possibilidades.

O trabalho é colocado como mediador principal e fundamental da reinserção desse


sujeito na sociedade. Com a pesquisa, temos em mãos dados científicos para buscar recursos
e parceiros e redirecionar as políticas penitenciárias do Ceará cada vez mais no sentido de
ressocialização e reintegração social. Os dados coletados indicam a necessidade desse
redirecionamento e revisão das políticas laborais no sistema. Ressaltamos ainda a importância
desses estudos também para a comunidade acadêmica e a política de segurança do Estado.

É fato que, em meio ao processo de constantes mutações econômicas e sociais do mundo


Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 80

do trabalho, grande parte da população encontra dificuldades no ingresso ao mercado de trabalho


ou se sujeita a processos precários de imersão laboral. No que se trata da população encarcerada,
essas dificuldades são bem maiores no que diz respeito às possibilidades de reinserção social por
meio do trabalho, já que além da precariedade da formação e qualificação, há todo um universo
de preconceitos. Há, portanto um processo de vulnerabilização dessa população e fragilização
da reinserção na sociedade por meio do trabalho. Daí a necessidade de uma investigação das
condições laborais nas vidas destes sujeitos, no sentido de guiar práticas que corroborem para a
atividade laboral como elemento de reinserção, já que atua como fator fundante e estruturante
na vida do sujeito, garantindo-lhe subsistência na lógica capitalista e lhe atribuindo uma função
na estrutura social.

Dentre um dos desdobramentos deste trabalho, o NUTRA está iniciando em 2015 um


projeto com a Fábrica Escola, projeto localizado em Fortaleza- CE e região metropolitana.
A Fábrica Escola é um local para onde diversas empresas enviam e alocam alguns setores de
produção, onde trabalham detentos do Sistema Penitenciário Cearense. O objetivo é iniciar
uma pesquisa na busca de traçar um perfil, para que possamos obter maior visibilidade para o
projeto Fábrica Escola de modo a conseguir que outras empresas participem dessa iniciativa.
Os resultados deste trabalho poderão ser vistos em futuros trabalhos, no intuito de darmos
continuidade e visibilidade a questões urgentes como essas.

REFERÊNCIAS

Aquino, C.A.B. (2003). Tiempo y Trabajo: un análisis de la temporalidad laboral em el sector


de ocio – hotelería y turismo – y sus efectos em la composición de los cuadros temporales de
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Barbalhos, L. de A. & Barros, V. A. de. (2010) O lugar do trabalho na vida do egresso do
sistema prisional: um estudo de caso. Gerais, Rev. Interinst. Psicol., Juiz de fora, v. 3, n. 2.
Acesso em 08 set. 2015.<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S19
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Brandão, J. M. F. & Farias, A. C. A. (2013) Inclusão Social de Ex-Detentos no Mercado de
Trabalho: Reflexões acerca do Projeto Esperança Viva. Em: IV Encontro de Gestão de
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Buber, M. (2001) Eu e Tu. São Paulo: Centauro.
Canguilhem, G. (1995) O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
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Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 81

Costa, M. da S. (2010) Trabalho Informal: um problema estrutural básico no entendimento das


desigualdades na sociedade brasileira. Em: Caderno CRH, Salvador, v.23, n. 58, p. 171 –
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Miraglia, L. M. M. (2010) O direito do trabalho e a dignidade da pessoa humana – pela
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Tapajós, R. (2006) Políticas de Saúde no Brasil: um século de luta pelo direito à saúde. [Filme-
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Souza, J. (org.) (2006) A invisibilidade da desigualdade brasileira. Belo Horizonte: UFMG.
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representação. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto Universitário de Pesquisa do Rio
de Janeiro.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 82

ESCOLA DE GOVERNO: IMPORTÂNCIA DOS PROCESSOS DE


CAPACITAÇÃO DOS SERVIDORES PARA A GESTÃO PÚBLICA

Lúcia Maria Gonçalves Siebra

Daniel Marinho de Almeida

Maria Hebe Camurça Citó

Jairo Ferreira da Silva Júnior

“A formação persegue o todo que nasce de partes articuladas,

a capacitação se contenta com as partes”.

(Marco Aurélio Nogueira)

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo refletir sobre a educação corporativa no âmbito da
gestão pública. Para tanto, abordará teoricamente a temática acerca de Escolas de Governo,
apresentando os movimentos de articulação e parcerias realizados pelas Redes de Escolas de
Governo tanto no âmbito nacional quanto estadual.

Faz-se importante referir que a experiência relatada ocorre no Ceará, especialmente


na Escola de Gestão Pública do Estado do Ceará (EGP), órgão da administração direta
do Governo do Estado e vinculado à Secretaria do Planejamento e Gestão (SEPLAG).
.

Considerando a importância do alinhamento dos programas, projetos e planos de


trabalho ao modelo de Gestão para Resultados adotados pelo Governo do Ceará desde 2004,
tem início um esforço específico da EGP na difusão e na capacitação dos servidores/empregados
públicos no sentido da sensibilização, compreensão e desenvolvimento deste modelo em todas
as instâncias nas quais se aplica. Desta forma, ainda que de maneira breve, o artigo apresenta os
principais conceitos do Modelo de Gestão Pública para Resultados.

Compreendendo que o trabalho executado de forma colaborativa gera frutos mais


amplos, a EGP atua de maneira sistemática na criação de parcerias estratégicas, tanto com outras
instituições dentro do próprio Governo como com outras esferas e poderes governamentais.
Somam-se assim os esforços na construção de resultados que beneficiam aos diretamente
envolvidos e aos cidadãos a quem os serviços públicos devem atender.

Finalmente, o artigo apresentará parte das ações executadas neste primeiro ano de
governo e apontará as expectativas quanto ao futuro desta escola.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 83

AS ESCOLAS DE GOVERNO

Os estudos e relatos históricos das últimas décadas do Século XX apontam e comprovam


fenômenos que provocaram mudanças profundas na concepção, entendimento e conceito, como
também na forma de fazer do serviço público no Brasil e no mundo (Souza, 1996). A velocidade
das transformações econômicas no mundo globalizado, aliada às modificações das relações
entre o Estado e a Sociedade provocaram pressões da segunda sobre o primeiro, demandando
respostas mais rápidas e eficazes aos problemas sociais. O modelo burocrático adotado pelo
Estado por décadas apresentava sinais de cansaço e o setor privado apresentava alternativas
mais viáveis para o progresso e o desenvolvimento, arrastando, assim, o aparato burocrático
estatal para uma revisão de ordem teórica, ideológica e metodológica sobre seu fazer enquanto
planejador, executor e avaliador de políticas públicas.

Soma-se a esse cenário, no caso do Brasil, a necessidade de consolidar uma política


monetária capaz de reduzir os altos índices da inflação e apontar soluções quanto à distribuição
de renda, redução da miséria e equidade social aliada ao desenvolvimento e ao crescimento. O
desafio apresentado era o de responder (ou, pelo menos, tentar) a um quadro de crise estrutural
do Estado, seja em termos do incremento da eficiência da gestão pública, seja em termos de
uma maior aproximação entre administração pública e cidadania (Nogueira, 2004).

Um Estado eficiente, promovedor da participação da sociedade e em harmonia com o


setor privado exigiria uma nova classe de burocratas prontos para pensar e executar os serviços
necessários de maneira inovadora e contemporânea. O investimento em formação e capacitação
tornou-se ação inevitável para elevar a qualidade dos serviços prestados ao cidadão e, desse
modo, elevar o serviço público a patamares de excelência. A fim de ultrapassar o velho modelo
burocrático e implantar uma nova mentalidade, direciona-se o olhar da gestão pública para
novos conceitos como competência, resultados, qualidade, associados a outros já presentes
nos discursos políticos e na letra da lei: transparência, cidadania, equidade social, participação
popular, dentre outros.

As Escolas de Governo, então, surgem para atender a essa demanda por formação e
capacitação dos servidores públicos nas novas técnicas e concepções teórico-metodológicas
da gestão pública, não apenas na esfera do Poder Executivo, mas também na dos Poderes
Legislativo e Judiciário. De acordo com a Rede Nacional de Escolas de Governo, a maioria
das 258 instituições governamentais que a compõem tem formação recente que remete à
edição da Constituição Federal de 1988, quando do processo de redemocratização do país.
Essas escolas possuem diferentes naturezas, históricos e formatos que vão desde as Escolas de
Governo propriamente ditas até secretarias de administração estaduais e municipais, incluindo-
se universidades, universidades corporativas e centros de treinamento e capacitação (REDE
NACIONAL DE ESCOLAS DE GOVERNO, 2013).
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 84

As iniciativas de formação na área da gestão pública não se contiveram apenas na


criação das Escolas de Governo, mas tomaram forma em programas de pós-graduação lato
sensu e cursos de extensão na área de planejamento e gestão pública em universidades públicas
e privadas de todo o país. Como nos coloca Nogueira (2004), a ideia era capacitar pessoas para
pensar o setor público, interferir direta ou indiretamente no espaço de governar, fossem elas
gestores, juízes, parlamentares, governantes ou cidadãos.

O importante papel das Escolas de Governo na consolidação de uma nova concepção e


de um novo fazer na gestão pública são inegáveis. Apesar das ações já implementadas, muitos
desafios ainda são enfrentados, desde a compreensão do fazer de cada escola até a clareza da
função social e política desse instrumento de gestão. As escolas prosseguem, como produto de
seu tempo, buscando a criticidade e o grau de questionamentos necessários para harmonizar dois
movimentos: um de curto prazo, caracterizado pela formação para ação imediata, concretizada
na oferta de capacitações que desenvolvem as competências (conhecimentos, habilidades e
atitudes) dos servidores públicos; e o outro, de longo prazo, voltado para a capacidade de pensar
e desenhar projetos de Estado e Sociedade (Nogueira, 2004). Ou seja, como escolas que são,
necessitam exercitar a práxis pedagógica aliando pensar e fazer, teoria e prática.

Como forma de compartilhar saberes e ações, as Escolas de Governo formaram redes


internacionais, nacionais e locais. No Brasil, foi criada a Rede Nacional de Escolas de Governo
em 2003, que atualmente conta com 258 instituições, nos níveis federal, estadual e municipal.
A rede também é vinculada à Escuela Iberoamericana de Administración y Políticas Públicas,
que congrega 22 países, entre eles Portugal, Argentina, Espanha, Chile e México.

Souza (1996) comenta que uma das referências para a estruturação e desenvolvimento de
Escolas de Governo, em especial as latino-americanas como a Escola Nacional de Administração
Pública (ENAP), no Brasil, e o Instituto Nacional de la Administración Pública (INAP), na
Argentina, foi o pioneirismo da Ecole Nationale d’Administration (ENA), na França.

Criada em 1945, com base na reforma que visava à reconstrução do estado Francês, a
ENA nasce “[...] para proporcionar aos altos funcionários uma formação sólida, voltada para a
realidade, procurando desenvolver o senso de interesse geral e do serviço ao Estado.” (Souza,
1996. p. 70). A Escola fora, também, fruto de outras instituições de formação de pessoal na
França e sua estrutura inspira a criação e o desenvolvimento de várias outras Escolas de Governo.

No Brasil, a Rede Nacional de Escolas de Governo define-se, de acordo com documento


elaborado pelo Comitê Gestor da referida rede, como uma articulação informal, de livre adesão,
entre múltiplas e diferenciadas instituições governamentais brasileiras interessadas e engajadas
na capacitação, formação e desenvolvimento de servidores e agentes públicos. Este documento
descreve o objetivo da organização em aumentar a eficácia das instituições que trabalham
com formação e aperfeiçoamento profissional dos servidores públicos nas três esferas de
governo (federal, estadual e municipal) e nos três poderes. Da mesma maneira, incentiva
o compartilhamento de conhecimentos e trabalhos em parceria (REDE NACIONAL DE
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 85

ESCOLAS DE GOVERNO, 2013). Criada em 2009, a Escola de Gestão Pública do Estado do


Ceará (EGP), ocupou, de 2012 a 2014, assento no Comitê Gestor da Rede Nacional de Escolas
de Governo, representando as escolas estaduais de governo, enquanto o Instituto Municipal
de Desenvolvimento de Recursos Humanos de Fortaleza (IMPARH), vinculado à Prefeitura
Municipal de Fortaleza, representou as escolas de governo municipais no mesmo comitê.

A ESCOLA DE GESTÃO PÚBLICA DO ESTADO DO CEARÁ (EGP) E A REDE


ESTADUAL DE ESCOLAS DE GOVERNO DO CEARÁ

O anúncio oficial da criação da EGP foi feito no I Congresso Ceará Gestão Pública,
realizado nos dias 29 e 30 de outubro de 2008 pela Secretaria do Planejamento e Gestão
(SEPLAG). A escola de governo nasce como uma ação de valorização do servidor e como
espaço para aprendizagem e gestão do conhecimento.

Em 20 de abril de 2009 foi, então, instituída a Lei n° 14.335, publicada em Diário


Oficial no dia 23 do mesmo mês, que cria a Escola de Gestão Pública do Estado do Ceará
como Órgão da Administração Direta, vinculado à Secretaria do Planejamento e Gestão
(SEPLAG). A missão do novo órgão é desenvolver o processo educacional em gestão pública
para servidores e empregados públicos, visando ao aprimoramento da qualidade dos serviços
públicos. Seu objetivo é elaborar, coordenar, executar e avaliar programas, projetos e ações
de desenvolvimento do processo educacional em gestão pública, tendo como público-alvo os
servidores e empregados públicos (Ceará, 2009).

Figura 1 – Escola de Gestão Pública do Estado do Ceará


Fonte: Acervo da Escola de Gestão Pública do Estado do Ceará – EGP

Visando atender os seus objetivos, a EGP oferece cursos de formação/capacitação e


educação continuada nas modalidades presencial, semipresencial e a distância. Como estratégia
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 86

de fortalecimento e consolidação da Escola, é prevista a união do conhecimento produzido


pelo Governo com aquele produzido na Academia e em outras organizações. Tal estratégia
denota o entendimento da necessidade de aliar teoria e prática como fator gerador de novos
conhecimentos e desenvolvimento de competências dos gestores públicos do Estado.

Em 2010 é formalizada a Rede Estadual de Escolas de Governo, composta por unidades


corporativas que desenvolvem ações de formação de servidores pertencentes ao Executivo,
Legislativo e Judiciário. A finalidade da Rede, estabelecida em seu Regimento Interno, é a
de promover a cooperação recíproca entre as Escolas de Governo e de unir esforços para
implementação de ações conjuntas com o objetivo de desenvolver ações relacionadas ao
aperfeiçoamento do potencial do ser humano, promovendo a capacitação, qualificação e
formação dos servidores públicos do Estado do Ceará. Desse modo, tornando-os capazes de
enfrentar as novas exigências e paradigmas da gestão pública.

Nas palavras de Carvalho (2012, p.10):

A Rede Estadual de Escolas de Governo do Ceará é uma estratégia de articulação, troca de


experiências, debates coletivos e construção de conhecimento, com vista à implantação e aprimoramento
das políticas de formação e educação permanente para os trabalhadores do serviço público. O princípio
básico dessa Rede é ‘unir esforços para implementação de ações conjuntas ou de apoio mútuo e de
atividades complementares de interesse comum’.

Tendo como princípio básico a cooperação mútua, cada escola componente da Rede
Estadual se compromete a promover ações conjuntas, ceder mecanismos de divulgação para
difundir as boas práticas na gestão pública e estender, reciprocamente, a todos os servidores a
possibilidade de participação em cursos e capacitações.

Nos anos de 2013 e 2014 a EGP implementou o Programa de Desenvolvimento da Gestão


Pública para os Municípios (PRODEG-M), composto por ações de formação que atenderam aos
184 municípios cearenses de forma regionalizada, com oferta de cursos e palestras (Almeida,
Santos & Teles, 2014). Este programa nasceu da experiência anterior desenvolvida pela Rede
Estadual de Escolas de Governo com a realização de seminários e palestras nas diversas regiões
do Estado.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 87

Na atualidade, a Rede é composta pelas instituições relacionadas na tabela 1.

A EGP coordenou a Rede Estadual de 2010 a 2014. Em 2015, cumprindo-se o Regimento


Interno, foi realizada eleição para coordenação da Rede Estadual, sendo eleita a Escola Superior
da Magistratura (ESMEC) para articular as parcerias e conduzir processos no período de 2015
a 2017.

COMPREENDENDO O MODELO DE GESTÃO PARA RESULTADOS

Algumas experiências internacionais em gestão pública destacaram a importância de um


modelo de administração menos burocrático e mais eficaz, inspirado em modelos da iniciativa
privada. Sabendo-se que os objetivos buscados pelo poder público e pela iniciativa privada são
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 88

essencialmente distintos, ainda assim podem-se buscar pontos de conexão. Assim, desenvolve-
se uma discussão em torno de uma Nova Gestão Pública, baseada em princípios de eficiência,
eficácia e efetividade (Serra, 2008).

Deste movimento, estrutura-se um Modelo de Gestão para Resultados, que adotado


em países como Inglaterra, Chile, França, Uruguai, Alemanha, demonstra uma nova visão na
Gestão Pública, diferindo dos pressupostos da Gestão Tradicional:

Ao contrário da Gestão Pública Tradicional, que busca oferecer ao cidadão produtos


que atendam as demandas da sociedade, a Gestão Pública para Resultados parte do impacto
que estes produtos podem causar à sociedade, criando a partir de então processos, insumos e
estruturando seu modelo de gestão.

De acordo com a Secretaria do Planejamento e Gestão (2015), pode-se definir Gestão


para Resultados (GpR) como:

[...] um modelo de gestão em que o setor público atua com o objetivo de gerar resultados, impactos,
melhorias para a vida da população. Na busca do efetivo atendimento das necessidades dos cidadãos, a
atuação governamental admite uma lógica inversa à gestão tradicional que define entregas (produtos/
iniciativas) à sociedade em função de uma estrutura física, financeira e organizacional estabelecida, que
pode não ser compatível ou não estar adequadamente dimensionada para a geração do impacto pretendido
(SEPLAG, 2015, p. 03).
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 89

O modelo de Gestão para Resultados pode ser apresentado de forma simplificada como
na figura 3.

Figura 3

Fonte: SEPLAG – 2015

A Gestão Pública para Resultados foi adotada pelo Estado do Ceará no ano de 2004,
quando o modelo foi concebido e houve a capacitação da alta gestão do estado e das equipes
técnicas que utilizariam o modelo. No mesmo ano, através do Decreto nº 27.524 de agosto de
2004 foi instituído o Comitê de Gestão por Resultados e Gestão Fiscal (COGERF), composto
por secretários de estado, que tem como uma de suas atribuições a consolidação do modelo de
gestão baseado em resultados e elevar a eficiência, a eficácia e a efetividade da administração
estadual (Ceará, 2004).

Considerando os limitados recursos e a constante e crescente demanda da sociedade por


produtos e serviços públicos, a partir de 2015 o Governo do Estado do Ceará vê a necessidade
de fortalecer o Modelo, reconsiderando áreas de interesse do Estado, adequando indicadores
e resultados e definindo novas metas. Busca-se, ainda, rever e aprimorar a sistemática de
monitoramento e avaliação, permitindo que haja feedback adequado para alimentar novas bases
de resultados estratégicos para o Estado do Ceará (SEPLAG, 2015).

Todo esse processo é aberto à participação de instituições governamentais e da sociedade.


O Governo do Estado atua de forma transparente em seu planejamento, compreendendo a
importância do conhecimento e compreensão de todos os membros envolvidos no processo,
principalmente, os servidores públicos, atores que inseridos no dia a dia do estado, desenvolvem
ações cujo desdobramento serão os produtos e serviços públicos ofertados à sociedade. Assim,
na gestão 2015 – 2018, estrutura seu plano de governo partindo de um documento construído
de maneira compartilhada por diversas instâncias, tais como governo, movimentos sociais,
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 90

sociedade civil, denominado “Os 7 Cearás”. O documento define os principais eixos de atuação
governamental, a partir do qual se construirá o Plano Plurianual – PPA (2016-2019) do Estado
e a Lei Orçamentária Anual (LOA), para cada ano da gestão.

Os 7 Cearás foi estruturado em sete linhas de atuação (eixos) intersetoriais, contendo


as principais estratégias, resultados estratégicos e indicadores. As sete linhas de atuação
intersetoriais foram definidas como: o Ceará da Gestão Democrática por Resultados; o Ceará
Acolhedor; o Ceará de Oportunidades; o Ceará Sustentável; o Ceará do Conhecimento; o Ceará
Saudável; e o Ceará Pacífico. Tais linhas são concretizadas a partir do momento em que as
políticas públicas e seus respectivos processos de planejamento e gestão são organizados de
acordo com cada eixo, permitindo, também, a ação intersetorial, onde as entidades públicas
contribuem para o alcance dos resultados esperados e impacto desejado.

O Modelo de Gestão Pública para Resultados permite, tanto às autoridades quanto aos
servidores e cidadãos, a visualização de dados e de indicadores, através dos quais se podem
demonstrar a atuação governamental nas diversas áreas como saúde, educação, segurança,
infraestrutura, etc.

A IMPORTÂNCIA DOS PROCESSOS DE CAPACITAÇÃO PARA A GESTÃO


PÚBLICA PARA RESULTADOS

A importância de disseminar o Modelo de Gestão para Resultados em todas as instâncias


justifica-se na medida em que o servidor que executa os serviços precisa perceber onde se
encaixa seu trabalho, a fim de favorecer-lhe a compreensão do todo e a consciência quanto às
consequências positivas que seu esforço traz.

A disseminação do modelo de GpR não é um processo fácil , e parte da dificuldade


advém justamente de uma quebra de paradigma, já que o modelo se opõe a modelos de gestão
pública tradicionais.

A Escola de Gestão Pública do Estado do Ceará (EGP) assume neste momento a tarefa
de facilitar aos servidores o acesso às informações que demonstram o que é o Modelo de
Gestão para Resultados, programando ações tanto na modalidade a distância quanto presencial.
Espera-se que as informações cheguem a todas as unidades de governo e aos interessados em
compreender onde e de que maneira cada ação de trabalho pode fazer a diferença.

A partir de 2016, a EGP disponibilizará um Curso sobre Gestão para Resultados na


modalidade a distância, aberto a todos os servidores e empregados públicos interessados.
Para aqueles que venham a participar de um novo Programa de Formação em Gestão Pública,
que também terá início em 2016, o Módulo sobre GpR compõe parte da base obrigatória do
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 91

Programa. Já em 2015, realizou-se a 1a turma do curso presencial Gestão para Resultados, que
será oferecido de maneira contínua na programação anual da EGP.

É indispensável sensibilizar os servidores quanto à temática da Gestão para Resultados,


sendo necessário contar com o engajamento de todas as unidades de governo. Os profissionais
que atuam nos diversos órgãos precisam conhecer, compreender e se engajar, sendo a capacitação
também um meio para o atendimento de resultados governamentais.

UM MODELO DE ESCOLA CONSTRUÍDO ATRAVÉS DE PARCERIAS


ESTRATÉGICAS

A Escola de Gestão Pública do Estado do Ceará (EGP), criada em 2009, com a missão de
desenvolver o processo educacional em gestão pública para servidores e empregados públicos,
visando ao aprimoramento de suas competências e possibilitando melhoria na prestação dos
serviços público, tem estabelecido parcerias estratégicas para viabilizar e potencializar o
cumprimento do seu papel no estado do Ceará.

A principal parceria tem sido com a Secretaria do Planejamento e Gestão (SEPLAG),


instituição à qual é vinculada. A SEPLAG é a secretaria corporativa que, no âmbito do Poder
Executivo do Estado do Ceará, promove e coordena o planejamento e a gestão estadual, visando
à efetividade das ações do governo. Para essa atuação, a SEPLAG conta com 14 (quatorze)
coordenadorias, das quais 12 (doze) desenvolvem políticas, processos e sistemas para
atender corporativamente a necessidade de todos os órgãos e entidades, de forma a facilitar o
funcionamento das demais instituições do governo estadual, favorecendo a que cada uma delas
possa focar na sua atividade-fim, essência de sua existência e, principalmente, no atendimento
de anseios e necessidades da sociedade cearense.

Assim a SEPLAG dá suporte às atividades-meio – área de gestão pública – por meio de


coordenadorias cujas atividades estão inseridas em eixos temáticos que orientam as ações e os
eventos de formação e capacitação da EGP. Os eixos temáticos vinculados às áreas de atuação
da SEPLAG são: Gestão e Desenvolvimento de Pessoas; Modernização Organizacional;
Planejamento, Orçamento e Finanças; Administrativo-financeiro; Tecnologia da Informação e
Previdência.

As instituições vinculadas à SEPLAG também atuam como parceiras da EGP,


contribuindo com a capacitação e formação dos servidores em áreas e temas que lhes dizem
respeito diretamente, como por exemplo, a Empresa de Tecnologia da Informação do Ceará
(ETICE), com estratégias e segurança de tecnologia da informação e comunicação e o Instituto
de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), com elaboração de projetos e indicadores
de resultado.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 92

Além dessa relação com o Sistema SEPLAG, a EGP mantém outra parceria estratégica
com a Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado (CGE), focando no cumprimento do seu papel
de capacitar e formar servidores para possibilitar uma melhor prestação do serviço público no
Ceará. Para tanto, foi criado um eixo temático na Escola de Gestão Pública para trabalhar todos
os aspectos que dizem respeito ao Controle Interno, atividade-fim da CGE.

A CGE, assim como a SEPLAG, é uma secretaria corporativa, ou seja, trabalha dando
suporte a todas as outras instituições do Poder Executivo Estadual, e tem a missão de “assegurar
a adequada aplicação dos recursos públicos, contribuindo para uma gestão ética e transparente
e para oferta dos serviços públicos com qualidade” (Ceará, 2013, p.01). As capacitações e
formações desenvolvidas nessa parceria entre CGE e EGP tratam de temas vinculados ao
Sistema de Controle Interno, o qual compreende as atividades de Controladoria, Auditoria
Governamental, Ouvidoria, Transparência, Ética e Acesso à Informação.

O principal propósito deste trabalho conjunto é a preparação dos servidores para que
tenham condições de exercer correta e eticamente suas funções, no que diz respeito aos processos
de trabalho; aos controles necessários dos recursos públicos e à viabilização do controle social
sobre programas e orçamento de governo. Propõe-se que antes da CGE chegar às instituições
do governo, como órgão fiscalizador, já tenha sido cumprido o papel de órgão orientador, uma
vez que o objetivo do trabalho da Controladoria não é encontrar os erros e sim constatar que
a lei e as boas práticas de gestão estejam sendo observadas no cotidiano dos servidores e nas
atividades que estes realizam.

Enquanto guardiã da legalidade, eficiência, eficácia e efetividade da gestão e dos recursos


públicos, a CGE une-se à EGP para consolidar o Sistema de Controle Interno através das ações
educativas, por meio da melhoria contínua da estratégia, dos processos e das pessoas, visando
a excelência da gestão, bem como realizar atividades de prevenção, neutralização e combate à
corrupção (Ceará, 2013).

Contribuindo com a gestão pública na esfera municipal, a EGP mantém outra parceria
estratégica com a Secretaria das Cidades, por meio do Instituto de Desenvolvimento Institucional
das Cidades do Ceará (IDECI), o qual tem a missão de fortalecer a capacidade institucional
dos municípios, para viabilizar políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentável do
Ceará.

A EGP, além de promover nessa parceria com o IDECI capacitações dentro de todos
os sete eixos temáticos voltados para a gestão pública, anteriormente citados nas parcerias
com SEPLAG e CGE, ainda trabalha um eixo temático específico para contribuir com o
cumprimento da missão do Instituto, bem como para o avanço na gestão dos municípios, a
saber, o Desenvolvimento Sustentável, compondo este último o oitavo eixo de atuação.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 93

As parcerias citadas são alguns exemplos do que a EGP faz interna e externamente ao
Governo do Estado do Ceará para cumprir sua missão e objetivos estratégicos, consolidando
um modelo de escola para o futuro, uma vez que ainda podemos citar trabalhos conjuntos com
a Rede Nacional de Escolas de Governo, com a Rede Estadual de Escolas de Governo, com
escolas de outras esferas e outros poderes que compõem essas redes, com o Serviço Federal
de Processamento de Dados (SERPRO), e com a ENAP, estas últimas formalizadas através de
Termos de Cooperação Técnica.

REALIDADE ATUAL E PERSPECTIVAS FUTURAS

Pode-se considerar que após seis anos de existência a Escola de Gestão Pública do
Estado do Ceará (EGP) está consolidada. Dispõe de uma estrutura física adequada às atividades
que desenvolve, equipamentos que atendem às suas necessidades operacionais e principalmente,
conta com um grupo de profissionais identificados com a missão institucional.

Este primeiro ano de governo (2015), na lógica dos Planejamentos Plurianuais (PPAs), é
o momento de execução do último ano do plano traçado pela gestão governamental anterior. É
também o ano de transformação das promessas e discursos de campanhas em planos concretos
de atuação governamental.

Importante se faz compreender o contexto político nacional que tem sido marcado por
uma crise que afeta além da política, a economia e a sociedade como um todo e impacta nos
níveis estadual e municipal, especialmente no repasse de recursos destinados à saúde, educação,
infraestrutura e programas sociais.

O Estado do Ceará tem feito todos os esforços no sentido de, compreendendo a crise
instalada, realizar ajustes necessários de forma a manter equilíbrio nas contas públicas.

Na Escola de Gestão Pública, este primeiro ano de gestão foi caracterizado pela
recomposição parcial da equipe e início de um processo de qualificação dos próprios servidores
ali lotados. Além destes, foram atendidos instrutores colaboradores em um programa de
formação específico para a atividade de docência na implementação de ações de qualificação.

Neste ano, foi reestruturado o segmento de estágios com alunos do ensino médio que
compuseram também a equipe da EGP através de dois programas de estágio capitaneados pela
Secretaria da Educação (SEDUC), o e-Jovem e o estágio de educação profissional, ambos
para jovens estudantes do ensino médio. Uma relação de aprendizagem, profissionalização e
convivência entre os profissionais da EGP e os jovens estudantes das escolas públicas.

Ações pontuais relacionadas, por exemplo, à compreensão do marco regulatório da


internet (importante especialmente para a equipe de educação a distância), treinamento no
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 94

uso dos softwares livres (política de governo) e organização de arquivos e documentos (em
ambientes físicos e virtuais) foram consideradas necessárias em termos de instrumentalização
da equipe.

A percepção de que o desempenho dos técnicos que já atuam como instrutores poderia
melhorar inspirou o planejamento de ação com aporte específico para a atividade didática. A
necessidade de ampliação do quadro de instrutores levou, ainda, à formatação de um curso de
formação para instrutores com foco principalmente nos aspectos técnicos e comportamentais,
ou seja, como planejar e conduzir de maneira efetiva uma ação de educação no trabalho. Esta
formação que se pretende contínua deverá, em curto prazo, impactar positivamente as avaliações
de instrutores, e em longo prazo, impactar os resultados alcançados.

A programação anual prevista foi realizada considerando os eixos temáticos


desenvolvidos pela EGP nas ações de capacitação, a saber, gestão e desenvolvimento de pessoas;
modernização organizacional; administrativo-financeiro; planejamento, orçamento e finanças;
previdência; tecnologia da informação e comunicação; desenvolvimento sustentável e controle
interno.

Essas ações realizadas nas modalidades presencial e a distância totalizaram 7.246


oportunidades de capacitação para servidores públicos estaduais e municipais, sendo 6.636
participações em eventos no formato de cursos e oficinas e 610 em eventos de curta duração
como palestras, encontros e seminários.

Da mesma forma, a EGP realiza anualmente a Semana do Servidor Público Estadual,


instituída pela Lei nº 13.893 de 31 de maio de 2007. As atividades desenvolvidas não estão
previstas em Lei, ficando a cargo da EGP como organizadora, a elaboração, a divulgação e
a execução do cronograma das atividades em parceria com outras instituições do Governo.
Das ações programadas para a Semana, apenas a solenidade de outorga da Medalha do Mérito
Funcional está prevista em lei.

A Medalha do Mérito Funcional foi instituída pela Lei nº 9.780, de 29 de novembro


de 1973, alterada pelas Leis 10.860 de 12 de dezembro de 1983 e pela Lei nº 14.460, de 15
de setembro de 2009, e regulamentada pelo Decreto nº 29.936, de 15 de outubro de 2009. A
Instrução Normativa nº 01/2009 estabelece normas e procedimentos operacionais para concessão
da medalha do mérito funcional e do prêmio do mérito funcional a servidores/empregados
públicos estaduais.

Para o desenvolvimento das atividades de valorização do servidor, a EGP conta


com a parceria de diversos órgãos, que participam com atividades em sua área de atuação e
expertise. Neste ano de 2015, a Semana contou com a participação da Casa Civil, Centrais
de Abastecimento do Ceará S/A (CEASA), Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará
(HEMOCE), Companhia de Água e Esgoto do Ceará (CAGECE), Corpo de Bombeiros Militar
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 95

do Ceará (CBMCE), Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN), Núcleo de Tecnologia


Industrial do Ceará (NUTEC), Procuradoria-Geral do Estado (PGE), Programa de Ação Integrada
para Aposentado (PAI), Secretaria da Cultura (SECULT), Secretaria da Educação (SEDUC),
Secretária da Fazenda (SEFAZ), Secretaria da Saúde (SESA), Secretaria da Segurança Pública
e Defesa Social (SSPDS), Secretaria do Esporte (SESPORTE), Secretaria do Meio Ambiente
(SEMA), Parque Botânico, Secretaria do Planejamento e Gestão (SEPLAG), Secretaria dos
Recursos Hídricos (SRH).

Para o futuro, além da manutenção das ações de capacitação já sedimentadas, pretende-


se investir de maneira mais contundente na formação dos gestores. Para isso, em 2016 será
lançado um novo programa de Formação em Gestão Pública caracterizado principalmente pela
dimensão técnica sem, contudo, desconsiderar as dimensões conceitual e comportamental. O
programa considera ainda a dimensão política, abordada de forma transversal no decorrer do
programa.

No Programa de Formação em Gestão Pública, algumas áreas de expertise são


especialmente contempladas, mantendo-se parte dos conteúdos programáticos comum a todas
as áreas. Em realidade, cada participante opta pela grade que mais interessa às atividades que
desenvolve no cargo atual ou ainda, que sejam fundamentais nas atividades em cargo que
pretenda vir a ocupar, gerando a possibilidade de preparação prévia ao exercício funcional.

O que se pretende com esta formação é oferecer ao servidor uma oportunidade modulada
de desenhar sua formação em gestão, considerando seus interesses, conhecimentos anteriores
e áreas de oportunidade, disponibilizando uma carga horária total que permita aprofundamento
nos conteúdos prioritários a cada área de especialização.

Paralelamente a Formação em Gestão Pública, um novo Programa de Formação de


Lideranças se encontra em fase de elaboração e será implementado em seguida. Finalmente,
a Escola de Gestão Pública está trabalhando em seu Programa de Capacitação para o Serviço
Público, bem como estruturando e formatando outras ações como o Programa de Educação do
Servidor Público para a Sustentabilidade; Programa de Formação de Instrutores; e Programa de
Qualidade de Vida no Trabalho.

Novos esforços têm sido feitos na EGP no sentido de se inserir no contexto atual,
sensível às questões ambientais e ao tema da sustentabilidade.

Próximo passo rumo ao futuro será a construção de parcerias, com proposição de


estruturar e oferecer o Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública, com cursos construídos
de forma compartilhada e direcionados às demandas e realidade local.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 96

NOTA:
“O artigo “Escola de Governo: importância dos processos de capacitação dos servidores
para a gestão pública” foi escrito no ano de 2016, sobre a realidade da Escola de Gestão Pública
do Estado do Ceará – EGPCE no ano de 2015.

Entre as ações da EGPCE, em consonância com o modelo de Gestão para Resultados


do Governo do Estado do Ceará, destaca-se o lançamento em 2016 do curso “Introdução à
Gestão para Resultados”, oferecido na modalidade EaD para todos os servidores e empregados
públicos.

O Programa Estratégico de Formação para Gestores Públicos do Estado do Ceará,


composto por três programas executivos, Formação em Gestão Pública, Desenvolvimento de
Lideranças e Pós graduação em Áreas da Governança Pública, tem acentuado o foco de atuação
nos líderes e gestores estaduais. O Programa Executivo de Formação em Gestão Pública,
lançado em janeiro de 2017, ofertou 600 (seiscentas) vagas e teve mais 1.300 (mil e trezentas)
solicitações de adesão.

Durante o ano de 2017, ocorreram mudanças no Governo do Estado do Ceará, incluindo


a alteração do grupo gestor da Secretaria do Planejamento e Gestão – SEPLAG, à qual a EGPCE
é vinculada.

É demanda do atual Secretário do Planejamento e Gestão, Francisco de Queiroz Maia


Júnior, a construção de um novo modelo de escola de governo. Tal modelo, terá alto investimento
na formação de líderes e gestores no Estado do Ceará.

A expectativa da EGPCE para os anos 2017 e 2018 é que as profundas mudanças em


termos de estratégias e, as novas ações de educação corporativa, fortaleçam ainda mais a Escola
como centro de formação e referência em liderança, gestão e gestão pública.”

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Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 97

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Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 98

A PSICOLOGIA SOCIAL DO TRABALHO NAS ORGANIZAÇÕES:


RELATOS DE EXPERIÊNCIAS

Natália Diógenes de Brito


Eveline Nogueira Pinheiro de Oliveira

INTRODUÇÃO

Em 1978, o psicólogo Márcio Batitucci publicou um trabalho intitulado “Psicologia or-


ganizacional: uma saída para uma profissão em crise no Brasil” como forma de divulgar o pro-
grama de especialização em Psicologia Empresarial do Instituto de Psicologia da Universidade
Católica de Minas Gerais (UCMG). No decorrer de sua apresentação acerca das dificuldades
de inserção do psicólogo no ambiente empresarial, o referido autor cita energicamente a cadeia
que resulta na tentativa de exclusão deste profissional da organização: “Formação inadequada
do psicólogo - sua atuação segmentária (e desastrosa!) na empresa - rejeição do meio empresa-
rial a esse tipo de profissional” (Batitucci, 1978, p. 141). Após 37 anos, ainda não é inteiramente
certo se a formação do psicólogo tornou-se apropriada para o contexto empresarial, ou mesmo
se a atuação desses profissionais na organização deixou de ser “desastrosa”, mas alguns aspec-
tos dessa experiência laboral certamente sofreram diversas alterações.

Ainda hoje, o estigma da atuação limitada de psicólogos em empresas perpassa as re-


lações de trabalho desses profissionais. Alguns preconceitos sobre a prática psicológica nas
organizações são perpetuados tanto devido à formação parcial que é ofertada em alguns cursos
de Psicologia sobre a área da Psicologia Organizacional, quanto ao fato dos empregadores não
conhecerem outras formas de inclusão dos psicólogos em áreas estratégicas e de gestão. A partir
desses pré-julgamentos, surgem dados como os apresentados por Bastos, Morais, Faria e Santos
(2005), os quais indicam que a busca de psicólogos por inserção no meio organizacional se dá,
principalmente, por fatores extrínsecos, referentes à remuneração atrativa ou falta de opção em
outros campos de atuação.

Podendo ser relegados às atividades referentes à aplicação de testes psicológicos em


contextos de recrutamento e seleção, os psicólogos podem ter suas ações restritas ao nível técni-
co, dificultando sua representação estratégica no meio organizacional e mesclando sua atuação
com a de outros profissionais da área de Recursos Humanos. Ao mesmo tempo, profissionais
psicólogos que apresentam sua formação na área de Psicologia Social do Trabalho, distinta do
campo da Psicologia Organizacional em suas concepções de sujeito e atividade laboral, podem
encontrar na empresa um ambiente pouco receptivo a novas concepções referentes ao trabalho
e aos trabalhadores.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 99

Partindo dessas reflexões, o presente capítulo se propõe a apresentar os relatos de expe-


riência de duas estudantes de Psicologia que, tendo seus estudos voltados à área da Psicologia
Social do Trabalho, atravessaram as intempéries de realizar seus estágios no meio organizacio-
nal em duas realidades distintas, sendo estas o estágio em uma indústria e em uma consultoria.
A questão, portanto, se apresenta em como nosso aporte teórico em Psicologia Social do Traba-
lho entende e se comporta no mundo organizacional.

Iniciaremos este trabalho apresentando uma reflexão teórica sobre as apropriações psi-
cológicas do Trabalho, visando, com isso, expor as diversas formas através das quais a psicolo-
gia discute a prática laboral e seus reflexos para a formação identitária dos sujeitos. Seguiremos
para a apresentação dos relatos de experiência, que descrevem nossas vivências em ambientes
laborais distintos, sendo esses a Indústria e a Consultoria Organizacional. Partindo das perspec-
tivas expostas através dos relatos, levantaremos algumas questões que consideramos primor-
diais para nossa vivência no ambiente organizacional, à luz da Psicologia Social do Trabalho,
levando em consideração pesquisas e demais trabalhos acadêmicos voltados para as principais
temáticas abordadas. Finalmente, encerraremos nosso trabalho apresentando o saldo comum de
nossas experiências de estágio, considerando todos os percalços e benefícios do caminho que
trilhamos até a conclusão deste processo de aprendizado.

EVOLUÇÃO DAS APROPRIAÇÕES PSICOLÓGICAS DO TRABALHO – A


CONSTITUIÇÃO DO CAMPO DA PSICOLOGIA SOCIAL DO TRABALHO

A Psicologia, como atividade profissional, em geral, tem seu grande foco de reconhe-
cimento nas práticas clínicas. No entanto, é preciso ressaltar também o importante espaço que
ocupam as práticas de Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) no contexto da profissão
atualmente, tanto em levantamentos nacionais como regionais a prática nessa área ocupa o se-
gundo lugar em termos de psicólogos dedicados (Bastos et al., 2005).

Segundo Bendassolli (2009), o interesse dos psicólogos ao se apropriarem do trabalho


como objeto de estudo e de intervenção tem o objetivo de compreender suas implicações na
construção da subjetividade do sujeito; e essa apropriação ocorre por meio de cinco vias. Uma
dessas vias é a psicologia organizacional, a qual foca três grandes temas: desenvolvimento pro-
fissional; desempenho profissional e satisfação no trabalho. Outra via de acesso é a psicologia
social do trabalho, na qual três teorizações se destacam: efeitos psicológicos do desemprego;
relações entre identidade e trabalho; e representação social do trabalho. A terceira via de apro-
priação representa a psicologia clínica do trabalho, a qual se dá por meio de três perspectivas
de ‘clínicas do trabalho’: a psicodinâmica do trabalho (sofrimento no trabalho); a clínica da
atividade (atividade e subjetividade no contexto do trabalho) e a sociologia clínica (relações
entre o social e o psíquico). Na quarta via de acesso, destaca-se a importância atribuída ao
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 100

grupo MOW (1987) como referência teórica e histórica na apropriação dos constructos sobre o
significado e a função psicológica do trabalho. Os estudos desenvolvidos pelos pesquisadores
do grupo, segundo o autor, representam um divisor de águas neste campo de pesquisa. A quinta
forma de apropriação do campo do trabalho pela psicologia se dá por meio dos modelos de
carreira profissional com base em três perspectivas: a organizacional, a psicologia vocacional e
as abordagens emergentes.

Para que tenhamos uma compreensão histórica de como se desenvolveram as práticas


da Psicologia no contexto organizacional, é necessário que realizemos um breve regresso tem-
poral no sentido de redescobrir e reconhecer os movimentos que deram lugar ao surgimento
dessa prática. Tal fenômeno de apropriação teve início no decorrer dos séculos XIX e XX, sob
a alcunha de Psicologia Industrial. Essa área surgiu da necessidade de resolver problemas de
eficiência, de gestão e de desenhos de cargos no intuito de dar conta da “análise e compreen-
são do tripé ‘homem, trabalho e organizações’, embora ainda não conseguissem atentar para a
complexa e interdependente relação presente neste fenômeno” (Silva, 2004, p. 102). Esse é um
modelo de atuação que condiz com a organização do trabalho no desenvolvimento e auge do
modelo fordista-taylorista de produção, caracterizado por uma elevada mecanização do proces-
so produtivo, organizado em linha de produção e pela elevada especialização dos trabalhadores.

A Psicologia Industrial, por volta dos anos 1950, apresenta estudos sobre rotatividade
dos funcionários, absenteísmo, satisfação laboral, fatores motivacionais, etc. A partir de então,
termos como Psicologia das Organizações e Psicologia Organizacional passam a surgir. A Psi-
cologia Organizacional surgiu à medida que os psicólogos ampliaram seus estudos e práticas
e passaram a contribuir nos estudos do comportamento dos indivíduos dentro das organiza-
ções. Constitui-se assim, o que chamamos de Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT),
que segundo Zanelli, Borges-Andrade e Bastos (2014) que concentra seu foco de estudos em
investigação de fenômenos como comportamentos, atitudes, significados, assim como outras
subáreas da psicologia nos contextos de trabalho e das organizações. Seguindo a mesma linha
histórica de desenvolvimento, com o advento e crescimento da Psicologia Social, houve uma
penetração de concepções psicossociais no campo do trabalho. Diante disso, obteve-se uma
maior compreensão do complexo organismo social que cada organização se constitui, com
uma visão mais ampla no intuito de integrar as características do trabalhador; a natureza, a
organização e as condições de trabalho; e o ambiente social, político e econômico que envolve
todo o processo. Assim se constitui o campo da Psicologia Social do Trabalho, em que, segun-
do Aquino (2005), a categoria trabalho é mais ampla e complexa, ultrapassando os muros das
organizações, sendo antropo-histórica, ou seja, é a atividade na qual o homem se reconhece
enquanto sujeito que transforma e é transformado, dentro de um contexto histórico específico.

O início da década de 1970 trouxe consigo transformações econômicas, sociais, políti-


cas e ideológicas que corroboraram para um processo de grande fragmentação, heterogeneida-
de e diversidade da classe trabalhadora, como apontado por Antunes e Alves (2004). Essa é a
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 101

década em que o capital avança com um intenso processo de restruturação produtiva em escala
global, com o objetivo de recuperar seu padrão de acumulação frente à crise que se instaurava
no caos pós-guerra, com baixos salários e uma alta na inflação, desencadeando um grande ciclo
de greves e lutas sociais (Antunes, 2008). O advento do Toyotismo como modelo laboral desen-
cadeou uma série de efeitos sociais que levaram a inúmeras mudanças tanto nas organizações
quanto nos trabalhadores. E aqui surge a necessidade de que o Psicólogo do Trabalho atente
para estas inúmeras mudanças que emergem e assim busque meios para planejar ações de modo
a entender este “novo” trabalho e este “novo” trabalhador, reconceitualizando assim, organiza-
ções e o próprio significado de ser profissional.

AS EXPERIÊNCIAS DOS ESTÁGIOS: RELATOS DE EXPERIÊNCIAS

De acordo com a Lei nº 11.788 de setembro de 2008, que dispõe sobre o estágio de es-
tudantes, esta forma de inserção no meio laboral é definida como:

o ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à prepa-
ração para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições
de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais
do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos” (Brasil, 2008).

No que diz respeito ao estágio em Psicologia, existem diversas formas de inserção nos
mais variados ambientes de trabalho, sendo uma delas a realização de atividades no meio orga-
nizacional. Acreditamos que, por si só, a área da psicologia organizacional e do trabalho apre-
senta diversos modos e campos de atuação que permeiam e caracterizam suas práticas, estando
estes imbuídos das significações do trabalho e dos modos de produção provenientes das formas
de organização fordistas-tayloristas e do modelo toyotista. Ambos os modelos de produção
estão presentes na realidade brasileira, e os relatos que se seguem exemplificam exatamente
isso: a indústria e a consultoria como dois ambientes de modos diferentes de produção, porém
permeados e atravessados pela realidade histórica da qual se originaram as formas de inserção
laboral do campo da psicologia.

Reconhecemos o momento de estágio enquanto experiência primordial para a formação


de profissionais psicólogos. Entretanto, percebemos também as limitações e os percalços que
constituem essa experiência.

Sabemos que no mundo globalizado e globalizante em que vivemos, cabe ao estagiário estar
disposto a adaptar-se para que o seu perfil profissional possa ser preparado para o exercício de suas habi-
lidades e competências profissionais. Em contrapartida, cabe às organizações oferecerem oportunidades
de estágio pelo motivo de uma maior qualificação dos potenciais humanos que adentrarão no mercado de
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 102

trabalho. Nunca é demais ressaltarmos que cabe aos programas de estágio – e os estagiários devem estar
atentos a isso – oferecer atividades que promovam a aplicação prática e cotidiana dos conhecimentos
recebidos durante a formação acadêmica (Campos, 2009, p 66).

Tendo certa apropriação da Psicologia Social do Trabalho, bem como de seu contexto
histórico e aplicações, é com a reflexão dessa citação que daremos seguimento a este trabalho
com os relatos de nossas experiências. No que diz respeito a este momento do trabalho, decidi-
mos nos utilizar da linguagem em primeira pessoa, tendo em vista que cada relato diz respeito
à experiência individual de cada uma de nós. A decisão de utilizar esta forma de linguagem no
seguinte espaço se deveu a nossa compreensão de que o relato de experiência deve ser descrito
de um modo que leve mais pessoalidade quanto possível ao leitor. Isso porque, apesar de partir-
mos de uma perspectiva semelhante de Psicologia Social do Trabalho, colocamo-nos de formas
diferentes em relação a outra série de vivências.

ESTÁGIO EM INDÚSTRIA

Minha primeira experiência prática no campo da Psicologia Organizacional ocorreu em


uma indústria de tintas, localizada há alguns quilômetros da capital (Fortaleza-CE), no decurso
de seis meses no ano de 2014. À época, eu contava com três anos de experiência no Núcleo de
Psicologia do Trabalho da Universidade Federal do Ceará (NUTRA - UFC), onde desenvolvi
atividades de pesquisa e extensão, e acreditava estar plenamente preparada para iniciar meu
primeiro estágio em uma empresa.

O setor de Recursos Humanos da indústria era dividido em Departamento Pessoal, que


contava com três profissionais da área, sendo esta voltada para os trâmites burocráticos refe-
rentes a salários, planos de saúde e controle de horas trabalhadas; e Desenvolvimento Humano,
área onde fui alocada, responsável pelos processos de recrutamento, seleção, treinamentos e
entrevistas de desligamento. Nesse meio, tive o suporte de uma psicóloga, gerente do setor de
Recursos Humanos da empresa, assim como de outras duas profissionais da área de Recursos
Humanos. A sala que dividíamos situava-se, respectivamente, à frente e à esquerda dos setores
de produção de tinta pó e tinta líquida, lugares que eu viria a conhecer durante meu curto pe-
ríodo de trabalho.

Em meu treinamento de integração, lembro-me de ter ficado estonteada com a grandio-


sidade do empreendimento, que contava com uma matriz, local em que eu iria estagiar, e uma
filial, localizada em uma pacata cidade do interior do estado (CE), onde ocorria a mineração e
tratamento dos minérios que, posteriormente, seriam transformados em cal hidratada. O contin-
gente de trabalhadores mobilizados para o processo de produção, que ocorria em três turnos na
matriz e dois na filial, encontrava-se na ordem das centenas.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 103

De maneira a garantir a qualidade de produtos e serviços, a empresa adotava diversos


programas de organização, tais como as metodologias “Kaizen” e “5S”5, que permeavam todo o
processo produtivo e desenvolvimento de projetos da indústria. Eventualmente, ocorriam blitz
da metodologia “5S”, nas quais os colaboradores eram arguidos sobre os preceitos básicos da
metodologia, a visão e a missão da empresa. De maneira a incentivar a aprendizagem dos pre-
ceitos, todos os setores competiam entre si durante as blitz e aquele que fosse considerado pelos
examinadores o setor mais alinhado com suas diretrizes receberia uma refeição “especial”,
preparada pela empresa terceirizada especialista em refeições coletivas.

Minha primeira tarefa como estagiária de psicologia foi preencher uma planilha no pro-
grama Excel, referente a uma pesquisa de satisfação com os benefícios oferecidos pela empresa,
com os dados colhidos de todos os funcionários. Em seguida, para a apresentação da gestora de
Recursos Humanos à diretoria da indústria, eu precisava transformar os dados em informações
visualmente mais agradáveis. Após o que parecia o milésimo gráfico pizza, passei a divagar
sobre a necessidade de disciplinas optativas em Excel para a graduação, principalmente para
aqueles que se interessavam pela área organizacional. “Dos males, o menor”, pensava, visto
que, a cada célula preenchida, a cada gráfico desenhado, se apresentava de maneira mais nítida
a vida e as necessidades daqueles trabalhadores com quem eu passaria os próximos meses.

