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MANUAL DO CURSO DE LICENCIATURA EM

ENSINO DE PORTUGÊS

2º Ano

Disciplina: LITERATURA MOÇAMBICANA

Código:

Total Horas/1o Semestre: 150


Créditos (SNATCA): 06
Número de Temas: 10

INSTITUTO SUPER

INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA -


ISCED
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Direitos de autor (copyright)

Este manual é propriedade do Instituto Superior de Ciências e Educação à Distância (ISCED),


e contém reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução parcial ou total
deste manual, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (electrónicos, mecânico, gravação,
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Ciências e Educação a Distância (ISCED).

Toda a reprodução deste manual, sem prévia autorização da entidade editora, é ilícita e passível
de procedimento judicial contra o infractor.

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Website: www.isced.ac.mz

Agradecimentos

O Instituto Superior de Ciências e Educação à Distância (ISCED) e o autor do presente manual


agradecem a colaboração dos seguintes indivíduos e instituições na elaboração deste manual:

À COMMONWEALTH of LEARNING (COL) pela disponibilização do template usado na


produção do módulo.

Pela Coordenação Direcção Académica do ISCED

Pelo design Direcção de Qualidade e Avaliação do


ISCED

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Financiamento e Logística Instituto Africano de Promoção da Educação


à Distância (IAPED)

Pela Revisão

Elaborado Por:

Amândio Paulito Abacar

Índice

Visão geral 5

Benvindo ao Módulo de Literatura Moçambicana ........................................................... 5


Objectivos do Módulo ...................................................................................................... 6
Quem deveria estudar este módulo? ................................................................................. 7
Como está estruturado este módulo? ................................................................................ 7
Ícones de actividade .......................................................................................................... 8
Habilidades de estudo ....................................................................................................... 9
Precisa de apoio? ............................................................................................................ 10
Tarefas (avaliação e auto-avaliação)............................................................................... 11
Avaliação ........................................................................................................................ 11

UNIDADE 1. CONCEITUAÇÃO DE LITERATURA ORAL VS LITERATURA ESCRITA


13

Introdução.............................................................................................................................13

ii
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Sumário
.........................................................................................................................................23
Exercícios………………………………………………………………………………24
UNIDADE 2. LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA: Moçambique
28

Introdução ...............................................................................................................28
Sumário .............................................................................................................................35
Exercícios………………………………………………………………………………………
…36
UNIDADE 3. Cartografia da Literatura Moçambicana no Contexto sócio-histórico dos anos
30 40

Introdução
..............................................................................................................................40
Sumário
.........................................................................................................................................47
Exercícios………………………………………………………………………………………
…48
UNIDADE 4. Realismo Nacionalista (Sécs. XIX e XX) e algumas correntes: o Pan-
africanismo e a Negritude
52

Introdução
..............................................................................................................................52
Sumário
.........................................................................................................................................58
Exercícios………………………………………………………………………………………
…58
UNIDADE 5. PERIODIZAÇÃO LITERÁRIA MOÇAMBICANA 63

Introdução
.............................................................................................................................63

iii
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Sumário
.........................................................................................................................................84
Exercícios………………………………………………………………………………………
…84
UNIDADE 6. O Papel da Imprensa para o Advento da Literatura Moçambicana
89

Introdução
............................................................................................................................89
Sumário
.........................................................................................................................................96
Exercícios………………………………………………………………………………………
…97

UNIDADE 7. A Modernidade Literária em Moçambique


100

Introdução
............................................................................................................................100
Sumário
.......................................................................................................................................111
Exercícios………………………………………………………………………………………
……………………………………….112
UNIDADE 8. Panorama Histórico da Literatura Moçambicana pós-independência
116

Introdução
............................................................................................................................116
Sumário
......................................................................................................................................125

iv
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Exercícios………………………………………………………………………………………..
125
UNIDADE 9. Produção de Ensaios de Autores Moçambicanos
129

Introdução………………………………………………………………………………………
………………………………..129
Sumário
.......................................................................................................................................150
UNIDADE 10. ALGUMAS PISTAS DE ANÁLISE ESTÉTICO- LITERÁRIA (textos /
obras) 151

Introdução
...........................................................................................................................151
Sumário
.......................................................................................................................................184

Exercício Final de AUTO-


VALIAÇÃO………………………………………………...185

BIBLIOGRAFIA………………………………………………………………………………
…………………………………………………189

v
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Visão geral

Benvindo ao Módulo de Literatura Moçambicana

A rigor, não se ensina literatura enquanto arte, mas antes os factos objectivos
que instituem e disciplinam essa arte. Enquanto expressão artística, a
literatura é uma abstracção conceptual, ao passo que os factos que nos
permitem identificar objectivamente tal expressão e indiciá-la como
fenómeno artístico é que constituem o lado ensinável da literatura. Qualquer
definição de literatura é o fim da literatura e não o seu fim, no sentido de
finalidade determinada em função dos dados literários indiciados.
A literatura é fundamentalmente uma prática epistemológica da estética, isto
é, um exercício de recriação do mundo através da linguagem que nos
esforçamos por realizar em determinadas condições e produzir determinados
efeitos e cujo resultado final terá de ser sempre a produção de um novo
significado, que escreveremos Significado, para dizer que se trata de um
universo de sentidos.
Quando julgamos ter finalmente encontrado os limites ou os contornos certos
do que seja a literariedade dos textos, já estamos atrasados em relação aos
textos que vão ser escritos / criados amanhã.
Deste modo, com o presente manual pretendemos exercitar a compreensão
oral e escrita e, através de diversificados textos, desenvolver o espírito
crítico-reflexivo do fenómeno literário.

Objectivos do Módulo

Ao terminar o estudo deste módulo de Literatura Moçambicana o estudante


deverá ser capaz de:

 Conhecer o quadro cronológico da Literatura Moçambicana,


periodização literária, para perceber glogalmente a sua
evolução e principais momentos de inovação;
 Conceituar a literatura oral vs literatura escrita;

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 Distinguir a literatura oral da literatura escrita.


 Conhecer as designações actuais do fenómeno da arte verbal
de tradição oral.

Objectivos  Relacionar as condições sócio-historicas e culturais de


Específicos produção da Literatura Moçambicana;
 Identificar aspectos formais, temáticos, ideológicos,
motivacionais e estéticos em textos literários;
 Delinear os movimentos estéticos da década de 30 e 50;
 Reconhecer a gênese da actividade literária regular em
Moçambique e as visões desse momento;
 Conhecer os primeiros textos e autores com orientação
estética da literatura em Moçambique;
 Analisar e interpretar, mais em pormenor, textos da
africanidade e Negritude dos anos 50;
 Enquadrar na análise de textos literários a manifestacao do
Nacionalismo, do Pan-africanismo, a periodização literária e
a manifestacao do Neo-realismo;
 Conhecer ensaios de autores moçambicanos e algumas pistas
de análise estético-literária de textos literários.
 Reflectir e desenvolver o espírito crítico a partir de diversos
textos literários.

Quem deve estudar este Módulo?

Este Módulo, foi concebido para estudantes do 2º ano do curso de


Licenciatura em Ensino de Português. Todavia, para os leitores que queiram
se actualizar ou consolidar os seus conhecimentos nesta disciplina, podem
adquirir o manual através da instituição.

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Como está estruturado este módulo?

Este módulo, Literatura Moçambicana, para estudantes do 2º ano do curso


de Licenciatura em Ensino de Português, à semelhança dos restantes
módulos do ISCED, encontra-se estruturado da seguinte maneira:

Páginas introdutórias

 Um índice completo.

 Uma visão geral detalhada dos conteúdos do módulo, resumindo os


aspectos-chave que você precisa de conhecer para melhor estudar.
Recomendamos vivamente que leia esta secção com atenção antes de
começar o seu estudo, como componente de habilidades de estudos.

Conteúdo deste módulo

Este módulo está estruturado em Temas. Cada tema comporta um certo


número de unidades temáticas ou simplesmente unidades e cada unidade
temática contém: A introdução, os objectivos e os conteúdos.

No final de cada unidade temática ou do próprio tema, são incorporados: o


sumário, os exercícios de auto-avaliação, e os exercícios de avaliação.

Os exercícios de avaliação têm as seguintes características: puros exercícios


teóricos/práticos e actividades práticas.

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Outros recursos

A equipa dos académicos e pedagogos do ISCED, pensando em si, num


cantinho, recóndito deste nosso vasto Moçambique e cheio de dúvidas e
limitações no seu processo de aprendizagem, apresenta uma lista de
recursos didácticos adicionais ao seu módulo para você explorar. Para tal o
ISCED disponibiliza na biblioteca do seu centro de recursos mais material
de estudos relacionados com o seu curso como: Livros e/ou módulos, CD,
CD-ROOM, DVD. Para além deste material físico ou electrónico disponível
na biblioteca, pode ter acesso à Plataforma digital moodle para alargar mais
ainda as possibilidades dos seus estudos.

Auto-avaliação e Tarefas de avaliação

As Tarefas de auto-avaliação para este módulo encontram-se no final de


cada unidade temática e de cada tema. Estes ajudam a consolidadr os
conhecimentos teóricos adquiridos em cada unidade. As tarefas dos
exercícios de auto-avaliação apresentam duas características: primeiro
apresentam exercícios resolvidos com detalhes. Segundo, exercícios que
mostram apenas respostas. Que lhe vão ajudar a aprofundar a teoria

Tarefas de avaliação devem ser semelhantes às de auto-avaliação mas sem


mostrar os passos e devem obedecer o grau crescente de dificuldades do
processo de aprendizagem, umas a seguir a outras. Parte das tarefas de
avaliação será objecto dos trabalhos de campo a serem entregues aos
tutores/docentes para efeitos de correcção e subsequentemente nota.
Também constará do exame do fim do módulo. Pelo que, caro estudante,
fazer todos os exercícios de avaliação é uma grande vantagem.

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Comentários e sugestões

Use este espaço para dar sugestões valiosas, sobre determinados aspectos,
quer de natureza científica, quer de natureza didáctico-pedagógica, etc,
sobre como deveriam ser ou estar apresentadas. Pode ser que graças as suas
observações que, em gozo de confiança, classificámo-las de úteis, o
próximo módulo venha a ser melhorado.

Ícones de actividade

Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas margens das
folhas. Estes ícones servem para identificar diferentes partes do processo de

aprendizagem. Podem indicar uma parcela específica de texto, uma nova


actividade ou tarefa, uma mudança de actividade, etc.

Habilidades de estudo

Caro estudante!

O principal objectivo deste campo é o de ensinar, aprender a aprender.

Durante a formação e desenvolvimento de competências, para facilitar a


aprendizagem e alcançar melhores resultados, implicará empenho, dedicação
e disciplina no estudo. Isto é, os bons resultados apenas se conseguem com
estratégias eficientes e eficazes. Por isso é importante saber como, onde e
quando estudar. Apresentamos algumas sugestões com as quais esperamos
que caro estudante possa rentabilizar o tempo dedicado aos estudos,
procedendo como se segue:

1º Praticar a leitura. Aprender a Distância exige alto domínio de leitura.

2º Fazer leitura diagonal aos conteúdos (leitura corrida).

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3º Voltar a fazer leitura, desta vez para a compreensão e assimilação crítica


dos conteúdos (ESTUDAR).

4º Fazer seminário (debate em grupos), para comprovar se a sua


aprendizagem confere ou não com a dos colegas e com o padrão.

5º Fazer TC (Trabalho de Campo), algumas actividades práticas ou as de


estudo de caso se existirem.

IMPORTANTE: Em observância ao triângulo modo-espaço-tempo,


respectivamente como, onde e quando...estudar, como foi referido no início
deste item, antes de organizar os seus momentos de estudo reflicta sobre o
ambiente de estudo que seria ideal para si: Estudo melhor em
casa/biblioteca/café/outro lugar? Estudo melhor à noite/de manhã/de
tarde/fins-de-semana/ao longo da semana? Estudo melhor com música/num
sítio sossegado/num sítio barulhento!? Preciso de intervalo em cada 30
minutos, em cada hora, etc.

É impossível estudar numa noite tudo o que devia ter sido estudado durante
um determinado período de tempo; Deve estudar cada ponto da matéria em
profundidade e passar só ao seguinte quando achar que já domina bem o
anterior.

Privilegia-se saber bem (com profundidade), o pouco que puder ler e estudar,
que saber tudo superficialmente! Mas a melhor opção é juntar o útil ao
agradável: saber com profundidade todos conteúdos de cada tema, no módulo.

Dica importante: não recomendamos estudar seguidamente por tempo


superior a uma hora. Estudar por tempo de uma hora intercalado por 10 (dez)
a 15 (quinze) minutos de descanso (chama-se descanso à mudança de
actividades). Ou seja que durante o intervalo não se deve continuar a tratar
dos mesmos assuntos das actividades obrigatórias.

Uma longa exposição aos estudos ou ao trabalho intelectual obrigatório, pode


conduzir ao efeito contrário: baixar o rendimento da aprendizagem. Por que
o estudante acumula um elevado

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volume de trabalho, em termos de estudos, em pouco tempo, criando


interferência entre os conhecimentos, perde sequência lógica, por fim ao
perceber que estuda tanto mas não aprende, cai em insegurança, depressão e
desespero, por se achar injustamente incapaz!

Não estude na última da hora; quando se trate de fazer alguma avaliação.


Aprenda a ser estudante de facto (aquele que estuda sistematicamente), não
estudar apenas para responder a questões de alguma avaliação, mas sim
estude para a vida, sobre tudo, estude pensando na sua utilidade como futuro
profissional, na área em que está a se formar.

Organize na sua agenda um horário onde define a que horas e que matérias
deve estudar durante a semana; Face ao tempo livre que resta, deve decidir
como o utilizar produtivamente, decidindo quanto tempo será dedicado ao
estudo e a outras actividades.

É importante identificar as ideias principais de um texto, pois será uma


necessidade para o estudo das diversas matérias que compõem o curso: A
colocação de notas nas margens pode ajudar a estruturar a matéria de modo
que seja mais fácil identificar as partes que está a estudar e pode escrever
conclusões, exemplos, vantagens, definições, datas, nomes, pode também
utilizar a margem para colocar comentários seus relacionados com o que está
a ler; a melhor altura para sublinhar é imediatamente a seguir à compreensão
do texto e não depois de uma primeira leitura; Utilizar o dicionário sempre
que surja um conceito cujo significado não conhece ou não lhe é familiar;

Precisa de apoio?

Caro estudante, temos a certeza que por uma ou por outra razão, o material
de estudos impresso, lhe pode suscitar algumas dúvidas como falta de clareza,
alguns erros de concordância, prováveis erros ortográficos, falta de clareza,
fraca visibilidade, página trocada ou invertidas, etc.). Nestes casos, contacte
os serviços de atendimento e apoio ao estudante do seu Centro de Recursos
(CR), via telefone, sms, E-mail, se tiver tempo, escreva mesmo uma carta
participando a preocupação.
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Uma das atribuições dos Gestores dos CR e seus assistentes (Pedagógico e


Administrativo), é a de monitorar e garantir a sua aprendizagem com
qualidade e sucesso. Dai a relevância da comunicação no Ensino a Distância
(EAD), onde o recurso as TIC se torna incontornável: entre estudantes,
estudante – Tutor, estudante – CR, etc.

As sessões presenciais são um momento em que você caro estudante, tem a


oportunidade de interagir fisicamente com staff do seu CR, com tutores ou
com parte da equipa central do ISCED indigetada para acompanhar as sua
sessões presenciais. Neste período pode apresentar dúvidas, tratar assuntos de
natureza pedagógica e/ou administrativa.

O estudo em grupo, que está estimado para ocupar cerca de 30% do tempo
de estudos a distância, é muita importância, na medida em que permite lhe
situar, em termos do grau de aprendizagem com relação aos outros colegas.
Desta maneira ficará a saber se precisa de apoio ou precisa de apoiar aos
colegas. Desenvolver hábito de debater assuntos relacionados com os
conteúdos programáticos, constantes nos diferentes temas e unidade
temática, no módulo.

Tarefas (avaliação e auto-avaliação)

O estudante deve realizar todas as tarefas (exercícios, actividades de


avaliação e autoavaliação), contudo nem todas deverão ser entregues, mas é
importante que sejam realizadas. As tarefas devem ser entregues duas
semanas antes das sessões presenciais seguintes.

Para cada tarefa serão estabelecidos prazos de entrega, e o não cumprimento


dos prazos de entrega, implica a não classificação do estudante. Tenha sempre
presente que a nota dos trabalhos de campo conta e é decisiva para ser
admitido ao exame final da disciplina/módulo.

Os trabalhos devem ser entregues ao Centro de Recursos (CR) e os mesmos


devem ser dirigidos ao tutor/docente.

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Podem ser utilizadas diferentes fontes e materiais de pesquisa, contudo os


mesmos devem ser devidamente referenciados, respeitando os direitos do
autor.

O plágio1 é uma violação do direito intelectual do(s) autor(es). Uma


transcrição à letra de mais de 8 (oito) palavras do texto de um autor, sem o
citar é considerada plágio. A honestidade, humildade científica e o respeito
pelos direitos autoriais devem caracterizar a realização dos trabalhos e seu
autor (estudante do ISCED).

Avaliação

Muitos perguntam: Como é possível avaliar estudantes à distância, estando


eles fisicamente separados e muito distantes do docente/turor!? Nós
dissemos: Sim, é muito possível, talvez seja uma avaliação mais fiável e
consistente.

Você será avaliado durante os estudos à distância que contam com um


mínimo de 90% do total de tempo que precisa de estudar os conteúdos do seu
módulo. Quando o tempo de contacto presencial conta com um máximo de
10% do total de tempo do módulo. A avaliação do estudante consta
detalhadamente do regulamento de avaliação.

Os trabalhos de campo por si realizados, durante estudos e aprendizagem no


campo, pesam 25% e servem para a nota de frequência para ir aos exames.

Os exames são realizados no final da cadeira disciplina ou modulo e decorrem


durante as sessões presenciais. Os exames pesam no mínimo 75%, o que
adicionado aos 25% da média de frequência, determinam a nota final com a
qual o estudante conclui a cadeira.

A nota de 10 (dez) valores é a nota mínima de conclusão da cadeira.

Nesta cadeira o estudante deverá realizar pelo menos 2 (dois) trabalhos e 1


(um) (exame).

1
Plágio - copiar ou assinar parcial ou totalmente uma obra literária, propriedade
intelectual de outras pessoas, sem prévia autorização.

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Algumas actividades práticas, relatórios e reflexões serão utilizados como


ferramentas de avaliação formativa.

Durante a realização das avaliações, os estudantes devem ter em consideração


a apresentação, a coerência textual, o grau de cientificidade, a forma de
conclusão dos assuntos, as recomendações, a identificação das referências
bibliográficas utilizadas, o respeito pelos direitos do autor, entre outros.

Os objectivos e critérios de avaliação constam do Regulamento de Avaliação


do ISCED.

UNIDADE 1

CONCEITUAÇÃO DE LITERATURA ORAL VS LITERATURA ESCRITA

Introdução

Como se sabe, em Moçambique e noutras sociedades africanas,


concretamente no exercício da apreensão do fenomeno literário, a literatura
oral constitui ainda hoje uma forma estética que proporciona a assimilação
da realidade a uma grande percentagem de moçambicanos que não têm a
escrita.

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Neste tema em particular, iremos retratar aspectos concernentes à


conceituação da literatura oral vs literatura escrita, suas diferenças, os
géneros da literatura oral e as funções da literatura oral.

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

 Conceituar a literatura oral vs literatura escrita;

 Conhecer as várias terminologias designativas do fenomeno da arte


verbal de tradição oral;
Objectivos
Específicos  Distinguir a literatura oral da literatura escrita;

 Conhecer os géneros e as funções da literatura oral.

1.1. Teorias e a Batalha Designativa da Arte Verbal de Tradição Oral

O estudo das manifestações da cultura oral permitiu acumular observações


consideráveis e terminologias que revelam interpretações pouco compatíveis
e por vezes contraditórias2. E as terminologias revelam estados, filosofias e
perspectivas na abordagem e percepção dos fenómenos. Designações actuais
são, no entanto, utilizadas muitas vezes de forma indiscriminada para
designar o fenómeno da arte verbal de tradição oral3.

A) Folclore ou Literatura Folclórica, esta designação foi introduzida


por W. J. Thomas, em 1846, pretendendo designar o conhecimento
popular - folk (povo) e lore (conhecimento) – foi utilizada

2
Pathé Diagne em “Pensamentos e problemas culturais em África” in Introdução à Africana,
ed. 70, Lisboa, (pp. 139-191), adianta, ainda a propósito do fenómeno “contradição” que
uma das particularidades do facto cultural reside na ambiguidade, pois revela elementos e
linhas de evolução amiúde contraditórias e divergentes. Tem a medida a sua medida no
Homem. A instituição, a visão estética ou ética que ele subentende, as significações que
atribui aos objectos, aos seres, ao fenómeno cultural, económico, às relações de ser ao outro
ou ao objecto não revestem um valor permanente senão em função de escolhas e contextos
determinantes. Mas a cultura não é um fenómeno ambíguo. Ela é um valor conflitual pois
as culturas, as instituições estabelecem entre si relações de força, defendendo interesses. Um
património cultural, linguístico ou institucional define um quadro de referência, um
instrumento de organização.
3
Cf. MANJATE, Teresa. O Simbolismo no Contexto Proverbial Tsonga e Macua –
Lómwè, Maputo. CIEDIMA, 2000.

17
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comummente até meados do nosso século. Ainda hoje aparece em


estudos latinos e anglo-saxónicos para se referir aos textos de
tradição oral. Este designação foi e é contestada não só pelo sentido
do termo, pouco ou nada restritivo, mas também pelo método e
finalidade das pesquisas.

“Les faites folkloriques sont les richesses immutable à preserver. Ils


définissent la mentalité populaires et les contours propres a chaques pays”4

A base da pesquisa folclorista pressupunha a existência de um povo criador,


de uma “civilização popular” que procurava dentro do seu tempo e espaço
uma “autenticidade cultural” e uma “pureza e originalidade dos povos”
perdidas. Aqui, pressupõe-se a existência de dois pólos culturalmente
distantes: o povo-receptáculo e reservatório de uma cultura imutável – e de
uma elite formada por entidades desenraizadas, responsável pelos desvios e
mudanças e no eixo da originalidade.

Pertencentes ao último grupo, os investigadores folcloristas conduziam as


suas pesquisas como um meio de retorno às origens, ao povo escultor da
identidade cultural. Ao mesmo tempo deixavam transparecer um
paternalismo de uma elite valorizada socialmente, que tentava a todo o custo
encontrar um super valor na cultura perdida. Após as recolhas não havia a
preocupação de as situar no tempo e de reflectir sobre elas. Estabelecia-se
quase que de forma automática uma relação de superioridade /
subalternidade.

Esta concepção metodológica e funcional levou a que se criassem traços


depreciativos, remetendo o termo – folclore – para campos que o distanciam
do valor, da riqueza e do dinamismo do objecto em causa.

B) Literatura Tradicional, candidatando-se para a nomenclatura do


mesmo fenómeno, fracassa por duas razões: primeira, pela exclusão

4
Bouvier et all, Tradition Orale et Identié Culturalle – Problemes et Methodes.
CNRS, Paris, 1980.

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do factor mudança, processo de transformação e actualização. A ideia


de imutabilidade e de estagnação choca com os princípios de
dinamismo que a História e as sociedades impõem. Segunda: por
falta de explicitação oral dos textos, que julgamos ser pertinente para
a sua categorização.
C) Literatura Popular é outra designação que se pretende imputar ao
fenómeno literário oral, embora contestada pelas implicações que o
termo suscita.

Tal designação pode ainda sugerir classificações em função do grau de


divulgação e difusão. Neste caso, literatura popular seria a mais
divulgada e eventualmente a mais aceite entre um público receptor.

Outro aspecto, pode sugerir uma classificação da literatura consoante o


tipo de valores sociais e ideológicos que um determinado corpus veicula.

Os teóricos da literatura utilizaram-na para designar uma literatura que


veiculasse valores da classe social mais desfavorecida política e
economicamente, em oposição a outra classe, privilegiada, espelhada na
“literatura burguesa”.

Opondo-se o popular ao oficial, no critério político-administrativo que


delimita fronteiras da institucionalidade literária, o popular significaria,
neste contexto, “marginal”.

Por seu turno, Luís da Câmara Cascudo5 entende literatura popular como
sendo que permanece na memória e é transmitida pela voz. Se partirmos
da origem textual, essa definição afigura-se-nos com alguma
inconsistência pelo facto de não se referir de forma forma específica a
origem do texto6. Como sabemos, muitos são os textos originariamente

5
Cf. Cascudo (1984) Literatura Oral no Brasil, 3ª ed., Itália, Belo Horizonte
6
Cf. Ana Cristina Lopes (1983) “Literatura culta e literatura tradicional de transmissão oral:
a bipartição da esfera literária ” in Cadernos Literários, CLP da Universidade de Coimbra,
nr. 15, INC, Coimbra. Neste artigo a autora analisa várias designações, apontando para o
facto de “…cada uma destas expressões comporta, evidentemente, um juízo de valor mais
explícito ”. (pp.43-44)

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escritos que se popularizaram, se gravaram na memória de um colectivo


e se transmitem a posteriori pela voz.

Nesta tentativa de definição, uma vez mais a oralidade dos textos – traço
axiológico fundamental – não se faz presente, não é perceptível a partir
da designação que se lhe confere.

D) Literatura de Expressão Oral, designação algo complexa


igualmente utilizada, pressupõe a presença de outros traços para além
da oralidade. Se por um lado a evidencia através da marca da
expressão oral, por outro lada matéria referencial, pressupondo uma
transposição de uma manifestação desta oralidade para outros
sistemas literários;

Segundo, através do recurso a processos discursivo-estruturais da


oralidade na criação (produção) e consequentemente recepção literárias
escritas que podem imprimir numa expressão oral a textos escritos;

Terceiro, existe criação / produção escrita com vista a uma representação


oral. Tal é o caso do texto dramático que é concebido / escrito visando a
representação oral diante de um público.

E) A designação tradição oral é também utilizada de forma


indiscriminada, quer para referir as culturas transmitidas através da
oralidade, quer para referir particularmente o fenómeno da arte verbal
oral.

De uma forma geral, esta designação ultrapassa o campo restrito que


constitui uma parcela do conjunto da “tradição oral” que abrange desde
sistemas artísticos e não artísticos, verbais e não-verbais.

F) À procura de uma designação menos conflituante e mais precisa,


estudiosos de cultura anglo-saxónica e/ ou por eles influenciados
optaram pelo termo oratura, baseando-se unicamente no carácter oral
dos textos.

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Vozes há que advogam a parcialidade do termo por não dar cobro a


aspectos distintivos existentes entre os sistemas literários versus não
literário; e sistema literário escrito versus sistema literário oral.

Muito embora a designação encontrada chame a atenção para o facto de,


dentro do sistema literário existir uma componente extralinguística que
não (pode ser) é abrangida pelo conceito jacobsoniano de literariedade7.

G) A designação Literatura Oral foi utilizada pela primeira vez por


Sebillot, em 18881. Composta por elementos contraditórios entre si:
literatura que nos remete para a escrita devido a sua origem
etimológica – do latim literra , escrita, erudição, relativo à arte de
escrever opõe-se ao segundo elemento: oral, que refere exactamente
a ausência de grafema, ou seja, de representação escrita.

É a designação mais veiculada nos meandros da académico-científicos


nas últimas décadas para referir o tipo de manifestação artística verbal
oral que, sem querer comparar, como a “literatura escrita”, veicula
valores sociais, culturais individuais e colectivos, na sua dimensão mais
universal, cumprindo o papel que a sociedade lhe confere.

Trilhados vários caminhos em busca desta cartografia sobre a


conflitualidade designativa do termo Literatura Oral, Manjate (2000:16),
dá o seu golpe de mestre, pois entende que “sendo a etnoliteratura
referência à área de reflexão, permanece o problema para a designação
do fenómeno, isto é, do objecto de reflexão. E, literatura ainda nos
parece, apesar da ambiguidade – objecto e reflexão – o termo mais feliz
para a designação do fenómeno.”

Por sua vez, Schipper (s/d:12)8 discutindo a Literatura oral e a oralidade


escrita, diz que “pesquisadores africanos , como Pius Zirimu, da Uganda,

7
Cf. Lourenço do Rosário. A Narrativa Africana, 1ª ed. ICALP, Lisboa (1990), (PP. 53-
54)
8
SCHIPPER, Mineke. Oral literature and written orality. In Viva Voz, Belo Horizonte, s/
d.

21
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introduziram o conceito de oratura em oposição a literatura. O primeiro


referir-se-ia então a “textos” orais e o último, a escritos.

Na maioria das vezes, lidamos com literatura oral apenas em forma


transcrita, escrita. De qualquer modo, parece-nos não haver tanto
problema em manter o conceito de literatura oral referente a “textos”
apresentados oralmente, assim como a textos transcritos literalmente a
partir da performance.

Como textos literários, podemos distingui-los chamando os primeiros


dicts e os segundos scripts.

Nas palavras de Monroe Beardsley: “scripts e dicts são textos; além


disso, um determinado script e um determinado dict podem ser o mesmo
texto”. O facto de materiais orais terem sido mudados ou adaptados de
forma a criar um novo texto na tradição escrita apenas pode ser
devidamente verificado quando as fitas da performance estão
disponíveis.

Na verdade, um “texto” oral não existe por si mesmo, sem performance:


a presença do apresentador, do contador de história, do cantor – sem o
qual a literatura oral não pode ao menos existir – é uma característica
fundamental.

O génio artístico e os recursos literários usados pelo autor dificilmente


são levados em conta, e toda a atenção é fixada em aspectos não
literários. Escritores são talentosos ou medíocres, e isto é válido também
em relação a contadores de histórias orais, segundo Oblechina9:

A história folclórica […] pertence, em sua estrutura


básica, à comunidade, até que o individuo a apegue
e, durante o processo de narração, faça a sua. Não há
portanto um único texto autêntico. O texto esqueleto

9
Op. cit.

22
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que personifica o tema conhecido está lá e, algumas


vezes, o exemplo subjacente. O narrador individual,
usando o primeiro, constrói o texto pelo uso de seus
próprios métodos. Poderia, haver, por isso, tantos
textos para uma história quantos fossem os
narradores. Alguns deles são muito bons, alguns
indiferentes, outros realmente pobres, dependendo
da competência e do indivíduo.

1.2.Literatura Escrita

De um modo geral, pode ser entendida como uma comunicação


unilateral, sem intercâmbio, em que a mensagem é comunicada não “pela
voz para o ouvido”, mas “pelas mãos para os olhos”. Recorrendo-se aos
sinais gráficos, à língua escrita, que é uma modalidade linguística de
natureza artificial e técnica.

Substituta da língua oral – mas não só – , dela não difere apenas pela
substância gráfica em oposição à fónica. Akinnaso (1982:111) explica
que elas são “estruturas diferentes porque diferem quanto ao modo de
aquisição; método de produção, transmissão e recepção e nas formas
em que os elementos de estrutura são organizados10”.

Em relação à aquisição observamos que:

A fala é normalmente adquirida naturalmente sem instruções formais


(em famílias, na rua, no parque, etc. ) enquanto a escrita tem de ser
conscientemente apreendida, geralmente na escola.

Na sua realização há, na produção do texto escrito, entre outros factores,


a ausência física do interlocutor e a substituição do canal sonoro pelo
visual. Com efeito, na língua falada cabe considerar a presença dos

10
AKINNASO, F. N. Sobre as diferenças entre a linguagem escrita e a falada. Language
and Speech. Teddington kingston Press Services, 1982.

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interlocutores com o seu comportamento vocal, gestual, fisionómico e,


principalmente, emocional, somado ao contexto físico e social de ambos,
que está presente e, em princípio, lhes é ao menos parcialmente idêntico.

Na verdade, a língua falada, servindo-se de vários canais, transmite ao


mesmo tempo mensagens não só conteudísticas mas também
pragmáticas11.

Outro aspecto, não menos importante, indicado por Preti (1994:65), é o


canal, isto é, “a substituição do sonoro pelo visual implica, na língua
escrita, uma série de adaptações técnicas, criativas e até mesmo artísticas,
porém, às vezes, danosas, como certas ortografias fonéticas
individuais12”.

São, ou devem ser considerados não só os elementos linguísticos, mas


também os paralinguísticos: os fonemas, os sons, os signos; os elementos
prosódicos da entoação, intensidade, duração, ritmo, velocidade, etc.; o
ambiente físico e social, as circunstâncias do tempo, lugar, modo, etc.;
os quais na escrita, na medida do interesse, da necessidade e da
possibilidade, devem ser evocados verbal e descritivamente.

É daí que Ilari (1978:10), entende que o texto escrito “precisa, por assim,
dizer, construir linguisticamente os momentos, indivíduos e lugares a que
faz referência”, ao contrario da expressão falada em que “uma forte
quantidade de implícitos admissível pelo facto de que os interlocutores
estão inseridos numa situação comum13”.

11
URBANO, Hudinilson. Oralidade na Literatura: o caso Ruben Fonseca. São Paulo.
Cortez. 2000.
12
PRETI, D. Sociolinguística: os níveis de fala. 7ª ed. Ver. e aum. São Paulo, Nacional,
1994.
13
ILARI, R. Algumas opções do professor de português no segundo grau. Subsídios à
proposta curricular de língua portuguesa para o 2º grau. V. 1, São Paulo, CENP, 1978.

24
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Entre as oposições discursivas, Ducrot e Todorov (1973:382) incluem o


discurso explícito (ou autónomo) e o implícito, de situação (linguagem
prática)14.

Ao caracterizá-los, estão apresentando um dos aspectos da língua falada


e escrita, pois no discurso implícito (como normalmente na língua falada)
“a linguagem é de situação, ou seja, conta com elementos
extralinguísticos de complemento (linguagem prática)”, ao passo que no
discurso explícito (como normalmente na língua escrita) “a linguagem
visa constituir um todo fechado quanto possível, com tendência a tornar-
se completa e precisa, a usar palavras-termos e frases-juízos (linguagem
teórica ou de formulação )”.

1.3. Literatura Oral da Literatura Escrita

1.3.1. Algumas ondas distintivas dos dois sistemas literários

Como qualquer área de conhecimento, a Literatura Oral orienta-se sob três


critérios a ter em conta:

 primeira onda: os textos são compostos e conservados na memória


individual – composição;

 segunda onda: os textos são transmitidos de umas pessoas para as


outras e de geração a geração. Na generalidade, as peças apresentadas
pelos nossos antepassados (recolectores) são o que há de mais puro
no povo. Povo sem contactos ou influências de outros povos ou
culturas, sobretudo europeias. Transmitem-se conhecimentos,
ensinamentos, crenças, valores morais e culturais, etc. – transmissão;

14
DUCROT, O. e TODOROV, T. Dicionário das Ciências da Linguagem. Lisboa, D.
Quixote, 1973.

25
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 terceira onda: o traço mais distintivo entre os dois sistemas, é o facto


dos textos orais serem realizados oralmente, isto é, a sua realização é
oral – realização;

É na realização, que há o ponto de partida, quando um poema ou uma história


é apresentado / a ou contado / a que o texto assume a performance ou
efectividade. Enquanto o texto escrito se mantem fixo, incorruptível, o oral
é fluido ou maleável. A fluidez do texto é marcada pelas modificações que o
emissor introduz no texto. Além disso, o contador de histórias fá-los em
circunstâncias diferentes. Cada realização é um acto de composição na qual
o emissor recria a produção. Para todos efeitos, há partes do texto oral que
têm de permanecer fixas / intactas para lhe conferir sentido, de modo a
manter a essência da história textual. O lado conservador do texto oral,
provém da tradição.

Outra diferença entre os dois sistemas está relacionada com o (s) código o
(s) envolvidos na produção textual.

O texto literário oral compreende um policódigo, ou seja, é regulado por um


conjunto de códigos inexistentes no sistema da literatura escrita. A literatura
oral está integrada no contexto de uma cultura primariamente oral. A sua
produção envolve o código verbal oral, o código musical, o código cinésico,
o código proxémico e o código paralinguístico.

a) O código musical diz respeito ao facto de grande parte dos textos da


literatura serem acompanhados de música produzida por instrumentos
diversos. Tal sucede porque as culturas de tradição oral normalmente
reforçam os ritmos do acto verbal “casando-os” com ritmos de dança, de
instrumentos musicais e de melodia. Este “casamento” facilita a
memorização, mas é uma aliança que também se encontra na escrita.

b) O código cinésico regula os movimentos rítmicos corporais executados


apenas pelo emissor do texto ou conjuntamente pelo emissor e pela sua
audiência. Estes movimentos completam os signos verbalizados.

26
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c) O código proxémico regula a utilização das relações topológicas


(espaciais) entre seres e coisas como signos integrantes dos textos da
literatura oral.

d) O código paralinguístico regula os factores vocais convencionados ou não


que acompanha a emissão dos signos verbais, mas que não fazem parte do
sistema verbal linguístico e que podem ser importantes como elementos do
texto da literatura oral (entoação, qualidade de voz, riso, pausas, altura, tom,
timbre e regulação da voz).

A interacção destes códigos configura a literatura oral como um policódigo


mais heterogéneo do que o policódigo da Literatura Escrita.

1.4.GÉNEROS DA LITERATURA ORAL

São de Héli Chatelain as seguintes palavras: «A Literatura Tradicional consta


de um rico tesouro de provérbios e adágios, de contos ou apólogos, de
enigmas e de cantigas, aos quais se podem juntar as tradições históricas e
mitológicas, os ditos populares, ora satíricos ou alusivos, ora alegóricos ou
figurados, nos quais se condensou a experiência dos séculos e ainda hoje se
reflecte a vida moral, intelectual e imaginação doméstica e política de
gerações passadas, da alma da raça inteira.

 Vamos considerar aqui, como exemplos da Literatura


Tradicional Oral Bantu, alguns exemplos: os contos
tradicionais, as lendas, as fábulas, os provérbios populares, as
advinhas, as poesias, as narrativas históricas, a parábola, o
adágio, o apólogo, os enigmas, as cantigas, os mitos, as
anedotas da tradição oral, as canções, os cânticos, etc.

 Em Moçambique, “embora muito trabalho de recolha de


manifestações de oratura esteja por fazer, existe alguma dessa
autenticidade cultural dos Macondes, Macuas, Rongas, yaos,

27
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Senas.” Sebastião et al (1999, p. 82)

1.5.FUNÇÃO DA LITERATURA ORAL

De um modo geral, podemos dizer que a Literatura Tradicional tinha uma


função social. Como passatempo ou com finalidade educativa, com um fim
moral ou como fixação de saber empiricamente adquirido, tinha sempre em
mente levar ao grupo o conhecimento, a tradição o recreio, a competição, a
formação, e até a profissional.

Retratando o conto, de modo particular, ele existe nos diferentes povos e


culturas, desde os tempos primitivos desempenhando uma função lúdica e /
ou moralizante.

Nos contos em geral, está presente a finalidade moral, política, social ou


apenas a de distracção / entretenimento.

A Literatura Tradicional é o mais claro espelho da autenticidade da alma


africana, no seu ser, sentir e agir; nos seus costumes e tradições, nos seus
trabalhos e folias, na sua vida individual e social, na sua filosofia prática e
normativa.

Se alguma manifestação artística reflecte a imagem perfeita e viva da alma


africana, essa é a Literatura Tradicional.

Logo: Chamamos Literatura Oral ao conjunto de todos os contos, lendas,


fábulas, provérbios, advinhas, poesias, narrativas etc. que, criadas pela alma
artística do povo, foram sendo transmitidas oralmente, através dos séculos,
de geração em geração, até aos nossos dias.

1.6.A Literatura Oral é uma sobra da mesa do escritor ou tem existência


própria, eis a questão

28
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Para respondermos à nossa questão, recorremos ao amuleto sagrado que nos


foi fornecido por Sebastião et al (1999:95), e que nos serviu da machadada
final, senão mesmo uma luva de borracha para chafurdar a mancha nos
seguintes termos:

A Literatura Oral e a Literatura Escrita são dois sistemas distintos, regidos,


cada um deles, por regras diferentes, tal como vimos, só para citar alguns
autores como Akinnaso, Preti, Ilari e outros.

