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Introdução
Corte Real (2006), Prass (1989) e Tramonte (1996, 2001) dão sustentação para
discussão das questões anteriormente apresentadas a partir do contexto material da
investigação sobre práticas culturais envolvendo escolares e seus contextos. No entanto,
outras bases teóricas servem como esteio para uma melhor compreensão dos aspectos
epistemológicos da investigação científica no campo das práticas culturais. Entre os autores
que queremos ressaltar aqui, podemos citar: Triviños (2006), Bourdieu (1997), Grabauska e
De Bastos (1998), e Corte Real, Leite e Pereira (2015).
Triviños (2006) explica que, no que se refere ao método de pesquisa, Marx apresenta
em suas obras as categorias do materialismo histórico e as categorias da economia política,
principalmente em sua obra ‘O Capital’, onde destaca categorias como: mais valia, força de
trabalho, classes sociais, luta de classes, e ideologia. Além dessas características
metodológicas mais essenciais, Triviños (2006, p. 1) enfatiza que “O Capital é uma síntese
PEREIRA, Eliton P. R. Cultura e arte numa perspectiva crítica e formativa: valorização das práticas
culturais da escola. Revista Rascunhos Culturais. v. 10, n. 21, p. . 2020. (INSS: 2177-3424)
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genial, de extraordinária importância da ideia marxista de descrever, interpretar, explicar e
compreender a realidade social”. Ou seja, o método de investigação está concretizado nesta
obra, de forma a apresentar a perspectiva marxista de compreender a realidade social. Para
Triviños (2006) Marx foi o primeiro a definir com precisão o campo social como território
preferencial da investigação qualitativa, ou seja, foi o fundador da pesquisa qualitativa. Para
Triviños (2006, p. 2) Marx foi “o primeiro em criticar a ideia do emprego do mesmo método
para o estudo dos fenômenos materiais naturais e sociais”. Entre outros elementos postulados
por Marx, destacados por Triviños (2006), estão: abstração, como capacidade primordial do
método, ou seja, a capacidade de análise; a realidade material (no caso de Marx, o destaque
vai para a Mercadoria); totalidade; entre outros. Além de Marx procurar descobrir as leis dos
fenômenos materiais sociais, ou leis do materialismo dialético, no Posfácio de 1873 (O
Capital), Marx diferencia duas grandes etapas do seu Método: o método de pesquisa e o
método de exposição. A citação de Marx em Triviños (2006) é significativa:
Deste modo, Marx desenvolve a estrutura do materialismo dialético, que busca, entre
outros objetivos, a totalidade dos fenômenos pesquisados, o acesso às realidades concretas, e
o modo de organização das classes sociais. Triviños (2006) explica que, no contexto da
pesquisa e seu método, Marx postula como pontos principais a escolha do fenômeno material
que será pesquisado, o concreto sensível; a abstração ou análise, o fenômeno social e suas
partes: o processo de avaliação, relação e comparação das partes. Já relativo ao método de
exposição, ou seja, no concreto lógico, Triviños (2006) destaca dois momentos distintos: a
organização e reorganização de todos os materiais reunidos (observações, entrevistas,
documentos, a literatura em geral – agrupados em categorias e/ou em unidades de análise), e a
exposição dos materiais organizados e reorganizados (relatório: forma escrita do concreto
lógico). Este último deve ser revisado, complementado e constituirá “o fenômeno material
que se desejou estudar” (TRIVIÑOS, 2006, p. 13), concretizando-se em um ponto final do
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estudo, mas que também gera novas perspectivas de desenvolvimento, principalmente tendo
em conta propostas de mudança e de transformação social.
Tendo por base essas premissas desenvolvidas por Marx que compõem o contexto da
pesquisa social, expostas em Triviños (2006), podemos lançar mão de outros fundamentos
para as pesquisas em ciências sociais, os quais são pontuados por Bourdieu (1997, p. 693) que
busca ater-se basicamente a relação entre pesquisador e pesquisado, “aos problemas
inseparavelmente práticos e teóricos”, que decorrem “do caso particular de interação entre o
pesquisador e aquele ou aquela que ele interroga.”
Bourdieu (1997), de modo geral, aponta alguns indicativos sobre procedimentos
práticos do pesquisador em relação aos processos interpessoais vivenciados durante a
pesquisa neste contexto. Esses indicativos estão ligados a uma conduta ética do investigador
do campo das ciências sociais, procurando assim refletir sobre seu posicionamento, conduta e
sobre a possibilidade de minimizar possíveis contradições e efeitos de violência simbólica 2.
