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TEXTO DE APOIO DO CURSO DE LICENCIATURA EM ENSINO DE

Português
3º Ano
Disciplina: Didáctica da Literatura

Autor: Amândio Paulito Abacar

ISCED

2020
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1. Introdução
A Didáctica da Literatura vem dar uma maior amplitude e capacidade aos discentes, futuros professores
de Português do Ensino Secundário.
Efectivamente, tendo-se iniciado com a Didáctica do Português, os alunos (futuros professores)
ficarão com a Didáctica da Literatura mais bem apetrechados com conhecimentos teóricos e
práticos de uma disciplina que lhes possibilitará conhecer e aplicar metodologias para o ensino-
aprendizagem do texto literário, aquele que preenche grande parte dos manuais de língua
portuguesa do já referido Ensino Secundário e Pré-Universitário.
Na verdade, a Didáctica da Literatura, sendo embora uma disciplina que goza de autonomia
científica, e, actualmente, ferramenta pedagógica indispensável para os professores de língua
portuguesa, faz convergir pontos de contacto importantes para a consolidação da teoria e da prática
dos conhecimentos sobre Teoria da Literatura, Didáctica da Língua, Linguística, sobre História da
Literatura, Antropologia Cultural, enfim, sobre grande parte das disciplinas que preenchem o
curriculum do Curso de Português do ISCED.
Incidindo, evidentemente, sobre a Leitura do Texto Literário nas suas várias componentes
científicas e metodológicas, a Didáctica da Literatura, baseando-se no conhecimento profundo do
fenómeno literário, particularmente no que à criação diz respeito, estimulará a leitura enquanto
análise, crítica e interpretação, cultivando no aluno aquilo a que podemos chamar de estratégias de
desafio, ou seja, o conhecimento e o gosto não apenas pelo texto literário e criação literária, mas
também pela obra integral, sobretudo, estimulando e incitando o aluno à descoberta, para além do
sentido sintagmático e paradigmático do texto, do sentido oculto do texto literário, da sua parte
polissémica, cultural e ética.
Caminhar-se-á, assim, para a pertinência cultural da literatura, para um diálogo vivo com o texto literário
nas suas múltiplas dimensões que vão do modo ao género e nestes do tema ao estilo, da palavra feita
arte a toda a "gramática literária", instrumentos indispensáveis ao professor e, neste caso, ao aluno
para a descodificação do texto.
2. Objectivos
• Reflectir sobre a função da literatura na escola: na formação geral da pessoa, por um lado, e na
aprendizagem da língua, por outro.
• Desenvolver o espírito crítico e didácto, científico no ensino do texto literário.
• Seleccionar e adequar os conhecimentos literários e a prática do seu ensino a
necessidades, ritmos e etapas na aprendizagem dos discentes.
• Tomar consciência do seu papel de leitor, intérprete, “editor” e mediador de obras
literárias.
• Conhecer e desenvolver métodos e estratégias de ensino que sejam eficazes, diversificadas
e ajustadas à educação literária.
• Saber quais os principais meios pedagógico-didácticos e recursos textuais disponíveis, a
fim de exercer sobre eles uma atitude crítica e tentar criar alternativas personalizadas.
• Consolidar a capacidade analítico-interpretativa do texto literário.
• Aperfeiçoar o domínio da comunicação oral e escrita.
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TEMA I

DIDÁCTICA DA LITERATURA COMO CIÊNCIA

A Problematica introdutória da Didáctica da Literatura no âmbito dos Estudos Literários

- Conceito / concepções , objecto e objectivos

Disciplina que se ocupa do ensino do modo de ser da literatura. Introduzida nos currículos
universitários portugueses apenas na década de 1980, na formação inicial de professores de
Português, esta disciplina concentra-se em problemas aprioristicamente pragmáticos da literatura,
que envolvem tanto a definição daquilo que se ensina como de quem ensina e, sobretudo, como é
que se ensina. É esta última questão, talvez, o principal fim da didáctica.

Num texto muito conhecido e admirado ainda hoje, "Como Ensinar Literatura", incluído na
primeira edição de Ao Contrário de Penélope, Jacinto do Prado Coelho separa rigorosamente a
literatura da pedagogia, acrescentando então: "A literatura não se fez para ensinar: é a reflexão
sobre a literatura que nos ensina." (Bertrand, Lisboa, 1976, p.46). Outra formulação idêntica na
aparência já havia sido defendida por Jorge de Sena: "a literatura não pode ser ensinada. Ensinar
seja o que for é apresentar um instrumental adequado e explicar a maneira de uma pessoa tirar
proveito dele. Daí resulta que se ensina a escrever estudos sobre literatura, e estudos sobre os
estudos de literatura, indefinidamente; ou ainda se ensina a ensinar literatura" (O Reino da
Estupidez, vol. I, 3ª. ed., Edições 70, Lisboa, 1984, pp.96-97).

Estas crenças exigem alguma discussão, porque se é claro que a literatura seja distinta da pedagogia
não deixa de ser menos verdade que podemos falar de ensino ou didáctica da literatura sem que
com isso se menospreze ou adultere o valor individual de cada uma. Se a formulação de Jorge de
Sena se refere a um determinado contexto (a criação de um obra literária), a didáctica da literatura
só é rasurável (a didáctica da literatura) se pensarmos no ensino do ser da literatura (muito diferente
da definição que propusémos na abertura: a didáctica como o ensino do modo de ser da literatura).
Por outro lado, é evidente que existe uma aprendizagem de quem trabalha com esta arte, em face
do que se entende por literatura. O que convém esclarecer é aquilo que se ensina de facto quando
pretendemos ensinar literatura.

A definição geral apresentada por Margarida Vieira Mendes pode servir de referência quando
queremos acertar o passo da didáctica específica da literatura: "A Didáctica é, dentro das
disciplinas que constituem os Estudos Literários, aquela que trata da arte de ensinar a Literatura.
Tem como objectivo uma techné, um saber fazer, mas não dispensa a especulação, não se limita a
um receituário de técnicas eficientes de aprendizagem, como se afirma com ligeireza num manual
clássico (Introdução à Didáctica Geral, de Imídeo G. Nérici)." ("Didáctica da Literatura: um espaço
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devido na Faculdade de Letras", in Ensino da Literatura, org. por Maria Isabel Rocheta e Margarida
Braga Neves, Cosmos, Lisboa, 1999, p.33).

O que é que se ensina na teoria e prática do ensino da literatura? A rigor, não se ensina literatura
enquanto arte, mas antes os factos objectivos que instituem e disciplinam essa arte. Enquanto
expressão artística, a literatura é uma abstracção conceptual, ao passo que os factos que nos
permitem identificar objectivamente tal expressão e indiciá-la como fenómeno artístico é que
constituem o lado ensinável da literatura. Qualquer definição de literatura é o fim da literatura e
não o seu fim, no sentido de finalidade determinada em função dos dados literários indiciados. O
mais facto mais belo de uma definição de literatura é a sua eterna impossibilidade de poder a vir
ser uma definição. É sempre em função do que sabemos a priori sobre o fenómeno literário que
construímos definições de literatura, quando a literatura em si mesma é anterior a cada nova
definição encontrada. Quando julgamos ter finalmente encontrado os limites ou os contornos
certos do que seja a literariedade dos textos, já estamos atrasados em relação aos textos que vão
ser escritos/criados amanhã.

De nada serve definir o que já está determinado em si mesmo, quando o único objectivo é levar a
ver melhor aquilo que está perante os nossos olhos. A prática corrente nas escolas de introduzir o
fenómeno literário a partir de definições apriorísticas de literatura é uma falácia, pois está-se, no
fundo, a pedir ao iniciado no estudo da literatura que defina aquilo que ainda não viu, que saiba
descrever aquilo que ainda não tocou, não que não tenha em si mesmo, em reminiscência, a
possibilidade desse conhecimento, mas porque quem o ensina não sabe como fazê-lo emergir. É
esta prática que, em grande parte, é responsável pela crença de que se ensina literatura,
simplesmente. Ora, o que se ensina na verdade e por respeito à mesma verdade é o facto literário
e não a abstracção do conjunto de todos os factos que reconhecemos como literários e que
constituem, em última instância, a literatura. Posso ensinar o sentido de um texto, mas estou na
prática a ensinar como é que consegui factualizar um conjunto de significantes/significados
dispostos num texto. Por outro lado, só posso ensinar o sentido de um texto tal como eu, leitor
livre, o concebo. A literatura-arte não está nunca dependente da intervenção de um leitor para que
a sua existência original seja validada; mas todo o ensino dos dados objectivos da literatura
depende exclusivamente do trabalho de um leitor sobre os textos que se dizem literários.
Ensinamos literatura essencialmente porque investimos o nosso olhar naquilo que faz essa
literatura e não naquilo que a define aprioristicamente.

É correcto introduzir o estudo da literatura a partir de uma definição de literatura? Os programas


e manuais de Português para os Ensinos Básico (3ºciclo) e Secundário (em vigor em 1995/96)
resolveram o problema erradicando, pura e simplesmente, tal prática, que contudo, subsiste em
muitos programas universitários de Introdução aos Estudos Literários e Teoria da Literatura.
Ambos partem de um equívoco: os primeiros porque existe uma forma legítima de investigar o
conceito de literatura; os segundos, porque estão convencidos à partida do que seja tal conceito.
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Todo aquele que inicia o ensino da literatura por uma definição do conceito de literatura está
convencido que sabe o que está a definir. Raramente este pedagogo se predisporá à investigação,
no sentido da skepsis platónica. Na verdade, ele inicia a investigação do que não se sabe pela
conclusão do que já julga ser o saber. Em termos de ironia socrática, diríamos que tal indivíduo
nunca virá a saber o que é verdadeiramente a literatura. Só Sócrates sabe que não sabe, por isso só
ele poderá interrogar o fenómeno literário sem perturbar a sua essência; quero dizer, só pela
discussão de sucessivas hipóteses, só pela procrastinação assumida da resposta à pergunta "O que
é a literatura?" se pode chegar perto do que ela traduza de facto. O que ensinamos, na verdade, é a
symphonia das opiniões ou das hipóteses formuladas em face do fenómeno reconhecido como
literário. Mas isto não faz com que nos possamos apresentar a uma assembleia como depositários
de qualquer explicação definitiva. O iniciado nos estudos literários tem que ser conduzido como o
iniciado no estudos filosóficos: enunciando e aprofundando as hipóteses, multiplicando-as,
confrontando-as, mas não deixando que o conceito se resolva, não deixando que a skepsis se
esgote.

Deste modo, aproximar-nos-emos de uma verdade aceitável e, se conseguirmos que esta verdade
seja confirmada empiricamente, estaremos a ensinar literatura sem perturbar a sua existência in
petto . É uma metodologia adequada o recurso à tese do desmos (ou encadeamento) de opiniões
verdadeiras e ao ajustamento respectivo nos textos. O professor de literatura que apenas recorre a
juízos apodícticos (ou que assume para si próprio que aquilo que enunciou é irrefutável), em vez
de os fazer circular dialecticamente, integrando-os na malha das hipóteses, regra geral, consideram
o seu saber e o seu ensino como infalíveis. Na prática, a sua estratégia pedagógica não é muito
diferente da erística que valeu aos sofistas o descrédito secular.

O saber sobre a literatura, ou sobre qualquer outra arte, só se alcança pelo diálogo de hipóteses. Se
"filosofia" quer dizer "amor (mas não posse) de saber", então "crítica literária" há-de querer
igualmente dizer a arte de discutir um texto (mas não posse do saber sobre esse texto, do qual se
exclui inclusive o seu próprio autor). O professor que segue o caminho dos juízos apodícticos, ou
sobre conceitos ou sobre textos, e faz desses juízos o cerne do seu ensino há-de repetir para si o
que Sócrates diz do escravo com quem dialoga no Ménon: "Vês, Ménon, como eu nada lhe
ensino...", com a diferença de que o escravo aprende de facto alguma coisa, por exemplo, as
propriedades do quadrado, e o iniciado nos estudos literários não aprende mesmo nada, porque o
quadrado lhe é desenhado à frente dos olhos por mão alheia.

Por outro lado, a didáctica da literatura que é comandada pela pergunta "O que é?" e que exige que
cada resposta seja objecto de uma refutação (elenchos) é perfeitamente aceitável. Mais, a teoria
platónica da reminiscência serve na perfeição a qualquer tentativa de estabelecimento de um
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decreto sobre a essência do fenómeno literário: se as perguntas de Sócrates não ensinam de facto
rigorosamente nada mas apenas trazem à consciência do indivíduo um conhecimento adormecido,
portanto que ele já detinha, também o ensino dialéctico do fenómeno literário nada transmite, uma
vez que, inconscientemente, já sabemos aquilo que edifica esse fenómeno. O iniciado nos estudos
literários encontra-se, decididamente, no mesmo estádio de aprendizagem daquele em que se
encontra o escravo de Ménon, que nada sabendo aprioristicamente de geometria, à custa de um
diálogo orientado por um filósofo despretencioso, acaba por conseguir dar respostas correctas,
sábias, às perguntas "sem nexo" do mestre. Não se actua como o sofista que apenas discute pelo
(f)acto de discutir sem o prazer de chegar perto da verdade. O professor de discurso assertório é
aquele que toma a literatura como facto consumado e diz pseudo-socraticamente: "Não vou
investigar nem aquilo que sei nem aquilo que não sei, porque é inútil investigar sobre aquilo que
já sei (definir "literatura") e é impossível fazê-lo se não souber que coisa ("literatura") investigar."
O pseudo-socratismo deste professor reside não no enunciado do paradoxo de Ménon mas naquilo
que ele não consegue ver para além dele. Retomando as palavras de Sócrates, "é preciso não nos
deixarmos persuadir por esse raciocínio erístico. Ele tornar-nos-ia preguiçosos e só seria agradável
de ouvir a homens sem espinha dorsal. Este (o meu raciocínio) torna as pessoas trabalhadoras e
agarradas ao estudo." (Ménon, 81d). O raciocínio de Sócrates é o dos juízos problemáticos, aqueles
cuja afirmação ou refutação é considerada como possível.

Como ensinar os factos que indiciam a literatura? A definição do estatuto existencial uma ciência
não pode nunca partir do pressuposto de anular à partida qualquer relação com outras ciências. A
literatura pode ganhar a sua individualidade independentemente das formas de relação que adoptar
com outras ciências ou práticas de conhecimento. A literatura é fundamentalmente uma prática
epistemológica da estética, isto é, um exercício de re-criação do mundo através da linguagem que
nos esforçamos por realizar em determinadas condições e produzir determinados efeitos e cujo
resultado final terá de ser sempre a produção de um novo significado, que escreveremos
Significado, para dizer que se trata de um universo de sentidos. Sendo a literatura marcada pela
presença necessária da linguagem, sendo na poética clássica desde Aristóteles, uma forma de
representação pela linguagem, oposta, por exemplo à representação pela imagem que identifica a
pintura, tal facto não esgota todas as possibilidades: se é representação pela linguagem também
deve ser entendido como trabalho de representação (do autor) e representação de uma
representação (o texto que representa uma linguagem particular). Um investigador formalista
ocupar-se-á apenas com os registos finais da representação, isto é, com o texto em si sem olhar
para dentro; um investigador socrático pré-ocupar-se-á com o trabalho textual executado por um
autor (não confundir com a pesquisa falaciosa da intenção autoral), com os efeitos que o texto
executado produz no entendimento, com as condições que fizeram com que o texto seja
representativo de uma determinada linguagem e inclusive averiguará se o texto não representa
coisa nenhuma. A poesia é uma representação pela linguagem. - Esta definição clássica não
significa apenas que a literatura seja, à maneira como a estética romântica veio a defini-la, uma
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arte da linguagem, mas também quer dizer que se trata de uma arte da representação. O
investigador formalista ocupa-se apenas do primeira "arte"; o investigador socrático recreia-se
entre ambas, tentando compreender porque é que a literatura é representação e porque é que é
linguagem, que são dois caminhos complexos e distintos, até chegar à síntese do enunciado
aristotélico.

A partir daqui, toda a reflexão sobre os produtos a que se convencionou chamar textos literários
origina uma outra ciência, a crítica literária, que é, por definição sumária, o estudo crítico dos
princípios, hipóteses e resultados da prática epistemológica da estética a que chamamos literatura,
visando determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objectivo dos textos ditos
literários. Ora, dizer que a "literatura não se fez para ensinar", retomando as palavras de Jacinto
do Prado Coelho, pode sugerir, em primeiro lugar, que a literatura está em conflito com a
pedagogia; em segundo, que a génese do fenómeno literário tem uma determinada relação com a
pedagogia e que essa relação se funda numa negatividade ou exclusão recíproca; e em terceiro,
que a literatura, não podendo ser ensinada, isto é, existindo virada somente para si mesmo, nunca
poderá ser objecto de estudo. Qualquer das leituras é incorrecta: a literatura não está em conflito
com a pedagogia ou nenhuma outra ciência, a não ser que esse conflito sirva para fazer literatura;
a génese do fenómeno literário não se faz naturalmente com o objectivo de se relacionar com a
pedagogia, da mesma forma que a pedagogia se constitui em ciência independentemente do facto
de vir a utilizar a literatura como objecto de realização; a literatura não se fez para ser ensinada,
mas de certeza que se pode ensinar sem com isso excluirmos a sua originalidade nem nos servirmos
deste facto de relação para a separarmos da pedagogia. "É a reflexão sobre a literatura que nos
ensina", diz Jacinto do Prado Coelho. Esta proposição é mais clara, mas não deve insinuar que tal
reflexão exige a negação da pedagogia, pela simples razão que a pedagogia, uma vez aplicada à
literatura, é isso mesmo: reflexão sobre literatura.

Em "Psychoanalysis and Education: Teaching Terminable and Interminable", Shoshana Felman


recuperou a lição pedagógica de Jacques Lacan, a partir do Séminaire II, onde se parte da seguinte
ideia, traduzida aqui livremente: Não se pode ensinar Freud, mas unicamente a(s) condição(ões)
que nos permite(m) estudar Freud. Lacan também nos adverte de que aquilo a que chama
conhecimento textual é o objecto de estudo do professor de literatura e que tal ciência é afinal de
contas conhecimento do funcionamento da linguagem. O ensino da literatura pode fazer-se por
esta via analítica. A literatura é tão indefinível como o conhecimento, pelo que qualquer forma de
ensino da literatura tem que passar por uma condição de indeterminação. Ensinar passa a ser
equivalente à criação de condições de acesso ao conhecimento mais do que à falsa convicção de
que é possível deter conhecimento e transmiti-lo, porque quem segue esta via está normalmente
convencido de que não tem nada para aprender e que sabe o suficiente para cumprir
profissionalmente a sua missão. Da mesma forma que não se pode ensinar Freud também não se
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pode ensinar o conhecimento nem, por conseguinte, a literatura. Mas da mesma forma que se
podem ensinar as condições que permitem estudar Freud, também se podem ensinar as condições
que permitem estudar a literatura. Se em filosofia, normalmente se aceita que o conhecimento
é a representação de alguma coisa, o ensino da literatura terá de ser sempre a representação
de alguma coisa ao espírito. Em que consiste essa coisa representada? Quer a didáctica da
literatura quer a própria literatura constituem exercícios naturais das funções vitais da vida
cognitiva, fazendo uso de todas elas: a percepção externa do mundo sensível e dos seus fenómenos
corresponde à criação textual do autor; a consciência corresponde ao conhecimento do eu textual
(todos aqueles que podem representar esta identidade: autor, narrador, personagens) e dos seus
actos; a razão corresponde ao trabalho de leitura textual, facilmente identificado no trabalho crítico
do estudo das relações necessárias entre os sentidos de um texto, das identidades, causalidades,
finalidades, leis e princípios de significação. A percepção externa e a consciência são funções
experimentais que competem aos criadores artísticos; procedem por observação do mundo,
exercendo sobre ele a imaginação e a memória criativa e dão-nos dados para o conhecimento em
forma de conhecimento.

Bibliografia

AAVV: Actas do Congresso sobre a Investigação e Ensino do Português (ICALP, Lisboa, 1989);
AAVV: Formar Professores de Português, Hoje (1996);

AAVV: Didáctica da Língua e da Literatura - Actas do V Congresso Internacional de Didáctica da


Língua e da Literatura, vol.1, Coimbra, 6-8 de Outubro de 1998 (2000);

Carlos Ceia: A Literatura Ensina-se? — Estudos de Teoria Literária (1999);

Carlos Reis e J. V. Adragão: Didáctica do Português (1990);

Cristina Mello: O Ensino da Literatura e a Problemática dos Géneros Literários (1998);

Danièle Sallenave: À quoi sert la littérature? (1997);

E. D. Hirsch: Cultural Literacy: What Every American Needs to Know (1987);

Eduardo Prado Coelho: A Letra Litoral. Ensaios sobre a Literatura e seu Ensino (1979);

Gerald Graff: Professing Literature - An Institutional History (1987);

Harold Bloom: O Cânone Ocidental (Lisboa, 1997); J. Miller: Eccentric Propositions: Essays on
Literature and the Curriculum (1984);

Jorge de Sena: O Reino da Estupidez, vol. I (1984);


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L. Bredella: Introdução à Didáctica da Literatura (1989); Jacinto do Prado Coelho: Ao Contrário


de Penélope (1976);

James Engell e David Perkins (eds.): Teaching Literature - What Is Needed Now (1988);

Jonathan Culler: “Literary Theory in the Graduate Program”, in The Pursuit of Signs (1981);
Maria Isabel Rocheta e Margarida Braga Neves (orgs.): Ensino da Literatura: Reflexões e
Propostas a Contracorrente (1999);

New Literary History, vol.XIV, nº2: «Literary Theory in the University - A Survey» (1983);

S. Doubrovsky e T. Todorov (eds.): L' Enseignement de la littérature (1971);

Stanley Fish: "Professional Anti-professionalism", Times Literary Supplement (10-12-1982);


Vítor Aguiar e Silva: “Teses sobre o ensino do texto literário na aula de Português”, “As relações
entre a teoria da literatura e a didáctica da literatura: Filtros, máscaras e torniquetes”, Diacrítica,
13-14 (1998-99).
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IMPORTÂNCIA DA DIDÁCTICA DA LITERATURA

Castilho Tavares Munjanga Marcolino | Mestrando em ensino da Língua Portuguesa pelo ISCED-
Huíla, Licenciado em Linguística Portuguesa pelo ISCED-Huíla, Professor de Língua Portuguesa
e Literatura

INTRODUÇÃO

Partindo da premissa de que, actualmente, o professor exerce uma grande e fundamental influência
na sociedade, por ser o mediador da leitura literária e por ser um dos responsáveis pela formação
de novos leitores, o estudo acerca da importância da didáctica da Literatura, os seus contributos e
implicações, seja no meio académico ou no contexto escolar, tornam-se os objectivos deste
trabalho. Uma vez que, actualmente, muitos teóricos têm-se voltado – de forma sensata e
preocupada – à “crise”, “declínio”, “perigo”, ou até mesmo “morte” da Literatura, tal fenómeno
merece nossa atenção.

Para tal, procuramos dar relevância não somente no que compete ao ensino da Literatura, mas
também ao ensino da Língua. Pois esta análise leva-nos à crença de que um dos grandes objectivos
de se apostar na Literatura e na forma como ela é trabalhada e contemplada nos meios sociais
(escolas, bibliotecas, universidades…) é pensar em acções que proporcionem à sociedade um
contacto directo com o exercício da cidadania, uma vez que, em nosso entendimento, a Literatura
é um meio de manifestação onde o exercício da liberdade de expressão e imaginação fomenta,
também, do ponto de vista cívico, o exercício das humanidades.

Pensamos que “não basta conhecer uma Literatura, os seus autores fundamentais e os seus
epígonos, as suas obras paradigmáticas e as ‘menores’, a sua evolução literária e os factores
sociológicos que a condicionam, para se saber ensinar Literatura” (REIS,1992: p.115). São
necessárias ferramentas e métodos de trabalho diferenciados que se sobrepõem ao conhecimento
da Literatura.

O presente trabalho está estruturado em quatro partes principais: a primeira aborda sobre os
conceitos e concepções de Literatura, leitura e leitor; a segunda procurou-se apresentar dois focos
sobre a didáctica da Literatura e da língua; a terceira o papel da escola, da Literatura, leitura e
leitor; a quarta aborda sobre a Literatura e o ensino,

Palavras-chave: Literatura – Ensino – Escola.

