O presente artigo visa viabilizar a articulação entre dois pólos,
encontrados comumente nos estudos relativos à psicologia do trabalho, por
um lado, o pólo da saúde e subjetividade dos trabalhadores e, por outro, o
da psicologia organizacional. Ressalta-se aqui, a pertinência do diálogo
entre eles, sobretudo ao tormarmos como questão de análise e de
intervenção a experiência concreta dos trabalhadores.
Título original
Psicologia e Trabalho Entre as Demandas Da Organização e a Saúde Do Trabalhador
O presente artigo visa viabilizar a articulação entre dois pólos,
encontrados comumente nos estudos relativos à psicologia do trabalho, por
um lado, o pólo da saúde e subjetividade dos trabalhadores e, por outro, o
da psicologia organizacional. Ressalta-se aqui, a pertinência do diálogo
entre eles, sobretudo ao tormarmos como questão de análise e de
intervenção a experiência concreta dos trabalhadores.
O presente artigo visa viabilizar a articulação entre dois pólos,
encontrados comumente nos estudos relativos à psicologia do trabalho, por
um lado, o pólo da saúde e subjetividade dos trabalhadores e, por outro, o
da psicologia organizacional. Ressalta-se aqui, a pertinência do diálogo
entre eles, sobretudo ao tormarmos como questão de análise e de
intervenção a experiência concreta dos trabalhadores.
Ele argumenta que cada face se refere a um conjunto de
objetivos, teorias, métodos e campos de atuação que os profissionais da área utilizam para suas análises e intervenções. Enquanto a face industrial da psicologia do trabalho se atém ao conjunto de teorias e métodos de Psicologia e Trabalho entre as demandas da organização e a saúde do intervenção em torno dos problemas das funções e dos cargos nas trabalhador organizações, a face organizacional se dedica aos aspectos mais sociais, Thiago Drumond Moraes1 políticos e estratégicos da organização. Leonardo Pinto de Almeida2 Nessa última, o objetivo de estudo e intervenção é menos focado Publicado com pequenas alterações em BUENO, M.; VASCONCELOS-SILVA, no desempenho individual dos trabalhadores e mais na maneira como esse A. Concepções contemporâneas sobre organizações e trabalho. Goiânia: desempenho se articula às dinâmicas organizacionais. O foco se dá entre as DEPECAC-UFG/FUNAPE, 2013. p. 16-38. dimensões individuais e as outras dinâmicas em jogo na organização: questões culturais, políticas, éticas, entre outras. Para Sampaio, a emergência dessa face organizacional se dá em função de transformações profundas que ocorreram na organização da produção, do trabalho e das Introdução relações ao longo dos anos 1970 e 1980, solicitando a ampliação da abrangência dos profissionais e dos saberes da psicologia em direção ao O presente artigo visa viabilizar a articulação entre dois pólos, centro mais estratégico da gestão. O autor deixa claro, porém, que a encontrados comumente nos estudos relativos à psicologia do trabalho, por emergência dessa outra face da psicologia não significa uma superação em um lado, o pólo da saúde e subjetividade dos trabalhadores e, por outro, o relação à face industrial, mas uma espécie de ampliação da atuação do da psicologia organizacional. Ressalta-se aqui, a pertinência do diálogo psicólogo nas organizações. entre eles, sobretudo ao tormarmos como questão de análise e de Vale aqui uma ressalva importante: Zanelli (2002) chama a atenção intervenção a experiência concreta dos trabalhadores. para o fato de que a psicologia organizacional no Brasil está muito aquém Para tanto, faremos uma breve apresentação de cada um dos pólos, do que a própria teoria lhe permite. Faz essas alegações considerando a tentando demonstrar em que medida eles se antagonizam e quais os realidade de atuação dos profissionais, sobretudo quando compara essa limites encontrados em cada um deles. A partir dessa apresentação, atuação aqui com a de psicólogos organizacionais em outros países. Zanelli faremos uma breve discussão em torno do conceito de atividade, sugere a necessidade de uma revisão curricular dos cursos de psicologia, sinalizando os caminhos que podem advir da apreensão desse conceito a antevendo com isso a atuação dos psicólogos à altura das potencialidades partir de cada um dos pólos. da teoria para o auxílio no desenvolvimento das organizações. No entanto, ao menos no tocante à produção científica brasileira, a A polarização reflexiva da psicologia do trabalho situação apresentada por Zanelli parece estar se modificando. Numa revisão da literatura entre os anos de 2001 a 2005, Tonetto e colaboradores Sampaio (1998) sugere que a psicologia do trabalho se divide em (2008) verificaram o aumento de publicações interessadas nas questões três faces: a psicologia industrial, a psicologia organizacional e a psicologia mais organizacionais da psicologia. Com isso, mostram que pelo menos no campo das pesquisas acadêmicas, a psicologia organizacional vem se 1 alinhando às transformações na área observada alhures. Professor Adjunto do departamento de Psicologia da UFF. Feita essa ressalva, pretendemos argumentar aqui dois pontos 2 Professor Adjunto do departamento de Fundamentos e Ciências da Sociedade da importantes que merecem consideração. Em primeiro lugar, o UFF. desenvolvimento teórico da psicologia organizacional oferece um conjunto Porém, no momento em que o capital industrial enfrenta nos EUA e na de saberes que vem sendo apropriados por profissionais da administração Europa Ocidental uma nova onda de embates com os movimentos de na produção de outros instrumentos de gestão organizacional. Alguns trabalhadores (sobretudo durante a primeira década do séc. XX), a saída manuais sobre organização e gestão de pessoas, muito utilizados na encontrada se deu tanto em nova onda de globalização da indústria, formação de profissionais voltados à administração de empresas no Brasil exportando seus parques produtivos tayloristas,, ao mesmo tempo em que (CHIAVENATO, 1999) e nos Estados Unidos (ROBBINS, 2002), comprovam se dá uma revolução dos processos produtivos nos países centrais, esse