Você está na página 1de 12

ENTREVISTA ANÁLISE

“A ideia de se retomar esse Boletim boa. Eng. Agrónomo, Cezar Dzeco discute as no-
Acho que vai ser extremamente útil, ao per- ções de produção e produtividade e elucida:
mitir maior interação entre os engenheiros” são conceitos relacionados que definem acti-
- págs. 4 - 6. vidades e processos diferentes” - págs. 9-10

Engenharia
Ano: 00
Edição: nº00 Julho/Agosto 2020
Bastonário:
Ibraimo Remane
Coordenador:
Uma publicação da Ordem dos Engenheiros de Moçambique Feliciano Dias
www.ordeng.co.mz

EDITORIAL
EDITORIAL

Caro leitor,

A publicação que tem em mãos constitui a


materialização de um projecto de editoração do boletim
informativo da nossa jovem Ordem. Um projecto sempre
presente, mas cuja concretização representa um
grande desafio.

Depois de um longo hiato, retomamos hoje com nova


roupagem. Mudamos a apresentação gráfica, na
expectativa de oferecer uma nova experiência de leitura.
Estamos certos de que ainda não atingimos o nível de
qualidade editorial pretendido, mas cremos que com o
apoio de todos este será alcançado.

Queremos discutir, a cada edição, a engenharia feita em


Moçambique sem nos afastarmos do que é feito a nível
global.

E, nesta edição, que marca o pontapé de saída,


trazemos uma conversa com o primeiro Bastonário da
Ordem dos Engenheiros de Moçambique. Quisemos dá-lo
a conhecer aos nossos leitores.

Trazemos ainda como destaque um artigo sobre a nossa


imponente Barragem de Cahora Bassa. É, sem dúvida, a

Cahora Bassa primeira grande obra de engenharia de Moçambique e


quisemos aqui reconhecer a sua importância vital no
A maior obra de engenharia desenvolvimento do país. E ainda por entre as páginas

de Moçambique desde número a noção de “produção e produtividade”,


num artigo assinado pelo Eng. Cezar Dzeco.

Terminamos desejando uma óptima leitura a todos!


Mensagem do Bastonário

CONHEÇA A ORDEM
IBRAIMO REMANE
Membro nº 396 Ordem dos Engenheiros de Moçambique (OrdEM) é uma pessoa
colectiva, de direito público, representativa dos engenheiros em
Engenheiro Civil
exercício em Moçambique que, em conformidade com os preceitos do
e Bastonário Estatuto e demais disposições legais aplicáveis, exercem a engenharia.
da OrdEM
A OrdEM exerce em todo o território nacional as atribuições e
competências que estatuariamente lhe são conferidas e é representada
em juízo e fora dele pelo Bastonário ou por quem ele designar.
Contamos Consigo A OrdEM dos Engenheiros tem como atribuições:
a) liderar o progresso da engenharia pondo-a ao serviço do
desenvolvimento nacional;
Caro colega, b) registar e acreditar os engenheiros que querem exercitar a
engenharia em Moçambique;
Após um longo período de interregno, decidimos
retomar com novo “rosto” a publicação do c) zelar pelo cumprimento das regras de ética profissional e o nível de
qualificação profissional dos engenheiros;
nosso boletim informativo, o “Engenharia”.
d) defender os interesses, direitos e prerrogativas dos seus membros;
Ao resgatar essa iniciativa, move-nos o desejo
e) zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de
de criar mais um espaço de partilha e discussão
engenheiro;
de ideias e de saberes. Pretendemos que a
f) fomentar o desenvolvimento do ensino e investigação da engenharia;
publicação sirva de veículo de informação útil
para o engenheiro, para a engenharia e, g) promover, organizar e apoiar a formação contínua dos seus membros
e outros técnicos de engenharia;
consequentemente, para a sociedade.
h) contribuir para a estruturação das carreiras dos engenheiros;
Numa periodicidade bimestral, será lançada uma
edição com matérias variadas sobre engenharia. i) atribuir e proteger o título profissional de engenheiro, promovendo o
procedimento judicial contra quem o use ou a exerça ilegalmente;
Os desafios do sector e as respostam que
estes demandam. As inovações que nos indicam j) promover a cooperação e solidariedade entre os seus membros;
os novos rumos a serem trilhados deverão ter k) prestar a colaboração técnica e científica solicitada por quaisquer
aqui seu espaço de exposição e apreciação. entidades, públicas ou privadas, quando exista interesse público;
l) desenvolver relações com outras Ordens e associações afins,
É nossa aspiração podermos contar nesta
nacionais e estrangeiras, podendo aderir a uniões e federações
empreitada com cada um dos membros desta internacionais;
grande família. O crescimento numérico que a
m) exercer jurisdição disciplinar sobre os engenheiros;
Ordem tem registado deve se reflectir também
n) zelar pela qualidade e segurança dos estudos, projectos e obras de
no dia-a-dia da organização, no contributo que
engenharia
cada um dá para o progresso da engenharia e de
o) apoiar o Governo, tecendo pareceres sobre projectos de
Moçambique.
desenvolvimento de infra-estruturas públicas, licenciamento de
Queremos que este seja um espaço privilegiado empreiteiros para obras públicas, contratação de engenheiros
estrangeiros e sobre outros assuntos relacionados com a engenharia,
de apresentação e discussão de ideias. E para
desde que haja interesse público;
isso contamos consigo!
p) exercer as demais funções que resultem da Lei e das disposições
deste Estatuto.