1. LITERATURA, LEITURA E LEITOR: CONCEITOS E CONCEPÇÕES

É papel do professor buscar realizar na escola um trabalho que desenvolva todas as dimensões do
seu aluno. Seja a dimensão sociológica/antropológica, ideológica/política e filosófica. Pensando
dessa forma, um questionamento se torna bastante pertinente: Qual é a concepção de literatura,
leitura e leitor que norteiam o trabalho do professor? O professor tem clareza das concepções de
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seu trabalho e das dimensões humanas a serem trabalhadas na escola? Só através deste ponto claro
é que o trabalho pode tomar um rumo, partir para uma direcção, direccionar metodologia e prática
para que atinja as determinadas dimensões.

Na intenção de se obter melhor clareza na discussão deste tema, este tópico tenciona dirigir uma
discussão das concepções de literatura, leitura e leitor, pautando-se em autores renomados no
campo desses estudos.

António Cândido dirige seu trabalho para atender várias dimensões humanas, quer seja a
sociológica, a antropológica, quer seja a ideológica. Em Literatura e sociedade (1965), Cândido
analisa entre outros aspectos a literatura do branco civilizado e o primitivo. Sobre os dois tipos de
literatura e mais propriamente sobre o homem, ele afirma: “No homem de hoje perduram lado a
lado o mágico e o lógico, fazendo ver que, ao menos sob este aspecto, as mentalidades de todos os
homens têm a mesma base essencial”.

Para Cândido, a literatura tem a ver com o todo, com o universo simbólico, com o social e muito
com o ideológico. Verificando estes aspectos percebe-se quão profundo é o pensamento de
Cândido quando discorre sobre a literatura. Ele comenta:

A literatura é uma transposição do real para o ilusório por meio de uma estilização formal que
propõe um tipo arbitrário de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se combinam um
elemento de vinculação à realidade natural ou social, e um elemento de manipulação técnica,
indispensável à sua configuração e implicando uma atitude de gratuidade. Gratuidade tanto do
criador, no momento de conceber e executar, quanto do receptor, no momento de sentir e apreciar
(CANDIDO, 1965, p.53).

Nesse sentido, a criação literária corresponde a certas necessidades de representação do mundo, às


vezes como preâmbulo a uma práxis socialmente condicionada. Mas isso só se torna possível
graças a uma redução ao gratuito, ao teoricamente incondicionado, que dá ingresso ao mundo da
ilusão e se transforma dialeticamente em algo empenhado, na medida em que suscita uma visão
de mundo.
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Pensando na dimensão política do homem, Cândido (1995) pergunta: “Quem tem direito à
literatura?” Sua resposta é: “pensar em direitos humanos pelo olhar da arte é pensar em equidade”.
Parece ao pensador que a literatura é uma necessidade de bens como alimento, casa, roupa,
liberdade, lazer e integridade espiritual.

A conclusão de Cândido é que quanto mais igualitária for a sociedade, e quanto mais lazer
proporcionar, maior deverá ser a difusão humanizadora das obras literárias e, portanto, a
possibilidade de contribuírem para o amadurecimento de cada um. Sobre o que é leitura, Cândido
pensa que a leitura pode estar na palavra, no contexto e nas ideias de forma simbólica, por isso ele
fala da função total da literatura.

Quanto a definição de leitura, para Eagleton tem um conceito também relacionado à literatura, que
é muito relacionável ao contexto. Às vezes histórico às vezes ideológico. Segundo o pensador a
leitura ainda pode ser algo que esteja ligada ao prazer ou ligada a busca de informação, ao
pragmático. Ele diz que a leitura não tem conceito definido, ora pode ser isto, ora pode ser aquilo,
dependendo de situações específicas de acordo com critérios específicos e à luz de determinados
objectivos (Eagleton, 1997).

Quando o crítico fala em objectivos determinados, deixa inferir aí também a estreita relação que a
leitura tem com o poder, quer dizer ora é isto, ora é aquilo de acordo com a relação de poder que
posso estabelecer através da leitura.

Por outro lado, é da filosofia que vêm as palavras e os princípios das quais se serve a literatura
para trabalhar a dimensão filosófica do homem. Encontramos essa fundamentação nos trabalhos
de Teresa Colomer. Assim é sua consideração a respeito da literatura.

Sobre o leitor, Colomer afirma que a confrontação entre a diversidade de textos literários oferece
aos alunos a diversidade social e cultural ao mesmo tempo em que se iniciam nas grandes questões
filosóficas abordadas ao longo do tempo.
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• DIDÁCTICA DA LITERATURA E DIDÁCTICA DA LÍNGUA

Entendemos que entre a didáctica da Literatura e a didáctica da Língua existe uma relação de
mutualidade, visto que a determinação da área de actuação e dos limites programáticos da didáctica
da Literatura perpassa também pelas suas relações intrínsecas com a didáctica da Língua.

Mesmo assim, podemos observar que um programa de didáctica da Língua diferencia-se, quanto
aos seus e quanto objectivos aos seus conteúdos, de um programa de didáctica da Literatura. Cabe
à didáctica da Língua pensar sobre questões e problemáticas acerca do ensino da Língua,
especialmente da Língua Portuguesa, considerando assuntos de carácter comunicativo, questões
geolinguísticas, o próprio funcionamento da Língua (a ortografia, a fonética, a morfologia, a
sintaxe, a semântica, etc.) e, também, a sua dimensão cultural, por conduzir à afirmação de valores
de uma nação.

Reconhecemos que a aprendizagem e o ensino da Língua alcançam uma dimensão naturalmente


maior do que a destinada para a didáctica da Literatura. Os citados ensino e aprendizagem da
Língua, além de suas vertentes funcionais e comunicativa, envolvem implicações institucionais e
políticas, sociológicas e psicológicas, que têm alcance ao nível comunitário, interessando, por isso,
a outras associações que estão além do espaço da aula de Português. Por isso se diz:

(…) que o ensino e aprendizagem do Português interferem, em filigrana, no ensino e aprendizagem


de todas as disciplinas, porque a aquisição e maturação de saberes que nelas se processa exige o
domínio aperfeiçoado dos instrumentos linguísticos que são, afinal, instrumentos que definem a
afirmação da nossa relação com o mundo, com a Ciência, com a Cultura e com os outros. Neste
sentido, o professor de História, o professor de Ciências da Natureza ou o professor de Geografia
podem ser também, a seu modo, professores de Português (REIS, 1992, p. 118).

Ao tecer considerações a esse respeito, nos diz que todas as disciplinas são beneficiadas com a
didáctica da Língua e, aqui, inclui também a didáctica da Literatura, mencionando que Língua e
Literatura se integram e se fundem na formação linguística e cultural do aluno.
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2. A ESCOLA, A LITERATURA, A LEITURA E O LEITOR

Entendemos que uma escola que se queira crítica, integradora e contemporânea seja norteada
também por um currículo integrado e acima de tudo humanista. Por isso, falamos nas dimensões
do homem, mas do homem como um todo. E é no espaço escolar que esta acção toma forma e
direcção.

A concepção de literatura de alguns pensadores nos vem de modo duplo, eles se referem à literatura
como um documento de seu tempo de modo lúdico e crítico; mas mostra-se sempre original não
esgotando as possibilidades de criar, pois o imaginário empurra o artista à geração de formas e
expressões inusitadas. Dúbia, a literatura provoca no leitor um efeito também dúplice: acciona sua
fantasia colocando frente a frente dois imaginários e dois tipos de vivência interior, mas suscita
um posicionamento intelectual, uma vez que o mundo representado no texto mesmo afastado no
tempo ou diferenciado enquanto invenção produz uma modalidade de reconhecimento em quem
lê.

Em certo sentido, a leitura revela outro ângulo educativo da literatura: “O texto artístico talvez não
ensine nada nem se pretenda a isso, mas seu consumo induz algumas práticas socializantes, que
estimuladas mostram-se democráticas porque igualitárias” (ZILBERMAN e SILVA, 1990, p.19).

Já a concepção de leitura que serve para conceituar a ideia que endossa este trabalho vem de Aguiar
(1988, p. 16) que assim atesta: “podemos definir a leitura como uma actividade de percepção e
interpretação dos sinais gráficos que se sucedem de forma ordenada guardando entre si relações
de sentido”. Como vemos, a definição de Aguiar é bastante escolar e didáctica. Tanto que mais a
frente a própria se repete: “A leitura não é um comportamento natural do ser humano, como comer
ou dormir; ela é cultural e precisa ser adquirida, normalmente cabe à escola nossa introdução no
mundo das letras”.

3. LITERATURA E ENSINO

Bredella concebe que o estudo da literatura ofereça ao estudante uma oportunidade de alargamento
do horizonte de experiência. Para que este não reaja com aversão medo e resistência àquilo que se
lhe apresenta como novo, desconhecido e estranho, o professor desta disciplina deve tomar alguns
15

cuidados com sua prática. Determinar o âmbito da didáctica da literatura, qual é o seu objecto e
quais as tarefas que lhe cabem são discussões que se desenrolam hoje em dia. Para tanto, poderá
contar com uma plena concordância, uma concepção que entende a didáctica de uma disciplina
como a integração de outras disciplinas específicas como a sociologia, a psicologia e a pedagogia.

O que o Bredella observa é que a didáctica do ensino da literatura deve nortear-se por princípios
de uma didáctica de integração. Na prática este pensamento de Bredella é colocado assim: a
disciplina em causa trata do objecto, a psicologia e a sociologia estudam o aluno e a sociedade e a
pedagogia estabelece e fundamenta os objectivos gerais da educação de forma a organizar os
processos de aprendizagem. Desta forma, todas as decisões no âmbito da didáctica de uma
disciplina deverão atender sempre ao discente, ao objecto a transmitir e ao objectivo que se
pretende alcançar.

Aqui, torna-se mais uma vez visível que a didáctica da literatura não se pode contentar com um
conhecimento reduzido do objecto e que, em primeira instância, se deverá ocupar do aluno. Uma
outra discussão apresentada por Bredella é sobre o ensino tradicional da literatura e o ensino
voltado para a emancipação. A crítica sobre o ensino tradicional está no fato de ele não reflectir o
seu significado sociopolítico e de se orientar pela ciência da literatura e pelos critérios desta,
válidos apenas para uma literatura de carácter muito restrito e elitista, ao mesmo tempo de pouco
efeito e pouco motivador sobre as crianças das camadas mais baixas. Esse fato também é
comprovado por nossa pesquisa. As crianças das escolas periféricas foram as que atingiram o
menor nível de leitura compreensiva por ser o ensino em grande parte livresco e tratado de modo
tradicional.

Por outro lado, uma educação literária que se preocupe com uma análise da sociedade
contemporânea e das tendências que lhe são imanentes, para depois, com base nesses dados definir
a tarefa que cabe ao sistema educativo em geral, e à educação literária em particular, que se
preocupe em abolir preconceitos e privilégios e em concretizar a justiça e a igualdade de
oportunidade seria por demais desejada, e possível de deduzir como deverá ser o ensino de
literatura.
16

E sobre a formação do professor? Obter o conhecimento científico do objecto e da prática


pedagógica norteadora de seu trabalho é imprescindível. Como afirma Bredella (1989) “A
didáctica da literatura como teoria da educação e da formação literária tem como missão tornar
conscientes todas as concepções, princípios e normas, de que qualquer práxis sempre exigiu
socorrer-se”. Ou seja, todo professor além de ter conhecimento sobre as consequências promovidas
por um ensino tradicional ou emancipatório deve também conhecer várias concepções de seu
objecto de trabalho. De acordo com sua concepção tomada será sua prática. Esta contribuição vem
de Aguiar e Bordini (1988) “Se o professor está comprometido com uma proposta transformadora
de educação, ele encontra no material literário o recurso mais favorável à consecução de seus
objectivos”.

Ressaltamos, aqui, a importância da formação académica do docente no que tange à didáctica da


Literatura, uma vez que esta abarca a passagem dos conteúdos de referência para o campo do
ensino e aprendizagem. Esta passagem envolve a selecção dos conceitos literários, a adaptação
escolar dos mesmos, levando em consideração as diferenças dos níveis de ensino e o tratamento
das sequências pedagógicas. Além disso, a didáctica da Literatura entende que o estudo do texto
literário deve privilegiar habilidades e conhecimentos que fomentem a real formação de um leitor:
propiciar a análise do género do texto, dos recursos de expressão e da recriação da realidade;
abordar as características do autor-narrador, das personagens; os pontos de vista suscitados;
analisar diferentes interpretações, comparações, recursos estilísticos, etc.; sem deturpar ou
distorcer a proposta literária do autor. Caso isso ocorra, são grandes as possibilidades de
desenvolver no aluno a aversão ao livro e a resistência à leitura.

O papel da escola é decisivo na formação do leitor. As pesquisas têm mostrado que “em toda parte,
os estudantes são sem dúvida, leitores mais assíduos quanto mais permanecem na escola” (Barker
& Escarpit, 1975,p.122). Para que haja uma continuidade do comportamento positivo em relação
ao livro, é preciso que o hábito de ler não seja apenas um padrão rotineiro de resposta,
automaticamente provocado e realizado. A busca frequente da literatura precisa surgir de uma
atitude consciente, da disposição de enfrentar o desafio que o texto oferece como nova alternativa
existencial.
17

Para Lins: “muitos alunos têm nos livros escolares sua única ração para a literatura, e o único meio
de chegar a conclusões sobre o que são as letras e os escritores”. (1977, p.35). Na verdade entre
argumentos e contra-argumentos dos textos que tratam da temática literatura e ensino, uma
inferência “cai como uma luva”: uma educação literária orientada para a emancipação seria o nosso
desejo e o desfecho para toda a problemática que perturbam Bredella e todo professor de literatura
engajado na luta.

CONCLUSÕES

O professor de literatura ensina mal porque tem má formação. Essa seria quase uma premissa se
não fossem algumas excepções. Pela pesquisa realizada observamos que o baixo nível de leitura
dos professores reflecte no nível de leitura dos alunos. Agregam-se a esse facto outras implicações
que contribuem para o diagnóstico encontrado. Podemos citar a distribuição de disciplinas na grade
curricular, bibliotecas desprovidas de materiais de leitura, ausência de programa de capacitação
para professores, falta de inspiração para aprender entre professor e aluno.

Na grade curricular das escolas públicas do ensino médio, a disciplina Literatura aparece inserida
na disciplina de língua portuguesa e cabe ao professor a responsabilidade de conjugar o ensino da
leitura/literatura com o ensino de gramática e produção textual. Como em geral os alunos vêm
muito fracos de escrita e o professor desta modalidade sente-se no dever de sistematizar a
gramática, torna-se uma opção o trabalho com esses dois tópicos e a leitura literária termina por
ficar num segundo plano. Outro factor desesperador são as bibliotecas das escolas públicas. Estão
cheias de livros ultrapassados, revistas e jornais que recebem de doações da comunidade, mas
totalmente desprovidos de material literário, a maioria não tem sequer um livro para cada aluno,
enquanto uma turma lê a outra espera ou lê jornal e revistas também velhos. Ademais, são livros
todos variados sem repetir os volumes o que impossibilita um trabalho sistematizado pelo
professor. Na prática o professor tem trinta e cinco alunos na sala e trinta e cinco livros sendo
lidos. Como um professor que lê de um a três livros por ano, vai dar conta de ler e conhecer os
trinta e cinco que estão sendo lidos a cada vinte e dois dias, um mês ou um bimestre? O aluno faz
de conta que lê e o professor pensa que trabalha, lendo resumos que em grande parte, de comum,
nesse trabalho são apenas os nomes das personagens, quanto a história o aluno inventa outra e o
professor confia que ele eu.
18

De outra forma como prever dias de estudos se falta material humano para fomentar este estudo
com conhecimento e bibliografias actualizadas? Para tudo se há uma explicação, para tudo se há
uma resposta enquanto a situação de sala de aula passa pelo descaso de todos. E, por último falta
inspiração para aprender tanto do aluno quanto do professor. Apesar de quase sempre ser ressaltado
apenas o lado do aluno e da família. Dos professores pesquisados, cinquenta por cento possuem
especialização fora da disciplina de actuação. Sobre os encaminhamentos dados para a aula de
leitura, os professores citaram: motivação sobre o texto a ser lido para seduzir o aluno, discussão
sobre o tema do texto e confronto com a realidade, contextualização do texto, autor e época,
despertar a curiosidade do aluno.
19

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BORDINI, Maria da Glória, AGUIAR, Vera Teixeira de (1988). Literatura: a formação


do leitor. Porto Alegre.
2. BREDELLA, Lothar.(1989). Introdução à didáctica da literatura. Trad. Maria
A.P.Correia; Lisboa: publicações Dom Quixote.
3. CÂNDIDO, António. (1976). Literatura e sociedade. 5. ed., São Paulo.
4. EAGLETON, Terry. (1997). Teoria da literatura. (trad.Waltensir Dutra), São Paulo.
5. REIS, Carlos (1992). “Didáctica da Literatura” in ADRAGÃO, José Victor; REIS,
Carlos. Didáctica do Português. Lisboa: Universidade Aberta.
6. REIS, Carlos. (1992). “Reflexões genéricas sobre o estatuto da didáctica da literatura”
in O Professor. Nº 26 (3ª série), Lisboa, Maio-Junho.
7. VALTER, Letícia (2014).A didáctica da literatura na perspectiva da formação de
professores de língua portuguesa: reflexos e contributos para a escola e sociedade,
dissertação de mestrado, Universidade de Coimbra.
8. ZILBERMAN, Regina, LAJOLO, Marisa. (1989). Estética da recepção e história da
literatura. São Paulo: Ática.

Revista Letras Raras


ISSN: 2317-2347 – Vol. 4, Nº1 - 2014
20

EXPLICAR UM TEXTO LITERÁRIO: O QUE A PESQUISA EM DIDÁTICA DA


LITERATURA PODE FAZER PARA A RENOVAÇÃO E A DIVERSIFICAÇÃO DAS
PRÁTICAS

Anne VIBERT
Versão em português de Expliquer un texte littéraire: ce que la recherche en didactique de la littérature
peut apporter au renouvellement et à la diversification des pratiques. 2012, feita por Helaine Giraldeli
BALLA

Se estamos todos de acordo sobre a necessidade de acabar com uma "concepção estreita da
literatura, que a isola do mundo em que vivemos" (Todorov) e sobre dar sentido à leitura e ao
estudo de textos literários, resta, entretanto, toda a questão do "como". Como, em particular, gerar
interesse pela literatura?
O que eu gostaria de trazer aqui são algumas pistas propostas pelas pesquisas em didática da
literatura, pois parece-me complicado fazer a economia de uma tal didática se queremos permitir
a todo professor, e não somente a alguns mestres carismáticos, ensinar literatura.

Começarei por lembrar rapidamente as razões pelas quais emergiu, nos anos noventa, uma didática
da literatura. Depois apresentarei uma visão geral de suas ancoragens teóricas e interesses, antes
de abordar mais detidamente as proposições didáticas resultantes das pesquisas centradas na
questão do sujeito leitor. As duas primeiras partes serão propositadamente curtas, pois destinam-
se sobretudo a estabelecer os limites para a reflexão sobre o sujeito leitor que será desenvolvida
de forma mais ampla.

I. A emergência do campo de pesquisa em didática da literatura nos anos 90


Em um clima de interrogação no final dos anos 80 e início dos anos 90, a didática da literatura
reivindica pouco a pouco sua especificidade, o que vai se traduzir em 2000 pela criação dos
“encontros de pesquisadores em didática da literatura”. Por que o desenvolvimento de uma
pesquisa em didática da literatura nesse momento?
21

a) As razões que afetam o ensino da literatura


- uma resposta aos críticos sobre o formalismo dos estudos literários e sua deriva tecnicista: a
leitura é reduzida a um levantamento, mais ou menos minucioso, de sinais “visíveis”,
frequentemente fenômenos sintáticos (tabelas de leitura), que ocupam os alunos com tarefas
materiais objetivamente avaliáveis.
- um problema persistente: a desafeição pela literatura em geral e pela literatura em particular; a
erosão literária (1960: 38,6% de diplomados, 1992: 16,4 bacharéis); a crise persistente das
humanidades e ao mesmo tempo a reafirmação de sua importância por meio de uma reflexão sobre
os valores e finalidades da literatura.
b) Uma renovação teórica
No final dos anos 70 há uma ruptura epistemológica no campo dos estudos literários. Da primazia
dada até agora ao texto e aos seus funcionamentos estruturais passamos à prioridade dada ao leitor
e aos fenômenos de recepção. Diferentes trabalhos afirmam que a instância produtiva de sentido
não é verdadeiramente ou não é somente o texto, mas sim e talvez em primeiro lugar seja o
receptor, o sujeito que lê. Passamos então de uma concepção de literatura como coisa a uma
literatura como atividade: a do escritor e a dos leitores, sem os quais o texto não tem existência.

c) As razões mais institucionais


- os novos programas para o collège em 1996, para o lycée em 2001 e em seguida para a escola
primária em 2002 que renovaram conteúdos e métodos de ensino da literatura e suscitaram reações,
debates e novos objetos de pesquisa;
- a incitação ao desenvolvimento de pesquisa nos IUFM e o desejo dos pesquisadores em literatura
de não abandonar esta pesquisa aos especialistas em didática vindos das ciências da linguagem,
muito ativos no campo da didática do francês, notadamente através da Associação Internacional
para a Pesquisa em Didática do Francês (AIRDF) que sucedeu à DFLM.
d) O que reivindicam os pesquisadores em didática da literatura?
Os encontros internacionais anuais de pesquisadores em didática da literatura, criados em março
de 2000, advêm da necessidade amplamente sentida dentro da comunidade dos professores e
pesquisadores em Didáctica da Literatura de dispor espaço específico de intercâmbio. Estes
pesquisadores desejam igualmente:
22

- distinguir-se da posição de recuo que constitui frequentemente a referência à literatura (mal-estar


latente que inspira a alguns os comportamentos defensivos e conservadores).
- questionar as rupturas entre os diferentes níveis de ensino: pensar uma disciplina de ensino do
maternal ao nível final (como já acontecia no caso da disciplina francês)
– o que se distingue de alguns movimentos como o “Salvar as letras” que se interessam pela
literatura somente no secundário.
- reafirmar a especificidade da literatura e sua importância no ensino e compensar a diminuição do
literário na abordagem global do ensino do francês.

Esse projeto correspondia sem dúvida a uma real necessidade, uma vez que após 10 anos esses
encontros acontecem, a cada ano, o que deu origem a um importante desenvolvimento da pesquisa
em didática da literatura.

II. A pesquisa em didática da literatura: os objetos específicos


Em uma década constituiu-se um campo de pesquisa com seus objetos e seus métodos. Eu me
deterei aqui somente nos que estão ligados ao nosso sujeito, a explicação literária.
1. Uma reflexão sobre a leitura literária e o papel do sujeito leitor no ensino da literatura

Baseando-se em particular nos trabalhos em sociologia da leitura, a didática da literatura examinou


as relações entre a leitura privada e a leitura escolar. Não podemos ignorar o antigo conflito e
tensão entre ambas, ainda que a instituição escolar tenha inventado novas formas de leitura
inspiradas na leitura privada (leitura de obras integrais, leitura superficial) para suscitar o desejo
de ler e reafirmar a leitura literária dentro da leitura habitual dos alunos. Porém, objetos e práticas
passam com dificuldades de um espaço a outro e a didática da literatura não cessa de procurar
dispositivos para tentar conciliar essas duas formas de leitura.