fato, além de ser comum o interesse pelas relações entre as ultrapassando o taylorismo. Aqui, então, o papel da psicologia se dimensões mais humanas do trabalho. Contudo, concordando com Zanelli transforma, pois se no taylorismo essa disciplina fornecia instrumentos (ibid.), o campo de atuação dos psicólogos em organizações ainda está técnicos de seleção e treinamento, visando adequar o trabalhador ao perfil aquém de suas potencialidades. exigido pelo cargo, com esses novos modelos de produção, o que se torna Acreditamos que parte dessa distância teoria-prática se refere fundamental não é mais a simples adequação do trabalhador ao perfil do também ao processo histórico da formação da disciplina e do campo de cargo, mas sobretudo a produção de um novo trabalhador adaptável às atuação no país. Como aponta Motta (2004), a história da psicologia no constantes transformações do mundo do trabalho. Brasil é atravessada pela questão do trabalho. Com a participação mais Pagés e colaboradores (1987) realizaram uma importante pesquisa ativa dos empresários brasileiros no processo de modernização da no fim dos anos 1970 na IBM francesa, onde observaram que uma nova produção, a psicologia se torna a principal candidata para auxiliar na gestão do trabalho estava sendo produzido por empresas multinacionais seleção das pessoas mais adequadas para as tarefas, conforme análise de como a IBM. Nessas empresas, não se tratava de simplesmente adequar o suas capacidades e da compatibilidade entre a determinação do seu perfil trabalhador ao cargo, mas da produção de uma nova subjetividade dos profissional e as exigências da tarefa e do cargo. Decorre desse período trabalhadores, gerindo seu tempo, seu esforço, seu psiquismo, enfim, sua inicial de instalação da psicologia no Brasil, a representação dessa ciência alma. Os autores perceberam que a gestão da subjetividade requeria uma articulada ao recrutamento, seleção e treinamento de trabalhadores. política de recursos humanos para além do papel técnico. Os recursos Ora, lembremos que a psicologia no Brasil emerge no momento em humanos se tornavam cada vez mais importante para a manutenção da alta que há um aumento gradual da modernização brasileira pelo capitalismo produtividade da organização. A tendência de produção de uma nova industrial, exatamente no período da primeira onda de globalização do subjetividade no mundo do trabalho, indicado por esse estudo, foi capital industrial – virada do séc. XIX para séc. XX. Percebemos, porém, que confirmada posteriormente por vários outros estudos, como o de Aubert e essa globalização se dá numa tentativa de ultrapassar os limites Gaulejac (1982), Enriquez (2000), Hardt e Negri (2001) entre outros, enfrentados pelo capitalismo diante da crescente mobilização operária que inclusive no Brasil (MORAES, 2002; GRISCI, 2000). Ora, o papel da psicologia articula a tradição operária artesanal à crescente expansão da classe nesse cenário remetia a uma complexificação de sua atuação, compondo operária desqualificada (SILVER, 2005). Porém, no país, o aumento desse essa nova face da psicologia do trabalho, sua face organizacional, mesmo primeiro impulso para a industrialização é seguida da intensificação da que reconheçamos que os primeiros passos dessa face organizacional mobilização operária (MOTTA, 2004). A saída foi buscar os processos remetem já à Escola das Relações Humanas e às experiências de Mayo em produtivos que conseguem romper essa mobilização operária, ainda Hawthorne, fortemente marcada pelos movimentos operários qualificados. O Entretanto, no Brasil essa face demora a se manifestar exatamente taylorismo, em ampla expansão nos EUA se mostrou como a saída mais porque, entre os anos 1950-1970, o país foi invadido pela segunda onda de promissora. globalização do capital, sobretudo com o ingresso do capital internacional A psicologia, no Brasil, assumiu assim uma face extremamente de produção em massa, representado pela grande expansão das indústrias industrial, como vimos com Sampaio (1998), que se perpetua por anos a fio. automobilísticas e pela intensa urbanização brasileira. Nesse processo, o Brasil foi conduzido a expandir a grande indústria em movimentos Essa “saúde psicológica” é amplamente influenciada pelo humanismo que capitalistas estruturados ainda no mesmo taylorismo que se iniciara há mais se expande nesse período. Como Motta (2004), Braverman (1981) e de 30 anos, mas que se intensificam somente nesse período (ver MOTTA, Sampaio (1996, 1998) sugerem, esse humanismo que se desenvolve a partir 2004). Assim, embora a psicologia tenha ampliado seu escopo de ação em da Escola das Relações Humanas, ainda no taylorismo, não visam superar outros países, aqui a demanda desse profissional era ainda restrita aos esse modelo produtivo, mas reduzir os malefícios dele decorrente. Temos, mesmos padrões de atuação de décadas atrás, fortalecendo ainda mais então, o fortalecimento de uma preocupação legítima de profissionais da esse viés industrial da psicologia do trabalho. psicologia, ao mesmo tempo em que se espera deles a satisfação dos Soma-se a isso o fato de que é nesse momento que se dá a trabalhadores, a manutenção de suas produtividades, aliadas à saúde e à constituição dos primeiros cursos de psicologia no país (BOCK, 1999), o que suas realizações pessoais. Enfim, os psicólogos são confrontados, mesmo reforça a relação entre a psicologia do trabalho e sua face industrial. Além que intimamente, com o seguinte dilema: agir do lado das organizações disso, como essa mesma autora e Coimbra (1995) salientam, durante os sem deixar de pensar nos trabalhadores. anos da ditadura militar, há uma profunda inflexão da psicologia em direção Eis aqui o ponto que se torna crucial analisar: a que serve o a sua intimização. Não é à toa que as práticas clínicas individuais ganham psicólogo nas organizações? Embora o senso comum possa supor que sua relevo nesse momento, em que o humanismo intensifica a busca pelo auto- função se refira à manutenção da satisfação e