Terminada essa tarefa, passei a desenvolver as atividades de recrutamento, seleção, trei-


namentos e entrevistas de desligamento, além de alguns eventos, juntamente à analista e assis-
tente do setor. Dada minha total inexperiência no que dizia respeito a fazer requisições, preparar
informativos e mensagens motivacionais para os meios de comunicação interna, bem como a
pensar em dinâmicas para o ilustre evento “aniversariantes do mês”, elas pacientemente me
ensinaram os ossos do ofício de ser uma profissional da área de recursos humanos.

Ao adentrar naquele meio de aplicação de testes psicológicos e treinamentos de integra-


ção, senti que poderia haver mais a ser feito e ansiava por oportunidades de entrar em contato
com os outros colaboradores, de saber sobre suas experiências laborais, suas realidades, seus
cotidianos. Aos poucos, fui percebendo que nada disso realmente importava para a organização.
Enquanto os níveis de produção estivessem aceitáveis, os representantes de vendas realizassem
os negócios e a administração conseguisse manejar todo esse processo, não havia maiores preo-
cupações.

Decorridos alguns meses, não conseguia mais reconhecer o trabalho enquanto condição
constituinte do homem. Parecia-me que todos aqueles anos de estudo sobre a complexidade da
experiência subjetiva no âmbito laboral se traduziam em uma amálgama de taxas de absenteís-
mo, controle de horas e participação em lucros e resultados. De alguma forma, os sujeitos da
organização não aparentavam ser os mesmos sujeitos do trabalho.

Todas as pessoas, dos principais gestores aos auxiliares de produção, pareciam estar
5 Conjunto de práticas e métodos que visam a manutenção de um alto nível de qualidade nos procedi-
mentos realizados no âmbito empresarial, sendo ambos originados em empresas japonesas e tendo fortes relações
com o surgimento da produção just-in-time (Assunção et al., 2013).
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 104

vivendo, na fábrica, um hiato de suas vidas. Ao baterem o ponto, iniciavam suas atividades de
rotina, fossem elas o carregamento de caminhões, o cálculo das despesas da empresa ou o desli-
gamento de alguns funcionários. Quando encerravam o dia de trabalho, retomavam suas vidas,
para continuar aquilo que talvez parecesse mais construtivo, mais estável, mais real.

Percebi-me acomodada àquele cotidiano. Selecionar candidatos, corrigir testes, demitir


funcionários. Parecia tão simples apenas não pensar em todo o contexto histórico e social que
permeava aquelas práticas, aquele lugar e aquelas pessoas. Sentia como se o tempo de estudo
tivesse se encerrado e aberto as portas para um universo de ação contínua e automática. Foi
apenas durante minha primeira visita à filial da indústria, no interior do estado, que reencontrei
parte da reflexão crítica de outrora.

O município que abrigava a filial localizava-se a 50 quilômetros de Fortaleza. Ao chegar


lá, em uma das excursões realizadas pelo setor para verificar o andamento das eventuais ações
de recursos humanos e raras reclamações dos funcionários, percebi que se tratava de uma ré-
plica de tantas outras cidades interioranas do Ceará, onde a igreja é o edifício mais elevado e o
constante silêncio só é interrompido pelos estrondos da mineração de calcário.

Os trabalhadores que realizavam o tratamento do calcário eram extremamente recepti-


vos e amigáveis, com um senso de companheirismo que suplantava em muito aquele dos cola-
boradores da matriz. Eles recebiam equipamentos de segurança específicos, diferentes daque-
les utilizados pelos auxiliares de produção e expedição de tintas, tendo em vista as condições
particulares da realização de seu ofício. A poeira proveniente da moagem das pedras, o calor
dos fornos de tratamento de minérios e o brilho intenso do próprio produto deste processo eram
fatores que deveriam ser considerados pelos técnicos de segurança para que pudessem garantir
condições toleráveis de trabalho para os colaboradores.

Nossa indústria constituía o único grande empreendimento no distrito, fazendo com que
boa parte da população masculina do município procurasse uma chance de inserção laboral
naquela filial. Pais, filhos e irmãos trabalhavam lado a lado, colaborando para o crescimento da
empresa que acreditavam ser sua única grande chance no mercado de trabalho. Para esses car-
gos, diferentemente daqueles selecionados para a produção de tintas na matriz, não exigíamos
o ensino médio completo, pois sabíamos que a grande maioria dos candidatos não tiveram a
chance de concluí-lo.

Mas havia aqueles que não se enquadravam aos padrões estabelecidos nas seleções.
A eles restavam os riscos dos trabalhos terceirizados e informais nas demais mineradoras de
calcário da região, que pude observar de longe no decurso de nossa visita. Em uma elevada
plataforma de terra, eles pareciam caminhar lentamente sob o sol escaldante do início da tarde.
Homens de peito desnudo utilizavam suas camisas como máscaras improvisadas para tentar
evitar a inalação da poeira do calcário. Sem óculos ou demais equipamentos de proteção, esses
trabalhadores realizavam suas atividades a duras penas, como se pagassem penitência por não
conseguirem se inserir no mercado de trabalho.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 105

Ao retornar para a matriz, peguei-me pensando sobre aqueles trabalhadores. Identida-


des marcadas pelo trabalho árduo, ferimentos e queimaduras; sujeitos que talvez nunca fossem
conhecer os luxos de utilizar equipamentos de segurança e de ter um profissional que se pro-
pusesse a escutar e solucionar suas queixas. Vê-los me fez refletir sobre as verdadeiras formas
de intervenção do setor de recursos humanos, garantindo a integridade física e mental dos
colaboradores, permitindo e incentivando a identificação com o trabalho que realizam e, princi-
palmente, se importando com a situação de cada funcionário.

Infelizmente, o número de entrevistas de desligamento foi aumentando com o passar


dos meses e, numa certa manhã, chegou a hora de conversar com a gestora do setor. Fui acom-
panhada pelo recém-contratado engenheiro de segurança do trabalho e recebemos a notícia de
que, apesar de todos os “cortes” no setor de produção e redução de um turno de trabalho na
matriz, a administração também seria afetada. Nenhum setor fora poupado e nós éramos os
colaboradores “dispensáveis” do momento.

Em nossa caminhada para a realização do exame demissional com o médico da empre-


sa, pudemos conversar com dezenas de outros funcionários que, como nós, haviam acabado
de ser demitidos. “Já tenho o contato de outras empresas” e “Por isso você sempre precisa ter
um plano B” foram frases que ouvi diversas vezes esperando na fila que se formou em frente
ao ambulatório. Parecia que a instabilidade era a única constante na vida desses profissionais,
não importando quão elevado fosse seu escalão. Agora eles partiriam para a próxima da lista,
permanecendo durante o tempo que a economia permitisse, dedicando-se de corpo e alma ao
serviço, mas sempre mantendo o currículo atualizado.

ESTÁGIO EM CONSULTORIA ORGANIZACIONAL

Pretende-se aqui relatar brevemente as experiências vividas no estágio no setor de Re-


cursos Humanos de uma Empresa de Consultoria Organizacional. Essa experiência teve dura-
ção de 144 horas, cumpridas em 30 horas semanais, durante o ano de 2014. A empresa de Con-
sultoria onde foi realizado o estágio, apesar de ser uma pequena empresa, em termos estruturais,
atuava há 20 anos no mercado de consultoria, prestando serviços a empresas dentro de várias
áreas, como gestão de pessoas e organização financeira. Tratava-se de uma empresa familiar,
cuja matriz era situada em bairro nobre da cidade de Fortaleza.

Era o meu primeiro estágio, minha primeira experiência de trabalho, um universo total-
mente novo, um processo de adaptação. Até então, atuava há três anos dentro da Universidade,
no NUTRA, com experiências estritamente acadêmicas. Creio que essa adaptação seja um pro-
cesso por que todos os formandos e recém-formados passam quando estagiários. Por ser uma
empresa de Consultoria Organizacional, o ambiente era muito formal, seja na vestimenta, seja
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 106

no vocabulário. E meu processo de socialização começou por aí, pelas calças sociais muito bem
passadas e os saltos altos de pontas agulhadas, minha calça jeans nunca entraria ali. Trabalhei
meu modo de vestir, a polidez da fala e a postura ereta. É interessante notar o fato de que, a
partir de então, você passa a compor também o cenário em que vive a Organização.

Como a empresa fornecia o serviço de consultoria organizacional, a maior parte da


equipe de trabalho era composta por consultores. Internamente, no escritório, trabalhavam pou-
cas pessoas, divididas nos setores de Marketing, Financeiro, Comercial e Recursos Humanos
(RH), cada um com duas pessoas, em média. O setor de RH da empresa era pequeno e atuava
em vários subsistemas, desde Recrutamento e Seleção até controles do setor de Departamento
de Pessoal. Trabalhava nele uma Gerente de RH e eu, como estagiária. Por ser pequeno, com
apenas duas pessoas, tínhamos que fazer tudo, e saber um pouco de cada coisa, passando pe-
los subsetores de Recrutamento e Seleção, Treinamento e Desenvolvimento, Endomarketing, e
com instrumentos de controle de pessoal.

Uma das atividades que mais desenvolvia era o processo de Recrutamento e Seleção,
devido à alta rotatividade característica dessa empresa. Para lidar com essa insatisfação cons-
tante e rotatividade dos funcionários, a empresa buscava de muitas formas amenizar a situação,
ora aumentando em 10 reais o salário de alguns, ora reformando a estrutura do escritório. Algo
interessante do processo de seleção de pessoal é que, durante meu estágio, lidei apenas com um
tipo de público nas entrevistas: jovem, com um nível de escolaridade alto e, em geral, de boa
aparência. Era esse o perfil exigido, e foi com esse perfil que passei a me relacionar. No início
apenas observando a gerente conduzir as entrevistas e depois, com o vocabulário apreendido,
conduzindo sozinha o próprio processo de Seleção de Consultores. Eram, em sua maioria, jo-
vens, recém-formados, com um brilho no olhar de quem está ávido por entrar no mercado de
trabalho e em uma empresa de renome.

A maior atividade da empresa era mesmo em torno dos consultores e dos contratos de
projetos de consultoria. E algo interessante de se apresentar aqui, é a particular situação laboral
desse principal cargo da empresa, o consultor organizacional. Com uma jornada altamente fle-
xibilizada, os consultores passavam o dia-a-dia indo e vindo, de uma empresa a outra, visitando
clientes e angariando novos. Geralmente, costumávamos vê-los no escritório durante alguma
reunião com um supervisor, ou em alguma leitura na biblioteca da empresa, ou na reunião
semanal na sexta-feira, em que todos os funcionários da empresa se reuniam para debater os
resultados da semana de cada setor. Em virtude dessas reuniões semanais, todos da empresa,
independente do setor e da especialidade de consultoria, invariavelmente, acabavam por dar
conta de inúmeras áreas e aprender muito e em variedade.

Além dessas reuniões de debates, quinzenalmente também havia momentos de estudo e


aprendizagem, uma espécie de aula em que um consultor passava os conhecimentos de sua área
para todos os outros, era esse basicamente o setor de Treinamento e Desenvolvimento. Esse es-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 107

tímulo ao estudo e ao desenvolvimento era algo muito presente, inclusive tendo o consultor um
plano de estudos e leitura de, pelo menos, seis livros durante todo semestre. Ambos os eventos,
a reunião semanal e as aulas quinzenais eram de presença obrigatória, havendo punição no sa-
lário de quem se ausentasse, sendo responsabilidade do RH fazer esse controle.

Na empresa, todos trabalhavam por contratos, e não com carteira assinada, exceto por
uma única secretária que trabalhava na empresa desde sua fundação. Consultores ou internos
(escritório) seguiam esse mesmo vínculo laboral. Na admissão, se formulava esse contrato e
se assinava um termo de sigilo e confidencialidade das informações que corriam pela empresa,
e só. Assim, ninguém estava formalmente vinculado à empresa, cada um era uma espécie de
trabalhador autônomo fornecendo trabalho à empresa. Por isso mesmo a grande facilidade em
flexibilizar tudo, como as faltas e os descontos e acréscimos nos salários. Era em decorrência
disso também que a empresa sofria com a rotatividade e absenteísmo, pois não tinha que haver
obrigatória e legalmente aviso prévio de saída ou atestados médicos, apesar de serem cobrados
pela empresa. Para a organização, isso era positivo no sentido de desoneração de gastos. Essa
flexibilização se estendia inclusive ao cotidiano do estagiário, pois apesar da lei de estágio orde-
nar um máximo de 6 horas por dia de trabalho do estagiário, na empresa isso não era uma regra.

Em relação à carreira, estava sendo construído à época o Plano de Cargos e Salários


dos funcionários. Basicamente, em relação aos consultores, havia uma linha de crescimento
de níveis de cargos a qual os salários acompanhavam. A cada semestre havia uma avaliação
dos consultores por parte da empresa para decidir quais seriam promovidos, sendo avaliados
critérios como quantidade de leituras no semestre, presenças em reuniões e eventos, quantidade
de contratos fechados, entre outros. Também havia um mesmo plano para quem trabalhava no
escritório, também baseado em critérios de produtividade.

Havia um discurso muito amplo no sentido de grande produtividade e crescimento, que


era altamente promovido no cotidiano de trabalho. O grito de guerra da empresa, o qual era gri-
tado por todos ao final de cada reunião, e que também era o slogan do Planejamento Estratégico
da empresa, também seguia no mesmo sentido de construir um sentimento de pertencimento à
empresa e de sempre estar em constante crescimento e produção. Esse era o discurso utilizado
como o “Porquê” da empresa, ou seja, aquilo que justifica, que dá sentido ao trabalho. E me
parece que, por isso mesmo, e também pela rotina flexível, era muito fácil para o consultor levar
trabalho para casa e se engajar seriamente com ele e com a equipe de trabalho.

Ao fim desta experiência, acabei cumprindo as horas de estágio de que precisava para


cumprir no currículo de formação e voltei às atividades acadêmicas. Senti, quem sabe por ser
minha primeira experiência de estágio, que talvez eu ainda não estivesse pronta para esse gran-
de mundo dos negócios.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 108

QUESTÕES PARA PENSAR – PROBLEMATIZANDO ALGUNS PONTOS À


LUZ DA PSICOLOGIA SOCIAL DO TRABALHO
A tecnificação6 do fazer do psicólogo

Mesmo após décadas de apropriação do ambiente organizacional enquanto campo de


atuação da Psicologia, a inserção do psicólogo, bem como seu posicionamento político frente
às demandas da organização, continuam sendo assuntos controversos. Essa tendência tem início
nos próprios cursos de formação, tendo em vista que ainda existe um forte preconceito por parte
dos estudantes e profissionais psicólogos em relação à área organizacional (Codo, 1994).

As atividades realizadas por estagiários em psicologia no ambiente organizacional não


contribuem para a redução dessas concepções, pois podem ser percebidas como limitadas. Em
grande parte, as tarefas são voltadas para a seleção de novos colaboradores, dada a possibilida-
de de aplicação de testes psicológicos, de maneira supervisionada, durante o processo seletivo,
e se expandem para outras atividades, como treinamentos e entrevistas de desligamento, alinha-
das ao que seria desenvolvido no cargo de assistente de recursos humanos.

A prevalência da imagem técnica da atuação do psicólogo termina por minar outras


possibilidades de ação no meio empresarial, tal como relata Iema (1999): “Nas instituições, o
psicólogo continua conhecido como o profissional que utiliza testes psicológicos e reproduz
o antigo modelo da Psicotécnica” (p. 37). Dessa forma, é necessário buscar a mudança desse
paradigma, na tentativa de reverter o estereótipo que foi criado e reforçado não apenas no am-
biente organizacional, mas nas próprias instituições de formação dos psicólogos (Zanelli, 1994;
Bastos et al., 2005).

No decorrer dos anos, essa representação sofreu positivas mudanças, de maneira que,
em alguns empreendimentos, o psicólogo passou a ser reconhecido como profissional estraté-
gico para a promoção de alterações referentes à cultura e ao clima organizacional, facilitando
ações referentes à Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) e à saúde mental dos trabalhadores.
Entretanto, apesar dessas notórias conquistas, uma das primeiras inserções de psicólogos em
empresas, através do estágio, ainda se dá de maneira excessivamente técnica, reforçando pre-
conceitos e noções equivocadas sobre a atividade nas organizações. Ainda parece restar um
longo trajeto para os psicólogos desbravadores da área organizacional no intuito de modificar
essa visão tecnicista da psicologia no meio empresarial.

6 Assim como aponta Zanelli (1995), entendemos por tecnificação a ênfase dada a aspectos técnicos do
trabalho, em detrimento de saberes mais fundamentais e ampliados sobre o fazer psicológico.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 109

CONDIÇÕES DE TRABALHO INFORMAL: DESREGULAMENTAÇÃO DE


CONTRATOS DE TRABALHO E FLEXIBILIZAÇÃO LABORAL

Como já dito anteriormente, com a derrocada do modo de produção fordista durante a


década de 1970 nos países capitalistas centrais, que levou ao surgimento e adoção de modos de
acumulação flexível, bem como do modelo neoliberal, surgiram espaços para a prática de ati-
vidades remuneradas não regulamentadas pela legislação vigente (Filgueiras, Druck & Amaral,
2004). Essas formas de inserção podem se referir tanto a relações de trabalho consideradas ile-
gais, como a determinadas atividades e formas de produção que não preveem o estabelecimento
de um vínculo empregatício formal.

No contexto brasileiro, o início da década de 1980 foi marcado por um processo de


desestruturação do mercado de trabalho, no qual já se evidenciava tanto a precarização do em-
prego como o crescimento do trabalho assalariado precário (Cacciamali, 2000). O incremento
da informalidade no Brasil não indica apenas o aumento do número de microempresas, mas de
uma quantidade cada vez maior de trabalhadores que se veem obrigados a aceitar condições
extenuantes de trabalho, que podem incorporar remunerações inferiores ao salário-mínimo e
sem medidas de prevenção de riscos (Iriart et al., 2008), na tentativa de conseguirem manter
seu sustento.

Durante esse mesmo período, no caso da região Nordeste, especificamente, o trabalho


assalariado que não apresenta registro em carteira de trabalho e o trabalho ilegal passaram a
ser preponderantes frente ao emprego registrado em carteira (Filgueira et al, 2004). Essas for-
mas de trabalho podem ser reconhecidas na imagem do trabalhador autônomo, do empregado
assalariado que não possui registro na carteira de trabalho, dos empregados domésticos, das
atividades criminosas, dentre outras.

Com a ausência de medidas de prevenção de acidentes, trabalhos que envolvem riscos


à saúde e à vida tornam-se ainda mais perigosos para aqueles que os realizam em condição de
informalidade. Sejam trabalhos em fábricas, sejam sítios de construção, sejam empreendimen-
tos que utilizam maquinaria pesada, a não-utilização dos equipamentos de proteção individuais
(EPIs) aumenta as chances de acidentes e a possibilidade de danos irreversíveis à saúde dos
trabalhadores.

Na tentativa de poupar gastos, certas empresas não disponibilizam o devido equipa-


mento de segurança para todos os funcionários, reservando-os aos colaboradores que possuem
carteiras de trabalho assinadas e direitos que, caso não sejam atendidos, resultariam em perdas
financeiras para o empreendimento. Aos demais trabalhadores, deixados à sua própria sorte,
resta apenas a realização do trabalho sem o uso de tais equipamentos ou a improvisação de
medidas paliativas para a conclusão de suas tarefas (Iriart et al., 2008).
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 110

Dentre as novas formas de trabalho, também se destacam aqui aquelas com flexibilidade
quase total da rotina e dos horários. Esse é o caso, por exemplo, do trabalho do Consultor Or-
ganizacional, apresentado anteriormente, que faz os próprios horários e chega a visitar vários
clientes num dia só. A flexibilização “é o afastamento da rigidez de algumas leis para permitir,
diante de situações que o exijam, maior dispositividade das partes para alterar ou reduzir os
seus comandos” (Nascimento, 2003. p. 67). Além da flexibilização de horários, também se faz
presente aqui uma flexibilidade no salário desse profissional, seguindo a lógica da meta e da
comissão. Nesse sentido, “estas formas de trabalho permitem fugir da rede de legislação traba-
lhista e aumentar a flexibilidade das empresas com a diminuição de custos fixos e aumento dos
lucros imediatos” (Nardi, 2006, p. 65).

Esse profissional também passa pelo processo de desregulamentação, na medida em


que seu trabalho é baseado num contrato de trabalho por tempo determinado, à parte das leis
trabalhistas. O processo de “desregulamentação retira a proteção do Estado ao trabalhador,
permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regule as condições de trabalho”
(Süssekind, 2003, p. 202).

Com a globalização da economia e com a ideologia neoliberal em curso, as normas de proteção


do trabalhador vêm sendo consideradas economicamente “pesadas” e “inflexíveis”; fator que, segundo os
empresários, aumenta o “custo” da produção, inviabilizando a competitividade das empresas e a própria
manutenção de postos formais de trabalho, dada a suposta “alta” carga tributária e para-fiscal. Assim,
os defensores da flexibilização alegam que a negociação entre as partes sobre os termos do contrato de
trabalho faria aumentar o número de postos de trabalho e ainda diminuiria o risco de eventuais 30 demis-
sões. Aduzem que a maioria dos países desenvolvidos, especialmente os europeus, já aderiu ao modelo
flexibilizado, com sucesso. Defendem que as mudanças democratizam as relações de trabalho, uma vez
que quem decidirá os acordos serão os próprios trabalhadores e não o Estado (Martins, 2009, p. 29).

Para a empresa, esses processos justificam-se por serem menos onerosos ao emprega-
dor quando do término do pacto laboral. Na perspectiva do capital internacional, isso significa
diminuição dos custos trabalhistas por meio da contratação de serviço temporário, flexível,
customizado. Segundo Antunes (2008), para o trabalhador, isso significa menos direitos e ga-
rantias, mais riscos, menos tempo livre, mais trabalho, o que constitui um quadro cada vez mais
profundo de precarização laboral.

A LÓGICA DA ALTA PRODUTIVIDADE, EFICIÊNCIA E INTENSIFICAÇÃO


LABORAL

O discurso empresarial do aumento da produtividade e da redução do custo do trabalho


está em constante renovação, e está também intimamente ligado ao movimento de reorganiza-
ção do capitalismo global na década de 1970. Nesse ponto, impera o discurso da produtividade,
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 111

da flexibilidade, o “espírito do capitalismo” (Boltanski & Chiapello, 2009). Essa ideologia está
“consubstanciada no discurso da empregabilidade e da competência” (Machado, 1998, p. 19).
Nessa noção de empregabilidade está implícita a ideia de que o indivíduo é responsável pela
própria formação e obtenção de trabalho. Para Frigotto (2001, p. 46), há uma violência ideoló-
gica nessa concepção, pois a valorização da formação profissional e a oferta de qualidade total
levam os indivíduos que não obtiverem trabalho a interpretarem seu insucesso como incompe-
tência.

A lógica da competição, da concorrência, do “bater a meta”, da promoção, do “ser me-


lhor sempre” acaba gerando tipos de comportamento que, para conseguir contratos mais lucra-
tivos ou melhores resultados, atropelam a ética empresarial e a dinâmica de vida do trabalhador.

A insegurança social faz da vida um combate pela sobrevivência dia após dia, cuja saída é cada
vez mais incerta. Poderíamos falar de desassociação social (o contrário de coesão social) para dar um
nome a este tipo de situação, como a dos proletários do século XIX, condenados a uma precariedade
permanente, que é também uma insegurança permanente por falta de ter o mínimo controle sobre o que
lhes acontece (Castel, 2005, p. 31).

Diante da insegurança e instabilidade, o trabalhador se vê na pressão de ter que con-


seguir sempre bater uma meta e alcançar melhores resultados sempre, se quiser receber um
salário que os forneça condições mínimas de subsistência e consumo. E é nesse sentido que a
intensificação laboral começa a se tornar um ponto de observação importante, pois o trabalho
passa a ser realizado não apenas nos ambientes destinados às práticas laborais, mas se estende
até alcançar outras esferas da vida do trabalhador.

“ESTABILIDADE INSTÁVEL”: O UNIVERSO PARADOXAL DO ENGAJA-


MENTO E DA DESCARTABILIDADE HUMANA NAS ORGANIZAÇÕES

No ano de 2014, período em que se deu o relato de estágio no setor industrial, o Brasil
enfrentou o primeiro momento de uma recessão econômica, sinalizada pela retração do Pro-
duto Interno Bruto (PIB) em dois trimestres seguidos (IBGE, 2015). O desenvolvimento deste
fenômeno econômico tem reflexos não apenas nos setores de produção, mas apresenta relação
direta com o aumento dos índices de desemprego no país. No decorrer do ano de 2015, as taxas
de desocupação, que indicam o contingente de pessoas que não estavam trabalhando, mas que
tomaram providências efetivas para conseguir trabalho, se mantiveram elevadas, chegando a
7,5% no mês de julho de 2015, de acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) promo-
vida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 112

A perpetuação de uma situação econômica tensa faz com que um considerável número
de empresas e indústrias assuma um papel “defensivo” no que diz respeito à manutenção de
seus lucros. Esse posicionamento pode ser observado no corte de gastos com programas que
não sejam terminantemente essenciais para a continuidade dos negócios. A partir da perspectiva
de eliminação de excessos, ocorre também a demissão de um elevado número de trabalhadores.

Tais medidas colaboram para a sustentação de um cenário de preocupação e incerteza


para os funcionários, que são defrontados com a possibilidade de sua própria dispensabilidade
para a organização. As relações de competitividade tornam-se ainda mais acirradas e evidentes
nesse contexto, tendo em vista que, desde a ascensão do modelo neoliberal na década de 1980,
ideias de individualismo, autopromoção, competitividade e meritocracia são difundidas no con-
texto organizacional.

Segundo Gaulejac (2007), “quando a lógica financeira faz sentido por si mesma, as rela-
ções entre o mundo do dinheiro e o mundo do trabalho se dissolvem” (p. 152). Essa passagem
ilustra a existência de uma tensão entre o sentido dado aos recursos humanos e ao trabalho pelos
acionistas, responsáveis pela valorização especulativa da empresa, e o sentido dado pelos fun-
cionários ao seu próprio trabalho, que é tratado como uma necessidade existencial.

Para os acionistas e diretores, que gerenciam o processo produtivo, as decisões que “fa-
zem sentido” se inscrevem através da lógica financeira, que enaltece como objetivo primordial
a manutenção do lucro e crescimento empresariais para além de todas as consequências que
possam advir dessa busca. Para os trabalhadores que vivem esse momento de instabilidade no
ambiente organizacional, resta apenas conviver com o medo de perder aquilo que está no fun-
damento de sua existência social e lhe confere uma identidade profissional, além de garantir sua
subsistência, seu emprego.

É no sentido das transformações econômicas e políticas ressaltadas no decurso deste


trabalho que algumas empresas parecem estar mergulhadas em todo o contexto de transformações
ocorridas no século XX na esfera laboral (Antunes, 2005), na lógica do “empowerment” (Nardi,
2006), do empreendedorismo, do choaching, da gestão por competências, da excelência em
resultados e no crescimento infinito como objetivo.

Essa lógica da produtividade coloca em jogo alguns processos que acabam por se tornar
necessários à empresa. Se por um lado, o trabalhador é levado a se pensar dentro do discurso
do “team”, do trabalho em equipe, o trabalhador passa a ser considerado “colaborador”, “par-
ceiro”, esse é um discurso ideológico, que afirma não mais haver conflito entre capital/trabalho
(Antunes, 2008). A empresa engaja e envolve os trabalhadores num processo complexo, onde
antes era a estabilidade e o emprego vitalício que garantiam esse processo. Porém, o “colabo-
rador” que não estiver mais colaborando com resultados pode ser facilmente deixado de lado,
sem nenhuma mágoa, porque há no mercado outros tantos querendo ser engajados e altamente
envolvidos em um emprego que não lhes proporciona mínimas garantias futuras.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 113

Essa descartabilidade também reforça os imperativos de insegurança frente à vida, visto


que a anterior estabilidade decorrente dos vínculos empregatícios duradouros tornava possível
a construção de um projeto de vida a longo prazo. Todos esses elementos, que configuravam
um código moral e ético próprio da sociedade do século XX (Nardi, 2006), serviam de maté-
ria-prima para a elaboração de identidades sólidas e permanentes. As novas relações laborais,
marcadas pela alta flexibilidade e constante incerteza, dificultam a construção de uma trajetória
identitária mais estável e uma expectativa de futuro programada. A organização, portanto, re-
quer um trabalhador flexível, proativo, engajado, que seja capaz de doar sua vida a um trabalho
que não lhe dá mínimas garantias do amanhã.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O campo da psicologia organizacional, apesar de ainda ocupar um lugar reduzido nos


cursos de formação em Psicologia (Bastos et al., 2005), vem se desenvolvendo fortemente no
decurso das últimas décadas, o que provém, em grande parte, do reconhecimento da necessi-
dade do profissional psicólogo de lidar com os complexos fenômenos do mundo do trabalho
(Bastos,Gondim, 2010), que se apresentam, em algumas de suas manifestações, no ambiente
empresarial.

Tais mudanças exprimem a necessidade de se repensar o espaço destinado a disciplinas


que possibilitem reflexões sobre a atividade laboral e sua relação com a constituição identitária
dos trabalhadores em cada ambiente de trabalho. Dessa forma, poderemos desenvolver uma
prática consistente e contextualizada da Psicologia nas organizações e propiciar o diálogo entre
as esferas da Psicologia Organizacional e Psicologia Social do Trabalho enquanto áreas contí-
guas e não-excludentes.

Acreditamos que há, hoje, um movimento dentro da grande área da Psicologia do Traba-
lho e das Organizações, no sentido de fortalecer e reafirmar os espaços, as práticas e os conhe-
cimentos dentro das organizações. Buscamos nos distanciar progressivamente de posições que
busquem de alguma forma deslegitimar e subjugar o fazer do psicólogo nesse campo, indo de
encontro a posturas que promovam um não reconhecimento deste profissional.

A partir de nossos relatos de experiência, acreditamos ter alcançado nosso objetivo prin-
cipal de apresentar diversas reflexões que permeiam tanto a atuação do psicólogo no meio
organizacional, como uma série de problemáticas referentes ao mundo do trabalho. Julgamos
que o presente trabalho representa uma parcela considerável das vivências de estudantes e es-
tagiários que têm seu primeiro contato profissional com o campo da psicologia organizacional
e problematiza alguns aspectos dessa experiência sob a ótica da Psicologia Social do Trabalho.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 114

A aproximação do campo de atuação e a possibilidade de vivenciarmos na prática aquilo


que, em geral, lemos em textos, proporcionam uma das formas mais eficazes de aprendizagem,
Portanto, nós não apenas falamos sobre o contexto de trabalho do psicólogo dentro das orga-
nizações, mas também experienciamos isso, sentindo no cotidiano um mundo do trabalho que
tecnifica a condição do psicólogo, que insere o trabalhador em uma lógica de instabilidade,
informalidade e intensificação laboral.

Concluímos, portanto, que nossas experiências de estágio nos permitiram observar de


perto e vivenciar diversos aspectos próprios do mundo do trabalho para os quais a análise teó-
rica, isoladamente, não nos preparou. Ressaltamos, nesse ponto, a importância do estágio en-
quanto momento essencial da formação de psicólogos, que nos possibilitou um conhecimento
mais amplo e integrado de nosso campo de atuação, bem como da observação de aspectos e
fenômenos pertinentes ao estudo da Psicologia Social do Trabalho. Daí a importância de refle-
tirmos a respeito de cuidados necessários para essa inserção do estagiário, para a organização e
para a Universidade, nos aspectos destacados ao longo do texto, e de pensarmos em possíveis
caminhos de atuação da psicologia social do trabalho nas organizações.

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Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 117

A TRAJETÓRIA DA PESQUISA EM INICIAÇÃO CIENTÍFICA:


REFLEXÕES SOBRE O FENÔMENO DA PRECARIZAÇÃO LABORAL
E FLEXIBILIZAÇÃO DOS PROFESSORES SUBSTITUTOS DA UFC

Cássio Adriano Braz de Aquino


Dímitre Sampaio Moita

Karlinne de Oliveira Souza

INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos 10 anos, as pesquisas realizadas no Núcleo de Psicologia do Tra-


balho (NUTRA) buscaram realizar uma articulação entre os fenômenos da precarização e da
flexibilização laboral, privilegiando o elemento da temporalidade como foco de análise.

O fenômeno da precarização laboral pode ser compreendido enquanto processo crescen-


te e cada vez mais geral de incertezas, de instabilidade, de flexibilização e de perda de garantias
e direitos sociais (Aquino et al., 2012). Para Agulló (2001), este fenômeno deve ser concebido
em termos históricos, como resultado da crise do Estado de Bem-Estar Social. A partir desse
marco, assinala-se uma crise da sociedade do trabalho, na medida em que a prestação de servi-
ços e a proteção aos trabalhadores diante de situações de desamparo e risco se veem debilitadas
pelo conjunto de políticas neoliberais. Anteriormente compreendidas como deveres do Estado,
tais práticas políticas constroem uma realidade marcada pelo discurso da flexibilidade e da au-
torregulação do mercado.

Adotamos como foco de análise o elemento da temporalidade nessas investigações,


visto que a precarização laboral e a flexibilidade são fenômenos profundamente vinculados
no cenário de transformação do mundo do trabalho. A flexibilidade tem diversas conotações e
abrange um leque de referências bastante diverso. Ela pode remeter à flexibilização da estrutura
produtiva, marcada mais acentuadamente pela passagem da estrutura fordista-taylorista para
estrutura toyotista de produção; pode indicar também a flexibilização da legislação (direitos e
garantias trabalhistas); e pode, ainda, para resumir seu campo referencial, aludir a uma trans-
formação da temporalidade do trabalho e a consequente mobilidade de jornadas laborais (Gar-
rido, 2006). Há, no entanto, nessas referências, uma perspectiva que une estas diversidades de
acepções, qual seja, a tentativa de adaptar-se às transformações contemporâneas do trabalho.

Nosso propósito foi compreender como esses dois fenômenos tão presentes e circuns-
critos no nosso cotidiano laboral se articulam e compõem um cenário próprio das novas formas
de inserção laboral. Para isso, tivemos como pressuposto básico a complementaridade entre os
dois.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 118

Privilegiamos as características próprias da relação tempo e trabalho, tais como o estudo


das jornadas parciais e contratos por tempo determinado, de modo a identificar a articulação en-
tre o processo de precarização e a flexibilidade. Esta articulação, ao lançar luz sobre o contexto
laboral contemporâneo, viabiliza um diagnóstico mais contundente sobre o papel do trabalho
da esfera social.

Orientando-nos pela complementariedade entre estes dois fenômenos, durante os anos


de 2006 e 2012, optamos por investigar um tipo de contrato excepcional realizado nas univer-
sidades brasileiras, denominado de professor substituto7. Este contrato, estabelecido por tempo
determinado, durante boa parte da década de 1990 e princípio da década de 2000, foi utilizado
sobremaneira na composição do quadro funcional docente. Esse tipo de vínculo constituiu o
cerne do nosso interesse de investigação, reconhecido como uma forma de trabalho precário
que tinha implicações na autopercepção dos professores que a ele estavam submetidos.

A pesquisa foi composta por três fases. A primeira foi realizada entre os anos de 2006
e 2007 junto aos professores vinculados ao Centro de Humanidades da Universidade Federal
do Ceará (UFC). A segunda fase concretizou-se entre os anos de 2009 e 2010 no Centro de
Ciências da mesma instituição. A última fase foi realizada entre os anos de 2010 e 2011 com
os professores substitutos da Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem da UFC. A
divisão em etapas e a abordagem em áreas distintas do saber que tradicionalmente compõem a
universidade se justifica pela compreensão de que a repercussão do contrato de substituto esta-
va atravessado pela própria diversidade do campo de formação e dos possíveis mecanismos de
inserção no mercado de trabalho vinculado a esses campos. Esses três momentos permitiram-
-nos uma discussão sobre as múltiplas vivências laborais nos vários campos do conhecimento.

Os dados construídos através desta pesquisa foram apresentados em diversos congres-


sos, seminários e jornadas de classificação regional e nacional. Além dos relatórios técnicos
que servem à comunicação interna dos resultados do estudo, foram publicados dois artigos
em periódicos revisados por pares. Estes esforços de divulgação e de criação de um debate em
torno do tema estudado colaboraram para consolidar o NUTRA como referência de estudos e
pesquisas para o desenvolvimento da Psicologia Social do Trabalho.

Neste capítulo queremos compartilhar os caminhos e discussões empreendidos ao longo


da pesquisa O fenômeno da flexibilização e precarização laboral entre os professores substitu-
tos da UFC, não somente como uma comunicação de resultados, ação que visa o enriquecimen-
to do campo de pesquisa sobre o tema, mas também como um relato de uma porção da história
do NUTRA, o ambiente concreto e simbólico de preocupações e dedicação com a Psicologia
do Trabalho em que nos foi possível levar a cabo tal projeto. O texto está estruturado da seguin-
te forma: após esta introdução seguem três tópicos que apresentam as três fases da pesquisa,
7 Compuseram o grupo dois bolsistas Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC
financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e um bolsista voluntá-
rio.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 119

sequenciados segundo a ordem cronológica da própria investigação, e finalizamos o texto com


algumas considerações sobre os desdobramentos possíveis do estudo.

OS PROFESSORES DO CENTRO DE HUMANIDADES E A VIVÊNCIA PRE-


CARIZADA

Nessa primeira etapa, delineamos como objetivo de pesquisa verificar o sentido e o


lugar ocupado pelo trabalho para o professor substituto do Centro de Humanidades da Univer-
sidade Federal do Ceará (UFC), observando as possíveis significações vinculadas a um modo
de trabalho flexível e precarizado. Além disso, buscou-se caracterizar a situação laboral destes
professores; identificar as principais características de precarização e flexibilização laboral em
sua função e analisar sua percepção frente à sua realidade laboral.

No primeiro ano, ao abordar os cursos de Ciências Humanas, entrevistamos três pro-


fessores do Departamento de Psicologia, um da Biblioteconomia, dois da História e três da
Comunicação Social. Para coleta dos dados, utilizamos entrevistas semi-estruturadas. Os dados
obtidos foram tratados à luz da Análise Sociohermenêutica proposta por Alonso (1998) e sis-
tematizados em dois eixos principais: a centralidade do trabalho na vida do sujeito e as impli-
cações dela decorrentes; a flexibilização e a precarização do trabalho de professor substituto.

Esses dados forneceram um rico exame da percepção dos entrevistados em consequência


de seu processo de inserção laboral na condição de professor substituto. Características como
instabilidade, reduzida autonomia, sentimentos de exclusão e baixa remuneração, emergiram
junto a sentimentos de esperança/expectativa de inserção estável e prazer com a realização da
prática docente, denotando a complexidade presente na análise das vivências dos sujeitos alvos
da pesquisa.

Nesse sentido, a precarização laboral, compreendida a partir desses atributos, não é ca-
racterística do momento atual de desenvolvimento do capitalismo. Daí, pareceu-nos pertinente
distinguirmos precariedade de precarização. A precariedade corresponde às condições próprias
de cada realidade de trabalho e é demarcada em diferentes momentos históricos (Aquino, 2008).
Já a precarização, segundo Aquino (2008, p. 172) “[...] remete às profundas transformações
ocorridas ao longo dos últimos anos na forma de organização do trabalho, tendo por referente
básico sua dimensão mais social e as implicações que daí derivam”.

A distinção que propomos entre a precariedade, como marca da inserção laboral do


professor substituto e da precarização do professor de nível superior em geral, está ancorada na
lógica processual que vem transformando, fragilizando e tornando vulnerável a atividade pro-
fissional docente. Ainda que bastante minimizada no quadro do REUNI8, a figura do substituto
8 O Programa de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais foi uma iniciativa do governo
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 120

mantém os aspectos de debilitação da profissão.

A noção de precarização, conforme aduz Aquino (2008), engloba nuances históricas,


sociais, políticas e individuais. A caracterização da situação laboral dos professores substitutos
do Centro de Humanidades da UFC, como apontado anteriormente, aporta-se necessariamente
pelos aspectos da flexibilização presentes em seus contratos de trabalho. A partir da percepção
dos professores, os aspectos apresentados com maior frequência referiam-se à baixa remune-
ração; à sobrecarga de trabalho; à ausência do registro formalizado da atividade na carteira de
trabalho; ao contrato temporário; às distinções existentes entre professores substitutos e efeti-
vos e à falta de acompanhamento organizacional oferecida pelo departamento aos professores
recém-ingressos. A remuneração foi apontada como baixa comparada aos valores pagos por
outras universidades para a mesma carga de trabalho, como expressa um entrevistado: “É com-
plicado você ganhar pouco e trabalhar muito, muito, muito.” (Entrevistado 6).

O contrato temporário e a ausência do registro da atividade na carteira profissional le-


vam à problemática da mobilidade profissional e da proteção social – na medida em que o
paradigma capitalista atrela os direitos sociais ao emprego propriamente, não à pessoa do tra-
balhador (Castel, 1997).

A distinção entre professores substitutos e efetivos envolvia as decisões do próprio de-


partamento, uma vez que os substitutos têm direito a voz, mas não a voto nas reuniões. Ela
alcançava também a problemática da Extensão, da Pesquisa e da Monitoria, que assumem as-
pectos restritivos aos substitutos. Alguns entrevistados apontaram que essa restrição impedia
o desenvolvimento e a evolução do professor dentro da Universidade, mesmo que por tempo
delimitado.

Concebida como indicador geral da importância pessoal atribuída à atividade laboral, a


centralidade do trabalho interfere de maneira significativa na percepção da sua situação laboral.
Dessa forma, os professores entrevistados que apontaram o exercício da docência como sua
principal atividade e fonte de remuneração pareciam sentir de maneira significativa os impactos
da flexibilização. Já para os professores que possuíam cargos de trabalho já consolidados na
iniciativa privada e atribuíam à docência um caráter paralelo e até complementar, os aspectos
da flexibilização eram percebidos de forma mais amena.

OS PROFESSORES SUBSTITUTOS DO CENTRO DE CIÊNCIAS E A DOCÊN-


CIA NO ENSINO SUPERIOR COMO META

A segunda etapa da pesquisa foi realizada nos anos de 2009 e 2010. No primeiro ano de
federal que a partir de 2003 investiu no crescimento das universidades públicas federais. Incrementando orça-
mento, foram viabilizadas criações de novas universidades federais, aumento do número de vagas e matrículas e
concomitantemente a contratação de novos professores e técnicos-administrativos.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 121

investigação, os dados obtidos propiciaram a criação de um quadro interpretativo da percepção


dos entrevistados diante do seu processo de inserção laboral na forma de professor substituto.
Algumas características, a exemplo do que ocorreu nos cursos de Ciências Humanas, tais como
instabilidade, reduzida autonomia, sentimentos de exclusão e baixa remuneração, emergiram
junto a sentimentos de esperança/expectativa de inserção estável, prazer com a realização da
prática docente.

As entrevistas foram realizadas com sete professores do Centro de Ciências, na dispo-


sição seguinte: um do Departamento de Química Analítica e Físico-Quimica, um da Biologia,
um da Computação, dois da Física e dois da Matemática. Da mesma forma que na etapa ante-
rior da pesquisa, os dados foram analisados a partir da observação das categorias recorrentes
no discurso dos entrevistados. Iniciávamos as entrevistas pedindo aos professores que falassem
abertamente sobre sua experiência de trabalho na função, o que possibilitou uma grande quan-
tidade de relatos sobre os mais variados aspectos que envolvem a atividade.

O trabalho docente no ensino superior como meta de realização profissional foi a carac-
terística que mais apresentou uniformidade nos discursos. O desejo de retornar à universidade
na condição de efetivo foi um relato comum a todos os professores, assim como a compreensão
de que o período de ensino na função de substituto é uma experiência válida para enriquecimen-
to do currículo e para a aquisição de habilidades didáticas.

A remuneração foi outro assunto citado em vários momentos. A percepção em relação à


mesma foi considerada substancialmente melhor, comparada ao grupo de professores do Centro
de Humanidades. Este aspecto decorreu do fato de que, ao longo de 2008/2009, houve aumento
salarial que pareou o vencimento dos professores substitutos ao dos efetivos de mesma forma-
ção. Os professores afirmaram conciliar outras fontes de remuneração à atividade de substituto,
através de bolsas de pós-graduação ou lecionando em outras universidades e/ou escolas de
ensino médio. No que se refere ao tempo de dedicação exigido pelo contrato, os entrevistados
afirmaram não ser excessivo, podendo a atividade docente ser conciliada, porém com certa di-
ficuldade, aos estudos e a outros tipos de ocupação.

Para análise da percepção dos professores substitutos diante da sua realidade laboral,
foi necessária a compreensão do contexto de construção de conhecimento específico da área de
ciências. Os professores, em maioria, eram licenciados – uma graduação voltada para o ensino
de ciências. Daí é compreensível o resultado citado anteriormente de que todos os entrevistados
tenham a carreira docente no ensino superior como meta. Se no caso dos professores do Centro
de Humanidades os impactos da flexibilização eram percebidos de maneira mais significativa
quando o exercício da docência era a principal atividade e fonte de remuneração, para os pro-
fessores do Centro de Ciências essa percepção é vinculada à importância da atividade como
um período de formação. Os entrevistados narraram que esse momento é de aquisição de expe-
riências e de habilidades que os aproximam da consecução de seus objetivos. Dois excertos dos
discursos dos professores exemplificam este dado:
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 122

Então, por tá dentro da universidade, por tá no ensino de ciências e tudo, essa prática, essa ex-
periência me deu um embasamento muito grande pra eu passar num concurso pra professor efetivo lá na
Parnaíba. Então, pra mim foi muito bom (sic). (Entrevistado 1).

Mas, é aquela história, você precisa ter experiência pra colocar no currículo pra no dia que abrir
o edital pro efetivo você ter como. Então, aí isso acaba levando não só eu, mas muita gente a exercer o
cargo de professor substituto (sic). (Entrevistado 2).

Outro fator importante para a análise da percepção dos professores foi a faixa etária dos
entrevistados. Em sua maioria eram jovens solteiros recém-egressos de cursos de graduação
ou mestrado. Essa faixa constitui um dos públicos mais comumente atingido pela precariedade
laboral (Cingolani, 2005; Aquino, 2008).

O vínculo temporário da condição de substituto também é descrito nas entrevistas. Vín-


culo apontado por Cingolani (2005) e Agulló (2001) como fundamental para tratar da precarie-
dade do emprego, a descontinuidade do tempo. Esta é responsável pela designação de diversas
categorias como precárias. A descontinuidade do tempo acrescida da carência de rendimentos
ou de proteções é o que permite delimitar a precariedade. Nesse sentido, advém um sentimento
de incerteza em relação aos planejamentos futuros, que Bilbao (1999, p.63) descreve como
“[...] la inestabilidad en el trabajo es simétrica a la incertidumbre en la vida cotidiana (...) la
falta de estabilidad en el empleo impide cualquer proyecto a largo plazo.” O discurso de um dos
entrevistados expressa o desejo de um vínculo laboral mais estável:

Eu, particularmente, não tenho do que reclamar, hoje. Se hoje me chegassem e perguntassem:
‘Olhe, a gente vai prolongar seu contrato de substituto por dez anos, você deixaria outras atividades suas?’
Eu deixaria tranquilamente. Sem problema nenhum. (sic). (Entrevistado 4).

A remuneração apareceu como um aspecto positivo quando comparada a etapas an-


teriores do exercício da profissão: “Antes era pior, você pagava para melhorar seu currículo”
(Entrevistado 2). Isso indica uma melhora na condição laboral desses trabalhadores, haja vista
que as baixas remunerações são apontadas como dimensões da precariedade (Agulló, 2001;
Cingolani, 2005).

Outras dimensões do precário são descritas na literatura. Além dos aspectos ligados
à descontinuidade do tempo e à baixa remuneração, expostos acima, a precariedade laboral
refere-se à incapacidade de controle sobre o trabalho e à falta de proteção do trabalhador. A
primeira diz respeito à incapacidade, parcial ou total, tanto coletiva quanto individual, de nego-
ciação com o mercado de trabalho, o que expõe os sujeitos a uma disponibilidade permanente
e abusiva e a uma submissão às determinações do mercado (Agulló, 2001). A segunda está
relacionada com as condições de trabalho e com a vulneração dos direitos dos trabalhadores
(Aquino, 2008).
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 123

Os relatos dos professores versaram, como em etapa anterior, sobre abandono por parte
da instituição no que se refere à organização do seu trabalho. Assim como sobre uma limitação
da participação nas decisões políticas, aspecto que implica tanto a restrição ao espaço de debate
e deliberações sobre sua realidade de trabalho quanto a sobredeterminação das suas atividades.
Como se percebe no discurso de um dos professores:

Mas, você exercer, ser... estar professor substituto é algo que a própria universidade, ela deixa
meio de lado. Só pra você ter ideia: aqui, nas reuniões de departamento, professor substituto não é contado
como membro, portanto, não dá quorum, não dá voto, não tem direito a voto, não tem direito a nada, então
já é um grande diferencial, né? Sem contar as próprias, é, você requerer alguma coisa ou da coordenação
ou do departamento, dificilmente você consegue e então tem todo um processo que vai... (Entrevistado 3).

Alonso (1998) explica que os discursos são gerados pela dinâmica social e histórica
própria do contexto de enunciação que envolve os sujeitos, característica que pudemos observar
durante as duas fases dessa pesquisa. A percepção da realidade laboral dos professores, e, por
conseguinte, os discursos que a implicam, são matizados pela “[...] formación y transformación
de los actores sociales y de sus capacidades de intervención en los conflictos y en las negocia-
ciones.” (p. 204).

Os discursos são profundamente influenciados pelo contexto da sua produção e pre-


cisam estar sendo constantemente revisitados. Isso nos conduziu à ampliação do campo de
pesquisa, abrangendo, na terceira fase, a experiência dos professores substitutos do Centro de
Saúde da UFC.

O CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE E A CONSTRUÇÃO DE UM DISCUR-


SO PRECARIZADO

A terceira fase ouviu os professores substitutos da Faculdade de Farmácia, Odontologia


e Enfermagem (FFOE) da UFC. As entrevistas foram realizadas com três professores da FFOE,
um do Departamento de Farmácia e dois do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas.

Analisando o discurso desses professores, constatamos que não há linearidade entre


as avaliações das vivências. Os relatos acerca do significado do trabalho apontaram distintas
percepções da situação laboral. A carreira docente não foi vista como objetivo principal de
realização profissional, porém, a experiência foi considerada válida para o enriquecimento do
currículo e para a aquisição de habilidades didáticas. Diferente dos dados obtidos no Centro
de Ciências, em que os professores viam a carreira docente como meta final. Apesar disso, os
professores da FFOE afirmaram não excluir a hipótese de permanecer na docência. Já o caso
desse Centro destoa de ambos, pois os professores tinham outras atividades que realizavam
concomitantemente à função de substituto, atividades que concorriam em grau de importância.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 124

Outras características encontradas em todas as realidades se referiam à falta de repre-


sentatividade nas reuniões de departamento, onde são tomadas as principais decisões acerca do
funcionamento do mesmo. Uma parcela dos professores da FFOE afirmou não ter participação
alguma na tomada de decisões, assim como na distribuição da carga horária. Uma das entrevis-
tadas inclusive relatou mesmo não ter conhecimento das reuniões de departamento e da possi-
bilidade de participação nas mesmas.

A remuneração foi outro assunto citado em vários momentos. A percepção em relação a


esta foi consideravelmente melhor, em relação ao grupo de professores do Centro de Humani-
dades, tendo em vista o aumento salarial que pareou o vencimento dos professores substitutos
ao dos efetivos de mesma formação. Nesse tema, encontramos um ponto de vista similar ao da
etapa anterior da pesquisa. No que se refere ao tempo de dedicação exigido pelo contrato, os
entrevistados afirmaram não ser excessivo, havendo a possibilidade de dar sequência a um cur-
so de pós-graduação. Através do contato com os departamentos componentes da FFOE, consta-
tamos uma diminuição relevante do número de professores substitutos dentro da universidade,
considerando o momento inicial da pesquisa. Na Faculdade lecionavam cinco professores subs-
titutos apenas, o Departamento de Odontologia Restauradora, por exemplo, não compôs nossa
amostra por não haver nele nenhum substituto.