2. Uma redefinição das noções de interpretação e de compreensão


Questionando a hierarquia tradicional, a progressão do compreender para depois interpretar e a
visão da interpretação como prática reservada ao ensino secundário e à universidade, a didática da
literatura tem trabalhado para aprofundar o conhecimento e a descrição dos atos de compreensão
23

e de interpretação das obras literárias e artísticas: ela prevê a relação entre compreensão e
interpretação em todos os níveis de ensino e considera que a compreensão e a interpretação estão
em ação na leitura de todo texto. As experiências realizadas em sala de aula antes e após a
publicação dos programas de 2002 para a escola primária testemunham amplamente essa ideia.
Esses mesmos programas introduziram o debate interpretativo como atividade específica para
abordar a literatura e convidaram os professores a praticá-lo desde o maternal.
3. Uma reflexão sobre o corpus
Outro objeto de estudo privilegiado pela didática da literatura: a reflexão sobre o corpus. O estudo
da constituição do corpus levanta a questão da definição de literatura escolar e além dela, talvez,
aquela definição de literatura tão curta, para retomar a célebre réplica de Barthes, “a literatura é o
que se ensina”. Ora, após os anos 60, esse corpus foi bastante abalado e expandido. A legitimação
da literatura juvenil, por meio das listas que acompanhavam os programas do collège de 1996, e
após pelos programas escolares de 2002, provocou não apenas numerosos debates, mas acima de
tudo abriu um novo campo de pesquisa, tanto no âmbito dos estudos literários, quanto no de
pesquisa em didática sobre a maneira de ensinar esta literatura na escola.

Antes disso, o corpus lido e estudado na escola tinha conhecido outras ampliações: do lado dos
“gêneros menores”, ficção científica e literatura policial; do lado das histórias em quadrinhos; do
lado enfim das literaturas francófonas e das literaturas estrangeiras (exceto a literatura infantil) ou
ainda da literatura contemporânea para adultos. Esta abertura a novos campos (sem ainda falar da
imagem e do cinema) entra em contradição com o objectivo de transmissão da herança cultural
que também e atribuído ao ensino da literatura.

Portanto, é a noção de patrimônio literário ou cânone que está sendo questionada.

Mas ainda é necessário conhecer as opções que são realmente feitas pelos professores, e se o estudo
do corpus explícito (instruções oficiais, livros didáticos) é rica em conteúdo, principalmente numa
perspectiva diacrônica, a pesquisa busca igualmente trazer à luz o corpus implícito,
particularmente as escolhas dos professores, seus critérios, os valores subjacentes, os equilíbrios e
os consensos sobre as obras destinadas à leitura e ao estudo.
24

Assim, uma pesquisa foi realizada em 2006 com uma amostra representativa de professores do
collège para melhor conhecer o que os professores levam para os alunos lerem como obras
integrais e como leitura superficial, o objetivo era medir as evoluções ocorridas após a pesquisa
realizada no início dos anos 90. Para resumir em poucas palavras, pôde-se constatar entre os
professores de francês:
- uma presença sempre muito forte dos clássicos ligada à ideia da transmissão do patrimônio
cultural como uma das principais tarefas da sua disciplina;
- uma forte presença da literatura juvenil e a adesão às orientações dos programas de 1996;
- uma dispersão geral de títulos citados, o que comprova a instabilidade do corpus e a dificuldade
de fazer emergir uma cultura comum que faria gerar um consenso;

Enfim, uma reflexão mais recente sobre a biblioteca interior, relacionada à questão do sujeito
leitor, aconteceu nos encontros de Bordeaux. As investigações centram-se na cultura literária
construída pela escola: o que os alunos retêm do corpus, o que eles fazem e a maneira que
constroem sua biblioteca interior a partir (ou não) das proposições dos professores. Essas pesquisas
questionam o fosso entre a cultura institucionalmente proposta e a cultura literária interiorizada.

Definição de leitura literária


É preciso entender a leitura literária não somente como a leitura da literatura que compreende as
diferentes formas escolares (explicação do texto, leitura metódica, leitura analítica), mas como
uma concepção de leitura baseada na tensão entre leitura investida (leitura vivida intimamente
numa identificação e/ou projeção do leitor nos espaços de fantasia que o texto propõe) e leitura
distanciada, mais objetiva, apoiada em ferramentas de análise, para a elaboração de significações
racionais.
Se, como sugerem os semióticos e teóricos da recepção, a obra literária deve ser sempre atualizada
e completada graças ao investimento de seus leitores, este não será limitado a uma atitude racional
e treinada. Quando se interessa pelo texto que lê, o leitor não adota somente a “postura letrada”
que é aquela construída pelo ensino da literatura através dos exercícios clássicos (comentário feito
a partir da obra): ele se envolve com a obra. Veremos adiante de que forma.
25

Questões que envolvem a leitura literária concebida como vai-e-vem dialético entre leitura
subjetiva, investida e leitura distanciada
Trata-se, recorrendo a tal concepção de leitura literária, de responder a uma crise da leitura literária
e de defender o ensino de letras no contexto difícil de desafeição do público adolescente pela
leitura literária (confirmada por trabalhos dos sociólogos da leitura). Essa concepção é também
uma resposta às críticas feitas à leitura metódica e analítica.
Dar lugar ao sujeito leitor na leitura literária é um meio de restaurar o sentido, pessoal e social, a
um ensinamento literário muito marcado pelo formalismo e pelo tecnicismo. As críticas
convergem para pontuar a ausência de investimento subjetivo, intelectual e emotivo dos alunos
dentro do que se constituiu como um ritual de exercício (uma prática sem crença, para lembrar a
expressão de Christian Baudelot).
Pouco surpreendente: a leitura analítica pretende formar um leitor hábil em responder às injunções
do texto e este leitor enquanto sujeito não tem voz. Ensinar literatura é, de uma certa maneira,
codificar a maneira de ler as obras, como nos lembra Alain Viala. De repente, e com frequência, o
aluno se desengaja e não se afirma face ao texto. De fato, os alunos se veem incapazes de formular
um julgamento crítico sobre o texto, paralisados pelo medo de não dizer o que é esperado pelo
professor.

Mas isso ainda não é tudo, veremos mais adiante o retorno do pêndulo que é considerar o texto
literário como um simples suporte da efusão subjetiva.

Abordagens didáticas

-Considerar o sujeito leitor: condição de motivação dos alunos

Um certo número de pesquisas já demonstrou que o conhecimento do investimento subjetivo na


leitura é condição importante para a motivação dos alunos sob a perspectiva de u ma construção
de competências de um leitor expert, uma das finalidades dos estudos do francês no collège e no
lycée. Considerar os alunos como sujeitos é responsabilizá-los e é um meio de motivá-los à leitura.
26

Como fazer emergir as leituras singulares e tornar vivas as experiências de leitura quando eles
aprenderam a suprimir ou ocultar seu envolvimento subjetivo? Como suscitar uma leitura
envolvente e sobretudo como implementar um acompanhamento didático de envolvimento do
sujeito com a obra? Diversas abordagens são possíveis.

Como suscitar o envolvimento dos alunos-leitores? que suportes utilizar para coletar e analisar
as experiências de leitura?

1. Modificar os questionamentos sobre os textos


- questionamento direto das imaginações individuais: perguntar aos alunos quais imagens eles
associam aos lugares evocados por uma obra, como eles imaginam o personagem, como eles
imaginam os acontecimentos...

- deslocamento do questionamento sobre os personagens sugerido por M-J. Fourtanier e G.


Langlade11: no lugar de “quem é o personagem principal?” ou “qual é a função do personagem
no esquema actancial?”, interrogamos os alunos sobre os personagens que lhes tocaram, que eles
gostaram, quem eles detestaram, sobre o julgamento moral que eles fazem sobre as ações, sobre
as atitudes que eles teriam se eles estivessem em seu lugar...

2. O diário de leitura (ou caderno de leitura)

- recorrer ao diário de leitura ou caderno de leitura, acompanhado ou não de instruções, para


guardar traços das reações do leitor: concebido como preparação para a leitura analítica, o diário
de leitura permite não apenas um envolvimento dos alunos na leitura, mas também um trabalho
sobre a articulação e a passagem entre as posturas de leitura.

3.A escrita de invenção


- completar uma obra: escrever nos brancos do texto, imaginar uma sequência... enfim, utilizar
todos os recursos da escrita de invenção para fazer aparecer particularmente a “atividade
ficcionalizante” do sujeito leitor.
- levantar questões que levem à expressão das impressões de leitura, à reação às ideias do texto,
favorecendo uma apropriação pessoal; propor exercícios de escrita que permitam aos alunos
envolver-se afetivamente e eticamente com sua leitura.
27

4.A leitura em voz alta


- a leitura em voz alta como interpretação subjetiva dos textos

A leitura em voz alta é portanto um meio de fazer ouvir ao mesmo tempo a voz do texto e a do
leitor que lhe dá sua sensibilidade própria, uma proposição de interpretação em que se pode
simplesmente saborear o prazer sensorial dos sons e do ritmo. A dificuldade é certamente a da
leitura ela mesma, porque é difícil passar uma interpretação, uma intenção na leitura. Porém, é
também uma maneira de combater a ideia de que deve haver “o” tom em benefício daquela que
diz haver várias interpretações possíveis da partitura que é o texto, que podem ser anotadas,
comparadas com outras leituras, dar espaço a discussões sobre as escolhas feitas, preparar-se em
grupos...
- Outras questões “sensíveis” das obras literárias podem ser experimentadas como a leitura musical
que, solicitando aos alunos a associação de uma obra musical com sua leitura, representa uma outra
forma de apropriação subjetiva.

5. A ilustração ou a utilização de imagens


- última proposição: ilustração ou utilização de imagens nos diários ou cadernos de leitura ou na
realização de antologias, é um meio de driblar a dificuldade de escrita e de exprimir uma leitura
subjetiva.
- Exemplo do dispositivo experimentado por um estagiário PLC2 no collège para a leitura de
poesias:
Ele pediu aos seus alunos que falassem em seu diário de leitura, sobre um poema por dia (o que
constituía doze poemas em duas semanas). Cada aluno deveria escolher, em cada dia da semana,
como quisesse, um poema.
Esse diário estruturava-se por algumas questões:
- O título do poema escolhido.
- “Qual é o assunto do poema? quais são os principais temas?”
- “Qual é a minha opinião sobre o poema?”
- “Quais são as minha ideias para apresentar esse poema (desenho/colagem/
découpage etc...)”
28

A seguir, os alunos são convidados a apresentar um poema para a classe, explicando o porquê de
sua escolha para depois, em um outro momento, haver a troca dos diários de leitura com outro
aluno.
A produção final é uma antologia pessoal realizada a partir de uma escolha de poemas dentre os
estudados com uma ilustração ou imagem criada para os poemas escolhidos.
Esses diferentes dispositivos de leitura permitem fazer advir os “textos dos leitores” que se
constituem no entremeio incerto que liga leitores e obras, além de fazer emergir as identidades de
leitor dos alunos.

AS “POSTURAS DE LEITURA” DOS ALUNOS

As posturas de leitor são definidas por D. Bucheton como “os modos de ler integrados, tornados
não conscientes, construídos na história da leitura de cada sujeito, convocados em função da tarefa
de leitura, do contexto e seus desafios, assim como das especificidades do texto.”
A experiência, conduzida com três classes em último ano do collège, consistiu em fazer os alunos
lerem uma novela de D. Daenninckx, La Tire-lire, e após fazer um comentário livre de uma página.
A análise dos textos escritos permitiram a D. Bucheton evidenciar cinco posturas de leitura nos
alunos.
Postura 1. O texto desafio. A leitura fracassada: o texto do aluno tem a aparência de uma tarefa
escolar, desprovida de significação e perigosa (escrever revela). Formas diversas de recusa ou
sabotagem da atividade solicitada (leitura parcial do texto ou muito superficial, com confusões
sobre os personagens e ações, descrição técnica sem iniciar a construção de uma significação).
Postura 2. O texto ação. O leitor se situa no nível dos personagens que ele toma por pessoas. Ele
procura compreendê-los, explicar suas motivações, a lógica de suas ações.

Para compreender os atos dos personagens ele aciona seu próprio sistema de valores morais. Essa
atitude leva às vezes à expressão de sua emoção em relação aos personagens do texto (pena,
simpatia, rejeição), pelas pessoas reais que esses personagens simbolizam ou evocam (“Isso deve
ser difícil”), e por eles mesmos uma vez que eles atualizam, pela leitura, seus medos e fantasias
(ele lê uma narrativa como um espelho do que ele vive ou pode viver). Porém o aluno não confunde
29

de todo o narrado com a realidade: ele simplesmente entra no jogo da ficção, jogo que pode ir até
o julgamento dos personagens.

Postura 3. O texto signo. O texto proposto é lido como uma fábula, o leitor toma o texto como
uma metáfora da mensagem do autor, que resta ser decifrada por trás da fábula. O texto lido vem
a ser um lugar de encontro não apenas com os personagens, mas com as ideias. Ele pode ser
percebido como um “reflexo” de uma realidade sobre a qual o autor quer enviar o nosso olhar
(leitura sócio-histórica de caráter referencial). O texto pode ser percebido como a metáfora de uma
questão, de valores postos em evidência: o leitor questiona e analisa os temas, os valores do texto,
o escopo simbólico dos gestos dos personagens.
Postura 4. O texto trampolim. O aluno utiliza o texto para se deixar levar pelas reflexões pessoais.
O comentário decola a partir das realidades lidas no texto. Ele é a expressão do ponto de vista
próprio do leitor. Para alguns leitores, tem-se o sentimento de que o ponto de vista enunciado
preexiste ao comentário e de que o texto lido é apenas um pretexto.
Postura 5. O texto objeto. O leitor se coloca fora do texto e analisa o texto, suas formas, seus
efeitos, a maneira com que o texto faz para construir uma significação ou seduzir o leitor.
Dentre os alunos que participaram da pesquisa, muito poucos praticam esse modo de leitura.
O interessante dessa experiência é aprender a identificar nos alunos as posturas de leitor em
diferentes textos escritos. Podemos então partir dessas posturas para analisar e construir
dispositivos didáticos para fazê-los evoluir. Entretanto, esse tipo de experiência pressupõe o apoio
em textos que permitam o investimento subjetivo dos alunos.

AS CONSEQUÊNCIAS DAS ESCOLHAS DAS OBRAS E DAS POSTURAS DO PROFESSOR


Uma vez que o acolhimento aos afetos dos alunos seja algo bem-vindo, assim como favorecer as
descobertas de questões pessoais de leitura e não evitar o conteúdo existencial e ideológico das
obras, não se deve esquivar da dimensão ética e antropológica da literatura, pois é nessa dimensão
que a leitura torna-se uma experiência humana com fortes apelos simbólicos. Isto supõe, como nos
lembram G. Langlade e M.-J.Fourtanier, “enriquecer o corpus com obras aptas a suscitar mais
reações pessoais dos alunos e a provocar a realização de leituras plurais, isto é, de obras que
enfoquem menos o jogo sobre os códigos literários e mais as questões humanas (éticas, relativas à
fantasia, estéticas...), que constituem a base profunda da produção artística”.
30

Isso exige do professor um forte envolvimento de sua própria leitura com os textos escolhidos –
como ensinar algo que, no domínio da literatura, não nos faz vibrar e não nos leva a pensar? –
textos que, por outro lado, lhe permitam propor aos alunos situações de leitura suscetíveis de
provocar choques estéticos e emoções de toda ordem. A explicação literária deve também apoiar-
se numa verdadeira experiência de leitura do professor.
Ora, parece que hoje a abordagem formalista dos textos seja por vezes um meio de fuga ou de
esquiva da leitura como experiência autêntica do sujeito dentro de um debate de ideias.

Conclusão
A leitura literária alimenta-se da pluralidade das experiências e se constrói na intersubjetividade.
Sem exigir o abandono total das intuições singulares, trata-se de alcançar a constituição de uma
comunidade literária onde seja possível compartilhar leituras e confrontar interpretações. Essa
partilha deve fazer-se num retorno permanente ao texto a fim de enriquecer as leituras singulares
e evidenciar o que pode ser comum a todos.

VIBERT, Anne. Expliquer un texte littéraire: ce que la recherche en didactique de la littérature


peut apporter au renouvellement et à la diversification des pratiques. 2012. Disponível em:
< http://www.ac-aix-marseille.fr/pedagogie/upload/docs/application/pdf/2012-
09/didactique_de_la_litterature_et_sujet_lecteur.pdf>. Acesso em 10 mar. 2014.
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TEMA II
ENSINO E APRENDIZAGEM DA LITERATURA
I. EDUCAÇÃO E LEITURA: o ensino-aprendizagem da literatura nas escolas

Pistas para pesquisa no Processo de Ensino-aprendizagem da Leitura / Literatura

Autor(a): Humberto de Medeiros Silva


Coautor(es): Inalmir Bruno Andrade da Silva

1. Introdução

Como vai o ensino da literatura? Qual é o papel da escola na formação de um cidadão crítico,
participativo, de um cidadão-leitor? A escola tem se preocupado com a formação de leitores,
principalmente nas aulas de Língua Portuguesa? A partir de uma preocupação pessoal enquanto
futuros profissionais da Educação e com a experiência pessoal de termos vivido essa prática
enquanto alunos é necessário que analisemos a deficiência no aprendizado da leitura e na falta de
uma possível dedicação do professor e do aluno.

Nosso trabalho, idealizado a partir de um projeto de pesquisa, pretende discutir ou analisar o


processo do ensino-aprendizagem da literatura nas escolas, a partir da problemática da deficiência
que muitos alunos têm com a leitura.
Além do mais servirá de ponto de apoio para as próximas discussões quer seja a âmbito acadêmico,
político ou social. Essa preocupação evidencia a necessidade de se discutirem os problemas e de
se criarem novas estratégias que possam orientar a prática dos professores, com intuito de despertar
no aluno o gosto literário, contribuindo, assim, para o leitor de modo geral.

Embora a prática do ensino da Literatura seja assunto sobre o qual vários teóricos venham há muito
discutindo, na perspectiva de ensinar estratégias que aprimorem o ensino da Literatura e de propor
livros que despertem o interesse dos alunos pela leitura, esta não atingiu ainda um estado ideal, já
que até mesmo pessoas de nível superior leem pouco ou quase nada.

Prova disso, é que a partir de nossas inquietações, enquanto estudantes e futuros profissionais da
educação, notamos as consequências de uma deficiente qualidade da aprendizagem
leitura/literatura nos anos anteriores. A partir da pesquisa feita em cinco municípios da região
nordeste, tentaremos verificar as dificuldades enfrentadas por quem trabalha nessa área, além de
propor possíveis alternativas de ensino de Literatura para contornar os problemas constatados.

Verificamos, assim que o ensino tradicional da Literatura vigente nas escolas, sobretudo públicas,
é feito com ênfase em aulas expositivas, fundamentadas em livros didáticos que apresentam uma
abordagem cronológica, baseada em panoramas históricos e características de estilos de épocas,
sem se deter, diretamente, na “leitura” de textos literários.

Assim, o trabalho tem como finalidade analisar o processo de ensinoaprendizagem na relação


leitura/literatura nas escolas municipais e estaduais de cinco municípios do Nordeste e encontrar
as possíveis dificuldades encontradas por professores e alunos no que se refere a uma prática tão
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exigida pela sociedade e tão importante para própria interpretação do mundo: a formação de um
cidadão leitor.

Para tanto, fez-se necessário identificar os principais problemas encontrados no processo ensino-
aprendizagem dos alunos, mostrar a importância da leitura e da literatura para o conhecimento de
mundo, bem como incentivar a prática da leitura a partir da literatura como forma de
contextualização dos conteúdos.

2 O Processo de Ensino-aprendizagem da Leitura / Literatura na Educação Brasileira


Atualmente, as dificuldades de leitura vêm se tornando um grande problema enfrentado pelos
professores, o que vem comprometendo a qualidade do ensino e da aprendizagem, bem como o
desenvolvimento de indivíduos capazes de questionar as informações e discursos que lhe são
transmitidos e impostos pela sociedade. O analfabetismo funcional, onde o aluno realiza apenas a
decodificação de um texto, tem sido alvo de discussão e preocupação por parte dos professores.

A leitura produtiva, segundo Moita Lopes (1996) depende dos processamentos ascendentes e
descendentes. O primeiro se refere à decodificação dos textos, enquanto que o processamento
descendente envolve os conhecimentos prévios que o leitor ativa ao ler um texto, relacionando-os
a este, isto é, o seu conhecimento de mundo que corresponde às suas experiências e vivências, os
quais são essenciais para a compreensão.

A esse respeito, Leffa (1996) considera o ato de ler como sendo a extração de significado do texto
e atribuição de significado ao texto. É necessário que ambos sejam simultâneos, pois a leitura
envolve processos perceptivos e cognitivos.

Segundo Antunes (2003), o trabalho com a leitura ainda está centrado em habilidades mecânicas
de decodificação da escrita, muitas vezes sem reflexão, sem diálogo com o texto. Quando a leitura
é utilizada, serve de pretexto para atividades metalingüísticas ou finalidades meramente
avaliativas.

Para Geraldi (2004: 91),“leitura é um processo de interlocução entre leitor/ autor mediado pelo
texto. (...) O leitor não é passivo, mas agente que busca significações”. A criança procede da
mesma maneira. Por essa razão é importante que as descobertas parciais já feitas sejam
explicitadas, registradas para que possam ir se constituindo em elementos com os quais as pessoas
vão construindo o seu conhecimento a respeito do objeto que investigam e estudam.

Conforme Duarte e Werneck (2009), o objetivo do ensino de Língua Portuguesa e da aula de leitura
será desenvolver no aluno sua visão crítica de mundo, a percepção das múltiplas formas de
expressão da linguagem e sua habilidade de leitor eficiente e conhecedor dos diversos textos
representativos de nossa cultura. Deve-se, também considerar a necessária aquisição e o
desenvolvimento de três competências: interativa, gramatical e textual.

3 Metodologia
3.1 Tipo e Local de Estudo
Metodologicamente a pesquisa é do tipo quanti-qualitativa com base numa revisão bibliográfica
para embasamento teórico, e realização de entrevistas com 2 professores de Língua
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Portuguesa/Literatura (um do fundamental II da Escola do Município – 9º ano e outro do Ensino


Médio da Escola do Estado – 3º ano) nessa primeira etapa, e com os alunos dessas duas turmas (
uma do 9º ano e uma do 3º ano do ensino Médio), numa segunda etapa, para que sejam exploradas
e respondidas todas as hipóteses da pesquisa.

3.2 População e Amostra


Os sujeitos da pesquisa serão formados por 10 professores de cinco Municípios do Nordeste (sendo
2 de cada município) – o que para enriquecimento de nossa pesquisa já está sendo realizada nesta
primeira etapa da pesquisa - e duas turmas de alunos do ensino fundamental II (9º ano) e ensino
médio ( 3º ano), totalizando 10 turmas com a amostragem de 10 alunos cada, numa etapa posterior.

3.3 Municípios a serem pesquisados


Os municípios estudados na pesquisa estão formados por 4 municípios da Paraíba e 1 município
do Pernambuco, escolhidos por fazerem parte da realidade circunvizinhas dos pesquisadores da
referida pesquisa. São eles: Condado - PB, Santa Terezinha - PE, São José do Sabugí - PB,
Teixeira-PB e Várzea - PB.

3.4 Instrumentos e Técnicas de Coleta de Dados e Análise dos Dados Fizemos a análise quanti-
qualitativa dos perfis dos 10 professores de Língua Portuguesa/Literatura e das 6 questões
elaboradas referentes a temática através de questionário. Quanto à análise de dados, os
depoimentos apreendidos serão analisados e discutidos com respaldo na literatura pertinente a
temática estudada em questão.

4 Resultados
Na nossa análise podemos elencar que quanto à formação, os dez professores (8 são mulheres e 2
são homens) são formados em Letras ou em Pedagogia, com especialização na maioria dos casos.
Nota-se ainda, que os professores já tem 10 anos ou mais em sala de aula.

Ao fazermos uma análise coletiva, nota-se a preocupação dos professores em relação ao alunado.
Evidencia-nos uma dificuldade que os alunos apresentam em relação às aulas de literatura / leitura,
principalmente no Fundamental II, mas que há certos avanços no alunado do Ensino Médio.

Estes entendem a importância da Literatura para a compreensão de mundo e sugerem ou mostram


estratégias que melhorem este gosto dos alunos pela leitura e evidenciam a preocupação com a
falta de interesse dos alunos pela mesma e a dificuldade em encontrar tempo em focar as aulas
somente em leitura, já que o alunado não busca isso extraclasse.

Pode-se dizer ainda que seja necessário pensar em estratégias onde os alunos se interessem pelas
aulas de leitura/literatura e que no planejamento das aulas, estes possam participar das atividades
que mais gostariam de trabalhar ou professores e alunos chegarem num acordo no que ambos
trabalhariam durante o ano.