2 Engenharia—Julho/Agosto-2020
Notícias

Ordem dos Engenheiros


de Moçambique

Contactos Telefónicos:

Telefone:
(+258) 21310453
Telefax:
(+258) 21310463
Em Inhambane
Telemóvel:
Criada Comissão Instaladora (+258) 823263740
e-mail:
A Ordem dos Engenheiros de As Comissões Instaladora são
Moçambique (OrdEM) deu mais entidades que têm a secretariado@ordeng.org.mz
um passo com vista a sua responsabilidade de criar www.ordeng.org.mz
expansão e proximidade aos condições para a
engenheiros com a formalização estabelecimento dos Núcleos
da Comissão Instaladora de mais provinciais que, por sua vez,
Horários de Funcionamento
um Núcleo provincial, desta feita representam a OrdEM a nível
na província de Inhambane. provincial. Segunda e Quarta:
10:00 – 18:00 h
O evento teve lugar no dia 7 de A criação de Núcleos Provinciais
Agosto último, e foi dirigido pelo
é uma prioridade para a OrdEM, Terça e Quinta-feira:
vice-presidente do Conselhouma vez que garantem uma
10:00 – 19:00 h
Directivo da OrdEM, Engºmaior proximidade aos membros
Feliciano Dias. que se encontram longe da Sexta-feira:
capital Maputo, que é onde se
10:00 – 16:00 h
E como tem sido praxe em localiza a sede da instituição.
eventos similares, houve também Sábado, Domingo e Feriado:
uma palestra desta vez proferida Os Núcleos permitem também
pelo Engº Marc-Oliver Bruckhaus que os engenheiros possam
Encerrado
da empresa ENTERIA que se encontrar uma plataforma de
debruçou sobre o tema: diálogo visando solucionar
"Desafios de energias renováveis problemas específicos que Endereço Físico
na província de Inhambane, preocupam a classe numa
experiência da Enteria". determinada zona.
Praça dos Trabalhadores
No. 101, 1º Esq.

Maputo
Moçambique

Engenharia—Julho/Agosto-2020 3
E n t rev i st a
bro e só tínhamos exames em

A OrdEM deve
Junho/Julho. Durante esse inter-
valo todo, éramos deixados mais
ou menos à solta. As únicas

estar em altura coisas que eram obrigatórias


eram as aulas práticas e os

de assumir a relatórios das aulas do laborató-


rio. E chumbava-se por faltas.
Fora isso, cada um via como é
responsabilidade que organizava o estudo, por
isso, tínhamos imenso tempo

atribuída pelo livre.