da saúde dos trabalhadores, desenvolvimento e autoconhecimento é reconhecido o fato de que seu objetivo esteja focado na produtividade e À psicologia do trabalho, em sua face industrial, é atrelado um no desempenho do trabalhador. Embora seja verdade que as questões de discurso da clínica de ajudar os trabalhadores, seus conflitos no trabalho, saúde e bem-estar dos trabalhadores no ambiente de trabalho estejam sob visando à harmonia que conduz a produtividade das organizações. Esse a atenção dos teóricos da psicologia organizacional (ZANELLI; BASTOS, discurso, que socialmente se produz em relação à psicologia, é calcada em 2004), por outro lado eles deixam claro que dentre os objetos principais práticas profissionais ainda marcadas por essa tradição. A face dessa Psicologia está a produtividade, associada aos resultados e organizacional da psicologia perde terreno no Brasil, sendo requisitada desempenhos humanos no trabalho. Não se trata, pois, de crer que o somente quando há a terceira globalização do capital, durante os anos de psicólogo pode mobilizar os recursos pessoais visando a saúde dos 1990, agora por meio da superação do taylorismo como modelo ideal de trabalhadores em meio às exigências das organizações. Isso até pode produção acarretando em uma profunda crise econômica na América acontecer e é o desejo de parte dos profissionais em atividade. A questão é Latina, somente em parte superada após os anos 2000. Enfim, se há o que o fundamento de sua atividade está encravado no uso de seus reconhecimento do aumento da importância de uma face organizacional da conhecimentos para intensificar o controle sobre os trabalhadores, psicologia do trabalho, esse aumento se deve às reformas dos processos mantendo ou aumentando a produtividade deles. Nesse sentido, qualquer produtivos que tem na subjetividade dos trabalhadores seu elemento atividade além é considerada de menor importância. central de gestão. Gerir e produzir subjetividades é deveras mais complexo Há, contudo, um discurso cada vez mais consensual, ao menos no que selecionar e treinar pessoas. Os psicólogos carecem, em parte, de tocante ao reconhecimento de sua importância e pertinência, de que a formação que os propiciem a atuar nesse novo cenário. Eis o desafio a que produtividade é efeito direto da satisfação dos funcionários e de sua se refere Zanelli (2002). qualidade de vida no trabalho (CHIAVENATO, 1999). Esse discurso até pode Há, entretanto, um segundo ponto importante: como assinalamos servir como um instrumento de diálogo que o psicólogo usa para tentar acima, durante os anos da ditadura militar, a psicologia se intimiza. Com convencer os gestores na busca de melhores condições de trabalho para os isso, há uma preocupação social em direção a algo que poderíamos chamar trabalhadores, mas ainda está distante a sua generalização como de uma “saúde psicológica”, que seria esse estado de harmonia entre a vida instrumento importante de gestão. Para confirmar isso, basta ver os índices das pessoas, suas relações com o trabalho, com os outros e com si mesmo. de acidentes de trabalho (SANTANA; NOBRE; WALDVOGEL, 2005). Diante desses dois pontos que aqui trazemos à baila – a fato, em resgatar parte do controle dos trabalhadores em relação à gestão importância dos conhecimentos de psicologia, mesmo que não atrelados a de seu processo produtivo. uma prática semelhante no país; e o valor do humanismo no trabalho –, Podemos assim afirmar que a manutenção das práticas e teorias da podemos sinalizar que o escopo profissional do psicólogo nas organizações psicologia da indústria ou organizacional não permite valorizar, por si só, o está em se apropriar dos espaços de atuação assumidos pelos papel dos trabalhadores no controle sobre sua produção. Nesse sentido, o administradores de empresa, fortalecendo sua face industrial e em primeiro caminho apontado acima – a das políticas de recursos humanos intensificar a estratégia de convencimento dos diretores e empresários como práticas ideológicas –, parece ser o mais provável. E isso por uma visando a qualificação das condições de trabalho nas organizações, sendo razão que se mostrará evidente. Entretanto, não se trata de falta de aqui fundamental o papel da saúde mental. Há, porém, um problema nesse sensibilidade dos trabalhadores da gestão de pessoas em relação aos caminho: a naturalização do papel que se produz nesse espaço. Eis o dilema demais trabalhadores da organização. Muito pelo contrário. central que deve ser sempre pensado por parte dos psicólogos. Isso porque, Como nos mostra Braverman (1981), esse modo evidencia o como vimos, se trata de um espaço de intervenção que visa, de princípio, a desenvolvimento do capital industrial em direção ao aumento de controle intensificação do controle, da produtividade e do desempenho dos da gerência sobre o processo produtivo. Cabe aos trabalhadores que trabalhadores. realizam o planejamento da organização do trabalho o controle da Além disso, o profissional da psicologia possui uma habilidade performance dos trabalhadores da linha de produção. Entre esses se importantíssima e que é muito valorizada no cotidiano gerencial: a encontra o psicólogo e seu saber. O trabalho dos profissionais de recursos capacidade de escuta aprimorada e analítica e a capacidade de análise humanos visa, em última instância, controlar, gerir o trabalho de outrem. multifacetada, complexa. Essas duas habilidades, frutos de teorias e Enfim, numa leitura ergonômica, a tarefa do profissional de recursos práticas que não permitem entender as coisas apenas a partir de conceitos humanos é atuar na produção de prescrições do trabalho dos demais explicativos únicos e que requerem a contínua problematização da trabalhadores. situação, garantem ao psicólogo habilidades que permitem compreender Talvez a grande novidade da administração científica de Taylor de maneira complexa as relações entre trabalho, comportamento e tenha sido a intensificação, sem igual, de prescrições no trabalho, desempenho. Talvez o que falte