Se no segundo momento da investigação foi possível constatar uniformidade no conjun-


to de significados atribuídos ao trabalho pelos professores, como na incursão empreendida no
Centro de Humanidades, aqui isso não aconteceu, tornando necessário discutir os fatores que
influenciam a significação e a valoração do trabalho.

Estamos de acordo com Blanch (1996) de que o trabalho se apresenta na modernidade


como um fenômeno pancultural (atravessa todos os aspectos de uma cultura) e elemento chave
da experiência humana. Apesar da constância do significante trabalho, ele remete a um con-
junto de significados bastante dinâmico. Pode, por um lado, referir-se a um tipo específico de
atividade humana (levada a cabo em determinados contextos socioeconômicos) e, por outro, às
construções sociais do sentido e do valor desta experiência. Observando a dimensão das cons-
truções de valor e sentido para os sujeitos, Blanch (1996, p. 97) afirma:

Por su parte, los individuos, socializados en sus respectivas matrices culturales, confieren signi-
ficación concreta a su experiencia laboral, atendiendo, por un lado, a los valores y normas socialmente
prescritos y relativamente anclados en su personalidad y, por otro, en factores situacionales, tanto del
macrocontexto socioeconómico, juridicopolítico y organizacional como del microentorno inmediato y
específico.

Isso porque o trabalho constitui mais do que somente um modo de sobrevivência, repre-
senta algo de expressivo e pode configurar-se um fim em si próprio. Blanch (1996) apresenta
três fatores como definidores da centralidade do trabalho na vida dos sujeitos, a saber: a identifi-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 125

cação com o trabalho, a implicação com o mesmo e a adoção dele como meio de autoexpressão
pessoal, sendo a centralidade do trabalho o indicador geral da importância atribuída à atividade
laboral.

Entre os professores do Centro de Humanidades, encontramos relatos em que a atividade


de professor substituto foi avaliada em segundo grau de importância, a inserção em atividades
na iniciativa privada ocupava o lugar central para eles. O objetivo de tornar-se professor efetivo
(associado à formação em licenciatura), traço observado uniformemente entre os substitutos
do Centro de Ciências, transportava a atividade docente para um lugar central na vida daqueles
professores. Já os participantes da FFOE não apresentaram, de maneira uniforme, a docência no
ensino superior como meta principal de realização profissional, no entanto, a possibilidade de
permanecer no ensino universitário como professor efetivo não é descartada. A fala de um dos
entrevistados ilustra esse dado:

Eu penso em tentar, eu não sei quando vai abrir concurso pra efetivo, enfim, tem todo um proces-
so de seleção, mas se tivesse oportunidade eu gostaria mesmo. Mas, às vezes vão aparecendo as coisas e
você não pode parar no tempo, ficar esperando e ficar teimando naquilo. (Entrevistado 3).

A especificidade do campo de conhecimento e atuação pode ser pensada como cons-


tituinte dessa característica. A formação desses trabalhadores permite a atuação em hospitais,
em consultórios como profissionais liberais ou em laboratórios (onde, muitas vezes, é possível
realizar atividade de pesquisa, que, em outras áreas está restrita à universidade).

Algumas características são semelhantes às observadas em momentos anteriores da pes-


quisa, porém com novos traços e preocupações foram ouvidas. A incerteza de continuidade e a
obrigação de renovar o contrato de trabalho a cada seis meses foi alvo de reclamação por parte
do docente. A instabilidade, segundo um professor, impedia mudanças a longo prazo e tornava
improdutiva uma implicação maior no trabalho ou a realização de projetos mais complexos.

Segundo Cingolani (2005), é a intermitência do tempo que produz uma ruptura na uni-
dade do coletivo de trabalho, e faz do isolamento relativo do assalariado precário a mola de um
reforçamento do comando sobre ele. A descontinuidade compõem a designação de alguns tipos
de emprego, dentre os quais o trabalho temporário se enquadra.

A remuneração emergiu como aspecto positivo. Quanto a isto houve uma mudança sig-
nificativa a partir da segunda etapa da pesquisa, no Centro de Ciências. Nas entrevistas reali-
zadas no Centro de Humanidades, o salário foi assunto de críticas constantes pelos professores
substitutos, principalmente por parte daqueles que queriam seguir na carreira de docência. Al-
guns afirmaram que praticamente pagavam para dar aula.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 126

Nesse ponto, encontramos a dimensão da incerteza e da vulnerabilidade que, associadas


a um déficit nas condições de proteção social e de rendimento, são características vinculadas
a um trabalho precário (Cingolani, 2005). Na investigação com o Centro de Ciências, o venci-
mento dos professores tinha passado por uma reforma recente, com o pareamento do salário ao
dos professores efetivos. Dessa forma, todos os professores, efetivos e substitutos, receberiam
salários segundo a sua carga horária e a sua titulação. Naquela pesquisa, assim como nesta
etapa, a remuneração financeira é apontada como ponto positivo no trabalho como professor
substituto. Não houve críticas a respeito e o assunto veio à tona, na maioria das vezes, por ini-
ciativa dos pesquisadores.

Sobre o tempo de trabalho, o incômodo também é mínimo. Para os professores com


carga horária de 20 (vinte) horas/aula semanais, restava tempo para pós-graduação ou outras
atividades acadêmicas. Para professores com 40 (quarenta) horas, a falta de horários extra-aca-
demia era balanceada pela remuneração alcançada. A queixa residia na distribuição das aulas
durante a semana. Por falta de representatividade entre os professores efetivos, um professor
substituto aponta que os horários são estabelecidos de maneira rígida, cabendo a ele se “encai-
xar” nos mesmos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando as transformações no mundo laboral no cenário contemporâneo, faz-se


imperativa a reflexão sobre os efeitos mais evidentes dessas metamorfoses para os trabalhado-
res e como estes vivenciam essas mudanças.

Através do recorte das novas temporalidades impostas ao mercado de trabalho, consi-


deramos a precarização e a flexibilização tomadas como fenômenos profundamente integrados.
Assim, em suas diversas dimensões, que vão da natureza jurídica à esfera da vivência temporal,
a flexibilidade parece apontar para um discurso dicotômico entre os que a defendem desde o
território do capital e os que a vivenciam na condição de trabalhadores ‘flexibilizados’.

A complementaridade entre as categorias precarização e flexibilização aponta para uma


curiosa estratégia discursiva. Enquanto a primeira é vista como negativa e recusada nos dis-
cursos oficiais, a segunda é, não só aceita, como defendida como estratégia de enfrentamento
à crise do trabalho. No entanto, vistas com mais detalhes elas remetem a mecanismos muito
semelhantes de ‘ajuste’ frente à crise.

As modificações no mundo do trabalho, por sua vez, são evidenciadas principalmente


pelo crescimento do setor de serviços, alargamento de segmentos pouco estruturados, trabalha-
dores por conta própria, sem carteira assinada, terceirizações, empregos temporários ou part-
-time. O que na atividade dos trabalhadores se expressa como perda de qualidade nos postos de
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 127

trabalho, baixa remuneração, ausência de direitos trabalhistas e previdenciários, pouca repre-


sentação sindical ou política, entre outras debilitações da relação de trabalho.

Estes aspectos de flexibilização laboral, que a princípio apontam para a realidade de


precarização do trabalho e recebem uma conotação negativa, por vezes são vistos como fatores
de adaptação frente às mudanças ocorridas no mercado de trabalho, de modo a adquirir uma
concepção positiva. Dessa forma, vemos que a precarização atinge não apenas as populações
consideradas vulneráveis, mas o conjunto da sociedade, embora de modo diferenciado, muitas
vezes sob o eufemismo das novas formas de trabalho. Constatamos nessa pesquisa que a con-
dição do professor substituto está fortemente atravessada pela precariedade, no que diz respeito
às novas formas frágeis de inserção laboral.

REFERÊNCIAS

Agulló, E. (2001). Entre la precariedad laboral y la exclusión social: os outros trabajos, los
outros trabajadores. Em Agulló, E., Ovejero, A. Trabajo, indivíduo y sociedad. (pp.95-144).
Madrid: Piramide.
Alonso, L. E. (1998). La mirada cualitativa en sociología. Madrid: Fundamentos.
Aquino, C. A. B. (2008). O Processo de precarização laboral e a produção subjetiva: um olhar
desde a psicologia social. O Público e o Privado, 11, 169-178.
Aquino, C. A. B. et al. (2012). Flexibilização e intensificação laboral: manifestações da Preca-
rização do trabalho e suas consequências para o Trabalhador. Revista LABOR, 1,7, 102-125.
Bilbao, A. (1999). El empleo precário: seguridad de la economía e inseguridad del trabajo.
Madrid: Los libros de la catarata.
Blanch, J. M. (1996). Psicologia Social del Trabajo. Em Álvaro, J. L.; Garrido, A. & Torregro-
sa, J. R. (Orgs.) Psicologia social aplicada. Madrid: McGraw-Hill.
Castel, R. (1997). Las metamorfosis de la cuestión social: una crónica del salariado. Barcelona:
Piados.
Cingolani, P. (2005). La Précarité. Paris: PUF.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 128

JUVENTUDE PROLONGADA E CONDIÇÃO DE CIDADANIA

Raquel Nascimento Coelho


Ítalo Emanuel Pinheiro

INTRODUÇÃO

Os debates e questões em torno das relações entre juventude e cidadania têm sido muito
frequentes desde o final do século XX. Entretanto, os jovens aparecem na cena pública como
importantes atores sociais justamente em um momento onde eles compõem um dos segmentos
mais vulneráveis às consequências negativas das transformações do mundo do trabalho.

Um dos fenômenos que, contemporaneamente, tem sido relacionado a essas transforma-


ções é o prolongamento da juventude. Nesse sentido, o ensaio que apresentamos a seguir busca
aportar uma reflexão sobre as formas como o referido fenômeno pode afetar o processo de cons-
trução da cidadania entre os jovens. Tais reflexões nascem como desdobramentos de trabalhos
de investigação de mestrado e doutorado relacionados a essas temáticas e desenvolvidos pelos
autores vinculados ao Núcleo de Psicologia do Trabalho da UFC.

A categoria trabalho funciona como o elo que guia a construção das relações entre essas
temáticas e está na base de nossas reflexões, já que ela funciona como um dos principais ele-
mentos explicativos do fenômeno do prolongamento da juventude e é, atualmente, compreendi-
do como componente fundamental da noção de cidadania (Coelho, 2013; Lima, 2008).

É importante destacar que partimos da ideia de que o trabalho cumpre diversas funções
psicossociais importantes e que, através dele, o sujeito pode construir a própria subjetividade,
se manter economicamente, organizar seu tempo, planejar outras esferas de sua vida, interagir
com outros e se sentir útil e participante de uma sociedade. Dentro dessa ideia, em concordância
com autores como Aquino (2009), Garrido (2006) e Nardi (2006), afirmamos a centralidade
dessa categoria em nossa sociedade e entendemos que as transformações sofridas pelo mundo
do trabalho seguem afetando fortemente a organização da sociedade e gerando mudanças nos
modos de vida e nos modos de subjetivação contemporâneos.

Também vale ressaltar que, ao compreendermos as categorias que são o foco deste en-
saio, quais sejam, a juventude e a cidadania, como sócio historicamente construídas, é funda-
mental entender que tanto elas vão se transformando a partir dos contextos em que se situam,
como também serão fortemente influenciadas pelas próprias transformações sofridas pelo tra-
balho em nosso contexto.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 129

Nesse sentido, trazer um debate sobre as possibilidades de construção de cidadania na


condição de juventude prolongada se mostra relevante e atual, já que reflete processos de mu-
dança nos modos de vida e modos de subjetivação dos jovens advindos das novas perspectivas
que marcam as transformações do mundo do trabalho contemporâneo: flexibilização e a preca-
rização laboral (Aquino, 2005; Nardi, 2006). Nesse novo contexto, questões como instabilida-
de, insegurança e incerteza fazem parte do cotidiano desses sujeitos e perpassam nossa forma
de compreender as relações entre tais categorias.

Com vistas a dar conta de nosso objetivo, o presente ensaio está organizado em três par-
tes. Primeiramente, buscaremos contextualizar o fenômeno do prolongamento da juventude em
nossa sociedade e entender sua dinâmica no cotidiano, no segundo momento, tratamos formas
de compreensão da cidadania, sua gênese e sua relação com o trabalho na sociedade moderna.
E finalmente, refletimos sobre uma aproximação dessas categorias, problematizando a ideia de
que os jovens na condição de juventude prolongada podem estar vivendo também uma con-
dição de pseudo-cidadania ou de cidadania fragilizada, dadas as características do momento
sócio-histórico em que nos inserimos.

COMPREENDENDO A CONDIÇÃO DE JUVENTUDE PROLONGADA

O que estamos denominando de prolongamento da juventude é um fenômeno que vem


sendo observado, principalmente, em contextos urbanos ocidentais e tem se intensificado a
partir dos anos 2000. Mas, para compreendê-lo, consideramos fundamental explicitar como
entendemos o que é o ser jovem e as condições para que a juventude tenda a se prolongar em
nosso contexto.

Entendemos que juventude é uma condição que se constrói situada em contextos sócio-
-históricos e culturais delimitados e se constitui uma categoria complexa, heterogênea e cam-
biante (Kehl, 2004; Revilla, 2001). Ela não existe como algo pré-determinado, como uma ca-
tegoria natural. Nesse sentido, o que define os seus limites temporais, seus significados sociais
e suas vivências são os contextos onde os jovens são socializados. E, apesar de considerar que
eles compartilham, em nosso contexto, o fato de viver uma etapa que se situa entre a infância/
adolescência e a idade adulta e estar em um momento de busca de autonomia, independência e
integração sócio-laboral, o ser jovem varia bastante em função do nível educacional do jovem,
sua condição econômica, formas de acesso ao trabalho e ócio, entre outros, abrindo, assim, a
possibilidade de que haja várias juventudes convivendo em um mesmo momento histórico e
espaço social.

Como os limites da juventude vêm sendo cada vez mais compreendidos a partir de parâ-
metros sociais vinculados ao desenvolvimento psicossocial e à inserção sócio-laboral mais que
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 130

a partir de parâmetros biológicos, é frequente a compreensão da juventude como um processo


de transição à vida adulta (Agulló, 1997; Gil Calvo 2005, 2009). Esse processo seria caracte-
rizado, tradicionalmente, pela busca de superação de cinco limiares: finalização dos estudos;
entrada no mercado de trabalho – que possibilite reunir recursos suficientes para se tornar inde-
pendente –; deixar de viver com a família de origem, constituindo um lar próprio; casamento/
união estável; e decisão de ter filho (Gil Calvo, 2009; Pais, 2002).

É importante destacar que tal processo de transição acontece cada vez menos como uma
sequência linear, principalmente, em decorrência das transformações do mercado de trabalho
que contribuem na construção de um senário sócio-laboral complexo, flexível e precário que
transfere insegurança e instabilidade aos diversos âmbitos da vida social (Aquino, 2005; Nardi,
2006). Nesse contexto, os jovens encontram dificuldades de inserção no mercado de trabalho,
sofrendo com o desemprego, escassas oportunidades de trabalho formal, trabalhos temporários e
com baixa remuneração, além de viverem trajetórias à vida adulta cada vez menos programadas,
mais descontínuas, fragmentadas e reversíveis (Gil Calvo, 2009; Pais, 2002). Essa situação
termina levando muitos jovens a viverem uma condição de semi-dependência da família de
origem e de políticas de ajuda do governo, afetando seus projetos de vida futura e provocando
um atraso em sua emancipação (Coelho, Álvaro & Garrido, 2014).

Uma das múltiplas estratégias escolhidas pelos jovens para lidar com essa situação está
em atrasar os limiares de transição à vida adulta, permanecendo por mais tempo em uma con-
dição tipicamente juvenil (Coelho, 2013). Há que ressaltar que esse atraso deve ser entendido
como uma tendência que vem se intensificando e não como um fenômeno que aparece de forma
generalizada na maioria dos países ocidentais. Isto porque cada sociedade impõe seus próprios
esquemas de transição que vão servir de guia para os jovens planificarem suas vidas, juntamen-
te com as situações concernentes a suas biografias pessoais.

O atraso da transição à vida adulta – que vem sendo observado em um número cada vez
mais significativo de jovens – vem acompanhado de uma complexificação da própria condição
de ser jovem e gerando sinais objetivos de que a vivência da juventude se prolonga (Coelho,
2013; Galland, 2001; Gil Calvo, 2005; Monteiro, 2011).

É importante ressaltar que apesar de que o atraso nos processos de transição à vida
adulta funcione como um sinal objetivo de que a juventude esteja se prolongando, o que
estamos denominando de prolongamento da juventude não se resume a tal atraso, mas se refere
à ideia de que estamos assistindo a uma mudança qualitativa nas experiências psicossociais
vividas pelos jovens, a uma construção de novos discursos e significados do que é ser jovem
e a novas possibilidades de construção identitária para esses sujeitos em distintos contextos
contemporâneos (Coelho, 2013; Galland, 2001; Monteiro, 2011). Estamos falando, também, de
uma resposta cultural dos jovens de nosso contexto.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 131

O prolongamento da juventude como fenômeno tem se justificado por uma grande va-
riedade de aspectos característicos do contexto contemporâneo e que influenciam diretamente
a situação dos jovens. A questão estrutural refletida, por exemplo, na dificuldade de inserção
laboral dos jovens e suas impossibilidades de construir uma vida independente financeiramente
e autônoma se situa entre as principais explicações dadas por eles mesmos para o prolongamen-
to da juventude (Coelho et al., 2014). Outra questão que contribui ao prolongamento está na
quase exigência do mercado pelo aumento do tempo dedicado à formação, tanto no sentido de
maior especialização – pós-graduações – quanto no sentido da polivalência – múltiplos conhe-
cimentos em diferentes áreas para garantir a empregabilidade –o que contribui para uma maior
permanência dos jovens na condição de estudantes.

A constatação da intensificação dessas dificuldades e exigências contribui para a exis-


tência de uma espécie de permissão social – principalmente por parte das famílias de origem
– para que os jovens possam seguir vivendo essa condição de semi-dependência e mantendo
comportamentos de prolongar a juventude, já que este prolongamento está relacionado à falta
de opção e à situação precária à qual esses sujeitos estão submetidos.

Essa permissão social se fortalece ainda mais diante do aumento crescente da expectati-
va de vida da população – não gerando urgência na transição à vida adulta – e da imagem social
positiva vinculada à juventude que impera no contexto contemporâneo ocidental, baseando-se
em uma cultura hedonista e de busca da eterna juventude como ideal social (Coelho, 2013).
Nesse sentido, caberia aos jovens aproveitar ao máximo sua juventude, se possível por mais
tempo que as gerações anteriores, já que ela representaria a melhor etapa da vida de uma pessoa,
tomando como referência essa cultura ocidental de hipervalorização da juventude.

Outros aspectos importantes que contribuem para compreender o prolongamento da


juventude se referem à maior liberdade conquistada pelos jovens urbanos, principalmente, no
que concerne a sua sexualidade; a uma mudança de valores das novas gerações jovens que de-
positam no desenvolvimento de uma carreira e no seu estabelecimento como profissional o foco
das suas prioridades de vida, deixando para depois questões relacionadas à vida emocional,
por exemplo; e a busca de manter um “espírito jovem” a todo custo, manifestando o desejo de
seguir sendo jovens ou se sentindo jovens por muito tempo (Coelho, 2013).

Em resumo, a ideia que nos guia para a compreensão desse fenômeno é que as mudan-
ças estruturais que afetam a inserção sócio laboral dos jovens, provocando uma intensificação
no atraso dos processos de transição à vida adulta, convertem o prolongamento da juventude
em um dos possíveis fenômenos da condição de ser jovem nos contextos ocidentais. Entretan-
to, o que em um primeiro momento se configura apenas como um atraso em comparação com
as gerações anteriores contribui para a construção de mudanças qualitativas nas vivências e
no próprio significado de ser jovem. Todas as novas experiências que são geradas pelo maior
espaço de tempo ocupado pela juventude na vida das pessoas originam novos discursos e pos-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 132

sibilidades da condição de ser jovem e criam novas condições de construção identitária para
esses sujeitos. E ao somar-se a um contexto cultural de valorização da juventude como a melhor
etapa da vida, onde os estilos de vida, valores e atitudes típicos dos jovens são tomados como
um ideal social, encontramos um entorno favorável ao prolongamento da juventude.

Uma questão importante a ser destacada sobre esse fenômeno diz respeito à diferença
que existe entre prolongar o “ser jovem” e o “sentir-se jovem” (Coelho, 2013). O primeiro en-
globaria aqueles aspectos vinculados à idade e aos limiares de transição à vida adulta. Estaria se
referindo à juventude como etapa da vida onde a condição de instabilidade, de semi-dependên-
cia, de intenso processo de busca de integração sócio laboral e características como vitalidade,
potência corporal e abertura ao novo são tipicamente vividas pelos sujeitos. Em relação ao
sentir-se jovem, haveria uma referência direta a aspectos subjetivos e à ideia de espírito jovem.
Remete a atitudes e características de ordem mais psicossociais também típicas da juventude,
mas que podem ser reproduzidas em outras etapas da vida como motivação para a mudança,
leveza, vitalidade, sentimento de potência e desfrutar a vida intensamente, por exemplo.

Tal diferença se mostra relevante, já que traz variações nas possibilidades de manifesta-
ção do prolongamento da juventude. Em pesquisa realizada com jovens brasileiros e espanhóis
(Coelho, 2013), observou-se que o prolongamento da juventude no sentido de “ser jovem” é um
fenômeno que vem aumentando em comparação com as gerações anteriores em ambos os paí-
ses – mas de forma mais intensa na Espanha – e que se evidencia, principalmente, entre jovens
de melhor condição socioeconômica. Entretanto, o prolongamento da juventude como “sentir-
-se jovem” tende a se manifestar de forma mais ampla entre os indivíduos dos dois países, refor-
çando a existência de uma cultura da busca da eterna juventude, onde há a intenção de manter
os aspectos subjetivos positivos característicos da etapa juvenil, se possível, para toda a vida.

Nesse sentido, apesar de nem todos os jovens terem a mesma oportunidade de prolongar
o “ser jovem” por mais tempo – já que ele está limitado pelas possibilidades socioeconômicas
da família de origem e pelas próprias questões corporais –, o prolongamento através do “sen-
tir-se jovem” se converte em uma possibilidade quase ilimitada para grande parte dos jovens e
outros grupos etários, instalando-se como um modelo a seguir.

Há que ressaltar – ainda com base nesta investigação – que, a longo prazo, não foi mani-
festada pelos jovens a intenção de prolongar a juventude como etapa da vida ou o “ser jovem”,
vinculada às ideias de precariedade vital, instabilidade e semi-dependência. Entretanto, querem
prolongar a juventude através do “sentir-se jovem”, mantendo atitudes, valores e estilos de vida
juvenis como uma estratégia de agregar uma valoração positiva à própria identidade.

Aqui podemos perceber que a vivência do prolongamento da juventude envolve aspec-


tos negativos e positivos, que coloca os jovens em um movimento aparentemente contraditório
de busca de afastamento e ao mesmo tempo de aproximação/manutenção da juventude. Ao ten-
tarem se afastar dessa situação de semi-dependência que limita seus projetos de vida, podemos
pensar que esses sujeitos se veriam em uma condição de cidadãos incompletos, no sentido de
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 133

não ter autoridade de gerir de forma plena suas próprias vidas ou participar de forma mais ativa
na sociedade. E essa condição de precariedade vital é cada vez mais comum entre os jovens
(INE, s/d; IBGE, 2010). A busca de prolongar sua juventude no que se refere ao sentir-se jovem
funcionaria como uma estratégia de fazer parte de uma condição social positivamente valori-
zada, de estar em um lugar onde muitos gostariam de estar e, assim, como já dissemos, agregar
aspectos positivos à sua identidade. A possibilidade de deixar para trás os aspectos negativos
da juventude, conquistando uma participação social mais ativa e independente – condição de
cidadão pelo trabalho – e, ao mesmo tempo, manter somente aqueles considerados positivos,
vinculados ao “espírito jovem” poderia ser vista como uma saída para tal contradição.

Isso pôde ser percebido entre os jovens participantes da investigação mencionada ante-
riormente (Coelho, 2013), já que não apareceu como contradição essa possibilidade de prolon-
gar o “sentir-se jovem” e ao mesmo tempo levar uma vida adulta de reponsabilidades laborais e
familiares. Aqui entendemos que isso pode ser reflexo da força que o prolongamento da juven-
tude exerce como modelo típico ideal e se converte em uma possibilidade de identificação para
um grupo significativo de pessoas.

É importante ressaltar que entendemos que falar em uma condição de cidadania plena,
principalmente se temos como referência a participação social efetiva através do “ter um
emprego”, é cada vez mais complexo, ou talvez utópico frente às atuais configurações do mundo
do trabalho e a contextos de Estado mínimo. Entretanto, não podemos deixar de considerar que
o fato de ter um trabalho ou, pelo menos, os valores do trabalho, como a honestidade, a retidão,
a disciplina e a participação contribuinte ainda guiam a construção da concepção do que é ser
cidadão atualmente, juntamente com outras esferas como, por exemplo, o consumo.

Tomando essas reflexões em consideração e para aprofundarmos essa relação entre o


fenômeno do prolongamento da juventude e o processo de construção de cidadania dos jovens
nessa condição, abordaremos a seguir nossa compreensão de cidadania, configurando um mo-
delo que se estrutura na modernidade e que se relaciona, diretamente, com o Trabalho, bem
como possíveis modelos na atualidade.

CIDADANIA

Ao propormos uma investigação sobre o que seja cidadania, deparamo-nos com ques-
tões semelhantes ao que encontramos quando abordamos a categoria trabalho, ou seja, ela é
também uma categoria construída sócio culturalmente que sofreu diversas mudanças, desde
seu surgimento orientada por questões econômicas, políticas, sociais e psicológicas, refletindo
conjunturas e estruturas sociais do contexto em que ela se apresenta.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 134

A cidadania pode ser compreendida, como aponta Hopenhayn (2002), a partir de três
linhas, a liberal, que congrega os direitos civis e políticos, orientada por uma diversidade de
leis e códigos referente a cada país, a segunda linha, chamada social democracia, que trata de
uma extensão aos direitos econômicos, sociais e culturais e, por último, a linha republicana que
aborda o sentimento de pertença e participação na “coisa pública”. Didaticamente parece fazer
sentido estas divisões, mas, na realidade, o que se observa é uma miscelânea de cada uma des-
sas linhas nas falas dos sujeitos quando tratam do ideal de cidadania em que estes se inserem.

A nós em particular, interessa a articulação que a cidadania passou a ter com o trabalho
quando da criação dos Estados modernos. Correia (2002) e Cortina (2005) apontam aqui para o
aparecimento do que se convencionou chamar de Estado-de-Direito. Este modelo de Estado é o
que faz com que haja a possibilidade de se criar uma concepção moderna de cidadania relacio-
nada com as linhas descritas acima e que, como veremos, apontam para um direito coletivo que
parece ser exercido de forma individual. Não podemos desvincular também aqui, uma relação
direta entre o fortalecimento da burguesia em meio a tantas transformações sociais, pois é no
fortalecimento desse segmento que surgem uma série de questionamentos à estrutura da socie-
dade pós-feudal, ainda impregnada de conceitos e estruturas muito rígidas, principalmente, às
formas de participação na vida pública.

Lima (2008) mostra que a compreensão de cidadania erguida com o Estado Moderno
relaciona-se, diretamente, com dois aspectos que para nós são fundamentais - a Liberdade e o
Trabalho. Essas duas categorias despontam na modernidade e contemporaneidade como prin-
cípios a serem alcançados por todos os homens. Marshall (1967) afirma que, na economia, o
direito civil básico é o trabalho, o de seguir uma ocupação de escolha do sujeito, direito este
negado durante toda a Antiguidade, quando as posições a serem seguidas por cada um já eram
delimitadas previamente. Para nós, o direito à igualdade proposto dentro do Estado moderno é
atingido na forma de isergonia (igual direito de trabalhar) como sugere Correia (2002) e, por
isso, o trabalho torna-se um eixo central para pensarmos a constituição destes sujeitos enquanto
cidadãos. Nesta perspectiva, observamos que o trabalho se vincula à vida pública quando se
torna elo entre as várias linhas de direitos, quando interconecta direitos econômicos, sociais,
culturais e dá ao sujeito que trabalha, um lugar de existência e visibilidade na sociedade.

Com a solidificação de um modo de vida embasado nos preceitos éticos da sociedade do


trabalho como a laboriosidade e a procura racional de ganho econômico, o trabalho passou a ga-
nhar destaque na organização da sociedade, passando a ser visto não mais como uma obrigação,
mas como uma vocação. Essa lógica de doutrinamento dos sujeitos alimenta todo um sistema
que envolve o trabalhador, quem explora o trabalho e o Estado (Lima, 2008).

Com o Estado moderno amparado em um modelo democrático, forma pela qual a bur-
guesia destitui o poder aristocrático, e no direito à propriedade privada, seria necessário criar
um modelo de contrapartida para a grande massa destituída de propriedade: uma parcela da
população que se fazia ainda mais presente na constituição da sociedade nesse momento. É aqui
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 135

que o direito ao trabalho remunerado ganha força enquanto forma de contrabalançar o direito à
propriedade privada. Para o cidadão não detentor dos meios de produção, este direito o coloca-
ria em um plano de equivalência com os proprietários, pelo menos em suposição. Percebemos
aqui que o exercício do direito civil começa a ser associado diretamente ao direito ao trabalho.

Corrêa (2002) aponta para a aproximação entre os conceitos de cidadania e direito ao


trabalho como representando um espaço limítrofe entre as esferas políticas e econômicas, mas
podemos ir mais além, trazendo os ganhos sociais propiciados por essa relação e que para nós
somente se sustentam dentro dela. As lutas trabalhistas por melhoria das condições de vida
levaram o Estado a mover-se em direção a políticas de garantias, intermediando a relação ‘Tra-
balho X Capital’. Uma proposta de garantia de uma “sobrevivência digna” para o trabalhador,
a garantia de perspectivas em relação ao seu futuro.

O fato é que, estar trabalhando e ser reconhecido por isso, fizeram com que o indivíduo
fosse identificado com sua tarefa e com seu papel para aquela sociedade. As instâncias que
preparavam o indivíduo para sua vida em sociedade, como a escola e a família, direcionaram
seus olhares para o potencial doutrinador do trabalho. A importância foi tanta que obrigou o
Estado a tomar uma posição protecionista daquele que fazia a sociedade do trabalho funcionar,
o trabalhador.

Nardi (2006) afirma que é na modernidade que o trabalho adquire o valor de atributo
moral e garantia de cidadania; é nele que se busca o referencial não só para gerenciar a vida
profissional, mas a vida política, econômica e social. Coadunando com essas ideias, o trabalho
representa, para Durkheim (1973a), um fator agregador que mantém os membros da sociedade
unidos por um ideal comum, assim como a religião. O que percebemos é que ambas as cate-
gorias agregadoras desse contexto parecem se retroalimentar e se fortalecer. A ética incutida
dentro do trabalho sustentou toda a sociedade durante o pacto Fordista, que, por sua vez, repre-
sentava um compromisso social em torno da triangulação entre Estado – Trabalhador – Capital.
Castel (1999), ao abordar a sociedade salarial, reconhece que a filiação do cidadão trabalhador a
essas diversas instituições garantem a ele uma existência digna que junto à condição assalariada
representa a porta de acesso a um sistema protecionista por ele denominado de “Propriedade
Social”.

Toda esta configuração começa a se modificar de forma substancial com a corrosão


do Estado-do-Bem-Estar-Social e o processo de globalização, ou mundialização como propõe
Chenais (1996). Nesta perspectiva, Offe (1992), Gorz (2003) e Antunes (2004) apontam para
a discussão da perda da centralidade do trabalho, onde este deixaria de ter o caráter agregador
como forma de articulação coletiva e de poder político de outrora, visto que passa a concorrer
com elementos como o consumo como forma de expressão na vida pública. Em nosso momen-
to atual, a cidadania sofre um impacto paradoxal, pois como sugere Hopenhayn (2002) há um
imaginário centrado nos direitos humanos e sociais, sob a vigilância não apenas do Estado, mas
também da sociedade civil e de outras instituições ligadas às redes informacionais e a institui-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 136

ções internacionais, ao mesmo passo que a condição do trabalho se deteriora dentro de uma
lógica que escapa ao controle do trabalhador, pois este é atingido por conjunturas externas à sua
realidade que, na grande maioria das vezes, nem conhece.

A atual configuração do trabalho da sociedade e da cidadania parece adequar-se bem ao


que se concebe como pós-modernidade (Bauman, 2008). Todos os laços de referência se tornam
frouxos e flexíveis o suficiente para tornarem-se plurais sem que o sujeito se prenda por muito
tempo a eles. No caso da cidadania regulada pelo trabalho, parece haver ainda a necessidade de
uma fantasia com relação a esse fato. Apesar de se falar em uma perda da centralidade do traba-
lho, este ainda é uma categoria importantíssima dentro da nossa estrutura social e econômica,
ele ainda regula espaços e a participação do sujeito na sociedade, se não mais pelas orientações
éticas, mas ainda pelo acesso ao consumo e status proveniente da atividade laboral. Além disso,
observamos ainda a necessidade dos preceitos pregados pelo trabalho como regulação da con-
duta em sociedade.

Destacamos nessa conduta social a epifania da vida independente e emancipada, que é


cada vez mais dificultada pelo processo de precarização presente no mundo do trabalho, onde a
instabilidade de vínculos provoca uma série de incertezas ao sujeito que trabalha. Aqueles que
podem postergar o acesso ao mercado de trabalho em nome de uma melhor qualificação pare-
cem sustentar esse caráter de cidadania na fantasia do trabalho futuro, um trabalho fruto do seu
esforço pessoal, mérito seu. Já aqueles que não podem esperar uma qualificação, sujeitam-se a
um contexto empobrecido de direitos, também ligado a um mérito pessoal, já que as questões
coletivas aparentemente cedem lugar a expressões do individualismo.

Poderíamos pensar, talvez, em uma cidadania plena, quando as diversas instâncias do


sujeito em sociedade pudessem estar contempladas, dimensão política, social, cultural e econô-
mica, mas em nossa sociedade isso parece nunca ter acontecido, devido a diversas conjunturas
políticas, econômicas e sociais (Lima, 2008). O que parece acontecer é a contemplação de uma
cidadania autônoma, atrelada a um ideal liberal, onde os sujeitos acabam sendo responsabiliza-
dos pelo exercício ou não de sua participação na vida em sociedade. Como veremos, cada vez
mais o trabalho cede lugar a outras vias que, a nosso ver, promovem na verdade uma pseudo
cidadania como no caso do consumo, provocando uma exacerbação do caráter individual e um
enfraquecimento dos laços sociais, ao mesmo tempo que provocam uma série de ajustamentos
que visam diminuir o sofrimento daqueles que não conseguem lograr êxito em trabalhar, con-
sumir ou ter um lugar de destaque na sociedade.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 137

REFLEXÕES SOBRE AS POSSIBILIDADES DE CONSTRUÇÃO DE CIDADA-


NIA DENTRO DA CONDIÇÃO DE PROLONGAMENTO DA JUVENTUDE

Como comentamos anteriormente, os jovens representam um dos segmentos mais vul-


neráveis às consequências negativas das transformações do mundo do trabalho, sofrendo com
altos índices de desemprego, salários baixos e trabalhos precários e instáveis. Tal contexto de
flexibilização e precarização laboral limita as possibilidades desses sujeitos de gerir sua vida de
forma mais independente, principalmente, nos aspectos vinculados à dimensão financeira. Ao
mesmo tempo, parece haver um movimento paralelo que fragiliza ainda mais esse segmento
em outra vertente, aquela que estimula a voracidade consumista através do crédito, provocando
um crescente endividamento dos jovens ou de seus pais ou responsáveis. A impossibilidade de
obter sucesso em qualquer uma dessas vias parece levar o jovem a uma condição de desfiliação
social, atingindo diretamente a possibilidade dos jovens de pensar e planejar seu futuro, man-
tendo-os por mais tempo em uma condição de insegurança e instabilidade.

Essa condição é um dos principais fatores que explicam o fenômeno do atraso da tran-
sição à vida adulta e a possibilidade de prolongamento da juventude. E, apesar de que, ao pro-
longá-la, o jovem possa se manter em uma etapa valorizada socialmente e tida como a melhor
fase da vida, incorporando à sua identidade aspectos positivos como os sentidos de vitalidade,
beleza e abertura ao novo, ele também se mantém em uma condição de semi-dependência
marcada, frequentemente, por trajetórias de transição à vida adulta instáveis, descontínuas e
reversíveis (Pais, 2002).

Tal condição vivida pelos jovens se converte em uma problemática relevante ao situar-
-se em um contexto onde ainda é central a ideia de construção da cidadania através do trabalho e
de seus valores. Nesse sentido, surgem-nos questões sobre as possibilidades de pensar o jovem
como cidadão ou sobre como lidar com as dificuldades que, possivelmente, serão manifestadas
em seu processo de construção de cidadania quando ele está em uma condição de não trabalho
ou de precarização laboral. Inclusive, somos levados a pensar que aqueles que efetivamente
terminam prolongando sua juventude vivem uma condição de construção de uma pseudo ci-
dadania, ou de uma cidadania cada vez mais frágil, onde a participação coletiva cede cada vez
mais lugar para ações individualizadas, como o ato de consumir e se identificar coletivamente
com uma marca ou com um segmento de produto (Severiano, 2001) e não mais com os valores
que orientavam e mantinham uma coesão e uma participação social.

Há que ressaltar que é possível observar um incentivo social ao prolongamento da ju-


ventude – sustentado na ideia de que a juventude é a melhor etapa da vida e que reúne o modelo
ideal de vida – que funcionaria como uma alternativa para compensar a vivência de uma pre-
cariedade vital, minimizando os impactos de problemáticas maiores como a falta de melhores
opções de inserção laboral para os jovens e sua consequente condição de semi-dependência.
Atrelado a isso, estaríamos segundo Barber (2007) favorecendo aquilo que torna o jovem ou a
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 138

etapa juvenil mais atraente para o consumismo: a imaturidade, a falta de reflexão e a impulsi-
vidade, que são elementos presentes no discurso imediatista e pouco envolvido com questões
mais profundas da vida coletiva.

Além disso, quando o prolongamento da juventude se converte em uma estratégia aceita


socialmente, também é possível observar que a carga dessa condição termina recaindo sobre as
famílias de origem, que se convertem nos responsáveis – pelo menos economicamente falando
– dos jovens por esse período mais longo de tempo.

Reconhecemos aqui que esta carga se manifesta de forma diferente nos estratos de jo-
vens trabalhadores. Dentro da diferenciação feita por Antunes (1998), os ditos superespeciali-
zados, parecem conseguir um maior suporte, dada as condições da família de origem que conse-
guiria dar sustentabilidade a esta juventude enquanto o jovem espera, se qualificando, por uma
inserção melhor no mercado de trabalho. Quando observamos o subqualificado, o movimento
parece ser diferente, este parece ingressar mais cedo no mercado de trabalho, em condições de
subemprego, ou em uma realidade precária, adentrando ao contexto adulto, mas não escapando
da cooptação consumista, porém dada pelo seu trabalho diretamente.

Sobre essa questão, é importante ressaltar que, apesar de observarmos que esse incenti-
vo ao prolongamento da juventude em contextos sociais onde a juventude é tida como a idade
canônica (Severiano & Álvaro, 2006) se espalhe fortemente em diversos âmbitos sociais, ele
não impacta de forma semelhante os jovens. A lógica ou ideia de valorização da juventude ten-
de a se difundir em um número crescente de contextos socioeconômicos, mas se concretiza de
forma mais efetiva em situações de melhor condição financeira (Coelho, 2013).

Dependendo da condição econômica da família ela não consegue manter o jovem por
muito tempo, muito menos possibilitar a sua participação através do consumo. Essa situação
termina acelerando a inserção laboral desses jovens como uma forma de garantir sua participa-
ção social, seja pelo trabalho ou pelo consumo possibilitado por este. E aqui outras problemá-
ticas aparecem para o jovem que tende a se inserir precocemente no mercado de trabalho, sem
muita oportunidade de investir em uma melhor educação e tende a conseguir trabalhos menos
qualificados, pior remunerados e sem perspectivas efetivas de crescimento, mantendo-os nessa
situação de inserções precárias de difícil saída.

Tal relação pode estar mascarando problemáticas advindas do prolongamento da juven-


tude que deixa de ser visto como uma significativa mudança na dinâmica social – já que muitas
vezes não é uma opção ou escolha dos jovens e pode se converter em um problema – e passa
a ser revestido com o sentido de ser algo que é fruto da escolha individual ou algo naturaliza-
do como bom ou aconselhado para esse grupo de indivíduos. Nesse sentido, o Estado parece
reforçar essa realidade, agindo como mediador do consumo como nos aponta Bauman (2008),
cada vez mais se afastando da responsabilidade de pensar políticas de enfrentamento para essa
questão, relegando-se a manter políticas neoliberais que acabam por agredir o trabalhador com
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 139

ofertas de trabalho cada vez mais precárias. Ainda na mesma linha, todo o contexto parece en-
gendrar nas gerações mais recentes uma normalização do precário, apesar de ainda termos um
desejo pela promessa de segurança e estabilidade do pleno emprego de outrora (Lima, 2008).

Não podemos esquecer que, o próprio fato de manter por mais tempo os indivíduos
dentro do ideal social da juventude e propagá-lo como modelo ideal a seguir, estar-se-ia con-
tribuindo com o fortalecimento de valores e modos de subjetivação que produzem indivíduos
mais adaptáveis e abertos às mudanças, mais flexíveis e acostumados a lidar com as situações
de insegurança e incertezas, ou seja, mais adaptados às próprias demandas do capitalismo fle-
xível contemporâneo.

Outro aspecto que pode estar funcionando como estratégia para minimizar os impactos
das problemáticas advindas da condição de pseudo cidadania entre os jovens que prolongam a
juventude está na possibilidade de acesso à cidadania pelo consumo.

Bauman (2008) aponta que o consumo é uma característica inerente à lógica capitalista
da produção, mas o que assistimos atualmente não é o mero consumo, mas o que o autor con-
ceitua como consumismo, uma ação individualizada que vende as promessas de realização de
desejo, de individuação e de identificação grupal. O olhar criterioso que tentamos dar aqui não
reside no consumo, mas nas atitudes consumistas, que colocam o sujeito em uma pseudo parti-
cipação na vida coletiva, constituindo uma identidade frágil associada a uma faixa de consumo.

Nesse sentido, parece-nos que os sujeitos e, mais particularmente, a faixa de consumi-


dores jovens, são induzidos a buscar elementos para a construção da cidadania através da ideia
de participação social pelo consumo, visto que a vida do trabalho vem sendo pauperizada por
seguidas desestruturações (Antunes, 2008; Aquino, 2006). Com a conjuntura atual do mundo
do trabalho, o consumo – intensificado no que consideramos consumismo – parece ser a forma
de participação mais acessível e sedutora, porém é nesse jogo que observamos o risco de enfra-
quecimento do que seria cidadania, afinal o consumismo não se baseia em ações voltadas para
a coletividade e muito menos na garantia de direitos, mas na exacerbação do individualismo.

Objetivamente falando, para ser cidadão, há que ser um jovem que consuma, que siga
por mais tempo consumindo educação, lazer, diversão, estilos de vestir e de ser tipicamente
juvenis. Nessa lógica, até o trabalho é consumido, não mais em seus valores, mas em seu ca-
ráter utilitarista. Bauman (2008) mostra que tratar o trabalho como mercadoria leva a tratar o
trabalhador também como mercadoria.

Na condição de prolongamento da juventude, esse consumismo se dá muitas vezes me-


diado pela família de origem, seja inteiramente com os recursos dela ou com os recursos do
próprio jovem, como dito anteriormente. Entretanto, mesmo nesse segundo caso, não se pode
esquecer que o consumo – de viagens, de roupas de marca, de artigos ligados à estética etc – se
torna viável, justamente, por não ter que rivalizar com outras responsabilidades ou gastos típi-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 140

cos do mundo adulto, principalmente, relacionados à manutenção do lar. Não é incomum entre
esses jovens (Coelho, 2013) o discurso do “vivo com meus pais, mas pago minhas contas” no
sentido de expressar uma vivência de maior independência. Entretanto, a ideia envolvida no
“pago minhas contas”, em grande parte, se refere ao pagamento das saídas, do lazer, das via-
gens, das roupas caras, da academia, etc, configurando-se um consumo que acontece porque
ele tem um “colchão” ou suporte – a família – que aguenta o peso de sua condição semi-depen-
dente.

Ao mesmo tempo que assistimos a essa série de desregulamentações, de enfraquecimen-


to do trabalho como via de articulação coletiva, observamos também uma tentativa segmentada
de manter vivos os valores que sustentavam a sociedade do trabalho. Exemplo disso é o pesado
investimento feito na educação profissional nas últimas décadas em nosso país (Brasil, 2004).
Na medida em que se precisa de um investimento de base técnica e de imediata aplicabilidade
no mercado, é necessária a correção da corrosão de valores provocada pelo consumismo e, por
isso, assistimos a uma mudança pedagógica na preparação para o trabalho, desde a perspectiva
de construção de competências (Perrenoud, 1999) até uma reestruturação político pedagógica
do ensino técnico profissionalizante que passa a ser compreendido como uma formação profis-
sional e não mais meramente técnica (Franco, 1998; Pochmann, 2004).

Resgatar os valores do trabalho, onde o contexto consumista parece andar na contramão


deles pode parecer contrassenso, mas não é. Como aponta Antunes (1998), apesar de termos
uma sociedade cada vez mais baseada no consumo de bens e na afirmação identitária a partir
do consumo, ainda somos dependentes do trabalho e da produção, talvez por isso ainda haja
várias referências a essa categoria e aos valores referidos por ela quando se articula o conceito
de cidadania.

Seria pueril associar a efetiva cidadania apenas ao trabalho ou à condição de cidadania


regulada, vivida outrora no nosso pais, ou mesmo sustentar um desejo de retorno das políticas
do wellfare state para garantir a cidadania daqueles que compõem a sociedade. Observamos
que a condição de trabalhador, mesmo em contextos de trabalho precarizado ou em intensa
precarização, ainda se percebe como cidadão, dado o cumprimento de normas e a orientação
de valores (Lima, 2008) que lhe permitem um reconhecimento social como elemento ativo de
participação. Entretanto, é mister pensar que a identificação coletiva pelo trabalho, fragiliza-
da, como aponta Gorz (2003), cede cada vez mais a um individualismo, rompendo com uma
ética do trabalho e se direcionando a uma estética do consumo (Bauman, 1999; Medà 1999),
emblematizada por relações cada vez mais instáveis e flexíveis e trazendo, a nosso ver, um dos
grandes prejuízos para a relação sujeito, identidade, trabalho e sociedade: a promessa de um
futuro que nunca chega e de uma juventude que ao se alargar, ancorada em terceiros, encontra a
possibilidade de construção de sua condição de cidadão no sentido ativo de coletividade.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 141

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Baseados no exposto, observamos que a manutenção dos sujeitos em uma condição


de juventude, dentro da lógica consumista, observada na pós-modernidade, apresenta uma ca-
racterística dupla na construção do que seria a condição de cidadania. Ao mesmo tempo que
o segmento jovem da população é um dos que mais sofre com as condições de degradação do
trabalho e dos laços sociais articulados por ele, é também um segmento que parece impulsionar
este sistema quando passa a se representar e ser valorizada de forma mais intensa a partir do
consumismo.

Parece haver, dentro desta lógica, a construção de uma pseudo cidadania, na qual a pro-
messa de se incluir em um segmento da sociedade e ter um lugar representativo nesta, aparece
mais atrelado ao consumo incessante de bens, do que do envolvimento destes sujeitos em sua
participação no coletivo social. Ser um elemento participativo nesta lógica parece estar atrelado
a poder consumir as mais diversas ofertas de satisfação propostas pelo mercado. A transfor-
mação provocada pela mudança do foco ético do trabalho para o estético do consumo parece
delimitar um modus operandi no segmento jovem e também naqueles que se colocam nesta
condição. Um dado que nos chama a atenção é que parece haver uma servidão consciente ou
uma normalização da degradação provocada por essa mudança (Lima, 2008), onde o dito jovem
valoriza tudo que envolve esta condição de se ver na sociedade.

Observamos também o posicionamento dúbio do Estado nesta seara. Ao mesmo tempo


em que se isenta de diversas posições de suporte e garantia, de contrapartidas à participação do
cidadão, investe timidamente em programas onde se pode pensar no fortalecimento de elemen-
tos para a participação do jovem tanto na esfera do trabalho, quanto no empoderamento coletivo
deste. Salientamos que essas ações não se voltam para todos os segmentos da juventude, essas
ações parecem visar o público de grupos sociais mais pobres e que vislumbram o mesmo desejo
do segmento mais abastado: poder consumir e se ver em um segmento social pelo consumo.
Esse tipo de estratégia parece carregar em si um discurso ideológico cada vez mais forte de su-
cesso e fracasso como culpa individual, sem que haja o questionamento de condições para que
esse sucesso ou fracasso ocorra.

Ao que nos parece, a educação/formação profissional é ainda o celeiro daquilo que


outrora foram os valores de participação cidadã e, nesse sentido, ainda possui ares de via de
discussão para o fortalecimento das relações coletivas, levando o jovem a pensar seu papel, sua
responsabilidade e seu lugar no contexto social em que se insere.

Salientamos que nosso ensaio não é um saudosismo de uma cidadania regulada, mas um
questionamento acerca da compreensão do que são a cidadania e a juventude, conceitos muito
propagados, mas ainda pouco discutidos de forma crítica pela psicologia. Além disso, procura-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 142

mos aqui compreender como o consumo e o trabalho ocupam lugar na compreensão do que é
ser um cidadão nos dias de hoje. Trazemos aqui a possibilidade de reconhecer tanto no traba-
lho, como no consumo, elementos que podem acenar para a participação social, mas também
alertamos para o fato de amparar essa participação em elementos esvaziados de valores ou com
conotações individualistas e segregadoras.

Novas formas de se reconhecer como cidadão ou de se enquadrar dentro de uma parti-


cipação social que pelo consumo, pelo trabalho ou por ações de engajamento político podem
existir dentro desta multiplicidade de formas de existência, entretanto compreendemos que toda
e qualquer forma de participação deve ser perpassada por uma consciência do papel que se as-
sume, permitindo que se rompa com um ciclo de realimentação que coloca os sujeitos jovens
ou em condição de juventude em uma servidão consciente e sem perspectivas, banalizando a
injustiça social ou qualquer outro mal provocado por esta realidade.

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MOBILIDADE ACADÊMICA: INTERNACIONALIZAÇÃO OU


REPRODUÇÃO DE DESIGUALDADES

Thais França

Cássio Adriano Braz de Aquino

INTRODUÇÃO

Desde meados de 2013, o Brasil atravessa uma forte turbulência econômica, política e
social (Vasconcelos, 2014), de maneira que nenhuma área tem escapado a cortes, reestruturações
ou renegociações. Contudo, antes dessa realidade instalar-se de forma tão intensa, em 2011, o
governo federal, através do Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação e do Ministério da
Educação, lançou um dos seus mais ousados projetos de internacionalização da ciência através
da promoção da mobilidade acadêmica. Nomeado “Ciência sem Fronteiras” o programa foi
traçado para os anos de 2011-2015, com o objetivo de oferecer cerca de 100 mil bolsas de
estudo no estrangeiro para estudantes de graduação, mestrado, doutorados, pós-doutorados,
pesquisadores/as e docentes das áreas de ciências básicas, tecnologia e saúde (MEC, 2016) .
Ao longo dos anos de 2011 a 2014, o programa seguiu entre êxitos, melhorias, falhas, críticas
e muita instabilidade. Se por um lado é preciso reconhecer a criação de novos convênios,
estabelecimento de redes, crescimento do número de publicações em conjuntos é também
importante apontar a lentidão no pagamento das bolsas, retorno de estudantes antes do prazo e
o baixo nível da proficiência em outros idiomas dos candidatos, principalmente o inglês.

Seguindo a tendência dos cortes orçamentais como consequência da crise, em maio de


2015,o governo sinalizou uma possível redução no financiamento das bolsas e do programa
e em 25 agosto de 2015 divulgou-se a suspensão do programa para os anos seguintes (Portal
G1, 2015). Logo em seguida, esta informação foi negada pelo governo federal, que insiste em
defender o sucesso do programa e sua continuação (MEC, 2016).