Podemos apontar como sugestões, a criação e exposição de um Varal de Poesias, onde todos os
alunos possam participar; uma Mini-Exposição Literária ou mesmo uma Gincana Cultural. Há
ainda as velhas e ricas sugestões como Filmes, Debates e passeios a Museus, Bibliotecas e
Exposições Literárias, entre outras.
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Considerações Finais
Diante do exposto, percebe-se uma distância entre teoria/prática, ensino/pesquisa que evidencia as
contradições da realidade brasileira. O consumo da leitura repete as desigualdades no consumo
dos bens materiais. Mesmo com falta de recursos da escola brasileira nos dias atuais, o professor
deve e pode fazer alguma coisa dentro da sua realidade de sala de aula para amenizar as
dificuldades de leitura dos alunos e sua resistência aos textos literários.

O desenvolvimento de leitores críticos deve começar na alfabetização. Ao longo do ensino


fundamental, os professores devem oportunizar situações em que o aluno relacione os textos
trabalhados com o conhecimento de mundo e exponha suas idéias.

Nessa ótica, as atividades não podem ser superficiais, resumindo-se aos textos do livro didático e
a uma interpretação ineficaz, baseada em perguntas mapeadoras de informação, uma vez que não
conduzem à percepção das entrelinhas do discurso, isto é, das intencionalidades implícitas no texto
e de sua funcionalidade, pois o aluno precisa sentir que há um sentido no que estuda para que seja
motivado a aprender.

Portanto, devemos, enquanto sujeitos do conhecimento, estabelecer novas relações entre teoria e
prática, entre professores e alunos, o que propicie a ambos a conquista do papel de sujeitos das
aulas, dos livros e do saber.
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Referências
ANTUNES, Irandé. Aula de Português: Encontro e Interação. São Paulo: Parábola,
2003.
DUARTE, Márcia Nunes; Werneck, Leonor. A literatura e o ensino de leitura para o
público juvenil. Filologia. Disponível
em:<http://www.filologia.org.br/ixcnlf/6/07.htm>Acesso em 01/06/2011.
GERALDI, Wanderley João (org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2004.
LEFFA, Vilson J. Aspectos da leitura. Porto Alegre: Sagra - Luzzatto, 1996.
MOITA LOPES, L. P. Oficina de lingüística aplicada. Campinas, SP: Mercado de
Letras, 1996.
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A LITERATURA NA SALA DE AULA: novo olhar perante o ensino-aprendizagem da língua


materna

INTRODUÇÃO

A sala de aula deve ser um local para troca de saberes, para a reconstrução dos conhecimentos
científicos. É necessário que a leitura e escrita sejam vistas como um caminho que permite ao
aluno ter ascensão em sua vida pessoal, profissional e social. Na sociedade, os discentes precisam
se comunicar com diferentes pessoas a partir de diferentes gêneros textuais, por isso, no âmbito
escolar, as competências e habilidades linguísticas devem ser fortalecidas.

As aulas de Língua Portuguesa no ensino médio concentram seus estudos na Literatura Portuguesa
e Brasileira e no estudo na norma culta. Tais conhecimentos permitem ao aluno a ter uma visão
mais crítica perante a sociedade, já que, por meio da Literatura, apreciará a formação linguística e
social do seu país e conhecerá a si próprio, e graças ao estudo linguístico, passam a compreender
as regras que giram em torno da escrita.

Conforme os PCNs (2006), no ensino médio, durante o estudo da Literatura, os alunos estarão em
contato com diversos textos que fizeram parte da história da formação da Língua Portuguesa e do
Português Brasileiro. Posto isso, subentende-se que a Literatura, além de informar, permitirá que
vivenciem novas experiências e assim, analisem os diversos textos de uma forma criativa e crítica.
Essa disciplina auxilia na formação social, pessoal e profissional.

Nas escolas, entretanto, a leitura do texto literário, em muitos casos, é realizada de forma
automática, tornando-se desvinculada da realidade dos discentes. Muitos alunos criam uma
barreira antiliteratura e afirmam não gostarem de ler. Um dos principais motivos é que os
currículos são formulados baseando-se no cânone literário e boa parte das produções literárias
atuais permanecem excluídas nas salas de aula (SANTOS, 2009). Apesar disso, os aprendizes, os
mesmos que dizem não gostar de ler, afirmam que leem contos, crônicas disponibilizadas na
internet, bem como os Best-Sellers atuais.
37

Conforme Ponciano e Ribeiro (2014), nas instituições de ensino, os discentes, principalmente os


do ensino médio, não são leitores ávidos. As obras, mesmo sendo solicitadas para avaliações, os
jovens hesitam em ler. Um dos motivos é que, na tentativa de defender os currículos, o ensino da
Literatura permanece focado apenas no estudo das obras clássicas e na contextualização do período
histórico em que foram produzidas, os debates para a construção de sentido prático e pessoal das
leituras para a vida dos alunos são minimizados. Além disso, ao estudar a estrutura da Língua
Portuguesa, muito docentes pautam suas aulas apenas no estudo descontextualizado da gramática
normativa, como uma das consequências, ao término do ensino médio, grande parte dos alunos dizem
que não sabem o português e que não gostam de ler (ROCHA, 2002). Os discentes, ao se depararem
com uma imensidão de regras, desenvolvem um conceito de que a língua portuguesa é difícil. Cria-se,
também, o preconceito linguístico, já que a língua é vista como um código imutável e, ao falar diferente
da norma culta, a transmissão interpretada é considerada, pela maioria leiga, como um erro.

O ENSINO DA LITERATURA
Todo o aluno deve sair da escola sabendo ler, interpretar e escrever de acordo com a língua padrão.
Nesse ambiente, o aprendiz passa a ter contato com os mais variados tipos de textos e linguagens e
começa a compreender o quão é importante o ato de ler para seu desenvolvimento cognitivo e formação
de um pensamento crítico. Os educandos que possuem uma visão de mundo ampla, conseguem
analisar, compreender e a argumentar a respeito dos discursos existentes em seu âmbito escolar e
comunitário. É principalmente na escola que o jovem leitor deve ter contato com os textos de diferentes
gêneros.

A Literatura, que é o melhor caminho para se adquirir o prazer em ler, no entanto, é apresentada ao
aluno apenas por meio de escolas literárias. A linguagem conotativa, com seu poder polissêmico, é
deixada de lado e os estudos focalizam apenas na compreensão histórica-social da época e nos
principais autores de cada movimento literário. Segundo Todorov (2009), a Literatura está em perigo,
já que muitos professores concentram seus estudos apenas na parte estrutural da obra. A análise
estrutural é necessária, porém esse estudo não pode substituir o “fim” da obra. Ao encontrar o espírito
das produções literárias, o leitor compreenderá melhor o seu eu e o mundo.

Silva (2003) ressalta que a escola tem como objetivo formar leitores que sejam capazes de ler e
interpretar criticamente na sociedade. No entanto, nas escolas, a prática de leitura é realizada de forma
breve, há o consumo rápido e superficial dos textos. A escola “menospreza” a diversidade textual, ao
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passo que valoriza apenas os livros “clássicos”, obras que diferem das estruturas convencionais da
maioria dos textos da atualidade. Cereja (2005) corrobora com esse pensamento ao afirmar que o
ensino da Literatura, em muitos casos, é pautado na historiografia literária, em que as reflexões são
voltadas apenas para as características da época em que os textos foram escritos. Logo, os estudantes,
ao invés de interpretarem os textos literários, passam anos analisando as características literárias de
cada autor, situando-os, juntos às suas obras, na linha do tempo. O estudo historiográfico é de grande
importância, mas o ensino da Literatura, reafirma o autor, não se resume apenas a isso.
Tais atos demonstram que a escola sempre tende a reproduzir os valores dominantes. Dessa forma, ao
invés de serem leitores ativos e reflexivos, os discentes passam a ser meros reprodutores de
conhecimentos.
O professor, ao apresentar um livro aos seus alunos, precisa ter a sensibilidade em mostrar o poder que
a Literatura possui ao descrever os mais simples e complexos sentimentos da mente humana. Conforme
Candido (2002), a Literatura é devaneio, é fantasia. Mostra-nos a realidade concreta sob outro olhar.
Ao proporcionar diferentes realidades, humaniza o homem. O leitor, no ato de ler, foge do mundo
concreto e tenta refugiar-se na subjetividade do conjunto semântico produzido pelas palavras.

Segundo Sartre (2004), o texto materializa-se na eclosão da leitura, pois nesse momento o leitor
fornece-lhe sentido estético, por meio da imaginação, e seu olhos argutos são responsáveis pela criação
dos sentidos. O autor busca na subjetividade a oportunidade de revelar as virtudes e infâmias da
humanidade. Ao selecionar cada palavra, o escritor deseja direcionar o leitor para um ponto específico,
ou seja, o autor tenta ter um pouco dos olhos do leitor. Além disso, o escritor apenas não descreve os
fatos, mas posiciona-se diante deles, situa sua visão de mundo.
A Literatura é interdisciplinar, proporciona estar em contato com todas as áreas do saber, desde a
psicologia, história, a matemática e a física. Por isso sua grande importância para o homem, já que,
segundo Morin (2001), o sujeito é complexo e para poder ser compreendido, é necessário unir todos
os conhecimentos. Além disso, o indivíduo precisa saber da existência do inesperado, já que o futuro
é incerto. Dessa forma, um dos caminhos para adquirir tais conhecimentos é a Literatura.

Outrossim, faz-se necessário citar dois fatos importantes para a discursão do estudo da Literatura no
ensino médio: a Literatura não é apenas um objeto de estudo para a reconstrução dos conhecimentos,
é também para promover o autoconhecimento; os alunos, antes de tudo, são adolescentes.
A fase da adolescência, ao mesmo tempo em que é uma virtude, é marcada por tribulações: o jovem
está a se deparar com a mudança repentina do seu corpo, exige mais responsabilidade das suas ações e
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ao mesmo tempo não é autônomo, é visto como uma criança grande. Segundo Calligaris (2013), a
adolescência é uma moratória localizada entre a infância e a fase adulta; é um conceito moderno
idealizado por adultos e conceituado em seus desejos mais profundos. Nessa fase, de acordo com
Völker (2014), os jovens acreditam que para atingir a felicidade é importante ser invejável e desejável,
por isso, na sala de aula, principalmente, eles querem ser vistos como adultos, mas, são oprimidos
pelos professores. Um sujeito é considerado como adulto à medida que se assegura como independente
e torna-se complicado, para ele, quando essa autonomia é barrada pelos pais e docentes, sempre
afirmando que ainda são jovens imaturos.

No início da adolescência, é nítido que os jovens já possuem suas preferências musicais e literárias,
causando assim, um grande desafio para os professores na hora da escolha das leituras do ano letivo.
Com intuito de incentivar à leitura, os docentes precisam trabalhar com as obras clássicas, não as
sacralizando, e também conhecer o “mundo” em que os jovens estão inseridos, apropriando-se, assim,
das obras que eles gostam (VÖLKER, 2014).
Santos (2009) ressalta que o professor de Língua Portuguesa necessita reavaliar suas leituras e inserir
as obras de autores contemporâneos em suas aulas. Tais textos, além de problematizar a atualidade,
também pode instigar a criticidade dos alunos, à medida que os leve a questionar o cânone literário e
temas pertinente da sociedade atual, como o bullying, o preconceito e o que é ser adolescente, por
exemplo.

A educação para a leitura deve ser pautada na ampliação da visão crítica-reflexiva do leitor; a Literatura
precisa ser apresentada como uma rica fonte de conhecimento e de construção de diferentes percepções
de mundo. Ademais, como a sociedade sempre está em intensiva mudança, a escola e os métodos
pedagógicos precisam acompanhar tais evoluções. Sendo assim, as obras da Literatura Contemporânea,
como os atuais Best-Sellers, se tornam um caminho de grande importância para se atualizar e incentivar
os jovens a ler, com elas é possível proporcionar debates na sala de aula sobre a linguagem, comparar
e entender os hábitos de épocas diferentes, por exemplo (PONCIANO E RIBEIRO, 2014).
De acordo com Ponciano e Ribeiro (2014), os Best-Sellers, termo que se refere aos livros mais
vendidos, apresentam, nas últimas décadas do século XXI, temáticas que giram em torno do mundo
jovem e do entretenimento. Ao possuir uma linguagem mais simples e leveza, atraem os jovens leitores.

As histórias da grande parte do acervo da Literatura atual concentram-se, em boa parte, na vida e
“problemas” dos adolescentes: os desafios que surgem na escola e na faculdade, seus traumas,
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desejos, a amizade e o seu primeiro amor. Tomamos como exemplo o livro homônimo do escritor
Stephen Chbosky As Vantagens de Ser Invisível (2012), uma mistura de drama e romance que
encantou os jovens.
Essa produção conta o drama de um adolescente que sofrer por não ter amigos. Charlie possui
apenas quinze anos, passou por dois momentos de grande tensão na sua vida: a morte de sua tia e
a morte de seu único e melhor amigo. Os dias na nova escola são contados um por um. Há apenas
Charlie e seu amigo imaginário, a quem escreve cartas que revelam sua luta de viver dia após dia.
O livro gira em torno da sua vida, de como ele enfrenta sua dor e como busca superá-la.

Outros grandes representantes dos atuais Best-Sellers são as produções: A Culpa é das Estrelas
(2012), de John Green, que gira em torno de alguns adolescentes que convivem com o câncer; O
Extraordinário (2013), de Raquel Jaramillo Palácio, que, de uma forma simples, aborda o
transtorno da mente de uma criança que sofre bullying por causa da sua aparência física; e Diário
da Queda (2011), do escritor brasileiro Michel Laub, uma prosa moderna em que o narrador decide
reviver seus traumas para edificar uma base sólida para seu futuro, por meio dessa leitura se pode
entender que tanto as alegrias quanto as desilusões são de extrema importância para a construção
do sujeito.

A partir dessas obras e de outras produzidas atualmente, percebe-se que, consoante Martins (apud
SANTOS 2009), muitos livros, mesmo não fazendo parte do cânone literário, são dignos de serem
estudados por trazerem riqueza estética e temática. Silva (2003) afirma que o docente precisa
realizar a seleção detalhada de textos, tendo sempre como base os conhecimentos prévios dos
alunos e os objetivos traçados para a aula. Torna-se importante, também, incentivar os aprendizes
a escolherem seus próprios livros, a valorizar e apreciar o valor estético dos textos. A partir disso,
após a inserção dos jovens ao mundo da linguagem literária por meio da fruição, as obras clássicas
podem ser inseridas nas aulas com mais aceitação por parte dos discentes.

O ENSINO GRAMATICISTA
É por meio da linguagem que o homem se constitui: constrói sua cultura, sua língua, pensa e sente. A
linguagem, de acordo com Chomsky apud Lyons (2001) é inata ao homem, refere-se a um conjunto
finito ou infinito de sentenças e palavras. É por ela que o homem se comunica, escreve, lê um livro.
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Para edificar as mais variadas práticas sociais, necessita-se de um “código” comum a todos de uma
certa comunidade, por isso há a língua. Para Saussure (apud BAKHTIN, 2010), a langue – língua – é
um sistema que possui regras internas, estas que são construídas de forma individual e social.

Na escola, o sujeito entra em contato com as regras linguísticas socialmente formuladas, a famosa
gramática normativa. Segundo Chomsky apud Lyons (2001), todo falante domina as regras
internas da sua língua mãe, possui uma gramática internalizada. Ou seja, todo indivíduo, desde o
primeiro contato com a sua fala, consegue expressar seu pensamento de uma forma lógica, bem
como constrói discursos com certo sentido racional. É um conhecimento implícito, interno de sua
língua que não fora aprendido na escola, e sim, adquirido de maneira natural. Conforme Rocha
(2002), o Professor de Português deve propor mecanismos que aperfeiçoem as competências
linguísticas do aluno e não focar em assuntos gramaticistas.

O ensino da Língua Portuguesa ainda, em muitas escolas, permanece arcaico, pois muitos docentes
concentram suas aulas apenas em teorias, sem relacioná-las com o cotidiano dos alunos. Isso se
deve à ideia estereotipada que saber Português é conhecer todas as regras gramaticais. Tais atitudes
influenciam na desmotivação dos alunos e, consequentemente, do professor. Este precisa saber
que o ensino da língua portuguesa não se resume no ensino da gramática normativa, além disso,
conforme os PCNs da Língua Portuguesa (2001), as aulas de português possuem como um dos
principais objetivos, aprimorar a competência linguística dos alunos e proporcionar os subsídios
básicos para o desenvolvimento qualitativo da oralidade e da escrita. Ou seja, busca possibilitar a
participação ativa e crítica do discente na sociedade. - Ao estudar tantas nomenclaturas no decorrer
das aulas, grande parte dos alunos hesita em dizer que não sabem exatamente nada sobre a
gramática. O grande problema da escola é essa visão paralisada e formal perante as regras,
acredita-se que essas devem ser memorizadas, vistas como o ideal, portanto, não é que se diga que
o aluno “poderá” dominar a norma culta no final do curso fundamental, mas que ele “deverá”,
obrigatoriamente, adquirir esse domínio, com o auxílio de uma metodologia adequada. Isso é
possível através de um treinamento específico, nas aulas de Português, acrescido do contato
permanente com textos em língua padrão em outras disciplinas. (ROCHA, 2002, p. 272).

De outro modo, segundo Dionísio e Bezerra (2005), além de muitas aulas serem “gramaticistas”,
os livros didáticos reforçam a visão tecnicista dos docentes. São poucos os que trazem a noção
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clara dos conteúdos; uma visão ampla acerca da diversidade linguística. A língua falada é deixada
de lado, não aborda as variações linguísticas tão quanto a escrita.

À medida que prioriza o ensino gramaticista, a língua materna recebe um status de um sistema
fechado e imutável. Os conteúdos são estudados apenas com o intuito de responder,
posteriormente, um questionário que segue um modelo inflexível, em que decorar as regras,
conceitos morfológicos e sintáticos, é fundamental para respondê-lo. Estuda-se cada classe
gramatical de forma isolada e, mesmo havendo o texto como a base, no final de contas, os estudos
são voltados para frases e palavras isoladas do contexto. Dessa forma, não há momentos dedicados
para a reflexão linguística, nem para com a relação existente entre os diferentes gêneros textuais e
os diversos tipos de enunciado.

No lugar dos extensivos estudos de gramática, Bagno (2002) aponta que as aulas devem ter espaços
mais amplos para a leitura e produção textual. O mesmo afirma Possenti (2006), acrescentando
que só aprende a ler e a escrever praticando sempre. Para o autor, o ensino deve ser pautado na
gramática internalizada, na descritiva e, por fim, na normativa, sempre tendo as produções textuais
dos alunos como o cetro da aula. A gramática internalizada traz a ideia que os conhecimentos
linguísticos são inatos ao homem. A descritiva não busca apontar os erros, e sim, pesquisar porque
tais variações existem. Já a gramática normativa impõe regras a fim de garantir a comunicação
entre todos os falantes da língua. Logo, nas aulas deve-se, junto com os alunos, comparar as
estruturas da língua, discutir a respeito dos ambientes em que os dialetos estão presentes, descobrir
novas formas, baseando-se na norma culta, de dizer determinadas expressões (POSSENTI, 2006).

A reflexão linguística deve estar presente nas aulas de PB, para assim, os alunos compreenderem que
a língua é mutável e que as regras gramaticais são um conjunto de hipóteses necessárias para a vida
em sociedade (POSSENTI, 2006). Os professores devem propor, em suas aulas, exercícios que
incentivem à leitura, à produção textual, que mostrem as variações linguísticas e como os alunos podem
adequar sua língua em determinado ambiente.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados obtidos revelam que a leitura e a escrita merecem ser o foco do ensino, e não o ensino
gramaticista e apenas o estudo histórico-social das obras literárias. O professor deve buscar,
utilizando as produções textuais dos educandos, propor momentos de reflexão a respeito da estrutura
da língua e suas variações, bem como, relacionar os textos literários à realidade dos alunos.

O texto deve ser o centro das aulas, pois estudar os conceitos gramaticais não garante a produção
de textos seguindo a norma padrão. Segundo Possenti (1996), as aulas devem ser reflexivas, os
estudos gramaticais devem partir das necessidades dos alunos apresentadas em suas produções.
Em relação ao incentivo à leitura, conforme Silva (2003), o ato de ler necessita ser realizado de
uma forma lúdica, divertida, que faça sentido para a vida dos alunos, promovendo, assim, prazer
em aprender. A leitura não pode ser concebida como mera decodificação de palavras.

Cabe ao docente propor momentos de reflexão em relação à leitura e à linguagem, de modo a


propiciar ocasiões em que os discentes consigam pensar sobre o verdadeiro significado da leitura
e sua importância. Partindo dessa afirmação, cabe à escola instigar o gosto pela leitura e auxiliar
os estudantes a perceber a relevância que tal prática possui para sua vida escolar, pessoal e também
para seu meio social. É por meio da leitura que o sujeito irá ter a possibilidade de ascensão. Dessa
forma, é indispensável, conforme o PCN (2000, p. 55), que o trabalho didático seja pautado em
diversos gêneros textuais, pois deve-se oferecer aos aprendizes os textos do mundo, para formar,
assim, leitores competentes.

Segundo Abreu (apud SANTOS 2009), os livros que os alunos gostam de ler devem ser discutidos
na sala de aula. As obras da atualidade podem ser comparadas com os textos clássicos, não com
um olhar de superioridade ou inferioridade, mas para entender como cada grupo social, em
diferentes épocas, tratam sobre questões semelhantes. Na escola, deve-se garantir o espaço para a
diversidade textual.