Na Universidade, tinha sido

Estado criada a Associação Académica


de Moçambique, que foi muito
importante na minha vida. A
Associação tinha áreas muito
diversas. Comecei a colaborar
com a Associação em dois sec-
É membro fundador e primeiro Bastonário de Ordem dos Engenheiros de Mo- tores: na chamada secção de
çambique. É o primeiro Professor Catedrático do País. Dirigiu a Faculdade de textos e na secção de futebol. A
Engenharia da Universidade Eduardo Mondlane. Aceitou conceder-nos uns de- Associação organizava bailes,
dos de conversa para falar, de forma resumida, sobre a sua vida. Desde a in- excursões e convívios, para além
fância em Goa, onde nasceu, e a passagem por Portugal até fixar-se em Mo- de participar em provas federa-
çambique. Um amante das letras, do cinema, do teatro e da música que teve das e universitárias de várias
uma vida dedicada à engenharia e à academia. Conheça, nas próximas linhas, o modalidades e de dar apoio
membro nº1 da OrdEM, o Prof. Álvaro José da Fátima de Carmo Vaz.
diverso aos estudantes, mas,
aos poucos, foi ficando politiza-
Sabe-se que o Professor Carmo Liceu tinha acabado de ser inau- vas, fazia a licenciatura e acaba-
da por causa da guerra colonial.
Vaz nasceu em Goa, depois gurado, fui um dos que o es- va por ser professor de Liceu.
Íamos tendo notícias esparsas
teve uma passagem por Portu- treou. Entretanto, mudámo-nos Havia também a alternativa de
do que se passava em Portugal
gal e veio estabelecer-se em para o bairro da Polana. E então Direito, mas essa era uma área
e também do que se passava
Moçambique. Como é que foi a fiz o 6.º e o 7.º anos no Liceu que não me interessava. E, por- aqui com a luta de libertação. E
sua infância até a altura em Salazar, que veio a ser a Escola tanto, acabei por ingressar na-
os estudantes, no geral, e isso
que chegou a Moçambique? Secundária Josina Machel. quilo que na altura se chamava
aconteceu também comigo,
Eu sou de Goa e a minha família a alínea (f). Era uma alínea que
foram ficando cada vez mais
é goesa. Quando a Índia tomou Sei também que durante essa dava para uma variedade muito
politizados, mais envolvidos na
Goa, em Dezembro de 1961, fase de adolescência esteve grande de cursos: engenharia,
contestação ao regime colonial.
saímos, eu e minha família, e sempre envolto num mundo de medicina, agronomia, biologia,
passámos por Portugal, porque letras/artes e vivenciou muito o química, etc. E já tinha mais ou Mencionou aqui a questão de
meu pai era funcionário do Ban- cinema, o teatro e a música. menos ideia de que queria fazer
futebol, chegou a praticá-lo?
co Nacional Ultramarino e a Como é que desse mundo saiu engenharia.
Não além daquele que todos os
minha mãe, professora do ensi- um engenheiro? O meu envolvimento com as
miúdos jogam.
no primário. Estivemos uns dois Essa é uma boa pergunta. Até letras era por via da leitura. Fui
E já nessa altura tinha decido
meses em Portugal até os meus ao 5.º ano de Liceu, eu era bom um leitor voraz desde criança. E
ficar permanentemente em Mo-
pais serem colocados, já em aluno a quase todas as discipli- gostava muito de cinema e de
çambique? Já que depois de
1962, em Lourenço Marques. nas, das duas secções, mas teatro.
independência escolheu ficar em
principalmente a Matemática, Moçambique em detrimento de
Chegaram a Lourenço Marques Física e Português. Quando fiz Entre 1966 e 1971, fez a sua
ir para Portugal.
e o que aconteceu? os exames de 5.º ano, tive umas licenciatura em Engenharia
A decisão de ficar em Moçambi-
Quando chegámos, vínhamos notas altíssimas a essas três Civil. Como era a dinâmica dos
que foi uma decisão difícil que
com algumas limitações e difi- disciplinas em que era muito estudos com toda aquela envol-
tomei ainda antes do 25 de
culdades económicas e fomos bom e ficou-me aquela dúvida: vência de um Moçambique em
Abril em Portugal. Essa foi uma
morar no Alto-Maé. Eu já tinha para que lado é que vou? Na- busca da independência?
decisão que muitos dos que
feito o 3º ano de liceu em Goa, quele tempo, as opções eram Esses anos de universidade tinham ascendência portuguesa
então fiz o 4.º e o 5.º anos no orientadas de uma forma muito foram para mim muito impor-
tiveram de tomar quando da
Liceu António Enes, actualmen- pragmática em função da área tantes porque, no modelo em
independência. Para mim, era
te Escola Secundária Francisco que dava os melhores empre- vigor naquele tempo, todas as perfeitamente claro qual era a
Manyanga. E tive sorte porque gos. E, na altura, quem ia para disciplinas eram anuais. Come-
opção que ia escolher. Foi um
quando entrei, em 1962, o letras não tinha muitas alternati- çávamos o ano lectivo em Outu-