Bourdieu (1997), além desses indicativos, coloca várias questões gerais sobre a necessidade
de aceitação e confiança nas relações entre investigador e investigados(as), ainda ressaltando,
nesse processo, a necessidade de proximidade com a cultura dos entrevistados, o teste piloto
prévio ou mesmo a prévia avaliação por especialistas das questões ou procedimentos. Assim,
as entrevistas são os exemplos mais comuns de outras relações travadas no contexto da
pesquisa em ciências sociais, ou seja, esses indicativos servem a qualquer tipo de relação de
comunicação no contexto de investigações sociais. Comunicação que exige consciência
social, política, epistemológica, respeito à diversidade e à diferença.
Bourdieu (1997), ao apontar uma variedade de indicativos para a condução de situação
de comunicação em pesquisa, possibilita a reflexão sobre questões metodológicas da
investigação em ciências sociais, ampliando o leque de compreensão sobre a complexidade
deste tipo de investigação. Marx (Apud TRIVIÑOS, 2006) já havia levantado várias questões
fundamentais deste contexto científico, como a necessidade de diferenciação entre pesquisa
2
Entre os principais indicativos do autor, podemos listar: a entrevista necessita ocorrer somente no caso
de o objeto investigado solicitar; é necessário haver clareza e transparência na comunicação e na condução da
entrevista, considerando espaço apropriado; o pesquisado(a) não pode se sentir ameaçado(a) pelas perguntas ou
temáticas, ou pela postura do pesquisador; os procedimentos da linguagem não verbal e a condução das
entrevistas não podem induzir a respostas maquiadas, ou seja, o entrevistador(a) não pode influenciar o
entrevistado(a); o entrevistador(a) precisa tomar o cuidado para não se projetar no outro. É necessário buscar
compreender as diferentes lógicas mentais de cada participante; é salutar evitar qualquer situação de mal-estar,
situações de constrangimento e possíveis dificuldades técnicas durante a entrevista. (BOURDIEU, 1997).
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em ciências naturais e sociais e o lugar da pesquisa qualitativa a partir do foco nas categorias
de análise por ele trabalhadas. Assim, esses indicativos de Bourdieu (1997) são
essencialmente complementares ao trabalho de Marx (apud TRIVIÑOS, 2006),
principalmente por considerar contextos mais peculiares de investigação.
Em um contexto mais específico, como na pesquisa-ação, tendo por exemplo os
trabalhos de Grabauska e De Bastos (1998), e Corte Real, Leite e Pereira (2015), também há a
necessidade de se refletir sobre questões metodológicas pontuais, tão comuns e presentes no
contexto das investigações em ciências sociais. Nesse contexto, os autores procuram apontar
uma série de questões ligadas à coerência teórica, epistemológica, científica e política deste
tipo de investigação, principalmente por estarem vinculadas à pesquisa em educação. Além
dessas questões serem complementares aos fundamentos Marxistas de investigação, e aos
indicativos éticos elencados por Bourdieu (1997), são questões possíveis de serem refletidas
para outros contextos de metodologias afins. Ou seja, a coerência teórico-epistemológica,
discutida pelos autores, cabe em diversos contextos metodológicos do campo das ciências
sociais, apresentando uma amplitude universal destas contribuições em situações mais
particulares.
Grabauska e De Bastos (1998), vão defender o caráter emancipatório da pesquisa-ação,
principalmente a partir das influências de Paulo Freire e da Teoria Crítica Frankfurtiana. Para
os autores essa vinculação epistemológica fez a metodologia avançar para além das propostas
iniciais de Lewin (1970) e das abordagens técnicas de Thiollent (2011), tão difundidas no
Brasil. Corte Real, Leite e Pereira (2015) 3, ao discutirem a investigação-ação no contexto da
pesquisa sobre as performances culturais, também vão defender o papel e compromisso da
pesquisa-ação necessariamente vinculada à ampliação da leitura de mundo, compreendendo
igualmente o caráter emancipatório da metodologia e a clara influência de Freire (1996, 1999)
e Bourdieu (1997) nesse contexto metodológico.