A leitura não pode ser atrelada à obrigatoriedade, a sua imposição desencadeia o desprazer literário
e o ensino gramaticista não auxilia de forma positiva no desenvolvimento da escrita e na criticidade
dos discentes. O texto deve ser vivenciado nas aulas de Língua Portuguesa e ser um objeto de
estudo para a reflexão linguística.
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Quanto mais cedo for o contato das crianças e jovens com esse novo “mundo” recriado e fornecido
pela Literatura, a aprendizagem será prazerosa. A curiosidade e o questionamento instigado pelo ato
de ler, junto ao estudo reflexivo da gramática normativa e a constante produção textual, desencadeará
a construção de um olhar arguto e crítico perante a sociedade e seus discursos repletos de ideologias
dominantes. A partir disso, o sujeito poderá exercer, com excelência, seu papel de cidadão; exigirá
melhores condições de vida para sua comunidade.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BAGNO, Marcos. Língua Materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola Editorial,
2002.
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47

ENSINO E APRENDIZAGEM DE LEITURA LITERÁRIA: UM OLHAR SOBRE OS


POEMAS NA SALA DE AULA

A VISÃO DOS ALUNOS SOBRE O TRATAMENTO DADO À LEITURA NAS AULAS DE


LITERATURA

Em relação às atividades de leitura nas aulas de Literatura, os educandos destacaram o trabalho com
livros e ressaltaram um ponto chave que difere as aulas de língua portuguesa das aulas de literatura:
Em literatura a gente não trabalha assim, com muita leitura dentro da sala pra ver como o aluno tá se saindo, igual na
aula de português...É mais assim pra gente ler em casa... Na sala, a gente faz mais o trabalho (Aluno 3). A maioria

dos posicionamentos dos alunos nos permite perceber que a escolha do gênero recai sobre a prosa
narrativa. O conteúdo ensinado mostra alguns vícios da história literária: a maioria absoluta dos alunos
entrevistados afirmou que lhes foi ensinada a sequência dos movimentos literários, sendo os textos
(resumos e fragmentos) retirados de livros didáticos e utilizados, na maioria das vezes, com a finalidade
de exemplificar. ARTIGOS DE ESTUDOS LITERÁRIOS Letras Escreve – Revista de Estudos Linguísticos
e Literários do Curso de Letras-UNIFAP http://periodicos.unifap.br/index.php/letras ISSN: 2238-8060

INTRODUÇÃO

Os problemas voltados ao ensino de literatura não se aplicam exclusivamente ao ensino médio,


mas vêm de práticas que não desenvolvem o gosto pela leitura, não geram inferências, nem criam
meios que promovam o acesso a textos com qualidades literárias. Sendo assim, o processo de
ensino e aprendizagem de leitura literária, especialmente de poemas, deve estar baseado em
propostas interativas de língua e linguagem entre as quais a literatura está integrada à área da
leitura. E, é partindo do pressuposto de que leitura é um processo inferencial, que este trabalho
torna-se relevante, pois trata de um evento que vai muito além dos limites da sala de aula; está
completamente ligado à esfera humana sendo, portanto, um ato de afirmação e construção da
identidade social, a qual inclui a cidadania, o trabalho e a continuidade dos estudos, como bem nos
propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 2000). Sendo
responsáveis imediatos pelo processo de ensino-aprendizagem, os professores devem levar aos
alunos atitudes conscientes, coerentes e críticas. Para isso, torna-se necessário refletir sobre os
condicionamentos socioculturais e as estratégias pertinentes ao processo de construção de sentidos
48

no ato de ler, afinal, os conflitos entre decodificação/inferência e obrigação/prazer implicam no


desgaste de um sedutor objeto de estudo (a obra literária).
O professor ainda apresentou uma listagem de títulos de obras (geralmente os cânones) para que
os grupos escolhessem e lessem (em casa). A principal atividade posterior, segundo os alunos, foi
a apresentação em forma de seminário, na qual devem ser abordadas, além do resumo da obra, a
biografia do autor e a identificação de características do estilo literário no qual a obra está inserida.
Assim, notamos que a metodologia de ensino adotada pelo professor, muitas vezes, está baseada
no esquema cronológico de periodização, através de informações históricas e biográficas, o que
acaba passando uma imagem negativa da literatura para alguns alunos, que a veem como um ensino
maçante e desvinculado do seu contexto social. Em vista disso, a prática escolar em relação à
leitura literária tem sido a de desconsiderar a leitura propriamente e privilegiar atividades de
metaleitura, ou seja, a de estudo do texto (ainda que sua leitura não tenha ocorrido), aspectos da
história literária, características de estilo etc., deixando em segundo plano a leitura do texto
literário (BRASIL, 2006: 70). Importa chamar a atenção, ainda, para alguns depoimentos que
vinculam o ensino da literatura ao vestibular e outras provas: A gente prioriza essas obras porque
são obras que caem no vestibular que ele vai precisar, mas não que seja uma coisa fechada
(Professor). Através dessas aulas a gente vai ter conhecimento... por exemplo, quem vai fazer
vestibular, quem vai fazer ENEM vai precisar desses conhecimentos, porque como é que tu vai
fazer uma prova assim sem estudar literatura? (Aluno 3). Como vemos, tanto professor quanto
aluno veem relevância na condução do ensino a partir do que é avaliado nos concursos vestibulares,
todavia, é importante ressaltar que a escola não pode submeter seu programa a esse fim. O
vestibular é apenas uma ocorrência na vida do aluno diante de muitas outras; reduzir o trabalho
com a literatura a processos seletivos é desconsiderar a linguagem literária como conteúdo
curricular também voltado para a constituição da identidade do indivíduo e o exercício da
cidadania.
Quanto à leitura de poemas, observamos que apesar de acontecerem de maneira esporádica, as
aulas com esse gênero seguiram duas metodologias básicas: leitura e interpretação oral pelo
professor com a participação dos ARTIGOS DE ESTUDOS LITERÁRIOS Letras Escreve –
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alunos (nas atividades de rotina) e leitura e interpretação escrita pelos alunos (nas avaliações).
Durante as explanações de poemas, professor e alunos socializaram suas inferências individuais;
primeiramente, analisaram o poema por estrofe e, em seguida, apresentaram uma leitura geral do
texto. Posteriormente, o professor apresentou o autor e explorou características do estilo literário
presentes na obra, pois trabalhava o poema (assim como os outros gêneros) de acordo com a
abordagem histórica da literatura. Mais ou menos do mesmo modo, os alunos procederam nas
interpretações por escrito. Assim, foi possível percebermos que a maioria dos alunos se viu como
coautor no desvendamento dos sentidos. O depoimento abaixo traduz o tratamento dado aos
poemas nas aulas de literatura: Quando ele [professor] chegava, ele colocava o poema no quadro
ou entregava num papel pra gente, então ele explicava pra gente o real sentido, o que o autor queria
passar, ensinava a maneira de se pronunciar um poema certo [declamação]... Coisa que a gente
não via, que estava nas entrelinhas, ele tentava repassar pra gente, pra gente saber realmente
interpretar, saber o que o autor queria passar naquele poema, pedia pra quem quisesse falar porque
mesmo sendo o mesmo poema, cada um vê de uma maneira diferente (Aluno 8) Neste sentido,
Lajolo (2000: 50) nos diz que não é objetivo do ensino de literatura abordar um trabalho com
poemas na sala de aula enfatizando elementos de sua constituição formal, fundamentados em uma
determinada teoria literária. Este tipo de prática transforma a leitura numa atividade reprodutora
que desconsidera o papel da escola enquanto instituição social.
50

O POEMA E SUA ABORDAGEM NA SALA DE AULA A PARTIR DA INTERAÇÃO


PROFESSOR/TEXTO/ALUNO

Na análise aqui proposta, os resultados a que chegamos nos levam a adotar o princípio de que há
uma heterogeneidade quanto à relação dos alunos com o aprendizado da leitura do texto literário.
Enquanto uns buscam o entendimento do texto na periodização da literatura e na biografia de
autores, outros se alimentam da leitura de poemas. ARTIGOS DE ESTUDOS LITERÁRIOS
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A maneira como o professor ministra suas aulas é um fator muito importante no processo de
aprendizagem da leitura. Vejamos como os depoimentos a seguir ilustram bem essa questão: Eu
gosto das aulas de literatura pela maneira como o professor ensina. A maneira que ele ensina pra
gente, assim, é bem legal, é bem diferente (Aluno 7). Ele [professor] não só lê bem, como ele
explica bem... Toda vez quando ele chega, ele fala alguma coisa, assim, uma poesia... porque
sempre professor de literatura vem com uma expressão assim d’um poeta (Aluno 5). Portanto, há
de se considerar como positivo esse momento entre professor/aluno porque, através de sua
metodologia, o professor desperta no aluno a sensibilidade, imprescindível no desvendamento do
texto literário. É necessário frisar que o tratamento dado ao ensino só surtiu efeito porque o
professor partiu de leituras poéticas do mundo, fazendo da poesia motivo de apreciação lúdica e
de motivação para a produção de intertextualidade. Antes de começar a aula, ele [professor] sempre
recita algum poema. Antes de ter aulas de literatura eu não tinha essa ânsia de leitura... ainda mais
de poemas. Agora não, eu adoro ler, principalmente poemas (Aluno 7).

A interação com a poesia é uma das responsáveis pelo desenvolvimento pleno da capacidade
linguística do leitor por meio do acesso e da familiaridade com a linguagem conotativa, além do
refinamento da sensibilidade para a compreensão de si próprio e do mundo; a poesia como uma
prática social incorporada à vida cotidiana, como bem indicam as orientações curriculares
(BRASIL, 2006: 60): “quanto mais profundamente o receptor se apropriar do texto e a ele se
entregar, mais rica será a experiência estética, isto é, quanto mais letrado literariamente o leitor,
mais crítico, autônomo e humanizado será”. Cabe a nós chamarmos a atenção para o trabalho com
51

o texto poético, não somente por ser o menos divulgado na sociedade, mas pela maneira que figura-
se no mundo por meio da exploração da linguagem que lhe é singular: a poesia nos provoca
possibilidades de sentido, criatividade, liberdade.
Ainda assim, é necessário apontar que os empecilhos próprios do ensino médio estão intimamente
relacionados à leitura dos textos que se encontram mais afastados no tempo ou que possuem uma
estrutura de linguagem mais ARTIGOS DE ESTUDOS LITERÁRIOS Letras Escreve –
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De acordo com as orientações curriculares (BRASIL, 2006: 70) “há pontos de resistência no
aluno-leitor (seu repertório, os lugares-comuns em que se assenta sua experiência de leitor), como
há tensões de difícil desvendamento em certos textos, especialmente o poético”, como ilustra o
depoimento a seguir: É uma coisa que não vai muito comigo, não, pela forma de ler: de ter que
ficar sempre botando nossa opinião, de ter que ficar lendo, lendo e relendo a poesia... porque é só
assim que vem a mensagem, então, não é uma coisa que eu gosto (Aluno 9). Supomos que a
experiência poética não se deu de forma positiva por conta da dificuldade que muitos alunos têm
de lidar com o abstrato, característica que está intimamente ligada ao discurso poético. A falta de
exploração da linguagem poética nos segmentos anteriores (principalmente no ensino
fundamental) impede que na 3ª série do ensino médio o aluno se veja como coautor, já que o
principal fundamento de qualquer ato de linguagem é a produção de sentidos.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A leitura é objeto fundamental de reflexão teórica para o ensino por ser indispensável na
compreensão do processo de criação e recepção da linguagem artística, sendo a literatura uma de
suas manifestações mais privilegiadas quando se trata de currículo no ensino médio. Algumas
suposições antecipadas pela proposta de pesquisa foram ratificadas, como o ensino da leitura por
meio de abordagens históricas de periodização e de aspectos formais da literatura, assim como a
comprovação de que os alunos entram no ensino médio sem a preparação necessária para a leitura
de textos mais complexos da tradição literária, aqui especialmente, os poemas.
Contudo, outras constatações foram surgindo ao longo do estudo e a principal delas diz respeito
ao prazer pelo gênero poema. Apesar das dificuldades apresentadas pelos sujeitos da pesquisa,
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pudemos comprovar que a metodologia inicial adotada pelo professor no desvendamento deste
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PISTAS PARA ANÁLISE DE POEMA


Como se deve analisar um poema?
Num comentário poético devem tratar-se os seguintes pontos:
Estrutura externa
Estrutura interna
Linguagem poética

Estrutura externa
Geralmente, o poema apresenta-se em verso. O primeiro a fazer será a análise métrica do poema,
com inclusão de um comentário sobre todos os aspectos métricos: versos, pausas, acentos, rimas e
estrofes. É preciso ter em conta que alguns poemas não apresentam uma métrica tradicional, mas
verso livre, o qual não responde a nenhum dos aspectos métricos citados.
No verso, indica-se o nome, classificação e origem, ( por exemplo: o verso alexandrino é um verso
de arte maior, composto por versos heptassílabos, de origem medieval). As pausas finais são as
que marcam verdadeiramente o verso, por isso se deve também fazer referência. Pode-se fazer
ainda alusão aos ritmos presentes no poema. A rima é outro aspecto formal importante, não
esquecer de assinalar o tipo e o esquema rimático.
Finalmente, comenta-se a estrofe. Na formulação tradicional são frequentes as composições de
formas fixas: sonetos, p.ex., mas desde o Modernismo que aparecem esquemas métricos sem
esquema fixo, para permitir a livre criação ao poeta.
Estrutura interna
Na estrutura interna analisam-se as diversas partes em que podemos dividir o conteúdo do poema,
adiantando, em parte , o significado do poema. A estrutura interna, por vezes, está muito ligada à
estrutura externa. Muitas vezes são os recursos próprios da linguagem poética os facilitadores da
divisão do poema, porém a sua delimitação é complexa e necessita que se atenda a diversos
aspectos que a seguir se apresentam.
53

Linguagem poética
A análise da linguagem poética é a parte mais árdua da análise. Apresenta múltiplas aberturas e
os recursos são muito variados, por isso se deve ir analisando os elementos atribuindo-lhes valores
significativos. Apresentar uma enumeração de elementos poéticos sem valor não tem grande
interesse para o comentário do poema. Dizer que o poema apresenta muitas metáforas, repetições,
ou aliterações carece de interesse se não for acrescentado a expressividade desses recursos. Outro
aspecto a evitar é limitar-se a definir as figuras de estilo, (por exemplo: a aliteração é a repetição
de fonemas), isto não interessa para o comentário.
Para realizar um bom comentário deve-se evitar as listas e explicações que não trazem nada sobre
o texto, o importante é procurar o seu valor poético no poema em análise.
Deve-se sempre referir o valor expressivo das figuras de estilo e o valor expressivo que apresentam
os materiais linguísticos ( palavras). Estes dois aspectos são muito importantes e funcionam quase
sempre no mesmo plano.
A seguir apresento alguns elementos que podem servir de guia em qualquer análise poética. Chamo
atenção para o facto destes elementos poderem não aparecer todos em todos os poemas, e cada
poema imporá a ordem em que se comentam estes materiais.
Fonologia
O principal recurso fonológico que apresenta o texto já foi abordado na estrutura externa, pois
todos os elementos métricos são fonológicos.
A aliteração, muito presente em muitos poemas pode apresentar valores expressivos importantes
conforme os sons que se repetem.
Morfologia
A Língua oferece múltiplas possibilidades expressivas, apresento algumas mais significativas:
O substantivo: os valores do substantivo radicam mais do seu significado do que do seu aspecto
morfológico. Talvez que o único aspecto morfológico que interessa mais é a presença de morfemas
apreciativos- diminutivos, aumentativos e depreciativos. Em todos eles são os valores afectivos
que se sobrepõem aos verdadeiramente denotativos. O poeta não aumenta ou diminui magnitudes,
apenas manifesta a sua subjectividade face às realidades que alude o substantivo.
O adjectivo: Deve ser tido em conta pois as suas possibilidades são muito variadas. Aumentam
segundo a sua função e frequência: desde o adjectivo com função de atributo aos adjectivos
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epítetos à volta do nome. A sua colocação face ao nome também é muito variável: por exemplo os
adjectivos valorativos normalmente antepõem-se enquanto os objectivos se pospõem.

O verbo: Os valores modais, aspectuais e temporais que o verbo oferece são muito usados por
muitos poetas.
Determinantes e pronomes: normalmente unem-se ao verbo para mostrar as pessoas gramaticais.
Sintaxe
Os recursos sintácticos mais frequentes são: paralelismo, repetição, hipérbato, assíndeto e
polissíndeto.
Semântica.
A maior complexidade dos textos poéticos radica do predomínio dos valores conotativos frente
aos denotativos. Podem remeter para determinados temas constantes em cada poeta.
As figuras literárias presentes no plano semântico são numerosas.
Figuras de pensamento: Personificação / prosopopeia; antítese ( contraste de ideias); Hipérbole;
Tropos; Metáfora; Sinestesia; Comparação; Metonímia; Sinédoque;
Obs.: Consultar mais figuras em obras ou internet.
Aspectos a considerar quanto à feitura da análise textual
Comentar um texto é verificar o que o autor disse e como o transmitiu, relacionando ambos os
conceitos; é observar as conotações e os sentidos implícitos, interligando-os com as ideias
explícitas; é um momento em que o leitor estabelece afinidade com o texto que lê, expondo a sua
sensibilidade estética, articulando aquilo que o autor disse, o modo como o fez, com a sua
subjectividade de quem analisa e comenta.
O texto deve ser uno e coerente, resultado da articulação de todos os aspectos a tratar, nos
diferentes planos de análise.
As citações devem aparecer entre aspas. Quando não for necessário citar um verso completo ou
uma frase completa deve-se utilizar o sinal [...] no local em que se interrompe a transcrição.
Quando se desejar citar mais do que um verso e essa citação seguir exactamente a ordem do poema
em análise, deverá separar-se os respectivos versos por meio da utilização de uma barra oblíqua
[/].
55

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56

ENSINO DE LITERATURA E AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM:


PRÁTICAS E PERSPECTIVAS

Resumo
Este trabalho apresenta um estudo realizado na área de ensino e aprendizagem de literatura,
abordando mais especificamente a questão da avaliação de aprendizagem dos discentes. O objetivo
é investigar essa questão a partir da análise da coerência entre as perspectivas de uma docente e
suas práticas avaliativas efetivamente concretizadas com seus alunos. Desse modo, busca-se um
entendimento do quanto a concepção metodológica e a didática da professora envolvida na
pesquisa, refletida em uma autorreflexão por escrito da mesma, se reflete nas suas reais práticas
de avaliação dos estudantes. Para atender a essa questão de pesquisa, a metodologia da
investigação envolveu a seleção de uma docente de literatura da rede pública na cidade de
Londrina, Paraná; a realização de um questionário por escrito, promovendo autorreflexão do
sujeito da pesquisa; a coleta de provas aplicadas pela docente a uma turma de literatura do Ensino
Médio; e o cruzamento dos dados registrados na reflexão por escrito via questionário com os dados
observados nas provas, para posterior análise. O referencial teórico empregado na realização do
estudo inclui os seguintes autores: William Cereja (2005), Rildo Cosson (2011), Regina Zilberman
(2009), José Luís Jobim (2009) e Elaine Showalter (2003), entre outros. Os resultados da pesquisa
sugerem, na maior parte, consistência entre as perspectivas e concepções didáticas e metodológicas
da docente e as efetivas práticas de avaliação conduzidas pela mesma. Esses resultados são
discutidos de modo a expandir o escopo do trabalho em questão, apresentando contribuições para
demais professores da área de literatura no que tange seus processos de ensino, aprendizagem e
avaliação de aprendizagem na disciplina de literatura.
Palavras-chave: Autorreflexão docente. Avaliações escritas. Concepções. Coerência.

Introdução
Propomos neste estudo refletir sobre ensino, aprendizagem e, em especial, a avaliação de alunos
do ensino médio na disciplina de literatura. Para tanto, procedemos especificamente com análise
do cruzamento entre as reflexões que uma docente faz sobre sua área de trabalho (o que ela acredita
ser ensinar e aprender literatura) e as avaliações escritas que ela aplica aos seus alunos. Com o uso
de um questionário de autorreflexão respondido pelo sujeito da pesquisa e de provas elaboradas
por esse mesmo sujeito e aplicadas aos seus alunos no ano de 2014, verificamos suas concepções
sobre literatura e seu ensino, as possíveis consistências entre autorreflexão e prática avaliativa, e
investigamos, ainda, a questão de possíveis dificuldades específicas da área no que tange a
avaliação dos estudantes. Objetivamos, então, discutir questões sobre ensino e aprendizagem de
literatura, bem como de avaliação, dentro de nossa perspectiva a favor de uma prática de ensino
menos cristalizada e mais problematizadora e atenta à percepção singular do aprendiz.
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Referencial Teórico
Como é de conhecimento geral, a educação brasileira deve estruturar sua atuação através do
postulado em documentos oficiais, a partir da lei 9.394/96 (BRASIL, 1996), incluindo por exemplo
as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (BRASIL, 1998) e os Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000). Conforme argumenta Cereja (2005, p. 126), de um modo
geral, esses documentos pressupõem um caminho “de busca do conhecimento significativo para o
aluno, de intercâmbio de conhecimentos entre as várias disciplinas, de participação social e
compromisso com a cidadania, de integração do estudante ao mundo globalizado e tecnológico,
entre outras metas”. No entanto, tem sido observado um certo descompasso entre essas propostas
(diretrizes) e sua real execução, bem como certas dificuldades de conceituação, além de falta de
clareza ou de especificidades para as práticas de ensino. No caso específico do ensino de literatura,
por exemplo, “falta aos documentos que deveriam fomentar o debate sobre a reforma de ensino na
disciplina – os PCNEM e os PCN+ - maior desenvolvimento das propostas ou maior clareza sobre
conteúdos e metodologia a serem adotados” (CEREJA, 2005, p. 126). Nesse sentido, torna-se
visível o fato de que o ensino de literatura encontra-se carente de mais profunda orientação sobre
sua concretização metodológica.

Além disso, os atos de ensinar e aprender literatura carecem de mais atenção e pesquisa também
considerando-se sua complexidade específica e os contextos sociais e educacionais
contemporâneos e em transição. Um dos fatores que mais confere complexidade ao ato de ensinar
e aprender literatura é a falta de preparação adequada nas licenciaturas em Letras pelo país afora.
Como demonstra Cereja (2005, p. 42), é comum os docentes saírem desse curso de graduação com
um certo nível de “imprecisão sobre seu objeto de ensino” e sem uma “opção metodológica ou
orientação teórica” consistente. Esse grave fato implica em práticas docentes muitas vezes
baseadas em palpites e “achismos”, desconectados de qualquer fundamentação sólida sobre a
docência, o que evidentemente afeta a qualidade de ensino e a própria relação do aluno com os
livros. Claro que esses palpites, provenientes das diferentes experiências de vida do sujeito
professor, constituem um dos vários saberes pertinentes à docência, isto é, o saber experiencial ou
prático, conforme a terminologia de Tardif (2014).

Logicamente, porém, esse repertório de vivências pessoais não é suficiente, nem constitui em
58

si uma metodologia (quanto mais uma apropriada) para o ensino.

Outra das principais dificuldades na administração das aulas de literatura (e de outras disciplinas,
também) é a pressão sofrida pela escola para o sucesso dos estudantes nos exames de vestibular.
Conforme pesquisa de Cereja (2005, p. 64), as exigências do vestibular orientam os cursos
preparatórios para essas seleções e, gradativamente, tais cursos, “com suas práticas de ensino
centradas na revisão de conteúdos, e não na construção de habilidades, competências e
conhecimentos, acabaram adentrando a sala de aula da escola regular e alterando o paradigma do
que deva ser uma aula no ensino médio”. Assim, no caso da literatura, tanto as aulas quanto as
avaliações fazem o aluno “situar os autores na linha do tempo dos movimentos literários, citar as
obras que introduziram novos estilos de época, características de movimentos, gerações e autores,
etc.” (CEREJA, 2005, p. 65), porém sem habilitar os estudantes a “proceder a uma interpretação
ou a uma análise do texto ou de obra literária. Às vezes, despreparados até para operações básicas
como comparar dois textos do ponto de vista do tema ou da forma” (CEREJA, 2005, p. 65).

Nesse contexto de imprecisão e sob a “camisa-de-força” do vestibular, para usar expressão de


Cereja (2005), muitos professores optam (conscientemente ou não) por reproduzir padrões de
ensino aos quais foram eles mesmos sujeitados, anos atrás, enquanto alunos de literatura no ensino
médio. Conforme explicado por Cereja (2005, p. 125), “a historiografia literária tornou-se a única
referência para inúmeras gerações de professores, que aprenderam e ensinaram literatura a partir
desse tipo de abordagem, sem sequer pensar na possibilidade de existência de outras abordagens”.
Nessa repetição de padrões vividos, os professores tratam a literatura pela historiografia, que
apesar de ter vantagens concretas para a organização curricular e para a interdisciplinaridade, é
pobremente abordada através de um modo cristalizado, esquemático e transmissivo. A aula é
frequentemente centralizada no professor e descontextualizada da realidade e interesses do aluno
e do mundo atual em que vive. O aluno passivamente recebe e memoriza informações, sem
explorar a leitura como mediadora entre o sujeito humano, o seu imaginário, e o seu presente
(ZILBERMAN, 2009), sem buscar uma atitude participativa de si no seu contato particular com
os textos (BORDINI; AGUIAR, 1988), e sem criar novos horizontes ou acessar novas versões do
mundo que conhece (JOBIM, 2009).
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Considerando essa realidade, achamos de fundamental importância contribuir para estudos na área
de ensino e aprendizagem de literatura, justamente de modo a oferecer novas reflexões sobre como
proceder com esse complexo processo. Alinhamos nossa perspectiva sobre ensino de literatura
com a visão de Colomer (2007), na qual a aula deve promover debate real sobre cultura, ideias e
valores, em um diálogo entre o texto com o aluno e seu próprio universo e visões, sem a
simplificação de dimensões culturais, estéticas, históricas ou políticas.

Entendemos, conforme Cereja (2005) e Zilberman (2009) que a literatura na escola deve promover
o desenvolvimento da competência leitora e cultural dos estudantes, constituindo um trabalho na
formação de leitores críticos e informados, aptos a verem o mundo e os fenômenos sociais e
culturais de modo mais inteligível, e sabendo pensar, agir e reagir nesses contextos. De modo
semelhante, sustentamos nossas visões também no trabalho de Showalter (2003, p. 24, tradução
nossa), que defende as tendências pedagógicas nas quais se dá mais ênfase às competências, ou
seja, a “o que os estudantes vão ser capazes de fazer, bem como entender”, não mais tentando
“cobrir” uma certa gama de tópicos, mas focando em “facilitar o aprendizado e o ato de pensar do
aluno”.