Cada um dos sistemas cumpre as suas funções nas sociedades em que são
veiculados, não significando, como muitas vezes se pensa que a Literatura
Oral seja inferior à Literatura Escrita.

A linguagem oral é anterior à linguagem escrita e todas as culturas passaram


por uma fase da oralidade (vivem hoje com e da oralidade e para sempre
assim será). As culturas africanas, por exemplo, são primariamente orais e
as culturas ocidentais enraizaram a sua cultura na escrita.

As culturas de tradição oral não são primitivas, mas sim ligadas à civilização
mitológica, enquanto as culturas europeias baseiam-se numa civilização
lógico-científica.

A maior parte do legado cultural em Moçambique é de tradição oral, mas o


código escrito é também utilizado para veicular esse mesmo património
cultural. Os dois códigos e os dois sistemas coexistem na nossa sociedade
como em muitas outras15.

BIBLIOGRAFIA

AKINNASO, F. N. Sobre as diferenças entre a linguagem escrita e a falada.


Language and Speech. Teddington kingston Press Services, 1982.

15
SEBASTIÃO, Lica et al, Português: Textos e Sugestões de Actividades. Maputo,
Diname, 1999.

29
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Bouvier et all, Tradition Orale et Identié Culturalle – Probçemes et


Methodes. CNRS, Paris, 1980.

CASCUDO, Literatura Oral no Brasil, 3ª ed., Itália, Belo Horizonte, 1984.

DUCROT, O. e TODOROV, T. Dicionário das Ciências da Linguagem.


Lisboa, D. Quixote, 1973.

Estes,Clarissa Pankola.A Terapiados Casos.In estes Clarissa Pankple/Ed)


Contos dos Irmãos Grim, Rio de Janeiro:Rqco,2005.

ILARI, R. Algumas opções do professor de português no segundo grau.


Subsídios à proposta curricular de língua portuguesa para o 2º grau. V. 1,
São Paulo, CENP, 1978.
MANJATE, Teresa. O Simbolismo no Contexto Proverbial Tsonga e Macua
–Lómwè, Maputo. CIEDIMA, 2000.
PRETI, D. Sociolinguística: os níveis de fala. 7ª ed. Ver. e aum. São Paulo,
Nacional, 1994.

ROSÁRIO, Lourenço do. A Narrativa Africana, 1ª ed. ICALP, Lisboa,


1990.

SCHIPPER, Mineke. Oral literature and written orality. In Viva Voz, Belo
Horizonte, s/ d.

SEBASTIÃO, Lica et al, Português: Textos e Sugestões de Actividades.


Maputo, Diname, 1999.

URBANO, Hudinilson. Oralidade na Literatura: o caso Ruben Fonseca.


São Paulo. Cortez. 2000.

Sumário

Em síntese:
Na Unidade 1. estudamos e discutimos o conceito da Literatura Oral como
conjunto de todos os contos, lendas, fábulas, provérbios, advinhas, poesias,
narrativas etc. que, criadas pela
30
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alma artística do povo, foram sendo transmitidas oralmente, através dos


séculos, de geração em geração, até aos nossos dias.

A Literatura Oral e a Literatura Escrita são dois sistemas distintos, regidos,


cada um deles, por regras diferentes, tal como vimos, só para citar alguns
autores como Akinnaso, Preti, Ilari e outros.

Cada um dos sistemas cumpre as suas funções nas sociedades em que são
veiculados, não significando, como muitas vezes se pensa que a Literatura
Oral seja inferior à Literatura Escrita.

Exercícios da Unidade temática

I. Auto-avaliação

1 O vocábulo Folclore designa o conhecimento popular. Indentifique o


estudioso que o introduziu , na literatura.
2.Qual o significado de popular ou literatura oral para Cascudo?

3. Enumere cinco exemplo da Literatura Tradional Bantu.


4.Apresente os géneros da literatura oral e a sua respectiva função.

5. Dê exemplos de etnias com algumas manifestações de textos orais existentes


em Moçambique.

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II Avaliação

Assinale com o X a alternativa correcta:


1. As diversas terminologias utilizadas para designar o fenómeno da
arte verbal de tradição oral são as seguintes:
a) Folclore ou Literatura Folclórica, Literatura Tradicional,
Literatura Popular, Literatura de Expressão Oral, Tradição oral e
Literatura Oral.
b) Lteratura tradicional,tradição oral,folclórica,literatura
popular,literatura africana.
c)Literatura folclórica,literatura tradiciona,literatura popular,
literatura àgrafa.
d)Oratura, literatura oral, literatura tradicional, tradição oral.
.

2. Assinale com o X a alternativa correcta:

2. 1- A Literatura Oral é entendida como:

a) Conjunto de todos os contos, lendas, fábulas, provérbios,


advinhas, poesias, narrativas etc. que, criadas pela alma artística
do povo, foram sendo transmitidas oralmente, através dos séculos,
de geração em geração, até aos nossos dias.

32
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b)Conjunto de todos os contos , lendas , histórias , poemas criados


pelos grandes artistas foram sendo trsmitidos , de geração em geração.

c) Conjunto de lendas, provérbios ,fábulas do povo, que são


transmitidos de geração em geração.

d)Conjunto de historias do povo, adivinhas , poesias , que criados pela


alma artística do povo:

2.2- a) A Literatura Oral e a Literatura Escrita são dois sistemas


distintos, regidos, cada um deles, por regras diferentes; por outro, cada
um dos sistemas cumpre as suas funções nas sociedades em que são
veiculados, não significando, como muitas vezes se pensa que a
Literatura Oral seja inferior à Literatura Escrita. A linguagem oral é
anterior à linguagem escrita e todas as culturas passaram por uma fase
da oralidade.

b) A literatura oral e a eliteratura escrita compartilham o mesmo


sistema e são regidos por regras diferentes,as duas literaturas têm
funções iguais.

c) A literatura oral e a literatura escrita são dois sistemas distintos


regidos por regras iguais.

d) A literatura oral e a literatura escrita são regidos por regras iguais


e são dois sistemas distintos.

3.a) Na realização, os textos orais são fixos e os textos escritos


são maleáveis.
b) Na realização, os textos orais são lidos e os textos escritos são
aperesentados pelo contador.

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c) Na realização, os texots orais dependem da audiência e do


leitor ,enquanto os textos escritos são fixos .
d) Na realização, os textos orais são maleáveis enquanto os textos
escritos são fixos .

4.Assinale com o X as afirmações verdadeiras:


Os três códigos envolvidos na literatura oral na diferenciação
deste com a escrita são:

a)–Composição: os textos são compostos e conservados na memória


individual;--------
b) – Transmissão: os textos são transmitidos de umas pessoas para as
outras e de geração a geração. Transmitem-se conhecimentos, ensinamentos,
crenças, valores morais e culturais;---------------

c) – Realização o traço mais distintivo entre os dois sistemas, é o facto


dos textos orais serem realizados oralmente, isto é, a sua realização é oral.--
---------------
d ) - Escrita apresentação de lendas, conto e fábulas.-------

5. A realização do texto oral depende de alguns códigos .


Assinale com O F(falso) ou V() as afirmações que se seguem:
a) Código musical produzido por instrumentos diversos, esta
presente na maior parte dos textos orais.--------
b) Código cinésio regula os movimentos ritmcos corporais
executados pelo emissor do texto.----------
c) Código proxémico regula a utilização dos textos orais. --------
--

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d) Código paralinguistíco regula factores vocais que


acompanham a emissão da voz-------------

Respostas

Auto-avaliação
1- Foi introduzido por W. J. Thomas, em 1846.
2- Para Cascudo literatura popular é aquela que permanece na
memória e é transmitida pela voz.
3- Contos tradicionais, lendas, fábulas, provérbios populares,
advinhas, poesias…
4- A literatura tradicional tem um rico tesouro de provérbios e
adágios, contos ou apólogos, enigmas e cantigas.
A função é social como passatempo ou com finalidade
educativa, com fim moral ou como ficção de saber.
5- Macondes, Macuas, Rongas, e Yaos Senas…

Avaliação
1.a)
2. 1. a)
2.2. a)
3.d)
4. a)X b)X c)X
5. a)V b)V c)F d)V

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UNIDADE 2

LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA: Moçambique

José Francisco Costa

Introdução

Nesta unidade cabe referir, embora muito ao de leve, a problemática


relacionada com o aparecimento das literaturas de expressão portuguesa em
África. Elas são, por um lado, o resultado de um longo processo histórico de
quase quinhentos anos de assimilação de parte a parte, com tudo que há de
positivo e negativo em tal processo; por outro lado, estas literaturas são
produto (a meu ver, ainda não acabado) de uma consciencialização que se
iniciou nos anos 40 e 50 deste século com chamadas "elites lusófonas". À
semelhança de outros países africanos da lusofonia, Moçambique não pode
ser uma excepção no que diz respeito aos contornos das Literaturas Africanas
de Língua Portuguesa.

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

 Conhecer os factores que influenciaram as primeiras manifestações


das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa;

36
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Objectivos  Conhecer os esquema, proposto por Manuel Ferreira que representa


Específicos os quatro momentos da emergência das Literaturas Africanas de
Língua Portuguesa;

 Conhecer as quatro fases da Literatura Africana arquitectada por


Patrick Chabal;

 Conhecer os poetas que contribuíram decisivamente para a formação


da identidade nacional moçambicana.

2.Itinerario das Literaturas Africanas de Lingua Portuguesa

aspectos da sua historia literária com Portugal e os países africanos outrora


colónias de Portugal. Por isso, vamos, neste subcapítulo, em linhas gerais,
focar alguns aspectos que unem a história das literaturas dos países
africanos de língua portuguesa.

Os países africanos de língua portuguesa são: Moçambique, Angola, Cabo


Verde, São Tomé e Principe e Guiné Bissau. Estes países foram colónias de
Portugal durante, aproximadamente cinco séculos. Pois, de acordo com
Hernadez(2008) a colonização portuguesa em África esta relacionada às
primeiras incursões no século XV durante as grandes navegações, um
período conhecido como o Antigo Sistema Colonial e depois com o
Imperialismo do século XIX até a metade do século XX.

A literatura desses países, por terem sido colonizados por Portugal,


apresenta, de um modo geral, um itinerário comum. Pois, Portugal quando
se instalou nestes territórios adoptou uma estratégia de desmantelamento das
culturas locias, desprestigiando-as considerando-as selvagens.

37
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Para atingir este propósito, o colonizador não poupou esforços, pois segundo
Hernandez (2008:516) Portugal utilizou a força militar para submeter as
populações a sua burocracia. Mais tarde, Portugal deixou de ser administrado
militarmente e passou para administração civil, como forma de reforçar a sua
sobernia, empenhou-se em destruir o poder local, enfraquecendo o poder dos
chefes tradicionais bem como a unidade das populações, destruindo assim as
suas culturas. Davidson (1969:48) afirma que com a destruição das tradições
das populações africanas abriu-se um espaço para a assimilação e,
conquentemente , para a tentativa de transformar as colonias portuguesas em
componentes do grande Império português. Como consequência deste acto
os países africanos perderam grande parte do seu espolio cultural. Por isso,
Ferreira (1989:9)afirma que o colonialismo de caso pensando
despersonalizou o colonizado reprimiu – o destrui-lhe a imagem coesificou-
o e não lhe permitiu que se tornasse sujeito da história. Criou -lhe um
complexo de inferioridade em relação a sua cultura, aniquilando -o como
cidadão africano.

Ramos (1996:83) por sua vez afirma que a politica da assimilação, adoptada
pelo colonizador português, era suportada pela educação. Pois o indígena
tinha que aprender a ler e escrever na lingua do colonizador, esta missão de
educar era da responsabilidade das missoões religiosas.

Sobre o processo de ensino, Mondlane (1995:57) afirma que o para o


colonialismo o ensino devia conduzir gradualmente , o indígena duma vida
de selvajaria a uma vida civilizada.

Literatura Oral

Não se pode falar do historial das literaturas dos países africanos sem fazer
menção a pré literatura, sua principal fonte. Pois, para Estés (2005:15) a
literatura oral é uma antiga arte de exprimir eventos reais ou fiticios em
palavras, imagens e sons e que as histórias têm sido compartilhadas em todas

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as culturas para incutir, sobretudo, nos mais novos, conhecimentos e valores


morais. Porquanto, as primeiras formas de narrativa eram orais combinadas
com gestos e expressões onde as palavras eram passadas de uma pessoa para
outra, num esforço de comunicar mensagens ou sentimentos. Assim,
tradicionalmente as historias eram passadas de geração em geração e
sobreviviam na memória.

As literaturas africanas de lingua portguesa são seculares pois a criação


verbal oral é bem mais antiga, remonta aos primórdios da própria
comunicação humana. por isso, qualquer definição da literaturas africanas de
lingua portuguesa não pode perder de vista o segmento que se chama oratura
ou literatura oral, por se tratar de um acervo de textos orais que
presentemente, quase todos os países estão empenhados em recolhê-los para
conserva-los com recurso a escrita.

Sobre a importância da literatura oral, Fernando Cristovão, prefaciando a


obra “A Narrativa de Expressão Oral” de Rosário (2008:11) afirma que, “Só
entenderemos cabalmente a literatura escrita se formos capazes de passar
pela literatura da tradição oral.”

Uma das preocupações dos escritores africanos de lingua portguesa da


actualidade é o de resgatar a identidade africana, outrora renegada por isso a
maior parte dos escritores da nova geração de intelectuais mescla, nas suas
obras elementos da oralidade e da escrita.

Vejamos exemplo dos poemas , abaixo:

Kanrigana ua Kanringana

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Excerto do poema de José Craveirinha.Karingana ua Karingana(era uma


vez), lisboa: ( Edições 70)1982

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Exerto do poema de Tomás Vieira Cruz. 1ª edição da Casa dos Estudantes


do Império. Colecção de Aautores Ultramarinos. Lisboa1961

Literatura africana escrita

A implantação da escrita nos países africanos de língua portuguesa teve uma


grande importância pois permitiu a fixação gráfica da criatividade popular.

Laranjeira (1995:26) afirma que a circulação dos textos literários


relacionados com Africa começou a partir da II metade da década 40. Porém,
era uma circulação diminuta, lacunar descontinua e improcedente. Por isso,
quanto à perispectiva de autencidade africana, a actividade literária poderia
ser vista como mero epifenómeno de validação colonial.

Ainda na óptica deste teórico, os textos versavam sobre temas de colonização


onde os africanos não eram humanizados os textos estavam alheios a
realidade que cercava a Africa. Por sua vez, Leite (1998:12) considera que a
literatura dessa época era simplesmente uma transplantação escolastica de
Potugal na época. Por isso o surgimento do trelo abriu um espaço para uma
literatura produzida e publicada nesses países.

Ligada a prática de ensino, com desenvolvimento da cultura o progresso


social e criação da imprensa.

A implantação do prelo possibilitou as primeiras publicações gráficas.


Desde então, estes países, de modo gradual, começaram a escrever a sua
própria história literária.

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A historia literária destes países conheceu vários períodos, em cada período,


os textos produzidos foram registando, progressivamente uma, crescente
consciência nacionalista. Exemplo disso, é a produção literária arrojada da
década 50 que foi marcada pelo surgimento de uma geração de escritores
comprometidos comn o resgate da identidade cultural outrora sufocada pelo
colonizador.

Este período foi influenciado por factores internos e externos, tais. Como:

A II Guerra Mundial que desprtou a consciência de soldados negros e


mestiços , vindos principalmente de África, sobre os reais problemas que
afectaram os seus países; a Renascença negra , a Negritude um movimento
cultural protagonizado por negros brancos mestiços que, na década 10, 20,
30 lutavam por um renascimento negro, numa busca de revalorização das
culturas africanas criolas e populaes em países como Haite, Cuba e Estados
Unidos

Assumida por estudantes africanos residentes em Paris, a Negritude é


caracterizada pela tomada de consciência de ser negro. Pois estes estudantes
têm uma tomada de consciência , no que concerne a injustiça social em geral
e a discriminação em particular.

Ferreira ( 1998.57) considera que a Negritude deu aos povos colonizados


uma consciência clara de se mesmos, da sua solidariedade, de raça,
devolveu-lhes o orgulho nacional contribuiu para liga.los a sua história as
suas tradições culturais e as suas línguas.

Aliado a estes acontecimentos esta a casa dos estudantes do império.

A Casa dos Estudantes do Império, fundada em Lisboa era um espaço de


encontro de quase todos os estudantes do império de várias raças, religiões,
e credos provenientes de África, Ásia e Oceania.

Através dos estudantes da casa do imperio , chegavam perodicamente, nos


países de afircanos de língua portuguesa noticias de novos movimentos de

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reivendicão, de outra partes do mundo.Estes movimentos incorporavam a


expressão de emacipação e de afirmação, contribuindo para influenciar a
camada intelectual jovem, na sua maneira de ser e estar.

Vejamos o exemplo de alguns poemas produzidos na época:

Voz de Sangue

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Agostinho Neto

2.1 Panorama Geral

Manuel Ferrreira e Patrick Chabal são dois estudiosos preocupados


com as literaturas africanas de língua portuguesa. por isso, cada um a
sua maneira, apresentam uma periodização do percuso destas
literaturas

Em primeiro lugar gostaria de me situar perante o título/sugestão que


motivou o presente exercício escrito. A lista acima sugerida apresenta, desde
logo, uma valiosa pista para demarcarmos os parâmetros da análise que me
proponho. Com efeito, todos estes autores são, a meu ver, o que de mais
representativo se pode encontrar na literatura africana de expressão
portuguesa. E isto porque cada um dos poetas é, no seu lugar e tempo, um
marco de referência obrigatória para o estudo e análise da caminhada que,

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sobretudo a partir da terceira década deste finado século, foi encetada pela
comunidade de escritores que hoje têm os seus nomes no corpus da literatura
do país a que pertencem.

Utilizei a palavra "caminhada" porque o seu sentido metafórico é mais forte


do que o simples "caminho" conotado com algo de passivo, de efeito
logicamente ligado a uma causa que o produz; enquanto "caminhada" conota
a quebra de barreiras, a abolição de antigos códigos e a introdução de outros,
a renovação de mentalidades, a assunção de risco. Enfim "caminhada" é um
lexema cuja semântica se relaciona com o esforço de produzir e criar a
novidade. Jorge Barbosa e Corsino Fortes, Francisco José Tenreiro,
Agostinho Neto e Arlindo Barbeitos, José Craveirinha e Luís Carlos
Patraquim, são os que, em determinada altura , se "desviaram" do caminho
de uma literatura colonial e colonizante. Foram eles que lançaram a pedra no
charco de uma criação literária que parecia estagnada pelo torpor do
lusotropicalismo. Foram sobretudo autores como Jorge Barbosa, Corsino
Fortes e Agostinho Neto que iniciaram a marcha para a libertação definitiva
do logos que, em todos os casos, foi arma fundamental na luta pela própria
independência política.

CORAÇÃO

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Excerto do poema de Francisco José Tenreiro

Se falamos de "caminhada" , entendemos obviamente uma progressão em


todos os sentidos da criação literária. É por isso que, ao referirmos estes
poetas, entendemos que é possível falar em evolução aos níveis ideológico,
temático e formal das literaturas de que são expoentes.

E cabe aqui referir, embora muito ao de leve, a problemática relacionada com


o aparecimento das literaturas de expressão portuguesa em África. Elas são,

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por um lado, o resultado de um longo processo histórico de quase quinhentos


anos de assimilação de parte a parte, com tudo que há de positivo e negativo
em tal processo; por outro lado, estas literaturas são produto (a meu ver,
ainda não acabado) de uma consciencialização que se iniciou nos anos 40 e
50 deste século com chamadas "elites lusófonas". Mais do que isso acontece
que o escritor africano vive, até à data da independência, no meio de duas
realidades a que ele não pode ficar alheio: a sociedade colonial europeia e a
sociedade africana; os seus escritos são, por isso, o resultado dessa tensão
existente entre os dois mundos. Acrescente-se que o escritor africano apesar
dos esforços dos governos de Salazar e Caetano em sentido contrário- recebe
constantemente as influências do exterior, pelo que a sua escrita, na forma e
no conteúdo, revela o contacto com movimentos e correntes literárias da
Europa e da América.

Pergunta-se se será possível periodizar tal processo de modo a que, num


quadro único de esquema geral, caibam todos os escritores de todos os
países. Manuel Ferreira oferece-nos um esquema em que apresenta a
emergência da literatura africana, sobretudo no que toca à poesia, ligada ao
que ela considera como "os momentos/etapas do produtor do texto". No
primeiro momento, o escritor está em estado quase absoluto de alienação. Os
seus textos poderiam ter sido produzidos em qualquer outra parte do mundo:
é o menosprezo e a alienação cultural. Ao segundo momento corresponde a
fase em que o escritor ganha a percepção da realidade. O seu discurso revela
influência do meio, bem como os primeiros sinais de sentimento nacional: é
a dor de ser negro; o negrismo e o indigenismo. O terceiro momento é aquele
em que o escritor adquire a consciência de colonizado. Liberta-se. A prática
literária enraíza-se no meio sociocultural e geográfico: é a desalienação e o
discurso da revolta. O quarto momento corresponde à fase histórica da
independência nacional, quando se dá a reconstituição da individualidade
plena do escritor africano: é a fase da produção do texto em liberdade, da
criatividade. Aparecimento de outros topos, como o mestiço, a identificação
com África. O orgulho conquistado.

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Estes momentos não são rígidos nem inflexíveis. Um escritor muitas vezes
"flutua" entre dois ou três momentos. No seu espaço ontológico e de
criatividade poética movem-se valores do colonizador que são dados
adquiridos; funcionam valores culturais de origem; e há sempre a
consciência de valores que se perderam e é necessário ressuscitar. Para se
entender a literatura africana, é necessário ter em conta tal perspectiva
dinâmica, como bem o afirma Manuel Ferreira: "No trânsito da dor de ser
negro, em Costa Alegre, para o consciente orgulho de ser preto, em José
Craveirinha, se edifica, no espaço lírico, o discurso da descolonização mental
e se organiza o corpus da libertação racial e cultural".

Uma perspectiva mais historicista é a de Patrick Chabal, que, quando se


refere ao relacionamento do escritor africano com o enorme campo de
influência que constitui a oralidade (que está antes de tudo e em quase tudo
o que de melhor se tem escrito em África), propõe quatro fases abrangentes
da literatura africana. A primeira fase é a da assimilação. Os escritores
africanos, quando lhes foi dada a oportunidade de produzir esteticamente,
copiam e imitam os mestres, sobretudo europeus, pelo que, como diz Chabal,
" Na história de cada colónia existe um número de escritores que escreveu
como os europeus". A segunda fase é a da resistência. Nesta fase o escritor
africano assume a responsabilidade de construtor, arauto e defensor da
cultura africana. É a fase do rompimento com os moldes europeus e
consciencialização definitiva de que o "homo" africano é tão "sapiens" como
o europeu. Esta fase coincide com a da negritude lusófona, que, como
sabemos, tomou caminhos algo diferentes da negritude de Cesaire, Damas e
Senghor. A terceira fase da literatura africana coincide com o tempo da
afirmação do escritor africano como tal. Esta fase verifica-se depois da
independência. O escritor procura, antes de mais, marcar o seu lugar na
sociedade. Mais do que praticar "o exorcismo do imperialismo cultural", o
escritor africano preocupa-se com "definir a sua posição nas sociedades pós-
coloniais em que vive". A quarta fase que é a da actualidade, é a fase da
consolidação do trabalho que se fez, em termos literários; é a fase em que os
escritores procuram traçar os
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novos rumos para o futuro da literatura adentro das coordenadas de cada país,
ao mesmo tempo que se esforçam por garantir, para essas literaturas
nacionais, o lugar que lhes compete no corpus literário universal.

As quatro fases da literatura africana defendidas po Patrick Chabal

Primeira fase Assimilação – o escritor africano


copia e imita os seus mestres,
sobretudo os europeus.
Segunda fase Resistência - o escritor africano
tem a consciência definitiva da sua
situação, por isso rompe com os
moldes europeus.
Terceira fase Afirmação o escritor africano
marca o seu lugar na sociedade.
Quarta fase Consolidação- é a fase actual, o
escritor africano procura traçar
novos rumos para o futuro da
literatura.

Se quisermos ter uma visão de conjunto da literatura africana, torna-se


necessário ter em linha de conta estas fases da produção do texto, mas
também os grandes momentos de ruptura com os códigos estabelecidos. A
crítica e os historiadores estão basicamente de acordo que tais momentos
poderão ser compendiados tendo como limites a seguinte periodização, que,
por exemplo, nos oferece Manuel Ferreira. Diz este autor que "[...], os
fundamentos irrecusáveis de uma literatura africana de expressão portuguesa
vão definir-se com precisão, deste modo : a)- em Cabo Verde a partir da
revista Claridade (1936-1960); b)- em S. Tomé e Príncipe com o livro de
poemas Ilha de Nome Santo (1943), Francisco José Tenreiro; c)- em Angola

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com a revista Mensagem (1951-1952); d)- em Moçambique com a revista


Msaho (1952); d (sic) - na Guiné-Bissau com a antologia Mantenhas para
quem luta! 1977.

Os contornos das literaturas africanas por Manuel Ferreira

a) Cabo Verde a partir da 1936-1960


revista Claridade

b)S. Tomé e Príncipe com o livro de 1943, Francisco José Tenreiro


poemas ilha de Nome Santo, de
Francisco Tenreiro
c)Angola com a revita Mensagem 1951-1952
d)Guiné Bissau com a antologia 1977
Mantenhas para a luta

Postas essa consideração de carácter genérico, gostaria de acrescentar algo


que me parece de extrema importância para a leitura avisada das obras de
literatura africana de expressão portuguesa. Penso que, ao estudar e ler obras
dos escritores africanos, devemos ter presentes coordenadas que respeitam
uma compreensão de tipo diacrónico desta literatura. Devemos ter em conta,
em primeiro lugar, as dificuldades do sujeito poético em se encontrar com
seu universo africano. Devemos ter presente que muita da produção literária
é o reflexo do esforço de procura de identidade cultural e a tomada
progressiva de uma consciência nacional. Muita desta literatura é sintomática
de uma verificação dolorosa de que a terra e os homens são dominados por
estranhos. Também é necessário entender que, em quase todos os autores
(para não dizer, em todos eles), é sempre possível detectar-se o momento
poético da agressividade, que, no entanto, é continuamente acompanhado
pela corrente subterrânea da esperança na mudança-que acabou por verificar-
se. E depois dessa mudança, é evidente que mestres como Barbosa, Lopes,
Craveirinha, Tenreiro e Neto vão dando lugar a um Patraquim, Mia Couto,

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Barbeitos, e mais gente, com a nova visão de uma África que se renova. Aí
vai, em traços muito largos, o que cada um dos autores propostos representa
na literatura do seu próprio país.

2.2. O Processo de Formação da Literatura de MOÇAMBIQUE

O processo de formação da literatura de Moçambique segue, mutatis


mutandis , os mesmos trâmites que o de Angola. A formação, sobretudo nas
zonas urbanas da Beira e Lourenço Marques (agora, Maputo), de uma elite
de alguns negros, mestiços e brancos que se apoderou, aos poucos, dos canais
e centros de administração e poder, é factor preponderante na emergência de
uma literatura que passa pelas mesmas fases até aqui referidas para Angola:
pré-colonial e colonial, afro-cêntrica e luso-tropicalista, nacional e pós-
colonial.

Em termos de precursores desta literatura, há que referir Rui de Noronha,


João Dias e Augusto Conrado. Entre eles merece realce Rui de Noronha, cujo
livro de Sonetos foi publicado seis anos após a sua morte. A sua poesia
reveste-se de algum pioneirismo, não pela forma, mas pelo conteúdo, uma
vez que alguns dos sonetos mostram sensibilidade para a situação dos
mestiços e negros, o que constitui a primeira chamada de atenção para os
problemas resultantes do domínio colonial. Rui de Noronha representa
também uma das primeiras tentativas de sistematizar, em termos poéticos, o
legado da tradição oral africana. Sirva, como exemplo, o poema carregado
de imagens do mundo mítico africano, intitulado "Quenguelequêze! ..."

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de Noronha

Uma parte significativa da produção literária moçambicana deve-se aos


poetas da "literatura europeia" ou seja, aqueles que, sendo brancos, centram
toda, ou quase toda a sua temática nos problemas de Moçambique; foram
eles que contribuíram decisivamente para a formação da identidade nacional
moçambicana. Merecem especial realce: Alberto de Lacerda , Reinaldo
Ferreira, Rui Knopfli, Glória Sant'Anna, Sebastião Alba, Luis Carlos
Patraquim e António Quadros. Alguns destes poetas escrevem poesia de
carácter mais pessoal, enquanto os outros estão virados para o aspecto
"social". Por exemplo, Reinaldo Ferreira e Rui Knopfli são poetas

cuja obra se debruça fundamentalmente sobre a África, a "Mãe África" e o


povo que vive e sofre as consequências do colonialismo. Por muita desta
poesia perpassa também a centelha da esperança da libertação. São estes
autores que contribuíram de um modo decisivo para a emergência da

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literatura da "moçambicanidade". Em muitos destes poetas podemos detectar


a alienação em que se encontram perante a sociedade africana a que
pertencem. Veja-se este exemplo de

Rui Knopfli:

A poesia política e de combate em Moçambique foi cultivada sobretudo


por escritores que militavam na Frelimo. Entre eles, destaque para
Marcelino dos Santos, Rui Nogar e Orlando Mendes. Este tipo de poesia
preocupa-se sobretudo com comunicar uma mensagem de cunho político e,
algumas vezes, partidário. Como literatura, e salvo raras excepções (como é
o caso de Rui Nogar, com alguns belos poemas de carácter intimista, no seu
livro Silêncio escancarado, de 1982), esta poesia é pouco ou nada inovadora.

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[...]
(Damião Cosme PC1, 19

Sonho de mãe negra

.
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Marcelino dos Santos

Também em Moçambique um número de escritores cuja obra poética é


conscientemente produzida tendo em conta a factor da nacionalidade,
anterior, como é evidente, à realidade do país que mais tarde se concretiza.
São eles que forjam a consciência do que é ser moçambicano no contexto,
primeiro da África e, depois, do mundo. Entre os principais autores deste
tipo de poesia, encontram-se Noémia de Sousa, José Craveirinha, Jorge
Viegas, Sebastião Alba, Mia Couto e Luís Carlos Patraquim.

Poema
Bates-me e ameaças-me
Agora que levantei minha cabeça esclarecida
E gritei: “Basta!” (…) Condenas-me à escuridão eterna
Agora que minha alma de África se iluminou
E descobriu o ludíbrio E gritei, mil vezes gritei: _Basta!”.
Armas-me grades e queres crucificar-me
Agora que rasguei a venda cor-de-rosa
E gritei: “Basta!”

Condenas-me à escuridão eterna Agora que minha


alma de África se iluminou E descobriu o ludíbrio..
E gritei, mil vezes gritei: _Basta!_

Ò carrasco de olhos tortos,


De dentes afiados de antropófago
E brutas mãos de orango:

Excerto do poema de Noémia de Sousa

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A figura de maior destaque na poesia da moçambicanidade, e referência


obrigatória em toda a literatura africana, é José Craveirinha. De facto, a
poesia de Craveirinha engloba todas as fases ou etapas da poesia
moçambicana, desde os anos 40 até praticamente aos nossos dias. Em
Craveirinha vamos encontrar uma poesia tipo realista, uma poesia da
negritude, cultural, social, política; há uma poesia de prisão; existe uma
poesia carregada de marcas da tradição oral, bem como muito poema com
grande pendor lírico e intimista.

Porque nos propomos analisar, numa outra oportunidade, a poética de


Craveirinha, fique, ao menos, a referência à obra publicada deste autor: Cela
1, (1980) Xigubo,(1980) Karingana Ua Karingana (1982) e Maria (1988).
Uma leitura atenta leva-nos a perceber a diferença marcante entre cada uma
destas obras de Craveirinha. Xigubo é um livro mais virado para a
narratividade, para a descrição de elementos exteriores ao poeta. Neste livro,
o poeta distancia-se do "eu" poético; ou , então, funciona como um narrador
de estórias cuja voz é éco de um drama que se desenrola num universo (o de
África) em que o poeta é participante. Pelo contrário, em Cela 1 e Maria, o
"eu" poético identifica-se com o sujeito da narrativa. As últimas duas obras
são um corolário da itinerância do poeta num clima de epopeia de que Xigubo
e Karingana Ua Karingana são um registo. O poeta transfere-se da esfera de
uma experiência colectivizante "narrada" em Xigubo, para uma escrita que
individualiza a sua própria vivência "mimada" em Cela 1 e Maria.

Nesta obra de José Craveirinha, que não se pode considerar vasta, encontra-
se o que de melhor pertence à poética africana dos países de expressão
portuguesa.

Termino com uma breve referência à poesia do período pós-independência .


Os poetas desta geração (é evidente que não me refiro aos "grandes" de antes
de 1975, como Reinaldo Ferreira , Knopfli e Sebastião Alba) desviaram-se
da poesia de cariz colectivo, preferindo o individual e o intimista com que
relatam a sua experiência pós-colonial. Entre estes poetas , é obrigatória a

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referência a Mia Couto, mas sobretudo a Luis Carlos Patraquim. São dois
grandes construtores da palavra, preocupados com a linguagem poética. No
caso de Mia Couto, penso que ele acaba por transferir todo o seu potencial
poético para a ficção. Luis Carlos Patraquim revela influências de
Craveirinha e Knopfli, sobretudo nos seus poemas de maior pendor pessoal
e lírico, a sua poesia revela-se de certo modo, caótica, sensual e, por vezes,
surrealista. Patraquim desenvolve uma poesia que, em parte, é inovadora,
focalizada sobretudo no amor e no erotismo. Nota-se também uma grande
preocupação de ligar a sua experiência ao mundo universal dos poetas para
além das fronteiras africanas. Autor de três livros (Monção, A inadiável
viagem; e Vinte e tal Formulações e Uma Elegia Carnívora), Luís Carlos
Patraquim representa a fusão entre as duas grandes vertentes da poesia
moçambicana: a da moçambicanidade e a da linguagem lírica e sensual do
"estar em Moçambique".

Receita para fazer um herói

Reinaldo Ferreira
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BIBLIOGRAFIA

CHABAL, Patrick, Vozes Moçambicanas- Literatura e Nacionalidade.


Lisboa:Veja , 1994.

______________ The Postcolonial Literature of lusophone Africa, pág. 65.

______________ em The Postcolonial Literature of Lusophone Africa.

FERREIRA, Ferreira. Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa. (


o
Lisboa: ICP,1977) pág. 34 40 5
1´E

______________ O Discurso no Percurso Africano I. Lisboa: Plátano,1989.

______________, 50 Poetas Africanos, ( Lisboa: Plátano editora,1989),


págs. 310-314

HAMILTON, Russell G., Literatura Africana, Literatura Necessária-I,


Angola, Lisboa: Edições 70,1981.

LEITE , Ana Mafalda, Angola, in Patrick Chabal with others, The


Postcolonial Literature of Lusophone Africa, ( Evanston, Illinois: 1996), pág.
143.Tradução minha. A expressão é de Patrick

VENANCIO, José Carlos. Literatura e Poder na África Lusófona. Lisboa:


ICALP,1992.

Sumário

Na unidade 2 estudamos e conhecemos os factores que influenciaram as


primeiras manifestações das
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Literaturas Africanas de Língua Portuguesa; os quatro momentos da


emergência das Literaturas Africanas, propostos por Manuel Ferreira;
conhecemos as quatro fases da Literatura Africana dispostas por Patrick
Chabal e; conhecemos os poetas que contribuíram de forma decisiva para a
emergência da literatura da "moçambicanidade".

Exercícios da unidade temática


I Auto –avaliaçâo

1. Enumere os países africanos de língua portuguesa.


2. Qual foi a importância da implatanção do prelo nos países africanos de língua
portuguesa.
3. A escrita da década 50-60 foi revolucionária. Enumere dois factores que
contribuíram para a tomada de consciência dos jovens intelactuais africanos.
4. Caracterize cada etapa oferecida por Manuel Ferreira no esquema sobre a
emergência da literatura africana.
5. Uma parte significativa da produção literária moçambicana deve-se aos poetas da
"literatura europeia" ou seja, os que mesmo sendo brancos, centram toda, ou quase
toda a sua temática nos problemas de Moçambique.

a) Cite tais autores que contribuíram decisivamente para a formação da identidade


nacional moçambicana

6. Na poesia do período pós-independência é obrigatória a referência a Mia Couto,


mas sobretudo a Luís Carlos Patraquim. Desvele o motivo do mérito atribuído aos
dois autores.

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II Auto – avaliação

Assinale com o X a afirmação correcta:


1.a) Não se pode falar da literatura africana escrita sem fazer menção ao
conto, sua principal fonte.
b) Não se pode falar da literatura africana escrita sem fazer menção da
literatura oral sua principal fonte,
c) Não se pode falar da literatura africana escrita sem se aprofundar o
conhecimento das fábulas, sua principal fonte.
d) Não se pode falar da literatura africana escrita sem aprofundar a
apersentação dos adágios.

2.a) No poema de José Craveirnha a expressão Karingana ua Karingana


faz parte da recuperação da literatura oral.
b) No poema de Craveirihna a expressão Karingana ua Karigana faz parte
do texto escrito.
c) No poema de Craveiriha a expressão Karingana ua Karingana tem uma
ligação com a poesia .
d) No poema de Craveirinha Karingana ua Kringana esta ligada aos novos
títulos de autores africanos.

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3.A destruição das tradições das populações africanas abre um espaço


da assimilação da cultura portuguesa.
a) A politica assimilacionista adoptada por Portugal era suportada pela
educação e pelos contos.
b) A politica assimilacioniita adoptada por Portugal era suportada pela
educação.
c) A politica assimilacionita adoptada por Portugal era suportada pelos
chefes tradicionais e pela educação.
d) A politica assimilacionista adoptada por Portugal era suportada pela
educação dos mais novos.

4. Nas fases da literatura africana nomeadas por Patrick Chabal.


Coloque o V nas alternativas verdadeiras :

a) A primeira fase é a da assimilação. Os escritores africanos, quando lhes


foi dada a oportunidade de produzir esteticamente, copiam e imitam os
mestres europeus.---------------------

b)A segunda fase é a da resistência. Nesta fase o escritor africano assume a


responsabilidade de construtor, arauto e defensor da cultura africana. É a fase
do rompimento com os moldes europeus e consciencialização definitiva de
que o "homo" africano é tão "sapiens" como o europeu. Esta fase coincide
com a da negritude lusófona.---------------

c) A terceira fase da literatura africana coincide com o tempo da afirmação


do escritor africano como tal. Esta fase verifica-se depois da independência.
O escritor procura, antes de mais, marcar o seu lugar na sociedade. Mais do
que praticar "o exorcismo do imperialismo cultural", o escritor africano
preocupa-se com "definir a sua posição nas sociedades pós-coloniais em que
vive". --------------

d)A quarta fase que é a da actualidade, é a fase da consolidação do trabalho


que se fez, em termos literários; é a fase em que os escritores procuram traçar
os novos rumos para o futuro da
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literatura adentro das coordenadas de cada país, ao mesmo tempo que se


esforçam por garantir, para essas literaturas nacionais, o lugar que lhes
compete no corpus literário universal----------

e) A quinta fase verifica-se depos da consolidação do trabalho que foi feito


por Noemia de Sousa José Craveirinha, Ungulani Ba Ka Cossa e Paulkina
Chiziane.--------

5. Enquanto os outros escrevem poesia de carácter mais pessoal,


Reinaldo Ferreira e Rui Knopfli:

a) Estão virados para o aspecto "social". Por exemplo, são poetas cuja obra
se debruça fundamentalmente sobre a África, a "Mãe África" e o povo que
vive e sofre as consequências do colonialismo. Por muita desta poesia
perpassa também a centelha da esperança da libertação. São estes autores
que contribuíram de um modo decisivo para a emergência da literatura da
"moçambicanidade".

b) São poetas cuja obra se debruça sobre o povo e as suas mazelas.

c) São poetas que apseentam o tema da colonização, no mundo.

d) São poetas que representam o povo e a colonização.