Se o programa será realmente suspenso ou não, ao considerar o atual quadro de


instabilidade política e econômica que assola o país, nada ainda pode ser afirmado de forma
definitiva. Contudo, essa situação oferece elementos importantes para refletir acerca da
complexidade de variáveis que envolvem a mobilidade acadêmica, seu significado como
estratégia de desenvolvimento científico, acadêmico e tecnológico de um país e os interesses
que estão em jogo nesse fenômeno.

Dentro desta lógica, se ainda for permitido ressaltar alguma mudança resultante da
globalização sem que soe repetitiva, a circulação de acadêmicos/as e estudantes por instituições
internacionais, o aumento da cooperação entre instituição de diferentes países e o crescimento
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 146

das publicações em coautorias transacionais devem ser mencionada.

Tal qual em outras esferas, o barateamento dos custos de transportes aéreos, o


desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação e a consolidação de blocos políticos
e econômicos são, definitivamente, alguns elementos que contribuíram para esse fenômeno. O
recente entendimento do conhecimento como um fator importante para o crescimento econômico
aparece igualmente como um aspecto que deve ser levado em consideração. Soma-se a isso, o
avanço das políticas neoliberais nas universidades que impõem uma lógica de competitividade
entre as instituições baseada em avaliações quantitativas de produtividade, atratividade para
financiamentos externos e níveis de internacionalização.

Contudo, apesar da grande visibilidade que tem recebido nos últimos anos, é necessário,
ressaltar que esta prática de mobilidade de acadêmicos(as) por diferentes países e instituições
é bastante antiga. Relatos de experiência de estudiosos(as) que se transladavam desde a China
a Europa, entre distintas regiões do Oriente Médio e por todo o território Europeu em busca
de conhecer diferentes escolas de pensamento são encontrados com frequência na literatura
(Dedjier, 1971; Kim, 2009). Por isso, o que é preciso demarcar agora é a intensidade, a
frequência e a direção com que esses deslocamentos acontecem e quais suas consequências
para a academia e para a ciência tanto no que diz respeito às práticas de produção e circulação
do conhecimento, como também à concepção do que vem a ser uma carreira acadêmica bem
sucedida.

Neste sentido, o presente artigo tem como objetivo discutir a mobilidade acadêmica
como um fenômeno atravessado por aspectos migratórios, laborais e de produção do
conhecimento, desde uma perspectiva crítica e pós-colonial. Trata-se de uma análise teórica
que procura abarcar questões como: qual o peso das hierarquias geopolíticas nas dinâmicas
de produção e circulação do conhecimento? Como as assimetrias e desigualdades de gênero e
de nacionalidade refletem-se nesses deslocamentos? Até que ponto a mobilidade acadêmica
constitui-se como uma oportunidade de desenvolvimento ou como uma prática de precarização
da carreira acadêmica?

MOBILIDADE ACADÊMICA: DESLOCAR-SE PARA (RE)PRODUZIR.

Em termos gerais, a mobilidade acadêmica pode ser compreendida como o deslocamento,


temporário ou permanente, de investigadores/as, professores/as e estudantes entre instituições
internacionais, como parte ou de um projeto individual ou de programas formais de intercâmbio
com objetivo de exercer alguma atividade acadêmica de docência, pesquisa ou extensão.

O reconhecimento da importância dessa prática para o avanço das universidades dá-se


principalmente com base no entendimento de que se trata de uma estratégia eficiente para a
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 147

promoção de redes e grupos de cooperação internacional, promove a transferência de tecnologia


e técnicas de pesquisa, facilita a publicação de artigos em revistas internacionais e reduz
custos relacionados à aquisição de equipamentos de tecnologia de ponta, reagentes químicos,
instrumentos de pesquisa e demais produtos. E mais ainda, incentiva a criatividade, permite o
contato de diferentes escolas de pensamento e possibilita o aprendizado de novos idiomas.

Contudo, a associação direta entre a mobilidade acadêmica com a produção e circulação


de conhecimento e com a inovação tecnológica destaca-se como um dos principais motivos
por que estes deslocamentos tem vindo a receber tamanha atenção nas últimas décadas por
parte de diferentes atores – universidades, laboratórios, centros de pesquisas, empresas, blocos
econômicos, Estados, estudantes, professores/as, pesquisadores/as e cientistas. Em uma
sociedade em que o desenvolvimento econômico tornou-se cada vez mais ligado ao conhecimento,
todas as estratégias e práticas que contribuam para sua produção são fundamentais. Segundo
Guimarães (2011), no atual momento do capitalismo, a produção do conhecimento tem um peso
fundamental na criação de riqueza de uma sociedade e no desenvolvimento de tecnologias,
configurando-se como uma aposta fundamental para o desenvolvimento econômico de um país
(Hardt & Negri, 2005). Dentro desta lógica, investimentos em áreas e práticas envolvidas
nesses processos, como é o caso da mobilidade acadêmica, colocam-se como obrigação na
agenda econômica dos países.

Assim, de uma opção estratégica individual para o desenvolvimento da carreira ou para


o aperfeiçoamento da formação, a mobilidade acadêmica passou a ser concebida como uma
obrigatoriedade para a sobrevivência na carreira de docência e pesquisa. Cada vez mais, exige-
se que acadêmicos/as e cientistas, em pelo menos algum momento de suas carreiras, estejam
engajados/as em alguma atividade de mobilidade internacional. Participação em programas de
intercâmbios, em redes e projetos de cooperação transnacionais e em conferências internacionais
tornou-se mais do que necessária. Reconhece-se nessa prática um potencial inigualável para
ampliar os níveis de produtividade (publicações e patentes) dentro das universidades e dos
centros de investigação.

Contudo, uma análise crítica e aprofundada da mobilidade acadêmica desvela muitas


das desigualdades e hierarquias de poder existentes nessas dinâmicas, bem como, os riscos que
pode acarretar para a prática de produção do conhecimento livre e autônomo. Ou seja, por um
lado, os benefícios trazidos pela popularização dos programas de intercâmbios internacionais
e pela criação de redes de trabalho transnacionais são inúmeros e, dificilmente, podem ser
negados. Por outro, há uma série de assimetrias que contribuem menos para a democratização
da ciência e do conhecimento e mais para a sua elitização.

Desde a escolha pela utilização do termo “mobilidade acadêmica” para designar este
fenômeno, até o formato dos programas e seus parâmetros de avaliação não há nada ingênuo
ou por acaso. A opção pelo termo ‘mobilidade’ esconde uma ideologia segregacionista que
procura construir os/as protagonistas/as da mobilidade acadêmica– professores, cientistas,
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 148

estudantes – como uma categoria de sujeitos diferenciada dos/as imigrantes. A desidentificação


da mobilidade acadêmica como uma forma de imigração, tal qual como acontece com o
processo de expatriação, atesta a divisão das pessoas que se deslocam através das fronteiras
geográficas em dois grupos: desejáveis e indesejáveis. Enquanto os/as imigrantes, refugiados/
as e requerentes de asilo encontram-se na segunda, cientistas, professores/as e estudantes
internacionais, juntamente com profissionais altamente qualificados compõem a primeira.
As discussões de Bauman (1999) e Sassen (2001), acerca dos efeitos da globalização dos
movimentos migratórios levam à compreensão de que, na maioria dos casos, reserva-se o
termo “imigração” para referir-se ao movimento protagonizado por pessoas de classes baixas e
oriundas de países pobres, revestindo-o de um sentido pejorativo e carregado de preconceitos
de classe, raça, etnia, religião e nacionalidade, enquanto a “mobilidade” e a “expatriação”
passa a referir-se a sujeitos altamente qualificados, políticos de classes altas que se deslocam
amparados por convites, contratos ou ofertas de trabalho em empresas transnacionais, grandes
laboratórios ou centros de investigação .

O sentido em que esses “fluxos de mobilidade” organizam-se também não acontece ao


acaso. Via de regra, vê-se um deslocamento do Sul para o Norte Global, ou do centro para a
periferia, como aponta Wallerstein (1992).

Com raríssimas exceções, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França e Inglaterra


reinam absolutos como os destinos mais procurados por acadêmicos/as dos demais países do
mundo para realizarem suas investigações ou estabelecerem redes de investigação e de trabalho.
As cooperações no sentido Sul-Sul continuam aparecendo como minoria dentro das práticas de
mobilidade acadêmica. E o inglês, continua a ser o idioma dominante nos encontros e projetos
internacionais. Assim, mais do que uma teia de acadêmicos/as em programas de mobilidade
por todo o mundo, o que há, basicamente, é um fluxo unidirecional de acadêmicos/as do Sul
que se dirigem ao Norte para estudar teorias e aprender novas técnicas ainda que muitas vezes
esses conhecimento tenha sido levados do Sul para o Norte. Como é o caso de estudantes latino-
americanos/as que vão à Espanha para estudar sobre a constituição equatoriana e o bem viver,
ou de químicos/as sul-africanos/as que vão aos Estados Unidos conhecer a mais nova droga
produzida pela indústria farmacêutica, extraída de plantas medicinais que têm sido utilizadas
milenarmente pelos povos Suahilis em Moçambique e de acadêmicos/as do Norte que seguem
ao Sul para realizar seus trabalhos de campo sobre violência urbana, pobreza, energia nuclear
ou malária (Grosfoguel, 2002; Kleinman, 1991; Nadal, 2014).

Na análise de Roberston (2010), seria ingênuo e errôneo ressaltar as contribuições


das mobilidades internacionais para o incremento da diversidade dos meios acadêmicos, sem
analisar de forma crítica seus efeitos homogeneizadores. Para o autor, o que sucede é mais uma
convergência das universidades, laboratórios e práticas de pesquisa para um único modelo do
que propriamente uma troca e aprendizado mútuo entre os atores envolvidos nos programas
de mobilidade acadêmica. Haveria mais a imposição por parte dos países do Norte de seus
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 149

paradigmas, teorias, padrões, técnicas e cultura do que uma dinâmica de cooperação entre todos
os participantes.

No caso da União Europeia (UE), reconhecendo a importância da produção e circulação


de conhecimento para o desenvolvimento econômico, em 1999 criou-se o Espaço Europeu de
Ensino Superior com objetivo principal de promover a mobilidade, a empregabilidade e aumentar
a competitividade do bloco econômico facilitando a circulação de estudantes, pesquisadores/
as e docentes através de instituições de ensino superior dos diferentes países da UE. Para tanto,
sucedeu-se um longo e profundo processo de padronização das instituições de ensino superior
que para além de fomentar a mobilidade de estudantes, docentes e pesquisadores/as promoveu o
desenvolvimento de um sistema de graus compatíveis e legíveis, um sistema de ensino superior
baseado em dois ciclos (chamado 3+2) e um sistema de cooperação de avaliação da qualidade
dos diversos sistemas de ensino, dentre outros (Sousa, 2011).

Inúmeras são as críticas que podem ser feitas a forma como esse processo se sucedeu,
desde sua forte visão voltada para a construção de um ensino superior para servir o mercado e
promover a empregabilidade e à imposição do modelo de ensino, pesquisa e aprendizagem de
apenas alguns membros a todo o bloco, desconsiderando as especificidades de cada país(Lima,
Azevedo, & Catani, 2008). Kofman (2015) sublinha, por exemplo, como o modelo adotado de
uma formação divida em dois ciclos, 3 anos de licenciatura e 2 anos de mestrado, foi uma cópia
exata do padrão vigente no Reino Unido. Logo, enquanto os demais países lutavam para tentar
acomodar o novo modelo às suas realidades locais, no Reino Unido as discussões acerca dessas
reformas não ecoavam e tão pouco faziam sentido. Do mesmo jeito, os programas de mobilidade
estudantis dentro do esquema Erasmus Plus9 se por um lado estimulam estudantes de graduação
a desenvolverem novas habilidades – autonomia, flexibilidade, criatividade – e os confrontam
com a diversidade cultural, por outro lado o inglês continua a ser a língua dominante nos cursos
que esses estudantes frequentam e, consequentemente, poucos/as são aqueles/as que realmente
chegam a aprender a língua local.

O que se vê portanto, mais do que a promoção da diversidade no entendimento do


que vem a ser o Ensino Superior e da mobilidade de sujeitos por entre diferentes países da
União Europeia, o que o Espaço Europeu de Ensino Superior e o programa Erasmus Mundus
Plus fazem é homogeneizar, com base nos modelos economicamente dominantes, a academia e
ciência europeia, gerando, portanto, ainda mais desigualdades entre os países.

As críticas de Kofman (2015) denunciam também que a afirmação de que o Reino


Unido é um dos meios acadêmicos e científicos mais internacionalizados da Europa e do mundo
9 Erasmus Plus é o novo programa da Comissão Europeia no domínios da educação, formação, juventude
e esporte para o período de 2014-2010, com ênfase no ensino superior, sendo o estímulo a mobilidade internacio-
nal de indivíduos uma das suas principais orientações. O programa resulta da integração de diversos programas
existentes entre o período de 2007-2013, como por exemplo: Programa Aprendizagem ao Longo da Vida, Juven-
tude em Ação, Erasmus Mundus, Tempus, Alfa, Edulink (CE, 2016)
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 150

é parcialmente incorreta. Pois, ainda que exista um número significativo de nacionalidades


circulando nas instituições de ensino superior inglesas, mais do que promoverem uma
diversidade de práticas de pesquisa e ensino, o que se vê é um ajustamento das diferentes
culturas acadêmicas ao modelo inglês. Com raras exceções o que se espera, principalmente,
dos/as acadêmicos/as e cientistas que se dirigem ao Reino Unido é que eles/elas se adaptem a
cultura acadêmica local.

Essa realidade europeia pode ser vista como um recorte do que acontece mundialmente.
Ou seja, as desigualdades políticas e econômicas existentes entre países, interna ou externamente
aos blocos econômicos, são reproduzidas nas práticas de produção de conhecimento, resultando
no que Mignolo (2002) denomina hierarquias epistêmicas. Essas desigualdades remontam o
período colonial, uma vez que os efeitos da colonização dos países do Norte nos países do
Sul ultrapassam as esferas políticas e econômicas e podem ser sentidos também nas ciências e
saberes.

As metrópoles, ao constituírem-se como centros econômicos legitimaram um discurso


que construiu as colônias como espaços subalternos e inferiores e, portanto, incapazes de
produzirem conhecimento válido (Walsh, 2003). Assim, os países do Norte global passaram
a ser os centros produtores de conhecimento e os países do Sul global os centros receptores e
o campo para os trabalhos de investigação. As línguas coloniais tornaram-se as únicas línguas
reconhecidas no meio acadêmico e científico – embora, atualmente por conta da atual conjuntura
política e econômica e dos novos critérios de avaliação das instituições de ensino superior, o
inglês ocupe cada vez mais espaço, em detrimento do francês e espanhol. Criou-se a imagem do
Norte como o centro da razão, da ciência e da civilidade, enquanto o Sul, em modelo de espelho
que foi construído como bárbaro, tradicional e exótico.

Essa hierarquia epistêmica resultante da colonização econômica e, posteriormente, da


colonialidade do poder (Quijano, 2009) reflete-se nas dinâmicas de mobilidade acadêmica
resultando tanto numa quase que total unidirecionalidade dos deslocamentos, citada
anteriormente, como na imposição de determinados modelos de organização, referências
teóricas e práticas científicas. Neste sentido, mais do que uma dinâmica promotora de circulação
de conhecimento e de inovação, a mobilidade acadêmica constitui-se como uma rotina de
repetição e legitimação de determinados conhecimentos. Desde uma lógica colonizadora, o
que se espera de acadêmicos/as do Sul que se dirigem ao Norte é que eles/elas aprendam e
reproduzam em seus países de origem as ideias e os/as autores/as oriundos/as dos grandes
centros. As experiências de partilha, diálogo e confronto de diferentes pontos de vistas trazidos
do Sul são valorizadas apenas desde a ótica do exótico e da exceção.

Para além das hierarquias epistêmicas mencionadas anteriormente, as assimetrias


econômicas entre os países, igualmente resultantes dos modelos de colonização, são outro
aspecto crucial nos modelos de mobilidade acadêmica vigentes. Embora tenha havido um
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 151

esforço em provar que o atual deslocamento de acadêmicos/as e cientistas dá-se em uma lógica
diferente daquela tratada no paradigma da fuga de cérebros (Oteiza, 1998), e que por isso
seria mais adequado, falar em circulação de cérebros (Meyer, 2003), o que se vê na prática
é a continuação da saída de mão de obra qualificada dos países do Sul para o Norte. Isso
por que os investimentos que cada país dispõe para enviar seus/as acadêmicos/as para centros
internacionais, bem como para atrair acadêmicos/as de países estrangeiros são desiguais.

TEIAS DE DESIGUALDADES: IMOBILIDADE ACADÊMICA

A discussão anterior mostrou, desde uma perspectiva macro, a complexidade da


mobilidade acadêmica, quando se considera as hierarquias epistêmicas e as assimetrias
econômicas. Percebe-se como a mobilidade acadêmica é vista mais como recurso a ser utilizado
na corrida pela produção do conhecimento e consequentemente crescimento econômico do que
propriamente como uma estratégia de democratização da ciência.

Reconhecer o deslocamento transnacional de pesquisadores/as, professores/as e cientistas


como um recurso de acesso desigual entre os países possibilita pensar a mobilidade acadêmica
como um recurso de desigual acesso também entre os sujeitos. Assim como os demais fenômenos
sociais, a mobilidade acadêmica é atravessada por uma matriz de marcadores de diferença,
tais como gênero, orientação sexual, raça, etnia, classe, idade, religião entre outros resultando
em experiências variadas e assimétricas. Um bom exemplo para ilustrar as desigualdades
presentes é a percepção de como a mobilidade acadêmica reproduz práticas patriarcais, sexistas
e androcêntricas existentes na acadêmica. Neste sentido, pode-se citar que a maioria dos
programas não considera as especificidades da carreira feminina, especialmente no que concerne
às responsabilidades com a família, as dinâmicas de segregação vertical e horizontal do setor
acadêmico ou o teto de vidro (Ackers, 2004; França & Padilla, 2013). A concepção da carreira
acadêmica com base principalmente em modelo masculino, linear, sem grandes interrupções
e de dedicação intensa faz com que as mulheres encontrem muitas dificuldades em progredir
na carreira, uma vez que no caso delas, por conta dos arranjos patriarcais em nossa sociedade,
frequentemente, as responsabilidades familiares se sobrepõem às laborais (G. G. Santos, 2015).
Embora o setor acadêmico seja considerado um setor altamente qualificado do mercado de
trabalho, as dinâmicas de segregação de gênero (vertical e horizontal), diferenças salariais,
teto de vidro, desqualificação do trabalho feminino e assédio moral e sexual continuam a estar
presentes e a reproduzirem-se nos esquemas de mobilidade acadêmica (Jons, 2011).

Considerando o desenvolvimento mais comum da carreira acadêmica, graduação,


mestrado, doutorado, podendo estar ou não, intercalado com atividades de docência ou pesquisa,
espera-se que a experiência de mobilidade acadêmica dê-se a partir do doutorado, em estágios
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 152

doutorais no exterior, posições de pós-doutorados ou professor/ar pesquisador/a visitante.


Trata-se de um período em que, em grande parte dos casos, as mulheres têm idade superior a 30
anos, consolidam-se as relações afetivas, há maior propensão a optarem por ter filhos/as e os/as
genitores/as estão em idades mais avançadas solicitando cuidados e atenção.

As responsabilidades familiares como consequência da organização patriarcal da


sociedade apresentam-se como um dos principais obstáculos para às mulheres inserirem-se
em programas de mobilidade acadêmica. Via de regra, em casais em que os dois membros
estão inseridos no mercado laboral, raro são os homens que abrem mão de sua carreira para
seguir suas companheiras em programas de mobilidade acadêmica internacional – de curta ou
longa duração. Porém, o oposto, mulheres que interrompem a carreira para seguir os cônjuges,
seja muito mais comum (Ackers, 2004, 2010). Nesta análise, percebe-se como as mulheres
são duplamente penalizadas nas dinâmicas de mobilidade acadêmica. Por um lado, há uma
indisponibilidade do cônjuge em acompanhá-las em seus deslocamentos internacionais, por
outro, há uma tendência das mulheres em acompanhar seus maridos em seus programas de
mobilidade acadêmica. Em ambas situações, a lógica patriarcal que associa às mulheres as
responsabilidades familiares reproduz-se e são as mulheres que sacrificam suas carreiras em
nome das obrigações com a família.

Ainda que as mobilidades de curta duração (semanas ou meses) pudessem aparecer


como uma solução para as mulheres, elas ainda exigem uma organização da dinâmica familiar
(em caso de ter filhos/as: quem irá cuidá-los/as; responsabilidade com as tarefas domésticas)
que emocional, e economicamente, em geral, são muito onerosas para as mulheres. E para além
das responsabilidades com os/as filhos/as, muitas mulheres são também responsáveis por seus
genitores que se encontram em idade avançada necessitando de atenção e cuidados especiais
(Ackers, 2008).

Deve-se considerar também que a exclusão das mulheres das redes sociais informais e
formais em suas instituições, por conta dos mecanismos de segregação sexual das dinâmicas
laborais (Ibarra, 1993, 1997) torna mais difícil o acesso à informações e convites para programas
de mobilidade acadêmica, financiamento e participação em projetos e redes internacionais. Além
do mais, o reduzido número de mulheres em posições de professoras receptoras de estudantes,
orientadoras ou supervisoras contribui igualmente para que as oportunidades de mobilidade
para estudantes mulheres e acadêmicas sejam abreviadas (Jons, 2011).

O desenvolvimento da carreira acadêmica das mulheres pode ser comprometido pelo fato
de que a participação em programas de mobilidade acadêmica ser extremamente obstaculizada,
difícil e onerosa para esse grupo. Como dito anteriormente, cada vez mais a mobilidade
acadêmica vem sendo compreendida como um fator chave do crescimento profissional de
acadêmicos/as, à medida que as mulheres não conseguem fazer parte destes programas na
mesma intensidade que seus colegas homens, elas perdem oportunidades de promoção. Ao
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 153

mesmo tempo, a presença reduzida de mulheres nesses programas dificulta mais ainda que
seus processos de seleção, bem como sua estruturação, levem em conta as especificidades e
as necessidades da carreira acadêmica feminina, resultando em um ciclo vicioso que apenas
compromete a performance laboral das mulheres.

E se a carreira acadêmica foi concebida com base em modelos masculinos de carreira, o


acadêmico ideal foi construído como o homem ocidental, branco, do Norte global. A construção
dos sujeitos das colônias como bárbaros e incivilizados (Quijano, 2009) reproduz-se até hoje
quando se procura identificar o número de acadêmicos/as, professores/as e investigadores/
as negros/as, indígenas ou mestiços/as nas grandes Universidades. O racismo presente em
nossa sociedade constrói os não brancos como inferiores, ignorantes e tracionais incapazes de
produzirem ciência. A eles é relegado o lugar do objeto de estudo ou de aprendizes, mas nunca
o de produtores de conhecimento (B. Santos, 1988).

Ao mesmo tempo, determinadas raça e etnias são associadas de forma essencializadas


a certos campos de conhecimento, vindo a ocupar alguns nichos específicos na academia e na
ciência (Mignolo, 2010). Como é o caso dos indianos, chineses e coreanos10 com a matemática,
engenharias e informática, o conhecimento destes sujeito nestas áreas específicas é reconhecido
no mesmo nível do conhecimento produzido pelos acadêmicos brancos e do Norte global,
embora não lhes seja permitido deslocar-se por outras áreas com a mesma facilidade. Se os
matemáticos chineses e indianos encontram as portas abertas de grandes centros de investigação
e universidades internacionais, os médicos indianos e suas técnicas ayurveda ou os chineses e
sua milenar acupuntura não encontram a mesma receptividade ou reconhecimento. Ou seja, há
um cerceamento por entre quais áreas de saber esses outros sujeitos são permitidos transitar
(Davies & Nyland, 2004; Docquier & Rapoport, 2012; Mignolo, 2010)

Segundo Cantwell e Lee (2010) (2010), a maneira como os estereótipos étnicos e raciais
moldam a experiência de acadêmicos/as e pesquisadores/as não brancos aproxima-se daquilo
que Balibar (1991) identifica como sendo uma forma de neorracismo. Dentro desta lógica, as
diferenças de nacionalidades, étnicas, fenotípicas e culturais são hierarquizadas em categorias
raciais. Tal construção legitima a exclusão desses sujeitos não brancos e não ocidentais de redes
sociais, a negação de direitos e os tratamentos diferenciais. Dentro dos fluxos de mobilidade
Sul-Norte, justificaria também a posição das instituições do Norte como superior, não por
conta do essencialismo biológico, mas sim por conta da cultura científica e acadêmica mais
desenvolvida. “Em outras palavras, neorracismo é uma abordagem analítica para explorar
o racismo estrutural no contexto migratório onde raça, cultura e nacionalidade interagem de
forma complexa para produzir uma hierarquia de posições sociais” (Cantwell & Lee, 2010, p.
10 Neste caso, a opção por citar as nacionalidades apenas na variação masculina do
gentílico justifica-se pelo reconhecimento de que há também uma construção dos campos de
saberes com base nos estereótipos de gênero, sendo as ciências exatas e naturais associadas aos
homens e as humanas e sociais às mulheres
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 154

497)11. Portanto, raça e etnia aparecem como outro eixo fundamental para refletir as dinâmicas
de opressão, exploração e subalternização existentes nos esquemas de mobilidade acadêmica.

As diferenças de classe também se manifestam na construção da experiência de


acadêmicos/as e cientistas em programas de mobilidade no exterior. De acordo com Leeman
(2010), acadêmicos/as envolvidos/as em programas de mobilidade científica internacional, via
de regra, têm pais com altos níveis de qualificação. Um dos primeiros requisitos para fazer parte
de programas de mobilidade científica é o conhecimento de outras línguas, preferencialmente
o inglês. O aprendizado de outra língua é uma prática bastante comum nas classes sociais
mais altas que exige um investimento financeiro e pessoal que normalmente não é possível nas
classes mais baixas. E se o ensino de línguas estrangeiras é obrigatório na educação básica e
fundamental de alguns países, sabe-se que há uma clivagem na qualidade do ensino das escolas
frequentadas por estudantes de classes ricas e estudantes de classes pobres, de maneira que
a aprendizagem de uma língua estrangeira é igualmente comprometida. Assim, ao perceber
como o conhecimento de outras línguas está atrelado a classe social, compreende-se como
este coloca-se como um diferenciador das oportunidades de participação em programas de
mobilidade acadêmica.

Além disso, algumas Universidades possuem convênios com outras instituições


internacionais que apesar de permitir a realização de uma parte dos estudos de graduação em
instituições estrangeiras não oferecem bolsas de estudo, ou quando oferecem, o valor não
é suficiente para cobrir todos os gastos, como ilustra Otero (2008) em sua análise sobre os
programas Erasmus na Europa. Nestas situações, uma vez mais, o suporte econômico oferecido
pela família é decisivo na possibilidade de ir ou não ao estrangeiro e, portanto, de ter uma
experiência de mobilidade acadêmica precocemente. Leeman (2010) e King e Ruiz-Gelices
(2003) têm mostrado que os estudantes que realizam mobilidade ainda na graduação tendem a
repetir essa experiências em seus mestrados e doutorados.

Essa breve análise sobre esses eixos de diferenciação mostra como a mobilidade científica
é um fenômeno complexo e multifacetado que exige uma compreensão de distintas perspectivas
a fim de identificar as sutis dinâmicas de poder e opressão que permitem a reprodução das
desigualdades e assimetrias. Portanto, compreende-se porque a mobilidade acadêmica é um
recurso que não está igualmente acessível a todos/as os acadêmicos/as e cientistas, o que tem
consequências diferenciadas na progressão de carreira daqueles/as que podem ou não fazer
parte desses programas.

11 Tradução própria. No original: In other words, neoracism is a framework to explore structural racism
in the context of immigration where race, culture, and nationality interact complexly to produce a hierarchy of
social positions (Cantwell & Lee, 2010, p. 497)
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 155

PRECARIZAÇÃO DA CARREIRA ACADÊMICA: MOBILIDADE COMO


ESTRATÉGIA

A mobilidade acadêmica tem vindo a ser celebrada como uma estratégia enriquecedora
para a carreira acadêmica, tornando-se quase que uma obrigatoriedade para aqueles/as que
almejam permanecer nesse setor. Contudo, a maneira como os programas de mobilidade tem
sido conduzidos e experienciados por acadêmicos/as aproxima-o mais de uma prática de
precarização laboral do que propriamente de uma estratégia de desenvolvimento de carreira
(Bauder, 2012).

O avanço das políticas neoliberais nas Universidades e o aumento dos cortes orçamentais
é uma realidade que atravessa o meio acadêmico internacionalmente (Amaral, 2003; Bok,
2004; Mirowski, 2011). Com a impossibilidade de encontrarem postos de trabalho estáveis e
com a pressão para que tenham experiência de pesquisa ou docência no exterior, cada vez mais
recém doutores/as candidatam-se a pós-doutorados ou a uma vaga em projetos de pesquisas no
estrangeiro. A ideia dominante acerca da relevância da mobilidade científica, como apresentado
anteriormente, é que os benefícios trazidos, principalmente no que diz respeito a abertura de
redes de contato, aprendizagem de novas técnicas de investigação e consolidação de convênios
de cooperação são fundamentais para o amadurecimento acadêmico e, consequentemente,
para o desenvolvimento da sua carreira. Contudo, esse discurso esconde uma realidade de
precarização do trabalho acadêmico por conta das instabilidades dos contratos e da falta de
oportunidades de inserção laboral posteriormente.

Na maioria dos casos, os contratos de pós-doutorado ou de professores/as visitantes


são por períodos de dois a cinco anos, sem nenhuma garantia de incorporação ao quadro dos
centros ou universidades ao seu término. Acabado o período do contrato, cabe ao pesquisador/a
ou ao professor/a procurar outra forma de financiamento, o que gera uma forte instabilidade
laboral e pessoal para esses sujeitos. Desconsidera-se todo o investimento profissional e
afetivo na montagem de laboratórios, criação de grupos de pesquisa, estabelecimento de redes
de investigação (Carrozza & Minucci, 2014; Delicado, 2010). Ao mesmo tempo, ignora-se
os efeitos que essa dinâmica de mobilidade constante tem na organização familiar desses/as
pesquisadores/as e professores/as. Nesta lógica, a importância das questões sociais e familiares
são praticamente desconsideradas (Ackers, 2004).

Os deslocamentos de um centro a outro por diferentes países (e em alguns casos dentro


dos mesmos países), dão-se mais pela impossibilidade de encontrar uma posição estável do
que propriamente pelo reconhecimento dos benefícios que a mobilidade acadêmica pode trazer
para carreira acadêmica (Van Der Wende, 2015). Tal qual em outros setores do mercado de
trabalho, o que se vê cada vez mais na academia é a criação de um núcleo estável, formado
por um número restrito de professores/as e investigadores/as já consagrados/as, ao redor dos/
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 156

as quais orbita um número de investigadores/as e professores/as precarizados/as, com contratos


instáveis, mal pagados e em obrigatória de mobilidade frequente (Braz de Aquino, Moita,
Correa, & Oliveira Souza, 2014). A constante rotatividade entre centros internacionais dificulta
uma inserção social e acadêmica mais sólida, fazendo com que esses/as pesquisadores/as e
docentes móveis estejam sempre à margem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões sobre mobilidade científica, via de regra, ressaltam sua importância para o
crescimento e desenvolvimento da ciência e do conhecimento local e internacional é inegável.
Cita-se igualmente a economia de recursos materiais e financeiros, aprendizado de diferentes
técnicas de pesquisa e teorias analíticas, transferência de tecnologia, formação de redes de
pesquisa transnacionais, aumento do número de publicações entre outros. Contudo, é preciso
não perder de vista de que maneira as dinâmicas de desigualdades e assimetrias existentes em
nossa sociedade reproduzem-se nestes deslocamentos contribuindo para o fortalecimento de
uma sociedade pautada na inequidade e de uma ciência elitista e conservadora.

Assimetrias geopolíticas, desigualdades de gênero, racismos, preconceitos étnicos e


diferenças de classe sociais moldam de forma díspare as oportunidades que os diversos sujeitos
têm de participar em programas de mobilidade científica, assim como, sua experiência nesses
programas. Compreende-se, portanto, que o deslocamento transnacional de acadêmicos/as
e cientistas é um recurso distribuído de forma desigual em nossa sociedade, resultando não
apenas em experiências pessoais distintas e desiguais, mas também no papel que cada país vai
desempenhar nesse fenômeno.

Desta forma, é fundamental analisar a mobilidade científica desde uma perspectiva


crítica que denuncie essas assimetrias e desigualdades almejando a criação de estratégias
de enfrentamento que resultem na possibilidade de desenvolvimento de uma academia e de
uma ciência mais democrática, igualitária e engajada. A exclusão de determinado sujeitos dos
espaços de produção e das dinâmicas de circulação do conhecimento faz com que determinadas
temáticas sejam invisibilizadas, impossibilitando sua transformação.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 157

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Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 160

SAÚDE NA PERSPECTIVA DA CLÍNICA DA ATIVIDADE: O


PODER DE AGIR DO TRABALHADOR

Pamella Beserra de Melo

Francisco Pablo Huascar Aragão Pinheiro

INTRODUÇÃO

O campo da Psicologia do Trabalho se desenvolve de forma difusa e a própria categoria


trabalho se reveste de uma série de questionamentos relacionados à sua centralidade na sociedade
contemporânea. Bendassoli (2011) analisou como a Psicologia se apropria do conceito de
trabalho, os significados que este assume e as consequências da forma de apropriação para
a teoria e para a pesquisa, a partir das perspectivas organizacional, social e clínica dentro
da Psicologia. Estas orientarão a forma de atuação, o significado que o trabalho assume e,
consequentemente, a visão de sujeito e o papel deste dentro das organizações e fora delas.

A concepção de trabalho para a Psicologia do Trabalho vai além da perspectiva atrelada


ao sinônimo de emprego, que compreende o trabalho como meio de produzir mercadorias,
produção e reprodução do capital, “destinado a criação e produção de valor econômico”
(BENDASSOLI, 2011, p. 78). Opõe-se, portanto, a concepção assumida com o advento da
industrialização e constituição do capitalismo como modelo de produção, que permeou a
Psicologia Industrial e, em seguida, a Psicologia Organizacional, voltada a interpretação, a
mensuração e a modificação de comportamentos, visando o desempenho e, portanto, o aumento
da produtividade e geração de lucro.

A Clínica da Atividade (Clot, 2007; 2010), perspectiva que norteará esta discussão,
assume sua filiação aos estudos histórico-culturais em psicologia (Vygotsky, 1991; 1995) e em
linguística (Bakhtin, 1997), tomando o trabalho como um conceito central. Clot (2007) propõe
compreender a função psicológica do trabalho para o desenvolvimento do sujeito, considerando-
se a relação entre atividade e subjetividade, dentro de uma perspectiva histórica e dialética.

O trabalho, nessa perspectiva, se reverte de uma função psicológica responsável pela


ransmissão do patrimônio historicamente acumulado no decurso da humanidade. Através da
conservação e transmissão dos objetos e regras, do uso dos instrumentos e dos signos, o trabalho
conserva seu caráter simbólico e genérico, mediador e mediado. Conforme Clot (2007, p.78),
“é nesse sentido que o trabalho é a atividade mais humana que existe. Pois, para o sujeito, o
acesso a essa memória nada mais tem de “natural”, e sequer de imediato.” Clot afirma, ainda,
que “atribuímos ao trabalho […] uma originalidade ao menos tão grande quanto a linguagem no
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 161

desenvolvimento psicológico do sujeito.” Ao considerá-lo um dos gêneros da atividade humana,


assim como o fez Vygotsky, o autor francês considera que “ele condiciona a perenização de
todos os outros ao assegurar ou não a sobrevivência de cada membro da espécie [...]” (Clot,
2007, p. 90).

Desta forma, a Clínica da Atividade, segundo nosso entendimento, insere-se no campo


da Psicologia do Trabalho, uma vez que esta se debruça sobre a relação indivíduo-trabalho, para
além das organizações, considerando, portanto, as repercussões de sua atividade dentro e fora
do trabalho. Segundo Bendassoli (2011), a via clínica de apropriação do trabalho baseia-se na
valorização deste como “um meio de sustentação do sujeito psíquico” (p.80).

É dentro deste contexto que se pretende debater a relação entre trabalho e saúde, tema
central discutido neste artigo. A discussão em torno da saúde no campo da Psicologia do Trabalho
se faz necessária, uma vez que as configurações do modelo atual de produção e da organização
do trabalho, com os excessos de prescrições ou ausência delas, com a invasão dos tempos livres
por atividades laborais, com fragmentação dos coletivos de trabalho, com a destituição do laço
social e as flexibilizações, dentre outros elementos, têm levado a uma atividade cada vez mais
destituída de sentido, onde o trabalhador não se reconhece no produto final do seu trabalho e
nem é reconhecido por seu esforço, levando a diversas formas de adoecimento.

A relação entre trabalho e saúde se colocou como foco de nosso interesse a partir
dos estudos sobre a Clínica da Atividade, associados à nossa prática como Psicólogos da
Universidade Federal do Ceará (UFC). Realizamos intervenções, através do projeto Elaborar,
que visam provocar mudanças nos contextos de trabalho, tendo em vista o desenvolvimento
do poder de agir dos trabalhadores (PINHEIRO; SILVA; TAISSUK; AQUINO, 2013). Estas
ações contam com a parceria do Núcleo de Psicologia Social do Trabalho (NUTRA/UFC) por
meio do qual articula-se os eixos pesquisa, ensino e extensão, ao contar com os alunos do curso
de Psicologia da referida instituição que participam como bolsistas nas ações do projeto. São
realizados através dessa parceria, grupos de estudos, treinamento introdutório ao campo e às
metodologias próprias da Clínica da Atividade, além da produção acadêmica através de artigos
com os relatos das experiências.

Em momento posterior, pretendemos apresentar alguns dados preliminares sobre uma


dessas intervenções, durante a qual foi possível observar a relação entre saúde-trabalho a
partir da atividade dos trabalhadores. Foram considerados aspectos relativos à sua autonomia,
aos impedimentos à sua ação, à relação entre os profissionais e as condições distintas para o
exercício da função em decorrência do tipo de vínculo empregatício, dentre outros.

Desta forma, iniciaremos por uma breve introdução dos conceitos centrais da Clínica da
Atividade, tais como o de atividade e saúde, a fim de situarmos o leitor nas discussões teórica e
metodológica que serão fundamentais para a compreensão das reflexões suscitadas no decorrer
do capitulo.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 162

CONCEITOS CENTRAIS DA CLÍNICA DA ATIVIDADE PARA A ANÁLISE DO


TRABALHO

Neste tópico iremos explicitar de forma breve o conceito de atividade para a concepção
aqui adotada e a sua importância na análise do trabalho, relacionando-a com as quatro dimensões
do oficio.

Para a Clínica da Atividade na análise do trabalho, consideram-se quatro dimensões


do ofício: impessoal, interpessoal, transpessoal e pessoal. A primeira diz respeito às normas e
regras determinadas pela organização do trabalho quanto às tarefas, funções, modos prescritos
de operar etc. Já a dimensão interpessoal relaciona-se as interações com outros profissionais ou
com o público do produto elaborado ou do serviço prestado.

A dimensão transpessoal, também chamada de gênero profissional, é central para a


Clínica da atividade, pois representa as regras implícitas construídas e partilhadas pelo coletivo
de trabalho que dão norte à ação dos sujeitos. Esta mediação é essencial para o desenvolvimento
da atividade. Quando o gênero se encontra enfraquecido, ou não é capaz de dar conta das
demandas e dificuldades impostas ao coletivo de trabalho, a atividade, muitas vezes, se cristaliza,
ao ponto das possibilidades criativas do trabalhador serem impedidas ou bloqueadas. Por fim,
há a dimensão pessoal, o estilo profissional, a partir do qual o trabalhador reinventa e recria o
gênero profissional, imprimindo sua marca neste, contribuindo para renová-lo e desenvolvê-lo.

Na Clínica da Atividade, a análise do trabalho se vale da dimensão interpessoal, de


modo que as inter-relações mantidas e os intercâmbios partilhados possam ser um caminho para
a revitalização do gênero profissional. Esta postura se justifica na medida em que “a atividade
de trabalho é assim dirigida aos outros depois de ter sido destinatária da atividade destes e antes
de o ser de novo” (Clot, 2007, p. 97).

Propõe-se, também, que subjetividade e atividade, a partir de uma perspectiva dialética,


constituem-se mutuamente e devem ser estudas em seu desenvolvimento. Assim, a noção
de atividade compreende uma relação entre o real da atividade e a atividade realizada. Esta
corresponde àquilo que o sujeito faz, a atividade que pôde ser observada; enquanto, aquela
corresponde àquilo que o sujeito deixou de realizar, que poderia ter sido feito, mas não o fez por
algum motivo. Visa-se, por conseguinte, aquilo que é visível na ação do sujeito sobre seu objeto
de trabalho, mas também a ação deste sobre si próprio, direcionada ao outro e, ainda, aquilo que
não foi realizado e encontra-se com potencialidade a ser explorada (Clot, 2010). Nesse sentido,
a atividade impedida, contrariada, suspensa, bloqueada deve fazer parte na análise do trabalho,
uma vez que “o realizado não tem o monopólio do real” (Clot, 2010, p. 105). Devido aos limites
do texto, recomendamos a leitura do livro “Trabalho e poder de agir” de Yves Clot (2010) para
um maior aprofundamento dos conceitos aqui introduzidos. No tópico seguinte iremos abordar
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 163

sobre a concepção de saúde para a Clínica da Atividade com base nos estudos de Canguilhem.

A NOÇÃO DE SAÚDE PARA CANGUILHEM

Abordaremos, agora, a concepção de saúde a partir dos preceitos filosóficos de George


Canguilhem (2009), cuja influência é explicitada por Clot (2010). Para no tópico seguinte
discutir o conceito de poder de agir, central para a compreensão de como os trabalhadores
podem construir saúde em seus contextos de trabalho.

Canguilhem (2009) traz uma contribuição para o estudo das ciências da vida ao
problematizar a concepção de saúde, questionando práticas totalizantes e discriminatórias. Suas
ideias contribuíram para reformulações em torno desse conceito dentro das ciências humanas
e da saúde, culminando com as proposições da Reforma Psiquiátrica e os questionamentos ao
instituído pela prática clínica de outrora. O filósofo propõe, assim, uma reflexão em torno da
saúde que é perpassada por questões éticas, sociais e epistemológicas.

Em sua crítica aos modelos de matriz biológica-fisiológica, Canguilhem (2009) vai


estabelecer um corte epistemológico entre as concepções dualistas de normal – patológico e
de normatização – normalização. As concepções de saúde e doença vigentes estão vinculadas
aos saberes instituídos, que estabelecem construções conceituais valorativas. Estas concepções
baseiam-se na norma vigente para determinar aquilo que está quantitativamente próximo ou
distante da norma, a fim de delimitar, a partir de parâmetros estatísticos baseados em frequência,
aquilo que é saudável ou não. Através da oposição entre saúde e doença, estabelece-se o que
é considerado como patológico como aquilo que desvia da norma e, mais ainda, como aquilo
que estabelece uma norma diferente, considerada inferior, pois foge da normalização pré-
estabelecida e tida como “padrão” de normalidade. (COELHO E FILHO, 1999).

A questão que se coloca está no caráter valorativo do estabelecimento de normas


impostas socialmente que reivindicam uma normalização da existência. Taxa-se tudo que
não a segue como anormal, como aquele que está fora da normalidade, relacionando-se com
as classificações, critérios diagnósticos, médias, padrões estatísticos a serem “seguidos” ou
“buscados”. Tal concepção valorativa se estende ao conjunto de relações e modos de vida
construídos e partilhados pela sociedade, ou seja, a existência humana vai “delimitar” padrões
de dor, sofrimento ou bem-estar, aos quais os sujeitos vão se adequar mais facilmente ou não.
Assim, enquadra-se como negativo aquilo que lhe causa algum impedimento ou impossibilidade
de manutenção (SILVA, 2008).

Essa concepção de normalização se encaixa no ideário de nossa sociedade, voltada para


o consumo, para a padronização, para a homogeneização dos corpos e da vida. Esse padrão
normativo recai sobre a necessidade premente de manter todos sob controle, porém de um
controle “camuflado” ou que não se sente. Num quadro de assujeitamento e de alienação
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 164

propícios à manutenção da ordem vigente, sem questionamentos ao que está posto e proposições
de uma nova ordem, mantém-se os padrões.

Conforme assinala Silva (2008, p. 147): “Normalizar parece ser um lema abertamente
assumido por nossa sociedade. Afinal, é preciso padronizar as coisas para que elas possam
melhor se adequar ao estatuto de mercadoria.”

O normal e o patológico não se diferenciam por uma questão puramente quantitativa,


como queriam os positivistas. Segundo o pensamento de Canguilhem (2009), esta oposição
abrange uma gama de aspectos qualitativos. Pode, inclusive, ser uma alteração que requer
criação e mudança no organismo como um todo e não em aspectos localizados e relacionados
a parâmetros quantitativos.

Conforme Lima (2011), a concepção de saúde proposta por Canguilhem está para além
de um saber restrito a especialistas e vincula-se a como os próprios sujeitos vivenciam seu
corpo, suas dores e seus prazeres. A saúde é concebida como potência de ação sobre o mundo,
como capacidade de inventar novas normas que questionem o que está posto. Ser normativo é
ter a capacidade de criar normas e possibilidades de vida.

SAÚDE E ATIVIDADE: A CLÍNICA DAATIVIDADE E O DESENVOLVIMENTO


DO PODER DE AGIR

Conforme afirmado previamente, a noção de saúde formulada por Clot (2006; 2008,
2010) se aproxima de uma definição filosófica proposta por Canguilhem. Para situar sua con-
cepção de saúde, Clot (2010) inicia seu raciocínio com uma crítica à noção de defesa oriunda
da psicanálise e apropriada pela Psicodinâmica do Trabalho. Diante do adoecimento, a defesa
mantém o sujeito no espectro da normalidade, ou seja, confinado às normas. Garante-se uma
estabilidade à custa de empobrecer os meios para se viver. Ter saúde, entretanto, é, mais que se
defender e se proteger do infortúnio da patologia, resistir à norma e, indo além, atribuir-se a
própria normatividade, compreendendo que ser “normal não é ser adaptado à situação, mas ser
criador de normas” (CLOT, 2008, p. 67).

Admitindo esses pressupostos, Clot (2010, p. 111) define a saúde como:

[…] um poder de ação sobre si mesmo e sobre o mundo, adquirido junto dos outros. Ela está
ligada à atividade vital de um sujeito, àquilo que ele consegue, ou não, mobilizar de sua atividade pessoal
no universo das atividades do outro; e, inversamente, àquilo que ele chega, ou não, a utilizar das atividades
do outro em seu próprio mundo. Portanto, se a saúde encontra sua origem na preservação do que o sujeito
se tornou, ela descobre seus recursos naquilo que ele poderia ter sido.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 165

Nota-se que a definição expressa acima se inicia afirmando o poder de o sujeito se


mobilizar em direção a si e aos outros, ou a partir de outrem, e é finalizada pela ideia de que a
saúde está associada ao devir, ao não enclausuramento pelo já realizado. Toma-se a potência
de vir-a-ser como fonte de criação. Criação em oposição à defesa. Nesse sentido, como a
atividade é devenir, “há uma equivalência entre ‘atividade’ e ‘saúde’” (CLOT, 2006, p. 105).
Em contrapartida, “o sofrimento é uma atividade contrariada, um desenvolvimento impedido.
É uma amputação do poder de agir” (CLOT, 2001, p. 50, tradução nossa). Tem-se, assim, que
na relação entre saúde e doença:

A saúde não se opõe à doença, do mesmo modo que não se identifica com ela, mas procura
apropriar-se dela. Sua tentativa consiste em alterar o estatuto da doença. A saúde, diferentemente da
normalidade defensiva, é a transformação da doença em novo meio de existir, a metamorfose de uma
experiência vivida em um meio de viver outras experiências e, finalmente, a transfiguração de um
paradoxo experimentado em história possível, de uma vivência em um meio de agir (CLOT, 2010, p.
113).

Clot (2011) vê o trabalho como espaço para expansão das potências humanas em
meio ao encontro com a diferença que ele traz consigo. Obviamente, não se desconhece a
possibilidade de seu rebaixamento, de sua dissolução como espaço de produção humana e de
criatividade. Rebaixamento que se dá quando se rebate o trabalho contra o buraco negro das
impossibilidades, das formas de proceder imutáveis e da fala esgotada ou calada, privando-se
o sujeito do encontro com a cultura que funda a ação e garante sua reinvenção. Entretanto, de
acordo com Clot (2011, p. 78):

Ao tentar dar, no ambiente profissional, outro destino à atividade desiludida (graças aos
recursos que dispõe os coletivos de trabalho, recursos desconhecidos deles mesmos), a clínica do real
que nos serve de referência encara as criações e recriações da atividade praticamente como uma negação
da morte, da morte que se apodera sempre do vivo no trabalho humano. A clínica do real encara essas
recriações aventurosas como invenção de novas possibilidades de vida [...]

Nessa direção, ter saúde é abrir-se para os possíveis e criar ou recriar as próprias
normatividades. A Clínica da Atividade é uma clínica da saúde, porque entende que sua função
é desenvolver os possíveis presentes como potência no real da atividade, em um meio onde a
atividade esteja impedida, onde haja uma amputação, um rebaixamento do poder de agir dos
trabalhadores. Conclui-se, por conseguinte, que promover saúde é ampliar o poder de agir.

O poder de agir, noção desenvolvida por Clot (2010) a partir de Ricoeur e Espinoza,
se amplia ou se reduz em função do sentido e da eficiência da atividade, portanto de sua
eficácia. Sentido que se refere ao encontro, mas não necessariamente à igualdade entre o que
é significativo para o sujeito e as metas a serem alcançadas na ação. Eficiência que precisa
ser encontrada nos modos operatórios experimentados para que a atividade se fixe, ao mesmo
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 166

tempo em que se refere ao “cuidado” que se tem com o trabalho, de modo que o sujeito possa se
reconhecer no “trabalho bem-feito”, em que se faz presente o gênero profissional e pelo qual se
assume responsabilidade. Nesta direção, a impossibilidade de se efetivar o trabalho a contento
também é fonte de sofrimento quando o profissional não encontra meios para reorganizar seu
trabalho. No sentido oposto,

[…] o bem-estar psicológico é encontrado naquilo que permite aos sujeitos realizarem
plenamente suas atividades, em outras palavras, naquilo que lhes permite avaliar e escolher efetivamente,
de uma forma esclarecida e eficaz, quando estão diante de situações delicadas. Os recursos disponíveis
são heterogêneos: ligados à instituição, à organização do trabalho, à história da profissão, à experiência
pessoal e às relações com os colegas. Por isso, em cada situação, nós procuramos maneiras diversas
para realizar um bom trabalho, a despeito da complexidade e dos obstáculos inerentes às situações
(KOSTULSKI, 2011, p. 195, tradução nossa).

A partir das reflexões de Canguilhem, a Clínica da Atividade vai além da noção de


saúde enquanto uma normatividade. Assim, nessa perspectiva, alia-se a concepção de saúde a
de atividade, como afirma Clot: “Sinto-me bem, observa Canguilhem, na medida em que sou
capaz de arcar com a responsabilidade de meus atos, de trazer coisas para a existência e de
criar entre elas relações que, sem minha intervenção, não teriam existido.” (2010, p. 7). Sendo,
portanto a noção de atividade definida como “a produção de um meio de objetos materiais ou
simbólicos, de relações humanas ou, mais exatamente, recriação de um meio de vida.” (Clot,
2010, p. 7).

Ainda, segundo Clot (2010, p. 111): “Existe um poder de agir que a doença corrói e
que o sujeito defende, sem se confundir com as defesas, há um poder de indeterminação, uma
atividade de resistência que a doença põe à prova e contraria”. Essa resistência não é individual,
ela se constrói nas relações que se estabelece ao longo da vida. Desta forma é que a saúde se
descobre, se desnuda, aparece nos devires possíveis do sujeito, nas suas multiplicidades de
existência e meio de vida.