a esse profissional é a aquisição de acarretando em aumento de controle sobre a força de trabalho, bem como ferramentas que permitam dialogar melhor com os conhecimentos de viabiliza um cálculo bastante preciso em torno da produtividade possível outras disciplinas, tais como os da administração. dessa força de trabalho. Sabemos dos efeitos perniciosos dela (DEJOURS, Feito essas considerações, nos deparamos com um duplo caminho 1987) bem como o mundo do trabalho atual construiu caminhos para sua inevitável: reconhecer que as faces industrial e organizacional da psicologia superação parcial, pelo menos no tocante a alguns setores da economia, do trabalho estão em parte confinadas aos princípios gerenciais que como a indústria automobilística ou de produção de informação e enfocam o desempenho e a produtividade dos trabalhadores; porém, há conhecimento. Sabemos, também, que o taylorismo está em pleno que se compreender como legítimo a preocupação humanista que se funcionamento em parte das organizações, ou em determinados setores ou produz em torno da saúde dos trabalhadores. O que se torna questionável, em alguns países. O que importa disso é que independente da convivência entretanto, é em que medida esse humanismo visa intensificar a de modelos tayloristas ou não, o rigor em torno da prescrição do trabalho produtividade, tornando as políticas de recursos humanos como “práticas ainda se mantém como uma condição indelével. E mesmo que ideológicas”3, como sugeriam Pagès et. alli. (1987, p. 98) ou se trata, de reconheçamos que as prescrições da atividade de trabalho não são tão rigorosas como outrora no tocante ao modo de se produzir no trabalho, 3 dando certa margem de autonomia para os trabalhadores no tocante a Essas políticas são práticas ideológicas na medida em que produzem verdade, parte do processo produtivo – uma autonomia sempre controlada (TOLFO; discursos, realidades. PICCININI, 2001) –, não podemos deixar de considerar que as prescrições preceitos da administração. Quando pensam nas questões da saúde, em atuais são ainda excessivamente rigorosas no tocante aos prazos, metas e geral esta se dá pelo viés dos conceitos de “satisfação”, “qualidade de vida qualidade do trabalho. A tão citada “gestão por competências” é uma no trabalho” ou “saúde ocupacional”, sendo o foco, uma vez mais, nas comprovação de que mais que o desempenho e o perfil, trata-se de políticas de RH e nas aplicações de “boas” técnicas, cientificamente sublinhar as competências, “prescrevendo” a “humanidade” do trabalhador comprovadas. Tanto a pesquisa, que é em grande medida quantitativa, que se espera que cada trabalhador desenvolva. (ENRIQUEZ, 2000; quanto a prática cotidiana, profundamente enquadrada em modelos, GUATTARI, ROLNIK, 1999). programas, métodos muitas das vezes informatizados e atrelados a Afirmamos, portanto, que não é por meio do humanismo que se números, escalas de avaliação ou valores financeiros, ilustram uma pode superar os limites que os constrangimentos a que o trabalhador está tendência a objetivar as experiências, retirando a força de produção do submetido nas organizações – e que podem, ao longo do tempo, acarretar cotidiano, das pessoas com suas singularidades nas maneiras de ser, viver, em sérios problemas de saúde, de satisfação em relação ao trabalho, ou falar, fazer no trabalho. Essa concepção reificadora da organização sinaliza, ainda de produtividade. O elemento central que queremos evidenciar é que uma vez mais, a aproximação da prática dos psicólogos e demais os profissionais de recursos humanos atuam na prescrição do trabalho, na profissionais da área de recursos humanos com o pólo antecipador, sua gestão, na adequação da atividade dos trabalhadores ao que se lhes prescritivo das organizações, o que os conduzem ao inevitável papel de espera deles. Veremos, abaixo, que se atentar para esse fato talvez seja o prescritor. ponto de partida para superarmos um pouco a ambigüidade da atividade Numa leitura foucaultiana das relações entre prescrição e os modos de trabalho desses profissionais. reais de se trabalho, poderíamos analisar a prescrição como criação de Ao discutirmos as dimensões organizacionais da psicologia do valores, referências e normas. Prescrição seria, portanto, poder. trabalho, e mesmo ao citarmos as organizações de trabalho, vale considerar Determinar que os demais trabalhadores obedeçam, acompanhem ou as reflexões trazidas por Spink (1996) e Sato (2003), que nos alertam para o utilizem referências sobre os modos de executar e desempenhar seu papel fato de que as concepções de organização como uma entidade que existe na organização. Alertar para os efeitos desse pólo prescritor não se trata para além das relações humanas no trabalho conduzem a reificação de uma de uma dimensão moral: trata-se de uma ética, uma vez que se se enfoca categoria que não existe em si mesma. Esses autores sugerem que tal por demais nesse pólo, se conforma a potência vida por demais nele. compreensão conduz à idéia de que atuar na e sobre a organização é Superar tais dimensões, como diria Sato (ibid.) não se refere a implementar sempre atuar a partir do núcleo que produzem as regras e normas de programas de qualidade de vida no trabalho apenas, mas ultrapassar os funcionamento e os valores das organizações. Não é no cotidiano que ela se fundamentos prescritivos que localizam tais profissionais no pólo das produz-reproduz, mas em seus princípios fundamentais de constituição. relações de trabalho nas organizações que procuram conformar o trabalho Sua história é sempre a história de sua invenção, do patrão, do empresário vivo aos padrões mensuráveis da produtividade, para extrair-lhes o que organiza um modo de fazer que se perpetua nos valores e cultura da máximo de uso de sua força de trabalho (MARX, 1985). organização. Pensar assim pressupõe que a organização é um todo que está para além das pessoas, que não as atinge, que é maior e que está fora do Psicologia do trabalho: uma terceira face de pesquisa e atuação alcance