6.Atribui-se maior destaque a figura de José Craveirinha:

a) Como referência obrigatória em toda a literatura africana, porque a sua


poesia engloba todas as fases ou etapas da poesia moçambicana, desde os
anos 40 até praticamente aos nossos dias. Em Craveirinha vamos encontrar
uma poesia tipo realista, uma poesia da negritude, cultural, social, política;
há uma poesia de prisão; existe uma poesia carregada de marcas da tradição
oral, bem como muito poema com grande pendor lírico e intimista.

b)Como referencia obrigatória porque a sua poesia deixa transparecer a


negritude, e o nacionalismo.

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c) Como referencia porque publicou vários poemas, criticando o


colonialismo.

d) Como referencia porque a sua poesia critica a colonização no mundo e


apresentatambém os problemas das populações.

Respostas

Auto-avaliação

1- Moçambique, Angola, Cabo Verde, São Tomé e Principe e Guiné


Bissau.
2- A implantação do prelo possibilitou as primeiras publicações
gráficas.
3- II Guerra Mundial, a Negritude, a Casa dos Estudantes do Império.
4- Primeiro momento- monosprezo e alienação cultural (absoluta
alienação do escritor);
Segundo momento- negrismo, o indigenismo ( o escritor ganha
percepção da realidade, surgindo os primeiros sinais de sentimento
nacional );
Terceiro momento- disalienação cultural e discurso de revolta ( o
escritor adquire a consciência de colonizado)
Quarto momento- disalienação e discurso de revolta (a prática
literária enrariza-se no meio sociocultural e geográfico). É a fase
histórica da independencia nacional, é a fase da produção de textos
em liberdade.
5- Alberto Lacerda, Reinaldo Ferreira, Rui Knopfli, Gloria Sant`Ana,
Sebastião Alba, Luis Carlos Patraquim e António Quadros
6- Luis Carlos Patraquim e Mia Couto são dois grandes construtores da
palavra preocupados com a linguagem poética.

63
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Patraquim revela influências de Craverinha e Knopfli. Ele


desenvolve uma poesia inovadora focalizada sobretudo no amor e no
erotismo.
Mia Couto, por sua vez, transfere o seu potencial poético para a
ficção.

Auto-avaliação

1. b)
2. a)
3. b)
4. a)V b)V c)V d)V
5. a)
6. a)

UNIDADE 3

Cartografia da Literatura Moçambicana no Contexto sócio-histórico


dos anos 30

Introdução

Ao dar início nesta caminhada de construção da Literatura Moçambicana,


certamente que você já se apercebeu que tal construção ainda é um projecto
ou uma projecção não totamente acabada que requere uma pesquisa aturada.
Daí que, a abordagem das literaturas africanas em língua portuguesa
pressupõe uma relacionação a dois níveis: (i) ao nível da tradição oral
africana e (ii) ao nível da
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literatura portuguesa como literatura antecessora. Vamos discutir a


problemática teórica introdutória da definição de uma
Moçambicanidade Literária. Ainda neste capítulo, iremos deixar ficar
alguns excertos exemplificativos de obras da Literatura Colonial; assim
como alguns aspectos a ter em conta na abordagem das literaturas
africanas Universalidade/Especificidade.

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

 Descrever a a problemática de definição de uma Moçambicanidade


Literária;

 Conceituar a literatura colonial;


Objectivos
Específicos  Caracterizar a literatura colonial;

 Conhecer os aspectos da Universalidade / Especificidade a ter em


conta na abordagem das literaturas africanas.

3.1. Literaturas Nacionais Africanas de Língua Portuguesa e Literatura


Portuguesa Colonial: Problemática da Definição de uma
Moçambicanidade Literária

Problemática teórica introdutória: literatura portuguesa colonial vs


literaturas nacionais africanas em língua portuguesa.
O conceito de ‘literatura colonial’ refere-se àquela literatura que foi
produzida desde a colonização até às independências; remonta da época
dos descobrimentos portugueses, com cronistas como Fernão Lopes. Esta
literatura descrevia, basicamente, o exótico desconhecido, as terras (fauna e
flora) estranhas, as gentes nativas e os seus costumes, isto nos séculos XV-
XVI, mas é a partir dos séculos XVIII e XIX que se manifesta uma
produção da literatura colonial com um carácter, de certo modo,
regular.

65
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Importa antes referir que, de uma maneira geral, a abordagem das literaturas
africanas em língua portuguesa pressupõe uma relacionação a dois níveis: (i)
ao nível da tradição oral africana e (ii) ao nível da literatura portuguesa como
literatura antecessora.

Pode-se afirmar que, grosso modo, a literatura colonial se caracteriza pela


valorização do eurocentrismo literário e, em relação a África, pela
folclorização dos vários aspectos culturais africanos. A sua ideologia era
marcada pela política assimilacionista dos nativos, pela evangelização da
doutrina cristã e, mais tarde, pelo Fascismo.

A incapacidade de penetrar no mundo africano e na complexidade do nativo


condicionam a produção de uma literatura cujo centro do universo literário
é o Homem europeu, ocorrendo, bastas vezes, a “coisificação” ou a
“animalização” do Homem africano. Este era superficialmente referido e era
visto como um objecto passivo, porque era desconhecido e, em
contrapartida, o Homem europeu era visto como um sujeito dinâmico.

O Homem europeu é elevado à categoria de herói mítico, desbravador de


terras inóspitas, portador de uma cultura superior e distribuidor de
saberes civilizacionais a gentes incultas.

Este ideário teve, na época um forte suporte teórico e seguidores


desapaixonados, alguns dos quais, autores desta literatura colonial. De entre
vários, vingaram as ideologias do francês Conde Joseph Arthur de
Gobineau (Ville-d'Avray, 14 de Julho de 1816 — Turim, 13 de Outubro de
1882). Foi um diplomata, escritor e filósofo e um dos mais importantes
teóricos do racismo no século XIX.
Gobineau nasceu de família comum, com poucas posses. Mais tarde, criaria
para si uma falsa genealogia que o colocaria como membro de uma família
aristocrática, passando a fazer-se conhecer pelo título nobiliárquico adoptado
de "Conde de Gobineau".

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Vivendo em Paris, a partir de 1835, tornou-se funcionário público como


secretário do escritor Alexis de Tocqueville, nomeado ministro, em 1849.
Como diplomata, Gobineau serviu em Berna, Hanover, Frankfurt, Teerã, Rio
de Janeiro e Estocolmo.

Tinha pretensões artísticas, tendo tentado ser escultor e romancista,


entretanto, celebrizou-se como ensaista ao escrever Ensaio sobre a
desigualdade das raças humanas (1855), seu livro mais célebre, um dos
primeiros trabalhos sobre a eugenia
e o racismo publicados no século XIX. Segundo ele, a mistura de raças
(miscigenação) era inevitável e levaria a raça humana a graus sempre
maiores de degenerescência física e intelectual. É-lhe atribuída a frase:"Não
creio que viemos dos macacos mas creio que vamos nessa direção."

Outros europeus marcaram este ideiário racista, tal é o caso do inglês Lord
Joseph Chamberlain (Londres – 1836; Birmingham – 1914). Proeminente
político britânico das colónias, foi um dos promotores do movimento
imperialista universal, foi Ministro das colónias, de 1895 a 1903).

Mais tarde, o livro “Mein kampf “ de Adolf Hitler, alemão foi também
muito marcante nesse sentido. Mein Kampf, que em português significa
Minha Luta, é o título do livro de dois volumes da sua autoria, no qual
expressa as suas ideias anti-semitas, racistas e nacionalistas, então adoptadas
pelo partido nazi. O primeiro volume foi escrito na prisão e editado em 1925,
o segundo foi escrito fora da prisão e editado em 1926. ‘Mein Kampf’
tornou-se um guia ideológico e de acção para os nazis e ainda hoje influencia
os neo-nazis, sendo chamado por alguns de "Bíblia Nazi".

É importante ressaltar que as ideias propostas em ‘Mein Kampf’ não


surgiram com Hitler, mas são oriundas de teorias e argumentos então
correntes na Europa.

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Pode-se acrescentar ainda o filósofo e sociólogo francês Levi Bruhl (Paris,


1857 - 1939). Doutorou-se em filosofia em 1884, com a tese A ideia de
responsabilidade.

Sob influência da teoria sociológica de Émile Durkheim, procurou elaborar


uma ciência dos costumes. Acreditava que a moral era determinada pelas
épocas históricas e pelos grupos sociais. Assim, afirmava que ela era relativa,
passível de ser aceite ou não pelos homens, constituindo um meio — variável
de acordo com as diferentes culturas — que os homens utilizam para
relacionar-se com o mundo.

Para comprovar as suas teses, dedicou-se principalmente ao estudo das


sociedades primitivas. Segundo Lévy-Bruhl, os homens das sociedades
pouco diferenciadas teriam uma mentalidade pré-lógica, que não estaria
submetida aos princípios de contradição e causalidade, mas seria baseada em
representações míticas.

Entre suas obras, destacam-se: A filosofia de Auguste Comte, de 1900; A


moral e a ciência dos costumes, de 1903; As funções mentais nas sociedades
inferiores, de 1910; A mentalidade primitiva, de 1922; A alma primitiva, de
1927; Sobrenatural e a natureza na mentalidade primitiva, de 1931; A
experiência mística e os símbolos entre os primitivos, de 1938.

Alguns dos seus estudos pretendiam confirmar que havia uma compreensão
dos factores irracionais no pensamento e nas religiões primitivas e fez a
distinção entre mentalidades primitivas e povos evoluídos.

Vejam-se alguns excertos exemplificativos de obras da Literatura


Colonial:

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“É um Homem na forma, mas os instintos são de fera” (O Sertão d’África,


1908:87).
“Era um negro esguio, que dava a impressão de um excelente animal de
corrida”
(Henrique Galvão, O Velo d’Oiro”, 1936:22).

“Conseguirei escutar nesta viagem a voz da raça negra?” (José Osório de


Oliveira, Roteiro de África, 1936:55).

Como se pode constatar nos exemplos acima, nem todos os europeus


ridicularizavam o Homem africano ou a realidade do continente; alguns
reconheciam desconhecê-la e demonstravam interesse em conhecê-la (veja-
se o caso do último exemplo).

Para o caso particular de Moçambique, engrossam esta lista as seguintes


obras:

- Zambeziana: cenas da vida colonial, de Emílio de San Bruno (1927) ;

-Muende, de Rodrigues Júnior (1960) e;

Raízes do Ódio, Guilherme de Melo.

De forma sintética, pode-se afirmar que as literaturas africanas e as


oitocentistas reduzem-se basicamente a um lirismo amoroso, à fraternidade,
à recordação familiar, à amizade, mais ou menos na linha das temáticas do
Romantismo.

3.2. Alguns aspectos a ter em conta na abordagem das literaturas


africanas Universalidade/Especificidade

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A literatura tem tendência a procurar a sua especificidade numa determinada


sociedade e época. Isto advém, entre outros, de factores extra-literários,
como por exemplo, políticos, sociais, económicos, etc.; em relação aos
africanos, advém da tomada de consciência da sua africanidade. Esta
especificidade é gerada pela situação colonial. A tendência para a
especificidade tanto pode ser motivada (voluntária) como pode ser
espontânea. É de salientar que esta linha de pensamento não obedece a uma
certa orientação temática teórica, é ocasionada, por certas contigências
sociais.

3.2.1. Conceito de universalidade


Tem a ver com a preocupação em ultrapassar barreiras nacionais. É uma
literatura que se pode integrar, em termos de recepção, em qualquer
quadrante; integra-se na universalidade, focando-se, por exemplo, o homem
numa perspectiva universal. É de notar que a literatura pode ter um carácter
específico, mas ser de dimensão universal, aliás, um dos factores da
universalidade é a sua especificidade, desde que a obra transcenda o regional.

A especificidade, assim como a universalidade, têm factores subjectivos. As


instâncias receptoras ou, de uma maneira geral, as instituições literárias é
que tornam a obra universal, promovem-na, neste sentido, são estas
instituições, basicamente, que definem a universalidade da obra.

Na abordagem da problemática das literaturas africanas é preciso ter ainda


em conta as seguintes problemáticas:

1. Questão histórica: a) as literaturas em África são consequência da


dominação colonial - passado comum (colonização) no mesmo espaço
(africano);

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b) a abolição da escravatura, o estabelecimento da imprensa e da tipografia


e, mais tarde, do ensino. Segundo Salvato Trigo, as Literaturas Africanas são
produto do processo de urbanização em África, como consequência da
assimilação dos modelos
ocidentais. Importa referir ainda a este propósito que a actividade literária
nas ex-colónias portuguesas está intimamente relacionada com a prática de
ensino, com o grau de desenvolvimento cultural, com o progresso social e,
necessariamente, com a criação da imprensa.

2. Questão filosófica: a) tem a ver com o compromisso profundo destas


literaturas com a realidade cultural, histórica, antropológica, o que determina
certa filosofia;
b) tem a ver com a expressão duma forte manifestação (projecção) da
tradição oral. É por isso que, em muitos casos, os textos têm um discurso
oralizante.

3. Questão cultural: a) africanidade: tem em conta o hibridismo, o


sincretismo cultural, numa perspectiva intra e intercontinental;
b) originalidade: tem a ver com factores que incluem a criatividade.

4. Questão linguística - tem a ver com o facto de esta literatura ser e estar
numa língua comum (do colonizador) para diferentes espaços.

5. Outras questões - os Mitos e os Símbolos :


Mito do eterno retorno: reflecte a consciência, na escrita, de ausência de
uma tradição literária, o que torna necessária a perspectiva de regresso à terra
mãe. É uma preocupação na linha psicanalítica (de regresso ao ventre
materno).

Mito da idade do ouro: tem a ver com o regresso a um certo tempo, com a
evocação de um certo passado (de felicidade) anterior à presença colonial.

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Mito de identidade: sugere uma referência à questão da especificidade da


nacionalidade e da crioulidade; liga-se a um síndroma de busca de uma
série de valores de harmonia. Há uma certa idealidade em relação à questão
da busca das origens.

Nos mitos tem-se em referência igualmente o factor tempo: passado


(anterior à colonização) visto como positivo; “presente” visto de forma
negativa (tem a ver com a colonização); e o futuro (que culminaria com as
independências) numa perspectiva positiva.

Ainda nos mitos é importante ter em conta também o factor espaço:


a) lugar de nascimento - tem a ver com a dicotomia campo vs cidade, com
maior referência para os subúrbios, onde se desenvolvem as grandes
oposições sociais, económicas e ideológicas das personagens; por exemplo
as seguintes obras e/ou autores reflectem isso: José Craveirinha, João Dias
(Godido e Outros Contos), Luís Bernardo Honwana (Nós Matámos o Cão
Tinhoso), Rui de Noronha e Orlando Mendes (Portagem), entre outras ;

b) dicotomia África vs Europa - coloca-se a questão de “escrever para quem?,


para
quê?, o quê, quem escreve?, em que língua?” Em relação à última questão, é
preciso notar que em Moçambique a língua portuguesa manifesta-se como
(i) gregária, (ii) veicular, (iii) institucional, oficial, (iv) pedagógica e (v)
literária.

Na sequência do exposto acima, pode-se afirmar que as literaturas nacionais


africanas procuram representar o sentimento africano e decorrem de uma
sensibilidade comum de africanidade. Em grande medida, estas literaturas
processam-se segundo ideologias historicamente determinadas. O seu
código ideológico reflecte grandemente a história das suas gentes. Em
termos políticos e culturais, essa ideologia acarreta grandes relações
com a Negritude e o Pan-Africanismo.

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Em termos temáticos vão desde o heroísmo, o amor, a gratidão, o enlevo


rústico ou paisagístico, até uma postura mais ou menos romântica de um
sentimento nacionalista ou pátrio. O nacionalismo é um sentimento
universal; como inspiração, é uma atitude romântica.

Como se pode constatar, há factores incontornáveis a ter sempre em atenção,


no estudo do fenómeno literário (sobretudo emergente) em Moçambique,
que têm a ver não só com as características endógenas dessa literatura, mas
também com a relação existente entre esta e a literatura Universal.

Neste sentido, estas ideologias historicamente marcadas vão marcar o início


de uma nova fase da literatura moçambicana, que é a fase que podemos
designar de Realismo Nacionalista.

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Mário de, Prefácio à Antologia Temática de Poesia Africana I,


na noite grávida de punhais. Livraria Sá da Costa, 2ª ed., Lisboa, 1977.
__________________ Prefácio a Cadernos de Poesia Negra de Expressão
Portuguesa, C.E.I., Lisboa, 1953.
CARRILHO, Maria, Sociologia da Negritude, Edições 70, Lisboa, 1976.
FANON, Frantz, Peles Negras, Máscaras Brancas, Paisagem, Porto, 1975.
FERREIRA, Manuel, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa,
Instituto de Cultura Portuguesa, VOL. 2, Lisboa, 1977.
_________________ No Reino de Caliban I, II e III, Plátano, Lisboa, 1985.
_________________ O Mancebo e Trovador Campos Oliveira, Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1985.

HAMILTON, Russel G, Literatura Africana, Literatura Necessária II.


Edições 70, Lisboa, 1984.

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

KNOPFLI, Rui, “Breve relance sobre a actividade literária”, Facho, nrº 30.
Ed. Sonap, Lourenço Marques, Set/Outubro, 1974.
LEITE, Ana Mafalda, A Poética de José Craveirinha, Colecção “Palavra
Africana”, Vega, Lisboa, 1991.
MARGARIDO, Alfredo, Estudos sobre literaturas das Nações Africanas de
Língua Portuguesa, A regra do Jogo, Lisboa, 1980.
MARTINHO, Fernando J. B, “Karingana ua Karingana de José
Craveirinha”, Cadernos de Literatura, Coimbra, (1982?), p.p. 34-41.
MATUSSE, Gilberto, “A Subida em aproximação à morte – o progresso
o
tecnológico num poema de Craveirinha e dois de Knopfli”, Limani 4, Maio, 40 5
1´E
1988, p. 75-82.
MENDES, Orlando, Sobre Literatura Moçambicana, INLD, Maputo, 1978.
MENDONÇA, Fátima, Literatura Moçambicana – A Histótia e as Escritas,
Faculdade de Letras e Núcleo Editorial da UEM, Maputo, 1988.
MOSER, Gerald. Essays in Portugues African Literature, University Park,
Pennsylvania State University, 1969.
portugaise – À la recherche de l’ identité individuelle et nationale (Actes du
coloque in international), Paris, Foundation Calouste Gulbenkian. Centre
Culturel Portugais, 1985, p.p. 407-410.
ROCHA, Ilídio, “Sobre as origens de uma literatura moçambicana de
expressão portuguesa: raízes e consciencialização”, In Les Litteratures
Africaines de langue
TENREIRO, F.J. e ANDRADE, Mário Pinto, Poesia Negra de Expressão
Portuguesa, África, Lisboa, 1982.

Sumário

Na unidade 3 estudamos e discutimos fundamentalmente aspectos


relacionados com o conceito de ‘literatura colonial’, a caracterização da
literatura colonial, alguns excertos exemplificativos de obras da Literatura

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Colonial e alguns aspectos a ter em conta na abordagem das literaturas


africanas Universalidade/Especificidade.

Exercícios da Unidade temática

I Auto - avaliação

1.Defina Literatura Colonial.

1.1 Apresente as principais características da Literatura Colonial.


1.2 Indique a personagem principal nesta literatura.
2. De acordo co Galvão, quais as características do homem negro.
3. Na linha do romantimo aponte as principais características da literatura
oitocentista.
4. Em que consiste o conceito de universalidade literária?

II Avaliação

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Assinale com o X a alternativa correcta:


1 a) A literatura colonial descrevia, basicamente, o exótico desconhecido, as
terras (fauna e flora) estranhas, as gentes nativas e os seus costumes; valorização
do eurocentrismo literário.
b) A literatura colonial descrevia basicamente, as terras conhecidas pelos
europeus, e as gentes nativas
c) A literatura colonial descrevia basicamente, as gentes nativas e os seus
hábitos.
d) A literatura colonial descrevia basicamente, o exótico desconhecido, a
desvalorização do euro centrimo literário.

2.O que diferencia o homem africano do homem europeu na literatura


colonial é:

a) O homem europeu é um super-homem e o africano é o homem subalterno.

b) O homem africano é superior ao europeu que é de baixa estatura.

c) O homem europeu é super importante e o africano é subalterno.

d) O homem de África é subalterno do homem europeu.

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Sobre Literatura Colonial. Assinale com o V (Verdadeiro) ou F (Falso) :

3. Os excertos exemplificativos de obras da Literatura Colonial de âmbito


universal são:
a) “É um Homem na forma, mas os instintos são de fera” (O Sertão d’África,
1908:87).-------------
b)“Era um negro esguio, que dava a impressão de um excelente animal de
corrida” (Henrique Galvão, O Velo d’Oiro”, 1936:22).----------------
c)“Conseguirei escutar nesta viagem a voz da raça negra?” (José Osório de
Oliveira, Roteiro de África, 1936:55).-----------------------
d) O Alegre Canto da Perdiz(Mia Couto, 2002:5)-------------------

4. No exercício abaixo, assinale com o V as obras coloniais :

a)- Zambeziana: cenas da vida colonial (Emílio de San Bruno, 1927)--------

b) – Muende ( Rodrigues Júnior, 1960)---------------

c) - Raízes do Ódio (Guilherme de Melo)-------------

d)- Mbelele ( Aníbal Aleluia)------------------------

Assinale com o F a resposta incorrecta:

5. Caracterização de cada uma das questões da problemática das literaturas


africanas:

a) Questão histórica: as literaturas em África são consequência da dominação


colonial - passado comum (colonização) no mesmo espaço (africano); a abolição
da escravatura, o estabelecimento da imprensa e da tipografia e, mais tarde, do
ensino.----------

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b) Questão filosófica: tem a ver com o compromisso profundo destas literaturas


com a realidade cultural, histórica, antropológica, o que determina certa filosofia;
tem a ver com a expressão duma forte manifestação (projecção) da tradição oral,
em muitos casos, os textos têm um discurso oralizante.------------------

c) Questão cultural: africanidade - tem em conta o hibridismo, o sincretismo


cultural, numa perspectiva intra e intercontinental; originalidade - tem a ver com
factores que incluem a criatividade.------------------

d) Questão linguística - tem a ver com o facto de esta literatura ser e estar numa
língua comum (do colonizador) para diferentes espaços.----------------------

e) Outras questões - os Mitos e os Símbolos : Mito do eterno retorno: reflecte a


consciência, na escrita, de ausência de uma tradição literária, o que torna
necessária a perspectiva de regresso à terra mãe. É uma preocupação na linha
psicanalítica (de regresso ao ventre materno). Mito da idade do ouro a evocação
de um certo passado (de felicidade) anterior à presença colonial, de identidade
liga-se a um síndroma de busca das origens.-----------------

f) O factor espaço: lugar de nascimento - tem a ver com a dicotomia campo vs


cidade, com maior referência para os subúrbios, onde se desenvolvem as grandes
oposições sociais, económicas e ideológicas das personagens; por exemplo as
seguintes obras e/ou autores reflectem isso: José Craveirinha, João Dias (Godido
e Outros Contos), Luís Bernardo Honwana (Nós Matámos o Cão Tinhoso), Rui
de Noronha e Orlando Mendes (Portagem), entre outras ; dicotomia África vs
Europa - coloca-se a questão de “escrever para quem?, para quê?, o quê, quem
escreve?, em que língua?-----------------

H) O factor temporal: lugar dos acontecimentos tem a vr com o ambiente


onde são produzidas as obras literárias .-------------

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Respostas
Avaliação
1- Literatura colonial é aquela que foi produzida desde a colonização até as
independências.
1.1- As principais caracterizações da Literatura Colonial são a
valorização do eurocentrismo literário e a folclorização dos vários
aspectos culturais africanos…
1.2- É o homem europeu o herói mítico desbrador de terras inóspitas
2- Um negro esguio que dá a impressão de um excelente animal de corridas.
3- Reduzem – se basicamente ao lirismo amoroso à fraternidade à
recordação familiar, à amizade…
4- Questões universalistas têm a ver com a preocupação em ultrapassar
barreiras nacionais. É uma literatura que se pode integrar em termos de
recepção, em qualquer quadrante…

Avaliação
1. a)
2. a)
3. a)V b)V Vc) d)F
4. a)V b)V c)V
5. h)

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UNIDADE 4

Realismo Nacionalista (Sécs. XIX e XX) e algumas correntes: o Pan-africanismo e a


Negritude

Introdução

Nesta unidade destacamos o duplo sentido de “Renascimento Africano”


(redescoberta dos valores e renovação).

Vamos descobrir que para analisar o conceito de “Realismo Nacionalista” é


necessário e pertinente começar por reflectir sobre algumas correntes de
pensamento como o Pan-africanismo e a Negritude, o seu aparecimento, a
sua evolução e os seus mentores, pois elas pertencem a uma fase do
renascimento africano.
Em seguida, iremos conhecer os factores que contribuíram para o
aparecimento desta A geração literária dos anos 50 (depois da II Guerra
mundial).

Finalmente, notamos que todos estes movimentos históricos criaram um


clima de contestação em África, que transita para a literatura e, no caso de
Moçambique, pela primeira vez, surgem intervenções de autores como
Noémia de Sousa, José Craveirinha e Rui de Noronha.

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

 Conceituar o Humanismo Africano;

 Distinguir o duplo sentido da redescoberta e renovação do


Renascimento Africano;
Objectivos
Específicos  Conhecer os factores internos e externos que contribuíram para o
aparecimento da geração literária dos anos 50 (depois da II Guerra
mundial)

80
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

 Discutir e conhecer os contributos de BLYDEN, Kwame Nkrumah e


os movimentos como Renascimento Africano, Pan-africanismo,
Negritude.

Para analisar o conceito de “Realismo Nacionalista” é necessário e pertinente


começar por reflectir sobre algumas correntes de pensamento como o Pan-
africanismo e a Negritude, o seu aparecimento, a sua evolução e os seus
mentores, pois elas pertencem a uma fase do renascimento africano.

De um modo geral, considera-se que o renascimento é uma fase histórica


que todos os continentes tiveram; em África surge, de forma marcada, no
século XIX.

As próprias lutas de libertação nacionalista são manifestações que advêm do


renascimento africano. O renascimento é uma atitude humanista de
regeneração de valores e de renovação.

4.1. Condições históricas da emergência do renascimento africano


A sua emergência está relacionada com o fenómeno da colonização. A
colonização trouxe um impacto negativo na questão cultural e étnica dos
povos africanos, pois estes, no século XVI, desenvolviam uma grande
civilização e a colonização provocou o atraso ou condicionou a evolução
dessas civilizações. A colonização trouxe a imposição de uma cultura
estranha, através da sufocação das culturas nativas.

4.1.2. Noção de “Renascimento Africano”

Humanismo Africano: é um projecto de reconquista do espaço cultural,


de equilíbrio do homem africano; um espaço de actualização e de
integração na modernidade; uma reacção às hegemonias culturais
europeias. Este Humanismo implica o assumir, pelo africano, de um
património cultural e
81
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institucional de uma visão do mundo própria, de uma expressão cultural,


linguística próprias, factores condicionantes à expressão do específico,
através da arte simbólica e literária.
Duplo sentido de “Renascimento Africano” (redescoberta dos valores e
renovação):

Redescoberta: tem a ver com o culto dos antepassados, o regresso às


origens e a revalorização do património cultural africano, das tradições
e da ideologia cosmogónica africana, isto quer dizer que as tradições e as
mitologias sempre existiram em África, só que foram sufocadas pelo
fenómeno de colonização e, por isso, nessa altura estavam latentes, tendo
ficado patentes nesta fase.

Renovação: consiste na supressão dos entraves da tradição e na libertação


de energias e da imaginação (pode-se incluir a Negritude que constituiu uma
ruptura com as literaturas oitocentistas. Ela tinha uma temática própria – a
exaltação das qualidades da raça negra, o exotismo – e em termos formais
também tinha aspectos inovadores diferentes).

4.1.3. Características do renascimento africano


Traduziu-se por reacções nacionalistas, por tentativas de edificar liberdades,
escolas, instâncias sócio-culturais e artísticas, através da promoção de
poderes e de uma visão própria do mundo, isto contra as construções
culturais estrangeiras, de pretensões universalistas e implicitamente
hegemónicas.

Pretende dar menor peso às experiências universalizantes e dar maior


relevância à capacidade de criação de meios de expressão da plenitude de
uma cultura, de um pensamento, em suma, dos feitos africanos.

4.2. A geração literária dos anos 50 (depois da II Guerra mundial)

82
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O marco “guerra” revolucionou o aparecimento de uma poesia (sobretudo)


nova, de pós-guerra. O fim da Guerra criou certas espectativas em África e
representa uma viragem, de que Moçambique não ficou alheio.

Os factores que contribuíram para o aparecimento desta geração foram,


sobretudo, o final da 2ª Guerra mundial; entretanto, como factores externos
mencionam-se, como já referimos, o Pan-africanismo e o Movimento da
Negritude; nos factores internos, a campanha para as eleições presidenciais
da República Portuguesa, em 1948-9, protagonizada pelo General Norton de
Matos.

Entretanto, importa recordar que, nos anos 37-38 o Brado Africano


fracassara totalmente. A sua dinâmica anterior esgotara-se e a divisão no seu
seio foi um dos factores.

1948 – Início da campanha para a presidência da República. Nestes períodos


eleitorais, por norma e em seguimento do preceituado na Constituição
republicana portuguesa de então, estabelece-se uma certa liberdade de
imprensa (limitada).

Assim, em Moçambique dá-se uma certa abertura política, aproveitada


pela pequena burguesia negra, através do MUD (Movimento de Unidade
Democrática).

Este movimento organiza um núcleo que tenta ter um carácter anti-fascista.


Foi liderado por João Mendes. Os elementos ligados a este grupo foram:
Noémia de Sousa, Beirão e Sofia Pomba Guerra. Mais tarde integra-se
Aníbal Aleluia. Este grupo criou uma certa agitação na então cidade de
Lourenço Marques. Noémia de Sousa foi presa; os outros, Beirão, João e
Sofia foram deportados para a Guiné Estas situações constituíram o
prelúdio ou a razão de ser dos textos literários de Noémia de Sousa, que

83
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

publicou o seu primeiro poema em 1948; foi a primeira voz a fazer-se ouvir
no ramo literário desta geração de novo carácter.

4.3. Recepção do Pan-africanismo por esta geração Histórica


O Pan-africanismo e a Negritude podem ser sinónimos, quando significam
uma ideologia, com um plano cultural forte e essa ideologia caracteriza-se
pela ideia de pertença a um espaço étnico-cultural em África; são, entretanto,
de significados diferentes na realização histórica : o Pan-africanismo surge
nos EUA e a Negritude, em França, nos anos 30, entre os intelectuais
africanos que estavam em Paris. Deste ponto de vista, pode-se considerar que
o Pan-africanismo é um fenómeno geral e a Negritude, um fenómeno
particular.

1776 – Declaração da independência da América. Posteriormente elabora-se


uma constituição que consagra direitos iguais para todos os cidadãos.
Entretanto, importa recordar que o princípio de direitos iguais adveio da
Revolução Francesa (1789) que trouxe ideias de liberdade, fraternidade e
igualdade. O sul dos EUA era dominado por uma sociedade escravocrata.

A ideia de direitos iguais não teve aplicação imediata. Os escravos, mesmo


libertos, não encontravam emprego que lhes permitisse igualar-se a outros
cidadãos brancos.

Os escravos foram-se organizando em pequenas associações profissionais e


comerciais e muito mais tarde conseguiram formar uma pequena burguesia
(os seus descendentes). Por causa dessa falta de inserção social dos escravos,
começa a formar-se, a partir daí, uma cultura própria, que tem por centro a
ideia de pertença à África. Esta ideia teve algumas consequências: 1784 – os
escravos dos EUA fundam a Serra Leoa; 1804 – proclama-se a
Independência do Haiti; 1822 – uma comunidade de negros norte-
americanos funda a Libéria e em 1847 proclama-se a Independência.

84
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

É precisamente esta ideia de pertença à raça negra que foi teorizada e se


designo Panafricanismo. Um dos teorizador e foi Edward Wilmot
BLYDEN. Este desenvolve as principais ideias de africanismo, defendendo
o seguinte: África – terra-mãe dos africanos e dos seus descendentes; África
para os negros; respeito pelos valores culturais africanos; personalidade
africana, etc.

Blyden é natural das Ilhas Ocidentais (Haiti pertence a uma destas ilhas) e
naturalizou-se liberiano. Haiti torna-se independente em 1804, a partir de
uma rebelião. Este facto deu mais força às ideias de Blyden. Nos anos 30, do
Haiti saem muitos intelectuais que vão estudar em Paris.

A ideia de africanismo estabiliza-se e cria-se, a partir daí, uma espécie de


Programa.
Cria-se na Europa (Inglaterra – 1897) a Associação Africana. Esta
associação, em 1900, realiza a 1ª Conferência Pan-africana. O seu
dinamizador foi Sylvester Williams. Nesta conferência destaca-se o pai do
Pan-africanismo, DU BOIS. Em 1903 escreveu o livro “Almas Negras”. De
1919 a 1945 foi secretário do movimento.

Neste período, todos os encontros do movimento realizavam-se na


Inglaterra. Du Bois morreu em 1966, no Gana; era um político e tinha já a
sua estratégia: a solução do negro dos EUA não é a sua saída da América,
mas a sua integração na sociedade americana, lutando pelos direitos civis.
Em relação à América, era de opinião de que os negros africanos deviam
fazer exigêncies. A sua fundamentação para isso era a de que os negros na
América já haviam dado uma contribuição cultural e que ela era influente e
estava já assente no país.

O clima de regresso à África, nos EUA, não terminou. Em 1919, MARCUS


GARVEY (das Antilhas) lança um apelo, de certo modo radical: “Back to
ÁFRICA”. A data coincide com a da deportação de escravos africanos, há

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300 anos. À ideia de regresso a África, Marcus Garvey acresce uma dose de
resistência. Fundou a Igreja Negra Africana: “Deus Negro e Diabo Branco”.
Adquiriu uma companhia de navegação “Black Star”, com a qual pretendia
fazer regressar todos os negros a África. Numa manifestação, em Nova
Yorque, ele consegue chamar a si muitos apoiantes negros.

A partir dos anos 1920, no Harlém (nos EUA), surge uma dinâmica cultural
através de músicos, escritores, etc. O seu mentor continuava a ser Marcus
Gravey.
Este movimento cultural, mesmo depois da desintegração de Garvey,
continuou a desenvolver-se (entre 1919 e 1930) e teve o nome de
Renascença Negra.
Na América, o movimento continuou a lutar pelos direitos cívicos. Paralelo
ao que se passou na América, na Inglaterra (Manchester) realiza-se o 5°
Congresso do Panafricanismo, em 1945. A partir deste congresso, a liderança
do movimento Panafricano passou para África, através de Kwame Nkrumah.
Este membro do Pan-africanismo é autor de um livro com o título: “África
must united”, no Gana.

O Nigeriano Nuambi Azikiwi, o Queniano Jomo Kenyata e o Ganês Sekou


Touré, faziam parte do Pan-africanismo emergente na Inglaterra (a partir do
5° Congresso).
Estes juntam-se para promoverem as independências dos países africanos.

Nesse 5° Congresso, aprovam-se as seguintes resoluções: denúncia da


balcanização de África (recorte do continente); denúncia da exploração
económica; exigência de direito sindical e de criação de cooperativas;
independências dos países como a Argélia, a Tunísia, o Marrocos e das
colónias da África Oriental (Quénia).

Adoptou-se uma “Declaração dos povos colonizados”, redigida por Kwame


Nkrumah, cujo lema era: “…Nós proclamamos o direito, para todos os povos

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

colonizados, de assumirem o seu próprio destino. Povos colonizados e povos


oprimidos de todo o mundo, uní-vos!”

Todos estes movimentos históricos criaram um clima de contestação em


África, que transita para a literatura e, no caso de Moçambique, pela
primeira vez.

É assim que nos poemas de Noémia de Sousa surge e se desenvolve a


temática da africanidade e do desejo angustiante de emancipação do
africano. Noémia vai alimentar uma poesia militante, com tendência
nacionalista, entretanto, é em José
Craveirinha que a ideia de nação aparece definida de forma clara.

Importa recordar que Rui de Noronha vai funcionar como um antecessor de


apoio para os escritores posteriores, que se tornaram nacionalistas: ex: José
Craveirinha, da Noémia de Sousa (por exemplo).

Poema
Bates-me e ameaças-me
Agora que levantei minha cabeça esclarecida
E gritei: “Basta!” (…) Condenas-me à escuridão eterna
Agora que minha alma de África se iluminou
E descobriu o ludíbrio E gritei, mil vezes gritei: _Basta!”.
Armas-me grades e queres crucificar-me
Agora que rasguei a venda cor-de-rosa
E gritei: “Basta!”

Condenas-me à escuridão eterna Agora que minha


alma de África se iluminou E descobriu o ludíbrio..
E gritei, mil vezes gritei: _Basta!_

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Ò carrasco de olhos tortos,


De dentes afiados de antropófago
E brutas mãos de orango:

Vem com o teu cassetete e tuas ameaças,


Fecha-me em tuas grades e crucifixa-me,
Traz teus instrumentos de tortura
E amputa-me os membros, um a um…

Esvazia-me os olhos e condena-me à escuridão eterna… –


que eu, mais do que nunca,
Dos limos da alma,
Me erguerei lúcida, bramindo contra tudo:
Basta! Basta! Basta!
- Noémia de Sousa, em "Sangue negro". Moçambique: Associação de
Escritores Moçambicanos, 2001.

Noémia de Sousa

BIBLIOGRAFIA
ANDRADE, Mário de, Prefácio à Antologia Temática de Poesia Africana I,
na noite grávida de punhais. Livraria Sá da Costa, 2ª ed., Lisboa, 1977.
__________________ Prefácio a Cadernos de Poesia Negra de Expressão
Portuguesa, C.E.I., Lisboa, 1953.
CARRILHO, Maria, Sociologia da Negritude, Edições 70, Lisboa, 1976.
FANON, Frantz, Peles Negras, Máscaras Brancas, Paisagem, Porto, 1975.
FERREIRA, Manuel, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa,
Instituto de Cultura Portuguesa, VOL. 2, Lisboa, 1977.
_________________ No Reino de Caliban I, II e III, Plátano, Lisboa, 1985.
_________________ O Mancebo e Trovador Campos Oliveira, Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1985.

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

HAMILTON, Russel G, Literatura Africana, Literatura Necessária II.


Edições 70, Lisboa, 1984.
KNOPFLI, Rui, “Breve relance sobre a actividade literária”, Facho, nrº 30.
Ed. Sonap, Lourenço Marques, Set/Outubro, 1974.
LEITE, Ana Mafalda, A Poética de José Craveirinha, Colecção “Palavra
Africana”, Vega, Lisboa, 1991.
MARGARIDO, Alfredo, Estudos sobre literaturas das Nações Africanas de
Língua Portuguesa, A regra do Jogo, Lisboa, 1980.
MARTINHO, Fernando J. B, “Karingana ua Karingana de José
Craveirinha”, Cadernos de Literatura, Coimbra, (1982?), p.p. 34-41.
MATUSSE, Gilberto, “A Subida em aproximação à morte – o progresso
tecnológico num poema de Craveirinha e dois de Knopfli”, Limani 4, Maio,
1988, p. 75-82.
MENDES, Orlando, Sobre Literatura Moçambicana, INLD, Maputo, 1978.
MENDONÇA, Fátima, Literatura Moçambicana – A Histótia e as Escritas,
Faculdade de Letras e Núcleo Editorial da UEM, Maputo, 1988.
MOSER, Gerald. Essays in Portugues African Literature, University Park,
Pennsylvania State University, 1969.
portugaise – À la recherche de l’ identité individuelle et nationale (Actes du
coloque in international), Paris, Foundation Calouste Gulbenkian. Centre
Culturel Portugais, 1985, p.p. 407-410.
ROCHA, Ilídio, “Sobre as origens de uma literatura moçambicana de
expressão portuguesa: raízes e consciencialização”, In Les Litteratures
Africaines de langue
TENREIRO, F.J. e ANDRADE, Mário Pinto, Poesia Negra de Expressão
Portuguesa, África, Lisboa, 1982.