3
Os autores ressaltam a concepção crítica ligada à metodologia da pesquisa-ação. É necessário
considerar: a coerência teórico-epistemológica e científica da pesquisa-ação; a espiral auto reflexiva; aspectos de
um acordo ético entre os participantes; as bases teóricas educacionais e sociais críticas; compreender os
processos educacionais, os sentidos atribuídos pelos agentes às suas práticas e a reflexão sobre relações de saber
e poder; atuar de modo a levar os agentes a pensar e dizer por si mesmos.
PEREIRA, Eliton P. R. Cultura e arte numa perspectiva crítica e formativa: valorização das práticas
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Os autores ainda vão ressaltar aspectos fundamentais da pesquisa4, aspectos do método
expositivo5, e a relação entre coleta, análise e exposição dos dados sobre práticas culturais6.
Considerações finais
Consideramos que Cuche (1999), Vieira Pinto (1979), Marx e Engels (1974), Bourdieu
e Darbel (2003) e Konder (2005) possibilitam compreender os fundamentos teóricos para se
discutir cultura e arte numa perspectiva crítica e emancipatória. Nesse sentido, ao ter contato
com as investigações científicas desenvolvidas por Prass (1989), Corte Real (2006) e
Tramonte (1996, 2001), foi possível conhecer como estas investigações sobre práticas
culturais desenvolvem análises sobre as linguagens artísticas presentes nas culturas e como
indicam seus potenciais formativos, indicando relações entre as práticas de dentro e de fora do
contexto específico dos processos de ensino-aprendizagem.
Com base nesses fundamentos e exemplos de investigações, ainda tomamos por base
as indicações metodológicas de Triviños (2006), Bourdieu (1997), Grabauska e De Bastos
(1998), e Corte Real, Leite e Pereira (2015), as quais trazem orientações para o
desenvolvimento de pesquisas sobre as práticas culturais em contextos formais e não formais
de educação.
Assim, concluímos que este aparato teórico-metodológico possibilita o
desenvolvimento de múltiplas investigações tendo em conta uma leitura ampla da cultura
4
Consideração para os fundamentos epistemológicos das ‘ciências sociais’ na pesquisa, de modo a
desenvolver cada vez mais uma consciência e compromisso ético, para além da simples feitura técnica de coleta
de dados. Considerar no contexto da investigação científica, o seguinte tripé: dimensão epistemológica, método
expositivo e a dimensão política. Buscar romper com a neutralidade política e desengajada. Nesse sentido, o
registro histórico, a compreensão dos processos educacionais, o diálogo das tramas culturais e todo o contexto da
pesquisa estarão voltados para uma resistência a posições de dominação ou violência simbólica.
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Considerar o conhecimento da estrutura da linguagem artística pesquisada. Na investigação sobre
processos educacionais, considerar: a) os temas das práticas educativas, modo de vida, situações limites e
propostas viáveis; b) a espiral auto reflexiva; c) a rede de acordo ético entre os participante; d) buscar interpretar
a realidade a partir de suas próprias práticas, valores e concepções; e) compromisso com a transformação das
realidades e de suas próprias práticas.
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Considerar a diferença entre o método de pesquisa e o método de exposição. Compreender que a
estrutura técnica de coleta e análise dos dados está vinculada a uma perspectiva epistemológica, ou seja, a
escolha dos procedimentos carece de ser coerente com o método de investigação (e este último coerente com a
problemática investigada). Considerar os aspectos éticos na relação entre pesquisador e pesquisado procurando
superar relações de opressão de toda ordem.
PEREIRA, Eliton P. R. Cultura e arte numa perspectiva crítica e formativa: valorização das práticas
culturais da escola. Revista Rascunhos Culturais. v. 10, n. 21, p. . 2020. (INSS: 2177-3424)
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formativa e contextos relacionados. Nesse sentido, consideramos viável a proposição de
pesquisas que busquem compreender o papel das práticas culturais internas e externas à
escola, em relação intercultural, considerando o papel das linguagens artísticas e dos
processos educativos nesses contextos. Entre os resultados esperados, ponderamos que
pesquisas de observação e pesquisas participantes podem ser sucedidas por estudos mais
pontuais, com o desenvolvimento de estudos a partir da etnografia e com a pesquisa-ação,
cuja abrangência envolve aspectos descritivos, mas necessariamente interpretativos,
propositivos e transformativos.
Referências
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CORTE REAL, Márcio P.; LEITE, Joana D.; PEREIRA, Antônio de J. Investigação-ação das
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