4 Engenharia—Julho/Agosto-2020
E n t rev i st a
grande desgosto para os meus dade, fui Director da Faculdade já como docente em tempo par- disseram-me, na Universidade
pais, mas… de Engenharia uns anos mais cial. Agostinho Neto, em Angola.
tarde. Quando se deu o 25 de Fui também bastonário da Or- Este outro livro, um romance,
O que pesou para essa decisão? Abril em Portugal, eu e minha dem dos Engenheiros de Mo- “Um Rapaz Tranquilo – Memó-
Basicamente, foi o sentimento mulher tínhamos tudo preparado çambique de 2003 a 2010, não rias Imaginadas”, surgiu não só
de que eu era moçambicano. seguir para o doutoramento em foi fácil porque tivemos de criar porque comecei a ter mais tem-
Também andava muito entusias- Setembro de 1974, tínhamos já a OrdEM mas avançámos com po livre mas também porque
mado com a Frelimo, com Sa- bolsas de estudo, íamos para a uma série de iniciativas interes- comecei a ter uma preocupação,
mora Machel, com o projecto universidade de Manchester, santes. a de que estava a cair no esque-
socialista e com a ideia de que mas cancelámos tudo. Não ía- E, ainda em termos da minha cimento o papel desempenhado
ia contribuir para o país novo. mos sair numa altura tão impor- actividade, trabalhei durante por esta minha geração, que
Essa possibilidade de ser partici- tante. Acabámos, por isso, por ir trinta anos como consultor, na tinha vinte e pouco anos na
pante na construção de um país para a pós-graduação só em CONSULTEC, o que me deu altura da Independência, que
novo era entusiasmante. 1980, no IHE, em Delft. E de- possibilidade de trabalhar inten- teve esse sonho de participar na
pois, no meu caso, o doutora- samente em muitos dos princi- construção de Moçambique, que
Nessa época, após a indepen- mento, no Instituto Superior pais projectos que se fizeram em teve, durante aqueles primeiros
dência, muitos jovens foram Técnico, em Lisboa. Moçambique na área da Hidrolo- anos de Moçambique indepen-
chamados a assumir os destinos gia e Gestão dos Recursos Hídri- dente, um papel de algum relevo
do país que acabava de nascer. Fale-nos um pouco da sua car- cos. por causa do abandono massivo
Que memórias guarda dessa reira. de técnicos portugueses e teve
época? Eu fiz toda a minha carreira na Em 2015/16 decide aventurar- de assumir cargos de muita alta
Aquela foi uma época em que Universidade, apesar da colabo- se no mundo literário já como responsabilidade, muitas vezes
não discutíamos decisões toma- ração na área das águas com a escritor, o que resultou numa fazendo das tripas coração. Essa
das mais acima. Diziam-te “vais Direcção Nacional de Águas, foi homenagem a uma geração da história não estava a ser conta-
ser director disto” ou “vais para a área em que eu me especiali- qual faz parte. Como foi essa da, corria o risco de ficar esque-
Cabo Delgado” e ias com a mai- zei. Na Universidade, segui to- experiência? cida e eu achei que valia a pena
or boa vontade. Nós, na Facul- dos aqueles passos habituais. Nestes últimos anos, fui ficando contá-la. Para escrever o livro,
dade de Engenharia, ficámos Fiz o mestrado na Holanda, em com mais tempo livre e foi aí tive de ler muito, consultar
com uma carência muito grande Delft, depois o doutoramento em que surgiu a ideia de um livro imensa documentação, não só
de professores. Os professores Portugal, passei a Professor fora da área de engenharia, por- aqui em Moçambique mas tam-
eram portugueses e deixaram Auxiliar, mais tarde concorri que também fiz um livro de en- bém em Lisboa. Quando chegou
Moçambique. Eu, que na altura para Professor Associado. No genharia, em 2011, com um a altura da escrita, não sabia
tinha 25 anos de idade, era dos ano 2000, fiz as provas para colega do Instituto Superior Téc- que forma dar a toda essa infor-
mais veteranos dos que tinham Professor Catedrático, fui o pri- nico, de Portugal, infelizmente já mação recolhida porque não sou
ficado. Houve outros colegas meiro Professor Catedrático da falecido, o Prof. João Reis Hipó- historiador, não sou sociólogo.
meus que mais tarde, em Universidade Eduardo Mondlane lito. O livro chama-se Então resolvi dar-lhe a forma de
1977/78, foram sendo chama- e deste país. E continuei com a “Hidrologia e Recursos Hídricos” um romance.
dos para outras funções. Eu fui minha actividade de dar aulas, e já vai na terceira edição. É
assumindo funções à medida fazer investigação e algum traba- usado como livro de texto não só E ficou satisfeito com o resulta-
que era chamado. Fui chefe do lho administrativo até que me na Universidade Eduardo Mond- do final?
departamento de Engenharia reformei em 2007. Na reforma lane mas também em algumas As vezes dá-me vontade de rees-
civil, criei o Gabinete de Rela- ainda continuei a dar aulas, mas universidades de Portugal e, crever o livro, mas sim, acho
ções Internacionais da Universi- que o livro ficou bom. As pesso-

Engenharia—Julho/Agosto-2020 5
E n t rev i st a
as gostaram de o ler, teve até
uma tiragem grande para o con-
texto moçambicano, foram 750
exemplares. Foi lançado em Abril
do ano passado e, em Janeiro
deste ano, já estava esgotado.
Agora estamos a fazer a segunda
edição. Já estaria feita, se não
fosse o problema da COVID-19
que atrasou as coisas, não tanto
aqui em Moçambique mas sobre-
tudo em Portugal. O livro é im-
presso em Portugal e houve uns
meses em que parou tudo. Mas
estamos a contar que em Outu-
bro poderá estar disponível nas
nossas livrarias.