delas. Lidar com a organização na perspectiva reificadora supõe que A terceira face a que se refere Sampaio (1998) está ligada a um possamos lidar com ela de uma maneira objetiva. Aliás, uma das imenso esforço teórico-profissional de psicólogos que buscam apreender as características mais comuns da prática dos profissionais de recursos dimensões do trabalho para além de um espaço de intervenção técnica, humanos é que empreendem sua prática por meio de estratégias mas como um elemento central na vida das pessoas. O trabalho seria o metodológicas e instrumentos de intervenção bastante objetivos. Em elemento central na organização da vida na sociedade contemporânea; função disso atuam de maneira enviesada pelo tecnicismo e aliados aos como produtor e polarizador de sentidos sobre si, sobre o mundo; como determinante na produção de valores e, sobretudo, na mobilização dos científica nas organizações no mundo inteiro. A resolução do conflito debates e atualizações dos valores humanos, onde se enfrentam, se trabalhista por meio do pacto fordista (AGLIETTA, 1997) foi o terreno articulam e se distanciam os valores de mercado e os valores do bem propício para a consolidação dessas práticas profissionais antenadas ao comum (SCHWARTZ, 1996). Enfim, embora não necessariamente marxista, pólo dos trabalhadores. mas profundamente atravessada pelas considerações marxianas sobre o Emergem nesse meio, como dito acima, experiências singulares da trabalho humano como produtor de si e do mundo (MARX, 1985), essa face psicologia em relação ao trabalho nos países europeus, como os estudos de da psicologia do trabalho se preocupa menos com a produtividade e o Le Guillant (ZAMBRONI-DE-SOUZA, ATHAYDE, 2006) e de Oddone e desempenho e mais com as relações e os efeitos do trabalho com a saúde e colaboradores (ODDONE et alli., 1986). Desses se desdobram inúmeras a subjetividade dos trabalhadores. Ela se alia a uma longa história de contribuições que chegam ao Brasil, fornecendo teorias importantes para o mobilização dos trabalhadores diante das exigências do capital. estudo e a prática de psicólogos na área do trabalho: a Psicodinâmica do Enfim, essa face da psicologia do trabalho se desenvolve para além Trabalho (DEJOURS, 2004), a Clínica da Atividade (CLOT, 2006), os dos espaços da organização privada de trabalho e procura compreender desdobramentos das experiências de Oddone na Reforma Sanitária Italiana, como se pode produzir saúde por meio do trabalho. Trata-se, pois, de tão importante para a implantação do Sistema Único de Saúde no Brasil, intervenções que se desdobram tanto na recuperação de trabalhadores entre outros. afetados pelos constrangimentos do trabalho, quanto na produção de A influência da Psicodinâmica do Trabalho de Dejours é evidente, estudos que conduzem a leis, regulamentações e normatizações que marcando uma geração de teóricos preocupados com as relações entre reduzam os efeitos negativos desses mesmos constrangimentos. trabalho e saúde mental. No Brasil, os textos da Edith Selligman-Silva são o Entender esse outro pólo da psicologia do trabalho requer uma principal carro-chefe dessa empreitada (SELLIGMAN-SILVA, 1994). Há ainda, breve consideração acerca de sua história. Na verdade, ela emerge conforme Sampaio (1998), as influências de outra linhagem de estudos em somente com o recrudescimento dos movimentos sociais em fins de 1970, relação à saúde dos trabalhadores, cuja influência é menos latina do que sobretudo a partir dos movimentos trabalhistas do ABC. Esboçava-se em anglo-saxã. São estudos que se desdobram a partir da discussão da meio a esse movimento (e também em meio às lutas pela reforma da síndrome do estresse. Essa síndrome, identificada por Hans Seyle no início saúde), outra possível forma de intervir nas relações trabalho e psicologia, do século XX, fornece um arcabouço teórico que propicia compreender as em que o foco era o trabalhador, seus saberes e sua saúde (a influência do relações entre trabalho e saúde de uma maneira bastante objetiva. Esses Movimento Operário Italiano de luta pela saúde, representado estudos também viabilizam uma importante contribuição na organização sobremaneira pela figura de Oddone é notória – (ODDONE et alli.; 1986)). política e técnica da luta dos trabalhadores em relação à sua saúde. Entretanto, essa tradição de luta operária remonta aos primeiros Em suma, essa psicologia se apresenta como mais crítica em relação movimentos de trabalhadores que se organizam já desde a Revolução ao mundo do trabalho, estando mais antenada aos efeitos sociais das Francesa (NEGRI, 2002) ou até antes (THOMPSON, 1987). Esses transformações nos processos e tecnologias produtivas, consolidando um movimentos se consolidam em um moderno movimento sindical na virada conjunto de saberes teóricos e metodológicos que a torna capaz de propor do século XIX para o século XX, quando os trabalhadores qualificados das intervenções em torno dessas problemáticas. Ressalta-se, porém, que suas práticas de trabalho fortemente artesanais começam a se filiar aos contribuições são ainda muito tímidas em termos de instrumentos de ação trabalhadores desqualificados que explodem em volume com a crescente dentro das organizações, já que atualmente seu campo de atuação se mecanização das fábricas (SILVER, 2005). Esse novo sindicalismo, que encontra nos setores públicos, nas organizações não lucrativas de trabalho, encontra nos movimentos do ABC sua referência mais próxima no Brasil, nas associações comunitárias e nas Universidades Públicas. passa por vários períodos de mobilização, tendo seu auge as oportunidades No país, mesmo após a abertura política, os movimentos de históricas mobilizadas por meio da implantação massiva da administração esquerda, da qual parte expressiva dos psicólogos e teóricos da psicologia do trabalho faziam parte, não conseguem ser aceitos dentro das trabalhadores. De fato, metade da produção está na tradicional POT e a organizações. Há uma intensa luta para o desmantelamento do recém- outra metade procura