Ensinar literatura de modo a produzir tais competências é, evidentemente, mais complicado do que
meramente expor características de movimentos literários em uma historiografia clássica aplicada
de modo esquemático e transmissivo. Essa perspectiva voltada para competências certamente
implica em mudanças significativas na prática docente. Para uma aula de literatura mais
questionadora, contextualizada e problematizadora, uma série de questões precisam ser levadas
em consideração – por mais óbvias que possam soar. Não é possível o ensino ser bem sucedido se
não houver clareza sobre o que ensinar, o que esperar da aprendizagem do aluno, e como proceder,
tanto para ensinar quanto para verificar o aprendizado. Em outras palavras, o professor de literatura
precisa refletir seriamente sobre o que ele mesmo espera de seu aluno e de sua aula, algo que, em
última instância, significa dizer o que esse professor acredita ser ensinar e aprender literatura. Por
exemplo, se a aula dada por certo docente se limitar a criar um discurso sobre a literatura, como
tradicionalmente é feito, então esse professor não pode cobrar e esperar que o aluno tenha
capacidade para estabelecer interpretações variadas e relações complexas entre temáticas literárias
e valores do mundo contemporâneo – afinal, o aluno não foi preparado para isso.
60

Vinculada a essa visão de ensinar focando no desenvolvimento de competências, a questão da


avaliação também passaria por transformações. Como coloca Leahy-Dios (2000), em uma
pedagogia voltada para a transformação do indivíduo e seu meio, através da competência em ler e
interpretar os textos e o mundo por trás deles, as formas de avaliação devem ser condizentes com
essa pedagogia; caso contrário, se meramente exigirem lembrar o que foi ditado e pensado pelo
professor, a “resposta literária” jamais constituirá uma “responsabilidade literária”. Segundo
afirma Cosson (2011), no chamado letramento literário os aprendizes, avalia-se através de
instrumentos qualitativos e quantitativos, conduzindo o processo não mais de modo unidirecional,
mas sim compartilhado. Para tanto, é preciso que o docente “tome a literatura como uma
experiência e não um conteúdo” (COSSON, 2011, p. 113), abrigando as visões (coerentes) dos
alunos e promovendo a avaliação não como “imposição da interpretação do professor; [mas como]
um espaço de negociação de interpretações diferentes” (COSSON, 2011, p. 115). É, então, com
base nessas visões que procedemos com nossa investigação sobre ensino, aprendizagem e
avaliação na aula de literatura.

Materiais e Métodos
Como dito anteriormente, a coleta de dados para a realização desta pesquisa incluiu a aplicação de
um questionário por escrito com a docente envolvida no estudo, juntamente com a coleta de um
conjunto de três avaliações escritas preparadas pela docente e aplicadas aos seus alunos de segundo
ano do ensino médio no ano de 2014. Nesta seção, falaremos brevemente sobre a docente
envolvida no estudo, e na sequência traremos mais detalhes sobre os tipos de material coletados,
bem como sobre as formas de procedimento usadas para nossa análise dos dados.
A docente participante na pesquisa trabalha com ensino de língua portuguesa, redação e literatura
brasileira há cinco anos, tendo lecionado para os três anos do ensino médio em pelo menos uma
das escolas em que atua. Ela tem formação específica em nível de graduação na área de Letras,
além de especializações em áreas correlatas. A docente participa ativamente de grupos de
formação, grupos de estudos, bem como de pesquisas científicas em parceria com pesquisadores
de nível superior. Ao longo da parceria estabelecida com a professora para a realização deste e de
outros estudos semelhantes, pudemos perceber seu engajamento, seriedade de propósito, interesse,
motivação e abertura para o diálogo e para trocas de experiências e ideias a respeito da formação
e do fazer docente.
61

Sobre os materiais usados na análise, o questionário aplicado para a professora era composto por
oito questões, abrangendo tópicos como formação acadêmica, experiência docente, visões sobre
ensino e aprendizagem de literatura e desafios cotidianos, entre outros.

O questionário foi respondido pela professora fora de seu horário normal de trabalho, e com
amplo prazo para realização, em uma tentativa de amenizar as possibilidades de respostas
lacônicas, apressadas ou mal pensadas e sem reflexão. Apesar de já conhecermos a professora
(por sua participação em outras pesquisas) e termos ciência de seu comprometimento e
seriedade, ainda assim julgamos relevante que o questionário fosse realmente um momento de
reflexão individual e sem qualquer tipo de presença ou pressão externa que pudesse intervir
nas respostas. Acreditamos que essa liberdade para lidar com o documento ajudou a professora a
preparar suas respostas de modo que ela mesma ficasse satisfeita em conseguir expressar o que
pensava, apropriadamente.

Já as avaliações escritas que foram aplicadas pela professora aos seus alunos e que posteriormente
selecionamos para análise foram coletadas em número de três, justamente por constituírem um
grupo de todas avaliações formais e na modalidade escrita aplicadas para uma mesma turma e ao
longo de um ano letivo. Cumpre destacar que, no mesmo período, a professora utilizou também
outras formas de avaliação para esta turma, envolvendo, por exemplo, apresentações orais
individuais ou em pequenos grupos, elaboração de portfólios materializados e/ou escritos, e
participação dos estudantes nas aulas, para citar alguns modos.

No entanto, para este estudo, especificamente, optamos por focar apenas nas avaliações escritas,
por serem registros de mais fácil acesso para análise, já que os dados foram coletados em um
momento relativamente avançado do ano letivo em questão.

Abordaremos, agora, os métodos que usamos para analisar os dados coletados.


Procedemos da seguinte maneira: fizemos leitura e discussão a respeito do questionário respondido
pela docente, à luz de concepções sobre literatura e sobre ensino que subjaziam as
respostas fornecidas; e paralelamente a isso, fizemos também leitura e debate sobre as avaliações
escritas aplicadas pela docente, considerando em especial as questões propostas em termos de
62

quais habilidades e tipos de conhecimento eram exigidos dos alunos. Por fim, realizamos um
cruzamento destas reflexões, buscando atingir nosso objetivo principal, ou seja, de verificar a
coerência entre as visões da professora sobre sua disciplina de trabalho e a prática de ensino desta
área com relação ao que efetivamente era cobrado dos alunos nas verificações de aprendizagem
por escrito, de modo a estabelecer reflexões para os campos de ensino, aprendizagem e avaliação
na disciplina de literatura.

Resultados e Discussão
Inicialmente, destacaremos alguns pontos observados no questionário da docente, para ilustrar e
discutir de modo geral a visão que a mesma demonstra possuir sobre a área de literatura e seus
processos de ensino e aprendizado.

Um elemento que chama a atenção é que a professora valoriza formações acadêmicas juntamente
com formações a partir da experiência – a própria bem como a compartilhada. A professora
explicita que é valioso “trocar experiências com outros colegas de trabalho, atitude que acredito
enriquecer muito a minha prática”. Além desse compartilhamento, ela pensa a sua própria
experiência como relevante para melhores performances, destacando “a maturidade que se vai
adquirindo com o passar dos anos em sala de aula”. Citando ainda o aprimoramento intelectual e
pesquisa diária sobre o conteúdo como elementos importantes em sua prática, na visão da docente,
“o maior aprendizado de um professor está no ambiente escolar, na interação com os seus
educandos”. Essas ideias sugerem que a participante se preocupa com sua atuação enquanto
educadora, e busca em maneiras diversas (cursos e formações, trocas com colegas, observações de
sua própria experiência e interações com os alunos) reflexões sobre sua prática, de modo
consciente e almejando melhores performances de ensino e, por conseguinte, melhores resultados
de aprendizado. Isso é muito positivo no sentido de indicar uma educadora com responsabilidade
e maturidade perante sua tarefa, apesar do relativo pouco tempo na carreira.

Outro ponto a destacar nas reflexões do questionário se refere aos modos como a participante
enxerga seu objeto de trabalho, isto é, a literatura. A docente afirma que “a literatura me encanta
63

enxergá-la como processo da nossa história. Procuro trabalhar a literatura de maneira dinâmica,
fazendo com que os alunos percebam que ela está presente em nosso cotidiano”. Essa perspectiva
articulada pela professora é perfeitamente condizente com nossa própria visão de que o ensino de
literatura deve ser significativo para o aluno, trazendo o texto para seu universo específico, fazendo
tal obra significar e comunicar-se com o estudante, suas visões, valores e horizontes. De fato, como
a própria professora afirma, ela busca em suas aulas “que os aprendizes adentrem no contexto da
obra, tornando mais real e concreta a leitura e, consequentemente, o aprendizado”. Com esses
dizeres, observamos então uma clara afinidade entre a perspectiva de ensino da docente com a
perspectiva que também defendemos, ou seja, de um ensino no qual o aluno se aproprie dos
conteúdos, construindo conhecimentos e vivências, ao invés de meras memórias de informações
abstratas.

Nessa perspectiva de ensino contextualizada e significativa ao aluno, a professora afirma


desenvolver práticas específicas de ensino que estimulam o pensamento, a criatividade e a
interação direta e concreta do educando com a obra literária, seus contextos e possibilidades de
interpretação. Cremos que isso tudo direcionaria o aluno para efetivamente desenvolver
competências, ao invés de somente somar informações – novamente, o tipo de visão que
defendemos para a aula de literatura. Dentre essas práticas, a docente destaca “atividades literárias
mais 'artesanais', que instiguem no aluno a criatividade e, sobretudo, promovam a interação com
outros colegas” - lembrando que a interação com os colegas também é algo positivo no sentido de
desconstruir a aula centralizada no professor como detentor da única resposta correta e
interpretação possível a respeito de dado texto literário.

Uma das atividades citadas pela docente é a releitura dos textos via diálogos com outras mídias,
como filmes (incluindo musicais e documentários), teatro e novelas. Nas palavras da professora,
“tal 'casamento' oportuniza uma leitura mais completa e contextualizada com a própria realidade
do educando, pois o leva a descobrir traços e elementos semelhantes em obras muitas vezes tão
distantes na sua elaboração”. Como podemos ver, novamente, a visão que a docente tem se
assemelha com a que acreditamos ser mais eficaz.
64

Já no que tange a questão da avaliação, observamos que a participante defende práticas


sistemáticas e cobranças de formas dinâmicas e socializadas. Segundo ela mesma afirma, isso
serve “para que não se torne uma prática 'chata' e cansativa, tornando o aluno resistente”.

Como mencionamos anteriormente, as formas de avaliação da docente não se limitam a avaliações


escritas, exclusivamente (embora essas sejam as únicas que analisamos nessa pesquisa). Os alunos
são usualmente avaliados também a partir de seminários, apresentações orais, participação nas
aulas, teatros, elaboração de portfólios materializados ou escritos, entre outras possibilidades.
Concordamos com a docente que a avaliação em literatura não deve se restringir unicamente ao
modelo tradicional de exames escritos, justamente para dar conta de diferentes formas de
expressão e de estilos de aprendizagem, bem como para evitar que a avaliação de aprendizagem
seja apenas pontual e focada em um produto singular – sendo mais interessante uma avaliação
concentrada em todo um processo de crescimento e desenvolvimento gradativo de certa autonomia
e de competências específicas.

Na sequência, falaremos especificamente das avaliações elaboradas e aplicadas pela professora,


comentando e cruzando nossas observações e argumentos dessas avaliações com as perspectivas
da professora sobre sua área de trabalho, brevemente pontuadas acima.

Um item relevante a destacar sobre as provas é que elas misturam questões elaboradas por
universidades e aplicadas em seus exames de vestibular com questões totalmente novas e criadas
pela própria professora. Essa mistura tem como positivo a oportunidade de oferecer uma espécie
de “treinamento” ao aluno que irá encarar o real exame de vestibular, em termos de promover sua
familiarização com formulação das perguntas e com tipo de linguagem e de exercícios típicos do
exame – porém sem excluir questões que não sejam “voltadas” ao vestibular, justamente com o
uso de perguntas elaboradas pela própria professora. Além disso, as questões de vestibular
agregam de positivo seu certo rigor de exigência, no sentido de fazerem parte de processos
seletivos. Também observamos (e apreciamos) o fato de que as questões de vestibular escolhidas
pela docente não serem somente aquelas que verificam conhecimento do enredo da obra (estas
estão presentes, ocasionalmente); há ainda questões voltadas para interpretação e para relação de
dada obra com conteúdos da teoria literária, por exemplo, que são conteúdos importantes e
65

também válidos de serem verificados, uma vez que fazem parte do entendimento de letramento
literário e do próprio conceito de um leitor literário competente.

Já nas questões criadas pela professora, é louvável que as mesmas trazem o potencial para abrigar
especificidades dos debates realizados na própria turma. Essas questões são, portanto, mais
personalizadas para o contexto de ensino em questão e para os significados que a obra veio a
adquirir naqueles debates e para aqueles indivíduos especificamente envolvidos.
Acreditamos que isso seja perfeitamente coerente com a visão da professora de que o aluno deve
ver a literatura como presente em seu cotidiano e como prática significativa para seu horizonte
particular. Nesse sentido, então, vemos que existe uma sólida consistência entre as articulações da
docente nas reflexões do questionário e suas práticas de avaliação aqui em análise.

Outra observação sobre as provas tem a ver com os modelos variados de questões que se
apresentam. São propostas questões de múltipla escolha (como assinalar a alternativa incorreta ou
a única alternativa verdadeira, ou então somar todas as proposições verdadeiras); e também
questões dissertativas dos tipos: elaborar uma descrição, explicar uma afirmação sobre o texto,
fazer comparação entre personagens, justificar eventos específicos do enredo.

Por fim, há também questões dissertativas de um tipo que nos interessa em especial, por
envolverem o posicionamento e a visão de mundo do próprio aluno. Eis um exemplo elaborado
pela própria docente: “Cite as possíveis críticas presentes na obra Senhora, de José de Alencar, e
as contextualize com a nossa realidade”. Aqui o aluno estabelece relações entre diferentes
contextos (o da obra e o seu), de modo a fazer a obra significativa para sua realidade e experiência
de vida. Isso reforça mais uma vez a coerência entre a visão que a professora tem e as provas que
aplica, ou seja, com aulas e exercícios que fazem a literatura e o aluno comunicarem-se em termos
daquilo que é relevante para o estudante, fazendo deste um ser questionador competente, com
certas habilidades desenvolvidas.

Um outro aspecto interessante nas avaliações diz respeito aos tipos de conhecimentos envolvidos.
Além dos saberes da teoria literária (como o tipo de narrador presente em dada obra) e da
historiografia literária (como os atributos de um texto do período ultrarromântico), as provas abrem
espaço, ainda que pequeno, para o cruzamento de conhecimentos da literatura com outras áreas,
66

como a história e a política. Uma questão desse tipo propõe o seguinte, após um excerto de A
Cidade e as Serras, de Eça de Queirós: “Tendo em vista o contexto da obra, explique o que
significa, para Jacinto, ser 'socialista'”. É notável que a docente, com essa questão, articula sua
área em conjunto com outras áreas de conhecimento, desfragmentando os saberes disciplinares,
que são tipicamente entendidos de modos isolados e sem conexão uns com os outros. Como a vida
e realidade não são exatamente assim, compartimentalizadas e “fechadas”, a docente novamente
aplica em suas avaliações algo que ela diz em suas reflexões, ou seja, a visão de que a literatura
faz parte da vida, do cotidiano, e portanto deve ser tratada (ensinada e avaliada) de modos
conectados, contextualizados e relevantes. Mais uma vez, então, ela é coerente entre seus pontos
de vista e seu modo de ensinar e avaliar – e, ainda, suas perspectivas alinham-se com aquelas que
apresentamos no início, ou seja, por um ensino mais significativo, comunicativo ao mundo do
educando, e focado em desenvolver competências para o mesmo poder interagir nesse mundo.

Por fim, procuramos observar possíveis dificuldades no processo de avaliar alunos de literatura.

No caso específico da atuação dessa professora, acreditamos que ela não encontra impedimentos
ou dificuldades severas para discutir e avaliar as obras literárias propostas aos seus alunos, tendo
em vista, principalmente, a multiplicidade de atividades apresentadas a eles nas avaliações escritas.
Conforme o seu relato no questionário respondido, ao incentivar e motivar o aluno, “a criatividade
em muitos casos só precisa ser despertada, e é nestas atividades que temos surpresas, pois a
timidez em alguns casos dá lugar para o dinamismo”.

A partir de ações significativas e práticas bem dialogadas a docente consegue ativar a articipação
dos alunos e obtém resultados positivos nas abordagens das obras literárias. Isso nos parece
evidente nas avaliações escritas que investigamos, uma vez que, como vimos, uestões mais abertas
à opinião e subjetividade do aluno também estão presentes – questões que supõem a participação
ativa do aluno e sua real proximidade com a obra.

Considerações Finais
A partir das discussões apresentadas, podemos afirmar que a aula de literatura, quando
desenvolvida como uma experiência contextualizada e compartilhada entre o
aluno/professor/aluno, torna-se, em termos de aprendizagem, um processo mais dinâmico e
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significativo ao aprendiz. Em outras palavras, o ato de ensinar e aprender literatura, bem como o
de avaliar essa disciplina, dependem para seu maior sucesso de uma concepção aberta, dinâmica e
dialógica acerca do objeto de estudo da disciplina. Cabe ao professor, como mediador da disciplina
em sala de aula, desenvolver o letramento literário dos aprendizes de forma significativa, focando
mais no desenvolvimento de competências e propondo atividades, debates, estudos e avaliações
através de instrumentos qualitativos e quantitativos, sem imposição de interpretações singulares e
padronizadas, e sim, incentivando a multiplicidade de leituras, condizente com a pluralidade de
leitores e visões que se apresentam em uma única sala de aula.

Quando os estudos literários são tratados mais como experiências do que como conteúdos, o prazer
da leitura literária é aflorado naturalmente entre os leitores, e tal prazer não pode ser minado por
formas de avaliação antiquadas, limitadoras e cristalizadas.
Esperamos, então, que este estudo tenha mostrado como o ensino/aprendizagem e a avaliação
de literatura se beneficiam mais se ocorrerem através de atitudes e práticas problematizadoras,
contextualizadas e abertas.
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REFERÊNCIAS
BORDINI, M. G.; AGUIAR, V. T. Literatura: a formação do leitor. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1988.
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 30 jun. 2015.
______. Conselho Nacional de Educação. Resolução n. 3, de 26 de junho de 1998. Institui as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Diário Oficial da União, Brasília,
DF, 5 ago. 1998. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rceb03_98.pdf>.
Acesso em: 30 jun. 2015.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros
curriculares nacionais: ensino médio. Brasília, DF: MEC, 2000. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2015.
CEREJA, W. R. Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com literatura.
São Paulo: Atual, 2005.
COLOMER, T. Andar entre livros: a leitura literária na escola. Tradução de L. Sandroni.
São Paulo: Global, 2007.
COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2011.
JOBIM, J. L. A literatura no ensino médio: um modo de ver e usar. In: ZILBERMAN, R.;
RÖSING, T. M. K. (Org.). Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. São Paulo:
Global, 2009. p. 113-137.
LEAHY-DIOS, C. Educação literária como metáfora social. Niterói: Eduff, 2000.
5007
SHOWALTER, E. Teaching literature. Oxford: Blackwell, 2003.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
ZILBERMAN, R. A escola e a leitura de literatura. In: ZILBERMAN, R.; RÖSING, T. M. K.
(Org.). Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009. p. 17-39.
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TEMA III
Géneros Literários e o Ensino-Aprendizagem e obras literárias

GÊNEROS LITERÁRIOS Dramático, Épico, Narrativo e Lírico

O QUE SÃO GÊNEROS LITERÁRIOS?

- Designam as famílias de obras literárias dotadas de características iguais ou semelhantes.


-Porém, os gêneros “não são espartilhos sufocantes nem moldes fixos”, pois, com o passar dos
anos, foram se modificando e se mesclando, sendo possível perceber a utilização de características
de uns em outros. Exemplo: características líricas em textos narrativos.

OS GÊNEROS LITERÁRIOS NA ANTIGUIDADE


Na Grécia Antiga, berço da Literatura Ocidental, os textos literários eram escritos em versos e
assim se dividiam:
a) Gênero épico: narrações de fatos grandiosos, centrados na figura do herói. Para Aristóteles, é a
palavra narrada
b) Gênero dramático: textos destinados para a representação cênica, ora como tragédia, ora como
comédia. Segundo Aristóteles, a palavra representada.
c) Gênero lírico: textos de caráter emocional, centrados na subjetividade, nos sentimentos. Para
Aristóteles, a palavra cantada.

OS GÊNEROS LITERÁRIOS NA MODERNIDADE


- Algumas modificações se fazem presentes. Perceba:
a) Os textos dramáticos hoje não precisam necessariamente ser escritos em versos.
b) O gênero épico perdeu sua força, pois se desdobrou em um quarto gênero: o narrativo, que
possui vários subgêneros, como a crônica, a novela, o romance, a fábula etc.
c) Na Semana de Arte Moderna de 1922, o gênero lírico ganhou mais liberdade, perdendo a
obrigação de falar apenas dos sentimentos e de seguir regras estilísticas muito rígidas.

O GÊNERO DRAMÁTICO
-Textos destinados à representação.
-Surgiu nas festas religiosas em homenagem ao deus grego Dionisio (Baco).
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-Sófocles, Ésquilo e Eurípedes são importantes dramaturgos da Antiguidade. Shakespeare, já na


era moderna, é outro grande nome do gênero. Pintura a óleo que representa o deus grego Dionísio.
O GÊNERO DRAMÁTICO
-Deve ser encenado por atores.
-Apresenta-se em forma de diálogo (discurso direto), dividido em
atos e cenas.
-Não possui narrador. As informações são dadas através das rubricas, apresentadas,
normalmente, em itálico e entre parênteses.
-Possui a descrição do ambiente/ situação antes de cada ato, para facilitar o trabalho do
encenador.
-A sequência da ação dramática constitui-se em: exposição, conflito, complicação, clímax e
desfecho.
-O teatro clássico envolve a catarse.

O GÊNERO DRAMÁTICO
-Segundo Aristóteles, os subgêneros do drama são: a tragédia e a comédia.
-Muitos outros subgêneros surgiram ao logo dos anos, como o auto, surgido na Idade Média.

COMÉDIA
-De caráter sério e solene. De caráter cômico e ridículo.
-Temática nobre, o protagonista enfrenta a desgraça.
-Temática do cotidiano, sátira da sociedade e dos defeitos humanos.
-Registro formal Registro coloquial
-Início feliz – desfecho fatal Início complicado – final feliz
-Personagens nobres: reis, príncipes, que sofrem com o Destino.
-Personagens estereotipados: o rabugento, o avaro, o mesquinho.
O GÊNERO ÉPICO
-A EPOPEIA é a narrativa do gênero épico. Tem caráter sublime.
-Escrito em forma de versos.
-É um poema narrativo em terceira pessoa que trata de fatos passados e grandiosos.
-Dividido em Cantos.
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-Marcado pela objetividade.


-Tem como eixo central a figura do herói e suas façanhas.
-Mistura elementos terrenos com elementos lendários e mitológico.
-Apresenta as seguintes partes: Introdução, Invocação, Narração, Epílogo.
OS GRANDES POETAS ÉPICOS
-Homero e Virgílio foram os grandes poetas da épica clássica.
-A Ilíada e a Odisséia são os dois poemas épicos que inauguraram a literatura ocidental.
-Na literatura de língua portuguesa, o grande poeta épico é Luís de Camões, que escreveu Os
Lusíadas, epopeia que narra os feitos do povo português.
- O Cavalo de Tróia, um dos episódios da Ilíada.

O GÊNERO NARRATIVO
-Com o Romantismo, no final do século XVIII e início do século XIX, atendendo às expectativas
do novo público leitor, o gênero épico transforma-se na narrativa de ficção.
-O romance é a manifestação mais importante dessa época e até hoje.
-ATENÇÃO: ROMANCE (subgênero narrativo) X ROMANCE (relação amorosa entre pessoas)
X ROMANTISMO (escola literária).
Victor Hugo, escritor francês. Um dos responsáveis pela popularização do romance no século IX.
Escreveu Os miseráveis.