Sumário

Nesta estudamos e discutimos aspectos relacionados ao conceito de


“Realismo Nacionalista”, reflectimos sobre algumas correntes de
pensamento como o Pan-africanismo e a Negritude, o seu aparecimento, a

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

sua evolução e os seus mentores. Conhecemos os factores que contribuíram


para o aparecimento desta A geração literária dos anos 50 (depois da II
Guerra mundial); assim como os contributos de autores como Noémia de
Sousa, José Craveirinha e Rui de Noronha

Exercícios da Unidade temática

IAuto - avaliação

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II Auto – avaliação

1. O que entende por humanismo africano?


2. O Renascimento Africano assume duplo sentido: a redescoberta e
renovação. Distinga a redescoberta.
3. Apresente as características e os objectivos do Renascimento Africano.
4. Aponte os factores internos e externos que contribuíram para o
aparecimento da geração literária dos anos 50 (depois da II Guerra Mundial).
5. O Pan-africanismo e a Negritude podem ser sinónimos e significados
diferentes na realização histórica. Discuta a sinonímia e a antonímia dos dois
movimentos.

II Avaliação

1. As ideias defendidas por BLYDEN são as seguintes:


a) África – terra-mãe dos africanos e dos seus descendentes; África para
os negros; respeito pelos valores culturais africanos; personalidade
africana, etc.
b) África – terra-mãe dosafricanos , africa para todos e personalidade
africana;
c) África – é dos africanos e dos seus dependentes, áfrica para os negros
e personalidede africana;
d ) África – terra – mãe dos africanos, e dos seus descendentes, e
personalidade africana.

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2. a) O título do livro muito importante de Kwame Nkruma é “África must


united”.
b) O titulo do livro muito importante de Kwame Nkruma é “ África minha”
c) O titulo do livro muito importante de Kwame Nkruma è”O Rapaz da Mina”
d) O título do livro muito importante de Kwame Nkruma é “ Portagem”

3. ) O lema da “Declaração dos povos colonizados”, redigida por Kwame


Nkrumah é
a) “…Nós proclamamos o direito, para todos os povos colonizados, de
assumirem o seu próprio destino. Povos colonizados e povos oprimidos de todo
o mundo, uní-vos!”

b)”…Nós proclamamos o direito, para todos os povos de África e povos


oprimidos assumirem o seu destino.”
c)” …Nos proclamamos o direito para todos os povos oprimidos assumirem o
seu próprio destino.”
d)”Nós proclamamos o direito para todos os povos oprimidos do mundo
inteiro, assumirem o seu compromisso.”

4 a) Considerado pai do Pan - africanismo Du Bois escreveu o livro “Nós


Matamos o Cão Tinhoso.”
b) Considerado pai do Pan - africanismo Du Bois escreveu o livro “Yaca”.
c) Considerado pai do Pan - africanismo Du Bois escreveu o livro” Almas
Negras”
d) Considerado pai do Pan - africanismo Du Bois escreveu o livro “ O Canto
da Perdiz”.

5.Assinale com o F a alternativa incorrecta

Os contributos de Noémia de Sousa, José Craveirinha e Rui de


Noronha são subscritos quando:---------------

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a) Noémia de Sousa surge e desenvolve a temática da africanidade


e do desejo angustiante de emancipação do africano. Noémia
vai alimentar uma poesia militante, com tendência
nacionalista.------------------------------------

b) Em José Craveirinha a ideia de nação aparece definida de forma


clara.---------------------------------------

c) Noronha vai funcionar como um antecessor de apoio para os


escritores posteriores, que se tornaram nacionalistas: ex: José
Craveirinha, da Noémia de Sousa.-----------------------------------
---
d)
Suleimane Cassamo apresenta uma escrita revolucionária.------
----------------------------

Respostas

Auto-avaliação

1- O Humanismo Africano é um projecto de reconquista do espaço


cultural de equilíbrio do homem africano: um espaço de
actualização e de integração na modernidade, uma reacção às
hegemonias culturas europeias.
2- A Redescoberta tem a ver com o culto dos antepassados, o regresso
às origens e a revalorização do património cultural africano, das
tradições e da ideologia cosmogoónica africana.
3- As características do renascimento africano traduziu-se por
reacções nacionalistas, por tentativas de edificar liberdades,
escolas, instâncias socioculturais e artísticas.

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

4- Os factores internos e externos que contribuíram para o


aparecimento da geração literária dos anos 50 são:
Externos- Pan-africanismo, Negritude.
Internos- A campanha para as eleições presidências da Republica
Portuguesa, em 1948/9 protagonizadas pelo General Nortan de
Matos.
5- O Pan-africanismo e a Negritude são sinóminos quando significam
uma ideologia com um plano cultural forte e essa idelogia deve ser
de pertença a um espaço etnocultural em África. São diferentes na
realização histórica, pois o Pan-africanismo surgiu nos EUA e a
Negritude em França nos anos 30.

Avaliação
1. a)
2. a)
3. a)
4. c)
5. d)

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A UNIDADE 5

PERIODIZAÇÃO LITERÁRIA MOÇAMBICANA

Introdução

A unidade 5 aborda sobre a periodização literária moçambicana na


perspectiva de Manoel de Souza e Silva discutido por Manuel Ferreira, Pires
Laranjeira e Fátima Mendonça. Esta unidade apresenta uma cartografia
literária dos diversos factores, dos escroritores, dos textos e das obras que de
tijolo em tijolo enformaram este grande edifício que denominamos hoje, por
Literatura Moçambicana.

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

 Conhecer o desenvolvimento histórico da literatura nacional


moçambicana, através das propostas dos diversos autores, de modo a
conseguirmos, assim, um panorama mais abrangente dos períodos
Objectivos
formativos da Literatura Moçambicana.
Específicos
 Conhecer a periodização literária de Moçambique na perpectiva de
Ferreira, Laranjeira e Mendonça;

 Distinguir as características da periodização literária moçambicana de


um autor para outro;

 Identificar a periodização literária moçambicana de cada autor;

 Conhecer o (s) factor ou movimento que concorreram para forjar a


Literatura Moçambicana.

5.1. Nota Preambular


Antes, porém, vale lembrar que a história da literatura ocorre dentro de um
processo e que o estabelecimento de fases ou períodos de desenvolvimento
dentro um sistema literário, embora tenha um carácter essencialmente
didáctico, está subordinado

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

sempre ao ponto de vista de um determinado crítico. Para conhecer mais


completamente o desenvolvimento histórico da literatura nacional
moçambicana, preferimos observar as propostas dos diversos autores, de
modo a conseguirmos, assim, um panorama mais abrangente dos períodos
formativos dessa literatura. De acordo com Francisco Noa (2009), talvez seja
precipitado tentar definir “períodos” dentro dessa literatura, cuja
consolidação é ainda muito recente. Noa prefere falar em fases, termo que
considera mais adequado para que percebamos as modificações que se foram
perpetrando na formação da literatura moçambicana. De todo modo, está
ainda por fazer um trabalho mais abrangente, mais completo, considerando,
principalmente, que a história da literatura deve abranger uma história das
formas literárias. O que se têm, ainda, são propostas e contribuições valiosas
para que possamos pensar a literatura moçambicana em seu conjunto.

5.2. Breve história da Literatura Moçambicana


Os primeiros manuais de literaturas africanas de língua portuguesa tratavam
da história dessas literaturas sem considerar suas especificidades nacionais.
É nesse sentido generalizante, a fim de localizarmos a literatura
moçambicana no contexto mais amplo das literaturas africanas de língua
portuguesa, que observaremos, inicialmente, a proposta do escritor e crítico
português Manuel Ferreira, em Literaturas africanas de expressão
portuguesa (1987).

Em seguida, examinaremos os trabalhos de autores que se voltam


exclusivamente para a literatura moçambicana. Dentre os poucos textos
existentes no Brasil sobre a historiografia literária de Moçambique,
escolhemos fazer uma leitura comparativa das propostas de Fátima
Mendonça - em Literatura moçambicana: a história e as escritas (1988);
Manoel de Souza e Silva – no seu livro Do alheio ao próprio: a poesia em
Moçambique (1996); e de Pires Laranjeira em dois momentos;
primeiramente, no capítulo intitulado “Moçambique: periodização”, em
Literaturas africanas de língua portuguesa (1995), e, depois, no artigo

96
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

“Mia Couto e as literaturas africanas de língua portuguesa” (2001). É de se


notar que os textos são de natureza diversa: trata-se do livro de ensaios de
Fátima Mendonça; da tese de doutorado de Manoel de Souza e Silva; de um
capítulo do manual didáctico de Pires Laranjeira e de um artigo científico
também de sua autoria. Todos os textos, porém, tratam do mesmo problema:
apresentar em linhas gerais a produção literária de Moçambique.

O estudo de Manoel de Souza e Silva traça um perfil histórico da formação


e consolidação da poesia moçambicana à luz dos fatos que engendram o
“complexo colonial de vida e pensamento” (BOSI, 1994, p. 13) em
Moçambique. O livro de Pires Laranjeira, por sua vez, traça um panorama
das literaturas dos cinco países africanos de língua portuguesa. Deste,
tomamos o vigésimo capítulo, no qual o autor propõe uma periodização que
divide a história literária de Moçambique em cinco períodos distintos. A
ideia de uma periodização da literatura moçambicana fora desenvolvida
anteriormente por Fátima Mendonça, no ensaio que consideraremos aqui.

Nosso objectivo é conhecer melhor as questões referentes à historiografia da


literatura moçambicana e, com isso, ampliar o nosso olhar sobre a produção
literária de Mia Couto, tentando compreendê-la no âmbito do processo de
formação da literatura moçambicana.

5.3. Moçambique: Periodização (Manuel Ferreira, 1987)


Manuel Ferreira, ao examinar as literaturas africanas de língua portuguesa
em seu conjunto, reconhece quatro momentos distintos de produção literária,
que podemos dividir em dois grupos: a) a literatura das descobertas e
expansão; b) a literatura colonial, que ainda não podem ser consideradas
africanas; c) a literatura de sentimento nacional e d) a literatura de
consciência nacional, estas, sim, pilares da construção dos sistemas literários
nacionais dos países africanos de língua portuguesa. Vejamos cada um deles,
sob a óptica de Manuel Ferreira (1987).

97
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

a) Literatura das descobertas e expansão: coincide com a literatura de


viagens, produzida pelos portugueses a partir da empresa de expansão
colonial, iniciada no século XV. “A obra de um Gil Vicente ou [...] a de
poetas do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, ao lado das ‘coisas de
folgar’, foram marcadas pela Expansão no interior dos ‘bárbaros reinos’.”
(FERREIRA, 1987, p. 7). Além da poesia, a temática africana esteve
presente também nas correspondências, relatórios e tratados que cuidavam
de informar os portugueses da metrópole sobre a realidade encontrada nas
antigas colónias africanas.

b) Literatura colonial16: Manuel Ferreira distingue a literatura colonial das


literaturas africanas de língua portuguesa. A primeira mantém uma
perspectiva eurocêntrica, na qual “[...] o homem negro aparece como por
acidente, por vezes visto paternalistamente, o que, quando acontece, já é um
avanço, porque a norma é a sua marginalização ou coisificação.”
(FERREIRA, 1987, p. 11) Na literatura colonial, o homem branco é
apresentado como um herói mítico, um desbravador que levaria a civilização
às terras inóspitas do continente africano. A inferioridade do homem negro
era ressaltada, baseada em teorias “racistas” como a de Lévy-Bruhl17, para

16
Ao falarmos em literatura colonial, vale referir o excelente estudo de Francisco Noa,
Império, mito e miopia: Moçambique como invenção literária (2002) que, embora não
sendo nosso objecto específico de estudo por tratar de uma única fase da história da
literatura moçambicana, consiste num dos estudos mais profundos sobre o período literário
a que se refere. Nele, o estudioso problematiza questões em torno dessa literatura, cuja
denominação implica tanto num critério histórico, quanto numa estética determinada. Para
Noa, trata-se de uma literatura de contornos contraditórios: “[...] tanto nos aparece como a
expressão enfática do etnocentrismo europeu como seu factor de questionamento. Com a
historicidade por si desenvolvida, passando do exotismo ao cosmopolitismo, do
monovocalismo ao plurivocalismo, da afirmação categórica à expressão oblíqua, do
estereótipo à valorização do Outro, das certezas às ambiguidades, do mito à utopia, a
literatura colonial não só perturbou o cânone, como, por isso tudo, estabeleceu a ponte para
a emergência de uma literatura nacional moçambicana.” (2002, p. 402).

17
Manuel Ferreira lembra que Lévy-Bruhl renunciou à sua tese pouco antes de morrer, em
1939 (FERREIRA, 1987, p. 11).

98
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

para quem o pensamento primitivo era a-lógico ou pré-lógico, ou seja,


anterior à lógica.18
Segundo Manuel Ferreira, a literatura colonial teve início no último quartel
do século XIX e conheceu seu apogeu nas décadas de 20 e 30 do século XX,
quando ganhou grande aceitação do público, movido pelo interesse pela
temática exótica. Os autores, porém, estavam incapacitados para assumir um
ponto de vista africano, devido à política assimilacionista19 que desenvolveu
Portugal junto às suas ex-colónias africanas, a partir da publicação do “Acto
Colonial”, em 1930, que estabelece também o ensino de língua portuguesa
no país (GONÇALVES, 2000, p. 2)20.

18
“A questão não só do índio como do negro em nossa cultura se coloca sob dois focos.
Um foco mais antigo era considerar que esses 'primitivos' tinham uma mentalidade diferente
da nossa, chamada 'pré-lógica', não-lógica porque antecede a lógica. Isso foi defendido pelo
etnólogo francês Lucien Lévy-Bruhl em seu livro A mentalidade primitiva, muito conhecido.
O segundo foco defendia que o primitivo, principalmente o índio e o negro, estavam ligados
à natureza e dela participavam. Tal participação era ao mesmo tempo arrimada às coisas e
conduzida por potências místicas. Este era o ponto de vista de Lévy-Bruhl.” (NUNES;
BENCHIMOL, 2007, p. 288)

19
O assimilacionismo é um processo no qual as diferenças socioculturais são superadas
pela contaminação ou integração de uma cultura pela outra. No caso da África, chama-se
assimilado ao grupo de africanos que o poder colonial atraiu para si, de modo a efectivar o
processo de colonização por uma política educacional que levava os africanos a defenderem
os ideais da metrópole. Fátima Mendonça observa o seguinte: “Parecendo querer contrariar
as intenções subjacentes à política de assimilação, o grupo de jornalistas e colaboradores
desta imprensa africana [surgida no período entre 1925 e 1945-47] endemarca-se, pelas
suas posições críticas, do poder colonial. Estas posições assumem a forma de defesa das
camadas económica e socialmente desfavorecidas i.e. da população negra de
Moçambique.” (MENDONÇA, 1988, p. 34)

20
“A ocupação sistemática de Moçambique pelos portugueses está concluída em
1918, data que assinala o fim das campanhas militares, e é nesta primeira metade
do século XX que começam a ser tomadas medidas de relevo para o
desenvolvimento de bases sociais que podem garantir a difusão do Português em
todo o país. Assim, em 1930, através do ‘Acto Colonial’, é criada a legislação que
regula a relação de Portugal com as suas colónias, e é também neste ano que é
criado o ensino indígena, através do qual a potência colonial procura assegurar
que as populações locais tenham acesso à instrução formal em Português. Vale a
pena assinalar que é ainda nesta primeira metade do século XX que surgem os
primeiros jornais literários em língua portuguesa - nomeadamente O Africano e O
Brado Africano - que assinalam a existência de uma elite moçambicana local
produtora de um discurso culto em Português. É a partir deste período que se
desenvolvem os centros urbanos no sul do país, e que se inicia a colonização
massiva do território: em 1950 chegam a Moçambique 50.000 colonos, e há notícia
de que em 1960 chegaram mais 90.000. Estes podem ser considerados factores
que favoreceram a difusão da língua portuguesa neste país.” (GONÇALVES, 2000,
p. 2)

99
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

c) Literatura de sentimento nacional: Ferreira coloca nesta categoria as


produções literárias que surgiram paralelamente à literatura colonial, no
século XIX, mas cujos autores, embora não assumissem uma oposição aberta
ao colonialismo, rejeitavam a exaltação do colono, divulgada pela literatura
colonial. Segundo Ferreira (1987, p. 19), “[...] a institucionalização do
regime colonial dificultava o nascimento de uma consciência anticolonialista
ou outra atitude que não fosse a de aceitá-la como consequência fatal da
história”. O fato de que esses escritores manifestavam um sentimento
nacional de valorização do mundo africano já constitui, para Ferreira, um
grande avanço, que conduziria as literaturas nacionais africanas,
posteriormente, à negritude ou africanidade.

O autor lembra que, em Moçambique, a fixação dos europeus tinha um índice


menor do que em Angola; a imprensa também demorou mais a instalar-se
nessa ex-colónia: enquanto Cabo Verde contava com o prelo desde 1842 e
Angola, desde 1845, em Moçambique ele só chegou em 1854, o que
dificultou a circulação da literatura21. É certo que o país contara com a
presença de Tomás Antônio Gonzaga, que lá viveu em degredo entre os anos
de 1792 e 1810; isso, porém, embora não tivesse passado despercebido ao
movimento cultural da Ilha de Moçambique (antiga capital do país na era
colonial), não teve grande repercussão na formação de uma literatura
nacional.

Ferreira chama a atenção para o surgimento dos semanários O Africano, em


1877; O Vigilante, em 1882 e Clamor Africano, em 1892, nos quais eram

21
Um exaustivo levantamento da literatura que circulava nos periódicos oitocentistas das
ex-colónias portuguesas foi feito por Helder Garmes (1999), que destaca, em Moçambique,
a contribuição de O Noticiário de Moçambique (1872-1873), do Jornal de Moçambique
(1873-1875) e do África Oriental (1876-1877) para a circulação da literatura; nestes, eram
publicados crónicas, contos, poemas e uma incipiente crítica literária; os textos eram de
autores portugueses, tais como Camilo Castelo Branco, e de poetas de Moçambique, como
Campos Oliveira

100
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

publicados os primeiros poemas de autores moçambicanos. Já no século XX,


começaram a circular os periódicos O africano – de 1908 a 1920 - e O
Brado Africano, em 1918, nos quais a literatura contava com mais espaço
– o que também acontecia no Almanach de lembranças – que circulou entre
1851 e 1932-, que recebia a contribuição de poetas da diáspora portuguesa.
Destacam-se, nesse período, os irmãos José e João Albasini, fundadores de
O Africano e O Brado Africano, e Campos Oliveira, poeta da Ilha de
Moçambique, considerado o primeiro poeta moçambicano22.

d) Consciência nacional: Esta se forma a partir da literatura de sentimento


nacional, conforme Ferreira (1987, p. 40):

Cedo se esboça uma linha africana, irrompendo de


um sentimento regional e em certos casos de um
sentimento racial fundo, mas postulado ainda em
formas incipientes [...]. De sentimento regional vai
se tornar representativa do sentimento nacional,
dando lugar a uma literatura alimentada já por uma
verdadeira consciência nacional e daí a uma
literatura africana, caracterizada pelos
pressupostos de intervenção, na certeza de que à
literatura pode ser atribuída uma particular
participação social.

Em Moçambique, essa literatura de consciência nacional tem início, na


lírica, com a publicação de Sonetos, de Rui de Noronha, em 1943, e na

22
A poesia de Campos Oliveira tinha como modelo a poesia romântica portuguesa, o que
motivou Ferreira a chamá-lo “O mancebo e trovador Campos Oliveira”, título de uma obra
de Manuel Ferreira sobre o poeta (1985).

101
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

narrativa, com Godido e outros contos, de João Dias, publicado em 1952;


esta obra é apontada por Ferreira como a primeira narrativa moçambicana.

Outros estudiosos há, como veremos, que consideram a obra O livro da dor,
de 1925, que reúne contos de João Albasini, como a primeira obra literária
moçambicana. Manuel Ferreira discorda: “Embora a experiência de João
Albasini [...] ganhe o direito de ser aqui registada, numa perspectiva da
história literária não alcançou qualidade intrínseca para se tornar um texto de
valia.” (FERREIRA, 1987, p. 195) Embora o autor desqualifique o texto de
Albasini, insere uma nota ao leitor, afirmando não ter conhecimento exacto
da obra, pelo fato de não se encontrar n0a Biblioteca Nacional de Lisboa.
Sua apreciação da pouca qualidade literária da obra deve-se, provavelmente,
a outros comentaristas externos, que ele reproduz em segunda mão.

Na narrativa, Ferreira destaca apenas as contribuições de Luís Bernardo


Honwana e Orlando Mendes, o que se justifica pelo recuo temporal deste
esboço Historiográfico, publicado muito antes que se pudesse vislumbrar um
sistema literário mais consolidado em Moçambique.

5.4.Moçambique: Periodização (Laranjeira,1995)23

Moçambique surgiu como tema num «poema épico em acto» do missionário


jesuíta João Nogueira (séc. XVII) e em poemas de Tomas António Gonzaga,
portuense implicado na Inconfidência Mineira, que faleceu na Ilha de
Moçambique, mas tais textos não têm sido considerados moçambicanos,
pelo menos segundo a actual concepção nacional.

Até ao fim da II Guerra Mundial, os escassos textos (e escassíssimos


escritores) que se consideram pertencentes à Literatura Moçambicana,

LARANJEIRA, Pires. Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, vol.


23

64, Lisboa, Universidade Aberta, 1995.

102
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

entidade fragmentária, não chegam para formar um corpus alargado, nem


pressupõe uma instituição literária a funcionar em pleno, com suas editoras,
prémios, criticas, leitores, ensino, etc.

Até essa data, os dois primeiros períodos da literatura relacionada com


Moçambique podem considerar-se de preparação e, em termos de alguma
qualidade, caracterizam-se do seguinte modo:

1º Período, que vai das origens da permanência dos portugueses naquela


região índica até 1924, ano que precede o da publicação de O livro da dor,
de João Albasini. É um período de Incipiência, um quase deserto secular,
que se modifica com a introdução do prelo, no ano de 1854, mas sem os
resultados literários verificados em Angola.

Está hoje perfeitamente assente que, ao contrário de Angola, não houve uma
actividade literária consistente e continuada, em Moçambique, até aos anos
20 do século XX. Nesse panorama desértico, tão habitual no oitocentismo,
em África, sobressai, nos anos 60, 70 e 80, a publicação dispersa dos textos
de Campos Oliveira (nasceu na Ilha de Moçambique, em 1847; morreu em
1911), num total de 31, rastreados por Manuel Ferreira. Foi estudante de
Direito em Coimbra e morou na Índia, autor de um Almanaque Popular em
Margão, em meados dos anos 60. Vejam-se duas estrofes de «O pescador de
Moçambique»:

— Eu nasci em Moçambique,
de pais humildes provim,
a cor negra que eles tinham
é a cor que tenho em mim:
sou pescador desde a infância,
e no mar sempre vaguei;
a pesca me dá sustento,
nunca outro mister busquei.

[...]

103
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Vou da cabaceira às praias,


atravesso Mussuril,
traje embora o céu d’escuro,
ou todo seja d’anil
de Lumbo visito as águas
e assim vou até Sancul,
chego depois ao mar-alto
sopre o norte ou ruja o sul.

[...]

O 2.° Período, de Prelúdio vai da publicação de O livro da dor até ao fim


da II Guerra Mundial, incluindo, além do livro do jornalista João Albasini,
os poemas dispersos, nos anos 1930, de Rui de Noronha, depois publicados
em livro, numa recolha duvidosa, incompleta e censoriamente truncada, com
o título de Sonetos (1946), por ser o género mais cultivado por ele.

Rui de Noronha (nasceu em 28 de Outubro de 1905; morreu em 25 de


Dezembro de 1943, em Lourenço Marques) publicou boa parte dos seus
poemas entre 1932 e 1936, no jornal O Brado Africano. A recolha póstuma
de Sonetos (1946) não faz juz à real obra do poeta.

Tributário da poesia da terceira geração romântica portuguesa, coincidente


esta com o impulso renovador do Realismo que se aproximava, vemos nesses
sonetos, até pela sua forma, a atinência estrita à tradição ocidental, que o
latim retomado do soneto de Antero e, mais longe, da divulgação bíblica (a
figura do Lázaro ressuscitado), denuncia claramente:

Surge et ambula

Dormes! e o mundo marcha, ó pátria do mistério.


Dormes! e o mundo rola, o mundo vai seguindo...
O progresso caminha ao alto de um hemisfério
E tu dormes no outro o sono teu infindo...

104
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

A selva faz de ti sinistro ermitério,


onde sozinha à noite, a fera anda rugindo...
Lança-te o Tempo ao rosto estranho vitupério
E tu, ao Tempo alheia, ó África, dormindo...

Desperta. Já no alto adejam negros corvos


Ansiosos de cair e de beber aos sorvos
Teu sangue ainda quente, em carne de sonâmbula...

Desperta. O teu dormir já foi mais do que terreno...


a voz do Progresso. este outro Nazareno
Que a mão te estende e diz: — África surge et ambula!

Não se esgota nesse cumprir da herança portuguesa ocidental e cristã a poesia


de Rui de Noronha, que também se plasmou em formas mais libertas de
constrangimentos e versou temas relacionados com tradições nativas de
Moçambique, como no caso do celebrado poema «Quenguelequêzê»
(modernamente também se escreve «Quenguele que ze»). Mas uma revisão
crítica, como a que encetou Fátima Mendonça, obriga a realçar a inversão de
certa mitologia propagandística da história colonial que Rui de Noronha
operou poeticamente, desfazendo a versão de um Mouzinho de Albuquerque
como herói destemido e de um Ngungunhane (ou Gungunhana), imperador
(ou régulo, segundo a terminologia mais antiga) derrotado, dominado e
humilhado:

Pós da história

Caiu serenamente o bravo Quêto


Os lábios a sorrir, direito o busto
Manhude que o seguiu mostrou ser preto
Morrendo como Quêto a rir sem custo.

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Fez-se silêncio lúgubre, completo,


no craal do vátua célebre e vetusto.
E o Gungunhana, em pé, sereno o aspecto,
Fitava os dois, o olhar heróico, augusto.

Então Impincazamo, a mãe do vátua,


Triunfando da altivez humana e fátua,
Aos pés do vencedor caiu chorando.

Oh dor de mãe sublime que se humilha!


Que o crime se não esquece à luz que brilha
Ó mães, nas vossas lágrimas gritando?

Noronha é, pois, herdeiro do terceiro romantismo português, como se disse,


da sua oscilação entre a consciência do sujeito e a ânsia de absoluto (que
haveria de liquidar física e psiquicamente um Antero, ora sombrio, ora ático),
que a história tratava de reconduzir à realidade (isto é, ao quotidiano e seu
jogo de forças materiais, sociais). Mas o poeta ultrapassa os restos desse
terceiro romantismo, ao apropriar-se de temas e imagens segundo uma
estratégia textual e ideológica que assumia os primeiros contornos de uma
moçambicanidade baseada na História e no manancial étnico (o ritual, ainda
que estereotipado, da Lua Nova).

Uma nova época foi inaugurada, portanto, a seguir à II Guerra Mundial.


Durante cerca de 20 anos (até 1963), a literatura moçambicana alcançará a
autonomia definitiva no seio da língua portuguesa. […]

Noémia de Sousa, no seguimento dos textos soltos de Campos Oliveira


(século XIX), do jornalismo dos irmãos Albasini e de O livro da dor (1925),
de João Albasini, e, depois, de Rui de Noronha, além de outros, também não
muitos, nem prolíficos, é a primeira escritora de inequívoca radicação (e
radicalização) africana, mas sem que se possa considerar que a literatura
moçambicana comece com ela, que escreve os seus poemas entre 1948 e
1951, antes de embarcar para a

106
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Europa. Sem demasiadas preocupações cronologistas, podemos, para


facilitar a perspectiva temporal e ancorar os textos marcantes a um quadro
algo referencial, estabelecer, todavia, os anos do pós-guerra, de 1945-52,
como decisivos para uma nova literatura moçambicana.[…]

Fonseca Amaral publicou, em 1945, os primeiros textos poéticos; Orlando


Mendes, as «Cinco poesias do Mar Índico», na Seara Nova (1947);
acrescentamos-lhes o tal poema de Noémia de Sousa, «Canção fraterna»
(1948); João Dias morreu em 1949, deixando inéditos vários contos,
publicados em livro pela CEI, em 1952; saiu o número único do jornal
Msaho (1952), com colaboração de Noémia de Sousa, Virgílio de Lemos e
Rui Guerra (o conhecido realizador do Cinema Novo brasileiro); Luís
Polanah, Orlando de Albuquerque e Vítor Evaristo organizaram para a
CEI uma antologia de Poesia em Moçambique (1951), no culminar de uma
actividade mais ampla que vinha sendo desenvolvida, em Lisboa e Coimbra,
desde meados da década de 1940. […]

O 3.° Período, que vai de 1945/48 a 1963, caracteriza-se pela intensiva


Formação da literatura moçambicana. Pela primeira vez, uma consciência
grupal instala-se no seio dos (candidatos a) escritores, tocados pelo Neo-
realismo e, a partir dos primeiros anos de 1950, pela Négritude.

Noémia de Sousa escreve todos os seus poemas (conhecidos até hoje) entre
1948 e 51, ainda sem conhecer a Negritude francófona, mas estando a par
dos negrismos americanos (Black Renaissance, Indigenismo haitiano e
Negrismo cubano, entre outros), visto que dominava o inglês e o francês. Em
1951, circulará o seu livro policopiado Sangue negro, formado por 43
poemas (mais um do que noutra versão posterior). Em 1951, partiu para
Portugal e, ao passar por Luanda, deixou uma cópia, que seria frutuosa para
os intelectuais angolanos ligados à Mensagem (1951-52) e todos os escritores
das duas décadas subsequentes. […]

O jornal cultural Msaho (1952, n.° único), proibido pela censura, destinava-
se, como o título indicia, ao
107
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

compromisso investigatório e solidário com a cultura ancestral e popular, na


linha da Mensagem angolana ou dos congéneres movimentos de pesquisa e
radicação nacionalista, desde o romantismo europeu à América Latina
(negros ou não). Neles colaborou Noémia de Sousa.

A década de 50, sendo a de movimentos grupais, viu surgir, desde logo, a


publicação de textos, exclusivamente poéticos, em selecções e antologias.
Poesia em Moçambique (1951), organizada por Luís Polanah, com um
prólogo de Orlando de Albuquerque e Vítor Evaristo, saída em Lisboa, na
CEI, tem um critério muito largo e promíscuo (jovens autores sem futuro,
portugueses, etc.), mas já inclui futuros poetas importantes do país.

José Craveirinha sobressai, nesta década, de uma plêiade que congrega,


além de Noémia de Sousa, Rui Nogar, Rui Knopfli, Virgílio de Lemos,
Rui Guerra, Fonseca Amaral, Orlando Mendes, entre outros.

O 4.° Período prolonga-se desde 1964 até 1975, ou seja, entre o início da
luta armada de libertação nacional e a independência do país (a publicação
de livros fundamentais coincide com estas datas políticas). É o período de
Desenvolvimento da literatura, que se caracteriza pela coexistência de uma
intensa actividade cultural e literária no hinterland, no ghetto, apresentando
textos de cariz não explícita e marcadamente político (em que pontificavam
intelectuais, escritores e artistas como Eugénio Lisboa, Rui Knopfli, o
português António Quadros, entre outros) com, no outro lado, na guerrilha,
inequívocos poemas anti-colonialistas que teciam loas à revolução e
tematizavam a luta armada.

Em 1964, Luís Bernardo Honwana publica Nós matámos o cão-tinhoso,


um conjunto de contos que finalmente emancipa a narrativa em relação à
preponderância da poesia. Nesse mesmo ano, sai, em Lisboa, o pequeno livro
Chigubo, de José Craveirinha, editado pela CEI. Depois, até à
independência, aparece aquele que tem sido apresentado como o primeiro
romance moçambicano, Portagem (1966), de Orlando Mendes, os três
números da revista Caliban, de
108
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

índole universalista e cosmopolita, em 1971, justamente quando a


FRELIMO editava um primeiro volume de Poesia de combate, para, já em
1974, surgir, então, o Karingana ua karingana, de José Craveirinha, uma
recolha de poemas escritos a partir de 1945.

Nos anos 1960 e 1970, em Moçambique, vão estar em cena bastantes


escritores que abandonarão o país na independência (pouco antes ou pouco
depois, sobretudo brancos, mas também um que outro mulato). Intensifica-
se assim uma tendência própria da colónia, qual seja a de criar muitos
intelectuais, escritores e artistas com uma identidade nacional indefinida,
vacilante ou dupla, escritores que passam a sentir-se moçambicanos e/ou
portugueses: Rui Knopfli, Glória de Sant’Anna, Guilherme de Melo,
Jorge Viegas, Sebastião Alba, Lourenço de Carvalho, Eduardo Pitta,
João Pedro Grabato Dias (ou Mutimati Barnabé João ou António
Quadros), Eugénio Lisboa, Ascêncio de Freitas, etc. Outros, como Mia
Couto, Heliodoro Baptista, Leite de Vasconcelos, ficarão no Índico,
assumindo sem reservas a cidadania moçambicana. Recordemos que a
tradição de escritores brancos, nascidos ou criados em Moçambique, mas
que, muito cedo ou em idade madura, activa ou passivamente, demandaram
ou foram incluídos noutras pátrias, inclusive culturais, já era
desproporcionada em relação à real extensão e valia da sua literatura:
Alberto de Lacerda, Helder Macedo, Reinaldo Ferreira, Orlando de
Albuquerque, etc.

Ao 5.° Período, entre 1975 e 1992, chamaremos de Consolidação, por


finalmente passar a não haver dúvidas quanto à autonomia e extensão da
literatura moçambicana, contra todas as reticências, provindas de alguns
sectores dos estudos literários, e, diga-se também, contra todas as evidências.
Após a independência, durante algum tempo (1975-1982), assistiu-se
sobretudo à divulgação de textos que tinham ficado nas gavetas ou se
encontravam dispersos. O livro típico, até pelo título sugestivo, foi Silêncio
escancarado (1982), de Rui Nogar (1935-1993), aliás o primeiro e único
que publicou em vida. Outro tipo de textos é o de exaltação patriótica, do

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culto dos heróis da luta de libertação nacional e de temas marcadamente


doutrinários, militantes ou empenhados, no tempo da independência.

Tal como nos outros países neófitos, o Estado (e a FRELIMO) detinha o


monopólio das publicações e o consequente controle. Todavia, segundo um
conceito de instituição literária que não passa obrigatoriamente por publicar
em Moçambique, como acontecia, aliás, na época colonial, temos de
considerar a actividade poética de um Rui Knopfli fora de África como
cooptada para o património literário moçambicano. A publicação dos
poemas de Raiz de orvalho, de Mia Couto (em 1983) e sobretudo da revista
Charrua (a partir de 1984, com oito números), da responsabilidade de uma
nova geração de novíssimos (Ungulani Ba Ka Khosa, Hélder Muteia,
Pedro Chissano, Juvenal Bucuane e outros), abriu novas perspectivas fora
da literatura empenhada, permitindo-lhes caminhos até aí impensáveis, de
que o culminar foi o livro de contos Vozes anoitecidas (1986), de Mia
Couto, considerado como fautor de uma mutação literária em Moçambique,
provocando polémica e discussão acesas. A partir daí, estava instaurada uma
aceitabilidade para a livre criatividade da palavra, a abordagem de temas
tabus, como o da convivência de raças e mistura de culturas, por vezes
parecendo antagónicas e carregadas de disputas (indianos vs. negros ou
brancos).

A publicação de Terra sonâmbula (1992), de Mia Couto, o seu primeiro


romance, coincidente com a abertura política do regime, pode considerar-se
provisoriamente o final deste período de pós-independência.

BIBLIOGRAFIA

FERREIRA, Manuel. O Mancebo e Trovador Campos Oliveira, Imprensa


Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1985.
LARANJEIRA, Pires, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, vol.
64, Lisboa, Universidade Aberta, 1995.

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

MENDONÇA, Fátima, Literatura Moçambicana – A História e as Escritas,


Faculdade de Letras e Núcleo Editorial da UEM, Maputo, 1988.

5.5.Para uma Periodização da Literatura Moçambicana (MENDONÇA,


1988)24

O desenvolvimento cronológico da literatura produzida em Moçambique até


1975, não tem sido objecto generalizado de análise por parte dos estudiosos
que, mais ou menos directamente se interessam pelo fenómeno literário
convencionalmente designado por «Literaturas Africanas de Língua
Portuguesa».

As poucas tentativas vieram em geral “de dentro” e dos próprios


participantes no processo literário moçambicano. De entre elas parece-nos
justo e oportuno destacar : “Breve Relance sobre a Actividade Literária ”
(1974) de Rui Knopli e “Sobre Literatura Moçambicana” (1980) de Orlando
Mendes.

Embora distanciados no tempo e separados pelo acontecimento histórico que


é a independência nacional, estes dois textos constituem uma boa achega
para a delimitação dos períodos da literatura moçambicana até 1975.

O presente trabalho alicerça-se na intenção de dar continuidade às reflexões


anteriores, coordenando e sistematizando dados de pesquisa passíveis de
contribuir para a formulação de hipóteses. Mais do que especular sobre quem
merece o favor de cidadania com critérios aplicáveis à nacionalidade civil,
interessa-nos hoje analisar uma herança literária forjada nos parâmetros da

24
MENDONÇA, Fátima, Literatura Moçambicana – A História e as Escritas,
Faculdade de Letras e Núcleo Editorial da UEM, Maputo, 1988.

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

dominação colonial e que, no seu percurso ora lhes agarra, ora se lhes escapa,
para finalmente lhes opor:

1º Período: 1925 / 1945 – 47

Parece ser hoje um facto assente que o surgimento, em Moçambique, de uma


literatura em língua portuguesa com carácter sistemático, ocorre nos finais
dos anos 20.

A emergência desta literatura vai ser determinada pela política de


assimilação e pela política educacional do estado colonial, cujos objectivos
se apresentavam claramente definidos: criação de um pequeno estrato
educado dentro das concepções da cultura ocidental com vista a servir de
suporte à manutenção do poder colonial. Esta situação histórica provoca o
aparecimento de um novo grupo social, “assimilados”, que se começa a fazer
ouvir como forca social no inicio do século através da sua própria imprensa.
Em 1908 surge o número Único do jornal O Africano (Lourenço Marques),
dirigido por João Albasini. Reaparece em 1909 com João Albasini e José
Albasini como editores. Em 1918 os irmãos Albasini vendem o jornal e
fundam O Brado Africano.

Parecendo contrariar as intenções subjacentes à política de assimilação, o


grupo de jornalistas colaboradores desta imprensa africana demarca-se, pelas
suas posições críticas, do poder colonial. Estas posições assumem as formas
de defesa das camadas económicas e socialmente desfavorecidas, isto é, da
população negra de Moçambique. No entanto esta atitude vai marcas das
contradições que a própria génese da assimilação transporta: ser assimilado
implica abdicar de um universo cultural de que se é herdeiro em benefício de
um outro, imposto como alternativa para o prestígio e ascensão sociais. Esta
“opção” produzira o conflito não resolvido. O assimilado já não é (?)
africano e nunca será europeu. A sua função na sociedade colonial é definida
pelos limites a que o poder o circunscreve.