relacionar questões subjetivas ao trabalho fortalecimento do movimento trabalhista e qualquer discurso que se (identidade, saúde, gênero, violência, enfim, o trabalho como formador da aproxime às reivindicações desse movimento se torna perigoso. O cenário subjetividade humana). Os autores revelam um imenso esforço – por meio se compõe, então, como uma transformação radical nos modos de de uma significativa produção acadêmica – de incluir o tema trabalho no organização do trabalho dentro das indústrias de modo a intensificar a âmbito teórico da psicologia, para além de uma subárea específica (como gestão das subjetividades, mas com a redução drástica de trabalhadores parte da psicologia organizacional), afirmando que a dimensão do trabalho dentro das fábricas, onde o papel da psicologia organizacional é cada vez seja reconhecida como central na formação da subjetividade. Enfim, há mais o de fornecer instrumentos teóricos que tornem possível gerir tais uma tendência de crescimento em volume e importância dessas produções, contingentes “subjetivamente” atrelados à organização. Não há espaço aí sinalizando uma mobilização da sociedade e dos pesquisadores em busca para uma psicologia por demais crítica. Em contraponto a isso, os de compreender as condições, transformações e efeitos do trabalho psicólogos do trabalho dessa face mais crítica se mantêm atônitos e contemporâneo na vida das pessoas. despotencializados com a percepção de um intenso desemprego, que se Devemos nos ater aqui que a importância, aqui dada, à valorização torna agora estrutural, e não mais conjuntural, bem como o aumento das do trabalho a partir dessa face crítica da psicologia do trabalho, não tem o relações entre trabalho e transtornos mentais, aumento da precarização do intuito de apontar para um primado dessa posição frente às outras ao que trabalho, sobretudo porque parte do trabalho é realizado em pequenas se refere em pensar o mundo do trabalho atual. Até porque, essa face é empresas, sem qualquer forma de controle, frutos da tercerização dos profundamente diversificada, sofrendo influência desde a Psicanálise e a serviços “braçais”, intensificação da violência, etc. Psicossociologia francesa (PAGÉS et. alli., 1987), passando pelas Em meio a isso tudo, se radicaliza a necessidade de atenção ao contribuições dos Estudos da Subjetividade de Guattari, Foucault e Deleuze trabalhador, ao mesmo tempo em que, na Saúde Pública, o tema trabalho (GRISCI, 2000), chegando às contribuições da Ergonomia da Atividade deixa cada vez mais de fazer parte do discurso dos gestores, políticos e francofônica, sem deixar de mencionar as relações entre a Psicologia Social profissionais da saúde. A clivagem se intensifica: o trabalho dos psicólogos e o trabalho (SATO, 2002; 2003; 2009; SPINK, 1996) e os estudos de organizacionais é compreendido como um instrumento que intensifica o estresse (FILGUEIRAS; HIPPERT, 2002). O que podemos perceber nessas panorama de exploração, mas não conseguem propor nenhuma forma diversas linhagens sobre o trabalho é que algumas se aproximam de alguns ampliada de intervenção que, além de romper com o nexo causal trabalho- elementos da psicologia organizacional, sobretudo no tocante aos saúde mental4, não conseguem se fazer ouvir dentro das organizações. procedimentos de investigação – uso de inventários, tais como a Vale ressaltar que mesmo que a força política ou a influência no psicopatologia sugerida por Codo (1999; JACQUES; 2003) ou o estudo do mercado de trabalho dessa face crítica da psicologia do trabalho seja estresse (FILGUEIRAS; HIPPERT, ibid.) –, ou no objetivo de análise, em que inferior às demais, no estudo de Tonetto e colaboradores (2008) acima algumas se destacam como estudos marcadamente epidemiológicos. É por citado, os autores identificam uma substancial produção de pesquisas e essa razão que alguns autores vêm apontando o fato de que mesmo esses publicações em torno das questões da saúde e da subjetividade dos estudos de saúde do trabalhador poderiam ser mais bem desenvolvidos se as contribuições do cotidiano de trabalho viessem sendo mobilizadas (BRITO, 2005; SILVA, 2007; SATO, 2002). Isso porque essas faces mais 4 Apesar de algumas conquistas, como a recente Instrução Normativa nº 16, do críticas do trabalho tendem, em alguma medida, em se debruçarem sobre INSS, de 2007, que de modo geral atribui às organizações a responsabilidade de os fatores perniciosos do trabalho – turno, pressão e exigências das metas, comprovar que uma determinada doença “não” é fruto das condições de trabalho sistemas de hierarquia, etc. –, sem considerar de maneira exaustiva as no setor, quando estudos epidemiológicos anteriores provam nexos-causais entre relações entre elas e os modos em que o trabalhador se organiza para lidar trabalho e determinadas patologias; esse avanço inverte o ônus da prova com esses fatores. Nessa linha, evidencia-se aqui o mesmo problema intervenção mais preocupadas com o desempenho do trabalhador e, de apontado quando analisávamos as faces industrial e organizacional da outro, as abordagens teórico-práticas da área de Saúde do Trabalhador e da psicologia: o foco maior nas prescrições, nos elementos constituídos do Psicologia do Trabalho que focam no problema dos efeitos do trabalho na trabalho, nas antecipações realizadas previamente ao agir do trabalhador. saúde e subjetividade dos trabalhadores5. Enfim, trata-se de elencar os elementos que constrangem, comprometem, Um dos problemas dessa visão dicotômica da psicologia do trabalho exigem exacerbadamente dos trabalhadores para apontar caminhos que é que essa compreensão intensifica o grande preconceito entre os pólos, reduzam tais exigências. A subjetividade é, em última instância, mais não permitindo um diálogo que viabilize atividades de trabalho mais “reativa” às prescrições do trabalho e aos modelos produtivos. sintonizadas com os interesses dos trabalhadores nas situações reais de Não se deve ignorar a importância de tal estratégia, pois ela aponta trabalho. E o