Clot (2010) vai, desta maneira, propor uma aproximação entre atividade e saúde, uma
vez que a criação faz com que o indivíduo se sinta ativo. Atividade como criação de um meio de
vida, portanto, como a capacidade de normatividade e de ampliação das possibilidades de ação
do sujeito.
Desta forma, pretendemos apresentar no próximo tópico algumas reflexões suscitadas
a partir da intervenção já mencionada e que ilustram questões relativas ao poder de agir
dos trabalhadores que encontravam seu poder de ação impedido por um modelo de gestão
centralizador e autoritário e pelas diferentes formas de vínculo laboral dos funcionários do
setor.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 167

IMPEDIMENTOS AO PODER DE AGIR: RELATOS DE UMA EXPERIÊNCIA

Como mencionado previamente, na nossa prática como psicólogos, pudemos realizar


intervenções que tinham a Clínica da Atividade como marco teórico. Dentre estas intervenções,
analisaremos, a seguir, uma que foi realizada no setor de almoxarifado de uma instituição
pública. Este setor tinha como tarefas principais receber, armazenar e distribuir produtos nos
vários setores da instituição, dentre os quais canetas e fardos de papel e, até mesmo, produtos
químicos tóxicos. Essas tarefas eram realizadas em um galpão que tinha como anexo uma área
de escritórios na qual eram realizadas as atividades administrativas.

O setor contava com 8 servidores públicos e 10 trabalhadores contratados por meio de


empresa de terceirização de mão de obra. Nesse grupo, 7 funcionários realizavam atividades
administrativas, tais como elaboração de inventários, controle de entrada e de saída de produtos,
avaliação de solicitações de materiais e os demais se ocupavam com ações operacionais, dentre
as quais a organização de materiais no estoque e a separação, carregamento e transporte de
produtos para atender as requisições de cada setor da instituição.

A intervenção surgiu a partir de demanda da chefia do almoxarifado e, inicialmente,


dizia respeito a dificuldades de relacionamento entre os trabalhadores e falhas na execução das
tarefas relacionadas à distribuição de materiais. A análise do trabalho compreendeu uma fase
inicial de observações, seguida pela realização de auto-confrontações cruzadas. Estes momentos
eram intercalados por reuniões com o grupo de trabalho e com as chefias.

A auto-confrontação (CLOT, 2007) consiste em filmagens de atividades previamente se-


lecionadas pelo coletivo de trabalho. Posteriormente, os vídeos são apresentados ao operador
que se voluntariou a ter suas ações registradas, num debate que envolve o psicólogo que conduz
a intervenção. Esta fase é denominada de auto-confrontação simples. Em seguida, outro profis-
sional, que também passou por esta fase, é convidado a assistir os vídeos do colega e participar
das discussões e vice-versa, envolvendo, assim, dois operadores e o psicólogo. Nesta etapa re-
aliza-se a auto-confrontação cruzada propriamente dita. Todo o processo é, finalmente, siste-
matizado e debatido pelo grupo como um todo. Espera-se que, na medida em que os sujeitos
têm a própria atividade como mediadora para suas reflexões, estes possam reinventar modos de
proceder e, com isso, revitalizar o gênero profissional.

A partir do uso dessas técnicas foi possível identificar elementos que impediam o poder
de agir dos trabalhadores nas diversas dimensões do ofício mencionadas anteriormente e que
retomamos agora: impessoal, pessoal, transpessoal e interpessoal.

Inicialmente, destacamos questões relativas à decisão sobre os procedimentos de


armazenamento dos materiais, que estavam relacionadas às dimensões impessoal e interpessoal.
Havia, no galpão, estantes de metal com indicações sobre o tipo de material que deveriam
receber, mas tais indicações não eram necessariamente seguidas. Não existia, portanto, uma
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 168

normatização sobre como ordenar o estoque. Essa lacuna gerava impedimentos aos trabalhadores
terceirizados que, ao tentar definir onde cada produto deveria ser acondicionado, tomando por
base sua experiência cotidiana de trabalho, viam suas decisões rechaçadas pela gestão, que
não reconhecia a autonomia e a participação deles na organização do galpão. Por vezes, a
chefia determinava mudanças nos locais de armazenamento sem comunicá-los, pois a decisão
superior não era coletivizada e discutida com o grupo de trabalho. Quando estes iam procurar
os produtos para encaminhar aos setores, acabavam não os localizando e precisavam se reportar
ao gestor com o qual nem sempre mantinham uma relação amistosa.

Destacamos, ainda, que os terceirizados encontravam alguns empecilhos diante das


normas estabelecidas, o que reduzia sua autonomia para a realização de suas atividades. Sobre
isto, observamos que alguns profissionais tinham cargos similares, dentre os quais pode-se
destacar o de almoxarife. No tocante a este cargo, entretanto, os servidores públicos tinham um
leque de possibilidades mais amplo para realizar suas ações e aos terceirizados eram impostas
algumas limitações, como, por exemplo: aqueles eram os únicos autorizados a se responsabilizar
pela recepção de materiais, pois no documento em que se atestava o recebimento deveria constar
a matrícula funcional do trabalhador que o fez, porém, estes não possuíam essa matrícula e,
portanto, não poderiam exercer essa atividade, mesmo sendo ela pertinente a sua função dentro
da instituição. Isto acabava gerando exclusão do processo de trabalho.

Outros elementos, que se referem ao impedimento da ação dos trabalhadores na di-


mensão impessoal, relacionam-se à ausência de instrumentos e materiais de trabalho em
condições de uso, como caixas para transporte dos materiais de consumo; problemas nos “car-
rinhos” utilizados no transporte dos materiais da área de separação até o transporte; até prob-
lemas estruturais, como falta de local apropriado para realização das atividades de separação de
cartuchos de impressora ou a impossibilidade de usar os elevadores dos setores para subir ma-
teriais pesados. Podemos destacar, também, a situação precária das instalações do galpão onde
as atividades eram realizadas. O local contava com poucas fontes de luz, não possuía ventilação
adequada e, consequentemente, tornava-se quente. Além disso, estava sempre empoeirado, com
infiltrações, dentre outros. Os trabalhadores relataram que a estrutura das estantes que serviam
de sustentação para um mezanino, no qual também se armazenavam materiais, estava danifica-
da e que partes do chão deste mezanino estavam cedendo.

Pudemos observar, também, condições distintas no exercício das funções em decorrência


do tipo de vínculo empregatício. Dentre estas, citamos o recebimento de um adicional de
periculosidade pelos servidores públicos. Os trabalhadores terceirizados não faziam jus a este
direito, uma vez que, no contrato firmado entre a instituição e a prestadora do serviço não havia
previsão de verba específica destinada para esta finalidade. Apesar disto, todos os funcionários
do setor, independente do vínculo de trabalho, estavam expostos a riscos decorrentes do
armazenamento de material inflamável, como botijões de gás butano abastecidos, e da exposição
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 169

a produtos tóxicos.

Destacava-se, também, a diferença salarial entre profissionais com mesmo cargo. Por
se tratar de um vínculo diferenciado, os servidores públicos recebiam de 3 a 4 vezes mais
que os terceirizados, além de possuírem Plano de Cargos, Carreiras e Salários, de modo que
qualificações e capacitações se convertiam em benefícios salariais. Os terceirizados, caso
precisassem ou quisessem realizar alguma capacitação, deveriam procurá-la por conta própria
e custeá-la com o próprio salário.

Diante das situações apresentadas, ressaltamos que as diferenças entre o vínculo de


trabalho via terceirização e via concurso são bastante diversos. Na literatura encontramos estudos
(Silva, Iguti, Monteiro, 2014; Bernardo, Verde, Pinzón, 2013; Petean, Costa, Ribeiro, 2014)
que versam sobre as diferenças entre vínculos laborais efetivos e terceirizados, demonstrando
a vulnerabilidade a qual estes trabalhadores estão submetidos, bem como apresentando os
agravos à saúde destes diante dessa forma de vínculo laboral.

De um modo geral, as sugestões propostas pelos trabalhadores diante desses problemas


eram ignoradas pela chefia, que não reconhecia o conhecimento e autonomia destes profissionais
ao proporem soluções para as dificuldades cotidianas. Assim, percebemos uma série de
impedimentos à ação desse coletivo de trabalho, que encontra sustentação nas formas de vínculo
laboral precários, nas formas de gestão flexibilizadas e na fragilidade dos coletivos de trabalho,
cada vez mais destituídos de força coletiva para lutar por seus direitos, pela sua autonomia, e
pela possibilidade de construir sua saúde.

Após o encerramento da intervenção, foram realizadas reuniões para avaliação do


trabalho, por meio do qual pode-se obter o retorno do grupo de trabalhadores e dos gestores,
observando alguns resultados. Dentre os quais a mudança de uma das chefias do setor, que
foi tida pelo grupo como uma mudança muito significativa e benéfica para todos, já que com
a nova gestão eles tinham maiores possibilidades de diálogo e não “sentiam a pressão” como
a que sofriam na gestão anterior. Os processos de trabalho também passaram por melhorias
que facilitaram o fluxo de mercadorias e a tomada de decisão por parte dos trabalhadores,
aumentando sua autonomia e possibilidade de ação frente aos problemas cotidianos.

Outras transformações que foram observadas ao longo do processo foram as mudanças


estruturais, como a reforma de dois novos cômodos para armazenamento de material em
condições adequadas, uma vez que antes muito material era perdido devido à forma de
armazenamento. Além da chegada de dois novos funcionários para auxiliar na distribuição e
carregamento de material, o que melhorou a distribuição das tarefas e diminuiu a carga de
trabalho sobre os demais. Ainda foi adquirido um novo caminhão, que melhorou a logística das
entregas e enquanto um caminhão “tá rodando fazendo as entregas” o outro tá sendo carregado
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 170

para sair no dia seguinte, otimizando assim o processo de trabalho.

Outras mudanças e melhorias foram verbalizadas pelo grupo referentes ao clima


organizacional e ao trabalho em equipe. Assim, passou-se a ter uma maior participação do
coletivo de trabalho nas decisões e um fortalecimento deste, percebido através da ampliação do
poder de ação dos trabalhadores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tais reflexões, podemos afirmar que as contribuições de Yves Clot para a
Psicologia do Trabalho são de ordem epistemológica e ética, rompendo com uma lógica limitada
e simplista de compreender a relação saúde e doença, uma vez que a concepção adotada por
ele ultrapassa a perspectiva de dualismo, que restringia as possibilidades de compreensão de
tal relação a uma lógica adaptacionista e de normalização. Atualmente, o entendimento desta
relação apresenta-se como uma problemática não superada, mas, com um olhar ampliado, é
possível ter uma compreensão diferenciada sobre os coletivos de trabalho e sobre as intervenções
realizadas.

A partir das reflexões em torno dos dados iniciais da intervenção realizada, pudemos
observar contradições típicas do atual modelo de produção do capital em uma instituição
pública. Assim, pudemos discutir aspectos pertinentes a este contexto, relacionando-os com a
autonomia dos trabalhadores, os impedimentos para sua ação, bem como a relação estabelecida
entre eles e as condições distintas para o exercício de sua função em decorrência do tipo de
vínculo empregatício.

Ressaltamos que, a administração pública, ao imprimir aos seus trabalhadores essa mar-
ca da vulnerabilidade do trabalho, expõe uma dupla desproteção, qual seja, trabalhista e social.
Na área trabalhista, o Estado, ao promover seu enxugamento, coloca o esgarçamento dos víncu-
los e da estabilidade trabalhista como uma funcionalidade inerente a essa dinâmica. No campo
social, é estabelecida a desproteção aos sujeitos, ao que pese que, paradoxalmente, esse mesmo
Estado deveria protegê-los, sob os pilares da manutenção de direitos sociais e de cidadania,
como expresso na Carta Magna de 1988. Nesse contexto, percebemos que, na esfera do capital,
muitos são os desdobramentos dos novos modos de produção e suas consequências nefastas
para a saúde e direitos dos trabalhadores. Esses se encontram cada vez mais destituídos de sua
força coletiva, o que contribui para degradação das suas condições de vida e trabalho.

Destaca-se ainda que, embora haja estudos que abordem a relação saúde-trabalho, ainda
existem muitas lacunas a serem preenchidas na literatura, especialmente, no que diz respeito
aos estudos que envolvem a precarização do trabalho e seus aspectos ligados ao sofrimento
e adoecimento relacionados à atividade laboral, devendo estas serem exploradas por novas
pesquisas.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 171

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Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 173

REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E PLANOS DE DEMISSÃO


VOLUNTÁRIA: REFLEXÕES SOBRE A RECONFIGURAÇÃO DO SE-
TOR BANCÁRIO

Natália Diógenes de Brito

INTRODUÇÃO

Durante a década de 1990, observamos um período conturbado para a economia mun-


dial e com significativas repercussões na realidade brasileira. Nessa época, especialmente entre
os anos de 1991 e 1995, os bancos estaduais passaram a apresentar problemas generalizados de
liquidez, ou seja, o patrimônio líquido dos bancos não estava sendo administrado de maneira
que gerasse lucro para tais instituições. Essas eventualidades fizeram com que o Banco Central
(BACEN) instituísse programas de socorro financeiro, na tentativa de potencializar o aumento
de ganhos (Neto, 2011). Com a justificativa de solucionar as recorrentes crises financeiras e
promover um maior controle das dívidas dos estados, foram adotados programas de privatiza-
ção das empresas estatais estaduais.

Iniciou-se o processo de privatização dos bancos estaduais brasileiros, que foi consti-
tuído, em um primeiro momento, pela federalização das instituições, a partir da qual os bancos
passaram a ser geridos sob a égide do BACEN e, posteriormente, a aquisição deles, que, em
grande parte dos casos, deu-se por bancos privados como Bradesco e Itaú. Foi um momento de
grande instabilidade para o setor bancário, tendo em vista o notável número de fusões, aquisi-
ções e incorporações que ocorreram nessa década.

Esse processo não foi concluído sem fazer certo número de “vítimas”. Os profissionais
que trabalhavam em bancos que vieram a ser privatizados enfrentaram uma série de dificul-
dades referentes tanto à mudança organizacional em si, como à drástica redução do quadro
de funcionários dessas instituições. Este último procedimento foi amplamente auxiliado pela
utilização dos Planos de Demissão Voluntária (PDV), que consistem, segundo Leme (2000) na
rescisão do contrato trabalhista de maneira bilateral, em troca do adiantamento de uma determi-
nada indenização, que equivaleria a um número específico de anos de remuneração. Foi nesse
contexto histórico que se iniciaram as grandes mudanças para os funcionários de instituições
financeiras no Brasil como um todo, mas de forma especial para aqueles que desenvolviam suas
atividades vinculados a instituições estatais.

Se desejarmos traçar um panorama próximo à realidade experimentada por esses tra-


balhadores nas últimas duas décadas, entretanto, outros fatores de ordem política e econômica
também devem ser levados em consideração. Para além do contexto particular de nosso país,
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 174

a própria função dos trabalhadores de instituições financeiras, mais especificamente daqueles


vinculados a bancos comerciais, estava sendo posta à prova. Segundo Paiva e Borges (2009),
um dos principais movimentos que resultou na progressiva elevação das taxas de desemprego
foi a chamada reestruturação produtiva, que representa as mudanças decorrentes do notório
desenvolvimento tecnológico dos últimos anos, e que se fazia cada vez mais presente no setor
bancário.

Com esse processo, os funcionários passaram a ser substituídos por computadores e


softwares, que poderiam desempenhar seu papel de maneira mais eficaz e em um menor espaço
de tempo, caracterizando um cenário de desemprego estrutural crescente. Esse é o fenômeno ao
qual se referem Alves e Antunes (2004, p. 338) ao abordar as mudanças nas últimas décadas do
século XX no setor de serviços: “As mutações organizacionais, tecnológicas e de gestão tam-
bém afetaram fortemente o mundo do trabalho nos serviços, que cada vez mais se submetem à
racionalidade do capital e à lógica dos mercados”. Esses mesmos fatores também tiveram im-
plicações no aumento da rotatividade de funcionários, redução do quadro de empregados, bem
como na adoção de estratégias organizacionais voltadas para o cumprimento de metas estabele-
cidas de acordo com as necessidades da organização, configurando novas formas de controle e
significação da atividade laboral na atualidade.

Partindo dessa contextualização, o objetivo deste capítulo consiste em, além de anali-
sar os aspectos técnicos que constituíram os PDVs e sua aplicação em determinado momento
histórico, apresentar os desdobramentos decorrentes da realização desta ação por diversos em-
preendimentos estatais para os trabalhadores. Para tanto, realizaremos um levantamento biblio-
gráfico direcionado pelas temáticas PDV e reestruturação produtiva, no sentido de apreender o
processo de utilização do PDV e seus reflexos para a classe trabalhadora.

Desenvolveremos o presente capítulo através de um aprofundamento progressivo da te-


mática PDV. Iniciaremos nossa discussão com reflexões políticas e econômicas referentes à ins-
tituição do modelo neoliberal e à nova morfologia do mundo do trabalho no contexto dos países
capitalistas ocidentais. Em seguida, discutiremos a adoção de políticas neoliberais no contexto
brasileiro, abordando suas características e aplicações no decorrer das décadas de 1990 e 2000.
Passaremos, então, a analisar uma das ações tomadas por diversas organizações no contexto da
privatização de setores e neoliberalização política e econômica brasileira, no caso, os Planos de
Demissão Voluntária, examinando a repercussão dessa medida para os trabalhadores que foram
por ela afetados. Posteriormente, examinaremos os efeitos dos planos de demissão em uma
das categorias mais amplamente afetadas por estes, os trabalhadores bancários vinculados a
empreendimentos estatais. Encerraremos o trabalho apresentando considerações referentes aos
resultados do levantamento bibliográfico, discorrendo sobre a adoção dos PDVs no momento
econômico e político atual do Brasil e concluindo nossa reflexão sobre a referida temática.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 175

O MODELO NEOLIBERAL E AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRA-


BALHO

Na tentativa de nos apropriarmos adequadamente do contexto no qual os trabalhado-


res brasileiros estão inseridos atualmente, assim como compreender as mudanças globais que
afetam o mundo do trabalho, é necessário que realizemos um breve retrocesso temporal pelas
transformações econômicas e sociais das últimas décadas. Para tanto, ressaltaremos os aconte-
cimentos históricos que se constituem como pontos-chave para a instituição e o fortalecimento
da doutrina neoliberal, bem como para a manutenção do modo de produção capitalista. Sendo
assim, com o intuito de analisar os primórdios da doutrina neoliberal, é necessário que também
abordemos o ápice e a derrocada do modelo fordista-taylorista enquanto modo de produção
predominante. Com isso, esperamos expor as críticas feitas a esse modelo, às quais os ideais
neoliberais se apresentaram como supostas soluções políticas e econômicas.

O modo de produção fordista é caracterizado pela forma de organização do trabalho em


linha de produção, pela elevada especialização dos trabalhadores e mecanização do processo
produtivo. A forma de organização do trabalho aplicada por Henry Ford, no início da década
de 1910, teve grande influência do modelo de administração taylorista, proposto por Frederick
Taylor como um método de racionalização da produção em massa. Tal modo de produção tinha
por finalidade o aumento da produtividade, alcançado através da fragmentação do processo
operacional, bem como da realização de estudos sobre a maneira ótima de se produzir (Polizelli
& Ruiz, 2011), o que resultou no desenvolvimento de técnicas voltadas para o controle do tem-
po e dos movimentos realizados por cada operário no decorrer da produção.

Iniciaremos nosso percurso histórico em meados do século XX, quando o modo de


produção fordista-taylorista alcançou sua fase áurea (Bonanno, 1999). Nesse período, marcado
pelo fim da Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945) e, consequente, vitória dos países Aliados
(cujos principais expoentes foram Estados Unidos da América, a União Soviética e o Império
Britânico), foi notória a ascensão de indústrias que se desenvolveram como resposta às neces-
sidades bélicas. Os empreendimentos do ramo petroquímico, automobilístico, de equipamentos
de transporte e construção são exemplos de indústrias que se expandiram durante esse momento
histórico. Esse desenvolvimento terminou por transformar as regiões industrializadas nos cen-
tros da economia mundial e situar o binômio fordismo-taylorismo como a forma de organização
predominante da chamada “Era de Ouro” do capitalismo (Santos, 2009).

O fordismo-taylorismo, unido aos preceitos da teoria econômica Keynesiana, que de-


termina uma pronunciada intervenção estatal na economia, passou a expandir-se internacio-
nalmente, atraindo diversos países para a rede capitalista. A teoria proposta por John Key-
nes, economista britânico, defende a necessidade da “mão visível” do Estado na regulação
das disfunções sócio-econômicas do capitalismo (Filho, 1997). Apesar dos diferentes níveis
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 176

de intervencionismo adotados pelas nações e levando em consideração as distintas tendências


ideológicas de países como França, Alemanha Ocidental e Grã-Bretanha, é notória a criação de
um crescimento econômico estável e um aumento dos padrões materiais de vida. A criação e
manutenção dessa estabilidade se deu através da combinação de organizações políticas como o
Estado de bem-estar social, da administração econômica keynesiana e do controle de relações
de salário (Harvey, 1990).

Segundo Harvey (1990), entre as décadas de 1950 e 1960, o capitalismo fordista atingiu
sua maturidade. Os países que adotaram o chamado “Alto Fordismo”, termo utilizado para indi-
car o modelo fordista-taylorista no período pós-guerra, mantiveram um crescimento econômico
forte e relativamente estável. Entretanto, mesmo quando o capitalismo fordista alcançou seu
apogeu, havia sinais de descontentamento por parte daqueles que não eram beneficiados por
este sistema. Aos trabalhadores que eram negadas as possibilidades de crescimento do sistema
de produção em massa, seja por gênero ou etnia, se uniram os países de “terceiro mundo”, que
buscavam as promessas de emancipação e modernização, mas alcançaram apenas “a destruição
das culturas locais, muita opressão e diversas formas de dominação capitalista em retorno”
(Harvey, 1990, p.139).

Os primeiros sinais de esgotamento do modelo de acumulação fordista começaram a


surgir na década de 1970, quando a crise do capital desestabilizou o “Alto Fordismo”. A econo-
mia mundial passou por um período de grande recessão, sendo o primeiro do pós-guerra, e, no
ano de 1973, ocorreu a crise estrutural do sistema do capital, que ficou conhecida como “Crise
do Petróleo”. Segundo Anderson (1995), essa crise combinou baixas taxas de crescimento eco-
nômico com altas taxas de inflação. A desaceleração do capitalismo pós-guerra foi resultado de
um conjunto de outros processos que se desenvolveram concomitantemente, tais como:

O aumento da competitividade nos mercados internacionais (resultante da recuperação total da


Europa e da Ásia devido aos estragos provocados pela Segunda Guerra Mundial); insuficiência de inves-
timento de capital em novas tecnologias e estagnação organizacional, o fracasso do desenvolvimento da
política industrial, o aumento dos custos do bem-estar social e outros fatores... (Bonanno, 1999, p.29).

Com a mundialização do capital e o aumento da concorrência no mercado internacional,


inicia-se um novo processo de estruturação produtiva, com o intuito de estabelecer um novo
padrão de acumulação capitalista. A acumulação flexível surge nesse contexto como forma de
enfrentamento às condições críticas do capitalismo, propondo um confronto direto à rigidez
do modelo fordista-taylorista e apoiando a flexibilização dos processos e mercados de trabalho
(Alves, 2011).

A acumulação flexível, como caracterizada por Alves (2011), constitui um novo ímpeto
de expansão da produção de mercadorias e de vantagem comparativa na concorrência inter-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 177

nacional. Também, segundo Harvey (1990), ela se dá através da intensificação de inovação


comercial, tecnológica e organizacional, promovendo um movimento de compressão do espa-
ço-tempo no mundo capitalista.

No âmbito social, esse período foi caracterizado por baixos salários e pelo aumento do
trabalho em tempo parcial (part-time job). As organizações voltaram seus esforços para sua
própria manutenção e sobrevivência em período de crise, enquanto o Estado, por sua vez, bus-
cava novas estratégias para a contenção da inflação. A característica keynesiana fundamental do
sistema fordista-taylorista, ou seja, a pressuposição do intervencionismo estatal na economia,
passou a ser severamente criticada (Anderson, 1995; Bonanno, 1999) e percebida como fonte
da rigidez do modelo e causa da retração econômica.

Foi nesse momento de desestruturação e instabilidade que os ideais neoliberais começa-


ram a ganhar forças frente ao modelo econômico anterior. Nos últimos anos da década de 1970,
a primeira-ministra britânica Margareth Thatcher e o então presidente americano Ronald Rea-
gan foram promotores da doutrina neoliberal, que, para solucionar a questão da inflação eleva-
da, adotaram uma série de profundas transformações político-econômicas, como a redução do
poder das organizações trabalhistas e aceitação de níveis mais elevados de desemprego, além
de cortes nos gastos sociais e, posteriormente, privatizações de empresas estatais (Marconsin,
Marconsin & Forti, 2012). Tais medidas foram tomadas, pois, de acordo com a doutrina neoli-
beral, segundo a qual as liberdades individuais seriam garantidas pelas liberdades de mercado
e comércio (Harvey, 2008), os movimentos sindicais e operários eram identificados como prin-
cipal fator desencadeador da crise:

As raízes da crise, segundo o pensamento neoliberal, estariam no poder excessivo e ‘nefasto’ dos
sindicatos e do movimento operário que, através da pressão pelo aumento dos salários e asseguramento
de garantias e proteções trabalhistas, ocasionava a inviabilidade da retomada e crescimento dos lucros,
corroendo as bases de acumulação das empresas e fomentando um processo de explosão inflacionária.
(Montenegro, 2007, p.4).

O Estado deveria ser forte para conter as manifestações populares e empreender essas
transformações com sucesso, mas a ele seria restrita qualquer intervenção na economia. Nesse
ponto, é necessário afirmar que tais transformações não ocorreram de maneira pacífica e fluida.
No decorrer das primeiras décadas do século XX, o modelo de organização do trabalho fordista,
apesar de promover a alienação do processo produtivo, também foi associado à consolidação
de direitos trabalhistas e organização de sindicatos (Moita, 2012). Nesse sentido, a luta pela
diminuição do poder conquistado pelos trabalhadores consistiu em um desafio para os novos
adeptos do pensamento neoliberal.

No decorrer da década de 1980, o modelo neoliberal se expandiu gradativamente pelos


países da Europa Ocidental, que, apesar de não praticarem os grandes cortes em gastos sociais
ou enfrentamentos dos sindicatos realizados por Inglaterra e Estados Unidos, enfatizaram a
disciplina orçamentária e as reformas fiscais.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 178

Em 1990, economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e do


Departamento do Tesouro dos Estados Unidos desenvolveram um plano para o “ajustamento
macroeconômico” de países subdesenvolvidos, que deveria ser aplicado nos países da América
Latina, tendo como base preceitos neoliberais. Esse documento, fundamentado em um texto
do economista John Williamson, era composto por 10 medidas econômicas que resultariam no
crescimento econômico da nação que porventura as adotasse.

O plano, que ficou conhecido como Consenso de Washington, tinha como principais
pontos de ação: “Promover a estabilização da economia através do ajuste fiscal e da adoção de
políticas econômicas ortodoxas em que o mercado desempenhe o papel fundamental” (Pereira,
1990, p. 6), assim como a redução da intervenção do Estado na economia. Após os períodos de
crise enfrentados nas duas últimas décadas, muitos países da América Latina e do Leste Asiá-
tico adotaram parcial ou totalmente essas medidas. No Brasil, o Consenso de Washington teve
grande influência sobre a consolidação do Plano Real.

NEOLIBERALISMO NO BRASIL

Para analisar a influência da doutrina neoliberal no contexto brasileiro, adotaremos a


mesma concepção de Filgueiras (2006) no que diz respeito à implementação do projeto neoli-
beral no Brasil. Segundo esta, a constituição do projeto neoliberal não se deu de maneira prévia,
mas concomitantemente ao seu processo de implementação, sendo seu resultado alcançado
através de disputas políticas e luta de classes. Tal concepção nos levaria à constatação de que
“o Brasil foi o último país da América Latina a implementar um projeto neoliberal” (Filgueiras,
2006, p. 180), bem como à explicação das diferenças e especificidades de cada projeto neolibe-
ral dentre os países latino-americanos.

Um dos pontos que influenciou fortemente o “atraso” da implantação neoliberal foi a


intensa atividade política por parte das classes trabalhadoras brasileiras no decorrer da década
de 1980. A partir de 1978, ano que ficou marcado pelo ressurgimento do movimento sindical
através das greves no maior complexo industrial do país, o ABC Paulista, diversos eventos
marcaram o fortalecimento deste “novo sindicalismo”, tais como a constituição do Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e
do Partido dos Trabalhadores (PT) (Alves, 2000).

Também durante a década de 1980, principalmente em decorrência do fracasso dos Pla-


nos Cruzado, Bresser e Verão, que objetivavam a estabilização da economia, foi se fortalecendo
o projeto neoliberal (Filgueiras, 2006). Nos anos 1990, a implantação se inicia categoricamente
a partir do governo Collor, com a adoção de um discurso liberal radical, a abertura da economia
e o processo de privatizações. Ainda havia uma forte resistência à doutrina, que partia, princi-
palmente, dos movimentos sociais e do movimento sindical (Filgueiras, 2000).
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 179

Desse modo, podemos observar o início do processo de implantação do projeto neolibe-


ral no Brasil, que viria a passar por três momentos distintos: uma fase inicial, caracterizada pela
ruptura com o Modelo de Substituição de Importações (MSI) e implantação, durante o governo
Collor (1990 – 1992), das primeiras ações de natureza neoliberal; uma fase de consolidação e
ampliação do novo modelo no primeiro Governo Fernando Henrique Cardoso (1995 – 1998); e
uma fase de ajuste da nova ordem econômico-social neoliberal durante o segundo governo de
Fernando Henrique Cardoso (1999 – 2002) (Filgueiras, 2006).

Boito (2006) enumera três elementos característicos do modelo neoliberal que foram
adotados nos diversos momentos da implementação deste no contexto brasileiro: (1) a polí-
tica de desregulamentação do mercado de trabalho, redução de salários e redução de gastos e
direitos sociais; (2) a política de privatização e (3) a política de abertura comercial. Durante o
governo Collor, foram propostas e iniciadas ações que cobririam esses elementos com os planos
Collor I e II. Estes promoveram a abertura comercial através da eliminação de barreiras não-ta-
rifárias às compras externas e redução das alíquotas de importação, além de iniciar o programa
de privatização (Alves, 2002).

A abertura comercial-financeira acirrou a concorrência intercapitalista, impulsionando


as empresas nacionais em um processo acelerado de reestruturação. Tal processo, que atingiu
tanto empresas públicas quanto privadas, caracterizava-se pela introdução de novos modelos
de gestão e de novas tecnologias. Segundo Filgueiras (2006, p.187) “a face mais visível desse
processo foi o grande salto verificado nas taxas de desemprego, sintomaticamente a partir dos
anos 1990...”.

Com a incapacidade do governo Collor de estabilizar a economia, além da profunda re-


cessão que assolou o país após seus fracassados planos, o presidente Fernando Collor de Melo,
depois de seguidas denúncias de corrupção, teve seu mandato cassado. Assumiu em seu lugar o
vice-presidente Itamar Franco, “que criou, a seguir, as condições macroeconômicas para o lan-
çamento do Plano Real” (Alves, 2002, p. 74). Posteriormente, o governo de Fernando Henrique
Cardoso retomou a política neoliberal adotada no governo Collor, de maneira a aperfeiçoar e
concluir o projeto proposto pelos governantes anteriores no decorrer de seus dois mandatos.

O principal marco do governo Cardoso foi a consolidação do Plano Real. Em linhas


gerais, o Plano Real teve por objetivo a redução da inflação brasileira e a inserção do Brasil no
processo de globalização econômica. Tais intentos, em especial a estabilização da economia,
foram alcançados através do endividamento externo e da privatização de empresas públicas,
como forma de superar a inércia inflacionária e a crise fiscal (Vizentini, 2005). Seguiu-se a
ampliação da abertura comercial, que, juntamente ao processo de privatizações, promoveram a
desnacionalização e internacionalização da economia brasileira. O reflexo desse processo para
os trabalhadores brasileiros foi o aumento das já elevadas taxas de desemprego.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 180

Frente a tais mudanças, e levando em consideração a força e representatividade que o


movimento sindical conseguiu atingir na década de 1980, esperava-se uma tomada de posição
orientada ao enfrentamento das imposições do modelo neoliberal por parte da classe trabalha-
dora. Entretanto, durante a era neoliberal, houve uma mudança qualitativa na direção do “novo
sindicalismo”, passando de uma orientação de confronto para uma orientação propositiva (lves,
2000).

Tal posicionamento se deveu majoritariamente à grande recessão do início da


década de 1990, ocasionada pelos planos Collor, bem como às elevadas taxas de desemprego,
que minaram a ação do movimento sindical. As greves, principal meio de contestação da classe
trabalhadora durante as décadas de 1970 e 1980, foram reduzidas em frequência e em número
de grevistas no decorrer da década de 1990. Alves (2000) também ressalta a importância da
reestruturação produtiva nesse processo:

Mas não podemos deixar de lado a hipótese de que, a série de práticas inovadoras, de caráter
organizacional, na indústria brasileira, que constitui um importante aspecto do novo complexo de rees-
truturação produtiva, [...], e a livre negociação de salários, com a concessão de abonos e antecipações
salariais, de acordo com o espírito do toyotismo, tenham colaborado sobremaneira com o recuo das gre-
ves. (Alves, 2000, p. 120).

Nesse contexto, foram questionadas a excessiva regulação do mercado de trabalho e a


rigidez da legislação trabalhista e sindical frente à nova configuração do mercado internacional,
sendo consideradas um entrave para a inserção do Brasil no processo de globalização (Cardoso,
2000). Objetivando a modernização econômica e social brasileira, o governo Cardoso passa a
formular, a partir de 1994, uma série de propostas referentes à alteração do sistema de relações
de trabalho. Esta se daria no sentido de flexibilizar as relações trabalhistas, um passo imprescin-
dível para o processo de racionalização produtiva das empresas (Vidangos, 2007).

O desdobramento das medidas tomadas pelo Executivo Federal na década de 1990 foi
o aumento das diversas modalidades de trabalho precarizado, como os trabalhadores terceiri-
zados, subcontratados e part-time. Com a redução da influência política e do poder econômico
do empresariado industrial brasileiro, houve a redução e desconcentração desse segmento do
operariado, sendo este amplamente absorvido por um “setor de serviços” afetado pela rees-
truturação produtiva, submisso à racionalidade do capital e à lógica dos mercados (Alves &
Antunes, 2004).

Nos anos subsequentes, outras medidas que objetivavam a modificação e flexibilização


das relações trabalhistas referiam-se especificamente ao enfraquecimento da estabilidade de
servidores públicos, bem como à facilitação de seu processo demissional, de maneira a comple-
mentar o programa de privatizações (Vidangos, 2007). Essas medidas, como a Lei 9.801/99 que
regulamentava a demissão de servidores públicos estáveis pela alegação de excesso de pessoal,
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 181

acompanhou a utilização dos Planos de Demissão Voluntária (PDV) como forma de auxiliar o
processo de venda e fusão de empresas nacionais a empreendimentos estrangeiros.

O PDV, então, se constituiu em uma estratégia de corte neoliberal, que visava a deses-
truturação do setor público de economia mista, no qual foi amplamente utilizado. Frente à mu-
dança na configuração das relações de trabalho, foram desenvolvidos sistemas de exoneração
por desligamento voluntário para promover a redução de quadro funcional no setor público
(Leme, 2000).

Entretanto, a utilização desta estratégia gerou consequências negativas tanto para as


empresas que fizeram uso desta por não terem o controle sobre o processo, o que acarretou
inevitavelmente na perda de pessoal qualificado (Caldas, 2000 apud Leme, 2000); como aos
funcionários que, por vezes, seriam pressionados a aceitar os planos propostos pela empresa
(Silva, Pinheiro & Sakurai, 1998). A análise desse sistema de exoneração e seus reflexos para a
subjetividade dos milhares de trabalhadores brasileiros que passaram pelos PDV consistirão no
próximo assunto tratado por esta investigação.

PLANOS DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA

Os PDV surgiram com o intuito de facilitar o processo demissional de um grande con-


tingente de trabalhadores, promovendo a redução do quadro funcional de empresas e conse-
quente redução de custos com a contratação e manutenção de funcionários. Ele passou a ser
amplamente utilizado durante a década de 1990 e 2000, quando ocorreram as principais alte-
rações político-econômicas nacionais no sentido da abertura comercial. Tal fenômeno se apre-
sentou como um impulso para a reestruturação do processo produtivo, também em decorrência
do grande avanço tecnológico da época, e da gestão empresarial. O conjunto dessas mudanças
resultou na demissão de milhares de trabalhadores brasileiros, elevando as taxas de desempre-
go, que, ao fim da década de 1990, atingiu 7,3% (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
2002).

A utilização dos PDV foi inicialmente verificada em países como Inglaterra e Estados
Unidos, devido ao seu alinhamento com políticas neoliberais. Nesses países, os PDV foram rea-
lizados através do trabalho de consultorias que assessoravam empresas, ficando essas responsá-
veis pelo procedimento. Sobre as empresas que adotaram essa forma de demissão, Pfeilsticker
(2008, p.11) ressalta que eram: “Grandes empresas, normalmente bem sucedidas e que, durante
décadas, ofereceram a seus funcionários a possibilidade de construir uma carreira como projeto
de uma vida inteira, garantindo-lhes, tacitamente, estabilidade e segurança em troca de lealdade
e comprometimento”.
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No Brasil, a adoção do PDV como estratégia organizacional passou a ocorrer em grande


escala na década de 1990, quando a política econômica se voltou para a modernização da eco-
nomia brasileira, levando à consequente flexibilização das relações trabalhistas. De acordo com
Leite (2000), as primeiras categorias que passaram por PDV foram os metalúrgicos de monta-
doras e bancários, nas quais os efeitos da automação e da modernização do aparato tecnológico
foram mais evidentes no início da década.

O processo do PDV pode variar de acordo com as necessidades da empresa que o está
adotando, mas, de maneira geral, sua finalidade é “enxugar” o quadro funcional. Assim, é ne-
cessário que as ofertas propostas aos trabalhadores sejam aparentemente vantajosas para que
um número considerável de funcionários manifeste interesse em assinar o termo de demissão.
Para isso, como uma forma de estímulo à adoção dos PDV, podem ser oferecidos em um pri-
meiro momento, benefícios como pagamentos dos Planos de Saúde e Previdenciário, além da
indenização em dinheiro correspondente a determinado número de salários (Pfeilsticker, 2008).

Porém, como explicitado anteriormente, podem existir pontos negativos na utilização


dos PDV tanto para a empresa que faz uso desta ferramenta como para o trabalhador que pas-
sará por esse processo. Um deles parte da própria dificuldade de reinserção no mercado laboral.
Para os trabalhadores que buscam novas oportunidades de inserção em outros setores ou mes-
mo investir em empreendimentos próprios, o PDV pode surgir como uma proposta tentadora.
Entretanto, com a crescente flexibilização das relações trabalhistas, essa aspiração pode encon-
trar dificuldades.

Lima (2000 apud Grimm, 2002) critica os objetivos principais dos PDV, sugerindo que
a verdadeira meta dos planos de demissão seria, para além do enxugamento do quadro, a rea-
locação desses funcionários no mercado produtivo, de maneira que este contingente não se
volte para o mercado informal. Durante a década de 1990, o mercado de trabalho brasileiro
presenciou uma elevação sem precedentes no nível de informalidade, significando o aumento
da proporção de trabalhadores por conta própria e sem carteira de trabalho assinada (Ulyssea,
2006). Ramos (2002, apud Bosch et al, 2007), ressalta que o aumento da informalidade se deu
por uma alteração estrutural, sendo fundamentada no crescimento do setor de serviços e redu-
ção do setor industrial.

Essa característica pode ser observada de maneira mais evidente através do relato de
funcionários do setor público (Pfeilsticker, 2008; Silva et al, 1998), que fizeram a travessia do
universo da estabilidade para as vulnerabilidades do mercado de trabalho. A referida vulnera-
bilidade se configura no sentido de, em um contexto de desemprego estrutural elevado, impul-
sionar a submissão de grandes contingentes de trabalhadores a condições de trabalho precárias.
Dessa forma, a precarização é tida como a privação, para este contingente, de direitos básicos e
necessários ao pleno exercício da atividade designada (Rabelo & Barbosa, 2012).
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Outro ponto importante a ser ressaltado é a manutenção do clima organizacional, sendo


este caracterizado como o ambiente interno entre os membros da organização (Chiavenato,
2009), durante o período do PDV. A partir do anúncio do plano é estabelecido um prazo para a
assinatura deste pelos funcionários elegíveis à demissão, caso o processo não seja voltado para
todos os funcionários da organização.

Nota-se uma duração reduzida do período de assinatura do PDV, de apenas algumas


semanas (Bessi, 2003). Tal estratégia é adotada como uma forma de pressionar a escolha dos
funcionários e, assim, “recrutar” um maior número de funcionários para a demissão. De acordo
com os relatos colhidos por Pfeilsticker (2008), o ex-Diretor de Recursos Humanos do Banco
do Brasil, João Batista de Camargo, que ocupava o cargo durante a primeira edição do PDV,
relatou que a pressão temporal foi uma importante estratégia para o sucesso do plano na insti-
tuição. Segundo ele, o prazo de adesões tão curto se deveu, de fato, à previsão dos problemas
emocionais que tal decisão geraria nos funcionários.

Tem-se observado que, nesse momento, que engloba desde a realização do anúncio até
a finalização do processo, o nível de insegurança dos funcionários aumenta bastante, em decor-
rência de diversos aspectos. Seja pela nova configuração de sua atividade (Carrijo & Navarro,
2009), a sensação de inadequabilidade por parte dos trabalhadores mais velhos (Correia, 2008),
o medo da demissão após o encerramento do período de assinatura (Cunha & Mazzilli, 2005),
dentre tantas outras possibilidades, os trabalhadores vivenciam esse período de maneira tensa,
ansiando por descobrirem o que será feito com aqueles que negarem o PDV, bem como o que
acontecerá com os funcionários que o aceitaram.

Segundo Dejours (2007, p. 19), “Indubitavelmente, quem perdeu o emprego, quem não
consegue empregar-se ou reempregar-se e passa pelo processo de dessocialização progressivo,
sofre”. O reconhecimento de tal sofrimento gera o sentimento de medo, diante da ameaça de
exclusão iminente. Por si, o medo gera a angústia, que se reflete naqueles que temem não satis-
fazer às expectativas, de não estar à altura das incontáveis imposições da organização (Gaule-
jac, 2007).

OS PLANOS DE DEMISSÃO NO SETOR BANCÁRIO

Durante a década de 1990 e início dos anos 2000, o setor bancário foi um dos mais
amplamente atingidos pelos processos de desligamento em massa, como resultado do processo
de automação e informatização do setor. No destacado período, tais mudanças atingiram di-
versos planos da organização bancária e da sociedade, promovendo o avanço do processo de
internacionalização do sistema financeiro, a implementação de políticas de regulação do setor
financeiro e um processo de “privatização da cultura organizacional”, que fez com que bancos
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em todo país mudassem sua função social, descartando o apoio ao desenvolvimento econômico
para se tornarem bancos comerciais (Druck et al, 2002).

Segundo Larangeira (1997), no contexto do trabalho bancário tradicional, ou seja, como


era realizado aos moldes do modelo taylorista-fordista, o atendimento dos bancos se dava em
meio a mercados segmentados, atuando de maneira complementar entre si, visto que havia um
número limitado e estável de produtos.

As estruturas de funcionamento correspondiam à organização por agências, a qualificação era


adquirida, principalmente, por ‘experiência’; o mercado interno de trabalho estruturava-se de forma fe-
chada, orientando-se por um modelo rigidamente hierárquico, com mobilidade reduzida e como critério
de promoção o tempo de serviço. (Larangeira, 1997, p. 111).

Tais características se modificaram a partir dos anos 1970, quando os bancos come-
çaram a operar em termos de bancos múltiplos e redes de agências. A partir desse momento
intensificou-se a internacionalização das transações bancárias, fazendo com que houvesse um
aumento na competitividade e profundas transformações na organização do trabalho bancário.

Essa mudança de paradigma implicou marcadamente no exercício da atividade dos tra-


balhadores bancários, que passaram a adotar a venda de serviços como principal objetivo de
sua atividade. A grande redução do contingente de trabalhadores bancários implicou na utili-
zação de diferentes políticas de gestão, dentre elas, os PDV. De acordo com diversos estudos
(Silva, 2002; Druck et al, 2002; Silva et al, 2007), de fato, as gerências de cada agência atuam
ativamente no sentido de pressionar determinados funcionários elegíveis à adoção do PDV. A
pressão não decorre apenas dos gerentes, mas da própria apresentação do plano, que, por vezes,
enfatiza o empreendedorismo e a oportunidade “imperdível” de desenvolvimento de um negó-
cio próprio.

Outro fenômeno de grande importância que toma cada vez mais espaço no setor bancá-
rio é a terceirização de atividades. De acordo com Garcia (1999), o processo de terceirização do
setor bancário, iniciado em áreas de apoio como serviços gerais e vigilância e que avança para
atividades técnicas (Recursos Humanos e departamento jurídico), chegando a atividades fim
(processamento de dados e tratamento de documentos contábeis); à medida que vincula estraté-
gias de redução de custos com encargos trabalhistas, passa a conduzir à negação das condições
de trabalho dos bancários.

Dentre os reflexos deste processo estão o rebaixamento salarial, o aumento da jornada


de trabalho, a perda de direitos trabalhistas, dentre tantos outros. Fortemente influenciado pela
demissão de um grande número de funcionários, da reestruturação e informatização do setor
bancário, percebe-se que o número de tarefas a serem realizadas por esses profissionais aumen-
ta gradativamente, principalmente em função do enxugamento dos quadros (Barbarini, 2001).
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Com a diversificação dos serviços ofertados, o trabalho bancário ganha uma nova configuração,
que, com a redução do número de funcionários atuando em agências, afeta diretamente na in-
tensidade do trabalho realizado.

Em 12 anos, de 1986 a 1998, houve uma redução de 48% de empregos no setor ban-
cário, passando de 705.065 a 367.852 empregos (Druck et al, 2002). Atualmente, o emprego
no banco público caracteriza-se como instável, em decorrência da ampla utilização de PDV,
Planos de Aposentadoria Incentivada (PAI) e frequentes transferências de locais de trabalho.
A automação, com o surgimento de caixas e autoatendimento e possibilidade de realizar tran-
sações via internet (Internet Banking), foi, em diversos casos, utilizada como justificativa para
implementar os PDV.

O sindicato dos bancários também sofreu uma grande perda de associados, em decor-
rência do número representativo de demissões. Isso promoveu a desmobilização sindical, in-
correndo na predominância do discurso de incentivo à individualização das negociações no
trabalho (Barbarini, 2001). A atuação dos sindicatos fica, então, limitada a ações pontuais, nor-
malmente relativas a denúncias, obtendo poucos resultados concretos no sentido de benefícios
e mudanças, mesmo que parciais, para o trabalhador bancário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os planos de demissão voluntária, como esclarecido anteriormente, constituem-se em


estratégias organizacionais que objetivam a rescisão contratual de um grande contingente de
funcionários mediante a oferta de benefícios financeiros, fazendo com que a assinatura desses
planos possibilite o desligamento formal dos empregados e liberação do empregador de pos-
teriores encargos judiciários referentes a esses vínculos trabalhistas. Eles foram amplamente
adotados no decorrer das décadas de 1990 e 2000, mas parecem ter ganhado um novo fôlego
frente à recessão econômica experimentada no Brasil durante os últimos anos.

Através deste levantamento bibliográfico, que perpassou um grande número de publi-


cações acadêmicas referentes a esse fenômeno organizacional, datadas das décadas de 1990 e
2000, terminamos por descobrir que os Planos de Demissão Voluntária estão ressurgindo como
importante ação no meio empresarial, principalmente em empreendimentos do setor metalúrgi-
co , que podem ser observados nos casos do PDV promovido pela Mercedes Benz em abril de
2014, que foi estendido a 2000 funcionários (Metalúrgicos e Mineradores do Estado da Bahia,
2014), o programa adotado pela General Motors em fevereiro de 2015, que oferecia, além de
salários extras, um automóvel para os colaboradores com restrições médicas que não poderiam
ser demitidos pela empresa sem justa causa (Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano do Sul,
2015), dentre outros.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 186

Esses exemplos tão recentes reiteram a importância de continuarmos analisando os efei-


tos dessas práticas organizacionais para os trabalhadores, que se encontram mais uma vez em
um período político e econômico conturbado. O aumento da taxa de desocupação, que voltou a
alcançar 7,6% em agosto de 2015 (IBGE, 2015), turva cada vez mais os limites entre demissões
voluntárias e compulsórias, fazendo com que, mesmo frente à oferta de bonificações financeiras
e à possibilidade de montar o próprio empreendimento com a quantia recebida, o trabalhador
seja compelido a aceitar medidas como o PDV pelo simples receio de ser sumariamente demi-
tido posteriormente.

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Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 190

TRABALHO E SUBJETIVIDADE: APORTES INICIAIS À


DISCUSSÃO A PARTIR DA CRÍTICA À ECONOMIA POLÍTICA

Tainã Alcantara de Carvalho

INTRODUÇÃO

Percebe-se na atualidade uma maior apreensão do indivíduo pelo trabalho, captando-o


junto ao espaço laboral não apenas temporalmente, ao invadir o seu tempo de não trabalho,
dando a este uma nova conotação de tempo útil ao trabalho e para o trabalho, mas também em
termos de captura da individualidade do sujeito, sendo este não mais “sugado” pelo trabalho
apenas por meio da exploração de sua capacidade e habilidades físicas, mas, e principalmente,
por meio de sua subjetividade, dos valores e sentidos atribuídos pelo indivíduo à sua realidade.
É bem dizer, em acordo com Alves (2011a), uma cooptação da subjetividade.

Apesar da atualidade da presente questão quando, por exemplo, são pontuados os


comportamentos de culto à performance e de uma exclusiva auto-dependência dos indivíduos,
relacionados à prevalência do individual em meio da vida em sociedade (Bendassolli, 2000),
a temática pode ser percebida já nas obras de Marx e Engels, apesar de muitas vezes parecer
suplantada pelas condições mais óbvias da exploração do trabalho, a saber, relacionadas à
exploração física da mão-de-obra. Sobre esta, como bem considera Marx (1980) nos relatos da
sociedade industrial de sua época, não se mostrava incomum a adoção de jornadas extenuantes,
ultrapassando as 12 horas diárias de trabalho em condições degradantes. Apesar disso, em
conjunto às contribuições de Engels (2010), podem ser percebidas análises e importâncias
concedidas ao indivíduo “produzido” durante o período de incipiência da produção industrial,
levando em conta as relações sociais (com a família e os outros indivíduos, trabalhadores ou
não) e ambientais (o espaço de trabalho e o espaço de não-trabalho).

Considerando como base à desconstrução teórica do processo de produção de


mercadorias (e, assim, ao delineamento da teoria do valor-trabalho) a economia política burguesa
desenvolvida até sua época – ou, como inicialmente a denomina, a “Economia Nacional” –,
Marx e Engels preenchem espaço ímpar no debate sobre a construção da sociedade moderna,
adotando para tal a centralização do trabalho enquanto atividade que torna o ser humano o
que é. Mais especificamente, assinala-se o trabalho consciente, que, diferente das atividades
das demais espécies, as quais se propõem a contemplar apenas as necessidades primárias,
caracteriza-se pela antecipação à própria atividade, por sua permanência durante a mesma
e por sua finalização, expansão ou, pode-se dizer, transferência após o término do processo
inicialmente proposto.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 191

O presente estudo, desta forma, deverá salientar a significância da teoria marxiana


(levando em consideração, assim, não apenas a construção teórica realizada por Marx, mas
também as contribuições de Engels ao desenvolvimento de tal) na discussão sobre a importância
do trabalho na formação do indivíduo e, mais especificamente, na moldagem de uma “nova
subjetividade” do trabalhador – atrelada, segundo os pensadores, à própria concepção a respeito
da cotidianidade –, e, de maneira geral, do ser social, levando-nos a considerar o objeto central
em questão também em relação aos moldes estabelecidos na atualidade. Neste sentido, deve ser
salientado que, entendendo o escopo da subjetividade como sendo passível de uma constante
transformação concomitante à história da humanidade, apontamos esta “nova subjetividade”
enquanto uma seara passível de controle, visando uma satisfação de interesses de outro que não
o próprio indivíduo.