É neste quadro que se devem entender as primeiras obras produzidas com


intenção marcadamente

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

estéticas de que O livro da Dor de João Albasini (1925) é o primeiro


exemplo. Seguem-se Augusto Conrado com A Perjura ou a Mulher de Duplo
Amor (1931), Fibras d´Um Coração (Prosas simples com Pretensão a
Versos) (1933) e Divulgações (1938) e Rui de Noronha sem obra publicada
em vida, mas com uma abundante colaboração poética e jornalística na
imprensa, durante a década de 30.

Nas referências que fazer a esta fase da literatura moçambicana Rui Knopfli
e Orlando Mendes assinalam apenas a presença de Rui de Noronha,
apresentado como um caso isolado. E se Knopfli ainda admite que a poesia
de Rui de Noronha “indica debilmente as características de uma africanidade
irresoluta”, Orlando Mendes considera-a “inculcada ao património literário
português”. Mais longe na apreciação deste poeta vai Ilídio Rocha (1985)
que, que a propósito do poema Quenguêlêquezê!, afirma: “Fácil é de ver,
mais uma vez, o folclore visto por brancos, turistas de passagem, mesmo que
meio negro o seu autor. Conhecedor do rito por vias de leituras que não por
violência, ficou-se ao lado de fora ver Danças Fantásticas / Punham nos
corpos vibrações elásticas / Febris / ondeando ventres, troncos nus, quadris”.

No julgamento que faz deste período Rui Knopfli considera que as


manifestações literárias posteriores Rui de Noronha assentam no
prolongamento de estilos e hábitos metropolitanos ainda que incidam sobre
a realidade circundante pois “(…) raramente excedem o relato externo e
superficial de um exotismo de fachada”. A opinião de Knopfli poder-se-á
aplicar a autores como Caetano Campo cujo livro de poemas Nyaka (humus)
(1942) revela tendências próximas das da poesia negrista que o luso-
tropicalismo explorara mais tarde. Só uma investigação mais aturada
permitirá dizer se este tipo de literatura se insere numa fase distinta daqueles
que Rui de Noronha de certo modo representa. Com os dados de que
dispomos afigura-se-nos como tendência dominante deste período, que se
prolongara até 1954-47, a convergência de índices reveladores de uma
consciência de ser diferente, da afirmação de pertença a um grupo – étnico e
social – diferenciado do grupo que exerce o poder numa relação do

113
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colonizador versus colonizado. Embora concebidas nos moldes de uma


estética marcadamente europeia, as obras referidas afirmam-se outra
literatura. Só a análise das marcas desta diferença possibilitará uma melhor
caracterização do período em causa. Ver nele e nas obras produzidas uma
mera reprodução de modelos culturais europeus, nomeadamente do
Romantismo, é afastar da análise o processo complexo da assimilação. Não
será legítimo admitir que a dicotomia do Eu fundida pelo movimento
romântico se ajustava à dicotomia psíquica e social que a assimilação
produzira? E como hipótese de trabalho não será possível estabelecer
algumas relações de paralelismo entre a representação estética do
Romantismo e as necessidades de expressão poética e narrativas produzidas
pela ideologia da assimilação?

A escrita dos primeiros homens de letras moçambicanas é por si só sintoma


da contradição em que um processo violento de contacto entre culturas os
coloca. Contradição de que não está ausente a apropriação de uma língua
estranha, com todas as rupturas que essa apropriação comporta. Rui Knopfli
sintetizou de melhor forma esse percurso inicial da literatura moçambicana
no ensaio a que nos estamos reportando:

“Como Caliban, é de Próspero que ele recebe a língua e,


se através dela aprende a nomear o sol, a lua, a água, a
realidade em suma, por ela também descobre a mágica
sugestiva e encantatória da blasfémia e do anátema. A sua
especiosa e discordante tradição, a sua revolta, desaguam
e corporizam em estranhos sons de uma língua estranha. É
pois nessa zona obscura e indeterminada, a partir das
raízes imersas no sono milenar, debatendo-se no
emaranhado de preconceitos e renúncias, que ele tacteia o
futuro e procura articular a sua voz. Tempo decorrera
entretanto antes que assim aconteça.”

2º Período: 1945-47 / 1964

114
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Ilídio Rocha estabelece a data de 8 de Setembro de 1947 como marco inicial


de uma nova literatura em Moçambique, produzida sob acção de Augusto
dos Santos Abranches.

Embora reconheçamos o valor da acção de Augusto dos Santos Abranches,


ao longo de 12 anos de permanência em Moçambique e o papel dinamizador
que teve na imprensa, não nos parece que se possa responsabilizar uma acção
como a sua - individual e transitória – pela eclosão de um dos mais dinâmicos
momentos da nossa história literária antes da independência.

As origens desta nova literatura têm que ser procurados no próprio


dinamismo de uma nova época histórica que se iniciava no continente
africano. Assim o entende também Orlando Mendes que se lhe refere nestes
termos:

“Ao passo que se identificava a colonização mental, verifica-


se um despertar entre jovens, especialmente nas principais
cidades para uma nova tomada de posição cultural (…). Este
movimento constituído por africanos incluía também
descendentes de colonos, que assumiam atitudes de
inconformismo com a política colonial (…). O movimento
solidariza-se com as aspirações populares e apresenta-se
como porta voz intelectual do nacionalismo”.

Rui Knopfli também propõe a data de 1947 como, momento de ruptura com
o período anterior. Contudo não se reporta para tal a comunicação de
Augusto dos Santos Abranches. É a publicação de 5 poesias do Mar Índico
de Orlando Mendes, na revista portuguesa Seara Nova (No 1029 de
19/04/47) que Knopfli considera como o sinal de que se estava no limiar de
uma forma mais nova e mais autêntica de literatura.

115
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Em 1945 iniciara João da Fonseca Amaral a sua actividade como poeta “um
pé colocado na Polana aristocrática, outro mergulhado nas areias suburbanas
do Alto Maé” nas palavras de Knopfli. Em 1948 publicara Noémia de Sousa
o seu primeiro texto poético. Em 1949, morria em Lisboa um jovem
moçambicano, estudante de Direito João Dias que deixava inédito um
conjunto de textos, Godido e Outros Contos, publicado postumamente pela
Casa dos Estudantes do Império (C.E.I) (1952).

É este conjunto de acontecimentos que marca efectivamente a irrupção de


uma nova literatura em Moçambique. A sua génese encontra-se no clima
provocado pelas alterações históricas determinadas pelo final da IIGM, a que
se juntaram condições políticas específicas, provocadas pela candidatura a
Presidência da República em Portugal de Norton de Matos, em 1948.

Em Moçambique o sentimento de resistência alarga-se às camadas da


pequena burguesia urbana. Surge uma literatura marcada pela rejeição do
carácter colonial do contacto com Portugal. Parte desta literatura deixa
perceber a sedução pela ideia de uma síntese futura entre duas visões do
mundo, duas formas de expressão: a africana e a europeia. Tal é a proposta
de Orlando Mendes em Trajectórias (1940) e Clima (1959). Tal é a proposta
de Rui Knopfli numa primeira fase da sua obra. A outra parte inicia a
afirmação de uma africanidade próxima da Negritude com Noémia de Sousa
e José Craveirinha.

No seu conjunto a produção literária da década de 50 assume a forma de


tentativa de criação de um espaço literário nacional. A revista Itinerário, o
jornal O Brado Africano e a iniciativa – sem continuidade – de Msaho, vão
constituir o suporte material desta acção que adquiriu o aspecto de
movimento político e cultural. Importa aqui destacar o papel de A. S.
Abranches e de João da Fonseca Amaral principais divulgadores entre nós
do movimento modernista representado em Orpheu e Presença e do neo-
realismo português veiculado por O Novo Cancioneiro. São intervenientes
nesta fermentação literária João da Fonseca Amaral, Noémia de Sousa, Rui

116
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Knopfli, Rui Guerra, José Craveirinha, Rui Nogar, António Bronze (pintor).

Em paralelo a este grupo, movimentos por preocupações predominantemente


estéticas, desenvolviam Reinaldo Ferreira e Cordeiro de Brito uma
actividade de tertúlia no café Scala.

Oscilando entre a manifestação surrealista e a expressão directa de temas


enraizados na realidade circundante, Duarte Galvão (Virgílio de Lemos)
percorre nesses anos um caminho diversificado em que por vezes se
aproxima de Nuno Bermudes, pela contribuição que em ambos parecem
colher de Távola Redonda.

Foi um período extremamente dinâmico que teve repercussões em Lisboa


com a publicação de três antologias de poesia de Moçambique.

Na antologia de 1962 surgem alguns autores que não tendo estado


fisicamente ligados à político-literária desenvolvida em Lourenço Marques,
apresentavam uma produção cuja temática e orientação estética se
enquadrava na do grupo que se reunia em volta de Itinerário e de O Brado
Africano. Tratava-se de estudantes moçambicanos, temporariamente em
Portugal, que viriam a desempenhar papéis activos no Movimento de
Libertação. Referimo-nos a Marcelino dos Santos (Kalungano), Sérgio
Vieira e Fernando Ganhão.

Toda esta movimentação literária começa a apresentar sinais de


enfraquecimento pelas acções de repressão ideológica que se faziam sentir
como consequência da organização e desenvolvimento dos Movimentos de
Libertação das colónias portuguesas.

Em 1963 ainda é tentada uma acção semelhante a dos finais anos 40 com a
criação do NESAM integrado no Centro Associativo dos Negros de
Moçambique, onde se destaca entre outros jovens Armando Guebuza. Foi
encerrado em 1965 numa altura em a actividade cultural legal estava
praticamente sufocada. O último sinal deste período fora dado por Luís
Bernardo Honwana com Nós Matámos o Cão Tinhoso (1964).

117
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As prisões de alguns intelectuais nomeadamente José Craveirinha, Rui


Nogar, Malangatana Valente e Luís Bernardo Honwana, marcam o terminus
deste período da literatura moçambicana.

Rui Knopfli descreve desta forma o ambiente desses anos:

o élan e o momentum que as actividades do espírito haviam adquirido na


passagem dos anos quarenta para os da década seguinte, ver-se-iam
contudo seriamente comprometidos e fragmentados pela hostilidade
progressiva de um ambiente tornado cada vez menos propício a
manifestações de tal sorte. O espectro da guerra nfria fazia sentir junto
denós o gelo do seu bafo e a incomodidade da sua atmosfera.

3º Período: 1964 / 1975

Estamos perante uma produção literária reveladora da forte complexidade


deste período. Quebra-se a relativa homogeneidade da literatura das duas
décadas anteriores. Os acontecimentos políticos decorrentes da
intensificação da acção do Movimento de Libertação Nacional explicam a
ocorrência de três grandes linhas de força relativamente marcadas, na
Literatura Moçambicana (itálico nosso):

1. “A literatura produzida nas zonas libertadas e em que é visível o reflexo


directo da acção ideológica da Frelimo.” (MENDONÇA, 1988, p. 40). Esta
literatura, na qual se sobressai a poesia de combate, fora produzida dentro
dos quadros da luta armada; sua intenção é a militância política e o
comprometimento social. Para Mendonça, não se trata de uma literatura de
menor “valor literário”, ou apenas de circunstância, visto que não se pode
considerar a guerra de libertação nacional como um evento circunstancial –
ela, ao contrário, é parte integrante da história da emergente nação
moçambicana25.

25
Tratar da poesia de combate implica sempre, até onde temos visto, um posicionamento
político por parte da crítica. Não se pode dizer que se trata de uma literatura esteticamente

118
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2. “A literatura produzida nas cidades por intelectuais que, em geral,


assumem posições ideológicas de distanciamento do poder colonial.”
(MENDONÇA, 1988, p. 41) Nomes representativos desta vertente são
Orlando Mendes, Rui Knopfli, Glória de Sant’Anna, Jorge Viegas, Sebastião
Alba e outros. É neste período que surge a revista Caliban:

A própria simbologia do nome Caliban faz que possamos interpretar a acção


destes cadernos como uma tentativa consciente de adesão a um espaço
moçambicano representado emblematicamente pela imagem do escravo que
se apropria da língua do senhor.” (MENDONÇA, 1988, p. 42)

Na Beira, cidade natal de Mia Couto, surge também, nessa época, a revista
Paralelo 20 – nela circulava uma literatura “[...] em que a clivagem
produzida pelos acontecimentos de 1964 apenas funciona exteriormente”

menor sem sofrer algum tipo de “represália”. Tomemos um exemplo. Segundo nos informa
João Pinto, do Jornal de Angola (2008), o escritor angolano José Eduardo Agualusa
declarou, em entrevista publicada no semanário Angolense, em Março de 2008, que
Agostinho Neto, primeiro presidente de Angola, era um poeta medíocre e quem o tinha
em conta de grande poeta não conhecia nada de poesia. Esta afirmação foi recebida não
como crítica literária, mas como crítica política: “A escrita não pode servir para humilhar,
banalizar, diabolizar os ícones, heróis, mitos, deuses ou divindades”, afirmava João Pinto
no Jornal de Angola (2008). No mesmo periódico, Pires Laranjeira foi mais além: “[...]
Agualusa saiu chamuscado e, depois, queixou-se de que, aproximando-se as eleições em
Angola, se tratava de uma intimidação, sobretudo porque um universitário angolano da
área do Direito punha a hipótese (absurda, é verdade) de ele poder ser responsabilizado
criminalmente por atentar contra o nome de uma figura icónica do Estado e da Nação. [...]
Eu permito-me aqui uma “profecia” em relação a Agualusa: na história da literatura
angolana, daqui a dois ou três séculos, continuará a constar, em grande plano, a poesia de
Agostinho Neto, como algo matricial e tutelar. E, comparada com a obra de Neto, Pepetela,
Luandino, Uanhenga, Maimona, Ruy Duarte de Carvalho, Mena Abrantes ou Manuel Rui, a
de Agualusa terá sempre direito a três ou quatro parágrafos a menos ou, ainda, a uma
referência breve na história da literatura portuguesa. Creio que esse é o verdadeiro drama
de Agualusa: ser menos representativo do que se julga e apostar na raiva lusitana contra o
MPLA de Agostinho Neto, de que ele próprio é um dos ateadores [...]. Só para espíritos
cabotinos é que a poesia de Neto será medíocre. E as suas são frases típicas de um
cabotino, que o dicionário define do seguinte modo: ‘cómico ambulante (…) pessoa
presumida e que gosta de ser o centro das atenções, ostentando, com modos teatrais,
qualidades que a maior parte das vezes não tem’”.

119
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

(MENDONÇA, 1988, p. 42) O poeta e jornalista Fernando Couto, pai de Mia


Couto, juntamente com Nuno Bermudes, é uma das figuras que dinamizavam
a vida cultural na Beira, promovendo a divulgação de autores moçambicanos
por meio da criação das colecções “Poetas de Moçambique” e “Prosadores
de Moçambique”.

3. “A literatura produzida para afirmar a ideologia colonial na sua expressão


luso-tropicalista26.” (MENDONÇA, 1988, p, 43) Neste conjunto,
encontram-se as publicações de Eduardo Paixão, Rodrigues Júnior e
Agostinho Caramelo; é para elas que se volta o crítico Amândio César, “[...]
a fim de desenvolver a tese da existência de uma literatura regionalmente
moçambicana integrada na literatura portuguesa, como convinha ao luso-
tropicalismo.” (MENDONÇA, 1988, p. 43) Para Mendonça, trata-se de um
aposto à literatura colonial, com preocupação exclusivamente estética, que
veiculava ainda a ideologia colonial. Esta literatura não encontrará ecos na
produção literária posterior à Independência de Moçambique (aos 25 de
Junho de 1975).

Fátima Mendonça encerra sua contribuição para o periodismo literário de


Moçambique lembrando que as novas gerações de escritores, nas quais se
inclui Mia Couto, serão herdeiras “[...] da metáfora e da parataxe de
Craveirinha, do verso seco e angustiado de Knopfli, da negritude militante
de Kalungano.” (MENDONÇA, 1988, p. 44)

BIBLIOGRAFIA

26
O luso-tropicalismo é “[...] uma teoria que assume a totalidade do fenómeno da
colonização portuguesa nos trópicos como objecto de estudo, tentando racionalizar a
emergência de uma sociedade civil a partir de um aglomerado heterogéneo, plural do ponto
de vista étnico-cultural, mas condicionado por um poder económico exterior e por uma
afirmada específica concepção lusíada do mundo e da vida.” (MOREIRA, Adriano, 2005,
p. 657). O pioneiro da teoria luso-tropicalista é o escritor Gilberto Frebye, que a expressa
no livro Casa grande e senzala, em 1933.

120
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira.3. ed. São Paulo:


Cultrix,1994.

FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expressão portuguesa. São


Paulo: Ática, 1987.

______. O mancebo e trovador Campos Oliveira. Lisboa: INCM, 1985.


GARMES, Hélder. A convenção formadora: uma contribuição para a
história do periodismo literário nas colónias portuguesas. 1999. 2 v. Tese
(Doutorado em Letras) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.

GONÇALVES, Perpétua. (Dados para a) História da língua portuguesa em


Moçambique. Maputo, jan. 2000. Disponível em: <http://www.instituto-
camoes.pt/ cvc/hlp/geografia/portuguesmocambique.pdf>. Acesso em: 25
set. 2008.

LARANJEIRA, Pires. Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, vol.


64, Lisboa, Universidade Aberta, 1995.

MENDONÇA, Fátima. Para uma periodização da literatura moçambicana.


In: ______. Literatura moçambicana: a história e as escritas. Maputo:
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Outros de nossa cultura. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de
Janeiro, v.14, p. 279-290, dez. 2007. Disponível em:

121
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid= S0104-
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SILVA, Manoel de Souza e. Apropriação/Expropriação. In: ______. Do


alheio ao próprio: a poesia em Moçambique. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo. 1996.

Sumário

Nesta Unidade estudamos e discutimos fundamentalmente três perspectivas


da periodização literária de Ferreira, Laranjeira e Mendonça que sustentam
os contornos da formação da Literatura Moçambicana. Aqui, também
incluímos os factores que concorreram para a formação da Literatura
Moçambicana. Conhecemos melhor as questões referentes à historiografia
da literatura moçambicana e, com isso, ampliar o nosso olhar sobre a
produção literária de Moçambique.

122
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Exercícios da Unidade temática

I Auto – avaliação

1. No século XX a Literatura Colonial ganhou grande aceitação


pública. Indique o tema que cativava os leitores.
2. Os primeiros autores africanos estavam incapacitados para assumir o
ponto de vista africano. Justifique a afimação.
3. Ao contrário de Angola e Cabo Verde , em Moçambique a imprensa
foi implantada tardiamente . Aponte o ano da implantação e as
consequências deste atraso.
4. Rui de Noronha na periodização de Manuel Ferreira pertence ao
segundo período( Prelúdio). Aponte o destinatário do poema” Surge
et Ambula”.
4.1 Ainda no prelúdio, aponte o nome de dois autores que marcaram
este período literário.
5.Francisco Noa (2009), considera que talvez seja precipitado tentar
definir “períodos” dentro da Literatura Moçambicana. Justifique a posição
assumida pelo autor.

II Avaliação

123
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Assinale com o x a alternativa correcta

1. As três figuras incontornáveis na periodização literária de


Moçambique são:
a) Manuel Ferreira, Pires Laranjeira e Fátima Mendonça.
b)Pires Laranjeira, Francisco Noemia Couto.
c)Ungulani Ba ka cossa, Manuel Ferreira, e Fatima Mendonça.
d) Fátima Mendonça,Manuel Ferreira e Lilia Momplé.

2.
- Manuel Ferreira reconhece quatro momentos distintos de produção
literária:
a) 1º A literatura das descobertas e expansão;
2º A literatura colonial;
3º A literatura de sentimento nacional e;
4º A literatura de consciência nacional;

b)1º A literatura de sentimento nacional


2º A literatura das decobertas e expansão
3º A literarura colonial
4º A literatura de consciência nacional

c) A literatura das descobertas


A literatura de consciencia nacional
A literatura colonial
A literatura de sentimento nacional

3.a) O Livro da Dor é obra de Luís Patraquim. ------


b) O Livro da Dor é obra de João Albasini.-------
c) O Livro da Dor é obra de Noémia de Sousa. --------
d) O Livro da Dor é obra de João Dias<. -------

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

4. Assinale com o Vas alternativas correctas:

- Pires Laranjeira, em termos de qualidade, reconhece os seguintes momentos


da literatura moçambicana:

a)1º período ( Incipiência) João Albasini e Campos Oliveira.-----------------


-
b)2º período- (Prelúdio) Rui de Noronha, Noémia de Sousa, João Dias e
Vírgilio de Lemos.---------------------------------
c)3º período (Formação) Noémia de Sousa,José Craveirinha, Rui Nogar, Rui
Knopfli, Virgilio Lemos,Fonseca Amaral, Rui Guerra, Orlando Mendes. ----
--

d)4º período-(Desenvolvimento) Eugénio Lisboa, Rui knopfil, Luís


Bernardo Honwana,José Craveirinha, Orlando Mendes,Ungulani Ba Cossa,,
Helder Muteia, , Pedro Cissano, Juvenal Bucuane, Mia Couto.----------------
-----------------

e) 5º período( Consolidação) João Dias, Noémia de Sousa.


Virgílio Lemos, Sebastião Alba. -------

5. De acordo com a periodização de Fátima Mendonça assinale com o


F as alternativas incorrectas:
a) 1º Período: 1964/1975--------

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

b) 2º Período: 1945-47 / 1964--------------

c) 3º Período: 1925/1945-47 -----------------


d) 4º período: 1975—2019 ------------------

Respostas

Auto-avaliação
1- O exótico.
2- Porque estavam comprometidos com a politica assimilacionista.
3- Em 1854 teve uma repercussão na formação de uma literatura
nacional.
4- O Africano
4.1- Noémia de Sousa, João Dias…
5- Noa considera precipitado tentar definir “períodos” por se tratar de
uma literatura, cuja consolidação é recente.

Avaliação
1. a)
2. a)
3. b)
4. a) V b)V c)V d)V
5. a)F c)F

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UNIDADE 6

O Papel da Imprensa para o Advento da Literatura Moçambicana

Introdução

Moçambique à semelhança de outros países de Literaturas Africanas de


Língua Portuguesa o surgimento da literatura tem raízes sobretudo na
actividade jornalística. Nesta unidade, vamos estudar e conhecer as três
condições prévias que contribuíram para o surgimento das Literaturas
Africanas de Língua Portuguesa, em geral, e Moçambique, em
particular. Deste modo, ficamos a saber o quão a imprensa
desempenhou papel preponderante para o advento da Literatura em
Moçambique.

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

 Conhecer o carácter interventivo e o papel da imprensa para o advento


da literatura;

 Reconhecer a imprensa como factor dinamizador da arte,


Objectivos
articularmente, da literatura; um meio difusor da opinião pública;
Específicos
 Identificar as três condições prévias que contribuíram para o
surgimento das literaturas africanas em língua portuguesa.

Antes de nos debruçarmos sobre este tema, importa referir, de forma sintética
e para efeitos de contextualização, que nas ex-colónias portuguesas o
surgimento da literatura tem raízes sobretudo na actividade
jornalística. De um modo geral, são consideradas três condições prévias
que contribuíram para o surgimento das literaturas africanas em língua
portuguesa, a saber, (i) a
127
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

abolição do tráfico de escravos; (ii) a criação de uma rede escolar e (iii) a


introdução da Tipografia, consequentemente, da Imprensa.

Neste sentido, pode-se constatar que a evolução da literatura escrita em


Moçambique tem necessariamente uma ligação directa com o surgimento
da Imprensa. Como anotou Margarido, a imprensa da época «aborda os
problemas da burguesia do momento, a qual (…) se vê muito depressa
ultrapassada pelo aparecimento de fenómenos económicos consecutivos à
exploração intensiva do país (…). A imprensa colocará, então, o problema
da colonização de Moçambique (…). Em torno do Jornal Brado Africano,
reunir-se-ão com esse objectivo negros, mestiços, às vezes indianos e
mesmo, embora raramente, brancos.» (Alfredo MARGARIDO, 1980: 67)

Alguns estudiosos consideram que o primeiro escritor de língua


portuguesa nascido em Moçambique era, sobretudo, poeta e que tal facto
prenunciava o que viria a acontecer e a caracterizar as primeiras
manifestações da Literatura em Moçambique: terra de poetas, sobretudo no
período de emergência; chamava-se José Pedro da Silva CAMPOS
OLIVEIRA.

Campos Oliveira nasceu numa localidade fronteira à Ilha de Moçambique


(Cabaceira) em 1847. Era filho de gente abastada. Tornou-se funcionário
público, primeiro, na Índia e depois em Moçambique.

6.1.Breve historial sobre a primeira capital de Moçambique

Até ao século XIX, a primeira capital de Moçambique estava sedeada no


Norte do país, concretamente, na Ilha de Moçambique, na actual província
de Nampula. A base de desenvolvimento económico da ilha era o comércio
de escravos, principalmente para o Brasil.

128
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Em termos de administrativos, a Ilha estabelecia uma forte dependia com


a Índia, particularmente através de Goa, por delegação da Coroa portuguesa.
Todos os funcionários, ou quase todos, eram goeses. No ano de 1810, esta
Ilha passou a ter o estatuto de cidade.

Por esse período (sensivelmente, nos finais do século XVIII) chega à então
capital (Ilha), degredado para Moçambique, Tomás António Gonzaga,
preso em 1789 no seu país, acusado de conspiração por ter participado no
movimento reivindicativo da Inconfidência Mineira (ocasionada pelo
aumento de impostos sobre os minérios por parte de Portugal). Esse aumento
originou uma grande insatisfação geral. Importa recordar que a Inconfidência
Mineira foi perpetrada, basicamente, por um pequeno grupo de letrados,
muitos deles exestudantes da Universidade de Coimbra.

Tomás Antônio Gonzaga, nascido em 1744, em Miragaia, Porto (Portugal),


morreu na Ilha de Moçambique, em 1810. O seu nome árcade é Dirceu; foi
um jurista, poeta e activista político luso-brasileiro. É considerado o mais
proeminente dos poetas árcades e neoclássicos.

Cumpriu a sua pena de três anos na Fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio de
Janeiro. Em 1792, a pena é comutada em degredo e o poeta é enviado à costa
oriental de África, a fim de cumprir, em Moçambique, a sentença de dez
anos.

Como referimos acima, o comércio de escravos era a actividades básica e em


franco desenvolvimento na Ilha; entretanto, com a Independência do Brasil
em 1822, a 7 de Setembro, esse comércio ficou ameaçado, na medida em
que o Brasil era um dos destinos desses escravos. Neste sentido, no que diz
respeito a esse comércio de escravos, houve uma mudança de estratégia: os
escravos foram transferidos para as plantações.

129
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Em 1888, José Campos de Oliveira regressa à Ilha, vindo de Goa, onde


esteve a estudar e, mais tarde, a trabalhar como funcionário público.
Destacou-se como pessoa interessada pela vida cultural da Ilha e, em
particular, pela actividade literária.

Um dos documentos oficiais que circulou nas colónias foi o Boletim Oficial.
Na Ilha de Moçambique foi publicado em 1854. Campos Oliveira
colaborou também no Almanaque de Lembranças de larga circulação na
época nas colónias portuguesas.

Convém recordar que, após a abolição do comércio de escravos, foram


criados alguns jornais que eram pertença do Estado, que legitimavam
obviamente o poder dos senhores Proprietários: Em 1868 surge o primeiro
Jornal “O Progresso” e em 1875 surge o Jornal “ O África Oriental”.

Em termos de vivência humana, a Ilha de Moçambique era heterogénea, pois


transitaram por ela portugueses, árabes, goeses, brasileiros e outros.
Paralelamente à actividade jornalística, a Ilha apresentava igualmente uma
dinâmica cultural característica, por exemplo, realizavam-se alguns saraus
culturais à volta das autoridades portuguesas. Havia também um clube
literário recreativo; mais tarde,
estas actividades culturais e literárias faliram, entretanto, supõe-se que terá
sido precisamente nesses saraus que Campos Oliveira foi conhecido pela
elite da época, na ilha.

Em 1881 Campos Oliveira cria a primeira Revista Literária designada


“Revista Africana” tornando-se simultaneamente seu director e autor.
Profissionalmente desempenhou também as funções de Director dos
Correios da Ilha de Moçambique. Crê-se que Campos Oliveira tenha
reivindicado nessa revista alguns versos do já aludido poeta brasileiro
Tomás António Gonzaga de quem tinha grande admiração. Importa
salientar ainda que Campos de Oliveira dedicou-se também ao jornalismo

130
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

e era uma espécie de crítico social, contudo, esse facto não parece ter
influenciado, de forma marcada, a sua escrita literária, ou seja, não se terá
reflecido, eventualmente, na sua poesia.

Influência do Ultraromantismo português em Campos Oliveira


Importa antes recordar que o Romantismo marca uma ruptura com a
sociedade feudal e tem a sua base na Revolução Francesa. Esta defendia
direitos iguais entre os Homens e o seu lema era: Igualdade, Fraternidade
e Liberdade.

Observa-se ainda, ao nível da visão do mundo, que o centro do universo já


não é a terra, pois Galileu tinha descoberto que esta gira à volta do sol.
Coloca-se o Homem como o centro do universo, com imaginação,
criatividade, etc.

O Romantismo nega os princípios de seguidismo das regras instituídas pelos


Clássicos, ou seja, recusa o dogma, nega a rima e a métrica tal como eram
concebidos por estes e cria a imagística (verso livre ou branco); quebram-se
as imagens mitológicas, de magia, da Antiguidade Clássica. O poeta
romântico centra-se no culto do EU, nos sonhos, na morte, no álcool, etc.

A escrita literária de Campos Oliveira sofre uma forte influência do


Romantismo Português, concretamente do Terceiro

Romantismo (Ultra-Romantismo) e a sua manifestação na Ilha de


Moçambique realiza-se com um certo atraso em relação aos autores
portugueses.

Para esta elucidação, o poema mais representativo é “Uma Visão”, de


Campos de Oliveira:

131
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

do sepúlcro», do português ultra-romântico Soares de Passos.


Tecendo breves comentários em torno deste poema de Campos Oliveira,
pode-se constatar que se apresenta como dedicatória ao amigo
A.do Rosário Alves

A dinâmica cultural na cidade de Lourenço Marques: “O Africano” e


“O Brado Africano”.

Por razões económicas, no século XVIII, a capital da cólonia transfere-se do


Norte (Ilha de Moçambique) para o Sul (ex-Lourenço Marques – actual
Maputo), mas oficialmente, só nos finais do século XIX, a 10 de Novembro
de 1887 é que se torna capital. Aqui a imprensa vai desempenhar um papel
preponderante de crítica ao regime colonial e teve um forte carácter
interventivo; era um factor dinamizador da arte, articularmente, da
literatura; um meio difusor da opinião pública; era independente, liberal e
progressista e constituia-se como um meio de realização dos propósitos
intelectuais da classe média africana.

132
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Esta dinâmica cultural em Moçambique, isto é, as transformações sociais,


foram grandemente favorecidas pela instauração do sistema republicano na
então Metrópole, que destituirá a Monarquia.

Grande papel desempenharam os jornais surgidos, que tiveram igualmente


como vectores do seu dinamismo (i) a fundação das Companhias de Manica,
Sofala e Niassa, (ii) a necessidade de propaganda republicana e a luta política
relativa à implementação da República em Portugal, (iii) o eclodir e o fim da
1ª Guerra Mundial, entre outras.
A imprensa surge em Lourença Marques em 1888, também como
consequência da importância da ligação ferroviária com o Transvaal (África
do Sul).

Com a implantação da República em Portugal, em 1910, assiste-se em


Moçambique a uma fervilhante actividade jornalística por parte de
operários portugueses que na maioria tinham ido (vindo) para Moçambique
por motivos políticos (como degredados).

Em apenas 10 anos surgiram 20 novos jornais, alguns com número único,


mas todos caracterizados pela sua adesão à Repúlica; são eles: O Gráfico,
Os Simples, Jornal Operário, O Proletariado, Germinal, Os
Emancipados, etc.

Curioso é notar que, em todos, os problemas da classe operária em


Moçambique estão relacionados normalmente com o homem branco.

Nunca o homem negro é referido em termos de igualdade com o branco na


exploração a que, enquanto operários, ambos estavam sujeitos. É neste
contexto que se demarca em primeiro lugar o jornl O Africano, fundado em
1908, por iniciativa dos irmãos Albasini e mais tarde, O Brado Africano,
que lhe sucede em 1918, também sob orientação de José Albasini e João
Albasini e outros.

133
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Importa salientar ainda que em Lorenço Marques havia grupos de


assimilados que se reuniam em torno de duas importantes organizações, O
Grémio Africano e A Associação Africana. O Grémio Africano
congregava personalidades-chave da vida social, cultural e intelectual de
Lourenço Marques, algumas delas tinham profissões liberais, tais são os
casos dos irmõs Albasini, de Joaquim Stewart, de Karell Pott, de Guilherme
Bruhein, entre outros.

Ainda a propósito do jornal O Africano: para além dos Albasini, fundaram-


no também Guilherme Bruhein e Joaquim Stewart. Fazia propaganda a
favor da instrução escolar; era dirigido às populações locais; foi o
primeiro jornal que se tornou bilingue: Ronga e Português. De qualquer
modo, o seu discurso não deixou de ser fragmentário e contraditório (dado o
seu estatuto social e administrativo ambíguo), apesar de nacionalista, como
se nota deste artigo jornalístico:

«Por este território já muito preto sabe ler: mas sabe ler o quê/ Landim!!
Somos, portanto, obrigados a escrever landim para sermos
compreendidos. Aqui temos outro mal que pretendemos combater: os
dialectos cafres.

Pode parecer uma parvoice (...) mas compreendemos muito bem que não
é landim que nós precisamos saber – queremos falar e escrever
Português o melhor que pode ser. Somos portugueses.

A ideia desta escola pode dizer-se que é um pretexto à orientação seguida


ultimamente pelos (...) pais da pátria.
Apesar de todo o seu empenho, com o Arcebispo de Sienne à frente, o
resultado é de que os missionários só falam Landim (...).

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Para opôr uma forte barreira à tolice pretendemos pois fundar uma
escola para o ensino de Português e pensamos que dentro da nossa escola
não se falará outra língua». In “O Africano” nº 1, 25 de 12 de 1908”.
Os fundadores deste jornal já tinham, de certo modo, ligações com o Pan-
Africanismo (mais adiante referimo-nos a este movimento).
Este movimento, nos anos 40 torna-se mais organizado após a realização, em
Londres, da sua 1ª conferência. Também tiveram ligações com a ideologia
trazida pela Revolução Francesa e com a Massonaria.

É à volta desta publicação que homens como Bandeira de Castro,


Estácio Dias, Rui de Noronha, etc, passam a desenvolver uma intensa
actividade que se caracteriza pela defesa dos interesses do homem negro,
pela denúncia das arbitrariedades cometidas sobre as populações
nativas e pela defesa da prevenção de certos valores da cultura
moçambicana.

Massonaria – Ideias: fraternidade universal, liberdade religiosa (laicidade),


liberalismo (sistema político defendido), socialismo e humanismo. Baseia-
se nos Símbolos de construção. É uma sociedade secreta de inspiração
iluminista, defensora dos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade.

O jornal “O Brado Africano”, para além de ser um semanário bilingue


(Ronga/Português), apresentava três vectores de conflitos: com a igreja,
com o governo e dentro do próprio jornal, o que contribuiu, de certa forma,
para o seu fim.

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Mário de, Prefácio à Antologia Temática de Poesia Africana I,


na noite grávida de punhais. Livraria Sá da Costa, 2ª ed., Lisboa, 1977.

135
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

ANDRADE, Mário de, Prefácio a Cadernos de Poesia Negra de Expressão


Portuguesa, C.E.I., Lisboa, 1953.
CARRILHO, Maria, Sociologia da Negritude, Edições 70, Lisboa, 1976.
FANON, Frantz, Peles Negras, Máscaras Brancas, Paisagem, Porto, 1975.
FERREIRA, Manuel, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa,
Instituto de Cultura Portuguesa, VOL. 2, Lisboa, 1977.
FERREIRA, Manuel, No Reino de Caliban I, II e III, Plátano, Lisboa, 1985.
FERREIRA, Manuel, O Mancebo e Trovador Campos Oliveira, Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1985.
HAMILTON, Russel G, Literatura Africana, Literatura Necessária II.
Edições 70, Lisboa, 1984.
KNOPFLI, Rui, “Breve relance sobre a actividade literária”, Facho, nrº 30.
Ed. Sonap, Lourenço Marques, Set/Outubro, 1974.
LEITE, Ana Mafalda, A Poética de José Craveirinha, Colecção “Palavra
Africana”, Vega, Lisboa, 1991.
MARGARIDO, Alfredo, Estudos sobre literaturas das Nações Africanas de
Língua Portuguesa, A regra do Jogo, Lisboa, 1980.
MARTINHO, Fernando J. B, “Karingana ua Karingana de José
Craveirinha”, Cadernos de Literatura, Coimbra, (1982?), p.p. 34-41.
MATUSSE, Gilberto, “A Subida em aproximação à morte – o progresso
tecnológico num poema de Craveirinha e dois de Knopfli”, Limani 4, Maio,
1988, p. 75-82.
MENDES, Orlando, Sobre Literatura Moçambicana, INLD, Maputo, 1978.
MENDONÇA, Fátima, Literatura Moçambicana – A Histótia e as Escritas,
Faculdade de Letras e Núcleo Editorial da UEM, Maputo, 1988.
MOSER, Gerald. Essays in Portugues African Literature, University Park,
Pennsylvania State University, 1969.
ROCHA, Ilídio, “Sobre as origens de uma literatura moçambicana de
expressão portuguesa: raízes e consciencialização”, In Les Litteratures
Africaines de langue portugaise – À la recherche de l’ identité individuelle
et nationale (Actes du coloque in international), Paris, Foundation Calouste
Gulbenkian. Centre Culturel Portugais, 1985, p.p. 407-410.

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

TENREIRO, F.J. e ANDRADE, Mário Pinto, Poesia Negra de Expressão


Portuguesa, África, Lisboa, 1982.

Sumário

Nesta Unidade estudamos e vimos que nas ex-colónias portuguesas o


surgimento da literatura tem raízes sobretudo na actividade
jornalística. De igual modo, constatamos que ao longo do estudo desta
unidade, a abolição do tráfico de escravos; a criação de uma rede escolar
e a introdução da Tipografia, consequentemente, da Imprensa, constituem
ou são consideradas três condições prévias que contribuíram para o
surgimento das literaturas africanas em língua portuguesa.

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Exercícios da Unidade temática

I Auto – avaliação

1. A escrita de Campos Oliveira sofre uma forte influência do Ultra


romantismo português. Indique o lema defendido por este
movimento literário.

1.1 Leia o poema “ Uma Visão” de Campos de Oliveira e apresente


algumas características do romantimo patentes no poema.

1.2 O poema apresenta uma dedicatória. Quem é o contemplado.

2. No século XVIII, a capital de Moçambique passa para Maputo. Aqui,


a imprensa passa a desempenhar um papel preponderante. Aponte
alguns feitos da imprensa.

2.1 Por que razão se demarca em primeiro lugar o jornal O Africano,


fundado em 1908, por iniciativa dos irmãos Albasini?

2.2 Para além dos irmãos Albasini, fizeram parte da fundação do jornal
“O Africano” Guilherme Bruhein e Joaquim Stewart. Qual foi o mérito dos
últimos dois intervenientes?

3,O Africano foi o primeiro jornal bilingue. Indique as línguas usadas por
este meio de comunicação.

4.Indique o nome do escritor moçambicano que publicava os seus


poemas no jornal Brado africano?

5. Rui de Noronha, para além da participação literária, colaborou com


Bandeira de Castro e Estacio Dias, em actividades de caracter social.
Enumere- as.