E podemos esperar por mais


livros do género literário? Eu agora estou fora, mas se ca- se têm mostrado, alguns deles, música, a boa e a má. Eu gosto
Não, não podem. Eu quis muito lhar por isso é também mais fácil bastante activos. E isso cria uma da música boa.
fazer “Um Rapaz Tranquilo”. falar e acho que sim. Acho que a maior proximidade com os enge- Eu ouço muita música clássica e
Qualquer outro livro pode surgir Ordem deve fazer mais, tornar-se nheiros. ouço música pop e rock, mas só
se houver inspiração, mas sem mais útil aos engenheiros. Por Agora, a Ordem tem um proble- a dos anos 50, 60 e 70. Ouço
promessas. exemplo, o retomar o Boletim vai ma, e todas as direcções têm aquele jazz que se tocou até aos
ser extremamente útil, ao permi- sentido isso, que é o facto de anos 40, a evolução do jazz a
Em 2003, criou-se a Ordem dos tir maior ligação entre os enge- haver algum entusiasmo no início partir dai já não mexe comigo da
Engenheiros de Moçambique. E nheiros e uma maior interacção. mas, à medida que o tempo vai mesma maneira. Gosto da músi-
foi eleito Bastonário da organiza- As condições, hoje, são mais passando, o número de colabora- ca moçambicana dos anos ses-
ção. Que sonhos/ambições nor- difíceis que há cerca de vinte dores vai diminuindo. E as insti- senta e setenta. Mas gosto tam-
tearam os fundadores da Or- anos, quando a minha direcção tuições acabam sendo feitas bém de outros estilos musicais,
dem? tomou posse. Por um lado, houve muito pelas pessoas. As direc- música da América Latina, do
A ideia de criar-se uma Ordem uma verdadeira explosão de insti- ções até podem ter umas boas Chile, mexicana, cubana, brasi-
dos Engenheiros já era antiga. Já tuições de ensino superior a lec- ideias mas, se não tiverem cola- leira, tenho um gosto bastante
tinha havido iniciativas nesse cionarem cursos de engenharia. boradores, a capacidade de as eclético.
sentido, mas que nunca tinham E o que nós sentimos é que há pôr em prática fica muito limita- O programa da RM que referiu é
chegado a concretizar-se. A dado umas que licenciam de facto da. E a verdade é esta: a disponi-aquela escassa meia hora que a
momento, conseguiu-se avançar, pessoas capazes de serem enge- bilidade para este trabalho, que érádio dedica semanalmente à
preparou-se os Estatutos, com nheiras mas há outras em rela- um trabalho voluntário, é peque- música clássica e eu tenho vindo
muito mérito da Comissão Insta- ção às quais eu, pelo menos, na. Eu percebo que as pessoas a colaborar já há alguns anos
ladora, composta, entre outros, tenho dúvidas. A Ordem tem têm as suas ocupações mas o com o grande Carlos Silva. Como
pelos engenheiros Manuel da procurado estabelecer uma liga- meu apelo é que todos os mem- neste ano se comemora a passa-
Conceição e Maqueto Langa. ção com o Conselho Nacional de bros colaborem um pouco mais gem de 250 anos de nascimento
Ficou tudo organizado para que Avaliação de Qualidade (CNAQ), para levar avante as óptimas do genial compositor clássico
houvesse eleições, ganhámos e que é um órgão do Ministério de ideias que surgem. Ludwig van Beethoven, eu fiz
estabeleceu-se a Ordem. Eu acho Educação e Desenvolvimento uma séria de 17 programas so-
que é uma instituição útil e ne- Humano, no sentido de verificar Sei que hoje está a colaborar bre a vida e a obra dele que co-
cessária aqui em Moçambique. E a qualidade dos que se licenciam com um programa de música na meçaram a ser emitidos no pri-
que recebeu do Estado a respon- para fazerem a inscrição na Or- RM. Qual é o espaço que música meiro domingo de Agosto e se
sabilidade de garantir que o tra- dem dos Engenheiros, que é uma ocupa na sua vida? prolongam até 22 de Novembro.
balho da área de engenharia é condição para se poderem cha- No início desta entrevista, falei
feito com a responsabilidade e a mar engenheiros. Penso que a de literatura, cinema e teatro e Casado?
seriedade que se exige. Portanto, Ordem pode fazer mais, por devia ter incluído música porque Sim, com uma engenheira civil.
há uma responsabilidade muito exemplo, mais palestras, promo- acho que não sei viver sem músi-
grande que o Estado moçambica- ver mais debates. Mas a Ordem ca. Sempre ouvi música e acho Filhos?
no passou para a Ordem e esta tem avançado muito noutros que a música para mim, e para Dois, um dos quais é engenheiro
tem de estar à altura de a assu- aspectos e, com estas duas últi- toda gente, é indispensável. Ago- civil. A minha irmã também é
mir. mas direcções, houve avanços ra, se me perguntar de que tipo engenheira civil, há uma falta de
Sente que a Ordem está a cor- muito importantes que não foram de música é que gosto, respondo- imaginação notável na família.
responder a essa responsabilida- conseguidos na minha direcção, lhe como o maestro português
de ou precisa fazer mais? como os Núcleos provinciais, que Freitas Branco: há dois tipos de