Para tal, o desenvolvimento deste estudo se pautou na análise de pontos relevantes de


obras de Marx e Engels, bem como de autores que corroboram à análise marxiana sobre o
trabalho e a crítica ao controle exercido pela organização político-econômica capitalista, focando
sempre na perspectiva que Marx e Engels teriam na contribuição das mudanças percebidas no
indivíduo contemporâneo a partir de sua subjetividade, de sua concepção de mundo, a partir das
transformações do trabalho.

Assim, com vistas a proporcionar uma possibilidade de análise sobre a questão da


subjetividade a partir de algumas contribuições de Marx e Engels, o primeiro tópico deste
capítulo deverá oferecer algumas contribuições a esta discussão através das percepções de
Alves (2008) e Chagas (2013), que apresentam uma convergência entre as questões relativas
à subjetividade e ao pensamento marxiano. No segundo tópico oferecemos uma análise de
algumas das obras de Marx e Engels com o intuito de desvelar a importância da subjetividade
aos autores no que tange à construção do indivíduo através da exploração do trabalho e do
desgaste de suas possibilidades de real libertação em relação ao jugo a partir do trabalho. Por
fim, visto o constructo realizado sobre o trabalho, salientaremos a ótica acerca da alienação do
indivíduo à sua realidade, proveniente, como indica Konder (2009) da alienação do trabalho.
Desta maneira, visto a extensa discussão envolvendo o pensamento marxiano e o campo de
estudos sobre o trabalho, o presente capítulo objetiva apresentar as iniciais possibilidades de
uma real aproximação da crítica à economia política a aspectos complexos concernentes à
subjetividade.

O clássico exemplo de Marx, que denota o trabalho enquanto atividade central ao


desenvolvimento do homem e à sua diferenciação perante as demais espécies, sob a percepção
dos aspectos contemporâneos do mundo do trabalho que corroem a própria significação e
o potencial transformador da atividade, bem como o tratamento realizado sobre o trabalho
atualmente, no qual há uma considerável falsa promulgação da atividade livremente controlada
pelo indivíduo, tornam-se os gatilhos principais ao desenvolvimento deste texto. Afinal, e
desconsiderando um extremismo sobre tal proposição, frente à continuidade de um trabalho
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 192

alienado na atualidade e às perdas de significado da atividade – segundo a análise marxiana


–, o que se poderia apontar em relação ao posicionamento do indivíduo frente “à melhor das
abelhas” e, principalmente, frente ao seu próprio desenvolvimento histórico pelo trabalho?

CONTRIBUIÇÕES SOBRE A SUBJETIVIDADE NA PERSPECTIVA


MARXIANA

Duas perspectivas acerca do estudo marxiano sobre o trabalho deverão iniciar esta
pesquisa, as quais ambas demonstram a amplitude da teoria marxiana e sua abrangência em
relação às considerações sobre o trabalho. A primeira, apontada por Alves (2008, p. 223) afirma
que, diante do caráter manipulatório do sistema capitalista, mostra-se necessária a construção
de uma teoria marxista da subjetividade, “tendo em vista que o nexo essencial da ideologia
orgânica da produção do capital tornou-se a ‘captura’ da subjetividade/intersubjetividade
do trabalho”. Alves, neste caso, faz alusão ao novo caráter de controle sobre a mão-de-
obra na contemporaneidade: absortos pela nova organização do trabalho, os trabalhadores
passam a adotar um comportamento de unicidade junto aos objetivos da empresa, tornando-
se colaboradores desta e disseminando “novo valores, sonhos, expectativas e aspirações que
emulem o trabalho flexível” (Alves, 2011b, p.6).

Esta alusão sobre o trabalho contemporâneo e a cooptação do capital sobre o trabalhador


promovem a reflexão sobre os próprios objetivos que passam a ser delineados aos indivíduos
e a classes tão antagônicas: com a referência à colaboração, o delineamento da expansão do
capital passa a se constituir enquanto objetivo principal comum às empresas e funcionários (no
caso destes por meio dos “planos de metas”, por exemplo), gerado principalmente, no caso dos
trabalhadores, pelos novos sentidos formados sobre o trabalho e sobre o espaço dedicado a este
por meio da constituição de uma empresa-casa, de um grupo de trabalho-família, de uma maior
sobreposição do tempo de trabalho sobre o tempo de não trabalho, este mais ligado à família e
ao espaço de expressão da individualidade do sujeito.

A segunda perspectiva, realizada por Chagas (2013), demonstra que em vários


momentos do desenvolvimento intelectual de Marx as discussões sobre a subjetividade do ser
humano estiveram presentes. Inserida em meio às discussões sobre ilusão, superestrutura,
fetiche e estranhamento, por exemplo, Chagas demonstra que, apesar da comum concepção
sobre Marx a respeito de uma inflexível unilateralidade entre a base material e a construção
da cognição humana em seus mais diversos campos – política, filosófica, social, cultural –, o
pensador concebe, sim, a subjetividade humana enquanto realidade construída pela concretude
material, mas também enquanto capacidade construtora desta e do próprio indivíduo por meio
da concepção de valores, desejos e percepções, enfim, a dotação de significados à realidade e
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 193

a si mesmo. Suas considerações acerca da base econômica e da superestrutura, desta forma,


apontariam apenas “para questões de método, e não para uma suposta supremacia mecânica
da vida material sobre a vida espiritual. Sua intenção é demarcar seu método como distinto do
método empirista da economia política” (Chagas, 2013, p.19). Ademais, segundo o autor,

Marx não compreende a subjetividade como um simples reflexo das determinações da base econômica,
como um mero produto do econômico, e sim como um componente inseparável dos processos de formação
da vida humana. O seu pensamento não pode ser reduzido a um objetivismo, a um mero determinismo
econômico, unilateral, visto que a objetividade é impensável sem uma íntima correspondência com a
subjetividade. Não há, para ele, objeto sem sujeito, como não há sujeito sem objeto. Nenhum dos polos
dessa relação, sujeito e objeto, é posto como um dado a priori; eles se constituem na relação (Chagas,
2013, p. 16).

A percepção de Alves (2008) acerca das novas ferramentas de captura do trabalho


humano por parte do capital e a indicação de Chagas (2013) a respeito da real profundidade
da teoria de Marx em relação à presença de aspectos pertinentes à subjetividade no trabalho,
tornam possível a discussão sobre o trabalhador contemporâneo à luz do pensamento marxiano,
tendo em mente, obviamente, as estruturas econômicas, sociais e políticas que diferenciam
períodos tão díspares.

A crítica pautada sobre o trabalho, entretanto, torna o objetivo desta discussão


significante, principalmente ao ser percebida, atualmente, uma intensificação mais sutil, mas
não menos maléfica, das consequências do trabalho alienado já criticado por Marx. Desta
forma, retornar aos trabalhos marxianos torna-se de grande valia ao entendimento não só do
processo de intrusão da “ética capitalista” no espírito do indivíduo, mas no entendimento,
muitas vezes, pormenorizado dos fatores característicos do trabalho contemporâneo, de modo
que sua evolução se torne mais nítida ao conhecimento sobre o delinear do mundo do trabalho.

CAMINHOS À SUBJETIVIDADE NA CRÍTICA À ECONOMIA POLÍTICA

Para o apontamento inicial acerca da crítica à Economia Política, suporte que dará
sustentação ao objeto deste capítulo, deve ser destacada, antes de fazer menção aos trabalhos de
Marx e sua crítica sobre o trabalho humano no sistema capitalista e o mal constituído a partir
deste trabalho, alienado, sobre o sujeito, a contribuição de Engels, manifesta por meio de seu
“Esboço de uma crítica à Economia Política”, de 1843.

Na miscelânea da abordagem engelsiana, na qual o pensador se foca em aspectos como


a interpretação e crítica da Economia Política, a crítica aos próprios economistas pelo inerte
entendimento sobre a Economia, e o sentido concedido à atividade comercial, destaca-se,
segundo Carvalho (2014, p. 1036), a “constatação acerca do real estado teórico e filosófico da
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 194

economia política”, a partir da qual Engels desvela como origem do estado de desigualdade
da sociedade e de pauperismo de uma das classes que formariam a sistemática econômica a
propriedade privada.

Pelo seu [de Malthus] viés, conhecemos o mais profundo aviltamento da humanidade, sua
dependência das relações concorrenciais; ele [Malthus] nos mostrou que, em última análise, a propriedade
privada faz do homem uma mercadoria, cuja produção e destruição dependem, também elas, apenas da
concorrência, e que o sistema concorrencial massacrou deste modo, e massacra, diariamente milhões
de homens; vimos tudo isto e tudo isto nos leva a suprimir este aviltamento da humanidade ao suprimir a
propriedade privada, a concorrência e os interesses antagônicos. (Engels, 1979, p.19)

E ainda:

Depois de a economia liberal ter feito tudo para universalizar a hostilidade decompondo as
nacionalidades, transformando a humanidade numa horda de bestas ferozes (acaso não são bestas ferozes
os que se dedicam à concorrência?) que se entredevoram precisamente porque cada um partilha com
todos os outros dos mesmos interesses — após este trabalho preliminar, restava-lhe apenas um passo para
chegar ao fim: dissolver a família. Para isso, o sistema fabril, sua bela invenção pessoal, correu em seu
auxílio. O último traço dos interesses comuns, a comunidade familiar de bens, foi minada pelo sistema
fabril e — pelo menos aqui, na Inglaterra — está a ponto de ser dissolvida. Cotidianamente, as crianças,
logo que estão em idade de trabalhar (ou seja: quando chegam aos nove anos), gastam o salário em usos
próprios e consideram a casa paterna como simples pensão, entregando aos pais uma certa quantia para
alimentação e alojamento (Engels, 1979, p. 6)

Segundo Engels, estaria estabelecida na propriedade privada o cerne da diferenciação


entre as classes sociais nas ordens econômica, política e social. Na integração do trabalho à
crítica de Engels, expõe-se, assim, o vilipêndio exercido por uma classe sobre outra no intuito
da apropriação não apenas do novo valor criado, a posterior mais-valia marxiana, mas dos
meios de produção, tornando os que nada dispõem, a não ser de sua própria força de trabalho,
historicamente subservientes ao capital. Neste sentido, e conforme poderá o próprio Engels
desenvolver em 1845 com “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra” – e na citação
anterior, ao se referir à família –, o aviltamento da sociedade salarial de fins do século XIX
se mostrará claro não apenas no espaço de trabalho, mas também no espaço de socialização
reservado ao período de não-trabalho. Nesta obra Engels empreende uma compreensão mais
empírica a respeito da alienação marxiana (mostrando-se, assim, ao mesmo tempo como uma
importante obra em si e um significante complemento à perspectiva de Marx), processo este que
desgastando o indivíduo física e psicologicamente no espaço de trabalho, entrega-o ao espaço
de não-trabalho enquanto resíduo da produção industrial.

Engels destaca que a “nova economia”, apoiada no livre comércio, “revela-se como a hipocrisia,
a imoralidade e a inconseqüência que, presentemente, afrontam todos os domínios da liberdade humana.”
(ENGELS, 1979, p. 3). As primeiras linhas escritas por Engels, portanto, apontam para sua preocupação
principal: o devir da humanidade tendo por base o sistema de produção de mercadorias, em seu cerne
contrário à própria sobrevivência do ser (social) humano. Diante do capitalismo, a humanidade – lato
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 195

sensu – destruir-se-ia aos poucos. (Carvalho, 2015, p. 1036)

Apesar da pouca formação teórica, principalmente em comparação a Marx, segundo


Aron (2005), o “Esboço” de Engels deu margem ao interesse de Marx sobre o estudo das
contribuições dos economistas clássicos – sobretudo Adam Smith e David Ricardo –,
culminando, após um ano, na publicação dos “Manuscritos Econômico-Filosóficos”, no qual se
torna patente uma “primeira reflexão marxiana articulando reflexão filosófica com elementos
(ainda que embrionários) da economia política” (Antunes, 2011. p.123).

A inicial perspectiva de Marx a respeito do trabalho indica a preponderância do


trabalho alienado como força negativamente transformadora do ser humano enquanto tal, sendo
visado, por meio da atividade, a produção e a apropriação de bens destinados exclusivamente
à venda. Claro se mostra que, apesar da mercadoria já figurar enquanto palavra-chave para o
entendimento da crítica marxiana, o autor se foca primordialmente nas principais características
do trabalho à sua época, demonstrando a posição de empobrecimento do trabalhador perante a
objetivação da atividade e a perda de significação da mesma. Segundo Marx,

Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do


mundo dos homens. O trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador
como uma mercadoria, e esta na medida em que produz, de fato, mercadoria em geral. (Marx, 2006, p.80)

O trabalho, aos olhos dos vendedores da própria força de trabalho enquanto sofrimento
necessário à manutenção de uma vida “realmente humana” – por meio do usufruto dos
momentos de “não-trabalho” –, é, desta forma, ressignificado. Desta maneira, e considerando o
papel primordial do trabalho, Marx realça a constatação de uma “efetivação do trabalho” e uma
“desefetivação do trabalhador”: enquanto que, com o desenvolvimento das forças produtivas
o trabalho continua a satisfazer as necessidades vitais do ser, dando origem a valores-de-uso,
portanto, o mesmo desefetiva o indivíduo enquanto conhecedor do processo de produção dos
bens que atenderão às suas próprias necessidades e a quem deverá pertencer o produto final.

Este entendimento sobre a relação indivíduo-trabalho se mantem em “O Capital”, no


qual Marx (1980, p. 390), sob um constructo mais científico, sustenta a crítica ao trabalho
alienado, focando-se mais especificamente na divisão do trabalho imposta pela produção de sua
época, ao se referir à atividade industrial enquanto reveladora da “virtuosidade do trabalhador
mutilado”: ao mesmo tempo que eficaz pelo aumento da produção por meio do desenvolvimento
das forças produtivas, o indivíduo se encontra mutilado por, em definitivo, perder o controle
sobre a trabalho, por ser negado através da própria atividade que o forma enquanto ser social.
Sobre o trabalho parcial e repetitivo, restrição a que ficou sujeito o trabalhador, Marx (1980, p.
391), destaca que “a continuidade de um trabalho uniforme destrói o impulso e a expansão das
forças anímicas [concernente ou pertencente à alma] que se recuperam e se estimulam com a
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 196

mudança de atividade.”

Com a desefetivação do trabalhador, tem-se, por conseguinte, um processo de


estranhamento deste sujeito sobre todo o processo pelo qual seu trabalho se metamorfoseia em
coisa real. De acordo com Marx (2006), o estranhamento adotado pelo sujeito se mostra presente
nos seguintes âmbitos: de sua atividade produtiva (e, portanto, de si mesmo), do processo
produtivo (processo sobre o qual perde poder), do produto final (do qual apenas uma parte do
valor refere-se ao trabalho de um indivíduo) e, por fim, de sua relação com a humanidade, com
o outro (na qual as relações exibidas, a partir da produção capitalista, dão-se entre produtores
de mercadorias, não mais entre seres sociais, e a existência do outro é percebido como ameaça à
sobrevivência por meio do trabalho, ou melhor, do emprego de sua força de trabalho). Ou seja,
sua existência e o mundo à volta tornam-se estranhos para si, sendo este levado, pela força do
capital, a perceber-se e a perceber o mundo sob a ótica do oportunismo, da concorrência e da
vida voltada ao trabalho injusto obrigatório.

Neste sentido é que Marx (2006, p. 82-83) destaca o caráter externo do trabalho, de
forma que a atividade, como um todo (assim, portanto, alienada e explorada), não faz parte do
seu ser, “que ele não se afirma, portanto, em seu trabalho, mas nega-se nele, que não se sente
bem, mas infeliz, que não desenvolve nenhuma energia física e espiritual livre, mas mortifica
sua physis e arruína seu espírito”. Desta forma, o trabalhador se veria caracteristicamente como
ser humano, percebendo sua individualidade enquanto tal e, assim, estando realmente junto a si
próprio, no espaço de não-trabalho, ou melhor, em seu tempo de ócio ou em meio às atividades
que o igualam às demais espécies – alimentação e reprodução, por exemplo –, ao passo que:

O trabalhador só se sente [...] fora de si (quando) no trabalho. Está em casa quando não trabalha
e, quando trabalha, não está em casa. O seu trabalho não é portanto voluntário, mas forçado, trabalho
obrigatório. O trabalho não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas somente um meio para satisfazer
necessidades fora dele. Sua estranheza (Fremdheit) evidencia-se aqui (de forma) tão pura que, tão logo
inexista coerção física ou outra qualquer, foge-se do trabalho como de uma peste. (Marx, 2006, p. 83)

O mundo, com isso, é vivido sob a veneração e as oportunidades de se conseguir (mais)


dinheiro; o caso contrário, as atividades voltadas ao enriquecimento intelectual e espiritual,
como não-lucrativas, são supérfluas: “O lugar de todos os sentidos físicos e espirituais passou a
ser ocupado, portanto, pelo simples estranhamento de todos esses sentidos, pelo sentido do ter.”
(Marx, 2006, p. 108)

É por meio deste trabalho estranhado e do estranhamento relativo ao indivíduo em todas


as instâncias que o sujeito constrói sua própria noção de realidade e, com isso, engrena em uma
vivência a partir de uma subjetividade alienada de sua condição de ser social. Voltado apenas
ao trabalho repetitivo, degradante e estafante, a rotina do indivíduo corrobora à corrosão de sua
própria vida e à formação subjetiva e intersubjetiva.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 197

As consequências do trabalho alienado à classe trabalhadora se mostram mais claramente


por meio da análise de Engels (2010), conforme salientado anteriormente. Em “A Situação
da Classe Trabalhadora na Inglaterra”, o autor destaca não apenas as condições impostas
pelo trabalho estafante às condições biológicas do indivíduo – perspectiva esta absorvida e
utilizada por Marx também em “O Capital” –, mas as influências que a alienação do trabalho
e os consequentes estranhamentos exercem sobre a perspectiva e o modo de vida dos próprios
trabalhadores ingleses. Além dos relatos acerca da arquitetura urbana degradada e degradante,
expõe-se da perspectiva de Engels a impressão de um definhamento generalizado, com destaque
à corrosão do processo de construção de um comportamento moralmente ético (o que leva o
indivíduo a sucumbir na busca pelo prazer imediato):

[...] o alcoolismo deixa de ser um vício de responsabilidade individual; torna-se um fenômeno,


uma consequência necessária e inelutável de determinadas circunstâncias que agem sobre um sujeito
que – pelo menos no que diz respeito a elas – não possui vontade própria, que se tornou – diante delas
– um objeto; aqui, a responsabilidade cabe aos que fizeram do trabalhador um simples objeto. Assim
como é inevitável que um grande número de operários se torne alcoólatra, também é inevitável que o
alcoolismo provoque efeitos destrutivos sobre os corpos e os espíritos de suas vítimas, agravando todas
as predisposições às doenças derivadas das condições gerais de abdominais, sem esquecer a eclosão e a
propagação do tifo. (Engels, 2010, p.143)

Desta maneira, o “assassinato social”, forma como era caracterizada o padecimento da


mão-de-obra na ebulição da produção industrial, expande-se para além das faltas de condições
mínimas ao suporte biológico: destaca-se igualmente pelo definhamento dos trabalhadores pelas
próprias condições de trabalho. Assim, segundo Engels, tomando o discurso de um trabalhador,
relata que o assassinato social se mostrava como

Um assassinato contra o qual ninguém pode defender-se, porque não parece um assassinato: o
assassino é todo mundo e ninguém, a morte da vítima parece natural, o crime não se processa por ação,
mas por omissão – entretanto não deixa de ser um assassinato” (Engels, 2010, p.136).

A partir de já é destacado o caráter manipulatório do sistema de produção de mercadorias,


que, apesar de ainda se encontrar em seu primeiro boom produtivo, demonstra seu poder de
instalação e normalização sobre a esfera humana, mais especificamente, e para os fins que
buscarmos sinalizar, sobre a subjetividade.

O avanço realizado por Marx anos mais tarde por meio de um maior rigor na escrita
presente em “O Capital”, de 1867, promove ao mesmo tempo um resgate de sua teoria presente
nos “Manuscritos” e um avanço em termos da alienação do trabalho e do indivíduo ao levar em
consideração a desestruturação do sistema capitalista, enfim, da Economia Política, a partir de
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 198

sua menor célula de representação, a mercadoria. Apesar de sua maior idade neste período, em
contraponto à perspectiva “moralizante” que ilustra a obra de sua juventude, torna-se perceptível
certa continuidade teórica em sua análise.

Da mesma forma que nos Manuscritos, Marx resgata em muito o caráter empírico
presente em Engels, adotando também na construção de sua obra a utilização de relatórios
médicos e notícias acerca dos males presentes no chão de fabrica. Centrando-nos no objetivo
deste estudo, deve ser dado enfoque a um dos principais pontos desenvolvidos pelo autor logo
no início de sua obra: o fetichismo da mercadoria. Apesar de desenvolvido sobre a própria
noção da mercadoria, sobre a qual o autor discorre acerca de sua dupla face – valor-de-uso e
valor – e a gênese da forma dinheiro, percebe-se sobre o fetichismo um destaque à atividade
humana sob o jugo do valor das mercadorias em detrimento ao valor-de-uso.

Adotando a divisão do trabalho igualmente em uma dupla perspectiva, o trabalho


concreto e o trabalho abstrato, dos quais este se mostra como sendo historicamente desenvolvido,
seguindo a mesma historicidade que destacou o novo sistema econômico de intercâmbio de
mercadorias tão diversas por uma mercadoria considerada equivalente geral – o dinheiro –, ao
passo que é no concreto onde a individualidade, bem como os objetivos e as necessidades do
indivíduo, se externalizam e se materializam, a percepção de Marx sobre o papel do trabalho
frente ao fetichismo da mercadoria se baseia na subserviência da atividade humana à presença
do valor. Segundo Marx, o trabalho abstrato era até então tido pelos demais economistas
enquanto categoria a-histórica, quando, na verdade, se destaca a partir da mercantilização dos
valores-de-uso, que, não possuindo mais nenhuma finalidade ao seu produtor direto a não ser
a de possuir valor – o tempo de trabalho médio socialmente necessário à produção de uma
mercadoria –, passam a ser produzidas visando o mercado, mais especificamente os produtos
de outros trabalhos específicos. Assim,

Como os produtores somente entram em contato social mediante a troca de seus produtos de
trabalho, as características especificamente sociais de seus trabalhos privados só aparecem dentro dessa
troca. Em outras palavras, os trabalhos privados só atuam, de fato, como membros do trabalho social total
por meio das relações que a troca estabelece entre os produtos do trabalho e, por meio dos mesmos, entre
os produtores. Por isso, aos últimos aparecem as relações sociais entre seus trabalhos privados como
o que são, isto é, não como relações diretamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos,
senão como relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre as coisas. (Marx, 1996, p.199,
destaque nosso)

Da forma expressa por Marx, entende-se, portanto, que o trabalho em si passa de


atividade de desenvolvimento do indivíduo para meio de se atingir a troca e a posse de outros
valores-de-uso. Mais do que isso: o conceito do fetichismo da mercadoria de Marx exalta o
esvaziamento do significado do trabalho em si e em sua materialização externa, expondo a
atividade de troca enquanto fim necessário ao real desenvolvimento da sociedade.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 199

Ademais, torna-se presente uma camuflagem do trabalho enquanto cerne de formação das
mercadorias, tomando de forma evidente o seu lugar a monetização, na qual a partir da adoção
do dinheiro enquanto equivalente geral no processo e intercâmbio das mercadorias, adquire
um sentido de inerência à humanidade e toma para si o papel de real valor das mercadorias.
“É exatamente essa forma acabada — a forma dinheiro — do mundo das mercadorias que
objetivamente vela, em vez de revelar, o caráter social dos trabalhos privados e, portanto, as
relações sociais entre os produtores privados” (Marx, 1996, p. 201).

Estaria estabelecida neste ponto, em nossa perspectiva, o cerne da crítica à economia


política. A manipulação do trabalho humano pela produção adquire um caráter imperativo no
capitalismo, no qual a busca pela extração de mais-valia passa a retratar o trabalho enquanto
fator instrumental ao seu sucesso. É nesta relação que, segundo a leitura realizada por
Nascimento, Dillenburg e Sobral (2015) sobre “O Capital”, se percebe a adoção de um processo
de superexploração do trabalho por meio de sua intensificação, visando a busca da expansão
da mais-valia por seu viés relativo, e a consequente queda do valor da força-de-trabalho. Não
mais apenas o trabalho, como destacado anteriormente, mas a própria realidade e a concepção
do indivíduo sobre a mesma, são ressignificados.

Frente ao que foi exposto sobre o trabalho segundo a corrente marxiana, percebe-se que
o autor deixa claro, assim, uma espécie de dupla limitação do ser humano enquanto alcance de
sua condição de ser social e desenvolvedor principal de sua própria subjetividade. Dupla por se
mostrar presente nos principais âmbitos de sua vivência: a do trabalho e da própria manutenção.
No primeiro caso, limitando seu alcance sobre suas próprias concepções da realidade por meio
do trabalho alienado, o indivíduo se encontra fragilizado subjetivamente, sendo imputado neste
(inclusive, na perspectiva do trabalhador, como o único modo de se manter), no decorrer do
desenvolvimento histórico da organização do trabalho e do próprio sistema capitalista, novos
pensamentos sobre a vivência humana (atualmente calcada sobre a concorrência dos indivíduos
e da venda da força de trabalho enquanto construtor do progresso pessoal).

No segundo caso, não apenas ocorre a limitação do saciamento das necessidades


do indivíduo por meio da mercantilização de seus meios de subsistência, o que torna o
trabalho (ou melhor, o emprego de sua mão-de-obra) ainda mais importante, mas também a
modificação da consciência do sujeito frente ao dinheiro, que o torna um “ser humano efetivo”
pela potencialidade em cumprir todas suas necessidades (Marx, 2006). Da mesma forma, “a
ausência de dinheiro tem o significado humano de o ser não ser sem o ter, ou seja, de o ser não
ter em si qualquer objetivo” (Chagas, 2013, p.27). Nesta mesma perspectiva da limitação e sua
manutenção, deve-se fazer menção à ilusão criada sobre as mercadorias, que, agora sim, vêm a
satisfazer (e a serem valoradas segundo) as “fantasias” do indivíduo, largamente exploradas na
atualidade pelo sistema econômico através do marketing e do branding, por exemplo.

Seguindo os fatores característicos da teoria marxiana, poderá ser percebido que em


Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 200

muitos casos a articulação realizada por Marx se mantém enquanto base à crítica sobre os
delineamentos adotados pelo trabalho na contemporaneidade. O que se vê atualmente é uma
transformação dos significados adotados pelo trabalho, bem como uma intensificação da intrusão
do trabalho no tempo e espaço dedicados à vida pessoal, antes demarcada de forma mais clara
no período de produção vinculada mais fortemente aos pressupostos fordista/taylorista.

RUMO À “SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA”: REFLEXÕES SOBRE A


ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E A ALIENAÇÃO GENERALIZADA

Seguindo o desenvolvimento da Economia Política, partindo desde a concepção


mercantilista sobre a produção e circulação da riqueza à financeirização da economia, percebe-
se, sobre o trabalho, uma centralização não apenas enquanto meio principal à produção de
mercadorias, mas também, com isso, enquanto produtor de riquezas da sociedade e das nações.
Sua posição mediante a Economia Política como um todo, entretanto, não passa de um meio à
acepção de produtos sobre os quais o mercado deverá regular, a partir do qual se desenrolam
as análises do sistema econômico. A ausência contundente do trabalho enquanto atividade
necessária ao desenvolvimento do indivíduo aparece-nos com a interpretação da escola
marginalista, que se foca na utilidade enquanto força-motriz à produção e à busca pela melhor
alocação no consumo dos bens (em contraposição à noção de mercadorias) visando a captação
de “mais-prazer”. A teoria marginalista – ou utilitarista – ainda se expressa como arcabouço
teórico utilizado para se entender o comportamento das microestruturas do mercado, tal como
o conjunto dos consumidores. Neste sentido, o posicionamento de Marx e Engels, fornecendo
uma interpretação crítica sobre a Economia Política, promove um repensar, sim, sobre a riqueza,
a circulação e a distribuição das mercadorias e dos rendimentos, mas também, em seu âmago,
sobre a crítica ao trabalho e ao controle heterônomo realizado sobre este.

O papel principal de Marx, assim, se baseia na publicização de uma análise mais


pormenorizada da produção sob o sistema capitalista, no qual os produtores diretos dos valores-
de-uso são desapropriados dos meios de produção e controlados historicamente pelo valor e
pela representação em si do valor, o dinheiro. É neste foco concedido pela Economia Política
e, enfim, pelas próprias problemáticas que ganham maior destaque na análise econômica, que
podemos pontuar a transformação do trabalho, no sentido e na análise marxiana, em emprego,
na simples e indelével capacidade humana de colocar em movimento os meios de produção para
o alcance de um objetivo maior, quer se originem “do estômago ou da fantasia” (Marx, 1996).

A ideia de Marx acerca da diferenciação do ser social frente às outras espécies animais
por meio do trabalho consciente coloca o atual posicionamento do indivíduo perante a atividade
sob indagação, principalmente quanto às formas como se dá a formação de novos modos de
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 201

pensar e interpretar a realidade. Com o desenvolvimento das forças produtivas, bem como
com a restruturação da produção e do trabalho dentro das empresas (com ênfase ao avanço do
toyotismo frente ao modelo de produção fordista/taylorista), percebe-se um duplo aspecto sobre
o trabalho na contemporaneidade: ao mesmo tempo em que há uma maior aproximação do saber-
fazer da atividade, proveniente de um trabalho cada vez mais imaterial, gerando com isso uma
intrusão e uma dependência maior entre trabalho-trabalhador (o trabalhador ultra-especializado
e o trabalho que, para sua feitura, depende da existência daquele profissional), percebe-se um
afastamento crescente do indivíduo em relação ao significado dedicado à atividade – dedicando-
lhe o papel de provedor de capacidade de consumo por meio do dinheiro – e, com isso, a
alienação em todas as instâncias. Assim, um reconhecimento singular em relação ao trabalho
proveniente dos fluxos de demanda do mercado.

Tem-se, na contemporaneidade, que o indivíduo que trabalha passa por uma


desfragmentação de sua própria história pessoal, sendo esta substituída por uma história
pessoal regida pelo trabalho e, mais, em relação ao trabalho, ao redor do qual todos os outros
núcleos de socialização do indivíduo giram. Frente à produção flexível, não apenas as matérias-
primas e as mercadorias (por meio de um processo de multinacionalização das empresas, que
passam principalmente a usufruir de vantagens de mercado nas nações menos desenvolvidas),
mas também o próprio trabalho se torna flexibilizado e flexibilizador do indivíduo. Segundo
Antunes (1999), torna-se presente a “re-territorialização e des-territorialização” da mão-de-obra
mundial. O presente processo torna real a perspectiva exposta por Sennett (2011) a respeito da
flexibilidade do trabalho e da construção do atual caráter do indivíduo e da família. De acordo
com o autor, “As condições de tempo no novo capitalismo criaram um conflito entre caráter
e experiência, a experiência do tempo desconjuntado ameaçando a capacidade das pessoas
transformarem seus caracteres em narrativas sustentadas.” (Sennett, 2011, p. 32).

Ademais, a desconstrução do trabalho e a flexibilização imposta pelo capitalismo


manipulatório dissolve quase em sua totalidade a divisão entre o tempo de trabalho e o “tempo
de não-trabalho”, entendendo este não apenas enquanto tempo voltado ao lazer, voltada, enfim,
ao próprio indivíduo, mas como espaço reservado à sua socialização fora do trabalho e, sob a
perspectiva do capital, à manutenção do mesmo para o período de trabalho.

Estas, pois são as forças que dobram as pessoas à mudança: reinvenção da burocracia,
especialização flexível de produção, concentração sem centralização. Na revolta contra a rotina, a
aparência de nova liberdade é enganosa. O tempo nas instituições e para os indivíduos não foi libertado
da jaula de ferro do passado, mas sujeito a novos controles do alto para baixo. O tempo da flexibilidade
é o tempo de um novo poder. Flexibilidade gera desordem, mas não livra das limitações. (Sennett, 2011,
p.69)

Claro deve se mostrar, nestes aspectos, que diante das transformações sofridas pelo
mundo do trabalho, uma vez caracterizado pela estabilidade, pelo reconhecimento da atividade
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 202

com a identidade do sujeito e pelo apoio do Estado no alcance das condições mínimas de
subsistência, bem como pela mais evidente e possível divisão do tempo do trabalhador, as
mudanças radicais promovidas por uma maior maleabilidade da atividade – de seu tempo,
espaço e qualidade de sua operacionalização –, por uma maior cobrança sobre o indivíduo, que
apenas a si próprio deve caber a capacidade de se empregar ou não e por uma maior intrusão
do trabalho no espaço particular do sujeito, provocam sérias patologias, conforme pode ser
vislumbrado, apesar do foco diferenciado, em Dejours (1999).

Segundo o autor, partindo de uma análise da organização do trabalho contemporâneo,


os principais males da atualidade se mostram através das “imagens” que tanto o desemprego
quanto a ineficácia em alcançar padrões altos de produtividade acabam por formar sobre o
indivíduo e em relação à sociedade. Tal ineficácia, ainda que provocada por meio da própria
forma como o trabalho está organizado, acaba por recair como forma de inadaptabilidade à
cultura da empresa. Como aponta Dejours (1999, p.28)

[...] por trás das vitrinas, há o sofrimento dos que temem não satisfazer, não estar à altura das
imposições da organização do trabalho: imposições de horário, de ritmo, de formação, de informação, de
rapidez de aquisição de conhecimentos teóricos e práticos (Dessors & Torrente, 1996) e de adaptação à
“cultura” ou à ideologia da empresa, às exigências do mercado, às relações com os clientes, os particulares
ou o público etc.

Segundo o autor, o distanciamento acerca da discussão sobre o sofrimento psíquico


é proveniente do próprio caráter dos movimentos de esquerda presentes durante a década
de 1970, incluindo as organizações sindicais majoritárias. Dejours explana que a análise da
subjetividade dos trabalhadores aparecia para estes como práticas individualizantes, ação
contrária à bandeira dos movimentos em prol da coletivização da classe trabalhadora. Como
diz o autor, “tidas como antimaterialistas, tais preocupações com a saúde mental tolheriam a
mobilidade coletiva e a consciência de classe, favorecendo um ‘egocentrismo pequeno-burguês’
de natureza essencialmente reacionária.” (Dejours, 1999, p.38). Até mesmo a Psicanálise, neste
sentido, foi tida enquanto ideologia reacionária. Os movimentos ainda assumiam o corpo físico
e o sofrimento causado sobre os mesmos, enfim, a saúde física, como questão única a ser
defendida, herança direta da percepção encontrada durante a Revolução Industrial. Assim:

Afora a saúde do corpo, as preocupações relativas à saúde mental, ao sofrimento psíquico


no trabalho, ao medo da alienação, à crise do sentido do trabalho não só deixaram de ser analisadas e
compreendidas, como também foram frequentemente rejeitadas e desqualificadas. (Dejours, 1999, p.38)

De acordo com Dejours, uma das principais consequências desta limitação à análise
crítica do sofrimento humano dentro da organização do trabalho é o aparecimento progressivo
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 203

de métodos desenvolvidos pelos administradores e gerentes que visavam o entendimento e


o posterior controle dessa esfera da atividade produtiva, tais como a “formação de gerentes
por meio da dinâmica de grupo, da psicossociologia, de recursos audiovisuais etc.” (Dejours,
1999, p.39). Desta maneira, ferramentas concernentes à subjetividade e ao sentido do trabalho
foram desenvolvidas com o intuito de aumentar a distância do patronato em relação à classe
trabalhadora, igualmente minando por dentro a coesão da classe trabalhadora, tornando-a,
assim, docilizada e desabrigada sindicalmente – pois, da mesma forma, o sindicato se torna
uma organização cooptada pelo capital, senão drasticamente enfraquecida por uma limitação de
seu poder de reivindicação.

A introdução destes métodos sobre os trabalhadores, indicando a tomada das análises


sobre a mente dos indivíduos por parte das empresas, impunha a ideia de tolerância sobre o
sofrimento subjetivo, demonstrando que os problemas provenientes da mente daqueles não
são importantes. Via-se, assim, que casos de problemas psíquicos provenientes do processo
de produção eram tidos como inadequação do trabalhador ao trabalho, símbolo de fraqueza e
ineficiência para com o emprego para o qual fora alocado e para com a empresa. O demitido
assim se torna devido a si próprio.

Apesar da perceptível distância teórica entre Dejours e a lente marxiana sobre o trabalho,
por exemplo, percebe-se certa continuidade no que se diz respeito à análise sobre as formas
de tratamento em relação ao trabalho, estando baseadas principalmente nas transformações
da organização do trabalho sob o propósito do capital. Assim, vemos, uma análise sobre as
condições da Economia e a tentativa de revelá-la em seu âmago se mostra, enfim, como o
cerne da análise, na qual, assim, inserimos a crítica à Economia Nacional, a crítica à Economia
Política.

Em meio ao contínuo processo de alienação e de fragmentação do mundo do trabalho,


deve-se, por fim dar destaque à relevância concedida por Konder (2009) à alienação política
sofrida pelo conjunto dos indivíduos, o qual, de acordo com o autor, tem raízes na alienação e
na divisão do trabalho. Sua perspectiva se baseia na condição de individualização na qual se
encontra a sociedade contemporânea, gerada pela constante imputação de um comportamento
competitivo, no qual o crescimento pessoal deverá advir apenas das próprias escolhas. Desta
forma, a realidade se encontraria cindida em duas esferas “autônomas e frequentemente
contraditórias”: a vida privada e a vida pública. Segundo Konder (2009, p.183), assim, “a
alienação possibilitou o aparecimento desta ilusão segundo a qual a atividade do indivíduo na
esfera da sua vida particular permitiria um abandono das suas responsabilidades como cidadão”.
A situação de afastamento da política, historicamente determinada enquanto fruto da exclusão
das camadas sociais subalternas na organização e administração da pólis, acaba por gerar, tanto
do lado dos controlados por ferramentas políticas e econômicas quando dos controladores, um
comportamento generalizado de apoliticismo, que se vale da situação criada pela alienação:
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 204

Sob as condições de divisão da sociedade em classes, o trabalho humano se dividiu e subdividiu em


profissões e especializações limitadas, às quais os indivíduos são virtualmente atrelados; com isso, criam-
se, como dissemos, atividades privadas do indivíduo que são, na prática, desprovidas de consequências
políticas. E na própria esfera da atividade pública, criam-se certas especializações das quais toda
significação política parece ter sido banida. Além disso, a própria atividade política, deixando de aparecer
como uma dimensão da atividade humana em geral, apresenta-se como uma especialização, uma carreira,
um ramo para especialistas. [...] A realidade empírica de uma atividade política também transformada
em especialização parece justificar, de fato, o desânimo. Como acreditar que este determinado tipo de
atividade política que ainda é hoje largamente praticado seja capaz de mudar tão radicalmente a vida
social? (Konder, 2009, p. 186-7)

Mediante as condições oferecidas pelo trabalho contemporâneo, os momentos


relacionados à atividade pública se desvanecem em meio à intrusão do trabalho sobre o
tempo livre do indivíduo. Como salientado anteriormente, frente à uma constante necessidade
de se empregar a própria mão-de-obra visando auferir rendimentos, atividades paralelas,
como infrutíferas economicamente, são relegadas. Com a propagação do ideal individualista
pelo modelo neoliberal, no qual as motivações e as capacidades cognitivas necessárias às
empresas devem ser inerentes ao indivíduo que deseja se inserir no mercado de trabalho (ou
apreendidas por meio de numerosas especializações), corroboram a desagregação da sociedade
e a desestruturação do espaço público, sendo tal comportamento constantemente introjetada
nas novas gerações. Nesta lógica, a perspectiva de Gorz (2005), sobre a atual relação entre a
subjetividade e o trabalho, mostra-se de grande pertinência:

O desempenho repousa sobre sua implicação subjetiva, chamada também “motivação” no


jargão administrativo, gerencial. O modo de realizar as tarefas, não podendo ser formalizado, não pode
tampouco ser prescrito. O que é prescrito é a subjetividade, ou seja, precisamente isso que somente o
operador pode produzir ao “se dar” à sua tarefa. As qualidades impossíveis de demandar, e que dele são
esperadas, são o discernimento, a capacidade de enfrentar o imprevisto, de identificar e de resolver os
problemas. [...] Os trabalhadores pós-fordistas (...) devem entrar no processo de produção com toda a
bagagem cultural que eles adquiriram nos jogos, nos esportes de equipe, nas lutas, disputas, nas atividades
musicais, teatrais, etc.. É nessas atividades fora do trabalho que são desenvolvidas sua vivacidade, sua
capacidade de improvisação, de cooperação. É seu saber vernacular que a empresa pós-fordista põe para
trabalhar, e explora. (Gorz, 2005, p.18-19)

As condições relatadas por Marx durante a segunda metade do século XIX parecem,
na devida proporção e seguindo o desenvolvimento histórico adotado pelas forças produtivas
e pela realidade material, se aprofundar na sociedade contemporânea, tornando-se uma
realidade comum, normalizada e sobre a qual nada se pode fazer. A aceitação voluntária e a
superficialidade dos fatos econômicos e políticos, sobre as quais os indivíduos se encontram
e mantêm suas histórias de vida, permanecem imutáveis por meio da situação de alienação na
qual estes se encontram. Moldados à busca pela empregabilidade e às dificuldades do mundo
do trabalho – adotadas como situações “dadas”, às quais ao indivíduo só resta adequar-se;
resiliência, portanto –, aos sujeitos pesam as constantes crises, fruto do confronto entre si
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 205

próprios e os novos valores comumente adotados, mas nem sempre cooptados pelo próprio
indivíduo. Conforme destaca Alves (2011b, p.26),

A dinâmica histórica posta pelo novo metabolismo social do trabalho com a nova precariedade
salarial, instaura o que podemos denominar de “crise do trabalho vivo”, dentro da qual ele destaca “(1) a
crise da vida pessoal, (2) crise de sociabilidade e (3) crise de auto-referência humano-pessoal.

A construção do presente trabalho, calcada no exemplo de Marx acerca do trabalho


enquanto atividade regulada pela consciência do sujeito, não converge à negatividade contida
em uma suposta conclusão extrema acerca do regresso do indivíduo à condição das outras
espécies. Apesar disso, deve-se pensar que através da alienação do trabalho e, por meio desta,
da realidade do indivíduo, o mesmo, crescentemente, encontra-se alienado das construções
contidas na inter-relação entre ele e si próprio, ele e o outro e entre ele e o ambiente, forças
motrizes à construção do arcabouço humano caracterizado como superestrutura.

Em relação ao trabalho na contemporaneidade, mesmo expresso também pela


imaterialidade, no qual, tal qual as influências do capital e da nova organização do trabalho sobre
os interstícios da cotidianidade, a produção perde sua caracterização enquanto externalização
palpável das necessidades do indivíduo (indo, portanto, em contraposição ao estado produtivo
à época de Marx, caracteristicamente material), e no qual as características, aptidões e demais
particularidades pertencentes à singularidade de cada indivíduo passam a ser mercantilizadas
e manipuladas, a análise marxiana sobre a apreensão do trabalho pelo sistema produtor de
mercadorias torna-se, antes de tudo, base ao entendimento sobre as novas significações da
atividade que desenvolveu o ser humano. Para além disso, acredita-se que é partir da análise
marxiana que se torna possível o vislumbre de uma nova ótica sobre o trabalho, que, diante da
monetização da realidade, e ainda da financeirização presente na economia contemporânea,
tornam-na peça fundamental para se entender a (des)estruturação do sujeito social, bem como
a (des)estruturação dos grupos sociais em favor da classe trabalhadora. Entende-se, com isso,
que é por meio do controle verdadeiramente heteronômico do trabalho, inicialmente, que a
ilusão sobre a realidade é constituída. Ademais, destacamos, afinal, a convergência passível
de ser visualizada entre esta crítica à economia política, arcabouço da visão marxiana, às
considerações acerca do mundo do trabalho, mais especificamente relacionada ao tratamento
sobre a subjetividade a partir, afinal, do desvelar da realidade econômica.

Na atualidade, o individualismo negativo e o apoliticismo, enquanto antônimos das


características presentes no desenvolvimento humano, confirmam o que, indiretamente
e seguindo as devidas proporções, Marx parece insinuar com seu exemplo clássico sobre o
arquiteto e a abelha: o trabalho consciente destaca a espécie humana das demais; todavia, a
alienação da principal atividade que a destaca torna-a (a espécie humana) estranha a si própria,
passa a negar a si mesma em suas caraterísticas historicamente desenvolvidas. Negando-se a
“consciência” sobre o trabalho, assim, espraiar-se-á o véu da inconsciência sobre a realidade.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 206

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Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 208

DE OU DO COMPORTAMENTO? CONSIDERAÇÕES SOBRE O


EMPREGO DOS TERMOS COMPORTAMENTO/COMPORTAMENTAL
NA GESTÃO DE PESSOAS

Iratan Bezerra de Sabóia


Juliana Maria Braga Dias
INTRODUÇÃO

A reestruturação produtiva, à qual está submetida a sociedade contemporânea, é resulta-


do das transformações sociais, políticas, econômicas e culturais. No contexto das organizações,
essa reestruturação ocorre através de processos de racionalização organizacional que envolvem
novas tecnologias e novos modelos de gestão (Brandão & Guimarães, 2001).

O conceito de Gestão de Pessoas é frequentemente utilizado pelos que estudam e prati-


cam a gestão de Recursos Humanos. Essa nova terminologia é abrangente e assume como mis-
são nomear e dar identidade a um intenso processo de mudança que vem sendo desenvolvido
nas práticas, políticas e processos de gestão (Fischer, 2001). Onde a principal mudança consiste
em sair de uma visão do homem como uma peça da máquina, ou seja, um recurso a ser utiliza-
do; e vê-lo como sujeito ator de um processo.

As pessoas passam a ser o principal foco, políticas e práticas são desenvolvidas a fim de


conciliar as expectativas da organização e dos colaboradores, já que se percebeu que o desen-
volvimento organizacional, em ambiente competitivo, estava atrelado, entre outros fatores, ao
desenvolvimento das pessoas.

Conforme Fischer (2002), entre a década de 60 e meados dos anos 90, apontou-se a ne-
cessidade em estabelecer vínculos entre a gestão de pessoas e as estratégias da organização. A
visão era que os recursos humanos deveriam encaixar-se às políticas empresariais e os fatores
ambientais.

Desse modo, o desafio para a gestão de pessoas é como encarar cada pessoa, consi-
derando-a individualmente, e que maneira utilizar para gerenciá-la dentro desse ambiente de
diversidade e coletividade. Novas tendências e novos conceitos vêm sendo desenvolvidos e
o modelo de Gestão por Competências insere-se nesse cenário. Levando em consideração as
competências organizacionais e individuais, a Gestão de Pessoas por competências se propõe a
desenvolver e integrar pessoas em torno da estratégia, meta e objetivos organizacionais, a fim
de desenvolver e sustentar competências consideradas fundamentais à consecução dos objeti-
vos organizacionais.

Sendo as pessoas o foco, as competências comportamentais tornam-se o diferencial


Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 209

competitivo de cada profissional. No passado, o foco era na tecnologia dos produtos e dos
processos visando sempre o aumento do lucro. As competências técnicas estavam em maior
evidência, hoje, de acordo com Banov (2010) o que confere um diferencial ao cargo são as
competências comportamentais, descritas como atitudes.

Nesse cenário, o termo comportamental vem sendo amplamente utilizado no contexto


da Gestão de Pessoas que desempenha papel fundamental no modelo de Gestão por Compe-
tências. A gestão dos diversos subsistemas, tais como Recrutamento e Seleção, Avaliação de
Desempenho dentre outros, podem promover o desenvolvimento profissional e pessoal.

Entretanto, cabe a pergunta: o termo comportamental/comportamento utilizado nessa


área corresponde ao conceito de comportamento para a Análise do Comportamento?

As práticas gerenciais falam de comportamento (senso comum) ou do comportamento


(constructo teórico da Psicologia Analítico Comportamental)?

Para responder a essas perguntas foram analisadas algumas metodologias e técnicas que
subsidiam os subsistemas na Gestão de Pessoas, são elas: A Metodologia para mapeamento de
competências: Inventário Comportamental; a técnica de Seleção: Entrevista Comportamental; e
o instrumento de Avaliação de Desempenho: Escala de Classificação de Base Comportamental
(BARS).

Sumariamente serão apresentados o objetivo, a metodologia, bem como, a relevância


do presente trabalho. Em prosseguimento, apresentaremos as categorias de análise e, logo em
seguida, as implicações Analítico Comportamentais em alusão aos termos comportamento/
comportamental, para, posteriormente, seguirmos com a apresentação de cada instrumento ou
método analisado, findando com nossas últimas considerações.

O PERCURSO METODOLÓGICO EM ACEPÇÃO AO CONCEITO DE COM-


PORTAMENTO E SUAS DIFICULDADES OPERACIONAIS

O objetivo deste trabalho é analisar se os termos comportamental e comportamento,


utilizados no contexto da Gestão de Pessoas, estão de acordo com os pressupostos da Análise
do Comportamento, considerando que esses termos sinalizam a mesma coisa nesse contexto,
utilizaremos comportamental/comportamento.

Para alcançar esse objetivo, tais termos foram localizados nas obras que fazem referên-
cia ao contexto da Gestão de Pessoas, foram caracterizados os instrumentos que se intitulam
como “comportamentais”, em seguida, foram buscadas as descrições de “comportamentos”
em tais instrumentos, e foram postos sob a perspectiva Analítico-Comportamental, para tanto,
os fundamentos e conceitos da Análise do Comportamento foram apresentados e servirão para
embasar a análise. Metodologicamente, utilizou-se a Análise de Conteúdo, por meio da qual, o
analista busca categorizar as unidades de texto que se repetem inferindo uma expressão que as
representem (Carengato & Mutti, 2006).
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 210

Considerou-se como pertinente pesquisar sobre o tema devido à escassez de produções


relacionadas. A deliberação da utilização do termo em instrumentos que se classificam como
“comportamentais”, instigou a necessidade em descobrir se havia correspondência com a Aná-
lise do Comportamento.

Somam-se a isso dois fatos: fazer análises sob a perspectiva da Análise do Comporta-
mento, em especial, acerca do termo comportamental, de instrumentos que se intitulam como
comportamentais, significa adentrar na dimensão política e social da Análise do Comportamen-
to. E o questionamento revisa as bases teóricas e epistemológicas que a prática da Gestão de
Pessoas executa em seu dia-a-dia.

Deste modo, quando uma ciência conta com uma forte tradição experimental e reúne
uma comunidade em torno de conceitos e programas de pesquisa, raramente os pesquisado-
res se indagam sobre os pressupostos teóricos e filosóficos que estão em sua base científica
cotidiana. Diante de tais circunstâncias, o trabalho teórico perde sua centralidade para grande
parte da comunidade, com exceção daqueles que estão atentos ao permanente processo de (re)
elaboração conceitual inerente a qualquer sistema científico. Quando sob tais condições, certa
comunidade se volta para um problema novo, diferentes esforços vão sendo requeridos para a
formulação de uma nova resposta (Tourinho, 1999).

Inicialmente foi realizada uma breve revisão bibliográfica nas bases de dados científicas
Scielo e Lilacs. A busca foi feita a partir de enunciados que foram descritos segundo o objeto da
pesquisa. Na ordem de um mais específico até um menos específico, portanto mais abrangente.
Os enunciados foram: competências e inventário comportamental, competências e entrevista
comportamental, competências e comportamentos, seleção e competências comportamentais,
avaliação de desempenho e competências comportamentais, competências e gestão de pessoas,
competências e Psicologia Organizacional, listados na tabela a seguir.
TABELA 1- ENUNCIADOS BUSCADOS NAS BASES DE DADOS CIENTÍFICAS

Enunciado Scielo Lilacs


Competências e Inventário Comportamental 1 0
Competências e Entrevista Comportamental 2 0
Competências e Comportamentos 39 36
Seleção e Competências Comportamentais 1 10
Avaliação de Desempenho e Competências 1 10
Comportamentais
Competências e Gestão de Pessoas 43 16
Competências e Psicologia Organizacional 3 18

Devido ao inexpressivo número de artigos que abordassem o tema mesmo que indireta-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 211

mente, e diante do fato de que de acordo com a busca empreendida, nenhum aborda a relação
entre a Análise do Comportamento e a utilização do termo “comportamental” nas práticas de
gestão de pessoas, não sob o mesmo recorte do presente estudo, optou-se então, por referenciá-
-lo teoricamente a partir de livros. Nos livros, foram localizados os termos “comportamento” e
“comportamental” nos contextos de Gestão de Pessoas.