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II Avalação

Nas afirmações que se seguem, assinale com o X a alternativa correcta :

1.As três condições prévias que concorreram para o surgimento das


literaturas africanas em língua portuguesa são as seguintes:
a) A abolição do tráfico de escravos; a criação de uma rede escolar e a introdução
da Tipografia, consequentemente, da Imprensa.

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b) A abolição do tráfico de escravos, a criação de uma rede escolar,introdução


da literatura escrita, introdução da imprensa
c) A bolição da escravatura, a criação da rede escolar, introdução da imprensa e
criação da lei de trabalho.
d) A abolição da escravatura, a criação da rede escolar, o papel da imprensa e a
independência da literatura.

2.a) As intenções e o aproveitamento que homens como Bandeira de Castro,


Estácio Dias, Rui de Noronha, entre outros, foram possíveis graças a publicação
dos jornais como: “ O Africano” e o” Brado Africano”,:
b) As intenções e o aproveitamento que homens como Bandeira de Castro,
Estácio Dias, Rui de Noronha foram possíveis graças a publicação do jornal “
O Progresso”
c) As intenções e o aproveitamento que homens como Bandeira de Castro,
Estacio dias e Rui de Noronha foram possíveis graças a publicação do jornal “O
Brado de África”.

d) As inteções e o aproveitamento que homens como Bandeira de Castro,


Estacio Dias, Rui de Norronha foram possíveis graças a publicação do “Jornal
de Moçambique”:

3.a) Os jornais “ O Africano” e o” Brado Africano” caracterizavam –se pela


defesa dos interesses do homem negro, pela denúncia das arbitrariedades
cometidas sobre as populações nativas e pela defesa da prevenção de certos
valores da cultura moçambicana.

b) O Africano eo Brado Africano caracterizavam -se pela defesa dos interesses do


homem negro, pela denuncia das arbitrariedades cometidas sobre das
populações nativas e pela defesa das arbitrariedades cometidas sobre os
estudantes do país.

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

c) O Africano e o Brado Africano caracterizam –se pela defesa dos interesses do


homem moçambicana, pela denuncia das arbitrariedades cometidas sobre as
populações.

d)O Africano e o Brado Africano caracterizam- se pela denuncia das


arbitrariedades cometidas pelas populações de moçambique.

4. Os três vectores de conflitos que concorreram para o fim do jornal “ Brado


Africano”, foram:
a) Os conflitos com a igreja, com o governo e dentro do próprio jornal.

b) Os conflitos com a igreja,com a literatura e dentro do próprio jornal.

d) Os conflitos dentro do jornal e os conflitos com a igreja.


e) Os conflitos com a igreja e os conflitos com o jornal.

5.a) A primeira revista literária de Moçambiqe foi criada em 1881, na Ilha


de Moçambique, por João Albasini
b) A primeira revista literária de Moççambique foi criada em 1881, na Ilha
de Moçambique por Tomás António Gonzaga.
c) A primeira revista literária de Moçambique foi criada em 1881, na Ilha de
Moçambique por Campos de Oliveira.
d)A primeira revita literária de Moçambique foi fundada em 1881 na ilha de
Moçambique por Rui de Noronha.

Respostas:
Auto –avaliação
1- O Ultra romantismo defende: a igualdade, a fraternidade e a liberdade.
1.1-O culto do “eu”, o amor platónico,a morte, a melancolia…
1.2- O meu amigo A. do Rosário Alves.

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

2 – A imprensa coloca o problema da colonozação,dinamiza a arte e difunde


a opinião pública.
2.1- Foi o primeiro jornal que abordou a situação concreta do “Negro”
2.2- Faziam propaganda a favor da instrucção escolar.
3- Ronga e português
4- Rui de Noronha
5- Para além da literatura, Noronha, juntamente com Bandeira de Castro e
Estacio Dias, desenvolveu uma intensa actividade que se caracterizou pela
defesa dos interesses do Homem Negro, pela denuncia das arbitrariedades
cometidas sobre as populações nativas, defesa e prevenção de certos valores
da cultura moçambicana.

Avaliação
1. a)
2. a)
3. a)
4. a)
5. c)

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UNIDADE 7

A Modernidade Literária em Moçambique

Introdução

Aqui, estudaremos principalmente (mas não apenas) com a escrita de


Craveirinha que a literatura moçambicana vai ganhar um novo impulso e vai
«caminhar» para um comprometimento com a causa e com os ideais de
emancipação territorial. É uma escrita que profetiza e projecta, antes dos
ideais políticos desenvolvidos nos 60, pelos movimentos independentistas
africanos, a nação futura, a sua ansiedade e angústia (como poderemos
constatar nos poemas que serão apresentados).
Da mesma forma, poderemos observar os textos desta geração foram muito
influenciados pelos movimentos atrás referidos (Pan-africanismo,
Negritude, Nacionalismo etc.), ou seja, esta geração «leu» e «inspirou-se»
sobremaneira nestes movimentos, incluindo o Movimento da Renascença
Negra de Harlém (1919), numa aliança simbiótica com o Romantismo e,
sobretudo, com o Neo-Realismo português (e a sua ideologia Marxista-
Leninista), outro vector de influência que caracterizou esta geração.

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

 Conhecer os vectores que influenciaram a modernidade literária em


Moçambique;

 Identificar os autores e os respectivos textos desta geração literária;


Objectivos
Específicos  Identificar os temas abordados por esta geração.

Esta já se pode designar de moderna literatura moçambicana. Os poemas


desta geração são muito influenciados pelos movimentos atrás referidos, ou
seja, esta geração «leu» e «inspirou-se» sobremaneira nestes
movimentos, incluindo o Movimento da Renascença Negra de Harlém
(1919), numa aliança simbiótica
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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

com o Romantismo e, sobretudo, com o Neo-Realismo português (e a sua


ideologia Marxista-Leninista), outro vector de influência que caracterizou
esta geração.

Para elucidação, leiam-se os poemas de Noémia de Sousa, “Se me quiseres


conhecer” (este, dedicado a Antero) e “Deixa passar o meu povo”, cujo
título (traduzido) e o refrão (ipsis verbis) glosam a canção Let my people
go, inspirada no musical JAZZ, do renascentista negro norte americano,
Paul Robeson, membro do Partido Comunista Americano, criador da canção
com título homónimo que é, por sua vez, um empréstimo de uma ideia
Bíblica (de José):

Deixa passar o meu povo


Para João Silva

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de Sousa, Sangue negro, Maputo, 1988, pág. 57.

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Leiam-se, na mesma pespectiva, o “Grito Negro” e o “Poema do futuro


Cidadão”, de
José Craveirinha:

Grito Negro

Patrão! in Xigubo, Maputo, 1995, pág. 9.

Poema do futuro cidadão

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in Xigubo, Maputo, 1995, pág. 13.

Também ao nível do teatro americano figura o nome da Miriam Anderson,


muito glosada, como se constatou nos exemplos acima, pelos poetas desta
geração.

Na literatura (poesia) negra americana são ainda referenciados os nomes


de Langston Hughs, Claude Mekay e Sterling Brown. Estes, por sua vez,
inspiram-se nos folclores dos “spirituals” de música americana negra e
transportam-nos para a literatura, inspiram-se igualmente no musical “blue”
(canção de trabalho e de lamento).

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Como se pode constatar, ainda que de forma sintética (só para efeitos de
elucidação), os temas propostos nos musicais, nos textos literários, nos
teatrais (e noutros) e os propósitos conteudísticos dos poemas, vão
igualmente inspirar estas «vozes» emergentes da literatura moderna
moçambicana da época, numa simbiose insanável.

Para resumir, podemos destacar as seguintes tendências literárias dessa


moderna literatura moçambicana dos 50: em Orlando Mendes (1940 –
“Trajectória”, Coimbra; 1947, “Cinco poesias do Mar Índico”: o Negrismo
(visão negra por fora); o Movimento português da Presença e o Neo-
Realismo português; . em Noémia de Sousa (1948 – 1951 – período de
publicação): A Negritude e o Neo-Realismo português ; . em José
Craveirinha – a Negritude, o Neo-Realismo e a profecia do nacionalismo.

Como referimos, é principalmente (mas não apenas) com a escrita de


Craveirinha que a literatura moçambicana vai ganhar um novo impulso e
vai «caminhar» para um comprometimento com a causa e com os ideais de
emancipação territorial. É uma escrita que profetiza e projecta, antes dos
ideais políticos desenvolvidos nos 60, pelos movimentos independentistas
africanos, a nação futura, a sua ansiedade e angústia (como pudemos
constatar nos poemas lidos).

Esta é já uma escrita claramente divorciada dos cânones literários


portugueses e dos ditames temáticos da Metrópole. Neste sentido, o percurso
poético de Craveirinha confunde-se, de certo modo, com o percurso do
homem político. Craveirinha dá, por isso, testemunho a uma vaga de
escritores e poetas do seu tempo e da geração seguinte (da Independência
e da geração do pós-independência) ou, como se diz na terminologia actual,
da pós-colonialidade, que introduz novos paradigmas literários, aos quais
nos referimos mais adiante.

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

De forma sintética, vamos dar conta dos escritores/poetas das gerações


referidas no parágrafo anterior (incluindo Rui de Noronha, por ser
considerado o precursor desta geração), numa sequência que não tem
pretensões hierarquizadoras, mas apenas metodológicas. Dado o limite do
espaço, faremos apenas referência aos títulos mais significativos das suas
obras:

Rui de Noronha
Sonetos (1946), editado pela tipografia Minerva Central; Os Meus Versos,
Texto Editores, 2006 (Organização, Notas e Comentários de Fátima
Mendonça); Ao mata-bicho: Textos publicados no semanário «O Brado
Africano» Pesquisa e Organização de António Sopa, Calane da Silva e Olga
Iglésias Neves. Maputo, Texto Editores, 2007.

Geração da pós-colonialidade (alguns poetas transitaram da anterior para


esta) José João Craveirinha

É considerado o poeta maior de Moçambique. Em 1991, tornou-se o


primeiro autor africano galardoado com o “Prémio Camões”, o mais
importante prémio literário da língua portuguesa. Como jornalista, colaborou
nos periódicos moçambicanos “O Brado Africano”, “Notícias”, “Tribuna”,
“Notícias da Tarde”, “Voz de Moçambique”, “Notícias da Beira”, “Diário de
Moçambique” e “Voz Africana”.

Publicou os seguintes livros: Xigubo. Lisboa, Casa dos Estudantes do


Império, 1964. 2.ª ed. Maputo, Instituto Nacional do Livro e do Disco, 1980;
Cântico a un dio di Catrame (bilingue português/italiano). Milão, Lerici,
1966 (trad. e prefácio Joyce Lussu); Karingana ua karingana. Lourenço
Marques, Académica, 1974. 2.ª ed., Maputo, Instituto Nacional do Livro e
do Disco, 1982; Cela 1. Maputo, Instituto Nacional do Livro e do Disco,
1980; Maria. Lisboa, África Literatura Arte e Cultura, 1988; Izbranoe.
Moscovo, Molodoya Gvardiya, 1984 (em língua russa); Prémio Cidade de

149
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Lourenço Marques (1959); Prémio Reinaldo Ferreira do Centro de Arte e


Cultura da Beira (1961); Prémio de Ensaio do Centro de Arte e Cultura da
Beira (1961); Prémio Alexandre Dáskalos da Casa dos Estudantes do
Império, Lisboa, Portugal (1962); Prémio Nacional de Poesia de Itália
(1975); Prémio Lotus da Associação de Escritores Afro-Asiáticos (1983);
Medalha Nachingwea do Governo de Moçambique (1985); Medalha de
Mérito da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, Brasil (1987);
Prémio Camões (1991).
Noémia de Sousa - Publicou Sangue Negro (1988), Edicação da Associação
de Escritores Moçambicanos, Maputo.

Orlando Mendes
Trajectória (1940), Portagem (1966), Um minuto de Silêncio (1970) e A
Fome das Larvas (1975). Trajectória (1940), Portagem (1966), Um minuto
de Silêncio (1970) e A Fome das Larvas (1975).

Rui Knopfli
Temas e motivos poéticos: intimismo; procura de identidade; amor
melancolia; erotismos e afectos; simbologias (homens e natureza);
meditação do lugar; consciência da escrita estética.

Bibliografia: O País dos Outros, 1959; Reino Submarino, 1962; Máquina de


Areia, 1964; Mangas Verdes com Sal, 1969; A Ilha de Próspero, 1972; O
Escriba Acocorado, 1978; Memória Consentida: 20 Anos de Poesia 1959-
1979, 1982; O Corpo de Atena, 1984; O monhé das cobras (Poesia), 1997 ;
2005; Obra Poética, 2003.

Sebastião Alba
Poesias, Quelimane, Edição do Autor, 1965; O Ritmo do Presságio, Maputo,
Livraria Académica, 1974; O Ritmo do Presságio, Lisboa, Edições 70, 1981;
A Noite Dividida, Lisboa, Edições 70, 1982; A Noite Dividida,(O Ritmo do

150
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Presságio / A Noite Dividida / O Limite Diáfano), Lisboa, Assírio e Alvim,


1996; Uma Pedra Ao Lado Da Evidência, (Antologia: O Ritmo do Presságio
/ A Noite Dividida / O Limite Diáfano + inédito), Porto, Campo das Letras,
2000; Albas, Quasi Edições, 2003.

Luis Bernardo Honwana


Publicou Nós Matámos o Cão-Tinhoso em 1964. Em 1969, ainda em pleno
colonialismo e com a guerra colonial no auge, a obra é publicada em língua
inglesa (com o título de We Killed Mangy-Dog and Other Stories) e obtém
grande divulgação e reconhecimento internacional, vindo a ser traduzida
para vários outros idiomas. O aparecimento desta obra estabeleceu um novo
paradigma para o texto narrativo moçambicano. Na escrita dos contos que
compõem o volume, Honwana favorecia um estilo simples e econômico,
prestando atenção aos aspectos visuais das histórias.

Luís Carlos Patraquim


Monção. Lisboa e Maputo. Edições 70 e Instituto Nacional do Livro e do
Disco, 1980; A inadiável viagem. Maputo, Associação dos Escritores
Moçambicanos, 1985; Vinte e tal novas formulações e uma elegia carnívora.
Lisboa, ALAC, 1992. Prefácio de Ana Mafalda Leite Mariscando luas.
Lisboa, Vega, 1992, com Chichorro (ilustrações) e Ana Mafalda Leite ;
Lidemburgo blues. Lisboa, Editorial Caminho, 1997. O osso côncavo e
outros poemas (1980-2004). Lisboa, Editorial Caminho, 2005; Antologia de
poemas dos livros anteriores e poemas novos, com um texto de Ana Mafalda
Leite: O que sou de sobrepostas vozes.

Peças de teatro - Karingana; Vim-te buscar; D'abalada; Tremores íntimos


anónimos
(com António Cabrita).

Mia Couto

151
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

(Influências: Realismo mágico e ficção histórica) Poesia: Raiz de Orvalho,


publicado em 1983. Em 1999, a Editorial Caminho (que publica as obras de
Couto em Portugal) relançou Raiz de Orvalho e outros poemas que teve a
sua 3ª edição em 2001.

Contos - Nos meados dos anos 80, Couto estreou-se nos contos e numa nova
maneira de falar - ou "falinventar" - português, que continua a ser o seu "ex-
libris".

Nesta categoria de contos publicou: Vozes Anoitecidas (1ª ed. da Associação


dos Escritores Moçambicanos, em 1986; 1ª ed. Caminho, em 1987; 8ª ed. em
2006; Grande Prémio da Ficção Narrativa em 1990, ex aequo); Cada Homem
é uma Raça (1ª ed. da Caminho em 1990; 9ª ed., 2005); Estórias
Abensonhadas (1ª ed. Da Caminho, em 1994; 7ª ed. em 2003); Contos do
Nascer da Terra (1ª ed. da Caminho, em 1997; 5ª ed. em 2002); Na Berma
de Nenhuma Estrada (1ª ed. da Caminho em 1999; 3ª ed. em 2003); O Fio
das Missangas (1ª ed. da Caminho em 2003; 4ª ed. em 2004).

Crónicas - Publicou em livros algumas das suas crónicas, que faziam coluna
num dos semanários publicados em Maputo, capital de Moçambique:
Cronicando (1ª ed. em 1988; 1ª ed. da Caminho em 1991; 7ª ed. em 2003;
Prémio Nacional de Jornalismo Areosa Pena, em 1989); O País do Queixa
Andar (2003); Pensatempos. Textos de Opinião (1ª e 2ª ed. da Caminho em
2005); E se Obama fosse Africano? e Outras Intervenções (1ª ed. da
Caminho em 2009).

Romances
Terra Sonâmbula (1ª ed. da Caminho em 1992; 8ª ed. em 2004; Prémio
Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos em 1995;
considerado por um júri na Feira Internacional do Zimbabwe um dos doze
melhores livros africanos do século XX);

152
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

A Varanda do Frangipani (1ª ed. da Caminho em 1996; 7ª ed. em 2003); Mar


Me Quer (1ª ed. Parque EXPO/NJIRA em 1998, como contribuição para o
pavilhão de Moçambique na Exposição Mundial EXPO '98 em Lisboa; 1ª
ed. da Caminho em 2000; 8ª ed. em 2004); Vinte e Zinco (1ª ed. da Caminho
em 1999; 2ª ed. em 2004) ; O Último Voo do Flamingo (1ª ed. da Caminho
em 2000; 4ª ed. em 2004; Prémio Mário António de Ficção em 2001);

O Gato e o Escuro, com ilustrações de Danuta Wojciechowska (1ª ed. da


Caminho em 2001; 2ª ed. em 2003);

Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra (1ª ed. da Caminho em
2002; 3ª ed. em 2004; rodado em filme pelo português José Carlos Oliveira);
A Chuva Pasmada, com ilustrações de Danuta Wojciechowska (1ª ed. da
Njira em 2004);
O Outro Pé da Sereia (1ª ed. da Caminho em 2006) ;
O beijo da palavrinha, com ilustrações de Malangatana (1ª ed. da Língua
Geral
em 2006) ;
Venenos de Deus, Remédios do Diabo (2008);
Antes de nascer o mundo (2009).
Prémios - 1999 - Prémio “Vergílio Ferreira”, pelo conjunto da sua obra; 2001
- Prémio “Mário António”, pelo livro O último voo do flamingo; 2007 -
Prémio “União Latina de Literaturas Românicas”; 2007 - Prémio “Passo
Fundo Zaffari e Bourbon de Literatura”, na Jornada Nacional de Literatura.

Leite de Vasconcelos
Publicações póstumas: 1997 - "Resumos, Insumos e Dores Emergentes"
(poesia); 1999 - "Pela Boca Morre o Peixe" (crónicas); 2000 - "As Mortes
de Lucas Tadeu" teatro).

Albino Magaia

153
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Assim no tempo derrubado, Maputo, Instituto Nacional do Livro e do Disco,


1982 (poesia); Yô Mabalane!, Maputo, Cadernos Tempo, 1983 (novela);
Prefácio de Gilberto Matusse; Malungate, Maputo, Associação dos
Escritores Moçambicanos, 1987, Colecção Karingana (novela).

Calane da Silva
Dos meninos da Malanga, Maputo, Cadernos Tempo, 1982 (Poesia);
Xicandarinha na lenha do mundo, Maputo, Associação dos Escritores
Moçambicanos, 1988. Colecção Karingana (Contos) Capa de Chichorro,
Gotas de Sol. Maputo, Associação dos Escritores Moçambicanos, 2006.
Vencedor do concurso literário «Prémio 10 de Novembro», organizado
conjuntamente pelo Conselho Municipal da Cidade de Maputo e pela
Associação dos Escritores Moçambicanos quando do aniversário da capital
de Moçambique.

A Pedagogia do Léxico. O Estiloso Craveirinha. As escolhas leixicais


bantus, os neologismos luso-rongas e a sua função estilística e estético-
nacionalista nas obras Xigubo e Karingana wa Karingama. Maputo,
Imprensa Universitária, 2002, Publicação da tese de mestrado. Prefácio de
Mário Vilela, Nyembêtu ou as Cores da Lágrima. Romance. Lisboa. Texto
Editores. 2008.

Eduardo White
Amar sobre o Índico (1984); Homoíne (1987); País de Mim (1990); Prémio
Gazeta revista Tempo; Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser
Ave (1992); Prémio Nacional de Poesia; Os Materiais de Amor Seguido de
O Desafio à Tristeza (1996); Janela para Oriente (1999); Dormir com Deus
e um Navio na Língua (2001); bilingue português/inglês; Prémio
Consagração Rui de Noronha (Editora abirinto) As Falas do Escorpião
(novela; 2002); O Homem a Sombra e a Flor e lgumas ;Cartas do Interior
(2004). A sua poesia está exposta no Museu Valdu-

154
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Marne em Paris desde 1989. Em 2001 foi considerado em Moçambique a


figura
literária do ano.

Marcelo Panguana
As Vozes que Falam de Verdade. Maputo, Associação dos Escritores
Moçambicanos, 1987; A Balada dos Deuses. Maputo, Associação dos
Escritores Moçambicanos, 1991; Fazedores da Alma. 1999. Com Jorge
Oliveira, colectânea de entrevistas a personalidades da cultura
moçambicana; Os ossos de Ngungunhana, João Kuimba, Chico Ndaenda e
outros contos. 2006.

Aldino Muianga
Xitala Mati (contos), (1987); Magustana (novela), (1992); A Noiva de
Kebera (contos), (1999); Rosa Xintimana (romance), (2001); (Prémio
Literário TDM); O Domador de Burros (contos), (2003); (Prémio Literário
Da Vinci); Meledina ou história de uma prostituta (romance),(2004); A
Metamorfose (contos), (2005); Contos Rústicos (contos), (2007) e
Contravenção - uma história de amor em tempo de guerra (romance),
(2008);(Prémio José Craveirinha de Literatura).

Suleiman Cassamo
O regresso do morto. (Contos), Prefácio de Marcelo Panguana, Maputo,
Associação dos Escritores Moçambicanos, 1989. Colecção Karingana;
Lisboa, Editorial Caminho, 1997; Tradução para francês com o título Le
retour du mort. Paris, Chandeigne/Unesco, 1994; Amor de Baobá.

(Crónicas), Lisboa, Editorial Caminho, 1997; Maputo, Ndjira, 1998, Palestra


para Um Morto. (Romance), Lisboa, Editorial Caminho, 1999, Maputo,
Ndjira, 2000. Prémio Guimarães Rosa da Radio France Internacionale pelo
conto O Caminho de Phati (1994).

155
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Armando Artur
Publicou Espelho dos Dias (1986), O Hábito das Manhãs (1990),
Estrangeiros de Nós Próprios (1996), Os Dias em Riste (2002) – prémio
Consagração FUNDAC -, A Quintessência do Ser (2004) – prémio Nacional
de Literatura José Craveirinha -, No Coração da Noite (2007) e Felizes as
Águas (antologia de poemas de amor).

João Paulo Borges Coelho


Banda Desenhada: Akapwitchi Akaporo. Armas e Escravos, Maputo, Ed.
do Instituto Nacional do Livro e do Disco, 1981; No Tempo do Farelahi,
Maputo, Ed. do Instituto Nacional do Livro e do Disco, 1984 (o autor assina
apenas João Paulo).

Romance e Novela - As Duas Sombras do Rio, Editorial Caminho, 2003; As


Visitas do Dr. Valdez, Editorial Caminho, 2004; Índicos Indícios I.
Setentrião, Editorial Caminho, 2005; Índicos Indícios II. Meridião, Editorial
Caminho, 2005; Crónica da Rua 513.2, Editorial Caminho, 2006; Campo de
Trânsito, Editorial Caminho, 2007; Hinyambaan, Editorial Caminho, 2008;
O Olho de Hertzog, LeYa, 2010.

Lília Momplé
Ninguém matou Suhura. Maputo, Associação dos Escritores
Moçambicanos, 1988, Colecção Karingana, n.º 7 - Cinco contos baseados
em factos verídicos da época colonial; Neighbours. Maputo, Associação dos
Escritores Moçambicanos, 1995. 2.ª ed., 1999. Colecção Karingana, n.º 16 -
Ilustração da capa: óleo de Catarina Temporário; Os olhos da cobra verde.
Maputo, Associação dos Escritores Moçambicanos, 1997. Colecção
Karingana, n.º 18.

156
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Ungulani Ba Ka Khosa
vencedor do Prémio José Craveirinha de Literatura de 2007, com a obra Os
sobreviventes da noite; 2002 Ualalapi considerado um dos 100 melhores
romances africanos do século XX; 1990 ganhou o Grande Prémio de Ficção
Moçambicana com Ualalapi Obras publicadas: Ualalapi, 1987 (romance;
ganhou o grande prémio de ficção Moçambicana em 1990); Orgia dos
Loucos, 1990 (edição da Associação dos Escritores Moçambicanos);
Histórias de Amor e Espanto, 1999; No Reino dos Abutres, 2002; Os
sobreviventes da noite, 2007.

Paulina Chiziane
Balada de Amor ao Vento:, 1.ª ed., 1990; Lisboa, Caminho, 2003. Ventos
do Apocalipse, Maputo, edição do autor, 1993; Lisboa, Caminho, 1999; O
Sétimo Juramento. Lisboa, Caminho, 2000; Niketche: Uma História de
Poligamia, Lisboa, Caminho, 2002, Maputo, Ndjira, 2009, 6ª edição. O
Alegre Canto da Perdiz. Lisboa, Caminho, 2008.

Prémio “José Craveirinha” de 2003, pela obra Niketche: Uma História de


Poligamia Podemos afirmar que, na tendência actual da leitura, a poesia é
relativamente pouco procurada pelos moçambicanos, preferindo estes a
prosa. No entanto, nesta categoria destacam-se brilhantes escritores como
Campos Oliveira, Rui de Noronha, José Craveirinha, Noémia de Sousa,
vencedor do Prémio Camões, Eduardo White, Armando Artur, etc.

Para terminar, sem concluir e, tendo em conta os títulos das obras literárias
ao nosso dispor, podemos considerar que na prosa moçambicana - esta sim,
embora jovem, considerada um elemento vital e prodigioso na Literatura
Lusófona – se destacam, primeiramente, Mia Couto, talvez o mais influente
autor moçambicano, vencedor do Prémio União Latina de Literaturas
Românicas de 2007, Ungulane Ba ka Khosa, Suleiman Cassamo, Paulina
Chiziane, Calane da Silva, Aldino Muianga, Marcelo Panguane, entre outros.

157
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Mário de, Prefácio à Antologia Temática de Poesia Africana I,


na noite grávida de punhais. Livraria Sá da Costa, 2ª ed., Lisboa, 1977.
_________________ Prefácio a Cadernos de Poesia Negra de Expressão
Portuguesa, C.E.I., Lisboa, 1953.
CARRILHO, Maria, Sociologia da Negritude, Edições 70, Lisboa, 1976.
FANON, Frantz, Peles Negras, Máscaras Brancas, Paisagem, Porto, 1975.
FERREIRA, Manuel, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa,
Instituto de Cultura Portuguesa, VOL. 2, Lisboa, 1977.
_________________ No Reino de Caliban I, II e III, Plátano, Lisboa, 1985.
_________________ O Mancebo e Trovador Campos Oliveira, Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1985.
HAMILTON, Russel G, Literatura Africana, Literatura Necessária II.
Edições 70, Lisboa, 1984.
KNOPFLI, Rui, “Breve relance sobre a actividade literária”, Facho, nrº 30.
Ed. Sonap, Lourenço Marques, Set/Outubro, 1974.
LEITE, Ana Mafalda, A Poética de José Craveirinha, Colecção “Palavra
Africana”, Vega, Lisboa, 1991.
MARGARIDO, Alfredo, Estudos sobre literaturas das Nações Africanas de
Língua Portuguesa, A regra do Jogo, Lisboa, 1980.
MARTINHO, Fernando J. B, “Karingana ua Karingana de José
Craveirinha”, Cadernos de Literatura, Coimbra, (1982?), p.p. 34-41.
MATUSSE, Gilberto, “A Subida em aproximação à morte – o progresso
tecnológico num poema de Craveirinha e dois de Knopfli”, Limani 4, Maio,
1988, p. 75-82.
MENDES, Orlando, Sobre Literatura Moçambicana, INLD, Maputo, 1978.
MENDONÇA, Fátima, Literatura Moçambicana – A Histótia e as Escritas,
Faculdade de Letras e Núcleo Editorial da UEM, Maputo, 1988.

158
o
40 5
1´E

ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

MOSER, Gerald. Essays in Portugues African Literature, University Park,


Pennsylvania State University, 1969.
ROCHA, Ilídio, “Sobre as origens de uma literatura moçambicana de
expressão portuguesa: raízes e consciencialização”, In Les Litteratures
Africaines de langue portugaise – À la recherche de l’ identité individuelle
et nationale (Actes du colloquein international), Paris, Foundation Calouste
Gulbenkian. Centre Culturel Portugais, 1985, p.p. 407-410.
TENREIRO, F.J. e ANDRADE, Mário Pinto, Poesia Negra de Expressão
Portuguesa, África, Lisboa, 1982.

Sumário

Nesta Unidade estudamos e discutimos fundamentalmente aspectos


relacionados com os factores que influenciaram esta geração literária, os
autores e os textos desta geração.

Exercícios da Unidade temática

I Auto - Avaliação

159
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

1. Enumere os movimentos que influenciaram a moderna literatura


moçambicana.

2.O poema “ Deixa Passar o meu povo”de Noémia deSousa deixa


transparecer as marcas que influenciaram a sua escrita. Transcreva duas
passagens ilustrativas, do fenómeno.

2.1 Ainda neste poema, Noémia deixa transparecer o desejo de retomar as


suas raízes. Transcreva uma passagem ilustrativa.

3.Rui de Noronha é considerado pela critica como percursor da literatura


moçambicana moderna, publicou uma obra. Indique – a.

4. Por que razão se aponta mérito a José Craveirinha como o escritor que deu
um novo impulso à Literatura Moderna Moçambicana?

5.. Tendo em conta os títulos das obras literárias ao nosso dispor, embora
jovem, podemos considerar que temos um elemento vital e prodigioso na
Literatura Lusófona. Destaque os nomes de alguns autores moçambicanos.

160
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

IIAvaliação

1. Assinale com o V as respostas verdadeiras:


Alguns movimentos literários influenciaram a escrita dos autores seguintes:

a) Orlando Mendes ( o Negrismo; o Movimento português da Presença e o Neo-


Realismo português.------------
b) Noémia de Sousa (Negritude e o Neo-Realismo português) ----------
c) José Craveirinha ( a Negritude, o Neo-Realismo e a profecia do
nacionalismo) .---------------------
d)Lilia Momplé( o romantismo e o pan africanismo.----------

2. Nas obras de Mia couto assinale com o V ( verdadeira) e F ( falsa) as


álineas que se seguem:

a) Crónicas - Raiz de Orvalho


b) Romances - Terra Sonambula, Vinte e Zinco, o Último Vou do Flamingo,
c) Contos - Cronicando, O País do Queixa Anda, Pensatempos
d) Poesia - Vozes Anoitecidas, Homem é uma Raça

3.Os três títulos de obras de Paulina Chiziane, assinale com X a resposta


correcta.

a) Ventos do Apocalipse, Nikectche, Amor de Boaba.


b) Balada de Ao vento, Ventos do Apcalipse, a Varanda de Frangipane
c) Niketche: Uma Historia de Poligamia, Ventos do Apocalipse, Xitalamati.

161
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

d) d) Balada de Amor ao Vento; Ventos do Apocalipse; Niketche: Uma História


de Poligamia.
e) Assinale com o X a resposta correcta:
f)
g) 4. a)Ualalapi, escrito por Paulina Chiziane, foi considerado um dos 100 melhores
romances africanos do séculoXX.
b)Ualalapi, escrito por Noémia de Sousa, foi considerado um dos melhores
ramances africano do século XX.
c)Ualalapi, escrito por Llia Momplé,foi considerado pela critica um dos melhores
romances africanos do século XX.
d) Ualalapi, escrito por Ungulani Ba Ka Khossa, foi considerado pela cítica um
dos melhores romances africanos do século XX.

Assinale com o X aresposta correcta:<<

5.a) Luis Bernado Honwana em 1964 publicou a obra “ Matamos o Cão Tinhoso”.
b) Suleimane Cassamo em 1964 publicou a obra “Nós Matamos o Cão Tinhoso”.
c) Albino Magaia em 1964 publicou a obra “Nós Matamos o Cão Tinhoso”.
d) Aldino Muianga em 1964 publicou a obra “Nós Matamos o Cão Tinhoso”.

Respostas:
Auto - avaliação
1- Pan-africanismo, Negritude, Renascença Negra.
2- As vozes da América remexem – me a alma e os nervos.;
- Robeson e Mariam canta para mim Let My …
2. 1” Sons longíquos de marimbas chegam até mim “.
3 – “ Os Sonetos”
4 – Craveirinha apresenta uma escrita que profetiza e projecta.
Ele dá testemunho a uma vaga de escritores e poetas do seu tempo e da
geração seguinte.
5 – Mia Couto, Ungulani Ba Ka Cossa, Suleimane Cassamo, Luís
Patraquim, Calane da Silva Aldino Muianga.

162
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Avaliação
1. a)V
b) V
c) V
d)

2. a) F
b) V
c) F
d) V
3.d)
4. d)
5.)a)

UNIDADE 8

Panorama Histórico da Literatura Moçambicana pós-independência

Introdução

Depois de termos visto que a primeira literatura escrita produzida em


Moçambique é essencialmente de descendentes e/ou de portugueses, com
todas as características, na temática e na forma, da que então se produzia em
Portugal. Nesta unidade, veremos que só nos meados do século XX a
literatura africana atingiu a consciência do mundo exterior e isso porque
uma nova geração de escritores reconhecidos escolheu recorrer às línguas
europeias.

163
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Por seu turno, Eugénio Lisboa, criticando a questão abusiva da


moçambicanidade, apresenta as seguintes interrogações suspensas e as
respectivas reflexões:
«O que é afinal ser-se moçambicano, enquanto poeta? Ter os problemas
mais comuns à gente de Moçambique? Quais problemas? Serão esses os
únicos legítimos para um poeta que cá se exprime? Então os problemas
universais serão porventura apátridas? (…).
Não menos importante, destacamos os factores de natureza endógena, as
temáticas abordadas antes e depois da independência e as novas
combinações entre as diferentes áreas do Conhecimento e a Literatura.

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

 Conhecer o panorama Histórico da Literatura Moçambicana pós-


independência;

 Conhecer as temáticas abordadas antes e depois da independência;


Objectivos
Específicos  Relacionar a literatura com as diferentes áreas do saber;

 Conhecer os factores de natureza endógena.

Os autores africanos que se iniciaram na escrita literária ou que escreveram


a partir de África, subsidiários da língua e da literatura portuguesas, vão ao
encontro da produção textual que normalmente se inicia e se desenvolve no
jornalismo, como referimos nos apontamentos iniciais desta brochura, que
depois transita para o texto literário tradicional, como é o caso do poema, da
crónica e do romance.27

27
São três as condições prévias ao aparecimento de todas as literaturas africanas:
(i) a eliminação do tráfico de escravos; (ii) a introdução da Tipografia e,
consequentemente, da Imprensa e (iii) a criação de uma rede escolar. A evolução
da literatura escrita em Moçambique tem uma ligação directa com o surgimento da
Imprensa.

Como anotou Margarido, a imprensa da época «aborda os problemas da burguesia


do momento, a qual (…) se vê muito depressa ultrapassada pelo aparecimento de
fenómenos económicos consecutivos à exploração intensiva do país (…). A

164
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

A primeira literatura escrita produzida em Moçambique é essencialmente de


descendentes e/ou de portugueses, com todas as características, na temática
e na forma, da que então se produzia em Portugal.

A introdução nessas obras de alguns elementos do exotismo, bebidos na


observação artificial, quase sempre desdenhosa da paisagem humana e física
de Moçambique, não altera o carácter estrangeiro dessa literatura, que se
designa por colonial (ou ultramarina, ou ainda portuguesa em África).

Esta literatura incumbe-se também de veicular os álibis morais da ocupação


colonial, deturpando, de certa forma, e mistificando as relações entre
colonizadores e colonizados e criando a ilusão de uma interacção cultural
pacífica entre as duas partes, numa contradição insanável.

Só nos meados do século XX a literatura africana atingiu a consciência


do mundo exterior e isso porque uma nova geração de escritores
reconhecidos (casos de João Dias, autor de Godido e outros contos, Orlando
Mendes, com Portagem e poemas vários, de José Craveirinha, com
Karingana ua Karingana, Xigubo e outras colectâneas, de Noémia de Sousa,
em Sangue Negro, de Luís Bernardo Honwana, com Nós Matámos o Cão
Tinhoso, etc.) escolheu recorrer às línguas europeias. Por mais paradoxal que
possa parecer, as línguas africanas não se constituíram como
veículos de escrita literária pelo facto de serem línguas ágrafas e, por isso,
de matriz oral e também por razões políticas (para prevenir, por exemplo,
conflitos de natureza étnico-tribal).

imprensa colocará, então, o problema da colonização de Moçambique (…). Em torno


do Jornal Brado Africano, reunir-se-ão com esse objectivo negros, mestiços, às
vezes indianos e mesmo, embora raramente, brancos.» (Alfredo MARGARIDO,
1980: 67)

165
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Sem se pretender alimentar polémicas em torno desta questão da


nacionalidade literária (porque, ainda está longe de se achar uma solução
de consenso), é deveras importante levantar algumas questões e recordar
velhos problemas que sempre se colocaram em torno de escritores que
partilharam, tanto emocional, afectiva, como literariamente, o espaço e a
vida espiritual portugueses e o espaço e a vida material e espiritual africanos.

Eugénio Lisboa, criticando a questão abusiva da moçambicanidade,


apresenta as seguintes interrogações suspensas e as respectivas reflexões:

«O que é afinal ser-se moçambicano, enquanto poeta? Ter os problemas


mais comuns à gente de Moçambique? Quais problemas? Serão esses os
únicos legítimos para um poeta que cá se exprime? Então os problemas
universais serão porventura apátridas? (…).

(…) Os problemas universais são problemas de todas as pátrias. É


simplesmente ridículo, em relação a alguns génios, por natureza
universalistas e não demasiado radicados a um húmus específico, andar a
levantar deslocadas questões de problemática local, a pretexto de um
comportamento social que a este tipo de homens precisamente se não deve
pretender impor.

Literatura não é sociologia: reflecte, quando muito, emocionalmente, em


poetas de certo tipo, uma realidade social que profundamente os marcou.
Podemos pessoalmente, por temperamento e formação, preferir (uma ou
outra); trata-se de razões pessoais.

Poder-se-ia, quando muito, avançar um julgamento de natureza moral que


conferiria ao poeta comprometido as palmas merecidas por uma
generosidade mais aberta.

166
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

As independências dos países africanos de expressão portuguesa vieram, a


seu tempo e até à actualidade, agitar novamente um velho problema: o da
atribuição da nacionalidade literária, que muitas vezes se verificou e se
verifica não coincidir com a nacionalidade política ou com a civil.

8.1.Literatura escrita moçambicana do período pós-independência

A literatura moçambicana deste período não se mostra distante do que são as


manifestações literárias dos restantes Países Africanos de Língua Oficial
Portuguesa (PALOP). De uma maneira particular, pode-se afirmar que, para
o estudo desta literatura (moçambicana), na actualidade, é importante ter-se
em atenção alguns factores de natureza endógena, como os seguintes:

(i) a diversidade estilística das escritas da literatura moçambicana: se no


período anterior à Independência (e até lá) Moçambique era conhecido como
o país dos poetas, depois desse marco histórico-político, a escrita literária
passou (não de forma linear, nem exclusivista, sublinhe-se) a ser dominada
pela prosa. Podemos citar os casos de Mia Couto, Paulina Chiziane, Calane
da Silva, Ungulane Ba Ka Kosa,Suleimane Cassamo, Aníbal Aleluia, Albino
Magaia, Marcelo Panguana, entre outros.