6 Engenharia—Julho/Agosto-2020
Dest aque

BARRAGEM DE CAHORA BASSA

A maior obra de engenharia


de Moçambique
Foto: m.megaconstrucciones.net

Erguida no desfiladeiro estreito do Rio Zambeze, a cerca de 120 quilómetros a montante da


Cidade de Tete, num troço onde a zona inferior do vale tem a forma de garganta, a Barragem
de Cahora Bassa ainda carrega consigo a marca de ser a maior obra de engenharia de Mo-
çambique.
A barragem é constituída por Zambeze. É no interior desta trica de 50Hz usada na rede do Sul, que recebe a corrente
escarpas quase verticais que se caverna que estão instalados eléctrica moçambicana. contínua (c. c.) a ± 553 KV e a
prolongam até à zona planálti- cinco grupos geradores. Cada envia para a rede da ESKOM,
ca. A altura de 163,5m e o um destes é formado por uma Subestação sob a forma de corrente alterna-
desenvolvimento ao nível do turbina tipo Francis de 415 A subestação do Songo recebe da trifásica, a 275 KV. O trans-
coroamento igual a 305m, MW. A rotação dos grupos ge- das Centrais de Cahora Bassa, porte é feito por 2 linhas mono-
definem uma albufeira de cerca radores faz-se à velocidade corrente alternada (c.a.) trifási- polares de c. c., funcionando a
de 2.800 Km², com o volume nominal de 107,11 rpm, o que ca a 220 KV e emite a ± 553 + 553 KV e a - 533KV (as
de armazenamento de 65x109 corresponde a frequência eléc- KV corrente contínua (c.c.) para linhas distam entre si 1Km). As
m3. a Subestação Apollo, na África pontes conversoras, em número
Com uma potência máxima de oito, são formadas por tan-
possível de 3,6x106 KW e uma ques de tirístores arrefecidas a
produção anual de 48,5x 109 óleo alimentadas através de
K\Vh, Cahora Bassa fornece transformadores apropriados.
energia a África do Sul, como Pelas condições naturais do
principal cliente, Moçambique e local da barragem e pelo enor-
outros países da região. me volume de energia produtí-
A central é uma enorme caver- vel, o aproveitamento Hidroe-
na escavada na rocha, com léctrico da Cahora Bassa permi-
220m de comprimento, 29m te produzir energia a um custo
de largura e 57m de altura, unitário baixo, não constituindo
situada na margem sul do Rio Foto: www.hcb.co.mz o transporte, ao longo dos