O GÊNERO NARRATIVO
-O gênero narrativo possui alguns subgêneros que são classificados:
a) Pela temática: policial, de amor, histórico, de ficção científica, infanto-juvenil etc.
b) Pela estrutura, conteúdo e extensão: romance, novela, conto, crônica, fábula, ensaio etc.
“Domingo, de volta do futebol, ele serve-se de uma cachacinha,liga o rádio - Sabe, paizinho ?
É o menino de seis anos, todo prosa.- O que, meu filho ?- Essa a música que a mãe dança com o
tio Lilo”.
(Mini-conto extraído do livro 234, de Dalton Trevisan)
72

O GÊNERO LÍRICO
-Escrito em versos, apresenta as emoções íntimas através da expressão verbal rítmica e elodiosa.
-Na Antiguidade, este gênero era destinado ao canto, acompanhado do som da lira.
-Para os antigos, o valor da poesia lírica estava na capacidade de expressar emoções e de espertá-
las.
-Gravura em cerâmica representando um poeta lírico e sua lira
O GÊNERO LÍRICO
-No poema lírico, a voz que expressa emoções é o EU LÍRICO, um eu poético inventado pelo
poeta.
- A subjetividade é a marca do lirismo.
- A poesia lírica é escrita em primeira pessoa e trata do tempo presente.
- Apresenta muita preocupação com os recursos estilísticos, como a métrica, o ritmo, a rima, a
estrofação etc.
“Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente me grita. Penso
depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi”.
Mário de Andrade
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Ensino de literatura e gêneros textuais: um desafio de nosso tempo

A educação do leitor de literatura não pode ser, em vista da polissemia que


é própria do discurso literário, impositiva e meramente formal. Como os
sentidos literários são múltiplos, o ensino não pode destacar um conjunto
deles como meta a ser alcançada pelos alunos.
Aguiar e Bordini (1993)

1 Literatura e escolarização
Na realidade um tanto conturbada do ensino, em que a literatura restringe-se, muitas vezes, à
focalização de dados que dizem respeito à condição do autor (datas, eventos, listagem de obras),
em lugar de privilegiar o texto, que se apresenta em múltiplos gêneros, é imprescindível repensar
questões básicas da literatura e do ensino da disciplina, uma vez que esse conhecimento tem
acompanhado o ser humano, provendo-o com os elementos do imaginário necessários para
enfrentar os obstáculos da vida bem como tentando responder aos seus questionamentos
fundamentais. Esse aspecto é reiterado por Bettelheim (1980), o qual assevera que o contato da
criança com uma literatura de qualidade, como os contos de fadas tradicionais, promove o
equacionamento de problemas fundamentais vivenciados pelo ser humano nos estágios iniciais do
desenvolvimento. O autor considera a utilidade terapêutica do gênero contos tradicionais para
resolução de conflitos internos, especialmente, aqueles relacionado à fase edípica e aos resultantes
da integração das instâncias, ego e superego na formação da personalidade. Além disso, como uma
modalidade privilegiada de comunicação, a literatura possibilita a instauração do diálogo entre
textos de diferentes gêneros e leitores de todas as épocas. Nessa perspectiva, a leitura do texto
literário pode ser caracterizada como uma atividade que se posiciona de modo a destituir a
fragmentação do conhecimento, devido à grande abertura que a literatura proporciona ao leitor
para relacionar assuntos e temas, favorecendo a articulação entre os saberes. A propósito,
Zilberman (1999, p. 79) enfatiza que “a leitura constitui o elemento fundamental na estruturação
do ensino [...] [uma vez que] está no começo da aprendizagem e conduz às outras etapas do
conhecimento.” E, nesse sentido, cabe destacar o fator emocional que a literatura mobiliza, visto
a relação afetiva que se estabelece entre texto e leitor.

Egon Rangel (2003, p. 130) chama a atenção para a funcionalidade do conceito de letramento literário
na formação do leitor, na medida em que essa noção permite “descrever as formas de existência cultural
74

da escrita que definem um texto como literário, que delimitam um cânone determinado e que assinalam,
para os sujeitos, o âmbito da estética associado à leitura literária”. Essa perspectiva possibilita a
apropriação de elementos culturais, construindo um repertório de conhecimentos necessários para a
formação não somente de um leitor, mas de um ser humano com referenciais que o situam em seu
universo. Para atingir esse propósito, assevera o autor:
Numa perspectiva como essa, é não só possível como necessário perceber a leitura
como uma articulação, a cada momento única, entre funções da escrita, valores a elas
associados, formas de existência e de circulação social dos textos, efeitos de sentido
decorrentes dessas condições e implicações subjetivas para os indivíduos.
(RANGEL, 2003, p. 131).

A relevância desse processo, por si só, legitima a escolarização da literatura que se tornou uma
disciplina regida por legislação pertinente. Essa escolarização deve consistir na apropriação
adequada da literatura pela escola, espaço privilegiado para o desenvolvimento do gosto pela
leitura, inviabilizando, assim, o processo de didatização do texto literário, como instrumento com
fins pedagógicos.
Os estudos de literatura, na contemporaneidade, tiveram seu estatuto abalado, devido à emergência
da nova história, dos estudos culturais, pós-estruturalistas, pós-colonias e pós-modernos,
redirecionando o enfoque histórico, de característica positivista, que a dominou desde sua
instituição como disciplina. Essa assertiva não se refere ao caráter historicista da obra de arte,
enquanto objeto estético e fenômeno social. As novas perspectivas conferem outro rumo ao
entendimento do cânone, que era visto como elenco de obras e autores notáveis. Também o
conceito de literariedade, tão precioso aos formalistas, foi questionado, possibilitando uma
abertura para novas concepções teóricas. A inserção de registros linguísticos até então não
privilegiados, de formas não referendadas pela cultura erudita, de manifestações da cultura oral
ampliaram o conceito de literatura, destituindo a idéia de exclusividade, de acesso restrito,
destinado apenas a alguns ilustrados.

O significativo avanço que os estudos literários atingiram nos últimos tempos não encontra uma
correspondência efetiva com a situação da literatura como disciplina escolar, já que esta não tem
merecido a devida consideração, uma vez que sofreu sensível apagamento na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação de 1996 e nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Na tentativa de otimizar o
ensino da literatura, estudiosos da área têm buscado encontrar alternativas com a finalidade de
resgatar a importância da disciplina na formação humanística do aluno. Nesse sentido, pode ser
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referido o projeto de pesquisa, desenvolvido na UCS, Ensino da literatura: uma proposta


metodológica alternativa para o ensino médio, que possibilitou constatar a necessidade de ampliar
os estudos que envolvem a problemática do ensino da literatura no ensino médio. Assim, este
estudo tem como propósito discutir uma forma de abordagem da literatura, fundamentada na linha
epistemológica preconizada nos estudos de Vygotsky, que introduz o conceito de zona de
desenvolvimento proximal como fundamentação para a prática da pesquisa em sala de aula, tendo,
como corpus de estudo, textos que pertençam ao domínio da cultura literária.

2 Ensino de literatura: reflexão e aquisição de conhecimento.


O ser humano nasce apto a desenvolver constantemente a sua estrutura cognitiva e a adquirir
conhecimento, isso ocorre através do empenho, da curiosidade e do envolvimento de cada um. Daí
a necessidade de que esse processo seja construído de forma significativa, utilizando
conhecimentos prévios, habilidades e competências, o que só poderá ser otimizado na medida em
que o ensino for desenvolvido de forma adequada. O ensino de literatura não pode ficar restrito a
apenas uma modalidade, mas contemplar os diversos gêneros que enriquecem a área, uma vez que
o desenvolvimento de aspectos do imaginário pode contribuir para o equacionamento de
problemas educacionais tão relevantes na contemporaneidade. Nesse sentido, refletindo sobre a
crise na educação, Coelho (2000, p. 25) afirma que:
Nos rastros do pensamento complexo, todas as discussões que vêm sendo feitas em
torno da 'crise do ensino' têm como base uma das premissas da psicologia cognitiva:
sem estar integrado num contexto, nenhum saber tem valia, por mais sofisticado que
seja, isto é, não provoca no sujeito o dinamismo interno que o levaria a interagir com
outros saberes e ampliar o conhecimento inicial ou transformá-lo.

A integração dos saberes remete à questão da interdisciplinaridade, pois, os saberes relevantes


devem ser organizados de maneira a propiciar ao sujeito um conhecimento do mundo. Nesse
aspecto, Coelho (2000, p. 25) enfatiza a necessidade de “articular entre si determinadas áreas de
saber, de maneira que cada uma ilumine as outras e seja, por sua vez, iluminada por elas”.

Piaget e Vygotsky, ao pesquisarem o desenvolvimento intelectual, situaram a questão educacional no


âmbito da psicologia cognitiva. A teoria de Piaget (1999) presume que, entre a infância e a
adolescência, o ser humano desenvolve a capacidade de executar operações lógicas que se aperfeiçoam.

O estágio das operações formais é particularmente relevante nos estudos que relacionam adolescência
e educação, pois evidencia a forma de atividade mais avançada que o indivíduo pode atingir. Para o
76

autor, o adolescente, posto diante de um problema, consegue testar alternativas de solução, de forma
organizada e consciente, elaborando deduções críticas, uma vez que detém raciocínio hipotético-
dedutivo. O desenvolvimento mental se expande bastante na adolescência, e as formas superiores da
inteligência e afetividade ampliam e enriquecem cada vez mais a experiência, aperfeiçoando a reflexão,
a capacidade de relacionamento e a possibilidade de educação permanente. Dessa maneira, pode-se
afirmar que a sabedoria do homem maduro está no exercício inesgotável do aprender. Um dos grandes
problemas que se refletem na educação, revelado em pesquisas ocorridas ainda na década de oitenta
do século XX, é que grande parte dos adolescentes não atinge o pensamento formal no período previsto
por Piaget. (COLEMAN, 1985). Essa constatação demonstra a necessidade de serem estabelecidas
ações, visando a sanar essa lacuna. Assim, torna-se imprescindível estimular e desenvolver a reflexão
crítica, para que se possam atingir os níveis desejáveis do pensamento formal. O texto literário, por
suas especificidades, pode auxiliar significativamente no equacionamento desse problema,
possibilitando ao educando exercitar suas faculdades reflexivas e de transposição de conhecimentos.

Vygotsky (1984) afirma que, na adolescência, a memória torna-se extremamente lógica, havendo uma
reorientação nas relações interfuncionais que a conectam a outras funções. Esse aspecto é altamente
relevante, visto que as estruturas mentais passam a organizar-se não mais como tipos de categorias,
mas como conceitos abstratos. O aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento
que são capazes de operar somente quando o indivíduo interage com pessoas, com seu ambiente e em
cooperação com seus companheiros. O autor propõe que o aprendizado ocorre na zona de
desenvolvimento proximal, permitindo a compreensão do curso interno e possibilitando tanto o
delineamento do estágio presente como a antevisão do futuro. Para o autor, zona de desenvolvimento
proximal
é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através
da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em
colaboração com companheiros mais capazes. (VYGOSTSKY, 1984, p.97).

Vygostky (1984) amplia suas considerações sobre essa questão, possibilitando vislumbrar a
relevância do entendimento desse conceito para otimizar o trabalho docente. Conforme o autor, a
zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que
estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em
estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de 'brotos' ou 'flores' do
desenvolvimento, ao invés de 'frutos' do desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real
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caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento


proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente. (VYGOTSKY, 1984, p. 97).

A reflexão sobre essas questões propõe uma inter-relação entre o ato de educar e a escola,
contribuindo para a melhoria do ensino e para a formação de seres humanos preparados para a
autogestão, capazes de vencer desafios, ancorados nos fundamentos éticos e morais do respeito
mútuo e da liberdade. A literatura, através de seu potencial transformador, das possibilidades de
reflexão e discussão que engendra, contribuem sensivelmente para atingir essas metas. Para tanto,
é importante pensar em alternativas de atuação em sala de aula, propondo estratégias de abordagem
que possibilitem atingir esse intento. Assim, a organização de um projeto de ensino de literatura
que venha, ao menos parcialmente, buscar responder aos anseios de alunos e de professores,
precisa, primeiramente, compreender o quadro referencial a partir do qual os sujeitos interpretam
sentimentos, pensamentos e ações para, desse modo, poder contemplar os aspectos afetivo,
cognitivo e social, imbricados no processo. Posteriormente, escolher, dentro da literatura, os
gêneros que melhor respondem às necessidades do grupo. Uma possibilidade, não só de
influenciar, mas também de modificar esses aspectos, pode ser vislumbrada através da atuação
sobre a zona de desenvolvimento proximal, de Vygotsky (1984).

A tentativa de unir ensino de literatura e zona de desenvolvimento proximal remete a uma


abordagem de caráter dialético, uma vez que o sujeito da pesquisa – aluno e professor –, no decurso
dos procedimentos que estão sendo realizados, vai sofrendo modificações, tanto na sua atuação,
quanto na percepção do objeto de estudo – a literatura. As alterações sofridas pelo sujeito
determinam as adequações que deverão ser feitas, a fim de criar condições para que os objetivos
sejam atingidos. Esse modelo de trabalho, voltado para o estudo do texto literário, propõe a
melhoria da educação através da mudança, o que ocasiona um processo de ressonância, já que as
modificações afetarão, de alguma maneira, seu entorno, o que significa que outras pessoas também
poderão ser beneficiadas. Essa modalidade de investigação registrada através de assentamentos
pertinentes, possibilita o acompanhamento das mudanças efetuadas nas relações e nas modalidades
de organização que delimitam as práticas educativas e o próprio modo de ser e de operar essas
práticas.
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A propósito ver: ZINANI, C.J.A. Adolescência: leitura e realidade cultural. Dissertação de


Mestrado. Porto Alegre: PUCRS, 1991. Ver também os Projetos de Pesquisas desenvolvidos na
Universidade de Caxias do Sul: Ensino de literatura: uma proposta metodológica alternativa para
o ensino médio (1999-2001); Leitura do texto literário: possibilidades e alternativas (2003-2005).

De acordo com essa perspectiva, é significativo considerar a possibilidade de introduzir a prática


da pesquisa em sala de aula, ou seja, transformar professores e alunos em sujeitos pesquisadores,
pois essa atividade poderá deflagrar um processo de ruptura com paradigmas estereotipados,
abrindo espaço para o novo com a constituição de novos sujeitos, aluno e professor, autônomos e
capazes de interferir em seu meio, modificando o contexto onde estão inseridos. Nesse sentido, o
contato com o texto literário, por sua potencialidade formativa, pode constituir o elemento
deflagrador de um processo que possibilite atingir esse desiderato. Processo esse que envolve a
interação aluno-professor e aluno-aluno, no ambiente de pesquisa realizada em sala de aula,
potencializando a zona de desenvolvimento proximal, o que faculta expressivos ganhos tanto para
o aluno quanto para o professor. Na medida em que for oportunizado ao educando o exercício do
pensamento, através de atividades que desafiem sua capacidade reflexiva e criadora, haverá espaço
para o aprimoramento de seu potencial para transformar informações em conhecimentos e, como
tal, alcançar autonomia para atuar em seu contexto.

Ainda que pesquisas já realizadas comprovem que alunos de ensino médio apresentam
dificuldades na aprendizagem de literatura, uma vez que conteúdos, abordagens e métodos não
atendem às suas expectativas e que existe distanciamento entre as propostas de ensino e a realidade
concreta dos sujeitos envolvidos no processo, as pesquisas também evidenciam a crença do aluno
de que a leitura do texto é importante. Quando questionados a respeito do interesse próprio e de
familiares e amigos por leitura, um percentual expressivo de alunos considerou-se leitor em maior
proporção que amigos e irmãos, numa clara alusão ao reconhecimento do prestígio que o ato de
ler confere a quem lê. Esse aspecto é um dado extremamente significativo e precisa ser conhecido
e utilizado pelo professor que deve reforçar essa idéia de modo positivo, estabelecendo relações
concretas entre leitura, de quaisquer gêneros textuais, independentemente do suporte, e realidade.
Embora o aluno possa não ser um leitor tão freqüente quanto afirma (e os professores têm ampla
consciência desse fato), ainda assim, considera a leitura uma atividade importante, por esse motivo
é imprescindível que os professores invistam nesse processo, criando novas estratégias de
79

abordagem dos diferentes gêneros literários, mais de acordo com as expectativas do aluno, bem
como modalidades pedagógicas adequadas ao ensino da literatura. Na adolescência, o jovem sente
necessidade de auto-afirmação e autovalorização, uma vez que o reconhecimento próprio favorece
a reflexão sobre si mesmo. Dessa forma, a literatura, por propiciar cultura e conhecimento, é uma
atividade privilegiada que oportuniza certa ascensão sobre os demais.

Na tentativa de equacionar essa problemática, foi proposta, no projeto de pesquisa Leitura do texto
literário: possibilidades e alternativas3, a organização de uma unidade de ensino, posteriormente,
aplicada em escola da rede pública. Essa modalidade de estudo privilegiou uma abordagem
alternativa para o ensino de literatura no ensino médio, possibilitando o aprimoramento cognitivo,
afetivo e social, através do estudo e análise de textos literários em sua relação com o contexto
social. Essa opção partiu da hipótese de que o desenvolvimento de um módulo de ensino de
literatura no ensino médio que contemple essa abordagem, apresenta possibilidades de êxito, uma
vez que poderá atender às expectativas do aluno, na medida em que reduzir o distanciamento entre
os objetivos da disciplina e a realidade do sujeito.

O módulo de ensino piloto organizado oportunizou ao aluno o conhecimento da relevância do fato


literário como elemento de ampliação da competência de leitura e do entendimento da
circunstância social, permitindo ao aprendiz tornar-se deflagrador da própria autonomia e um
agente de mudança no seu meio social. Para tanto, foi imprescindível considerar o trabalho de
mediação desenvolvido pelo professor, calcado na consciência de pesquisador, propiciando um
movimento em sala de aula em que tanto alunos quanto professores tornaram-se produtores de
conhecimento, o que ocasionou uma ruptura com os paradigmas tradicionais e uma abertura para
o novo. Nesse sentido, definiram-se alguns aspectos que poderiam otimizar o trabalho em sala de
aula, tais como: ampliar a disposição do aluno para o estudo de gêneros textuais literários; propor
a leitura e análise desses textos, através de um processo dialógico, envolvendo diferentes
possibilidades de leitura em que se entrecruzam os discursos do professor e dos alunos; estabelecer
relações entre o contexto de produção do texto literário, a realidade histórico-social e o contexto
de recepção; analisar as atividades efetivadas, sistematizando as informações obtidas; oportunizar
a reflexão sobre o processo desenvolvido, avaliando suas repercussões no crescimento pessoal e
do grupo.
80

As etapas do planejamento da unidade de ensino foram estabelecidas tendo em vista o trabalho a


ser desenvolvido junto a alunos de ensino médio, tanto em relação ao entendimento do processo
quanto ao aprimoramento de competências e habilidades do jovem, a partir do contato com os
diversos gêneros textuais. Dessa maneira, foram organizados instrumentos com a finalidade de
implementar o projeto que foi desenvolvido tanto pelo professor quanto pelos alunos. Esses
instrumentos procuraram dar conta da situação inicial do grupo, avaliação das atividades
realizadas, auto-avaliação, e situação de saída do grupo. Essa coleta de dados facultou o exercício
de uma reflexão sobre a atuação em sala de aula, instaurando-se alternativas de correção de rumo
através do replanejamento das atividades.

Esta proposta, centrada na leitura do gênero literário romance, utilizou como possibilidade de
estudo os conceitos de compreensão e explicação, definidos por Goldmann (1990). Para o autor, a
compreensão é o esclarecimento de uma estrutura significativa imanente ao objeto estudado, ou
seja, a descrição desse objeto. A explicação consiste na inserção dessa estrutura enquanto elemento
de uma estrutura mais ampla que o engloba. Dessa maneira, o estudo de diferentes gêneros textuais
da literatura é realizado através de sucessivas integrações. O texto em estudo será integrado na
obra da qual foi extraído; a obra, por sua vez, na obra geral do autor; a obra geral do autor, nas
correntes literárias, filosóficas e religiosas da época e do país; essas correntes, no conjunto da vida
social, econômica e política do momento. À medida que forem sendo processadas essas inserções,
o entendimento da obra propiciado pela análise vai sofrendo modificações, ampliando-se num
movimento dialético entre a parte e o todo, uma vez que a visualização do todo amplia o
entendimento das partes, modificando-lhe o sentido.

Essa abordagem tem caráter operacional e enseja ao aluno a percepção da obra literária inserida
no contexto social, tornando-a muito mais significativa, pois possibilita a construção mais ampla
dos sentidos do texto. Esse processo pode ser explorado para o estudo de outros gêneros textuais
literários além do romance, podendo-se alcançar resultados tão promissores quanto os obtidos no
estudo já realizado.
81

3 Escolarização e literatura
A escolarização da literatura é um aspecto indispensável na formação do leitor, pois é através dela
que muitos educandos entram em contato com o texto literário e podem desenvolver o gosto pela
leitura. No entanto, a escolarização da literatura pode ser vista negativamente, quando lhe for
atribuído um papel pedagógico, cujo objetivo seja veicular determinadas noções ou
comportamentos desejáveis. De acordo com Magda Soares (2001, p. 22),
o que se deve negar não é a escolarização da literatura, mas a inadequada, a errônea,
a imprópria, escolarização da literatura que se traduz em sua deturpação, falsificação,
distorção, como resultado de uma pedagogização ou uma didatização mal
compreendidas que, ao transformar o literário em escolar, desfigura-o, desvirtua-o,
falseia-o.

Uma alternativa para tornar esse processo adequado, pressupõe um planejamento que contemple
diferentes gêneros discursivos da literatura, valorizando o texto literário como objeto estético, de
maneira que o aluno possa dialogar com a especificidade desse objeto.
A realização dessa modalidade de trabalho apresenta como pressuposto básico uma investigação sobre
a realidade do aluno, pois é fundamental para o professor conhecer não só os mitos e as crenças que
perpassam o ambiente escolar, mas também a disponibilidade do jovem para encetar uma forma de
estudo que lhe possibilite desenvolver competências e habilidades. O conhecimento da realidade,
oportunizando uma reflexão sobre esse nível de ensino, proporciona uma fundamentação consistente
para a organização de um projeto que contemple as necessidades do aluno e os objetivos do professor,
no sentido de promover o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social do educando, utilizando, para
tal, gêneros literários, em prosa e verso, tais como contos, crônicas, romances, poemas, nos quais os
aspectos artístico-literários sejam evidenciados.

Além disso, essa modalidade de abordagem do texto literário transmite ao jovem a idéia de que a
educação é uma construção realizada pelo sujeito, e que uma das melhores maneiras de atingi-la é
através do desenvolvimento da atitude de pesquisador em sala de aula, atitude esta que se
fundamenta na necessidade do valor da leitura. Também é fundamental a adesão do contexto
escolar, a fim de propiciar não só condições materiais como também o apoio e a aceitação para a
realização do trabalho, visto que o espírito aberto constitui uma valiosa ferramenta de sucesso. Na
medida em que aluno e professor se tornarem investigadores, e a sala de aula for considerada um
laboratório, certamente, haverá uma qualificação maior dos processos de ensino e aprendizagem e
um aprimoramento mais significativo dos integrantes da realidade educacional.
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Referências
COELHO, N.N. Literatura: arte, conhecimento e vida. São Paulo: Peirópolis, 2000.
COLEMAN, J. Psicología de la adolescencia. Madrid: Morata, 1985.
GOLDMANN, L. Sociologia do romance. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
PIAGET, J.; INHELDER, B. A psicologia da criança. Rio de Janeiro: Artmed, 1999.
RANGEL, E. de O. Letramento literário e livro didático de língua portuguesa: “Os amores
difíceis”. In: PAIVA, A; MARTINS, A; PAULINO; G. VERSIANI, Z. (Orgs.). Literatura e
letramento: espaços, suportes e interfaces – O jogo do livro. Belo Horizonte:
Autêntica/CEALE/FaE/UFMG, 2003.p. 127-145.
SOARES, M. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In: EVANGELISTA, A.A.M. et al.
(Orgs.). A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte:
Autêntica, 2001. p. 17-48.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
ZILBERMAN, Regina. Leitura literária e outras leituras. In: CHARTIER, Anne-Marie et al.
Leitura: práticas, impressos, letramentos. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 71-88.
ZINANI, C.J.A.; SANTOS, S.R.P. dos. Ensino da literatura: lugar do texto literário. In: ZINANI,
C.J.A. et al. Transformando o ensino de língua e de literatura: análise da realidade e propostas
metodológicas. Caxias do Sul, RS: Educs, 2002.
83

Gêneros textuais e a leitura literária: a formação do leitor

A leitura poderia ser caracterizada como uma atividade de integração


de conhecimentos, contra a fragmentação. Devido à abertura que o texto
proporciona ao leitor para relacionar o assunto que está lendo a outros
assuntos que já conhece, ele favorece, no plano individual, a articulação
de diversos saberes.
Kleiman e Moraes (1999)

1 Literatura e conhecimento
A literatura, como disciplina nos currículos escolares, tem sofrido significativo apagamento,
despertando o interesse de estudiosos da área, que procuram novos caminhos para o ensino desse
conhecimento, renovando estratégias de abordagem para a questão.
Se, antes do século XX, os livros aos quais as crianças e jovens tinham acesso não eram mais que
algumas traduções ou obras que atendiam ao interesse da classe dominante, divulgando sua ideologia,
a partir de Monteiro Lobato, a leitura literária passa a ter outro caráter, o de obra emancipatória. Como
tal, passa a deflagrar um processo de crítica aos valores impostos às crianças tradicionalmente, o que
viria a influir de forma considerável nas produções literárias destinadas a jovens e crianças, no Brasil,
em especial, a partir de 1980. Assim, tendo em vista a potencialidade da obra literária como elemento
formador do ser humano, estudiosos buscam tornar a literatura um conhecimento que possa funcionar
como recurso transdisciplinar, na medida em que desenvolve competências e habilidades valiosas para
outros campos de estudo, bem como, segundo uma ótica cultural, transformá-la em fator de
humanização e unificação em uma sociedade tecnológica e fragmentada.