(ii) a não existência, até ao momento de uma teorização consolidada da


História da Literatura Moçambicana, numa relação com as correntes de
pensamento académico, político, social, histórico e literário das hipotéticas
diferentes épocas.

Este vazio na História Literária associa-se a uma outra situação, que tem a
ver com a abordagem tardia (e ainda muito incipiente) da Teoria da
Literatura Moçambicana, o que resulta numa insuficiência da ciência
literária virada para a Literatura Moçambicana, facto que se verifica na
actualidade, como se pode constatar a seguir:
(iii) a ausência de uma política de edição/publicação de textos literários.

167
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Qualquer sujeito que tome a iniciativa de escrita literária, com ou sem


critérios, pode patrocinar (a pedido ou não) edições para a publicação, sem
que se tenha avaliado a qualidade da proposta de escrita do cândido a texto
literário. Esta situação deve-se ao facto de não existir uma espécie de
instância reguladora nesta área, que não deve ser confundida com censura.
Esta instância podia assumir a forma de crítica literária (também ausente);

(iv) a inexistência de uma crítica literária regular e, de certo modo,


reguladora, seja popular (de senso comum) jornalística, académica
(universitária), ou de outro tipo, permite a proliferação de tipos de escrita
mais ou menos ao gosto de quem escreve.

Neste momento, tem-se a percepção de existência de uma espécie de um caos


ao nível da crítica literária moçambicana. É uma das áreas do saber que
necessita, com alguma urgência, de um impulso, de uma dinamização e até,
se possível, de uma institucionalização.

Neste sentido, está-se em crer que organismos como a Associação de


Escritores Moçambicanos, os jornais de especialidade (ou as páginas
culturais dos jornais generalistas), os académicos estudiosos dos fenómenos
literários e das ciências sociais, da linguagem, de outras manifestações
culturais em geral e outros organismos afins, como os Ministérios da Cultura
e da Educação, através das Escolas, por exemplo, deviam unir esforços no
sentido da materialização deste projecto de criação de uma dinâmica em
torno das acções inerentes à crítica literária, no sentido de regulação. Não há
jogo sem regras!

Não se propõe, de maneira nenhuma, uma espécie de censura ou de expurga


de qualquer espécie de escrita, antes pelo contrário, deseja-se que propostas
de textos de qualidade sejam dados ler ao público e que textos sem qualidade
mínima desejável sejam propostos para melhoramentos.

168
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Considera-se ainda que seria nesse âmbito que a crítica teria um papel
preponderante pois não só constituiria um instrumento de regulação e de
orientação do leitor, mas contribuiria igualmente para o cultivo do bom gosto
estético, de leitura e para a melhoria de qualidade das novas produções
literárias.

(v) O problema da definição das grandes linhas de força temáticas e formais


(de uma espécie de ‘escolas, de pensamentos literários’ que integram a
Literatura de Moçambique. Neste tópico, pareceram efémeras as iniciativas
tidas para um certo ‘balizamento’ estético-temáticos, particularmente nas
décadas de 80 e 90 do século passado, em torno de Msaho, da revista da
UEM-(Universidade Eduardo Mondlane –Maputo), do NELIMO (Núcleo de
Estudos de Línguas Moçambicanas) entre outras.

Estas iniciativas deviam ter continuado, mas minguaram pouco depois de


brotarem. Vários factores poderão ter contribuído para este estado de coisas,
desde a falta de académicos, intelectuais, de homens das artes e letras, em
geral, especializados ou
interessados nestas matérias, à falta de uma cultura de leitura, tanto em
ambiente familiar, como em ambiente institucional, associados à ausência de
motivação para o efeito e, do ponto de vista social, ao desfocamento no país
de uma classe média culta significativa. Dos poucos integrantes desta classe,
a preocupação, em geral, é a satisfação das necessidades básicas existenciais.

Associa-se a estes factores, a situação de carências de vária ordem que


caracterizou
o país depois da Independência Nacional em 1975, associada à guerra civil
que
eclodiu quase em simultâneo, após o abandono do país dos quadros
portugueses.
Nesta perspectiva, salvo algumas excepções, podem ser constatados, de uma

169
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

maneira geral, alguns aspectos que se podem considerar comuns aos


PALOP’S(Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), ao nível da
produção e da dinâmica literárias:

8.2.Temáticas:
Antes das independências
Para além da literatura subsidiária da estética literária da Metrópole
(Portugal) e marcada pelo gosto pelo exótico das terras, das gentes e da
cultura indígena africanas (a chamada Literatura Colonial), pontificou,
sobretudo através da poesia, uma forma de expressão literária de aspiração
libertadora, esta última foi fortemente influenciada por factores de natureza
ideológica (Marxismo) e política (pretensão da Independência).

Depois das independências (meados da década de 70 do século findo)


Imediatamente após as Independências políticas dos países africanos, na
metade da década de 70 do século passado e aliado ao abandono das colónias
africanas em massa de intelectuais portugueses, reflecte-se e manifesta-se
um tipo de escrita, por parte dos poucos escritores e intelectuais que
permaneceram no país e por parte de outros nacionais (quase residuais,
emergentes, ou com pretensões a tal) que tinham uma expectativa elevada
em relação aos processos de emancipação e de construção das novas nações
africanas, um certo desencanto e distopia.

Esta desilusão vai surgir na sequência dos processos de euforia


independentista criados pelo momento histórico-político, o que no imediato
se revelou de expectativas frustradas (sobretudo por parte dos intelectuais
e dos homens das letras – muito poucos, refira-se – nacionais e dos
portugueses indecisos que tinham permanecido no país).

Esta situação de angústia e de desencanto originou, de certo modo, uma


queda de quantidade e de qualidade na escrita literária, em resultado, é
importante que se refira também, da saída em massa dos intelectuais para

170
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Portugal, na sequência das revoluções independentistas. Até ao final da


década de 80, pouco ou quase nada foi escrito, no género literário,
particularmente em Moçambique.

Como nos referimos antes, logo após a Independência, outra situação


político-social condicionou a actividade sócio-económica e artística, de uma
forma muito marcada, referimo-nos à guerra civil que eclodiu de imediato.
Neste sentido, esta situação político-social condicionou uma certa escrita (ao
nível da temática) que se pode caracterizar como da angústia da guerra, na
fase da vigência desta; (Mia Couto com Vozes Anoitecidas, pode ser um
dos exemplos da eleição desta temática).

Antes das independências:


As expressões literárias eram maioritariamente líricas e a poesia era a
modalidade eleita.

8.3.Depois das independências:


Pontifica a prosa, sendo o conto, o género mais cultivado, talvez porque se
constitui como um subgénero próximo da riquíssima fonte da escrita
africana, que é o património cultural e social, de transmissão e perpetuação
orais, aliás, a maior parte da escrita moçambicana em prosa procura, alguns
processos estilísticos e discursivos, estabelecer uma simbiose com os
processos inerentes às manifestações culturais autóctones Bantu, tais são os
casos de lendas, fábulas (muito produtivas nas culturas africanas, que são,
maioritariamente de tradição oral).

Aliam-se ainda a esse património cultural, as adivinhas, os adágios


populares, as canções das mulheres na fonte (de água), no cultivo da terra ou
ainda as canções para embalar a criança, para lembrar (matar saudades) do
homem que partiu (por exemplo, para o trabalho duro nas Minas da África
do Sul) e que não se sabe se voltará ou, se voltar, se estará ainda vivo, entre

171
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

outras manifestações. Este legado do património cultural popular é muito


marcado na produção literária em prosa, tome-se o exemplo, de Suleimane
Cassamo, com O Regresso do Morto, O Niketche, de Paulina Chiziane,
entre outros).

Após os dois períodos anteriores, marcados, basicamente por um sentimento


de disforia, pelas razões a que nos referimos (isto desde 1975 até aos finais
dos anos 80 do século passado), verifica-se, a partir dos anos 90 do referido
século, uma certa mudança de paradigma, na escrita literária
moçambicana.

Na verdade, consolida-se, em termos formais, a eleição da prosa como


processo estilístico de bandeira e introduzem-se, na perspectiva de
MARTINHO, Ana Maria, novas combinações entre as diferentes áreas do
Conhecimento He a Literatura, a saber, entre:

Literatura e Conhecimento em África (Jesusalém, p. 69, de Mia Couto, é


um dos
exemplos):

«Andámos horas , ignorando perigos. Quando chegámos, enfim, ao portão


da saída, o meu coração sobrepulou. Estremeci, aterrado. Nunca nos
aventurámos tão longe. Era ali que ficava a cabana em que vivia Tio
Aproximado. Entrámos: estava vazia. (...) Quando o portão se escancarou,
vimos que a tão proclamada estrada não passava de um magro trilho, quase
indistinto, invadido pelo capim e pelos morros de muchém.
Todavia, para Ntunzi o atalhozito surgia como uma avenida cruzando o
centro do universo. Aquele estreito fiozinho alimentava a ilusão de haver um
lado de lá».

Literatura e História (Ualalapi, de Ungulani Ba Ka Khosa, é o exemplo):

172
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

«Estes homens da cor de cabrito esfolado que hoje aplaudis entrarão nas
vossas aldeias com o barulho das suas armas e o chicote do comprimento
da jibóia.

Chamarão pessoa por pessoa, registando-vos em papéis que … vos


aprisionarão. Os nomes que vêm dos vossos antepassados esquecidos
morrerão por todo o sempre, porque dar-vos-ão os nomes que bem lhes
aprouver (...) como se não bastasse a palavra, a palavra que vem dos nossos
antepassados, a palavra que impôs a ordem nestas terras sem ordem, a
palavra que tirou crianças dos ventres das vossas mães e mulheres. O papel
com rabiscos norteará a vossa vida e a vossa morte, filhos das trevas».

- Outro exemplo de Mia Couto, desta feita de O Outro Pé da Sereia, p. 61:


«A nau Nossa Senhora da Ajuda acaba de sair do porto de Goa rumo a
Moçambique.
Cinco semanas depois, em Fevereiro de 1560, chegará à costa africana.Com
a Nossa Senhora da Ajuda seguem mais duas naus: São Jerónimo e São
Marcos.

Nos barcos viajam marinheiros, funcionários do reino, deportados,


escravos. Mais do que todos, porém, a nau conduz D. Gonçalo da Silveira,
o provincial dos jesuítas na Índia Portuguesa. Homem santo, dizem. O
jesuíta faz-se acompanhar pelo padre Manuel Antunes, um jovem sacerdote
que se estreava nas andanças marítimas.

O propósito da viagem é realizar a primeira incursão católica na corte do


Império do Monomotapa. Gonçalo da Silveira prometeu a Lisboa que
baptizaria esse imperador
Negro cujos domínios se estendiam até ao Reino de Prestes João. Por fim,
África
inteira emergiria das trevas e os africanos caminhariam iluminados pela luz
cristã.

173
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

A estátua de Nossa Senhora, benzida pelo Papa, é o símbolo maior desta


peregrinação».

Literatura e Cultura (O Regresso do Morto, de Suleimane Cassamo)


Ficção Etnográfica e Crítica Cultural (Nicketche, de Paulina Ciziane, é a
ilustração):

«Vou visitar a tia Maria e la conta-me histórias da poligamia. Casada pela


primeira vez aos dez anos, o casamento foi encomendado antes do seu
nascimento. O pai tinha uma dívida, não consegui pagar impostos e disse ao
cobrador de impostos: a minha mulher está grávida, se nascer uma menina
entregá-la-ei como pagamento. E assim foi. Aos dez anos tornou-se vigésima
quinta esposa de um rei».Niketche, Paulina
Chiziane, p.72.

Memória e Discussão da Condição Pós-colonial (O Outro pe da Sereia, de


Mia
Couto e Choriro, de Ungulani) Ba Ka Khosa)
Literatura, Regionalismo e Universalismo (nas Crónicas de Mia Couto em
O País do Queixa Andar)

Para concluir, podemos referir que no panorama da literatura moçambicana


que se produz no período pós-independência, um novo paradigma se impõe:
o de uma certa escrita que, se poderia designar etnográfica, por ser
subsidiária da voz colectiva popular, ou melhor, do património cultural
colectivo, da memória ancestral, que tem nos escritores uma espécie de
‘porta-vozes’ desse património e não necessariamente de autores textuais
(pois estes textos de património colectivo são seculares e de ‘autoria’ vária e
indeterminada, ou indefinida), mas sim do discurso, ou melhor, da textura
dos mesmos.

174
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

A este propósito, Martinho, A. M., in Memória e experiência etnográfica (op.


cit.)refere ainda que é importante referir que, ao olharmos para a literatura
pós-colonial em África, aquilo que vemos são na verdade autores que
transportam diferentes graus de exposição sob o regime colonial e que se
relacionam com o novo sistema de acordo com formas de identificação
também de exposição em tudo diferenciada.

Ainda assim, necessitam ser entendidos sob um paradigma que muda


apenas na medida em que permite ao sistema sobreviver e ficar activamente
engajado nas políticas colectivas.

Os escritores africanos sempre aspiraram escrever em nome de uma voz


colectiva e pretenderam ser reconhecidos como essa voz colectiva. Isto foi
frequentemente traduzido por ansiedade sobre limites de legibilidade e
legitimidade.

De facto, a sociedade marxista, ao tornar-se o sistema póscolonial, embora


contraditória em muitas instâncias com o vernáculo, permitiu a inscrição de
múltiplas vozes, sob a imagem homogénea de comunidade. É perfeitamente
adequada a ideia, uma vez que facilitou os instrumentos para a identificação
colectiva com o espaço memorial. Os intelectuais conceberam a sua
participação através dessa aspiração. A mimetização do outro colectivo foi
explorada extensivamente através do seu trabalho.

BIBLIOGRAFIA
FERREIRA, Manuel (1979), Literaturas Africanas de Expressão
Portuguesa. – s/l: Instituto de Cultura Portuguesa, (2º vol.: Intróito Angola,
Moçambique).
________________ (1985-1988), No Reino de Caliban: Antologia
Panorâmica da poesia africana de expressão portuguesa. – Lisboa: Plátano,
D.L. 1985 - D.L. 1988 – 3º vol. (Moç.) – D.L.1985.

175
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

_________________ (1989), O Discurso no Percurso Africano I; contributo


para uma estética africana. – Lisboa: Plátano, D.L..
GOENHA, Agostinho, A Função Simbólica da personagem, Maputo,
AMOLP/Instituto Camões, 2002.
LISBOA, Eugénio (1984), Crónica dos Anos da Peste. – Lisboa: Imprensa
Nacional- Casa da Moeda.
MARGARIDO, Alfredo (1980), Estudos sobre Literaturas das Nações
Africanas de Língua Portuguesa. – Lisboa: A Regra do Jogo.
MARTINHO, Ana Maria Mão de Ferro Martinho, (Ensaios não editados)
Berkeley, Setembro de 2009.

Sumário

Nesta Unidade temática estudamos e discutimos alguns factores de natureza


endógena, as temáticas literárias vigentes antes e depois da independência e
as novas combinações entre as diferentes áreas do Conhecimento e a
Literatura, e as respectivas obras literárias correspondentes.

Exercícios da Unidade temática

I Auto - avaliação

1. As independências dos países africanos de expressão portuguesa vieram,


a seu tempo e até à actualidade, agitar novamente um velho problema.
Identifique o velho problema em alusão.
2. Para o estudo desta literatura (moçambicana), na actualidade, é importante
ter-se em atenção alguns factores de natureza endógena. Cite-os.
3.Na abordagem da Literatura Moçambicana tem-se a percepção de
existência de uma espécie de
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um caos ao nível da crítica literária moçambicana. A que se deve tal


percepção?
4. Apresente as temáticas literárias vigentes antes da independência em
Moçambique.
5. Depois das independências a temática literária pontifica a prosa, sendo o
conto, o género mais cultivado. Justifique tal tendência.

II Avaliação

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1. Sobre as línguas africanas nas literaturas, assinale com o X a


alternativa correcta:
2.
3.
4. 1. a) As línguas africanas não se constituíram como veículos de escrita
literária pelo facto de serem línguas ágrafas e, por isso, de matriz oral e
também por razões políticas.

b) b) As línguas africanas não se constituíram como veiculo da escrita


literária pelo facto de serem línguas dos povos colonizados
c) c) As línguas africanas não se constituíram como veículos de escrita
literárias pelo facto de serem ágrafas .
d) d) As línguas africanas não se constituíram como veículos da escrita
literárias por razoes politicas.

2. 2. Algumas obras de autores moçambicqanos estão ligadas a uma


árearea de conhecimento. Assinale com o V a alternativa correcta e F
a alternativa incorrecta:

a)Literatura e Conhecimento em África (Jesusalém) ----- Mia Couto.--


----

b) Literatura e História (Ualalapi)—Ungulani Ba Ka Khossa. ------


Ca
c)Literatura e Cultura (O Regresso do Morto) ---- Suleimane
Cassamo. --------

178
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d)Ficção Etnográfica e Crítica Cultural (Nicketche) ---- Paulina


Chiziane. ----
e) Memória e Discussão da Condição Pós-colonial (O Outro pé da
Sereia e Choriro). ---- Albino Magaia.-------
f). Literatura, Regionalismo e Universalismo (O País do Queixa
Andar). ------f) Orlando Mendes. ------

3. No século XX, alguns escritores moçambicanos produziram


obras literárias que entraram para a história da literatura
africana e atingiram a consciência do mundo.
Assinale com o F a alternativa incorrecta:

Autor Obra
a) João Dias ----- Portagem ---------
b) Noémia de Sousa -----Sangue Negro -------
c) Orlando Mendes ------Godido e outros Contos -----
d) Kanringana ua Karingana ----- José Craveirinha -------
e) Ualalapiu -----Ungulani Ba Ka Cossa ---------

1. 4.Nos primeiros passos da literatura moçambicana nacionalista


a poesia era a modalidade eleita pelos escritores . Assinale com o F
a alternativa incorrecta:

a)Sonetos ( 1946) - Rui de Noronha.--------


b)Mangas Verdes com Sal -Rui Knopf
c)Amar sobre o Índico -- Eduardo White-------
d)Xigubo --José Craveirinha ----------
e)Sangue Negro – Paulina Chiziane ---------
f)O Silêncio Escancarado –Rui Nogar --------
g)A Noite Dividida – Sebastião Alba ---------
h)Monção – Luís Patraquim------------

179
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2. 4.1A partir da década 90 os escritores moçambicanos elegem na


escrita a prosa . assinale com o F ou V as afirmações seguintes:

a) Mbelele é obra de Aníbal Aleluia.--------------


b) Yô Mabalanê é obra de Marcelino dos Santos.------
c) Portagem é obra de A ldino Muianga.-----------
d) Xitala Mati é obra de Orlando Mendes -----------
e) Ninguém Matou Suhura é obra de Lilia Momplé.-------
f) Jesusalém é obra de Mia Couto. -------------

5. A imprensa foi extremamente importante na colocação dos


problemas da colonização . Assinale com o X a alternativa
correcta:
a) O jornal Brado Africano era constituído apenas por jornalista
negros.
b) O jornal Brado Africano era constituído por jornalistas locais e
estrangeiros.
c) O jornal Brado Africano era constituído por jornalistas negros,
mestiços , indianos e brancos.
d) O jornal Brado Africano era constituído apenas por jornalistas
negros e estangeiros da oposição.

ReRespostas

Auto-avaliação

12 1- O velho problema é o da atribuição da nacionalidade literária que


um muitas vezes se verificou e se verifica, não coincidir com a naci
onalidade politica ou com a civil.

180
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

2- Factores de natureza endógena a ter em conta são:


A diversidade estilística das escritas na literatura moçambicana; a
não existência, até ao momento, de uma teorização consolidada da
história da literatura moçambicana; a ausência de uma politica de
edição e publicação de textos literários; a inexistência de uma crítica
literária regular; o problema da definição das grandes linhas de força
temática informais…
3- A percepção da existência de uma espécie de um caos da crítica
literária moçambicana deve-se ao facto da enexistência de uma
critica literária regular e, de certo modo reguladora, seja popular,
jornalística, académica ou de outro tipo, permite a proliferação de
tipos de escrita mais ou menos ao gosto de quem escreve.
4- As temáticas literárias vigentes antes da indepência em
Moçambique são marcados pelo gosto do exótico, das terras, das
gentes e da cultura indígena.
5- Depois da independência, a temática literária pontifica a prosa,
sendo o conto o género mais cultivado. Porque se consitui como
um subgénero próximo da riquíssima fonte da escrita africana, que
é o património cultural e social de transmissão e perpetuação orais,
estabelecendo uma simbiosse com processos inerentes as
manifestações culturais autóctones bantu.

Auto-avaliação

1.a)
2.a)V b)V c)V d)F e)F f)F
3. a)F c)F
4. e) F
4.1 a)V b)F c)F d)F e)V f)V
5. c)

181
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UNIDADE 9

Produção de Ensaios de Autores Moçambicanos

Introdução

Neste ponto, vamos aprender ou ver como se faz um ensaio, quem são alguns
ensaístas moçambicanos e conhecer a produção ensaística moçambicana.

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

 Saber o que é um ensaio;

 Saber como se estrutura ou produz um ensaio literário;

Objectivos  Conhecer alguns ensaitas moçambicanos;


Específicos  Conhecer a produção ensaística moçambicana.

ENSAIO LITERÁRIO
Ensaio literário é um texto informal que consiste na defesa de um ponto
de vista pessoal sobre um determinado tema, apresentando as caracteristicas
seguintes:

182
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Tema é o assunto que será problematizado pelo ensaista..


Título tem uma relação com o tema que será abordado.
Corpo do texto é a parte que analisa e desenvolve o tema.
Apresentando uma esturutura dissertativa, seguinte:
Introdução (o ensaista apresenta o tema a ser analisado );
Desenvolvimento ( o ensaista apresenta diversas perispectivas e reflexões
sobre o tema, apoiando –se nos argumentos )
Conclusão ( o ensaista aremata o tema concluindo de forma de forma mais
original e criativa.)
A bibilografia( apresentada em ordem alfabética, é constituida por todas as
obras que foram usados ao longo do desenvolvimento do texto.)

A dimensão escatológica da ficção moçambicana: Ungulani Ba Ka


Khosa e Mia Couto28

FRANCISCO NOA

E disse-me: Não as palavras da profecia


deste livro: porque próximo está o tempo.
Apoc. 22:10

REPENSAR no que se tem produzido em termos de ficção nos últimos anos


em Moçambique – apesar de muito ainda por fazer – implica
necessariamente apelar para um universo mais alargado de autores e de
obras. Porém, por receio de alguma dispersão, por um lado, e por limitações

28
Baseado num artigo publicado em Nós Revista da Lusofonia, n°s 35-40 Pontevedra-
Braga,1994

183
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

de espaço, por outro, centrar-me-ei por ora em dois autores que julgo
representarem duas das tendências mais fecundas da nossa jovem literatura:
Mia Couto e Ungulani Ba Ka Khosa.

Tanto um como outro revelam nos seus textos um estilo e uma criatividade
que, se por um lado os singularizam na projecção de duas concepções do
mundo distintas, por outro, devido a certas temáticas recorrentes, os colocam
a ambos num plano de inequívoca convergência.

Temos, assim, Mia Couto que se distingue, entre outros aspectos, por
submeter a linguagem a jogos morfo-sintácticos e semânticos de
transgressão à língua-padrão (refiro-me, aqui, ao português continental
abstraído de quaisquer variações), de tal modo que as incursões
pluridireccionadas no imaginário colectivo, que se reconhece na oralidade
recriada e na alma que lhe subjaz, acabam por ser pretexto para uma
incontrolável rebusca de efeitos esteticizantes.

Do outro lado, surgi-nos Ungulani Ba Ka Khosa com uma escrita excessiva


e conturbada onde vemos fragilizadas as fronteiras entre o mundo virtual e o
mundo empírico, dado o realismo agónico que domina o primeiro.

A escrita surge, assim, nestes autores, até certo ponto, como um processo
mediático de redescoberta de um tempo-espaço vivencial determinado.
Aliás, segundo Mukarowsky,

ao conseguir referir-se a uma realidade indefinida (fenómenos filosóficos,


sociais, políticos, religiosos, etc.) a arte-mais que qualquer outro fenómeno
social – consegue caracterizar e representar uma época dada. (Mukarowsky
1981:14)

E essa “realidade indefinida” acaba por ser profusamente rebuscada nas


narrativas tanto de Mia Couto como de Ungulani, mesmo reconhecendo o
lugar da imaginação e os

184
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inesgotáveis recursos linguísticos e estilísticos das suas sobras que acabam


por repensar não somente determinada época, como também formas
diversificadas de existência individual e colectiva.

Surpreende-se, pois, na profundidade das suas histórias e das suas


personagens, o fluir de um tempo colectivo, em incessante devir, marcado
por uma consciência de finitude, mas também de ressurreição. E é, aí, que
vemos desenhar-se a dimensão escatológica não só da escrita destes dois
autores, mas de outros, seus contemporâneos.

A escatologia deve ser vista, aqui, na sua dupla significação. Primeiro,


enquanto discurso da irreversibilidade do destino e do esvaimento da própria
existência, individual e colectiva. No caso presente, inscreve-se não só a
prosa de Mia e de Ungulani, mas também a de outros escritores
moçambicanos colocados perante a estigmatização e flagelação física e
moral do seu espaço vital. Estamos perante o peso de uma verdadeira
mitologia escatológica que aponta para a necessidade, mesmo não
explicitada, conspurcado e dessacralizado.

Há, pois, uma atmosfera fatídica envolvendo toda esta literatura e que se
traduz num sentimento finis vitae decorrente de contingências naturais (seca,
inundações) e sócio-políticas (guerra, fome, miséria, corrupção,
insensibilidade, vacuidade e inversão absoluta de valores). Aqui somos
obrigados a repensar seriamente, e uma vez mais, na interacção arte-
sociedade já entrevista por Mukarowski e que levaria, por sua vez, Octávio
Paz a defender que “el arte es irreductible a la tierra, al Pueblo y al momento
que lo producen; no obstante, es inseparable de ellos” (Paz, 1983:21).

Por outro lado, há que ter em conta, nesta vertente do escatológico, um


fatalismo ancestral enraizado tanto na tradição popular, como numa tradição
bíblica que profetiza o cataclismo universal. Nesta linha é sintomática a
proliferação de obras como títulos como A Balada dos Deuses (1991) de
Marcelo Panguana, Os ventos do Apocalipse (1993) de Paulina Chiziane,
Terra Sonâmbula (1992) de Mia Couto, O Apostolo da Desgraça (1996) de

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Nelson Saute, etc. A realidade é, pois, replasmada com tonalidades


incontornavelmente trágicas.

Enquanto que uma ironia ao subtil e acutilante, ora pessimista e


sugestivamente comunicativa atravessa toda a escrita de Mia Couto, essa
mesma ironia, convertida em sarcasmo, é elevada a um paroxismo e
ferocidade ilimitados na prosa de Ungulani.

E é na linguagem que modela os diferentes universos textuais, tanto pela voz


dos diferentes narradores, como pela voz da outras personagens, que se
manifesta o outro sentido do escatológico, quando iterativamente se
referencia o excrementício, o expelitivo e nauseabundo. Impudente e
irreverente, a escrita de Ungulani é, neste aspecto, a linguagem que, numa
assertiva heideggeriana, fala o homem, dispõe do homem, reestrutura as suas
vivências interiores, tecendo as suas próprias virtualidades expressivas e
existenciais.

No ambiente mórbido que domina esta literatura, as personagens são


fragmentos de uma existência suportada pela fatalidade, pelo imobilismo e,
muitas vezes, pelo absurdo.

Se ao comedimento frásico de Mia Couto corresponde a discursividade


orgíaca e ininterrupta de Ungulani, um e outro convergem na ambiência que
as suas obras, no fundo, signos de degenerescência física, moral e social,
constroem. Para tal concorrem, entre outros, os aspectos que a seguir
discriminamos.

Primeiro, o tempo, letárgico e coactuante com a vigília das personagens,


numa espera absurda, indestrinçável. Assim, observamos, por exemplo, quer
uma atitude corpuscular e resignada dos velhos em “A Fogueira” de Mia
Couto, quer uma espera angiustiada e mal pressentida em “A Solidão do
Senhor Matias” de Ungulani. Tanto num como noutro caso as personagens
cavam literalmente as suas próprias sepulturas.

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Em “As Baleias de Quissico”, conto também inscrito nas Vozes Anoitecidas


(1986), há como que a auto-ironia de um povo manifesta na recriação
alegórica de uma personagem que se entrega a uma espera quimérica e
funesta: “Só ficava sentado. Mais nada. Assim mesmo, sentadíssimo. O
tempo não zangava com ele ” (p. 109).

“O premio” de Ungulani é a metáfora da vanidade da espera, da frustração:


“… O tempo perdido, mãe. O tempo perdido ” (p. 19).

Segundo, as personagens são invariavelmente solitárias. E a sua solidão é-


nos transmitida de diferentes formas. Por um lado, pelo silêncio, ora
intervalando as suas falas, ora envolvendo-as de forma prolongada nos
diferentes momentos, desde o menino pastoreando vacas na planície (“O dia
em que Explodiu Mabata-bata”), passando pelo pescador solitário, na
imensidão do mar no conto “O Pescador Cego” em Cada Homem é uma
Raça (1990), por todas as personagens de A Varanda de Frangipani (1996)
– talvez se encontrem aqui reunidas as personagens mais tragicamente
solitárias da prosa de Mia Couto -, até ao sobrevivente de uma arrepiante
carnificina, chamando pelo filho, tendo como resposta “silêncio, zumbidos,
vazio.” (A Orgia dos Loucos, 1990, p. 60).

A solidão das personagens pode ser também pressentida no quase


permanente desajustamento entre o mundo interiormente vivido por elas e o
mundo que as envolve, enquanto conjunto de referências abertas pelos
textos, e pelo ritmo monologante das diferentes narrativas, onde é perceptível
não só uma profunda tensão interior, mas também a problematização da
existência rematada por tiradas aforísticas.

No conto “A Princesa Russa”, por exemplo, desencadeia-se uma série de


confissões numa sucessão interminável de narrações imbricadas. Solitárias e
infelizes, as personagens fazem juz ao título da obra de Mia de Couto que
conclui que Cada Homem é uma Raça vivendo cada uma delas com os seus
fantasmas privados, anseios e frustrações.

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Terceiro, as superstições e as profecias, que povoam o universo das


personagens, concorrem não só para criar um imaginário determinado, mas
também para aprofundar os sintomas da inexorabilidade do seu destino:

Fixa o que te digo, mulher: no dia em


que ousares receber
Um homem por entre as tuas coxas,
estrangular-te-ei com a mesma
ferocidade com que dilacero uma
barata. Tu és minha e serás minha
para além da morte. (Orgia dos
Loucos p.66)

Quarto, recursos estilísticos como a metáfora encontram-se normalmente


vinculados à visualização superlativa do trágico membro e do macabro.
Podemos verificar, por exemplo, em Orgia dos Loucos , o conto que dá o
título à obra, que “A rua era um talho de carne humana” (p. 57), ou que “a
morte é uma guerra de enganos” (p. 89), ou, então, que determinado instante
é um “subúrbio da morte” (p. 124), aqui, em Vozes Anoitecidas.

Repare-se também, na carga semântica e figurativa dos títulos das obras


(Vozes Anoitecidas, Terra Sonâmbula, Orgia dos Loucos) denunciadora do
cruzamento de motivações de ordem estética, psicológica e social.
Materializa-se, neste caso, a percepção de que a “linguagem é um processo
pelo qual a experiencia privada se faz pública” (Ricoeur 1976:30).

A literatura moçambicana, mais do que nunca, representa na actualidade um


verdadeiro humanismo angustiado. Em cada um dos textos, reconhece-se a
virtualização de emoções e visões do mundo de um sujeito trans-individual
que ora se dilui, ora se multiplica nas inúmeras subjectividades que povoam
os universos representados.

Finalmente, outro elemento decisivamente concordante com a leitura


escatológica aqui encetada tem

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a ver com a forma como os contos terminam. Vejamos como em Orgia dos
Loucos de Ungulani se concluem, na sua maioria, as narrativas: “…As
lágrimas saltam dos olhos, correm pelos lençóis , soluça, desmaia” (“O
prémio”); “Luandle levou as mãos ao rosto. Kufeni [que significa morte em
ronga] colocou dois bocados na boca. Os dentes estavam vermelhos. – Não,
kufeni, não! Gritou.” (“A Praga”); “Minutos depois, já cansado, o velho
atirou-se à cova, uivando prolongadamente.” (“A Solidão do Senhor
Matias”); “Deixei de ter futuro. Deixei de dar importância ao presente.
Deixei de existir.” (“Fragmentos de um Diário”); “E algures, por esse
amontoado de cimento, a vida corria com a sua carga de morte, e a Lua
nascia, fragmentada, luminosa.” (“Morte Inesperada”); “ Hanifa estendida
de costas e com os braços e as pernas abertas tinha o semblante de uma diva.
Estava morta.” (“Exorcismo”).

As personagens têm, pois, na generalidade dos contos um fim trágico. Há


como que uma volúpia da morte estruturando os seus percursos existenciais,
sejam eles interiores sejam eles exteriores.

A água, tradicionalmente conotada com a fonte da vida, aparece nos


segmentos diegéticos numa dimensão antropofágica. Subversão intencional
ou inconsciente apropriação intertextual desse elemento da Natureza, numa
perspectiva bíblica diluviano-punitiva?

Segundo Whillem Von Humboldt, um conhecido filólogo alemão do século


passado, cada linguagem traça um circulo mágico em redor do povo a que
pertence, e deste círculo mágico em redor do povo a que pertence, e deste
círculo na há escapatória possível, a não ser saltando para outro (Cassirer
1976:75). Portanto, por remeter para o campo da representação, mesmo dela
própria, a linguagem é, per si, mágica. Tanto a escrita de Ungulani Ba Khosa
como a de Mia Couto, inscrevendo-se nesse círculo mágico , é um tirocínio
que recria uma linguagem inconformada e um imaginário sofrido, revendo e
repensando o insondável acto de existir moçambicanamente.

Bibliografia

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

CASSIRER, Ernest, Linguagem, Mito e Religião, Porto, Edições Rés, 1976

ECO, Umberto, Lector in Fabula; ed. ut,: Leitura do Texto Literário, Lector
in Fabula, Lisboa, Editorial Presença, 1992

MUKAROWSKI, Jan, Escritos sobre Estética e Arte, Lisboa, Editorial


Estampa, 1981

PAZ, Octávio, “Pintado en México”, in El País, Madrid, 7 Novembre, 1983

RICOEUR, Paul, Interpretation Theory: Discourse and the Surplus of


Meaning; ed. ut. Teoria da Interpretação, Lisboa, Lisboa, Edições 70, s.d.

Literaturas em Contextos Multilingues: Literatura moçambicana: que


identidade?
Agostinho
Goenha

Resumo
Na abordagem teórica do fenómeno literário africano parece haver uma
omissão de um tempo (referente ao período da colonização portuguesa em
África). Consideramos que a avaliação e o estudo desse tempo podem
permitir uma melhor compreensão e conhecimento dos alvores da dinâmica
literária em Moçambique, de certas influências e heranças, tanto de carácter
estético-literário, como de carácter sócio-ideológico e até de carácter
temático. O presente artigo debruça-se sobre esse fenómeno.

Palavras-chave: Moçambique, Literatura, Identidade, Nacionalidade e


Reflexões.

Âmbito
O presente estudo funda-se basicamente no propósito de dar continuidade às
reflexões teóricas anteriores feitas por estudiosos do fenómeno literário

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africano, em torno da problemática das literaturas africanas de língua


portuguesa, particularmente no que diz respeito à sua génese e afirmação.

Objectivo
O objectivo deste estudo é contribuir para a formulação e a incorporação de
algumas linhas de análise, de propostas e de hipóteses tendentes ao maior
enriquecimento destes estudos.

Podemos constatar que nos estudos relacionados com a emergência do


fenómeno literário moçambicano, ou em Moçambique, ou de Moçambique,
que se situa mais ou menos na primeira metade do século passado, há a
tendência para se dar preferencialmente privilégio àquelas manifestações
literárias que apresentam marcas mais ou menos evidentes de pretensões
nacionalistas, ou de um discurso reivindicativo, na linha próxima dos
movimentos progressistas, independentistas e do proto-nacionalismo
africanos, que protagonizavam um certo dinamismo naquela época.

Em resultado destas opções, deliberadas ou não, constatamos que, na


abordagem teórica do fenómeno literário africano, parece haver uma omissão
de um tempo (referente ao período da colonização portuguesa em África).
Pensamos que a sua avaliação e estudo poderia permitir, eventualmente, uma
melhor compreensão e conhecimento dos alvores da dinâmica literária em
Moçambique, para além do conhecimento de certas influências e heranças,
tanto de carácter estético-literário, como de carácter sócio-ideológico e até
de carácter temático, nas obras desse tempo. Veja-se, por exemplo, que o
ponto de referência fundacional da nossa literatura é o final do século XIX
(Campos Oliveira) ou o início do XX (Rui de Noronha), como se antes não
tivesse existido nada.

Qualquer análise em torno do fenómeno que se relaciona com o


desenvolvimento da actividade literária em África deve ser feita, no nosso
entender, tendo à priopri em consideração, de forma particular, à sua natural

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e intrínseca relação, tanto com a educação formal (referimo-nos a escolas


como meios de aquisição do saber científico), como com a educação
informal (em que se destacam, neste caso particular, as formas tradicionais
e familiares de transmissão de ensinamentos, de valores e de conhecimentos
sobre a vida prática quotidiana); de modo geral, deve-se ter em atenção
igualmente os aspectos sociais, políticos e outros que se relacionem com a
história e com a política.
Procuramos consolidar a nossa presente abordagem com base em
bibliografia teórica e noutras reflexões de autores consagrados, em torno
desta questão, como é o caso de estudiosos como Saraiva e Lopes (2000),
que defendem a necessidade de se tomar em consideração factores
multifacetados, na abordagem de determinado fenómeno literário, nos
seguintes termos:

Deste ponto de vista, consideramos que na classificação das literaturas temos


de atender não apenas a divisões linguísticas, mas também aos marcos das
diferenciações políticas nacionais; se, por outro lado, a unidade política
nacional fornece um esquema de referência para o estudo da história literária
que lhe é precursora - pode perguntar-se se são os grandes marcos da história
político-social que devem balizar o estudo da literatura nacional.

Antes de mais, consideramos oportuno tornar claro que não se pretende, com
esta abordagem, fazer uma espécie de reabilitação do que se designa por
„literatura colonial‟, mas sim tentar compreender e interpretar o discurso
colonial, em parte, à luz da teoria „pós-colonial‟; pretende-se, sobretudo,
tentar compreender um tempo histórico, através de textos literários (e
históricos) e através de um „pensamento‟ literário africano, local e
intrínseco.

Justifica esta nossa pretensão, entre outras válidas razões, a constatação da


estudiosa Martinho (1998), em “O conceito de cânone: norma non normata”,
de que os estudos e, sobretudo, a crítica sobre as literaturas africanas têm

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sido feitos com um fundo de uma visão exterior ao seu continente, à sua
realidade e até com uma certa impositividade da leitura, com base no que se
considera ser o cânone do centro, no caso, a Europa (abordamos esta questão
mais adiante); a este propósito, considera o seguinte:

A literatura africana (…) é sobretudo comentada de fora, o que nos faz,


críticos europeus, cair no contra-senso de uma leitura que quase não tem
sustentação paritária local e que também por isso se encontra mais
obviamente sujeita a critérios de avaliação extrínsecos e muitas vezes de
duvidosa pertinência, se pensarmos na individualidade de tais literaturas
tantas vezes apreciadas como um bloco único.