pior é que essa desatenção à experiência real do trabalho se caminhos e saídas importantes para a transformação dos meios de dá por ambos os pólos, visto que a atuação do psicólogo da Saúde do trabalho. Aliás, podemos adiantar que os avanços obtidos na área de saúde Trabalhador se dá fora dos ambientes de trabalho e a atuação dos e segurança no trabalho são fortemente oriundos de concepções teóricas e psicólogos organizacionais se fundamenta, em geral, na aplicação de estudos empíricos e epidemiológicos dos quais tais faces partilham certa modelos produzidos pelos princípios cientificistas da Psicologia responsabilidade. Contudo, nessa concepção, o peso mais importante é Organizacional que se caracterizam pela recusa da singularidade no dado à organização, ao meio e não ao vivente. Não é o trabalhador em sua modelo tido como ideal. Assim, os pólos se materializam na atividade singularidade que importa, mas as condições que o constrange. Com isso, concreta dos trabalhadores da área, preocupados em responder esses profissionais desenvolvem conhecimentos críticos em relação às satisfatoriamente às demandas do pólo em que atuam, mesmo que condições de trabalho, às próprias relações trabalho-capital e o papel encontremos vários desses profissionais ansiando por uma maior contraditório do Estado. Assim, a prática cotidiana dos trabalhadores é articulação entre as áreas. A despeito do discurso de autores da sempre deixada um pouco de lado nessas atividades de pesquisa e administração, como Chiavenato (1999), que afirmam, peremptoriamente, intervenção. que é possível conciliar produtividade com uma gestão de pessoas que lhes As autoras, acima citadas, sugerem, a partir dessas constatações, garanta satisfação, saúde e segurança no trabalho, na prática, os psicólogos que inúmeros avanços poderiam ser obtidos se as atividades reais dos não encontram tão facilmente instrumentos e saberes suficientes que lhes trabalhadores viessem a ser analisadas em conjunto com eles, pois permitam comprovar essas relações, nem propiciar intervenções que revelariam não apenas as condições de trabalho, mas os saberes respeitem ou se debrucem propriamente sobre a experiência dos desenvolvidos em torno delas e seus efeitos nas constituições de sempre trabalhadores. muito singulares de se produzir o mundo tal qual ele é: diverso e sempre singular. Veremos, logo abaixo, que tais contribuições podem inaugurar um campo de diálogo entre as faces da psicologia que talvez sinalizem para 5 É importante mencionar que essa distinção em pólos não é tão completamente outros caminhos de pesquisa, antes porém, vamos retomar brevemente a reconhecida. Vários autores sustentam que os estudos da relação entre Psicologia e dualidade em cena. Trabalho denominam-se Psicologia Organizacional e do Trabalho. Entretanto, se de fato se reconhece a pertinência teórica dessas ponderações, ao menos, até o Dualidade em cena? Aproximações possíveis? momento, parece que essa distinção é bastante real na atividade cotidiana de Vimos, até o momento, que a dualidade do campo profissional da trabalho dos psicólogos que atuam no setor de trabalho, tendo as organizações psicologia e das relações trabalho-homem é fruto de um longo processo com fins lucrativos, a principal contratante de psicólogos que atuam nesse setor, o histórico, teórico, ético, político e metodológico, mas que pode ser objetivo último de aumento de produtividade e as organizações do poder público, outro grande contratante do setor, estando mais preocupadas em compreender e resumido no seguinte aspecto: de um lado as faces de pesquisa e intervir nas relações trabalho, saúde e subjetividade. Enfim, em função desses interesses, objetivos, princípios políticos e Trabalhador conduz inevitavelmente para o caminho de transformação das metodológicos distintos, tais pólos do campo de intervenção do psicólogo condições de vida do trabalhador. Tudo depende, na verdade, de quê no trabalho tendem a não se encontrarem ou raramente dialogarem. A concepções teóricas e, sobretudo, práticas o profissional psicólogo reflexão adequada em torno dessas questões é de fundamental consegue colocar em movimento em seu cotidiano de trabalho. importância na formação e atuação profissional, até porque um diálogo Há, porém, um fato importante a ser observado: se é possível entre os pólos opostos possibilitaria a qualificação de ambos atrelar produtividade e eficiência à saúde, se deve sugerir, conforme Contudo, para que esse diálogo se intensifique, há a necessidade de Durrafourg (in SCHWARTZ; DURRIVE, 2007), que o que mais importa aos que ambos os pólos se atentem para um fato muito concreto do cotidiano trabalhadores é a concepção de eficácia e não produtividade. Isso porque é de trabalho das pessoas: a maneira, sempre singular, em se resolver as pelo fruto do trabalho que o trabalhador se reconhece como sujeito do exigências da tarefa com o menor custo possível à saúde, garantindo a mundo e é visando a melhor produção possível, num movimento produtividade da empresa, a qualidade dos produtos de seu trabalho e a amplamente artesanal, por mais industrial que seja sua atividade, é que ele satisfação dos usuários desse produto ou serviço. Enfim, o que os estudos consegue se reconhecer como senhor do seu trabalho, produzindo uma da atividade de trabalho parecem revelar é que essa dicotomia do campo identificação de si que lhe confere uma saúde mental digna da de atuação pode ser, na verdade, um recorte de uma realidade que ocorre, potencialidade do trabalho (SENNETT, 2009). Ora, se lhe é fornecido no cotidiano da atividade de trabalho, a um só tempo. Isso porque os condições para o trabalhador se aperfeiçoar, dar o melhor de si, contribuir trabalhadores tentam, com todos os seus esforços, aliar a produtividade a para a melhoria da atividade, é provável que ele encontrará na atividade de sua saúde física e mental. Nessa lógica, essa dualidade de campos é trabalho uma atividade significativa do qual se dedicará para o melhor. Há, parcialmente ilusória, sendo