Para fins de análise, serão criadas categorias que embasarão o exame sobre a deliberação
do uso do termo “comportamental” nos processos que envolvem o contexto Organizacional, ob-
jetivando analisar se tais termos enquadram-se nos pressupostos da Análise do Comportamento.

No decorrer do percurso, percebeu-se a falta de consenso quanto ao conceito de compor-


tamento entre a própria comunidade de Analistas do Comportamento. A Revista Brasileira de
Análise do Comportamento (REBAC) foi escolhida como posicionamento teórico a ser adotado
por esse artigo por ser uma revista referência na área e por apresentar quatro publicações recen-
tes, que discutem acerca do conceito de comportamento. É relevante circunscrever o conceito
de comportamento por meio da descrição de unidades mínimas que delimitem tal conceito na
forma de categorias. Ao fazê-lo, sinaliza-se inicialmente a discussão e possível reelaboração de
conceitos que é fundamental a qualquer sistema científico conforme indicou Tourinho (1999).

Tomando-se por base os conceitos e inserções em Análise do Comportamento, uma uni-


dade básica de análise foi proposta, como assim a chamaremos.

Essa unidade básica de análise foi formulada com o que de mais frequente se repetiu
na escrita dos autores, ao se referirem ao conceito comportamento. A partir da repetição dos
elementos que compõem a categoria comportamento, reuniu-se indicadores que sugerem ser
requisitos básicos para que se possa definir comportamento.

É importante frisar que uma vez proposta uma unidade básica de análise para o termo
Comportamento pode ir além do que delimitamos aqui; entretanto os autores aqui elencados
concordam que nossa unidade básica de análise apresenta o mínimo comum entre os autores
para classificar algo como comportamento.

Assim, a partir do que foi encontrado em comum entre os escritos dos autores nas pro-
duções publicadas na Revista Brasileira de Análise do Comportamento, o que era recorrente
quando se tratava de definir comportamento foi operacionalizado em categorias que embasarão
a análise posterior.

É necessário enfatizar, além do que se propõe este trabalho, também aquilo que não é
pretensão ou proposição. Logo, não se pretendeu nesse estudo caracterizar ou definir o que é
comportamento, diante da complexidade que seria tal empreitada, o que foi proposto então, foi
uma análise a partir do que é recorrente ao tratar-se de comportamento, entre os autores listados
na tabela abaixo (Tabela 3). Não é pretensão também discutir acerca das discordâncias presen-
tes entre as discussões dos autores, visto que as convergências, no que se refere ao conceito de
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 212

comportamento, é que serão pautas para a elaboração das categorias.

TABELA 3- TABELA QUE APRESENTA OS AUTORES E ARTIGOS UTILIZADOS PARA EM-


BASAMENTO DAS CATEGORIAS

O COMPORTAMENTO OPERANTE SEMPRE COMO EM RELAÇÃO À:

Carrara e Zilio (2013) trazem o termo relação como associado visivelmente ao conceito
de função, quando se trata de contingência. Os autores recordam o trabalho de Mach, na sua
tentativa de mudar os objetivos da ciência, da busca das causas dos fenômenos para a busca das
relações funcionais entre as variáveis que participam do fenômeno.

Para Todorov e Henriques (2013), a unidade de análise do programa analítico compor-


tamental seria a relação entre as classes de respostas/efeitos e classes de estímulos e o principal
instrumento de apreciação seria a contingência. Tais autores consideram que não é possível
ocorrer qualquer ação do organismo sem alguma relação com o ambiente externo ou interno ao
organismo, já que organismos não vivem no vácuo, isso é elementar.

Conforme Botomé (2013), estímulos e respostas só são assim descritos, circunstancial-


mente, ou seja, para ser denominado estímulo ou resposta terão que estar em uma determinada
relação com algum aspecto do ambiente em que ocorre.

O COMPORTAMENTO É O QUE O ORGANISMO FAZ

Para Carrara e Zilio (2013), há indícios convincentes de que comportamento é aquilo


que o organismo faz, como dito por Skinner em 1938, contudo, não é qualquer coisa que é fei-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 213

ta. Fala-se então que mudanças no ambiente são alterações que afetam o padrão (frequência,
topografia, duração) daquilo que o organismo faz e é a esse tipo de mudança a que se refere o
fazer do organismo.

Todorov e Henriques (2013) consideram que comportamento não está no organismo,


sendo parte do que o organismo faz e como tal não pode ser a interação entre um ou outro
evento.

Botomé (2013) afirma que se pode fazer referência àquilo que o organismo faz de uma
maneira descritiva das características físicas dessas ações, ou de uma maneira funcional por
meio das características das relações entre aquilo que o organismo faz, no ambiente no qual faz.
Por não ocorrer no vácuo, qualquer complemento que se acrescente ao verbo já configura uma
interação como parte da delimitação de um comportamento.

RELAÇÕES ENTRE ANTECEDENTES, RESPOSTAS E CONSEQUENTES

Carrara e Zilio (2013) transpõem a diretriz machiana para a Análise do Comportamento


e sugerem que essa se ocupa das relações entre as variáveis, sejam as antecedentes, as conse-
quentes e as que intermediam essas condições na tríplice relação de contingências.

Todorov e Henriques (2013) afirmam que quando Skinner fala que os homens agem
sobre o mundo, modificam-no e são modificados pelas consequências de suas ações, ele está
falando de operantes.

Botomé (2013) afirma que inicialmente em 1938, Skinner afirmava que comportamento
era a parte da atividade total do organismo, já em 1969, Skinner salienta o papel das complexas
interações entre classes de estímulos antecedentes, classes de respostas e estímulos consequen-
tes às respostas de tais classes, o que passou a ser adjetivado como operante. Porém, mais que
um adjetivo, o termo operante traduz a síntese de uma descoberta sobre o que era entendido
como comportamento. Skinner (1969 citado por Botomé 2013) denominou resposta como com-
ponente ou instância de um operante, considerando eventos ambientais, tanto os que incluem os
que antecedem a ação do organismo e os que a sucedem.

Ainda conforme Botomé (2013) o termo operante, mesmo quando não explicitado, será
o tipo de comportamento ao qual serão feitas as referências no âmbito das contribuições da
Análise do Comportamento.

A partir do que foi encontrado em comum entre os escritos dos autores, no que se refere
ao conceito de comportamento para a Análise do Comportamento, foram operacionalizadas
categorias. Tais categorias não se propõem a definir comportamento, a proposição é no sentido
de circunscrever o conceito e delimitar o que minimamente deve-se considerar para referir-se
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 214

à comportamento.

O conceito de comportamento é unidade básica de análise para a Análise do Compor-


tamento. Entretanto, como a definição do conceito de comportamento não é consensual para a
comunidade de Analistas do Comportamento, nas contribuições dos autores aqui apresentados
como subsídios para essa discussão, são encontradas discordâncias, porém, tais discordâncias
não serão discutidas aqui, visto que, tais discussões se distanciariam do objetivo do trabalho.

Por meio das convergências e termos recorrentes discutidos, no que se refere a definição
de comportamento aqui elencada em categorias, feita por Todorov e Henriques (2013), Lazzeri
(2013), Carrara (2013) e Botomé (2013) referenciando-se também nos conceitos da Análise do
Comportamento explorados no presente trabalho, em especial o conceito de comportamento
operante, será feita logo adiante a análise sobre a utilização do termo comportamental nos mé-
todos e técnicas que se inserem no contexto da gestão de pessoas.

AS IMPLICAÇÕES ANALÍTICO-COMPORTAMENTAIS NA UTI-


LIZAÇÃO DOS TERMOS QUE ALUDEM A COMPORTAMENTO

OS CONTEXTOS DA GESTÃO DE PESSOAS

A terminologia “Gestão de Pessoas” é bastante abrangente e tem como missão dar nome
e identidade a um intenso processo de mudança que vem sendo desenvolvida nas práticas, po-
líticas e processos de gestão (Fischer, 2001).

Para Dutra (2008), a Gestão de Pessoas pode ser caracterizada como um conjunto de
políticas e práticas que podem permitir a conciliação entre as expectativas da organização e as
pessoas, a fim de que ambas possam realizá-las ao longo do tempo. Referindo-se às políticas
como princípios e diretrizes que conduzem decisões e comportamentos das pessoas em relação
à organização e às práticas como procedimentos, métodos e técnicas que possibilitam a imple-
mentação de decisões que norteiam as ações no âmbito organizacional e em sua relação com o
ambiente externo.

O mesmo autor enfatiza que o desafio que se lança para a Gestão de Pessoas é como en-
carar cada pessoa considerando sua individualidade e de que maneira gerenciá-la dentro desse
ambiente de diversidade. De acordo com Carbone et al (2001 citado por Brandão, 2009) a área
de Gestão de Pessoas desempenha papel fundamental no processo de gestão por competências.
Os diversos subsistemas (Avaliação de Desempenho, Recrutamento e Seleção, dentre outros)
podem promover ou induzir o desenvolvimento profissional.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 215

Deste modo, outro desafio das organizações é o de desenvolver e utilizar instrumentos


de gestão que lhes garantam certo nível de competitividade. Pensa-se que, nesse contexto de
pessoas em foco, os comportamentos e as competências comportamentais são postos em evi-
dência e cada vez mais os instrumentos de mapeamento e avaliação se propõem a mensurar
e avaliar esse aspecto. A análise que segue objetivará compreender se a utilização do termo
comportamental utilizado em tais instrumentos está de acordo com os pressupostos da Análise
do Comportamento.

Para desenvolver e integrar pessoas em torno da estratégia, de objetivos e de metas


organizacionais, a Gestão por Competências se insere entre os modelos gerenciais propostos.
Ao basear-se no pressuposto de que o domínio de certos recursos é fator determinante para o
desempenho de uma organização, a gestão por competências se dispõe a integrar e orientar
esforços, sobretudo os relacionados à Gestão de Pessoas, a fim de desenvolver e sustentar com-
petências consideradas fundamentais à consecução dos objetivos organizacionais.

O conceito de competência é um pilar nessa nova perspectiva de gestão de pessoas. Tal


conceito originou-se em administração de empresas na área de Treinamento e Desenvolvimen-
to. Inicialmente, associou-se ao mapeamento de características individuais (conhecimentos, ha-
bilidades e atitudes) que, quando existentes, possibilitavam um padrão de performance superior
na execução de determinado trabalho (DUTRA, 2001).

O termo competência assumiu diferentes conotações ao longo do tempo, conforme o


que foi amplamente apresentado por Fleury (2001). Não se pretende aqui discutir as diversas
abordagens ou propor qualquer tipo de comparação entre tais, visto que, segundo Brandão
(2007) a competência pode ser interpretada de distintas maneiras a depender das correntes teó-
ricas que estejam em questão. Busca-se então, situar de maneira breve, o termo competências à
Gestão por Competências, a fim de clarificar esse modelo de gestão, a partir de tal noção.

Uma das possíveis noções de competência trata da perspectiva integradora da qual fala
Brandão (2007). Gonczi (1999 citado por Brandão, 2007) defende que a competência é uma
associação de atributos pessoais ao contexto em que são utilizadas, ou seja, relaciona-se ao
desempenho da pessoa no trabalho. Desse modo, a competência é compreendida não somente
como o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes necessários à determinada atividade,
mas também como o desempenho expresso pela pessoa em determinado contexto, em forma de
comportamentos adotados e realizações decorrentes.

Assim, as competências humanas são provenientes das ações das pessoas diante das
situações com as quais se deparam (Zarifian, 1999 citado por Brandão, 2007). De acordo com
Fleury (2001), a competência do indivíduo não é um estado e não deve ser reduzida a um co-
nhecimento específico, a competência deve ser sempre contextualizada. Dessa forma, a noção
de competência aparece atrelada a verbos como: assumir responsabilidades, engajar-se, ter vi-
são estratégica. Na organização as competências devem agregar valor econômico para a orga-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 216

nização e valor social para o indivíduo.

Brandão (2007) adapta o conceito de competência proposto por Fleury e Fleury (2001)
e Dutra (2004), ampliando o que descreve como “Componentes da competência humana”. Os
insumos representados pelos conhecimentos, habilidades e atitudes aparecem como geradores
de um desempenho profissional que é valoroso tanto para a pessoa que o produz quanto para a
organização para a qual trabalha. Tal desempenho, por sua vez é expresso pelos comportamen-
tos que a pessoa emite no trabalho e pelas consequências de tais comportamentos, na forma de
realizações (Gilbert, 1978 citado por Brandão, 2007).

Refletindo sobre a utilização do termo competência, Botomé (2009), em seu estudo


sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o planejamento da capacitação de psicólogos
no país, analisa a utilização dos termos “competência” e “habilidade” e propõe uma revisão. O
termo competência vem sendo utilizado nos mais diversos contextos, inclusive, por muitas ve-
zes empregado no mesmo sentido de habilidade. Devido a esse caráter polissêmico conferido ao
termo, historicamente, tal termo torna-se vago. O referido autor propõe então que seja avaliada
a necessidade de substituir o termo ou pelo menos delimitá-lo com mais precisão, sendo esse
mais um exercício de retórica ou preciosismo de linguagem.

Botomé (2009) traz a noção de comportamento operante como referencial e propõe a


substituição dos termos competências e habilidades pelo termo “comportamento”. Definindo
comportamento como, basicamente, a relação ou conjunto de relações entre o que o indivíduo
faz, o ambiente em que é realizado esse fazer e o ambiente que é produzido a partir desse fazer.
Os graus de variação entre tais relações e as combinações entre elas é o que dá características
dinâmicas ao comportamento.

Ainda em referência ao conceito de competência, Leme (2006) utiliza a definição de


Scott B. Parry, à qual concebe que competências são um agrupamento de conhecimentos, habi-
lidades e atitudes que estão correlacionadas e afetam consideravelmente a atividade do indiví-
duo, que se relacionam com seu desempenho e que podem ser medidos por padrões preestabe-
lecidos, podendo serem melhorados por meio de treinamento e desenvolvimento.

Conforme o mesmo autor, consideram-se os conhecimentos como os saberes que se


aprendem nas escolas, nos livros, no trabalho. Já as habilidades é o saber fazer que se utiliza
dos conhecimentos no dia a dia. E a atitude é o querer fazer, o que leva a exercitar a habilidade
de um determinado conhecimento.

Embora o autor supracitado enfatize que a divisão é meramente didática, já que compe-
tências se tratam do agrupamento entre conhecimentos, habilidades e atitudes, há a divisão entre
competências técnicas e comportamentais, a fim de viabilizar a implantação prática dos proje-
tos de Gestão por Competências. Nesse caso, competências técnicas são aquelas necessárias ao
profissional para que esse desempenhe seu papel. São expressas pelo C (conhecimentos) e pelo
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 217

H (habilidades). No caso das competências comportamentais, são o diferencial competitivo de


cada profissional e têm impacto em seus resultados, expressos pelo A (atitudes).

Fischer (2001) afirma que a diferença entre conceito e moda é tênue em administração.
No que se refere ao novo modelo de gestão de pessoas, compreender a especificidade da produ-
ção e a disseminação do conhecimento no campo administrativo é necessário. A comprovação
de um novo conceito deve respeitar duas condições básicas, que são: teste do cientista e teste
do mercado. Com relação ao cientista, o conceito é verdadeiro quando resguarda estreita fideli-
dade com os pressupostos norteadores de seus estudos. Com relação ao mercado, comprova-se
sua validade como no caso de qualquer outra mercadoria, ou seja, pelo grau de aceitação e de
generalização desse conceito pelas empresas.

Leme (2007) enfatiza que as competências comportamentais são o diferencial compe-


titivo de cada profissional e têm impacto direto em seus resultados. Na abordagem do CHA
(Conhecimentos, habilidades e atitudes) com foco comportamental, o que a diferencia do CHA
utilizado comumente é a ênfase dada às competências comportamentais.

DISCUSSÕES ACERCA DO CONCEITO DE COMPORTAMENTO NA GES-


TÃO DE PESSOAS

Como desdobramento da pesquisa, a ausência de um consenso acerca do conceito de


comportamento, na própria Análise do Comportamento, colocou a definição de tal conceito em
discussão.

Percebeu-se que o que se discute em torno da conceituação de comportamento é, prin-


cipalmente, o que se refere às definições reducionistas que limitam as complexas relações entre
os antecedentes, as respostas e os consequentes, tais como: “comportamento é a interação entre
organismo e ambiente”, “comportamento é interação” e “comportamento é relação”.

Devido à complexidade da definição de comportamento, os autores que debatem sobre


tal conceito discordam em alguns aspectos. Este trabalho não se propôs a discutir sobre tais
divergências, a proposição foi elencar convergências quanto ao que concerne ao conceito de
comportamento, como forma de subsidiar a análise acerca da utilização dos termos que fa-
zem referência à comportamento. Levou-se em consideração que o conceito de comportamento
pode extrapolar as categorias aqui dispostas, contudo, de acordo com as regularidades quanto
às referências ao conceito, tais categorias sugerem que, em nível básico, referir-se a compor-
tamento, sob o referencial da Análise do Comportamento, é falar sobre as relações, operações
e mudanças no ambiente, é situar o comportamento no organismo e estabelecer relações em
antecedentes, respostas e consequentes, o que denota uma unidade básica de análise.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 218

Desse modo, circunscrever o conceito de comportamento por meio dos escritos dos
autores especificados no Quadro 1, logo abaixo, foi uma das proposições desse trabalho, en-
quanto ferramenta para alcançar o objetivo de análise, a fim de sinalizar se as práticas falam de
Comportamento (senso comum) ou do Comportamento (constructo teórico Analítico Compor-
tametal).

De modo algum, propôs-se aqui alguma definição do conceito, devido a complexidade


que seria empreender tal tarefa. Portanto, o que foi proposto foi a delimitação de uma unidade
básica de análise, a partir do que se expõe nas três categorias. Dessa forma, delimitar minima-
mente aquilo que é necessário para referir-se a comportamento, para a Análise do Comporta-
mento, pelo menos no que se refere à discussão dos quatro autores utilizados e especificados no
quadro abaixo, seria conceber o comportamento como em relação à, identificando suas funções
e relações com o ambiente.

Assim, perceber que esse é um fazer do organismo e que as operações no ambiente


devem ser consideradas. Por fim, estabelecer as relações entre antecedentes, respostas e con-
sequentes, colocando-os, circunstancialmente, em forma de contingências, pode ser o que se
circunscreve como unidade básica de análise quando se fala em comportamento em termos
Analítico Comportamentais. Ressalta-se que a análise se refere ao comportamento operante.

O quadro abaixo ilustra as regularidades, na forma de citações, que descrevem o que


as respectivas categorias expressam. Embora discordem em alguns aspectos os autores abaixo
relacionados, que subsidiaram a análise sobre o conceito de comportamento, quando se referem
ao conceito, convergem em alguns aspectos, conforme o que foi descrito a seguir, no quadro
sintético das categorias.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 219

QUADRO 1 - QUADRO SINTÉTICO DAS CATEGORIAS

QUADRO Nº
(Todorov & (Carrara & Zilio,
(Lazzeri, 2013) (Botome, 2013)
AUTOR Henriques ,2013) 2013).
CATEGORIA
O conceito de
relação implica a
caracterização de Qualquer
nexo, conexão, complemento
ligação, dependência. colocado em um
Organismos não É correto dizer que
Nesses termos as verbo já significa
vivem no vácuo comportamento é
relações expressam uma interação
O comportamento não é possível uma um elemento de
visivelmente uma como parte da
ação do organismo um a relação com
operante sempre associação ao conceito delimitação do
sem relação com o o abiente.(Todorov,
de função (Carrara comportamento,
como em relação à: ambiente (Todorov 2012 citado por
& Zilio, 2013). “Não por ser um
& Henriques, 2013, Lazzeri, 2013, p.
há como falar em processo que
p.77) 58)
comportamento em si não acontece no
mas em suas relações vácuo (Botome,
com o ambiente p. 36 2013).
(Carrara & Zilio,
2013, P.14).
O termo operante
Comportamento não Comportamento para Skinner
Comportamento não
está no organismo é aquilo que um inclui a noção de
é o que o ambiente
é parte daquilo que organismo faz e que o fazer do
O comportamento é aquilo que faz restando ser o
o organismo faz que possui uma organismo era
o organismo faz que o organismo faz
(Skinner, 1957/1978, ou mais funções uma operação
(Carrara & Zilio,
citado por Carrara & (Lazzeri, 2013, de mudança de
2013)
Zilio, (2013) , p. 76) p.63). seu ambiente
(Botome, 2013).

Os homens agem
Quando skinner Parece plausível sobre o mundo
profere que os sugerir que esta
Trata-se de modificam-no
homens agem (Análise do
algo emitido ou e são por sua
sobre o mundo Comportamento) se
realizado pelo vez modificados
(comportamento) ocupa das relações
organismo, em pelas
modificam-no entre as variáveis,
um momento e consequências
(efeito) e são quais sejam as
local específicos... de sua ação
Relações entre Antecedentes, modificados antecedentes, as
reações mudança (Skinner,
respostas, consequentes. por alterações consequentes e as que
no ambiente 1957/1978,
no ambiente intermediam essas
ao qual estão citado por
(consequência) ele condições típicas
associados Carrara & Zilio,
está falando em da tríplice relação
(Lazzeri, p.48, (2013); Todorov
operantes. (Todorov de contingências.
2013) & Henrique
& Henriques, 2013, (Carrara & Zilio,
p.77) 2013) (2013), Botome
(2013).

A seguir listamos os livros que foram a base da pesquisa dos instrumentos e metodolo-
gias que utilizam o termo “comportamental/comportamento” no âmbito da Gestão de Pessoas
(Tabela 2) e seguimos com a análise de cada instrumento ou método analisado.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 220

TABELA 2 - Tabela de livros utilizados (as informações completas constam nas referências)

LIVROS DESCRIÇÃO NO SUMÁRIO

LEME, ROGÉRIO. Entrevista Comportamental


Seleção e Entrevista Com Foco em Competências
Por Competências com o
Metodologia do Inventário Comportamental para
Inventário Comportamental.
Mapeamento de Competências
Decidir métodos e avaliação
BALDWIN.T.T; RUBIN,R.S;BOMMER.W.H.
Desenvolvimento de Habilidades Gerenciais. Utilizar vários métodos para avaliar Comportamentos e
Resultados
JONES.G R.; GEORGE, J.M.
Avaliações Objetivas e subjetivas
Administração Contemporânea. 4ed,
Escala de Classificação de base Comportamental
Porto Alegre: AMGH, 2011.

O INVENTÁRIO COMPORTAMENTAL

O Inventário Comportamental define que o comportamento observável é o indicador


da competência comportamental. A proposta é trabalhar com os indicadores das competências
comportamentais, de modo que sejam identificadas as possibilidades de melhorar, desenvolver
ou implantar comportamentos (Leme, 2007). Desse modo, o Inventário Comportamental é uma
técnica de mapeamento de competências que pode ser utilizada na Gestão por Competências.

Ao constatar como são descritos esses indicadores comportamentais, conforme o ilus-


trado no quadro abaixo se entende que, de acordo com a primeira categoria 4.1, “O compor-
tamento operante sempre como em relação à”, nas sentenças expressas no quadro abaixo, são
descritas ações sem qualquer relação com o ambiente. De acordo com essa categoria, ações não
devem ser descritas sem suas relações com o ambiente. Dizer que comportamento é sempre em
relação à, não significa dizer que comportamento é relação, significa dizer que comportamento
é parte de um todo complexo de relações inextricáveis.

QUADRO 2 - QUADRO DE INDICADORES DE COMPORTAMENTO

Indicador de Comportamento Apurado Competência associada


Saber ouvir feedbacks Relacionamento Interpessoal
Ser objetivo ao expor suas ideias Comunicação
Confraternizar os resultados obtidos Liderança

De acordo com Todorov (2013), conforme o que já foi dito, organismos não vivem no
vácuo, não é possível que qualquer comportamento ocorra sem que haja uma relação com o
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 221

ambiente. No caso do Inventário comportamental, os indicadores de comportamento represen-


tam algumas ações isoladas do contexto às quais deviam estar inseridas e esse desprendimento
da relação entre antecedentes e consequentes descaracteriza o que pode vir a ser denominado
como comportamento operante para a Análise do Comportamento.

Botomé (2013) elucida o conceito de operante relacionando-o ao conceito de contin-


gências de reforçamento. Ele afirma que um estímulo só deixa de ser mera ocasião quando es-
tabelece relação com a atividade e o estímulo subsequente só passa a ser consequência quando
estabelece relação com antecedentes e a própria atividade. Portanto são circunstanciais. Posto
que nos indicadores comportamentais, acima expressos, as circunstâncias não são citadas, não
se pode então considerar que se tratam de comportamentos operantes de acordo com o conceito
da Análise do comportamento, pois não se referem a atividades que operam no ambiente ou a
efeitos sobre o ambiente que retroagem ao próprio comportamento.

Segundo a categoria 4.2 “Comportamento é aquilo que o organismo faz”, não no sentido
de definição, já que não cabe qualquer tipo de reducionismo diante da amplitude e complexida-
de do termo “comportamento”, mas para denotar que o comportamento ocorre no organismo.
As sentenças representadas no Quadro 2 expressam ações do organismo, porém tais ações de-
vem ter uma ou mais funções conforme o que descreve uma das citações no Quadro 1, quadro
sintético das categorias. Dizer que comportamento é aquilo que o organismo faz não é descrever
comportamento como ação é situá-lo no organismo sem deixar de considerar as funções de tais
comportamentos.

O comportamento só o é quando posto em relação a. Se não se verificar contingencial-


mente as mútuas relações que transformam atividade em resposta e mera ocasião em estímulo
antecedente, não se pode falar em comportamento.

Já a terceira categoria 4.3 “Relações entre Antecedentes, Respostas e Consequentes”,


corroboram para identificar as ações expressas no quadro ilustrativo do Inventário Comporta-
mental como meras ações, desprendidas de antecedentes ou consequentes e como assim são,
não podem ser denominadas como comportamentos, pelo menos não no referencial Analítico
Comportamental.

Cabe analisar ainda que as sentenças expressam verbos sem complemento. Conforme
sinaliza Botomé (2013), o complemento do verbo é o que indica o que é contexto, se só apre-
sentam-se verbos sem complemento mais um aspecto que indica o Inventário Comportamental
como descritor de ações, atividades e não de comportamentos de acordo com o referencial da
Análise do Comportamento. Outro instrumento que apresenta as mesmas características é a
Entrevista Comportamental; a seguir, ela será apresentada e posta à análise.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 222

A ENTREVISTA COMPORTAMENTAL

A Entrevista Comportamental é descrita como uma técnica utilizada para investigar


as situações vivenciadas pelo candidato no passado. Essa proposição de Leme (2007) de que
comportamento passado prediz comportamento futuro, quando se refere à Entrevista Compor-
tamental, é refutada, sob a ótica da Análise do Comportamento, quando Skinner (2000) afirma
que uma resposta que já ocorreu não tem a possibilidade de ser prevista ou controlada.

Pode-se prever somente a ocorrência de respostas semelhantes futuras. Portanto, a pre-


visibilidade para a Análise do Comportamento está mais ligada ao determinismo probabilístico,
frente à possibilidade de o comportamento voltar a ocorrer dados os ambientes que foram antes
relacionados à resposta.

Feitas essas ressalvas, toma-se agora as categorias. A primeira pergunta a ser feita é: a
Entrevista Comportamental aborda comportamentos segundo o referencial da Análise do Com-
portamento? A análise da primeira categoria, 4.1 “O comportamento operante sempre como em
relação à”, traz a noção do papel desempenhado pelo ambiente quando se trata de comporta-
mento.

Ao utilizar o recurso do acrônimo CAR (Contexto, Ação, Resultado), tem-se minima-


mente as três instâncias do comportamento: contexto, ação e resultado, esse último pode as-
sumir a função de consequência. Contudo, atenta-se para o fato de que o contexto pode ser
mera ocasião se não mantiver relação com a resposta e a consequência, assim como descreveu
Botomé (2013), caracterizando-os como circunstanciais, é o que descreve a primeira Categoria
4.1 “O comportamento operante sempre como em relação à”. Essa análise sempre deve ser feita
quando se fala em Análise do Comportamento. Buscar as operações que modificam o ambiente
e as alterações em tais ambientes é buscar as circunstâncias nas quais ocorrem tais compor-
tamentos e, portanto, colocar o comportamento em relação e não tratá-los como atividades
isoladas.

Para a Categoria 4.2 “O comportamento é aquilo que o organismo faz”, a Entrevista


Comportamental situa a ação do organismo e oferece meios que possibilitam a identificação das
funções de tais comportamentos.

Ao refletir-se a partir da Categoria 4.3, “Relações entre antecedentes, respostas e con-


sequentes” para buscar as funções do comportamento, considera-se que, no caso da Entrevista
Comportamental, tem-se minimamente as três instâncias necessárias para referenciar um com-
portamento operante, o contexto, a ação e o resultado (consequência). Resta analisar se tais
instâncias mantém relação entre si, para que passe de mera ocasião para antecedente, de evento
subsequente, contíguo, para consequente.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 223

A partir do que foi explanado sobre Botomé (2013) ao se referir ao efeito partindo dos
escritos de Schick, e questionando o que deve ser considerado efeito em relação ao comporta-
mento, se é o que é produzido ou o que se segue a uma determinada propriedade de uma classe
de atividades, ou seja, em termos contingenciais ou contíguos, respectivamente. Analisar o
efeito é perceber e descrever as relações entre resposta e consequência, no caso da entrevista
comportamental, deve-se levar em consideração a característica circunstancial de que fala Bo-
tomé (2013) e perceber contingencialmente essas relações.

ESCALA DE CLASSIFICAÇÃO DE BASE COMPORTAMENTAL (BARS)

A Escala de Classificação de Base Comportamental, uma escala utilizada para avaliação


como foi anteriormente apresentada, de mensuração subjetiva e que define claramente compor-
tamentos, é um recurso para se executar uma Avaliação de Desempenho.

Conforme a Categoria 4.1 “Comportamento operante sempre como em relação à”, as


sentenças que supostamente traduzem comportamentos não os colocam em relação a, pelo me-
nos não em relação ao estímulo consequente. “Deixar de seguir as ordens dos médicos”. Nessa
sentença não se identifica o consequente à ação de seguir ordens. Portanto, não se pode falar
em comportamentos para a Análise do Comportamento, já que essa sentença não expressa a
contingência tríplice que caracteriza o comportamento operante.

De acordo com a Categoria 4.2 “O comportamento é aquilo que o organismo faz”, ca-
racterizando esse fazer como promotor de mudanças no ambiente (Botomé, 2013). As sentenças
não aludem às mudanças no ambiente, no que se refere a tratar de consequentes. Assim não
condizem com o que sinaliza a Categoria 4.2.

Já no crivo da Categoria 4.3 as “definições de comportamento” propostas pela escala


BARS não o definem a partir da perspectiva Analítico-Comportamental, já que podem ser iden-
tificados, antecedentes, respostas, porém, consequentes não estão relacionados, descaracteri-
zando o que propõe a Categoria 4.3 “Relações entre antecedentes, respostas e consequência”.

Portanto, foi possível analisar que a utilização do termo comportamental vem sendo
difundida especialmente nos instrumentos e metodologias que objetivam avaliar e mensurar
comportamentos. De certo modo, tal fato sinaliza para as transformações que ocorreram no
âmbito das organizações.

Ao trazer as pessoas e seu respectivo desenvolvimento como foco, a Gestão de Pessoas


alia o desenvolvimento dos indivíduos ao desenvolvimento da organização como um todo. No-
vos modelos de gestão são necessários para contemplar tal objetivo, aliar o desenvolvimento
das pessoas ao desenvolvimento organizacional. Se as pessoas são o centro, os comportamentos
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 224

e as competências comportamentais estão cada vez mais em ênfase. Nesse cenário, o modelo
de Gestão por Competências possibilita um olhar para as competências individuais e organiza-
cionais e operacionaliza instrumentos que se propõem a avaliar e mensurar comportamentos.

Tais instrumentos por se intitularem comportamentais, sugerem uma teoria por trás da
denominação. De acordo com o exposto, a Análise do Comportamento não é essa teoria. Os
instrumentos, Inventário Comportamental e Escala BARS não expressam comportamentos de
acordo com as categorias vistas e, portanto, não estão sob o referencial Analítico Comporta-
mental. Já a Entrevista Comportamental fornece meios que podem indicar basicamente um
comportamento, com a utilização do acrônimo CAR, o contexto, a ação e o resultado, que pode
ser a consequência, se postos circunstancialmente, um estabelecendo relação com o outro, sina-
lizam a possibilidade de indicar um comportamento, de acordo com as categorias apresentadas
neste trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A racionalização organizacional, por meio da implementação e utilização de novos con-


ceitos e modelos de gestão que atendam às novas conformações da Gestão de Pessoas, e o
modelo de Gestão por Competências possibilitam o acesso a meios que considerem a pessoa
como foco, na perspectiva de desenvolvimento organizacional atrelado ao desenvolvimento das
pessoas.

Nesse cenário, as competências comportamentais e o comportamento são postos em


ênfase. As metodologias aqui tratadas, que instrumentalizam o mapeamento de competências,
a Seleção e a Avaliação de Desempenho foram postas sob a ótica da Análise do Comporta-
mento. Embora se considere que o próprio conceito de comportamento não é consensual entre
a comunidade de Analistas do Comportamento, no presente trabalho, o conceito foi posto em
discussão, por meio do diálogo evidenciado em forma de categorias que elencavam o que havia
em comum entre o que os autores referiam-se como comportamento.

Assentada também nos outros conceitos anteriormente apresentados, que se referem à


Análise do Comportamento, a análise de categorias foi empreendida e considerou-se que: A
metodologia do Inventário Comportamental não está de acordo com os pressupostos da Análi-
se do Comportamento, já que minimamente não condiz com o que se refere a comportamento
operante. Já a Entrevista Comportamental, se utilizada de maneira a evidenciar contexto, ação
e consequência, apresenta elementos para minimamente fazer uma relação à Análise do Com-
portamento. Por fim, a Escala de classificação de base comportamental (BARS) também não
atende aos aspectos que caracterizam o comportamento, evidenciados por meio das categorias,
já que não apresenta o consequente elemento fundamental para compor a tríplice contingência
e consequentemente o comportamento operante.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 225

Já que a Entrevista Comportamental, resguardadas as ressalvas anteriormente explici-


tadas, pode minimamente apresentar elementos que se relacionam com os pressupostos Ana-
líticos Comportamentais, pode-se sugerir pesquisas conceituais futuras, a fim de expressar as
relações funcionais entre as respostas avaliadas por esse instrumento.

Como a definição para o termo comportamento para a própria comunidade verbal com-
posta por analistas do comportamento é passível de questionamentos e correções, a busca por
uma definição, ou convergências no que se refere ao termo, foi empreendida. Os autores citados
para esse exame convergiram no fato de que o comportamento deve ser minimamente descrito
pela relação entre as variáveis ou a relação entre as partes de uma unidade comportamental, a
descrição de resposta, atividade, ação é completamente diferente da descrição de comportamen-
to que envolve a relação entre contexto, ação e consequência.

A depender do emprego e do contexto em que é utilizado, o termo comportamento pode


ser apresentado de diferentes formas. Pode ser apresentado adjetivado, como um verbo ex-
pressando uma ação ou ainda como a maneira de portar-se. Esse trabalho teve como propósito
analisar o emprego do termo comportamental que faz referência a comportamento a partir do
olhar da Análise do Comportamento.

Visto que, mesmo que não se faça referência explícita com relação ao termo operante,
quando se trata de comportamento, é esse tipo de comportamento a que são feitas as contri-
buições da Análise do Comportamento e se não se trata de operantes, não se pode falar em
Análise “do” Comportamento, pode-se falar então de Análise “de” Comportamento, o conce-
bendo como atividade, àquilo que verbos e tempos verbais, como correr e andar descrevem, ou
quaisquer formas que aludem a comportamentos para o senso comum e não para a comunidade
de Analistas do Comportamento.

Percebeu-se que o termo, devido a sua complexidade, está em processo de definição


para a própria ciência do comportamento com pressupostos behavioristas radicais. Contudo, em
uma tentativa despretensiosa de análise, essas divergências, costumes e jargões reproduzidos
dizem da complexidade relacionada ao termo. As margens de interpretações são particulares à
leitura, ao modo de traduzir os conceitos e enxergar o mundo a partir da lupa analítico compor-
tamental. Entretanto, deve-se ater à criticidade que deve ser conferida ao próprio fazer Analítico
Comportamental, no sentido de desnaturalizar conceitos que foram anteriormente interpretados
e/ou traduzidos de certa maneira e que são reproduzidos deliberadamente sem qualquer revisão
ou reelaboração. Uma reprodução quase automática, pela via do costume, pelos jargões já co-
nhecidos e comumente reproduzidos.

Por meio de exame mais cuidadoso sobre o conceito de comportamento, apresentado


nesse trabalho, é possível compreender que certas coisas permanecem indefinidas em função da
complexidade que torna impossível uma definição unânime ou universal, essa não foi a preten-
são dos autores quando discutiram o conceito de comportamento e menos ainda foi a pretensão
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 226

desse trabalho. Atentar para a utilização deliberada de conceitos anteriormente especificados


e se permitir revê-los é uma proposta. Visto que, a maneira como se verbaliza um enunciado
teórico se não feita da maneira mais adequada e de acordo com os pressupostos filosóficos pode
dar margens para interpretações diversas que podem distanciar os conceitos do que de fato eles
propõem-se a descrever.

Para a Análise do Comportamento, a busca pela utilização correta, o adequado emprego


do termo, é imprescindível para que não haja confusões teóricas, ou que sua utilização caia no
utilitário costume ou jargão limitando-se a descrição de somente uma parte da unidade compor-
tamental que é inextricavelmente complexa.

Portanto, pode-se afirmar que nos contextos de Gestão de Pessoas, no que se refere aos
instrumentos que se propõem a mensurar e avaliar comportamentos, sob a denominação “com-
portamental”, não há correspondência clara com a Análise do Comportamento, quando há algo
que indique tal correspondência, como no caso da Entrevista Comportamental, não é de manei-
ra direta, clara. Pode-se supor, então, que façam Análise “de” Comportamento, em seu sentido
geral, no âmbito do senso comum.

O presente trabalho sinaliza para a necessidade de mais estudos na área, abre caminho
para novas asserções que busquem a correspondência entre não somente a Análise do Compor-
tamento, mas qualquer outra teoria que embase as metodologias e instrumentos que se propõem
a mensurar e avaliar comportamentos. Aponta-se ainda à necessidade de criação ou adaptação
desses instrumentos à teorias que os embasem enquanto constructos metodológicos. Sob a ótica
da Análise do Comportamento outras possibilidades podem ser tecidas, enquanto comunidade
científica outras pesquisas podem ser empreendidas no sentido de propor novos instrumentos,
adaptá-los ou validá-los a partir da ótica Analítico Comportamental.

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Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 229

TEMPO DE TRABALHO: CONSIDERAÇÕES E PERSPECTIVAS


DE PESQUISA
Camilla Regya de Figueiredo Dias Sampaio

Khalina Assunção Bezerra

INTRODUÇÃO

Esse texto é fruto de reflexões acerca do papel da categoria social “tempo de trabalho”
nos estudos sobre o mundo laboral. O tempo é uma categoria que se faz presente de maneira
marcante durante toda a vida e se revela essencial na relação do homem com o mundo. É
evidente que o tempo se configura como elemento importante na organização da sociedade e
da vida. Diversas são as temporalidades, entendidas nesse trabalho como sendo equivalentes ao
tempo, que compõem o quadro temporal social. Segundo Sue (1995), a história foi marcada por
distintos períodos nos quais a estruturação social tinha uma evidente representação temporal.
Na modernidade, o tempo de trabalho despontou como esse tempo dominante, em torno do qual
se organizam as outras temporalidades.

Segundo Aquino (2007), tem-se vivenciado nos últimos séculos, uma sociedade do
trabalho na qual essa atividade é a orientadora da organização social ocidental, reconhecendo
no referencial temporal um mediador dessa estruturação. A industrialização proporcionou
uma ruptura na questão do trabalho e do tempo. Segundo Aquino (2003), com a introdução
do industrialismo, as atividades laborais passaram a ser controladas pelo tempo. Sobre essa
transformação, Friedmann e Naville (1973) reconhecem que a industrialização e a empresa
capitalista subvertem a relação entre tempo e trabalho, que tinha na agricultura e nos grêmios
e ofícios um modelo de tempo autônomo e natural, se estabelecendo com o trabalho como a
medida do tempo. Passava, no período industrial, a se configurar o tempo como medida do
trabalho. Segundo os autores, essa ruptura é responsável pela transformação do trabalho em um
conjunto de gestos funcionais e impessoais.

Na sociedade industrial, o tempo do relógio, regular, contínuo, homogêneo, computável,


quantitativo e abstrato convinha fortemente à atividade industrial. Grossin (1986) resume o
tempo industrial ressaltando dentre as suas características a subordinação do tempo dos homens
ao tempo das máquinas, ou seja, uma temporalidade que impõe ao organismo e à própria
sociedade uma submissão ao ritmo da maquinaria industrial. Esta submissão se deu através
de ações coercitivas que têm como objetivo controlar o indivíduo e fazê-lo interiorizar novas
características como pontualidade e assiduidade, vistas como virtudes e ensinadas desde a
escola.

Se em um momento inicial os trabalhadores lutaram contra a imposição de uma nova


temporalidade laboral, percebe-se que aos poucos essa cultura foi internalizada e naturalizada
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 230

socialmente. Gradativamente, os trabalhadores passaram a incorporar a questão temporal, sendo


este um dos fatores de coesão dos trabalhadores nas suas lutas enquanto classe, no intento de
reivindicar a diminuição da jornada laboral ou com o propósito de aumentá-la, duas realidades
que podem ser vistas nas pesquisas descritas a seguir. Cardoso (2009) aponta que se em um
primeiro momento a construção social do valor trabalho fora imposta, aos poucos passou
a ser algo socialmente aceito, pois os trabalhadores “tinham aceitado as categorias de seus
empregadores e aprendido a revidar os golpes dentro desses preceitos, aprendendo muito bem
a sua lição: a de que tempo é dinheiro”(Thompson, citado por Cardoso, 2009, p.28-29). Dessa
forma, os trabalhadores internalizaram pouco a pouco a temporalidade industrial, passando a
agir dentro de seus limites e seguindo sua lógica.

Na contemporaneidade, o universo laboral vem sofrendo diversas mudanças


caracterizadas pela gradativa perda de garantias e direitos dos trabalhadores, reflexo da
complexificação, heterogeneização e flexibilização, que implicam em geral na precarização
(Antunes, 1998). Segundo Sue (1995), na atualidade estamos vivendo um momento significativo
de transformação, no qual o tempo de trabalho, que foi outrora o determinante da ordem social,
começa a perder relevo.

No que concerne à questão do tempo de trabalho, devemos considerar que as estruturas


temporais desenvolvidas ao longo do período industrial estavam marcadas por critérios como
linearidade, isto é, fluxo contínuo e irreversível do devir característico do tempo (Canadell, 2004);
e pela estabilidade e sincronicidade, em consequência da delimitação do tempo de trabalho e da
diferenciação temporal e espacial das atividades laborais (Aquino, 2003). Estas implicam um
modo de produção do sujeito trabalhador que, para muitos, marca a ideia de sociedade salarial
- sujeito assalariado (Aquino, 2003). No momento atual, há uma paulatina substituição de tais
critérios por características profundamente vinculadas a flexibilidade, dissipação, instabilidade
e diacronicidade (Aquino, 2007). Essas transformações se articulam diretamente com a questão
da temporalidade – jornadas parciais, contratos por tempo determinado, turnos de trabalho – e
por modos de flexibilização do trabalho (e dos direitos trabalhistas) e remetem a uma nova
estruturação da sociedade e, consequentemente, do sujeito trabalhador.

Essas transformações do universo laboral e a consequente mudança na configuração do


quadro temporal implicam em uma transformação da clássica expressão da relação entre tempo
e trabalho, jornada de trabalho, e nas propostas de sua redução, aumento ou flexibilização. A
reflexão sobre a jornada de trabalho contemporânea, então, é pensada a partir de múltiplos
vieses. A clássica disputa pela redução da jornada laboral, maior bandeira da luta operária
nos séculos passados, ganha novos contornos diante das transformações em curso no mundo
do trabalho e questões como flexibilização e até aumento das jornadas laborais são pautas
relevantes para análise na atualidade.

Esse texto busca, a partir de um levantamento teórico alinhado, a apresentação de


pesquisas empíricas e qualitativas, explorar a multiplicidade sobre a questão do tempo de
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 231

trabalho através da jornada laboral como a materialização de sua vivência, demonstrando o quão
versátil é o estudo acerca do tempo de trabalho ao ser analisado por perspectivas diferentes.

TEMPO DE TRABALHO

Pensar sobre o tempo é pensar sobre a definição de mundo e de homem. O mundo torna-
se mundo a partir da subjetivação que o homem lhe concede, através de vivências e da ação do
homem sobre ele, aqui identificada como trabalho. Observam-se relações estabelecidas entre
tempo e mundo na dinâmica das quatro estações, no decorrer de dias e noites, nos determinantes
de ciclos naturais, na evolução biológica da fauna e do homem, e em vários outros exemplos.
Assim, percebe-se o modo em que o mundo foi e continua sendo transformado pela intervenção
do tempo e, também, a transformação deste pela ação do homem em sua relação com o ambiente.

O homem se vê imbricado à questão temporal desde os primórdios de sua existência.


Essa relação pode ser definida como metamórfica em razão das transformações ocorridas na
concepção temporal ao longo dos séculos. Para entendimento da relação entre tempo e trabalho,
inicia-se um percurso histórico pelas sociedades primitivas, consideradas a primeira organização
de vida em sociedade e marco inicial da ação do homem sobre a natureza (Ramos, 2008). Através
de uma “organização do trabalho”, baseada no domínio da agricultura, o tempo se encontrava
a serviço das leis da natureza; a próxima concepção, a do tempo filosófico, é caracterizada
pela dedicação ao exercício contemplativo; depois o tempo da Igreja ou da religião, onde o
tempo era destinado à veneração de um ser divino até chegar à maior quebra “paradigmática”
na relação do tripé homem-tempo-mundo do século XVIII: a Revolução Industrial – assim
entendida devido às mudanças produzidas em diversas instâncias no âmbito social, filosófico,
religioso e econômico – que resultou no que intitularemos de tempo de trabalho.

De acordo com as teorias dos Tempos Sociais e alguns de seus expoentes, Sue (1995) e
Pronovost (1996), cada sociedade, em determinado momento histórico, tem uma atividade social
que regula seu funcionamento e estruturação e, por conseguinte, determina os seus referentes
temporais (Aquino, 2007), como explanado sucintamente na introdução. Assim, os sentidos e
significados atribuídos ao tempo, à forma de quantificá-lo e à experiência de qualificá-lo são
produzidos pela atividade social dominante, como por exemplo: a contemplação, a religião ou
o trabalho.

Como dito, a vida em sociedade nem sempre se estruturou como nos modos atuais,
o avanço da ordem social reflete a evolução nos significados atribuídos ao trabalho e ao
tempo e estabelece relações entre eles, justificando a análise da história para o entendimento
da origem e manutenção do tempo de trabalho. A sociedade primitiva conforma o primeiro
esboço de organização social, as sociedades pré-letradas (Ramos, 2008). A sociedade primitiva
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 232

é marcada pela a homogeneização das esferas: a economia, a religião, a política e o trabalho são
interdependentes e reproduzem o meio de produção destinado a sobrevivência da comunidade em
geral. As atividades eram coletivas, onde a noção de tempo era ligada a natureza, passivamente
mediada pelos ciclos naturais: dias, noites e estações do ano determinavam os modos de
produção agrícola, desse modo o homem tinha períodos (cíclicos, impostos pelos movimentos
naturais) de trabalho intenso e períodos de ociosidade (Mello, Fugulin & Gaidzinski, 2007).

A Antiguidade Clássica é marcada pela perda das culturas de subsistência e pela criação
da propriedade privada e das classes sociais (Oliveira, 2003). De acordo com Canadell (2004),
não exista, ainda, uma só palavra que conceituasse e se traduzisse por tempo, este era interpretado
como vida cósmica (Canadell, 2004) parte de um fluxo maior, e fenômeno de reflexão de grandes
filósofos como Enéia e Zenão. O trabalho era visto na Antiguidade Clássica fundamentalmente
como uma atividade torturante: na civilização grega, grandes pensadores como Aristóteles,
exaltavam o dualismo metafísico entre corpo-mente, valorizando apenas o exercício intelectual
e legitimando a escravidão como um resultado da hierarquização dos valores, sujeitando os
escravos à condição de “um bom instrumento de trabalho” (Ramos, 2008).

Como dito anteriormente, não existia uma unidade de análise relacionada ao tempo,
a referência temporal se distinguia entre a medida do tempo Kronos, a longitude da sombra
projetada pelo sol; Kairos, a qualidade própria de cada momento temporal; e Aion, a duração
da vida, o tempo cósmico sem começo e nem fim (Canadell, 2004). Nas palavras do próprio
Canadell, “la combinación de estas três dimensiones temporales configuraba un <<mundo>>,
una morada, es decir, un lugar donde convivían la presencia y la ausencia” (p. 23). A junção
dessas três dimensões representava a síntese do que hoje entendemos por tempo (Elias, 1998).

Na Idade Média, devido à recorrência de guerras e à contenda pela conquista de territórios


prevalece a instituição dos feudos e a valorização da terra. A terra era a maior fonte de poder e
produzia todos os bens necessários, o trabalho era limitado à função de suprir as necessidades
de sobrevivência, prendendo o homem à servidão ao longo de sua vida (Pochmann, 2006). O
tempo era o tempo de servidão e remissão coletiva, um caminho preciso e progressivo para
alcançar a salvação divina (Canadell, 2004).

Em razão disso, o trabalho era tido como uma relação de submissão e fidelidade, em
troca de proteção e da oportunidade de estar inserido no sistema de produção da época, ou seja,
no sistema de produção ruralizado. Era através do labor que se alcançava a salvação. Dar-se,
assim, um princípio a visão linear do tempo: “la linealidad del tiempo respondia al carácter
salvífico que ese tiempo había adquirido con la llegada de Cristo: el tiempo renovado debía
conducir a la humanidad hacia la plenitude” (Canadell, 2004, p. 26). Essas transformações
começam a ocorrer durante a Idade Média – pautadas na ideia da vida como um caminho
irreversível ao alcance da salvação – e intensificadas com o advento do Protestantismo e pela
abertura à produção do conhecimento científico, desvinculando, paulatinamente, a concepção
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 233

temporal dos movimentos da natureza.

Dando um salto na história, as transformações paradigmáticas ocorridas no pensamento


e no modelo de produção engendraram um novo cenário, dispondo aos burgueses o papel de
agente central. Os antigos servos vinham alcançando certa liberdade intelectual e de escolha, e
assim modificaram sua concepção acerca de trabalhar e consolidaram a prática da venda de sua
força de trabalho como produto de comercialização (Alvim, 2006). O movimento da Revolução
Industrial no século XVIII trouxe mudanças econômicas, sociais e políticas essenciais para a
metamorfose no conceito de trabalho e tempo na Idade Moderna. Primeiramente na mudança
do conceito e sentido atribuído ao trabalho, surge uma concepção de trabalho valorizado e
libertador. O trabalho, então, assume um significado intrínseco quando passa a proporcionar
desenvolvimento pessoal e assume a função de ferramenta necessária para efetivar essa
liberdade (Ribeiro & Léda, 2004). Em relação ao tempo na modernidade, sua compreensão
foi essencialmente influenciada pela física e pela filosofia (Aquino, 2007). Isso demarca uma
ruptura nos sentidos anteriormente atribuídos ao trabalho e engendra o surgimento de uma nova
ordem temporal.

Na Idade Moderna a industrialização inaugura a diferenciação espacial e temporal do


trabalho (Aquino, 2003). O novo espaço de trabalho, a fábrica, exigia diferenciação espacial
(Gasparini, 1996), ou seja, um espaço específico em que se promovia o encontro entre trabalhador
e máquinas, com ações pré-estabelecidas. Nesse espaço, normalmente, as atividades produtivas
começavam ao mesmo tempo: o horário de produzir era compartilhado pelos trabalhadores
que dividiam o mesmo ritmo de trabalho, isto é, a sincronização (Aquino, 2003). E por fim,
se instalou uma disciplina de tempo diferenciada: a rigidez temporal. O tempo passa a ser
quantificado e medido de maneira rígida e coletiva. Todos atuavam através dessa medida do
tempo, o que resultou na criação das jornadas laborais (Gasparini, 1996).