A partir do pressuposto que a literatura configura-se como uma modalidade de compreensão do


ser humano e do mundo, além de ser uma práxis social, torna-se essencial oportunizar ao educando
condições para que ele perceba a relevância dessa disciplina em sua formação integral. Para isso,
precipuamente, o mundo adulto – professores, pais – necessita estar ciente dessa importância, pois
é um primeiro passo em direção ao entendimento de que
o texto literário veicula uma modalidade de conhecimento particular que não se
assemelha ao saber produzido pela ciência. Sendo, ao mesmo tempo, representação e
análise, a literatura possibilita o resgate da realidade. Essa modalidade de texto, por sua
natureza, possibilita a crítica e a contradição através de uma linguagem não-linear, isto é,
distinta da linguagem comum. O autor aproveita o seu conhecimento de mundo, recria
essa experiência através dos recursos de seu imaginário e expressa-a por meio da
linguagem artisticamente trabalhada. Uma vez que esse texto relaciona-se com a
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realidade e a experiência humana, desempenha uma função muito significativa no aspecto


comunicativo, pois auxilia o sujeito a emancipar-se na medida em que pode libertá-lo do
processo de massificação a que está submetido... (ZINANI e SANTOS, 2004, p. 65).
Constata-se, assim, a premência de colocar o educando em contato com a literatura, e uma forma
de fazê-lo é trabalhar o texto literário em suas variações textuais, possibilitando a produção de
sentidos, uma vez que o estudo que somente privilegia a memorização de datas, nomes de autores,
listas de obras não sensibiliza o educando para a potencialidade do texto literário.
Independentemente de se tratar de conto, crônica, romance, poema, peça teatral, o professor, como
mediador, poderá estimular o aluno para a leitura da literatura. Um trabalho que privilegia a
diversidade de textos literários propicia a construção de um repertório de leitura, o que favorece
maior conhecimento do mundo e de si mesmo. Esse percurso poderá contribuir para o
desenvolvimento de uma conduta de autonomia do ser humano, na mesma proporção em que
amplia seu horizonte de expectativas e aprimora sua capacidade crítica. Entretanto, é importante
que o professor esteja atento, não só à questão do espaço destinado ao texto literário em sala de
aula, como também à forma como o material poderá ser trabalhado e aos gêneros textuais que
veiculam esse conhecimento. Essa articulação se justifica, na medida em que as contínuas
mudanças que se operam na sociedade exigem transformações na educação, na escola, no processo
de ensino.

Perrenoud (1990, p. 5), preocupado com essa questão, afirma que, diante das modificações sociais,
torna-se premente uma “prática reflexiva e participação crítica.” [...] Enfatiza, ainda, que “os
professores não chegam a ser os intelectuais, no sentido estrito do termo, são ao menos os
mediadores e intérpretes ativos das culturas, dos valores e do saber em transformação.” Nesse
trajeto, torna-se viável pensar em uma modalidade alternativa de ensino e aprendizagem, um
método de trabalho que se contraponha aos moldes positivistas de base empírica. Uma forma de
fazê-lo, acredita-se, é através da problematização do fato literário e da possibilidade de encaminhar
a solução por meio de um modelo que privilegie essa abordagem, um método baseado na
investigação, que defenda a atuação do professor e dos alunos como pesquisadores em sala de aula.
Essa particularidade de trabalho remete a um procedimento muito utilizado em ciências sociais,
denominado pesquisa-ação, cuja renovação, na área educacional, poderá significar a otimização
do ensino. Dessa maneira, o professor detém as melhores condições de avaliar a prática docente,
cujo resultado pode representar a melhoria do evento educacional, e os alunos podem participar
85

ativamente do processo de ensino e aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento de sua


autonomia.

Nessa perspectiva, o propósito deste estudo é ensejar uma discussão sobre a relevância de trabalhar
com diferentes gêneros textuais em sala de aula, numa abordagem da pesquisa-ação no ensino da
literatura, a fim de contribuir para revitalizar esse conhecimento, acenando com a possibilidade de
mudança na formação do educador e do educando, mudança essa que poderá ser concretizada a
partir da capacitação humanística, técnica e científica dos recursos humanos envolvidos. Promover
a literatura para que se torne, além de agradável e produtiva, uma possibilidade de reflexão sobre
o ser humano e a sociedade, torna-se, então, um ato imprescindível.
2 Literatura: leitura e emancipação
A crise no ensino da literatura tem suscitado as mais variadas discussões entre estudiosos da área.
Para alguns, o problema situa-se no aluno que não lê, não apresenta maturidade para entender o
fato literário, prefere dedicar-se a outras atividades, cujo apelo permanente encontra-se na mídia
que envolve, de forma indiscriminada, todas as pessoas. Para outros, o problema está no professor
que não dispõe de um acervo de estratégias para o desenvolvimento do gosto pela leitura, não
conhece suficientemente uma metodologia que vá ao encontro do ensino da literatura para jovens
e crianças, ou mesmo, não frequenta com assiduidade os livros e a literatura. Outros, ainda,
atribuem essa crise a fatores externos, tais como bibliotecas mal equipadas ou insuficientes, alto
preço dos livros, pouco tempo para leitura.

Considerando-se que a civilização deste início de milênio é fundamentalmente letrada, torna-se


imprescindível ao ser humano ter a sua disposição as ferramentas necessárias, que lhe possibilitem a
sobrevivência num mundo que depende da palavra escrita para a realização das ações mais triviais.
Muito mais que executar ações rotineiras, a pessoa, continuamente, necessita tomar decisões que
exigem pensamento reflexivo, raciocínio, conhecimento. Este último, basicamente, obtido através de
duas fontes, ou seja, primeiramente, pela experiência direta, na qual é executada uma tentativa, e,
quando adequada a resposta, a experiência é registrada como válida, caso contrário, é descartada e
nova tentativa é realizada. Essa modalidade de aprendizagem, fundamentada no ensaio e erro, é
interessante e provê a pessoa com experiências ricas e duradouras. A outra forma de enriquecer o
universo pessoal é pela leitura de textos diversificados, através da qual é possível desenvolver inúmeras
habilidades, tais como, observação, comparação, seleção, análise e síntese, transposição de dados para
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outras situações. Evidentemente, a experiência direta também enseja o desenvolvimento dessas


habilidades, entretanto, é mais limitada, pois a ocorrência de situações concretas depende inteiramente
de uma relação de casualidade. Já na leitura, especialmente de textos ficcionais, a diversidade de
situações é muito maior, possibilitando o contato com experiências múltiplas e variadas. Isso pode ser
comprovado, por exemplo, por estudos que remontam à literatura infantil.

No trabalho relativo à influência dos contos de fadas sobre a psique infantil, Bettelheim (1980) enfatiza
a necessidade de fantasia para que o infante possa organizar seu mundo interior e promover a
integração de sua personalidade. Como a criança, atualmente, está mais exposta ao bombardeio de
informações nem sempre felizes, à solidão ocasionada por pais que exercem suas profissões fora de
casa e ao isolamento que isso acarreta, ela necessita vislumbrar a possibilidade de que, apesar de
“rejeitada e abandonada”, poderá dispor de ajuda para reencontrar seu lugar no mundo que a cerca.
Bettelheim (1980, p. 20) ressalta que a criança precisa do “reasseguramento oferecido pela imagem do
homem isolado que, contudo, é capaz de conseguir relações significativas e compensadoras com o
mundo ao seu redor.” A obra literária parece cumprir, assim, um importante papel, pois, enquanto
diverte o leitor, proporciona-lhe caminhos que o levam ao auto-conhecimento necessário à sua
formação como ser humano, à organização de sua personalidade. Também Zilberman e Magalhães
(1982) discutem a necessidade de uma literatura emancipatória como elemento básico para a educação
de um ser pensante e crítico. Zilberman (1982, p. 13) afirma que a literatura pode servir de ponte para
o infante alcançar maior compreensão da realidade circundante:
se a criança – devido não só à sua circunstância social, mas também por razões
existenciais – se vê privada ainda de um meio interior para a experimentação do
mundo, ela necessitará de um suporte fora de si que lhe sirva de auxiliar. É este lugar
que a literatura infantil preenche de modo particular, porque, ao contrário da
pedagogia ou dos ensinamentos escolares, ela lida com dois elementos que são
especialmente adequados para a conquista desta compreensão do real:
- com uma história que apresenta, de maneira sistemática, as relações presentes na
realidade, que a criança não pode perceber por conta própria; [...]
- com a linguagem, que é o mediador entre a criança e o mundo, de modo que,
propiciando, através da leitura, um alargamento do domínio lingüístico, a literatura
infantil preencherá uma função de conhecimento.

Portanto, a literatura associada à leitura, enquanto forma de expressão, utiliza a linguagem verbal
para a construção de um mundo coerente e compreensível que possibilita, em sua essência, a união
da racionalidade da linguagem com a fantasia, sem perder de vista os universos do autor e do leitor.
Para Flôres (2008, p. 26),
87

no momento em que busca apreender o que acontece ao seu redor, interagindo com o
Outro, o indivíduo estabelece ligações entre ele e o mundo. É quando passa a
interpretar indícios de toda sorte. Através da interpretação, portanto, o homem
mistura-se ao texto-mundo, situando-se em relação a si e aos demais, ao tempo e ao
espaço, vendo, ouvindo, enfim testando e avaliando o que pode lhe servir de
orientação, informando-se sobre as coordenadas dêiticas de pessoa, espaço e tempo,
em suma, integrando-se ao ambiente em que vive.

Isso remete a conjecturar sobre o caráter formativo da leitura do texto literário, na medida em que
oportuniza a reflexão sobre o ser humano e sua circunstância, auxiliando-o a ter mais segurança
diante de suas próprias vivências, o que justifica reconhecer como imprescindível a tarefa da escola
de formar leitores. Zilberman e Silva (1988) também assinalam que o ensino da literatura tem o
compromisso de formar o leitor, através de atividades que proporcionam experiências com textos
literários.

A mediação do professor na condução da leitura de textos literários, por conseguinte, pode determinar
a constituição de um leitor produtor de sentidos, pois não basta decodificar o que está escrito na página,
é necessário que o aprendiz, a partir de seu repertório de conhecimento, tenha a oportunidade de alargar
seu horizonte de expectativas para poder tornar-se um apreciador da palavra artística. Por esse viés,
viabiliza-se uma visão de ensino de literatura que transgride o processo de respostas pré-determinadas
para dar lugar a uma diversidade de alternativas possíveis em que o aluno se percebe um ser humano
capaz de pensar criticamente. Se a escola visa à formação de indivíduos, então a literatura deveria ter
um lugar de destaque nos currículos escolares pela potencialidade de transgressão que lhe é inerente.
Entretanto, por fugir aos padrões tradicionais de ensino, os gêneros textuais literários, frequentemente,
não são trabalhados em sua potencialidade artística, em especial, nas últimas séries do ensino
fundamental. Caso o professor de Língua Portuguesa não perceba a importância de seu papel como
mediador de leitura, privará seu aluno da mobilização necessária para otimizar o processo de leitura
do texto literário em seus mais variados gêneros.

Uma das alternativas para o ensino da literatura, que tem se mostrado altamente promissora, é a
modalidade da pesquisa-ação aplicada ao ensino. Retomando-se os conceitos de Guido Irineu
Engel (2000), fica evidenciada a importância desse trabalho, pois essa modalidade de pesquisa,
segundo o autor, pode configurar-se como uma alternativa para a necessidade de otimizar o
processo de ensino em sala de aula. Desse modo, a mescla de teoria e prática pode tornar-se uma
realidade para professores, auxiliando-os na solução de problemas, na medida em que eles se
tornarem pesquisadores em suas salas de aula. Como as modalidades de pesquisa estão sujeitas à
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mudança, uma vez que o conhecimento é provisório e depende do contexto, essa atividade pode
tornar-se uma ferramenta adequada ao desenvolvimento do ensino de literatura em sala de aula,
pois ela apresenta flexibilidade para adequar-se a variantes e, nesse trajeto, pode oportunizar aos
pesquisadores a ampliação de suas percepções.

Devido à necessidade de interação das experiências de leitura, através da socialização de vivências


- diálogo entre professor e aluno -, considera-se que a pesquisa-ação pode ser uma modalidade de
ensino de literatura apreciável, uma vez que pode promover ações que visem à emancipação de
alunos e professores, a partir do pressuposto de que o processo educativo fundamenta-se no tripé
ação/reflexão/ação. A proposta que contempla essa metodologia propõe a organização de um
planejamento que prevê atividades a serem desenvolvidas pelo grupo, cujo acompanhamento deve
ser feito através de observação e registros adequados para fornecerem subsídios de análise e
reflexão. Cristóvão (2002, p. 39) também considera que “uma reflexão coletiva demanda uma
sistematização,” envolvendo participação em “experiências de aprendizagem, consideração de
experiências já vividas [...] e envolvimento com pesquisa-ação, que poderiam contribuir para o
desenvolvimento de uma prática reflexiva do ensino.” A autora ressalta que “a prática reflexiva
implicaria uma análise do contexto em que se está inserido, para que a participação de cada sujeito
possa ser crítica, com tomadas de decisão conscientes e responsáveis.” (CRISTÓVÃO, 2002, p.
40).

Nesse trajeto de processo reflexivo, é possível operar uma avaliação contínua que permitirá determinar
ou a necessidade de replanejamento ou a possibilidade de avanço dos estudos, oportunizando uma
trajetória de autonomia e emancipação tanto para o aluno quanto para o professor. Nesse sentido, é
importante mencionar a discussão de Thiollent (2000) sobre o assunto, o qual considera a pesquisa-
ação como uma metodologia que envolve investigadores na captação dos problemas, na reflexão e na
testagem de soluções. O resultado desse processo dialético é a criação de uma metodologia de cunho
crítico com apresentação de componentes conscientizadores e emancipadores, reforçando a idéia de
que, aplicada à educação, a pesquisa-ação pode promover o aperfeiçoamento de professores e o
aprimoramento do ensino. O autor afirma que a estratégia metodológica que orienta a pesquisa-ação
tem em vista a interação entre os implicados na situação, interação essa responsável pela priorização
dos problemas que requerem solução. O objeto de investigação é constituído por uma situação social
e pelos problemas que a envolvem, e o seu objetivo consiste em resolver e/ou esclarecer as questões
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relacionadas à situação observada. Todo o processo é acompanhado e não se restringe, apenas, a


solucionar determinados problemas, mas também a ampliar o nível de consciência e de conhecimento
dos grupos envolvidos. Ao apresentar os princípios que norteiam a pesquisa-ação, Thiollent (2000)
enfatiza a utilização das formas de raciocínio e argumentação, princípios que fazem parte da lógica
formal. Embora privilegie o lado empírico, também são enfatizados os pressupostos teóricos, sem os
quais a pesquisa ficaria descaracterizada. Outro elemento inovador consiste no aspecto político e
valorativo que constitui essa modalidade de pesquisa. Esse aspecto diz respeito à colocação do saber
ao alcance de grupos, tendo em vista tanto a conscientização quanto o comprometimento com a ação
coletiva. Portanto, a especificidade da pesquisa-ação está no fato de a produção de informação e
conhecimento ser orientada com a função política de possibilitar a organização e a autonomia de ação
do grupo.

Engel (2000, p. 183) enfatiza a idéia de que a pesquisa-ação transforma a sala de aula em laboratório,
e alunos e professores deixam de ser consumidores de pesquisas alheias para tornarem-se
pesquisadores, produtores de conhecimento. Segundo o autor, “a pesquisa-ação é o instrumento ideal
para uma pesquisa relacionada à prática” e assinala características essenciais da pesquisa-ação voltada
à aprendizagem, tais como: (a) a pesquisa deve ser um processo de aprendizagem para todos os
envolvidos, superando a separação entre sujeito e objeto da pesquisa; (b) as estratégias e produtos terão
validade para os envolvidos se houver apreensão e modificação de uma situação; (c) como é
situacional, procura diagnosticar e resolver um problema, não se interessando por generalizações. No
entanto, a repetição do estudo em diferentes situações com resultados semelhantes possibilita a
enunciação de um resultado científico generalizável; (d) como a pesquisa-ação é auto-avaliativa, o
processo é constantemente monitorado, e o feedback converte-se em redefinições e mudanças de rumo;
(e) como é cíclica, essa pesquisa possibilita, através das fases finais, o aprimoramento das fases
anteriores.

Fundamentalmente, uma proposta metodológica que privilegia a ação do aluno situa-o como centro do
evento educacional. O papel do professor – também colocado como coordenador das atividades -
consiste, dessa maneira, em deflagrar o processo, orientá-lo, promover feedback e propor o
redirecionamento das ações quando necessário, a fim de que o conhecimento se torne uma produção
coletiva pela qual todos são responsáveis. Considerando-se esses aspectos, a operacionalização de uma
proposta metodológica para o ensino da literatura poderia, então, consistir em que, depois de
estabelecidos os objetivos que o professor-pesquisador deseja atingir, este organize com os alunos uma
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discussão sobre gêneros textuais, livros, leitura e literatura, com a finalidade de verificar quais as idéias
que circulam no grupo, suas necessidades e potencialidades, estabelecendo-se um diagnóstico sobre a
situação desse universo.
A partir da discussão, são eleitos alguns tópicos considerados importantes para a investigação,
momento em que se determinam os objetivos do trabalho a ser desenvolvido. Na fase exploratória,
após o diagnóstico, de acordo com Thiollent (2000), são definidas as estratégias metodológicas e
planejadas as ações. Assim, escolhem-se os textos, organizam-se roteiros de leitura e estabelecem-
se alguns procedimentos para a realização da investigação proposta. Com o levantamento das
questões norteadoras da pesquisa selecionadas, torna-se imprescindível buscar subsídios em
referencial teórico, disponível em diferentes áreas do conhecimento, o qual fornecerá elementos
para elucidar possíveis dificuldades no andamento do trabalho. Isso oportunizará ao aluno entrar
em contato com variados gêneros textuais, o que permitirá a diversidade na formação de seu
repertório de leitura.
Visto que a troca de idéias e o debate são indispensáveis para o engajamento na atividade, o
trabalho é desenvolvido em grupos, justificando-se a proposição da atividade fundamentar-se nos
princípios da pesquisa-ação, que supõe uma atividade coletiva em que o comprometimento pessoal
é fundamental para a consecução dos objetivos.

Como forma de divulgação e avaliação do trabalho realizado, cada grupo apresenta, na modalidade
que lhe parecer mais adequada, os resultados obtidos, colocando-os em discussão no grande grupo.
A avaliação é efetivada pelos alunos-pesquisadores e coordenada pelo professor, os quais levam
em conta a realização de todas as etapas do processo, examinando-se, assim, a produtividade da
leitura, a pertinência das questões de pesquisa, a adequação dos procedimentos realizados, a
apresentação dos resultados bem como a discussão plenária sobre a atividade efetivada. Com esses
passos, não só é possível avaliar a maturidade alcançada pelo grupo em cada etapa da trajetória
desenvolvida pelos alunos e pelo professor em sala de aula, como também a percepção do aluno a
respeito do trabalho calcado na diversidade de gêneros textuais literários, favorecendo o
entendimento sobre a necessidade dessa variedade para a construção do conhecimento.

3 Literatura: reflexão e criticidade


Machado (2004, p. 90), quando discute a constituição do campo da literatura infantil e juvenil, no
Brasil, pondera que
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acompanhar a trajetória de formação de um público leitor de literatura no Brasil é


uma tarefa que aciona uma complexa rede da qual participam aspectos de diferentes
naturezas tais como o das diferentes condições de uso da escrita e da leitura dos
sujeitos que interagem na sociedade contemporânea; o das relações existentes entre
as práticas escolares e a formação efetiva do leitor de livros de literatura; o das
relações de poder mantidas pelas instituições escolares e as políticas públicas de
leitura, que afetam diretamente a produção e a circulação de livros para crianças e
jovens; entre tantos outros aspectos referentes ao campo da leitura literária e seu
ensino.

Sendo assim, pensar sobre formas de trabalhar o texto literário, em sala de aula, deve ocupar um
lugar cada vez mais abrangente nas discussões sobre o assunto. Acredita-se que a modalidade de
trabalho apresentada possa configurar-se como uma das alternativas de abordagem da literatura no
ensino, na medida em que promove o aprimoramento de competências e habilidades relevantes
para a vida prática.

Dessa forma, a literatura torna-se, além de guardiã do patrimônio cultural, uma possibilidade de
dotar o ser humano de desenvolvimento afetivo, cognitivo e social necessários para a integração
da personalidade e socialização. Entretanto, para que um processo de ensino dessa natureza alcance
resultados apreciáveis, torna-se indispensável o engajamento de um maior número de professores,
pois, com a divulgação de trabalhos que podem propiciar ao educando a descoberta de como
apreciar o texto literário, haverá maior estímulo para que escolas se comprometam com projetos
de ensino mais abrangentes e menos personalizados, conferindo-lhes maior credibilidade. Na
esteira dessas considerações, cabe ressaltar, também, de acordo com Perrenoud (1999, p. 10), a
necessidade de a prática pedagógica sustentar-se não só por um conhecimento metodológico e
teórico, mas também por atitudes e capacidades específicas. Para o autor, somente “funcionando
numa postura reflexiva e numa participação crítica [é] que os estudantes tirarão melhor proveito
de uma formação em alternância.”

Nessa medida, o educando estará exposto a um ambiente de interação que o remete a pensar sobre
a importância de se constituir um “ser aprendente”, que percebe na contínua busca do
conhecimento um bem maior. De acordo com Alarcão (2003, p. 26), “o aluno tem de se assumir
como um ser (mente num corpo com alma) que observa o mundo e se observa a si, se questiona e
procura atribuir sentido aos objetos, aos acontecimentos e às interações.” A literatura, por seu
caráter multíplice, cumpre papel fundamental na formação do educando, na medida em que fornece
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os subsídios necessários para conduzi-lo ao desenvolvimento de uma atitude crítica e reflexiva em


relação ao seu contexto e, por conseguinte, atuante em seu meio.
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Referências
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metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.
ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003.
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
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professores. In: MEURER, José Luiz; MOTTA-ROTH, Désirée. (Orgs.). Gêneros textuais e práticas
discursivas: subsídios para o ensino da linguagem. Bauru, SP: EDUSC, 2002. p. 31-73.
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entrelinhas: leitura na sala de aula. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2008. p. 26-48.
KLEIMAN, Ângela B.; MORAES, Silvia E. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo redes nos
projetos da escola. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1999.
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juvenil no Brasil. In: PAULINO, Graça; COSSON, Rildo (Orgs.). Leitura literária: a mediação
escolar. Belo horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2004. p. 83-90.
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participação crítica. Trad. D. B. Catani. Revista Brasileira de Educação, 12, p. 5-19, 1999.
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ZINANI, Cecil Jeanine Albert; SANTOS, Salete Rosa Pezzi dos. Parâmetros Curriculares Nacionsi e
ensino de literatura. In: PAULINO, Graça; COSSON, Rildo (Orgs.). Leitura literária: a mediação
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