Engenharia—Julho/Agosto-2020 7
Dest aque
1.400 Km (900 em território
moçambicano), desde o barra-
nomeadamente poderosos e
rápidos sistemas de excitação e A génese
mento na subestação emissora talvez subestações intermédias
até ao barramento na subesta- que dificultariam a sua compe-
ção terminal Apollo, apesar do titividade com o transporte em
aumento de custos que deter- corrente contínua.
mina, factor que obste a que
os preços de venda se mante- As linhas em corrente contínua
nham altamente competitivos. para uma mesma potência
transportada à mesma distân-
O transporte cia, são, pois, mais baratas do
A energia eléctrica produzida que as correspondentes linhas
em Cahora Bassa sob a forma em corrente alternadas.
de corrente alternada trifásica Contudo, estas economias po-
a 220 KV, é convertida na dem ser absorvidas pelas esta-
subestação do Songo em cor- ções conversoras (custos) que
rente contínua (553 KV), trans- contêm muitas componentes
portada nesta forma ao longo de importância vital para uma Foto: www.hcb.co.mz
das duas linhas monopolares correcta operação.
até à subestação Apollo (a 25
Km de Irene, em Joanesburgo Para o fornecimento de energia Tudo começa precisamente em Março de 1956, quando se
e Pretória) onde é convertida à ao Centro e Norte de Moçambi- constituí a missão que deveria povoar o vale o Zambeze, acto
tensão nominal de 275 KV e que estão instaladas duas li- que viria a se efectivar a 16 de Março de 1957, data da
entregue à ESKOM. São, no nhas de transporte de energia Constituição de Missão de Fomento e Povoamento do Zambeze.
total, 1.400 km, dos quais ligando a subestação do Songo
900km em território moçambi- à subestação de Matambo, Em Dezembro de 1966, fez-se a contratação da Hidrotécnica
cano, ao longo da fronteira próximo da cidade de Tete. Da Portuguesa para elaborar o Projecto do Aprovisionamento
com o Zimbabwe. As torres subestação de Matambo sai, Hidroeléctrico de Cahora Bassa.
que suspendem os condutores entre outras, uma linha de
são do tipo piramidal com altu- transporte que alimenta a sub- A 19 de Setembro de 1969, o rio Zambeze, que para as
ra normal de 49 metros, tendo estação de Chibata, próximo da
populações parecia um “bicho indomável”, começou a ceder às
sido implantadas cerca de Cidade de Chimoio.
vontades do Homem. O consórcio denominado Zambeze
6.400 torres. Actualmente, como se sabe, a
Consórcio Hidroeléctrico, Lda. (ZAMCO), a quem foi adjudicada
A necessidade de converter a África do Sul é o maior com-
energia alternada em contínua prador de energia eléctrica da a obra em cujo projecto se previa a construção da barragem,
é economicamente determina- Hidroeléctrica de Cahora Bassa instalação do sistema de produção de energia e o
da pelos custos quilométricos (HCB), absorvendo 1.300 me- seu transporte.
mais elevados das linhas em gawatts dos 2075 megawatts
c.a. no domínio das muito que o aproveitamento produz O mês de Setembro de 1969 foi de muita actividade
altas tensões. Com efeito, a com as suas cinco turbinas, burocrática na HCB pois, foi igualmente assinado o contrato de
entrega de 1.750 MW cada uma com capacidade de fornecimento de energia, entre o Governo Português e a ESKOM
(prevista) a 1.400 Km de dis- produzir 415 megawatts. da República da África do Sul.
tância do Songo, em c.a., utili- A energia eléctrica é transpor-
zando duas linhas de 500 KV tada por cabos de alta tensão Em Maio de 1972 é concluídas a galeria de desvio da margem
trifâsicos e perto de 7.000 até à subestação Apollo, na
direita e as ensecadeiras que permitiram o início de construção
torres de suporte, com 40 m África do Sul, onde a voltagem
da barragem, para em Janeiro de 1974 serem concluídos os
de altura, espaçadas de 426 m é reduzida e distribuída pela
trabalhos de montagem das duas linhas monopolares de
exigiria características técnicas zona sul de Moçambique, com
para assegurar estabilidade de os custos inerentes. transmissão de energia em Alta Tensão, ligando Cahora Bassa
compensação dos transportes à subestação Apollo, localizada na África do Sul, cuja linha
tinha uma extensão de cerca de 1400 quilómetros (km).

No dia 5 de Dezembro de 1974 deu-se o início do enchimento


da Albufeira com o fecho das comportas e desvio provisório da
margem direita e, no dia 25 de Março de 1975 foi realizada a
primeira rotação, para ensaio, do grupo gerador número Cinco,
o primeiro a ser instalado. O primeiro ensaio de transmissão de
energia para a Apollo foi efectuado a 19 de Maio de 1975.

Foto: www.hcb.co.mz

8 Engenharia—Julho/Agosto-2020
Análise

CEZAR M. A. DZECO
Membro nº 1734
Engenheiro Agrónomo

PRODUÇÃO E PRODUTIVIDADE
I. Contextualização
Produção e produtividade
são conceitos cruciais que,
embora frequentemente
usados no sector agrário,
são transversais a qualquer
atividade económica. A
título de exemplo, a
agricultura moçambicana é ssssssssssssssssss
geralmente definida como
sendo de subsistência e
caracterizada por baixos “A Produção espelha
níveis de produção e de
produtividade (PEDSA,
o número de unidades
2011-2020). transformação gradual de produzidas em um nível de produto (FAO
Noutra vertente, o uma forma de material em 2017, OECD, 2008).
aumento da produtividade determinado período
outra, mantendo a
agrícola tem um papel qualidade necessária e Para Carr (2016), a
e é expressa em
central na agenda sendo capaz de satisfazer produtividade é a
económica e social as necessidades humanas termos absolutos, capacidade de um sistema
sobretudo dos países em (Kotler, et. al. 2006). A de produção de produzir de
desenvolvimento tendo em
determinando o valor
Produção espelha o número forma mais econômica e
vista garantir a segurança de unidades produzidas em do produto gerado. A eficiente. Portanto, a
alimentar e nutricional um determinado período e é produtividade agrícola pode
(FAO,2017). Considerando expressa em termos
produtividade é, por ser definida como uma
os elementos antes absolutos, determinando o medida de eficiência em um
sua vez, definida
descritos, o presente valor do produto gerado. A sistema de produção
trabalho visa apresentar a produtividade é, por sua como uma razão agrícola que emprega
diferença entre produção e vez, definida como uma terra, trabalho, capital e
produtividade bem como entre o volume de
razão entre o volume de outros recursos
descrever as variáveis saída (out put) e o volume saída (out put) e o relacionados. Na mesma
inerentes aos dois de entradas (in put). Isto é, linha de pensamento, Tuty,
conceitos. mede a eficiência com que volume de entradas O. & L.C.T. Yamaguch
os insumos de produção, (in put).” (1998), afirmam que a
II. Conceitos de produção como trabalho e capital, produtividade de uma
e produtividade estão sendo usados em unidade de produção pode
Produção é definida como uma economia para ser entendida como a
sendo o processo de produzir um determinado relação entre as