Com a consolidação das jornadas laborais, criou-se a concepção de sociedade salarial,


onde o modelo de produção transmutou o conceito ontológico do trabalho para o conceito
de valor-de-troca e mais-valia, conceitos de cunho restritamente econômico. As fábricas
eram marcadas por jornadas laborais excessivas, precárias condições de trabalho e profunda
exploração (Aquino, 2007). Esse fato resultou na união e coesão da classe de trabalhadores,
em prol de melhores condições de trabalho, como: ambientes de trabalho adequados e salubres,
remuneração justa, direitos trabalhistas e redução das horas da jornada laboral. Hoje, as
reivindicações da classe de trabalhadores ampliam-se e abordam demandas produzidas com o
advento da tecnologia e especificidades na prestação de serviços.

O tempo passa a medir as atividades de produção, passando a ter valor de troca, ou seja,
transformando-se em moeda e objeto de disputa e negociações. (Aquino, 2007). Ao controlar
o trabalho a temporalidade de caráter mecânico repercute na organização do tempo social – a
organização temporal, agora, gira em torno do tempo industrial e o relógio é a representação
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 234

máxima da industrialização e dos seus efeitos na composição do tempo social (Aquino, 2003) –
por isso, intitulou-se a Idade Moderna de “sociedade do trabalho”, por este assumir o lugar de
atividade social dominante e estruturante da ordem social.

Assim, o trabalho é guiado pelas relações capitalistas que lhe atribuíram características de
“assalariado, controlado, fragmentado por tempos e movimentos, condicionado à emancipação
humana, muitas vezes à precarização e à alienação” (Faria & Ramos, 2014) mantendo sua
hegemonia desde o século XIX. Ao longo do século XX e princípio do século XXI, as sociedades
têm mantido uma ligação de dependência com a globalização e a informatização e vem ao
encontro da cultura do ter que apresenta como pano de fundo a liberdade de escolha, ou seja, “a
produção de riquezas e a fruição de bens de consumo têm como condição inicial a liberdade do
indivíduo dos tempos democráticos” (Mattos & Castro, 2008, p. 154).

A liberdade de escolha e a cultura do consumismo podem ser interpretadas como um


determinante na relação entre os trabalhadores e o conceito de tempo: assim como o tempo
é “moeda de troca”, os objetos consumidos também podem ser considerados como tempo
cristalizado. Baudrillard (2008) salienta:

A máquina de lavar significa tempo livre para a dona de casa, tempo livre virtual transformado
em objeto para ser vendido e comprado (tempo livre que eventualmente porá a render vendo a TV e a
publicidade que nela se fará para outras máquinas de lavar). (p. 205)

Assim, os aspectos da manutenção da lógica do regime capitalista de acumulação de


bens não só se mantém vigentes, como também, refletem tanto nos referentes temporais como
na forma de ser dos trabalhadores (Coutinho, 2009).

A remodelagem do capitalismo alcança mudanças qualitativas nos planos produtivos se


manifestando em novas tecnologias, novas formas de organização, gestão de pessoas e trabalho
(Toni, 2003). Esse processo de reestruturação produtiva, implica no processo de flexibilização
de variados níveis, podendo citar: na organização do trabalho, nos vínculos empregatícios,
na polivalência, nas novas jornadas laborais e postos de trabalho, entre outros. Embora a
noção de tempo de trabalho venha sofrendo modificações, em decorrência de fatores como a
reestruturação produtiva, a análise da relação entre tempo e trabalho se mantém útil no propósito
de entender como ela se estrutura em tempos de produção flexível, tendo em vista que partimos
da concepção que o trabalho continua sendo a atividade social dominante, mas apresenta uma
nova roupagem (Aquino, 2007).

Para Teixeira (2010), o trabalho é a atividade humana vital, porém, não é a única, isto
é, todas as manifestações autenticamente humanas (como a cultura e as festividades, a arte e a
ciência) devem ser levadas em consideração, pois o homem é a totalidade dessas e não somente
expressão de sua atividade vital. No entanto, a dominância do trabalho na vida das pessoas
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 235

ocorre de forma intensa e durante tanto tempo que ele, acaba por, se confundir com a própria
vida, impossibilitando a distinção entre o tempo de trabalho e de não-trabalho.

A jornada laboral, a materialização do tempo de trabalho, merece atenção especial em


vista de ser a própria vivência temporal do trabalho e, ao mesmo tempo, ser a responsável por
mudanças na concepção e estruturação do tempo de trabalho. Assim, é produto e produtor do
tempo de trabalho, tanto na vivência dos atores individuais como nas instâncias coletivas e
socioeconômicas.

JORNADA DE TRABALHO - VIVÊNCIA DO TEMPO DE TRABALHO

A expressão jornada de trabalho, de acordo com Mocelin (2011), refere-se ao tempo


despendido com o trabalho remunerado executado pelo trabalhador para um empregador,
mediante um contrato regular de prestação de serviço. Existem diversas variações na forma de
perceber a jornada laboral no que se refere à medida do tempo dedicado ao trabalho, podendo
ser esta medida diariamente, mensalmente ou anualmente. Segundo aponta Aquino (2003), a
Conferência de Estatísticos do Trabalho de 1962, que se vincula à Organização Internacional
do Trabalho – OIT define que a jornada de trabalho faz referência a um período típico, que se
define a partir das horas efetivamente trabalhadas.

Na sociedade moderna, segundo Dal Rosso (2006), o trabalho em sua forma assalariada,
mais especificamente no emprego, se constituiu como elemento central. Em consequência, a
jornada de trabalho, que se configura como tempo concebido para o trabalho, ganhou relevo. É
importante ressaltar que o conceito de trabalho nas sociedades capitalistas, ao longo do século
XX, está fortemente vinculado ao conceito de emprego. Assim, ao se falar em jornada de
trabalho, implicando inclusive na questão contratual e salarial, é ao vínculo empregatício que
se faz referência, pois o trabalho vai além do emprego.

Com o desenvolvimento capitalista, a jornada de trabalho passa a se configurar como


fator essencial na negociação entre os detentores do capital e os detentores da força de trabalho
(Cardoso, 2009), sendo a “espada que corta” (Dal Rosso, 1996) as relações entre empresários
e trabalhadores desde então. O tempo de trabalho passava, assim, a se constituir como um
elemento de reivindicação, buscando de alguma forma resgatar algo de autonomia e liberdade
para um sujeito alienado pela expropriação gerada pelo modelo típico do capitalismo industrial.
Esse reconhecimento revela que o trabalho, tal como estava qualificado no modelo industrial,
teria muito mais evidenciado o seu caráter instrumental e, portanto, ao ocupar uma parcela
significativa do quadro temporal, tornava inviável o exercício da expressão autônoma do sujeito.

Durante o princípio do período industrial, as jornadas de trabalho, em face da ausência


de regulamentação e das exigências de alta produtividade, eram bastante extensas, de tal forma
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 236

que o quadro temporal do sujeito trabalhador se dividia em tempo de trabalho e de não trabalho
somente (Aquino, 2003), sendo este último um tempo de descanso fisiológico para recuperar a
força laboral e torná-la renovada para a nova escala de produção.

Pensar em um quadro temporal que apresentasse outras atividades além das laborais era
praticamente impossível e a própria concepção de jornada de trabalho, com horários fixos, era
uma ideia sem sentido, haja vista que não existia uma regularidade mecânica em sua realização
e o tempo de trabalho era levado ao máximo das capacidades humanas e da viabilidade dada
pelas condições ambientais. Desse modo, a sincronização e rigidez temporal só eram controladas
em relação ao fluxo (intenso) da produção (Gasparini, 1996), e não na delimitação da jornada
laboral.

Mesmo com a fixação de horários que demarcavam a jornada laboral, o tempo para o
trabalho continuava extenso e desumano. O tempo de trabalho, materializado nas jornadas, se
configurava como o grande fator de exploração do capital sobre os trabalhadores, de maneira
tal que alguns autores, como Marx (1976), afirmaram que a jornada de trabalho usurpa o tempo
que o corpo necessita para se desenvolver e manter-se são.

Em função da situação limite a que estavam submetidos os trabalhadores, diversas


reivindicações começaram a ser realizadas tanto pela opinião pública como pelos próprios
operários e pelo nascente movimento sindical, buscando melhorias nos salários e a redução da
jornada de trabalho, começando assim as primeiras ações de negociação entre capital e trabalho
em torno do tempo dedicado ao mesmo. Em meados do século XIX, a limitação da jornada
de trabalho tornou-se uma das principais bandeiras de luta dos movimentos operários (Silva,
2007).

Pouco a pouco o tempo dedicado ao trabalho começou a constituir pauta jurídica e


não apenas sindical. Na Inglaterra, berço da Revolução Industrial, surgiram as primeiras leis
reguladoras da questão das jornadas, mas nem sempre foram colocadas em prática de fato.
Apenas em 1833 surgiu uma lei que limitava a jornada de trabalho em 12 horas para crianças
entre treze e dezoito anos. Progressivamente estas limitações foram se estendendo para os
homens adultos. (Járegui; De La Puerta, 1998).

Com o surgimento de novas leis e com a intensificação das lutas em torno da redução
da jornada de trabalho, esta foi, progressivamente, sendo reduzida. Paralelamente à redução do
tempo de trabalho diário e mensal, a luta dos trabalhadores introduzia novas demandas relativas
a férias, descansos pagos, aposentadoria (aspectos ligados direta ou indiretamente à esfera
temporal), entre outras. As horas de trabalho, contudo, permaneciam como principal ponto
de reivindicação do movimento operário em vários países do planeta (Aquino, 2003). Nesse
sentido, vale lembrar o ideal da jornada de oito horas, que se tornou um ícone do movimento
trabalhista internacional, sendo acolhido em algumas legislações e tornando-se realidade em
diversos países durante as primeiras décadas do século XX. Neste período, o Estado apresentava-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 237

se como grande interventor e pacificador das questões trabalhistas, colocando o trabalho como
mediador de direitos e garantias sociais. A questão do tempo dedicado a ele era encarada como
principal ponto de negociação entre os trabalhadores e o capital (Fonseca, 2011). Percebe-se
uma mudança na concepção da questão da redução da jornada laboral. Como já destacamos
através de Aquino (2003), em um primeiro momento da sociedade industrial, esta questão teria
uma motivação quase vital, de recuperação fisiológica. Com o desenvolvimento industrial
e o amadurecimento do movimento operário ela se transformou, por sua vez, em um objeto
legítimo e privilegiado de negociação entre trabalho e capital. E atualmente? Atribui-se às lutas
que versam a jornada de trabalho a qual objetivo?

É essencial pontuar que a redução da jornada laboral, enquanto duração do tempo


trabalhado ou tempo externo, como foi denominado por Gasparini (1996), foi acompanhada
de uma intensificação do tempo interno, ou seja, do ritmo e cadência do trabalho. Modelos de
gestão passaram a controlar o tempo de cada atividade do trabalhador, eliminando movimentos
inúteis, possibilitando o surgimento de novos meios de aumentar a produtividade que não
necessitassem de um alongamento do tempo de trabalho. Assim, pode-se afirmar que a redução
das jornadas foi acompanhada de uma intensificação das atividades laborais, viabilizada
pelos avanços tecnológicos, o aumento das cadências e a diminuição da porosidade do tempo
(Fonseca, 2011).

Paralelamente ao movimento político e de reivindicações sociais, a luta pela redução da


jornada de trabalho foi possibilitando o surgimento de uma série de atividades fora do âmbito
do trabalho. Com a transformação do quadro temporal, que antes se constituía basicamente pelo
binômio tempo de trabalho e de não trabalho (tempo de recuperação para o trabalho), novos
tempos foram surgindo, possibilitando a realização de outras atividades, que passaram a compor
também o quadro temporal. No apogeu da sociedade salarial, como aponta Aquino (2003), o
desenvolvimento do Estado de Bem-estar foi fundamental para se desenvolver a crença na
multiplicidade de tempos que passaram a compor o quadro temporal, ou seja, o reconhecimento
de uma vida “além do trabalho”.

É evidente constatar que a liberação do tempo de trabalho impactou diretamente a


estruturação social, como aduzem diversos teóricos do tempo social (Provonost, 1996; Ramos,
1992; Sue, 1995). Segundo Aquino (2003), a luta pela redução da jornada de trabalho traz
consigo a potencialidade de uma nova configuração da ordem temporal, sendo essa redução
uma premissa para a mudança nesses quadros e consequentemente uma mudança na forma de
estruturação da própria sociedade.

Com a segunda guerra mundial, o processo de redução das jornadas, que desde meados
do século XIX vinha ocorrendo de maneira gradativa, sofre um período de leve estabilização
(Jáuregui & De La Puerta, 1998). No período pós-guerra, essa estabilização no número
de horas trabalhadas continua incentivada, sobretudo pela alta demanda de crescimento
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 238

econômico dos países nesse momento. A tensão em torno da luta pela redução das jornadas
entre trabalhadores e capital foi, nesse momento, intermediada pelo Estado (principalmente
nos países industrializados), que, como já exposto, tinha como grande marca nesse período
seu caráter social. No entanto, este não deixava de focalizar seus esforços no desenvolvimento
econômico e no progresso, que passaram a ser metas essenciais a serem cumpridas frente à
crescente competitividade produtiva no cenário mundial.

É interessante notar que ao assumir estes dois papéis, defensor dos direitos sociais
e incentivador econômico, o Estado coloca esses dois processos, que em outros momentos
históricos pareciam antagônicos, como sendo processos concomitantes, ratificando o ideário
de que o progresso e o desenvolvimento econômico eram imprescindíveis para a manutenção
e desenvolvimento do Estado de Bem-estar. O processo de redução cronométrica da jornada é
então estancado, em decorrência desse novo contexto internacional, mas o trabalho e os direitos
sociais a ele associados, juntamente com a propagação do ideário do progresso, davam o sentido
necessário à manutenção da sociedade salarial.

Em meio a esse processo de estabilização das horas dedicadas ao trabalho por dia – a
chamada jornada de trabalho habitual – ocorreu o surgimento de novos direitos trabalhistas,
principalmente nos anos 1960, que tiveram impacto direto sobre a duração do tempo dedicado
ao trabalho, como o aumento quantitativo e generalização das férias pagas; definições de
parâmetros para a aposentadoria; a exigência de uma melhor qualificação para o trabalho, que
aumentava o tempo de formação; e a conquista do fim de semana como tempo liberado do
trabalho (Aquino, 2008).

A introdução desses direitos que reduziam a jornada laboral em uma escala de vida foi
fundamental na constituição dos quadros temporais. Primeiramente pelo próprio conceito de ser
uma redução em “escala de vida”, o que deixa claro que esse processo não se restringia somente
ao número de horas trabalhadas ao dia, mas a um quadro mais amplo, que transformava a
estruturação temporal ao longo de toda uma vida. Além disso, esses tempos liberados do trabalho
passariam a ser temporalidades, por excelência, vinculadas ao exercício de outras atividades,
como o lazer e o consumo, representando as outras atividades humanas (Teixeira, 2010).

Entre lutas, negociações e criação de leis e direitos trabalhistas, a redução da jornada


de trabalho, em pouco mais de cem anos foi bastante intensa, de maneira que em meados do
século XIX, 70% do tempo de vida eram dedicados ao trabalho e em meados do século XX
apenas 30%. Essa diminuição tem levado muitos teóricos a questionar o papel do trabalho
como categoria central na estruturação social a partir de uma análise da composição do quadro
temporal, colocando o tempo livre como articulador dessa nova temporalidade (Sue, 1995).
Percebe-se que essa é uma visão restritivamente quantitativa, sem evidenciar o lugar que esse
tempo ocupa como articulador dos quadros temporais dos membros da sociedade.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 239

A liberação do tempo de trabalho se vincula fortemente também ao desenvolvimento


técnico e econômico, que possibilitou o surgimento de uma expressiva quantidade de tempo
livre, tendo seu auge nessa época conhecida historicamente como os “Trinta Gloriosos” (Alonso;
Ortíz, 1996). Esta época, período pós-guerras e anterior a década de 1970, caracterizou-se pela
abundância econômica, incentivada pelo Estado, como explicitado anteriormente, e trouxe a
consolidação de uma série de direitos conquistados em épocas anteriores.

Antes desse período, segundo Aquino (2003), já se pensava na redução da jornada laboral
como forma de liberar os indivíduos do trabalho para que estes pudessem gozar de atividades
ociosas, mas, nesse período e principalmente nas sociedades que vivenciaram o Estado de
Bem-estar, o tempo livre passou a ser um grande fator de negociação, sendo privilegiado em
detrimento de aumentos salariais ao se pensar em redução do tempo de trabalho. Devido a
essa valorização do tempo livre, alguns teóricos, como Gorz (2007) e Offe (1984) passaram a
pensar e teorizar sobre a perda da centralidade do trabalho e o surgimento de uma sociedade
do ócio. Aquino (2003) aponta, contudo, que nem todas as sociedades alcançaram os padrões
de bem-estar que permitiam trocar a retribuição salarial por tempo livre. É importante destacar,
porém, que o próprio modelo de sociedade de bem-estar, ao longo do tempo, foi se deteriorando
frente a diversas crises econômicas, que produziram diversas transformações sociais e tiveram
impacto especial no mundo do trabalho.

Com as transformações ocorridas a partir da década de 1970, o mundo laboral se


reconfigurou tendo como marca central a flexibilização do tempo de trabalho. A crise econômica
que começou nesse período estabeleceu um novo papel para a redução da jornada laboral.
Com as novas configurações das políticas de emprego, a redução da jornada ressurge com
diferentes nuances. Em um momento anterior, a questão da redução do tempo laboral se inseria
em uma lógica de luta contra a exploração dos trabalhadores, submetidos a extensas jornadas, e
negociações em torno do tempo de produção e do tempo livre. Respondendo ao questionamento
feito ao longo desse capítulo, atualmente, a ideia de redução da jornada vem atuando como
uma política de geração de emprego, voltada à ideia de redistribuição de postos de trabalho,
política conhecida como reparto do trabalho, ou partilha do trabalho. Embora seja um meio de
aumentar a produtividade e manter o sistema capitalista, a flexibilização da jornada laboral é
“vendida” como oportunidade de ganho econômico, manutenção da saúde física e mental, e
maior autonomia temporal dos trabalhadores.

É interessante notar que até os anos de 1970 a redução da jornada de trabalho era
exclusivamente um objeto de negociação de tempo e hoje se configura como um instrumento
político e econômico que visa à diminuição do desemprego, agindo como um gerador e catalisador
de empregos. Vale ressaltar que os outros sentidos atribuídos ao processo de redução do tempo
laboral coexistem, porém, hoje, este novo papel atribuído a este processo se apresenta de uma
forma mais predominante. Aquino (2003) ratifica essa questão apontando que o reconhecimento
da dificuldade de criação de empregos, em um contexto marcado pelo desemprego estrutural,
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 240

tem transformado a redução das jornadas laborais, pelo menos no âmbito discursivo das políticas
neoliberais, em um elemento chave de enfrentamento do massivo desemprego.

O desemprego vem sendo um dos pontos centrais que marcam a sociedade capitalista
contemporânea, porém esse elemento faz parte de um quadro mais amplo de transformações
no campo do trabalho. Na contemporaneidade o campo do trabalho vem sofrendo diversas
mudanças, se configurando de uma maneira diferenciada da, até então, forma vigente – modelo
temporal fixo, marcado pela regularidade, caráter mecânico e sincronicidade – apresentando
modos de contratação e tempos de trabalho mais flexíveis, marcados por um processo gradativo
de precarização, no qual direitos e garantias a ele vinculados são perdidos. Este cenário muda
o próprio sentido da atividade laboral. Segundo Aquino (2003), o debate em torno das horas
trabalhadas é realizado, atualmente, em um cenário onde a estabilidade e as garantias sociais
não são generalizadas. O trabalho está se transformando e requer uma nova abordagem dentro
desse contexto socioeconômico distinto.

O trabalho na contemporaneidade tem apresentado como uma das características


marcantes a precarização (Antunes, 1998; Alonso, 1999). As discussões sobre a jornada de
trabalho na contemporaneidade, segundo Aquino (2003), estão profundamente vinculadas
também à ideia de flexibilidade do trabalho, característica essa voltada, em geral, para atender às
necessidades do processo empresarial nessa nova estrutura produtiva. Em meio a esse quadro, as
transformações da jornada podem vir a se configurar como um instrumento de precarização das
condições de trabalho (Calvete, 2003), pois a flexibilização do horário, acompanhada de perdas
salariais e perdas de garantias vinculadas ao emprego podem transformar as reivindicações
da jornada laboral em uma mera medida que vulnera ainda mais o campo do direito dos
trabalhadores.

A desregulamentação de normas vinculadas ao trabalho, advinda com a liberalização


econômica, possibilitou o surgimento de atividades que têm, pouco a pouco, gerado uma nova
forma de conceber a categoria trabalho. Na sociedade de bem- estar, o trabalho estava fortemente
vinculado à norma do emprego que, além do salário, era fonte de diversos direitos e garantias
atribuídas aos trabalhadores. Na sociedade pós-industrial, com a intensificação do desemprego
estrutural e a gradativa precarização do trabalho e o consequente desenvolvimento de novas
formas de contratação, evidencia-se que a cultura do trabalho assalariado está profundamente
debilitada e o próprio sentido do trabalho deve ser reformulado, para embasar as atuações
autônomas, em turnos e em modos flexíveis.

A questão do tempo de trabalho e jornada laboral é, assim, de grande importância para


a discussão sobre o trabalho em si. A jornada de trabalho, a partir da era moderna, passa a se
constituir como elemento fundamental na vida cotidiana dos indivíduos e na vida social como
um todo. Dessa forma, é necessário trazer para o campo da pesquisa em Psicologia do Trabalho
essa questão.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 241

PERSPECTIVAS E PESQUISAS ACERCA DA JORNADA DE TRABALHO

Após fazer um levantamento teórico sobre o entendimento do tempo de trabalho,


apreendendo a sua evolução histórica e através da caracterização da jornada de trabalho,
abordando as consequentes lutas iniciais dos trabalhadores frente a elas, chegou-se a relevância
de apresentar a proposta de duas pesquisas, qualitativas e descritivas, que abordam a temática
da jornada de trabalho a partir de problemáticas específicas de categorias ocupacionais. As
pesquisas em questão abordam a temática “jornada de trabalho” sob óticas diferentes: uma
analisa a problemática da luta pela redução da jornada de trabalho dos psicólogos e a outra as
implicações das reivindicações dos caminhoneiros em relação à lei de regulamentação da sua
jornada de trabalho.

SER CAMINHONEIRO: A ANÁLISE DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO E


SUAS RELAÇÕES COM A TEMPORALIDADE LABORAL

Os caminhoneiros, juntamente com a categoria tempo e a categoria trabalho, são os


pilares dessa pesquisa desenvolvida no Núcleo de Psicologia do Trabalho - NUTRA através
do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará – UFC, com
o objetivo de analisar quais são as condições de trabalho dos caminhoneiros e as suas relações
com a temporalidade laboral.

Dentre as profissões que constam na Classificação Brasileira de Ocupações-


CBO a dos caminhoneiros, ou seja, os profissionais que transportam, coletam e entregam
cargas em geral (BRASIL, 2002), se implica notavelmente na questão do tempo de trabalho.
As jornadas de trabalho propostas aos caminhoneiros em algumas situações são (praticamente)
impraticáveis, obrigando-os a dirigir por horas sem descanso, a trocar o dia pela noite devido
ao menor fluxo de trânsito noturno (Monteiro & Rotenberg, 2012), a fazer uso de substâncias
psicoativas para aumentar o período de vigília e assumir comportamentos que resultam no não
cumprimento do tempo de trabalho proposto pela Lei nº 13.103, do dia 17 de abril de 2015, em
vigor, que dispõem sobre o exercício da profissão de motorista, principalmente no intuito de
regulamentar a jornada de trabalho e o tempo de direção ininterrupta (BRASIL, 2015). Esses
fatores são essenciais na análise da organização do trabalho e, principalmente, para análise das
condições de trabalho.

Nessa linha reflexiva, tais comportamentos podem advir de interesses aparentemente


pessoais, no caso dos caminhoneiros autônomos, ou por determinação das organizações com as
quais os caminhoneiros do setor formal mantêm vínculo empregatício. Os motivos são diversos,
no entanto, pensar sobre as condições de trabalho dos caminhoneiros é, necessariamente, se
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 242

questionar acerca do seu tempo de trabalho, como é a sua jornada laboral – sendo entendida como
produto e produtor das condições de trabalho enfrentadas – e quais foram as transformações
ocorridas com a regulamentação da profissão.

Como pressuposto de trabalho, por essa ser uma profissão cheia de peculiaridades
implicadas no tempo – jornada laboral, geralmente, medida por unidades que se diferenciam
daquelas constituídas no seio da industrialização, como por exemplo, dias ou quilometragem;
e tempo externo, tempo interno e de distribuição (Gasparini, 1996) diferente das demais
profissões que seguem às 40 horas de trabalho semanais dispostas em lei –, defendeu-se
que a profissão, devido a sua peculiar organização do trabalho e às precárias condições de
trabalho, especificidades da realidade brasileira, conjuntura um quadro de jornadas de trabalho
extenuantes que ultrapassam a delimitação legal proposta em Lei Nº 13.103 (BRASIL, 2015),
assim, a regulamentação da profissão ficou mais evidente no âmbito jurídico e de discussão, do
que na práxis dos caminhoneiros.

Através da pesquisa, constatou-se que o tempo de trabalho para os caminhoneiros é um


tempo dominante e que ultrapassa a dimensão da atividade laboral (a jornada laboral), pois, até o
ano de 2012, não existia regulamentação em lei e, na realidade, mesmo após essa regulamentação
a falta de fiscalização nas rodovias ou (a exigência) nas instituições contratantes faz com que
os caminhoneiros continuem a dirigir por horas até o limite em que o seus corpos aguentem
(Bezerra, 2016). A prevalência do tempo de trabalho sobre os demais tempos sociais provoca
uma série de implicações na vida dos caminhoneiros em relação à vida laboral e pessoal, como
também na saúde física e mental.

O TEMPO DE TRABALHO DOS PSICÓLOGOS: UM ESTUDO A PARTIR DA


LUTA PELA REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO

A luta pela redução da jornada de trabalho se mantém viva nos dias atuais, mesmo
com sentidos e concepções diversas das primeiras reinvindicações. No Brasil, após um período
de latência no que se refere a manifestações pela redução da duração do tempo de trabalho,
o movimento de algumas categorias profissionais chama a atenção, é o movimento pela
regulamentação de uma jornada de 30 horas semanais. Dentre os profissionais que lutam pela
jornada de 30 horas se encontram os psicólogos.

O campo de atuação dos profissionais da Psicologia, segundo Bastos e Gondim (2010)


apresenta espaços múltiplos, diversificados e muitas vezes marcados por conflitos de diversas
ordens – teóricos, técnicos, políticos e ideológicos- além da tensão de construir uma identidade
própria a partir da diversidade que os distingue. A luta pela redução da jornada laboral ocorre,
assim, no seio de uma classe profissional diversa e, muitas vezes, fragmentada.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 243

A luta pela regulamentação da jornada de trabalho em 30 horas semanais dos psicólogos


teve início no ano de 2008 através da criação de um projeto de lei (PL 3338/2008). Essa luta foi
impulsionada pela conquista da regulamentação por parte da categoria profissional do Serviço
Social em 2010. Vale ressaltar, que assim como os psicólogos, os profissionais da assistência
social estão inseridos na área das políticas públicas, campo de atuação profissional de diversas
categorias com crescente expansão. Além dos psicólogos, outros profissionais iniciaram, no
mesmo período, a luta por essa regulamentação. O projeto de lei era endossado por diversos
discursos que juntos formavam o escopo da justificativa para que tal mudança ocorresse. Dentre
esses discursos encontrava-se o da necessidade de redução do tempo laboral para melhoria das
condições de trabalho e da própria qualidade dos serviços prestados, como aponta o Conselho
Federal de Psicologia (CFP) em seu manifesto pelas 30 horas. Segundo este manifesto, há,
também, a necessidade de constante capacitação e especializações (realização de supervisão,
formação continuada, participação em congressos científicos) por parte do profissional da
Psicologia, sendo sua jornada, assim, revestida de características especiais. Somam-se a esses
discursos a necessidade dos profissionais de trabalharem em mais de um emprego, devido aos
baixos salários, como é apontado, também, na justificativa do projeto inicial. Após diversos
trâmites, o projeto de lei foi vetado no final de 2014 pela presidência da república. Porém,
novas mobilizações vêm sendo realizadas e um novo projeto foi elaborado e volta a tramitar no
Congresso Nacional, o PL 769/2015, sinalizando que o desejo pela redução da jornada laboral
continua vivo para os profissionais da Psicologia, mesmo com o veto ao projeto inicial.

A realização dessa pesquisa teve como objetivo investigar o que pensam os psicólogos
sobre o processo de luta pela redução da sua jornada de trabalho, considerando as vivências
dessas jornadas de trabalho e os impactos do veto sobre essa questão.

A análise dessa questão foi realizada à luz do movimento histórico pela redução da jornada
de trabalho, pois, segundo Alonso (1999) deve-se buscar situar e contextualizar historicamente
a enunciação, encontrando nos discursos um modelo de representação e de compreensão do
texto concreto em seu contexto social e histórico, entendendo que, no que as categorias tempo
e tempo de trabalho, como aponta Elias (1998), são conceitos bastante naturalizados e que pelo
caráter natural, externo e objetivo, para Cardoso (2009), o tempo tornou-se um símbolo universal
e praticamente inquestionável. Desnaturalizar o conceito de tempo e tomá-lo como um conceito
social foi, assim, parte primordial desse trabalho. A interpretação das entrevistas ressaltou a
grande fragmentação da categoria profissional analisada, o que possibilita a individualização
dos profissionais, que não chegaram a participar da luta pela redução da sua jornada de maneira
coletiva. Além disso, foram identificadas nas falas a naturalização da precariedade da profissão
e uma assimilação do discurso produtivista, advindo, sobretudo, da difusão da ideologia
neoliberal, na qual os profissionais buscam através de si mesmo, modificações pontuais para
amenizar a situação precária do seu trabalho, no caso dos psicólogos, procurando um outro
trabalho e buscando reduzir sua jornada laboral. A busca pela redução da jornada de trabalho,
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 244

dessa forma, parece servir mais à intensificação das relações de exploração, do que possibilitar
a emancipação desses trabalhadores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As pesquisas apresentadas nesse texto buscam analisar a categoria trabalho a partir da


visão psicológica, particularmente da Psicologia Social, e no diálogo com outras categorias
sociais como o tempo e as atuações profissionais. Acompanhando as transformações no mundo
laboral, as pesquisas são desenvolvidas acerca de temáticas contemplativas, desde os conceitos
atribuídos ao trabalho, até temáticas de cunho atual como as transformações ocorridas e as
reivindicações que giram em torno da jornada de trabalho. Acompanhar a evolução do mundo
do trabalho possibilita apreender a dinâmica da relação entre homem e ambiente, a partir da
ação direta do homem sobre ele, o próprio trabalho.

Como foi explanado ao longo do texto, após a Revolução Industrial o tempo passou a
controlar o trabalho, e concedeu a este o lugar de agente central na estruturação social, ficando
conhecido como tempo de trabalho. O tempo em que o trabalho é a atividade social dominante
é, ainda hoje, caracterizado pelas jornadas laborais. No entanto, novas características têm
alcançado relevância, como por exemplo: mudanças nos postos de trabalho, novas unidades
de medida da jornada laboral, terceirização, flexibilização e a precarização em diversos níveis.

Um dos vieses na luta por mudanças na jornada laboral é resultante de particularidades


de cada profissão, um exemplo disso é observado nas pesquisas citadas: os psicólogos lutam
pela diminuição da jornada laboral, enquanto os caminhoneiros reivindicam o aumento da
jornada. Fica evidente que, os motivadores de luta dos psicólogos vão de encontro aos dos
caminhoneiros, tendo em vista que aparentemente reivindicam pontos contrários. Porém, ao
aprofundar as discussões acerca das reivindicações das duas categorias ocupacionais, encontra-
se no seu cerne a luta por melhores condições de trabalho em consequência da desvalorização
profissional em nível social, econômico e político.

Ainda se ressalta o aspecto em comum às lutas por mudanças nas jornadas laborais,
referente ao tempo de trabalho, que perpassa o âmbito individual – as implicações subjetivas
de impacto físico e mental – e de âmbito social – o tempo de trabalho dominante e estruturante
da ordem social.

Ter como objetivo a análise desses apontamentos subsidiam a proposta desse texto, no
qual atua aliando construção teórica, envolvimento prático e técnico na produção e multiplicação
de conhecimentos da Psicologia Social do Trabalho.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 245

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SOBRE OS AUTORES

AÉCIO DE BORBA VASCONCELOS NETO – Possui graduação em Psicologia pela


Universidade Federal do Ceará (2004), mestrado (2007) e doutorado (2013) em Teoria e Pes-
quisa do Comportamento pela UFPA. Atualmente é Professor Adjunto da Faculdade de Psicolo-
gia (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas) da Universidade Federal do Pará, e do Programa
de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento (Núcleo de Teoria e Pesquisa do
Comportamento) na mesma universidade. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase
em Análise do Comportamento, atuando principalmente nos seguintes temas: Análise do Com-
portamento com ênfase em Seleção Cultural e Subjetividade; e Psicologia Organizacional e do
Trabalho, com ênfase em Cultura Organizacional.

CAMILLA REGYA DE FIGUEIREDO DIAS SAMPAIO - Graduada em Psicologia


pela Universidade Federal do Ceará e mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da Universidade Federal do Ceará na linha de Pesquisa: Processos psicossociais
e vulnerabilidades sociais. Integrante do Núcleo de Psicologia do Trabalho (NUTRA-UFC).
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 248

Possui interesse nas seguintes áreas: Psicologia Social, Psicologia do Trabalho, Políticas Pú-
blicas, Temporalidade. Desenvolve trabalhos com os seguintes temas: Tempo de trabalho e
lutas em torno da jornada laboral, Juventude e mercado de trabalho, Trabalho: marginalização
e inserção social, O trabalho do psicólogo: Formação e atuação dos profissionais da Psicologia.

CÁSSIO ADRIANO BRAZ DE AQUINO – Graduado em Psicologia pela Universi-


dade Federal do Ceará (UFC) e em Administração pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR),
Suficiência Investigadora em Psicologia Social - Universidad Complutense de Madrid (UCM),
mestre em Administração pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e doutorado em Psi-
cologia Social - Universidad Complutense de Madrid (UCM). Estágio Pós-doutoral na Univer-
sidad Complutense de Madrid (UCM). Atualmente é Professor Associado do Departamento de
Psicologia da UFC, e coordenador do Núcleo de Psicologia do Trabalho da UFC (NUTRA).
Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia do Trabalho e Organiza-
cional, atuando principalmente nos seguintes temas: trabalho, precarização laboral, psicologia
social do trabalho, psicologia do trabalho e subjetividade, ócio e temporalidade.

DANIEL MARINHO DE ALMEIDA – Possui graduação em Pedagogia pela Univer-


sidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e pós-graduação em Psicopedagogia pela Universidade
Estadual do Ceará (UECE). Especialização em andamento em Gestão Pública pela Universida-
de Católica Dom Bosco, (UCDB). Atualmente é Coordenador Pedagógico da Escola de Gestão
Pública do Estado do Ceará. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Administra-
ção de Unidades Educativas.

DÍMITRE SAMPAIO MOITA - Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Psi-


cologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Linha de Pesquisa: Processos Psicossociais e
Vulnerabilidades Sociais. Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicolo-
gia da UFC, Linha de Pesquisa: Processos de Mediação: Trabalho, Atividade e Interação Social.
Graduado em Psicologia pela UFC. Integrante, do Núcleo de Psicologia Social do Trabalho
- NUTRA da UFC. Áreas de interesse: Psicologia Social; Psicologia do Trabalho; Saúde do
Trabalhador; Clínicas do Trabalho; Trabalho Imaterial e biopolítica; Cybercultura; Tecnologias
da Informação e Comunicação; Espaço-temporalidade.

EVELINE NOGUEIRA PINHEIRO DE OLIVEIRA - Mestranda em Psicologia no


Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), no qual
é bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Atual-
mente pesquisando sobre os temas: empreendedorismo, precarização do trabalho e trabalha-
dores de comida de rua. Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Integrante do Núcleo de Psicologia do Trabalho da UFC (NUTRA).

FRANCISCO DE ASSIS ALENCAR PEREIRA FILHO - Graduado em Psicologia


pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Membro do Núcleo de Psicologia Social
do Trabalho - NUTRA UFC.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 249

FRANCISCO HERCÍLIO DE BRITO FILHO – Doutor pelo Programa de Pós-Gra-


duação em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Mestre em Administração
pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Graduado em Psicologia pela Universidade Fe-
deral do Ceará (UFC). Coordenador do Curso de Administração do Centro Universitário 7 de
Setembro (UNI7). Atuou como colaborador do Núcleo de Psicologia do Trabalho (NUTRA) da
UFC. Tem experiência na área de Psicologia Organizacional e do Trabalho e Administração,
com ênfase em gestão de pessoas e saúde do trabalhador.

FRANCISCO PABLO HUASCAR ARAGÃO PINHEIRO – Professor do Curso de


Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), campus Sobral. Possui graduação em Psi-
cologia, mestrado em Psicologia e Doutorado em Educação, todos os títulos obtidos na UFC.
Atuou como psicólogo na Pró-reitoria de Gestão de Pessoas da referida Universidade. Nesse
órgão, participou da implementação da Política de Atenção à Saúde e Segurança do Trabalho
do Servidor Público Federal realizando ações de promoção à saúde. Atualmente, coordena o
Laboratório de Práticas e Pesquisas em Psicologia e Educação (LAPPSIE), onde desenvolve
pesquisas e ações de extensão no campo do trabalho docente, com enfoque na saúde dos pro-
fessores, fundamentadas na Clínica da Atividade e utilizando metodologias quali-quantitativas.
Nessa perspectiva, coordena intervenções e investigações junto a professores de escolas públi-
cas do município de Sobral.

GABRIEL MARTINS RAMALHO - Graduando em Psicologia na Universidade Fe-


deral do Ceará (UFC), com ênfase em Processos Clínicos e Atenção à Saúde. Atualmente mem-
bro colaborador Núcleo de Psicologia do Trabalho (NUTRA) do Departamento de Psicologia
da UFC e do Projeto de Apoio a Vida (PRAVIDA) da Faculdade de Medicina da UFC.

GABRIELLE COUTINHO SILVA – Graduanda em Psicologia pela Universidade


Federal do Ceará (UFC). Integrante do Núcleo do Psicologia do Trabalho (NUTRA). Tem expe-
riência na área de Saúde do Trabalhador, atuando principalmente nos seguintes temas: trabalho,
intervenção, clínica da atividade e promoção à saúde. Atualmente é Assistente Administrativa
do Hospital Universitário Walter Cantídio - Filial Ebserh.

IRATAN BEZERRA DE SABÓIA – Possui graduação em Psicologia pela Universi-


dade de Fortaleza (UNIFOR), Especialização pela Universidade Vale do Acaraú (UVA) e Mes-
trado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professor da Universidade Federal do Ceará,
campus Sobral, atuando nas áreas de Psicologia do Trabalho e das Organizações, Metodologia
Científica, Ensino da Pesquisa e Teorias Psicológicas; com ênfase em Fatores Humanos no
Trabalho, nos temas: sociedade, temporalidade, trabalho, tempo livre, tempo do ócio e sofri-
mento psíquico. Aluno do Curso de Doutorado do Departamento de Psicologia UFC, bolsista
FUNCAP.

ÍTALO EMANUEL PINHEIRO – Mestre em Psicologia pela Universidade Federal


do Ceará (UFC), Graduado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Forma-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 250

ção clínica em Gestalt-terapia pelo Instituto Gestalt do Ceará. Tem experiência nas áreas de
psicologia social e do trabalho e psicologia clínica com estudos voltados para psicologia do
trabalho e organizações, psicologia institucional enfocando temas como: Trabalho e Subjetivi-
dade, Políticas Públicas e Cidadania, Saúde e Trabalho. Atualmente é professor dos cursos de
psicologia e serviço social da Faculdade de Ciências Aplicadas Dr. Leão Sampaio.

JAIRO FERREIRA DA SILVA JÚNIOR – Doutorado em Recursos Humanos e Or-


ganizações, com Suficiência Investigadora em Psicologia Social - Universidade de Barcelo-
na. Especialista em Administração de Recursos Humanos pela Universidade Federal do Ceará
(UFC), atualmente é vinculado ao Programa de Doutorado em Intervenção Psicossocial do
Departamento de Psicologia Social da Universidade de Barcelona e técnico da Escola de Ges-
tão Pública do Estado do Ceará - EGPCE. Atua na área de psicologia social e do trabalho,
com ênfase em Fatores Humanos no Trabalho e Educação a Distância / Ambientes Virtuais de
Aprendizagem. Sua produção científica está voltada para: Comprometimento Organizacional,
Cultura Organizacional, Comportamento Organizacional, Virtualidade, Ambientes Virtuais de
Aprendizagem - AVA e Apropriação do Espaço Virtual.

JULIANA E SILVA DE OLIVEIRA - Graduação em Psicologia pela Universidade


Federal do Ceará (UFC). Mestre em Psicologia pela UFC. Atuou como colaboradora do Núcleo
de Psicologia do Trabalho (NUTRA) da UFC. Experiência na área de Psicologia, com ênfase
em Psicologia Social e do Trabalho, em estudos e pesquisas sobre substâncias psicoativas e em
Psicologia Clínica e Saúde Mental, a partir da abordagem teórica Fenomenológica-Existencial.
Desenvolve trabalhos em Psicologia Social e militância na temática dos Direitos Humanos,
especificamente na área de crianças e adolescentes, em relação à discussão da garantia e defesa
de direitos. Atualmente é Professora Assistente I, na área de estudo de Psicologia Social, da
Universidade Federal de Campina Grande.

JULIANA MARIA BRAGA DIAS - Possui graduação em Psicologia pela Universi-


dade Federal do Ceará (UFC). Atualmente é psicóloga Técnica de referência de nível superior
da Prefeitura Municipal de Sobral. Tem experiência na área de Serviço Social, com ênfase em
Serviço Social Aplicado.

KARLINNE DE OLIVEIRA SOUZA - Psicóloga e mestre em Psicologia pela Uni-


versidade Federal do Ceará (UFC). Linha de Pesquisa: Processos de Mediação: Trabalho, Ati-
vidade e Interação Social. Integra o Núcleo de Psicologia Social do Trabalho - NUTRA. Áreas
de estudo: Psicologia Social; Psicologia Social do Trabalho; Saúde do trabalhador; Clínicas do
Trabalho; Psicologia e Educação; Trabalho docente.

KHALINA ASSUNÇÃO BEZERRA - Possui graduação em Psicologia pela Univer-


sidade Federal do Piauí (UFPI), especialização em Saúde Mental pela Faculdade Latino-a-
mericana de Educação e Mestrado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Integrante do Núcleo de Psicologia do Trabalho - NUTRA/UFC. Atualmente é professora da
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 251

Faculdade Maurício de Nassau, núcleo Parnaíba/PI. Professora Substituta do curso de Psico-


logia da Universidade Federal do Piauí. Exerceu o cargo de Coordenadora de Saúde Mental
(Secretaria Municipal de Saúde de Parnaíba PI) e Coordenadora da Educação Permanente em
Saúde (Secretaria Municipal de Saúde de Parnaíba PI).

LÚCIA MARIA GONÇALVES SIEBRA - Doutora pela Universidade de Barcelona


(UB) no Programa de Doutorado Interdepartamental, Espaço Público e Regeneração Urbana:
Arte, Teoria e Conservação do Patrimônio, promovido pelas Faculdades de Belas Artes e de Psi-
cologia. Possui Licenciatura e Bacharelado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará
(UFC) e mestrado em Administração pela Faculdade de Economia e Administração (FEA) da
Universidade de São Paulo (USP). Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da UFC.
Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Administração de Recursos Huma-
nos, tendo atuado principalmente em: recursos humanos, processos de desenvolvimento pro-
fissional, desenvolvimento de lideranças, cultura organizacional, significado do trabalho, entre
outros. Foi membro fundadora do Núcleo de Psicologia do Trabalho da UFC (NUTRA). De-
senvolve estudos em Psicologia Ambiental, especialmente em apropriação e qualidade de vida
na cidade, tendo sido uma das fundadoras do LOCUS - Laboratório de Pesquisa em Psicologia
Ambiental da UFC. Em julho de 2015, a convite do Governo do Estado do Ceará, é cedida pela
Universidade Federal do Ceará (UFC) para assumir a Diretoria da Escola de Gestão Pública do
Estado do Ceará - EGPCE, instituição da administração direta do Estado, vinculada à Secretaria
do Planejamento e Gestão.

MABEL MELO SOUSA – Graduada e Mestre em Psicologia pela Universidade Fede-


ral do Ceará (UFC). Especialista em Família, Uma Abordagem Sistêmica, pela Universidade de
Fortaleza (UNIFOR). Especialista em Saúde da Família pela Escola de Saúde Pública do Ceará
(ESP-CE). Atuou como colaboradora do Núcleo de Psicologia do Trabalho (NUTRA) da UFC.

MARIA HEBE CAMURÇA CITÓ - Mestre em Avaliação de Políticas Públicas pela


Universidade Federal do Ceará (UFC), possui especialização em Administração de Recursos
Humanos pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e graduação em Administração de Empre-
sas pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Atualmente é Analista de Gestão Pública da
Secretaria do Planejamento e Gestão do Estado do Ceará. Tem experiência na Área de Admi-
nistração, com ênfase em Desenvolvimento Organizacional e em Desenvolvimento de Pessoas.

MARIANA AGUIAR ALCÂNTARA DE BRITO – Doutoranda pelo Programa de


Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestra em Admi-
nistração pela UECE. Graduada em Psicologia pela UFC. Atualmente é professora do curso
de graduação e de Pós-Graduação em Administração no Centro Universitário 7 de Setembro
(UNI7) e do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Atuou como cola-
boradora do Núcleo de Psicologia do Trabalho (NUTRA) da UFC. Atua em pesquisa e inter-
venção em Psicologia do Trabalho com ênfase em processos de gestão e saúde do trabalhador.
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 252

MELINA SOUSA GOMES - Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do


Ceará (UFC), com ênfase em Antropologia das Religiões. Graduada em Psicologia pela UFC.
Professora Substituta da área de Psicologia Social do Trabalho e das Organizações no Curso de
Psicologia (Campus Sobral) - UFC. Ministra disciplinas na área de saúde na Faculdade Ateneu.
Atua como analista de desenvolvimento humano junto à SERH Consultoria. Integra o Núcleo
de Psicologia Social do Trabalho - NUTRA - e o Núcleo de Estudos Sobre Drogas - NUCED,
ambos vinculados ao departamento de Psicologia da UFC. Possui formação em Fenomenologia
Existencial / GestaltTerapia, sendo esta sua área de atuação e abordagem em clínica psicotera-
pêutica, com interesse em atendimentos individuais e em grupo. Tem interesse em Psicologia
Social e suas interfaces com as demais Ciências Humanas.

MONALISA PONTES XAVIER - Doutora em Ciências da Comunicação pela Uni-


versidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Mestre em Psicologia pela Universidade
Federal do Ceará (UFC), mesma instituição pela qual é graduada em Psicologia. Professora do
curso de Psicologia da Universidade Federal do Piauí (UFPI), e do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação/UFPI. Atuou como colaboradora do Núcleo de Psicologia do Trabalho (NU-
TRA) da UFC. Atuou também como psicóloga do Centro de Atenção Psicossocial, em Tamboril
-CE. Experiência na área de Psicologia Social, com ênfase em Psicologia Social e do Trabalho
e Saúde Mental

MATEUS SILVEIRA ADRIANO – Graduando em Psicologia pela Universidade Fe-


deral do Ceará (UFC), com ênfase em Processos Clínicos e Atenção à Saúde. Membro do
Núcleo de Psicologia do Trabalho da UFC (NUTRA), e atuou como monitor das disciplinas de
Psicologia do Trabalho do Departamento de Psicologia da UFC

NATÁLIA DIÓGENES DE BRITO - Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em


Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), estudando sobre os processos que envol-
vem a privatização do Banco do Estado de Ceará. Graduada em Psicologia pela Universidade
Federal do Ceará (UFC). Membro do Núcleo de Psicologia Social do Trabalho - NUTRA.

PAMELLA BESERRA DE MELO - Possui mestrado em Psicologia pela UFC. Es-


pecialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela Fa7. Graduada em Psicologia pela
Universidade Estadual do Ceará. Psicóloga da Universidade Federal do Ceará, atuando como
Psicóloga Organizacional e do Trabalho da Divisão de Apoio Psicossocial (DiAPs) na Coor-
denadoria de Qualidade de Vida no Trabalho (COQVT)/PROGEP. Atuou na mesma instituição
como Coordenadora Administrativa do Serviço de Psicologia Aplicada (S.P.A.) da UFC/Sobral.
Interesse pela área de Psicologia Social e do Trabalho e pelos estudos no campo da Saúde do
Trabalhador. Foi bolsista de iniciação cientifica IC/UECE no ano de 2009/2010, bolsista de
Iniciação Cientifica do CNPq em 2010/2012.

RAQUEL NASCIMENTO COELHO - Psicóloga e mestre em Psicologia pela Uni-


versidade Federal do Ceará (UFC) e doutora em Psicologia Social pela Universidad Complu-
Núcleo de Psicologia do Trabalho: Duas décadas de história 253

tense de Madrid (UCM). Atualmente, é professora adjunta e chefe do Departamento de Psi-


cologia da Universidade Federal do Ceará. É vice coordenadora do Núcleo de Psicologia do
Trabalho - NUTRA da UFC, coordena o projeto de extensão Saúde do Trabalhador em Debate
e tem atuado principalmente nos temas: psicologia social do trabalho e das organizações, inser-
ção laboral, prolongamento da juventude.

RAVI MOREIRA LIMA DE CASTRO - Mestrando no Programa de Pós-Graduação


em Teoria e Pesquisa do Comportamento (PPGTPC) da Universidade Federal do Pará. Gra-
duado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi bolsista de extensão do
Núcleo de Psicologia do Trabalho da UFC (NUTRA) e monitor das disciplinas de Psicologia do
Trabalho do Departamento de Psicologia da UFC. Foi membro-colaborador e bolsista de pes-
quisa (PROVIC e CNPq) do Núcleo de Psicologia Social e do Trabalho (NUSOL) da Universi-
dade Estadual do Ceará (UECE). É também ex-estagiário voluntário do Programa de Educação
pelo Trabalho para a Saúde de Maracanaú (PET-Saúde/Saúde da Família) da UECE.

TAINÃ ALCANTARA DE CARVALHO - Mestre em Psicologia pelo Programa de


Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (Linha de Pesquisa: Processos
Psicossociais e Vulnerabilidades Sociais). Graduado em Ciências Econômicas pela Universi-
dade Federal do Ceará. Possui interesse pelas seguintes áreas: História do Pensamento Econô-
mico; Sociologia do Trabalho; Psicologia Social do Trabalho. Possui interesse pelos seguintes
temas: alienação; mundo do trabalho; subjetividade no trabalho; pensamento marxista; biopolí-
tica; bioeconomia; formas de resistência no mundo do trabalho.

THAIS FRANÇA - Pós-Doutoranda no Centro de Investigação e Estudos de Sociolo-


gia, Instituto Universitário de Lisboa (CIES/IUL), Portugal. Doutora em Sociologia pela Pro-
grama de Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismos do Centro de Estudos
Sociais, da Universidade de Coimbra - Portugal. Mestra pelo programa Erasmus Mundos em
Work, Organizational and Personnel Psychology - WOP-P, Universidade de Bolonha - Itália.
Gradução em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Investigadora visitante do
Instituto Gino Germani, da Universidade de Buenos Aires e do Instituto de Altos Estudios So-
ciales, da Universidade de San Martin, Argentina. Tem experiência na área de Psicologia e So-
ciologia, com ênfase em Psicologia Social e do Trabalho, atuando principalmente nos seguintes
temas: gênero, feminismos, migrações e trabalho. Foi membro da Coordenação da Marcha
Mundial das Mulheres - Portugal e do Manifesto contra o preconceito à Mulheres Brasileiras
em Portugal.

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