compreensível pensar em outra dualidade porém, incompatibilidades freqüentes entre o aprimoramento de si e da ainda menos explorada: de um lado as teorias que se preocupam com os atividade e as exigências das metas, dos prazos e dos processos de aspectos, condições, elementos dados, prescritos, antecipados da atividade trabalho. Em meio a essa ambigüidade, o trabalhador tende a abrir mão de de trabalho e, de outro, aquelas que se interessam pela atividade, pela si, de seu sentido, para adequar-se às exigências que lhe são impostas. Em criação, pela singularização do fazer-saber dos trabalhadores. Essa conseqüência, é a própria qualidade do trabalho que pode estar em jogo, dualidade, porém, é sempre superável na medida em que na atividade real junto com a saúde do trabalhador. é por meio de uma “síntese” entre o prescrito e as condições reais que se Esse ponto revela, portanto, um elemento que produz efeitos apresenta ao trabalhador que se consegue realizar o trabalho. cruciais no trabalho e na própria organização social da vida: para Schwartz Sendo assim, se numa leitura por meio da atividade podemos (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007), os embates cotidianos entre as exigências aproximar os pólos da saúde e da organizacional, ao menos no tocante a que os trabalhadores são submetidos e tudo aquilo que eles mobilizam ou algumas perspectivas teóricas, como integrantes de um mesmo pólo que se tentam mobilizar revelam, em última instância, embates entre valores. contrapõe ao pólo da experiência dos trabalhadores, parece inevitável que Valores esses produzidos em prol dos interesses do mercado, da mais-valia, uma aproximação entre esses campos requeira uma investigação da exploração, ou interesses produzidos em prol do bem-comum, da exatamente por meio das atividades concretas de trabalho. Aliás, pode-se satisfação de si, dos valores de uso. Esse embate manifesta-se no cotidiano afirmar que tal preocupação com a atividade concreta do trabalho pode de trabalho, mas termina por sedimentar modos de ser, de viver, de sentir, contribuir tanto para se repensar as práticas da Psicologia Organizacional, de pensar que ultrapassam os espaços de trabalho e se sedimentam em quanto as ações na área de Saúde do Trabalhador. O conceito de atividade movimentos políticos que auxiliam na formação-formatação política do de trabalho sinaliza a opção de que atuar dentro do campo da Psicologia mundo. Enfim, esse autor sugere que tais debates de valores são vivências Organizacional não significa, necessariamente, em se fazer um pacto muito singulares de movimentos amplos que se dão no cotidiano das forças ideológico com o capitalismo, nem, por outro lado, que atuar na Saúde do de produção desse mundo. O trabalho é, portanto, um palco privilegiado da observação desse movimento. Atentar, então, para esses aspectos permite BOCK, Ana Mercês Bahia. A Psicologia a caminho do novo século: à psicologia do trabalho estar atenta ao espaço de produção do mundo identidade profissional e compromisso social. Estud. psicol. (Natal), Natal, para além de sua produção material, mas também para os modos de sua v. 4, n. 2, Dec. 1999. BRAVERMAN, Harry. Trabalho e Capital Monopolista: produção política. E nesse esforço de articulação de uma polarizada A Degradação do Trabalho no Século XX. 3ª Edição. Jorge Zahar Editores. psicologia do trabalho, o que se obtém é um exercício de superação Rio de Janeiro, 1981. democrática, base da qual a ciência se sustenta. BRITO, J. Trabalho e Saúde Coletiva: o ponto de vista da atividade e das relações de gênero. Ciências & Saude Coletiva. 10 (4), 879-890, 2005. Conclusões CHIAVENATO, I. Gestão de Pessoas: o novo papel dos recursos humanos A história da psicologia do trabalho e suas relações com as nas organizações. 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Addendum: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Mostramos que é necessário pensarmos de outra forma com o In: LANCMAN, Selam; SZNELWAR, Laerte Idal (org.). Christophe Dejours: da intuito de superar essa polarização, e para indicar o fato de que a psicologia psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Editora do trabalho pode contribuir, para o exercício da democracia. Fiocruz, Brasília: Paralelo 15, 2004. Concluímos esse texto afirmando que ele se trata de uma aposta ENRIQUEZ, Eugène. O indivíduo preso na armadilha da estrutura que requer a humildade dos pesquisadores em reconhecer seus próprios estratégica. In MOTTA, F. P.; FREITAS, M. E. (orgs.). Vida psíquica e limites em relação ao saber dos trabalhadores. Mas com isso, não se trata organização. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. de diminuir o valor do conhecimento científico, mas apontar a imprecisão FILGUEIRAS, J.C.; HIPPERT, M.I.. Estresse: possibilidades e limites. In: de seus limites, sugerindo uma articulação necessária entre o conceito e a JACQES, M. G.; CODO, W. (orgs.). Saúde mental & trabalho: leituras. prática visando, assim, ultrapassar os embates teóricos que terminam, Petrópolis: Vozes, 2002. muitas vezes, em importantes querelas acadêmicas sem efeitos GRISCI, C.. Tempo e Subjetividade: a reestruturação do trabalho bancário. perceptíveis na vida das pessoas em suas condições concretas. É a essa vida Tese (Doutorado). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do concreta que esse texto se refere e a ele que esperamos atingir por meio Sul. Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2000. das questões que aqui levantamos. GUATTARI, F. ; ROLNIK, S.. Micropolítica – Cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1999. Referências Bibliográficas HARDT, Michael; NEGRI, Toni. Império. Rio de Janeiro: Record, 2001. AGLIETTA, M.. Regulation et crises du capitalisme. Paris: Odile Jacob, JACQUES, M.G.C.. 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Trabalho no pós-pandemia: quais são e como serão desenvolvidas as competências dos trabalhadores nas empresas, a partir da atuação das(os) psicólogas(os) organizacionais