Engenharia—Julho/Agosto-2020 9
Referências Bibliográficas

FAO, 2017, Productivity


and Efficiency Measure-
ment in Agriculture, Lite-
rature Review and Gaps
Analysis Publication prepa-
red in the framework of
the Global Strategy to
improve Agricultural and
Rural Statistics;

Fuglie, K.O., Wang S., &


Ball, E. 2012. Productivity
Growth in Agriculture: An
International Perspective.
CAB International: Walling-
Foto: https://www.infomoney.com.br ford, U.K;

quantidades de seus (Tuty, O. & L.C.T. uma produção de 20


OECD (2008). Compendi-
produtos e insumos. Yamaguch. 1998). carros, no entanto a sua
um of Productivity Indica-
produtividade permanecerá
tors 2008. OECD;
De acordo com a FAO II. Alguns Exemplos em 10 carros/8 horas.
(2017), a produtividade é a) Agricultura No entanto, se passar a
Saari, S. (2011). Producti-
uma fonte chave de Um produtor de milho que produzir 14 carros em 8
on and Productivity as
crescimento econômico e produza 2 toneladas em 1 horas em resultado da
Sources of Well-being.
competitividade e, como hectare poderá aumentar a implementação de uma
MIDO OY. p. 25.
tal, é informação sua produção para 4 nova tecnologia passará a
Kotler, P., Armstrong, G.,
estatística básica para toneladas se, por exemplo, ter uma produtividade de
Brown, L., and Adam, S.
muitas comparações aumentar a área de cultivo 14/8 horas.
(2006) Marketing, 7th Ed.
internacionais e avaliações para 2 hectares. No
Pearson Education Aus-
de desempenho de um país. entanto, a produtividade IV. Conclusão
tralia/Prentice Hall.
A produtividade pode ser será a mesma. Por outro Resumidamente, produção
Carr, Jasmin. 2016. Agri-
parcial, quando se lado, se a produção passar e produtividade são
cultural Productivity and
considera apenas um dos para 4 toneladas em 1 conceitos relacionados que
Productivity Regions in
insumos usados; e total, hectare como resultado da definem actividades e
Rohilkhand Region;
quando se consideram mais implementação de processos diferentes.
de um factor. Factores tecnologias modernas (por
Tuty, O. & L.C.T. Yama-
básicos, como capital, exemplo, o uso de semente Assim, a produção é um
guch. 1998. Eficiência e
terra, tecnologia e melhorada) terá um processo de conversão
produtividade: conceitos e
trabalho, são componentes aumento de produtividade. enquanto a produtividade
medição. Agricultura em
de um sistema de produção diz respeito à eficiência
São Paulo, Vol. 45(2): pp.
que, sendo aplicados de b) Indústria Automóvel com que os factores de
39-51;
forma eficaz, determinarão Uma fábrica de montagem produção são usados para
um maior volume de de automóveis que monta obter um determinado
PEDSA: Plano Estratégico
produção. A produtividade 10 carros em 8 horas com produto e/ou resultado,
para o Desenvolvimento do
varia em função de 5 trabalhadores, tem uma com o mínimo de
Sector Agrário (2011-
diferenças na tecnologia, produção diária de 10 desperdício e mantendo a
2020), Ministério da Agri-
na eficiência dos processos carros. Se, entretanto, o qualidade. A eficiência na
cultura e Segurança Ali-
de produção e no ambiente período de trabalho for de produção é determinada
mentar.
em que ocorre a produção 16 horas passará a ter pela produtividade.

10 Engenharia—Julho/Agosto-2020
Membros colectivos
Ordem dos Engenheiros de Moçambique

mais sobre congresso


https://paginas.fe.up.pt/~clme/2020/

Engenharia—Julho/Agosto-2020 11
Seja nosso colaborador

O “ENGENHARIA” é uma publicação institucional da Ordem dos Engenheiros de


Moçambique (OrdEM) que procura debater a engenharia bem como o seu impacto
na vida da sociedade moçambicana, em particular, e do mundo, em geral.
Disseminar os conhecimentos e práticas que contribuam para o fortalecimento da
classe de engenheiros. Colabore com esse boletim enviando seus artigos para a
publicação.

ANUNCIE
sua marca e serviços

12 Engenharia—Julho/Agosto-2020

Você também pode gostar