Entretanto, para uma melhor compreensão dos fundamentos desta teoria de


pós-colonialidade, importa fazer uma breve caracterização e
contextualização da sua génese:

Enquanto conceito de origem anglo-saxónica, o pós-colonialismo toma


como realidade fundadora o colonialismo britânico; no campo dos estudos
literários começa a desenvolver-se a partir da década de 60 (do século
passado), com a revisão das novas literaturas produzidas pela
„commonweath‟, a sua integração nos curricula, bem como com o
surgimento de casas editoras que promovem a publicação de escritores
oriundos de África, da Índia e de outras zonas das ex-colónias britânicas.

Mas é sobretudo a partir da publicação de Edward Said, de Orientalism, em


1978, que se desenvolvem teórica e criticamente os estudos sobre pós-
colonialismo, surgindo posteriormente obras de outros intelectuais
diaspóricos que reclamam uma voz crítica pós-colonial, oriundos, ou com
raízes nos ex-países colonizados.

O estudo e o pensamento de E. Said6 foi posteriormente desenvolvido por


vários intelectuais e um dos mais conceituados é Homi K. Bhabha7, apud

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LEITE, A. M. (2003). No Depois da segunda guerra seu estudo acerca do


„outro‟, Bhabha elucida melhor a respeito das nossas pretensões, ainda que
a sua abordagem esteja relacionada com a realidade colonial asiática;
consideramos entretanto que, nos seus aspectos gerais, esta abordagem
apresenta algumas similitudes com a realidade colonial africana.
Apresentamos, de seguida, um breve excerto de Descolonizar a ‘Europa’
(2005):
Não pretendo desconstruir o discurso colonial, a fim de revelar os seus
equívocos ou repressões ideológicas, nem condescender com a sua auto-
reflexividade ou contemporizar com o seu “excesso” libertador. Para se
compreender a produtividade do poder colonial é preciso construir o seu
regime de verdade e não sujeitar as suas representações a um juízo
normalizador.

Neste sentido, Martinho (1998), no seu interessante estudo comparativo e


analítico relativo aos processos educativos e, sobretudo, literários referentes
a Angola e a Moçambique, particularmente no capítulo intitulado “O cânone
Literário na África lusógrafa (Angola e Moçambique)” sugere também, a
este propósito, o seguinte:

Para compreendermos o modo como em Angola e em Moçambique se


evoluiu no tocante à centralidade de textos e autores nos respectivos sistemas
literários, importará lembrarmos alguns dos momentos fundamentais em
termos das respectivas histórias literárias e igualmente os condicionalismos
que presidiram desde sempre a esse efeito selectivo. Tais pressupostos são
de toda a ordem: cronológicos, temáticos, ideológicos, linguísticos,
literários. Conjugando-se total ou parcialmente em muitos casos, fazem
emergir uma dificuldade pronunciada quando queremos situar-nos na
destrinça estética e ética em simultâneo e no quadro de uma tradição que se
apresenta com as contradições e qualidades inerentes à convivência de
mundos primitivos e modernos.

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Não deixamos de reconhecer que este tipo de literatura produzida em África,


ou sobre África sofre, de certo modo, um certo estigma nas instituições
literárias europeias, na medida em que é considerada, na perspectiva
conservadora e, de certo modo, tutelar da ex-Metrópole, como uma literatura
de periferia.

Consideramos, por conseguinte, oportuna, mais uma vez, a visão de Reis, a


propósito da sua perspectiva sobre os potenciais leitores de textos literários,
isto é, sobre a receptividade10 deste tipo de textos literários produzidos
maioritariamente nos, ou sobre os territórios africanos, tanto nas antigas
colónias de Portugal em África, como na ex-Metrópole. Secunda esta
perspectiva, igualmente, a abordagem feita por BULGER (1997), op. cit. a
este propósito (do destinatário) e numa relação com a noção de
„regionalismo‟ na literatura, nos seguintes termos:

Não será de estranhar, portanto, a difusão essencialmente local dessa


literatura e, ao mesmo tempo, a recepção pouco calorosa dos
consumidores/leitores congregados nos grandes centros urbanos, onde a
noção de regionalismo resulta, em parte, de uma cultura mediática, que tende
a explorar o seu lado etnográfico, político e ecológico (…).

Tendo em atenção a citação acima, consideramos que a expressão „a difusão


essencialmente local dessa literatura‟ pode, neste contexto de abordagem,
referir-se analogicamente aos territórios africanos, nalguns casos, aos textos
que se debruçam sobre África, particularmente aquela África naife, profunda
e inacessível.

No que diz respeito, por sua vez, à expressão „recepção pouco calorosa dos
consumidores/leitores congregados nos grandes centros urbanos‟, achamos
que pretende localizar o potencial público leitor, que se encontra tanto nas
cidades africanas, como (em número reduzido) nas cidades da antiga
Metrópole, neste caso, de Portugal.

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Outro facto importante que nos parece poder contribuir para uma melhor
compreensão do fenómeno literário moçambicano tem a ver com a
diversidade linguística e cultural do país e a sua influência neste tipo de
escrita literária.
A questão linguística e, na perspectiva de Trigo (1994), especialmente da
língua nas escritas literaturas africanas é antiga e tem vindo sistematicamente
ao de cima, quando se pretende, por exemplo, negar a autenticidade africana
a essas literaturas que se exprimem na língua do ex-colonizador.

Este problema não é pacífico, pois para ele confluem aspectos políticos,
linguísticos (relacionados particularmente com a problemática das
interferências linguísticas) e estéticos. Achamos igualmente pertinente, a
este propósito, a convocação das interrogações (para reflexão) de
Lecherbonnier (1977), concernentes à problemática da estética, na definição
duma literatura africana, particularmente das sociedades ágrafas. Abordando
questões relacionadas com a tradição literária africana, com os géneros
literários dos textos e com a língua e a cultura que se lhes corporiza, este
estudioso tece as seguintes considerações:

Que géneros literários fazer evoluir, segundo que tradição (europeia ou


africana, quer dizer, a maior parte do tempo oral), para que público escrever,
em que língua, como inserir-se na literatura internacional? Os valores da
estética europeia podem dar conta duma obra literária africana?

De qualquer modo e, para concluir, podemos referir que, mesmo tendo em


consideração todos os problemas que ainda se colocam na literatura
moçambicana, as situações de multilinguismo que caracterizam o país não
são, de modo algum, completamente desfavoráveis à prática da escrita
literária, em particular, e da escrita, em geral.

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Parece-nos evidente que a possibilidade de uma escrita literária em


Moçambique, baseada numa das línguas nativas dos seus utentes seria,
eventualmente, o procedimento natural a preferir, na medida em que
congregaria o pensamento e o sentimento mais íntimo e profundo de
africanidade, em conjugação com uma visão mais global dos seus autores,
sobre a sociedade em que vivem e sobre a sua integração no mundo
(entretanto, nesta perspectiva, como se procederia com aqueles
moçambicanos, cujo substrato cultural e linguiístico não é Bantu?)

Em consequência das contingências históricas de que já fizemos referência,


verifica-se um outro tipo de relação entre a língua da escrita literária, na
maioria dos países de África (excepção seja feita a alguns países de língua
de cultura árabe) e a cultura material e espiritual que se exprime nessa mesma
língua.

Atente-se, mais uma vez, à seguinte sugestão, em torno desta questão, que
nos é apresentada, mais uma vez, por Trigo (1994), op. cit., ainda a propósito
deste fenómeno literário:

“Seria desejável que à africanidade estética dum texto se viesse juntar uma
língua também ela africana, o que contribuiria para um maior rigor do
pensamento da escrita, mas isso não significa que, não existindo essa língua,
a africanidade não exista”.

No que diz respeito particularmente a Moçambique (com predominância do


grupo-etno-linguístico Bantu) e para uma melhor abordagem desta
problemática da língua, na escrita literária, importa fazer um breve relance
em torno do mapa linguístico de Moçambique15, que indica existirem no
país, maioritariamente representadas, as línguas de tronco Bantu mas
também as línguas (minoritárias) de origem asiática.

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Estas línguas são um forte símbolo de identidade étnica, com funções sociais
específicas, tais como a educação, a moral, a socialização e a agregação, etc.
Entretanto, existe conjuntamente a língua portuguesa que, em virtude das
contingências históricas e, não obstante o facto de contar com um número
reduzido de falantes, se assume como língua de prestígio, como língua
oficial, usada na governação, na educação formal e em assuntos
administrativos.

A cultura islâmica (com forte influência do super extracto Bantu, creio eu),
na sua relação com a religião muçulmana no país é de forte implantação na
sociedade moçambicana, no entanto, ela não parece ter expressão literária,
pelo menos publicamente conhecida.
Para terminar e para reflexão, no meio deste mosaico cultural moçambicano
(a literatura é a expressão artística da cultura), que identidade?

É precisamente por isso (o nosso carácter multicultural, multilinguístico) que


somos de opinião de que todas as fases históricas, com as suas vertentes
político-ideológica, socioeconómica e cultural devem ser tomadas em
consideração para, com rigor científico e criterioso, se poder determinar as
linhas de força que caracterizam e concretizam a nossa literatura.

Pensamos que esta atitude, esta forma de abordagem poderia ajudar na


eliminação de omissões de períodos históricos, o que de certo modo, dificulta
o cabal conhecimento da actividade literária desenvolvida naquele espaço.
Nesse sentido, tal consideração permitiria identificar, nessa produção
literária, com marcas histórico-políticas específicas, vectores de
ambiguidade, de continuidade, de convergência, de divergência e até de
ruptura que as caracterizaram. Um estudo desse âmbito permitiria, como
brevemente nos referimos acima, o enriquecimento e o aperfeiçoamento da
História da Literatura moçambicana, da teoria, da crítica e até da sua ciência
literárias.

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Parece-nos ser redutora e omissa a intenção, a estratégia ou a metodologia


que toma em conta, como pertença da literatura moçambicana,
exclusivamente aquela que apresenta, de forma mais ou menos evidente,
traços ou qualidades sobretudo temáticas (e literárias) identificáveis com o
que se considera - e aqui concordamos Hamilton (1984, p. 14), com o
seguinte entendimento - “uma consciência de africano (…) que procura(va)
uma inversão da sua própria aculturação”. Então, se somos aculturados,
assumamos, por isso, a nossa herança histórica, ou seja, a nossa
multiculturalidade, o nosso hibridismo, conceitos, muitas vezes «mal-
amados».

Bibliografia
BHABHA, Homi K. «A questão outra», in Descolonizar a ‘Europa’.
Antropologia, Arte, Literatura e História na Pós-colonialidade
(ENSAIO – Organização de Manuela Ribeiro Sanches). Lisboa,
Livros Cotovia, 2005.

BULGUER, Laura Fernanda. «Histórias da montanha: um modo de encarar


a terra», in Nacionalismo e regionalismo nas literaturas lusófonas
(Coordenação de Fernando Cristóvão, et all). Lisboa, Edições
Cosmos, 1997.

HAMILTON, Russel. Literatura africana. Literatura necessária II. Lisboa,


Edições 70, 1984.

LECHERBONNIER, Bernard. Initiation à la Littérature Negro-Africaine.


Paris, Fernad Nathan, 1977.

MARTINHO, Ana Maria Mão de Ferro. Cânones Literários e Educação, os


casos angolano e moçambicano. Lisboa, (Tese de Doutoramento
UNL-FCSH), 1998.

NEWITT, Malyn. História de Moçambique. Publicações Europa-América,


Lda, (Colecção Biblioteca da História), Sintra, 1997. (Titulo original:
History of Mozambique, Originally published by C. Hurst & Co

199
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Publishers Ltd.). Tradução portuguesa de Lucília Rodrigues e Maria


G. Segurado.

SARAIVA, António José e LOPES, Óscar, História da Literatura


Portuguesa. Porto, Porto Editora, 17. ed. corrigida e actualizada,
2000.

TRIGO, Salvato. “Literatura Colonial”, 1994: 139, in Literaturas Africanas


de Língua Portuguesa (Compilação com a coordenação de Manuel
Ferreira). 2. ed. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.

Os desafios dos EUs em Lica Sebastião – por Teresa Manjate

Não é a primeira vez que converso com a Lica, nesta dimensão: a dimensão
da escrita artística, em poesia lírica. Das vezes que tal aconteceu, ficou
sempre presente a ideia de uma revelação quase biográfica. Melhor,
autobiográfica.

A poesia lírica, segundo as teorias, define-se normalmente como aquela que


manifesta vocação para exprimir sentimentos, estados de espírito do sujeito
na sua “interioridade” e em “profundidade”, e não a de representar o mundo
“exterior” e “objectivo” (Carlos Reis, O Conhecimento da Literatura: 1997:
305, Aguiar e Silva, A Teoria da Literatura: 1988: 582). O lirismo confunde-
se com a poesia “pessoal” e mesmo “intimista”, e privilegia, assim, a
introspecção meditativa. A subjectividade lírica é, por natureza, introvertida
e egocêntrica. Talvez esta seja então a razão que me leva a pensar nos poemas
de Lica como autobiográficos, se calhar não de forma tão categórica como
sustenta Kate Hamburger em The Logic of literature (1973: 276-278).
Porém, a sua feição pessoal e intimista, a profundidade dos temas e da

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linguagem levam-me a dizer: esta é a parte da Lica que emerge e sai do


coração e das experiências não partilhadas para o papel.

Esta assunção hipotética de que os textos serão de feição autobiográfica,


aparentemente peremptória, é deveras tímida e em nada categórica, na
medida em que é conflitante com aspectos a nível teórico – retórico,
semiótico e fenomenológico.

A nível teórico, entende-se que no universo da criação literária, o autor como


pessoa está ausente, e o “eu” é um puro sujeito da enunciação, é uma voz e
uma identidade criada, que só emerge de forma condicionada, isto é, só na
vida de um texto literário. Deste facto decorre o princípio de que só pode
haver, a rigor, distinção entre o sujeito da enunciação e o sujeito do
enunciado. Assim, a constituição de um sujeito diferente do sujeito
referencial, a noção de sujeito lírico abre-se para uma análise do texto poético
deliberadamente distinta das perspectivas biografistas.

“Eu fiquei” associado ao vazio/ as noites (momento privilegiado para a


introspecção e para a solidão) sugerem o fechamento do ego em si mesmo.
Esta reflexão justifica-se pelo facto de Lica escrever uma poesia subjectiva,
marcada pela interiorização, isto é, com propensão eminentemente
egocêntrica (Carlos Reis: 314), que coloca no centro um determinado
universo de um eu, numa captação sensorial que favorece a configuração de
um universo íntimo eivado de emoções e experiências afectivas.

No plano retórico, as figuras de linguagem constroem uma “dupla


referência” – ou, ainda, uma “referência desdobrada”. Com efeito, e de modo
mais geral em todas as figuras, a significação literal não desaparece; ela

201
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

manifesta-se por detrás da significação figurada, coexiste com ela. A “noite”


ou o “Sol”, para lá de parte do dia sem luz solar, ou o astro-rei, na sua “dupla
referência”, convoca estados de espírito, “estados da alma”, construção de
sentidos, múltiplos. Nos diferentes níveis de sentido, as figuras autorizam
leituras multíplices, de tal forma que a consciência dos leitores do poema
lírico desloque a sua percepção de um lado a outro, oscilando entre os
sentidos, num movimento contínuo de busca de analogias, de ligações que
as experiências individuais amalgamam. As falas do Sujeito de enunciação
apelam para uma viagem que procura buscar as suas experiências possíveis
combinadas com as do Sujeito leitor. Por isso se procura encontrar, de algum
modo, as experiências do Sujeito por detrás da criação daquela voz que
expõe sentimentos, experiências e visões.

No plano semiótico, todo o texto tem um conteúdo, lugar dos conceitos, ou


“onde o texto diz o que diz”, e uma expressão, grosso modo, a parte
“material” ou sensível de um texto, que sustenta os conteúdos. A substância
da expressão abrange desde as palavras e a combinação delas como forma
de sugestão do estado da alma e dos sentimentos expressos. A forma diz
respeito à maneira como os elementos citados acima estão combinados, que
tem como proposta formar e sugerir uma mensagem. Já no plano de
conteúdo, é o significado transmitido, é toda a mensagem implícita do
conjunto dos elementos que compõem o texto.

No plano fenomenológico, essa dupla referência parece corresponder a uma


dupla intencionalidade por parte do Sujeito, ao mesmo tempo voltado para
si mesmo e para o mundo, articulando, ao mesmo tempo, o singular e o
universal. Deste modo a relação entre a postulação autobiográfica e a ficção
passa por essa dupla intencionalidade. Há uma sugestão de uma dualidade
do Sujeito lírico com o Sujeito empírico, universalizando-o. Segundo
Dominique Combe, na comunicação lírica, trata-se antes de uma tensão
jamais resolvida, que não produz nenhuma síntese superior – uma “dupla

202
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

A inscrição de modalidades de consciência [neste caso de escrita de versos,


em particular], em termos fenomenológicos, cria o jogo entre o biográfico e
o fictício, entre o singular e o universal; sugere o intencional que se impõe e
que dilui o poder do sujeito lírico e, simultaneamente, do sujeito empírico.

Não há, em rigor, uma identidade do Sujeito lírico. O Sujeito lírico não
poderia ser categorizado de forma estável, uma vez que ele vive
precisamente de um incessante movimento do empírico em direcção ao
transcendental. Vale dizer então que o Sujeito lírico, levado pelo dinamismo
da ficcionalidade, não está acabado, está em permanente constituição, numa
génese sempre e reiteradamente renovada pelo texto lírico, fora do qual ele
não existe. O Sujeito lírico cria-se no e pelo poema, que tem valor
performativo. Essa génese contínua impede, certamente, de definir uma
identidade do sujeito lírico, que se fundaria sobre uma relação do mesmo ao
mesmo, num jogo de espelhos que empresta uma identidade ao sujeito
empírico.

203
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

De uma voz queixosa e pudica quase bíblica [como numa Cantiga de


Amigo, em que o amado parte] e a solidão e a incerteza de um Sujeito
angustiado, passa a registar uma voz sedenta e exigente de amor carnal vivo,
no mínimo conhecedor “dos pecados da carne”.

Há um conceito que une os dois polos do “eu” na poesia lírica que tanto a
abordagem retórica como a abordagem fenomenológica levantam: é saber
como a identidade e a alteridade se revezam: afinal o “eu” é um outro – como
o sujeito que se enuncia como indivíduo e, simultaneamente, se abre ao
universal por meio da ficção – e não somente porque os poetas se afirmam,
enquanto homens do universal. De outra maneira, seria a representação do
mundo fechado a si mesmo sem leituras, sem discussão, sem apelo a outros
eus, se calhar a “vontade” última de quem enuncia.

O conceito da ipseidade de Ricoeur que tenta esclarecer o facto complexo de


um indivíduo ser ele mesmo, dotado de uma identidade própria e, por
conseguinte, diferente de todos os outros indivíduos. É, na verdade, uma
questão de identidade, que, coloca a presença a si mesmo, sem postular a
identidade. Para Paul Ricoeur, a ideia de uma ipseidade do sujeito lírico
assegura, apesar de tudo, sob suas múltiplas máscaras, certa unidade. Porém,
tal unidade do “eu” na multiplicidade dos actos intencionais, essencialmente
dinâmica, está em constante devir, isto é, o “sujeito lírico” não existe, ele é
uma criação. Ou seja, é um termo que se refere, dentro do contexto da teoria
da literatura, à análise de textos escritos em verso; pode ser entendido como
a expressão de um “eu” do autor
204
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

ou de um “eu” fictício, potencializando dinâmicas que conferem,


naturalmente, duas avaliações influentes na análise literária. O “eu” lírico,
sendo embora uma construção textual, dirige, no entanto, a atenção sobre o
sujeito real de quem fala.

“Escrevesse eu um livro…” [Escrito está]. Provavelmente, o mais importante


é entender a função que o irreal exerce na realidade que lhe é extrínseca; essa
“realidade irreal” proporciona ao sujeito poético um carácter autónomo, visto
que se arquitecta a partir de um escritor que lhe conferiu emoções e traços
que lhe darão autoridade enquanto Sujeito artístico do enunciado, índices
esses que podem, ou não, ser equivalentes à personalidade do autor da obra
de arte.

Carlos Reis afirma a dado passo que o sujeito poético, constituído no


contexto do processo de interiorização, é uma entidade a não confundir com
a personalidade do autor empírico. No entanto, admite que o autor empírico
pode projectar sinuosamente no mundo do texto experiências realmente por
si vividas, assim como também é certo que a voz que nesse texto “fala” com
o leitor pode ignorar (e também subverter, metaforizar, etc.) essas
experiências (1995: 316).

“Falar” com Lica leva-me sempre a pensar na (in)definição da possível


coincidência entre o “eu” lírico e o “eu” empírico da poetisa. O problema
neste tipo de análise está na ressurreição dos fantasmas antigos do conflito

205
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

incontornável entre verdades e verosimilhanças, que cria as tensões entre


julgamentos que delineiam psicologicamente e comprometem, ao fazer
emergir (des)valores que possam sobrepor-se a uma imagem
conscientemente construída. Compreende-se que o mundo literário
exterioriza, a partir de técnicas artísticas, uma “irrealidade”, que enquanto
“real” produz emoções bem como juízos de valor, que a sociedade inscreve
e outorga, julga.

Citar como:

MANJATE, Teresa. “Os desafios dos EUs em Lica Sebastião”. Ensaio in:
SEBASTIÃO, Lica. de terra, vento e fogo. Ilustrações de Amanda de
Azevedo. São Paulo: Kapulana, 2015. (Série Vozes da
África). http://18.231.27.148/os-desafios-dos-eus-em-lica-sebastiao-de-
teresa-manjate-kapulana/

Exercícios da Unidade temática

I Auto – avaliação

1. O ensaio apresenta uma característica dissertativa. No ensaio de


Francisco Noa. Indique a introdução e a conclusão.
2. Para Francisco Noa, Mia Couto e Ungulani Ba Ka Kossa
apresentam na sua escrita abordagenes convergentes. Justifique a
afirmação segundo o ensaio.
3. No ensaio de Agostinho Goenha, delimite a conclusão.
4. Qual a preocupação apresentada por Goenha no resumo do seu
ensaio?
5. As línguas africanas não se constituem como veículos da escrita
literária . Qual o papel da lígua portuguesa em Moçambique’?
6. Indique o autor analisado no ensaio de Teresa Manjate?

206
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

II Avaliação

Sobre os ensaios analisados . Assinale com o X a alternativa


correcta:

1.a)O ensaio literário é um texto objectivo, apresenta um tema literário


de África..
b)O ensaio literário é um texto objectivo, apresentado por um ensaísta, ao
público.
c)O ensaio literário é um texto subjectivo sobre um tema da literatura
moçambicana.
d)O ensaio literário é um texto subjectivo , no qual o ensaísta apresenta o
seu ponto de vista sobre um tema literário.

1. a) O tema do ensaio de Teresa Manjate tem a ver com os desafios da


poesia africana.
b)O tema do ensaio de Teresa Manjate tem uma ligação com os
sentimentos do poeta.
c) O tema do ensaio de Teresa Manjate tem a ver com os desafios dos EUs
em Lica Sebastião.
d)O tema do ensaio de Teresa Manjate remete-nos aos sentimentos de
Lica Sebastião.

3.a)No ensaio de Teresa Manjate a poesia lírica é definida, como aquela


que manifesta vocação para : sentimentos, estado de espirito do sujeito na
sua interioridade...
b) No ensaio de Teresa Manjate a poesia lírica é defendida como aquela
que oculta os sentimentos….
c)No ensaio de Teresa Manjate a poesia lírica é aquela que expressa os
sentimentos dos poetas

207
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

d) No ensaio de Teresa Manjate a poesia lírica é vista como aquela que


marca os sentimentos dos grandes poetas.

4. a)Agostinho Goenha considera que literatura africana é comentada fora


de África.
b) Agostinho Goenha considera que a literatura africana não é
devidamente valorizada pelo africanos.
c) Agostinho Goenha considera que a literatura africana precisa de ser
valorizada no ocidente.
d) Agostinho Goenha considera que a literatura africana é mais comentada
dentro do continete.

5.a)Em Lica, há uma coincidência entre o “eu” lírico e o “eu “empírrico


da poetisa.
b) Em Lica, o “ eu “ lírico não coincide com o “ eu “ poético.
c) Em Lica , o “ eu” está no centro do poema.
d)Em Lica, o “eu” identifica-se com o tema do poema.

Respostas:
Auto – avaliação
1-1º parágrafo( Introdução)
Último parágrafo(Conclusão)
2 – Mia Couto submete a linguagem à jogos morfo-sintácticos e
semânticos de transgressão da língua padrão.
Por sua vez, Ungulani Ba Ka Cossa apresenta uma escrita excessiva e
conturbada de onde vemos fragilizadas as fronteiras entre o mundo
virtual e o mundo empírico, dado o realismo agónico que domina o
primeiro.
3. A conclusão é apresentada no último parágrafo.
4. A omissão de algumas etapas na periodização da literatura no período
da colonização portuguesa.

208
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5. Apesar de possuir um número reduzido de falantes, a língua portuguesa


se assume como: língua de prestígio, língua oficial usada na governação,
na educação formal e em assuntos administrativos.
6. O autor é Lica Sebastião.

Avaliação
1-d)
2.-c)
3. a)
4.-a)
5.-a)

) distanciam-se da visão e do ideário dominante na literatura então em voga,


a literatura colonial, que relatava e consagrava a saga do colono na África.

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Sumário

Nesta Unidade vimos como se pode estruturar, discutir / analisar os dados dentro ensaio
e conhecemosa conhecer alguns ensaitas moçambicanos.

UNIDADE 10

ALGUMAS PISTAS DE ANÁLISE ESTÉTICO - LITERÁRIA (textos / obras)

Introdução

Neste ponto, você tem a oportunidade de verificar como os conteúdos


apresentados ao nível teórico são trabalhados na prática, tomando um texto
concreto, analisando os aspectos formais, temáticos, ideológicos,
motivacionais, estéticos, a periodização literária, a Negritude, o Pan-
africanismo, o Nacionalismo e o Neo-realismo, dentro dos textos literários,
poesia ou prosa (textos ou obras completas).

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

 Fazer uma análise estético-literária de um texto;

 Identificar e analisar os aspectos formais, temáticos, ideológicos,


motivacionais e estéticos do texto literário;
Objectivos
Específicos  Enquadrar a periodização literária, a Negritude, o Pan-africanismo, o
Nacionalismo e o Neo-realismo, dentro da sua análise.

Vozes, Memória e Identidade: a dimensão reconstitutiva da escrita, Mia


Couto - Suleiman Cassamo

210
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Joaquim Dina
Charles29

Resumo

Originalmente produzido como dissertação de mestrado este artigo apresenta


o essencial das reflexões em torno da melindrosa temática da identidade,
sobretudo nos ditos países do terceiro mundo que num passado relativamente
ainda recente se libertaram do umbilicalismo político e das amarras estóicas
do imperialismo europeu tendo iniciado, desde logo, um longo processo de
(re)configuração identitária, que encontra na escrita uma das principais
formas de representação. Fundamentado numa perspectiva comparativista
assente nas narrativas A Varanda do Frangipani, de Mia Couto e O Regresso
do Morto, de Suleiman Cassamo a nossa premissa alicerçou-se no
pressuposto de que dos textos, chega-nos importante legado interiorizado na
escrita identitária onde, entre outras evidências, o culto da ancestralidade e
da tradição sob as formas de convocação de vozes e memórias corroidas pela
sagacidade do tempo pontifica, pelo que lhes dedicamos atenção especial de
análise. Seguimos, na sequência dessas presunções, minuciosa e
progressivamente as estórias que nos são narradas pelas míticas e lendárias
vozes dos protagonistas e do próprio narrador. Desvendamos as crenças e os
mistérios, evidenciamos as tradições e as tensões, revelamos os sonhos e as
utopias sociais do imaginário cultural de um povo na encruzilhada do
amálgama da pós-modernidade, ao que concluimos que, ao colocar acento
sobre as relações dicotómicas entre o urbano e o rural, o novo e o velho, as
narrativas reforçam o sincretismo cultural e o postulado de que a identidade
(moçambicana) que hoje intentamos (re)definir só pode ser (re)construida na
diversidade, no multiculturalismo e no convívio entre diferentes.

29
Docente de Literaturas da Faculdade de Ciências de Linguagem, Comunicação e Artes da
Universidade Pedagógica, Moçambique. Mestre em Educação ̸ Ensino do Português,
Licenciado em Ensino do Português, pela mesma Universidade e Mestre em Gestão dos
Recursos Humanos, pela Universidade Jean Piaget ̸ Universidade Pedagógica,
Moçambique.

211
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Palavras-chave: Literatura moçambicana, vozes, memória, identidade e


pós-modernidade.

A identidade não existe é uma procura infinita30

Quando, nesses comuns exercícios ou vícios alimentados pela busca


inusitada de prazer e, em certa medida (não há como negar isto) pela
imposição das nossas actividades profissionais, iniciamos a leitura dos livros
nosso objecto de análise não tínhamos sequer a real ceiêcia da dimensão
histórico-patrimonial e do legado cultural e identitário subjacente nos textos
que se entrelaçavam nos nossos dedos fulminantemente chancelados pelos
suspeitos e constrangedores títulos A Varanda do Frangipani e O Regresso
do Morto, respectivamente assinados por Mia Couto e Suleiman Cassamo.

Assumindo, porém, a indisfarçável e manifesta crise literácita que conspurca


a sociedade, sobretudo do nosso século onde a cultura de leitura virou, para
muitos, um exercício manietante, senão mesmo enfadonho por conta do
advento da pós-modernidade constatamos que o amor às letras, que durante
séculos, sobretudo a partir do limiar do Romantismo até cerca dos finais da
primeira metade do último século, foi se corroendo a favor das imagens que
ameaçam transformar o mundo em uma só aldeia.

O certo é que sob os olhos de um leitor distraido não tardariam


questionamentos sobre a (im)pertinência das narrativas A Varanda do
Frangipani e O Regresso do Morto, como é natural sempre que se tem em
mãos um novo livro, obra literária, de preferência. – Que de novo nos podem
trazer estas obras? Não será mais uma (re)edição ou simplezmente
reprodução (in)fiel das temáticas do nossso dia-a-dia ou ainda comentário
dos mundos (im)possíveis alimentados pelos (in)sucessos e (des)ilusões que
a vida nos proporciona e testemunhamos a todo o momento?

30
Mia Couto, “Escrita Desarrumada” in Folha de S. Paulo, S. Paulo, Brasil, 18 de
Novembro de 1998.

212
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Consequentemete estes questionamentos poderiam conduzir ao infortúnio de


uma apressada e precipitada setença que sansione tais escritos como sendo
mais um ou dois entre tantos outros que preenchem os espaços ainda quase
vazios das vitrinas das nossas livrarias e bibliotecas secundarizando-se, por
via disso, a incomensurável dimensão lúdico-didáctica e patrimonial dos
escritos.

Todavia, eis que Mia Couto e Suleiman Cassamo com os seus livros, cada
um ao seu estilo, mas em comum o foco narratológico parecem impelidos
pela tragicidade circunstancial do próprio tempo e movidos por um mesmo
ideário, mais ou menos assinalado, próprio da estética literária neorealista –
o do nativismo engajado; primeiro, telúrico, mas também social e; sobretudo
intervencionista, que faz da escrita um engenho a partir do qual um povo
pode rever reinventar e redimensionar a sua identidade, como sustenta Faria
(2005:2):

Mia Couto compreende essa necessidade de contestar e


questionar a realidade e revela, nos seus textos, uma forte
inquietação produzida pelo novo contexto moçambicano.
Problematiza a História, discute os ditames da política,
testemunha o quotidiano e embrenha-se no imaginário
profundo da condição de ser moçambicano, desenvolvendo
na escrita uma das pedras angulares da construção da
identidade nacional. É esta demanda identitária individual e
colectiva, assente na dicotomia entre tradição e modernidade,
que encontramos nas obras coutianas.

Trata-se, portanto, em última análise, de uma escrita relativamente marcada,


que converge, paradoxalmente, no mesmo ethos o local e o universal, o
ancestral e o moderno, o ancião e o jovem numa clara celebração da
ideologia sincrética pós-colonial, concebendo a morte como tema de eleição
e surgindo nas duas narrativas como um pretexto estrategicamente revestido
de funcionalidade dúplice, nomeadamente de universalização e localização
da escrita.

213
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Evidentemente, o primeiro caso, de universalização da escrita consiste no


facto de ela (morte) ser um fenómeno extensivo a todas as sociedades pelo
que uma escrita que se debruce a seu respeito interesse, com maior
probabilidade, a qualquer leitor, independentemente das suas
especificidades; já o segundo, de localização da escrita fundamenta-se pela
misticidade e perversividade narratológica patente nos textos como, aliás,
alude o próprio título do livro de Cassamo – O Regresso do Morto – só para
citar, já em si sintomático da susceptibilidade semântica e mitológica.

Com efeito, essa susceptibilidade semântica prendeu definitivamente a nossa


atenção de leitura, permitindo-nos construir linhas de leitura suscitadas pelos
simultâneos questionamentos que se nos foram surgindo em consequência
do próprio fluxo de leitura: por que a morte e os seus rituais surgem como
tema recorrente na literatura moçambicana contemporânea, e no caso
vertente de Mia Couto e Suleiman Cassamo? O que nos faz ficar horas a fio
na leitura d'O Regresso do Morto e d'A Varanda do Frangipani? Por que
ambos os autores gravitam a sua escrita no culto da tradição com a frequente
e insistente convocação de vozes e memórias ancestrais?

Seguimos, na sequência dessas presunções e questionamentos minuciosa e


progressivamente as histórias que nos são narradas pelas míticas e lendárias
vozes dos protagonistas e do próprio narrador buscando identificar os
condicionantes contextuais do surgimento e florescimento da escrita
identitária alicerçada no culto da ancestralidade na literatura moçambicana
do pós-independência, com intuito de evidenciar os valores e as
manifestações socioculturais que configuram a identidade moçambicana
num contexto marcado pela diversidade e, desvendar o estatuto simbólico-
cultural das crenças e mistérios, das tradições e tensões, dos sonhos e utopias
sociais do imaginário cultural de um povo na encruzilhada do amálgama da
pós-modernidade.

214
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Com base numa concepção identitária não essencialista e fundamentada


numa perspectiva de análise comparativista reflectimos, por meio da leitura
crítica do conteúdo e do manancial linguistico-discursivo, o sujeito, a
reprodução, representação e reconfiguração da identidade cultural na pós-
modernidade buscando identificar os mecanismos de construção identitária,
suas subjetividades e suas relações com a produção e a representação da
alteridade.

Com efeito, a reflexão sobre a identidade passou a fazer-se, hoje, numa


espécie de contradiscurso, substituindo-se, portanto, o multissecular discurso
da hegemonia etno-racial e cultural do ocidente pelo relativismo cultural,
onde a diferença não é mais factor de discriminação, mas de riqueza e
fortalecimento da identidade, como afirma Pacheco (2010: 2):

A palavra “inclusão” hoje está na moda. “Incluir as


diferenças” é discurso obrigatório na área social e da
educação, mesmo que não se tenha consciência do que
realmente significa e de que maneira se dará. Se observarmos
os discursos governamentais, político-partidários, as
propagandas de tv, os planos e projetos pedagógicos nas
escolas, teremos a ilusória percepção de que realmente
vivemos um período de “aceitação e respeito às diferenças” -
sejam elas quais forem: étnicas, sexuais, de gênero,
religiosas, culturais, raciais, enfim. Palavras como
diversidade, diferença, identidade e multiculturalismo
adentram as instituições escolares, a mídia, as campanhas
eleitoreiras.

Nessa reflexão buscamos confirmar que nas narrativas, nosso objecto de


análise, a reflexão sobre a identidade é feita, regra geral, com recurso a
memórias do passado, de um passado africano pré-colonial, idealizado e
mitificado como o repositório cultural de um povo barbaramente devastado
pelo processo de
215
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subalternização e de destruição identitária protagonizado pela acção colonial


num passado relativamente recente e indelevelmente marcado. «Nós os
Mucangas temos obrigações para com os antigamentes». (A V.F. p. 11)

No seu livro Couto faz um questionamento à subversão dos valores culturais


a que está sujeita a sociedade moçambicana. A este propósito Saúte
(1998:13) cita o autor como tendo afirmado o seguinte: “descobrimos
caminhos marítimos e terrestres, falta-nos descobrir o caminho humano para
o futuro”, numa clara alusão à ausência de um código de valores morais, o
que não deixa de constituir uma crítica à sociedade moçambicana face à sua
degradação.

Entretanto, não é apenas Mia Couto que revela essa inquietude e questiona a
problemática de identidade na sociedade moçambicana. A subversão de
valores é uma questão que preocupa várias sensiblidades da sociedade
moçambicana, constituindo-se como um tema de reflexão e recorrentemente
debatido. Por exemplo, Saúte (1998:13), apoia a tese de Mia Couto,
considerando que “num mundo condenado a toda a espécie de desconcertos
e à hostilidade no que se refere à definição dos princípios, que essa
descoberta do caminho para o futuro se faça, sobretudo a partir de um
encontro entre culturas no qual todos nós seremos sempre ‘mestres do sonho’
ou ‘narradores’ da sobrevivência.”

No livro de Cassamo, por sua vez, tematizam-se vários episódios tradicionais


característicos do tecido social moçambicano, marcado entre outros
acontecimentos, pelo relato de temas que têm a ver com utopias sociais e
frustração de sonhos, o drama da fome e os males dele decorrentes como a
anarquia e o oportunismo. A tradição está representada na escrita de
Cassamo pela personagem Ngilina, mulher cruelmente violentada pelo
marido, mas por respeito ao ritual do lobolo não tem como se libertar do
martírio a que está sujeita: «O corpo dói, sim, mas dói é muito muito coração.
(...) Podia ir para casa descansar sofrimento. Mas qual manera se o pai comeu
todo o dinheiro do lobolo no nthonthontho e no vinho do monhé da vila?».
(O R.M. p. 13).

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Entretanto, embora mergulhada no martírio, «Chaga na bochecha, boca


inchada, nariz arranhado, dentes partido, é vida mesmo? Assim não é vida,
não. É melhor morrer mesmo. Morrer é mesmo bom. Tudo acaba, tudo. Sim
valapena morrer...». (O R.M. p. 11) reside em Ngilina múltiplos sentimentos:
de conformismo, consolo e insuperação das leis socialmente construidas e
cristalizadas com o tempo. São sentimentos que se podem traduzir na fé, na
crença e na esperança que a alimenta diante de uma força suprema, não
humana, mas sobrenatural: «Mas é assim vida de mulher. Paciença... Só o
chicuembo sabe...». (OR.M. p.11).

Contudo, como que a confirmar a tragicidade do fenómeno da morte aludido


no próprio título esta fé, esta crença e esta esperança terá mesmo que
culminar em fatídico pesadelo, cujo preço só a vida da Ngilina pode custar,
com o seu suicídio:

Ngilina dorme o sono de xiluva no meio da selva. Ngilina foi


xiluva que murchou. No mato os bichos lutam e amam. O
choro da rola é choro de verdade mesmo. E todos outros
bichos do mato vão também chorar Ngilina. Embora os olhos
muito abertos dorme o sono de nunca acabar, nunca, nunca
mais. (O R.M. p.13).

No que diz respeito à simbologia do espaço nas duas obras lembremos que
em A V.F. Ermelindo Mucanga é sepultado junto à árvore, nesse caso
frangipani, como alternativa do canhoeiro: «Na minha terra escolhem um
canhoeiro”. (...) Mas aqui, nos arredores deste forte não há senão uma
magrita frangipaneira. Enterraram-me junto a essa árvore». (A V.F. p.12).
Por seu turno, em O R.M. Ngilina vai suicidar-se também junto à árvore,
canhoeiro, o que pode ser interpretado como metáfora da amnésia cultural,
sobretudo, da população urbana: (moçambicana): «Ngilina acordou cedo.
Pegou na corda e no machado. Parecia que ia na lenha. O sol encontrou-a no
caminho. Chegou no mato andando devagarinho. Subiu no canhoeiro,
amarrou corda no ramo e a outra ponta no pescoço. Depois largou-se no ar e

217
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ficou a lengalengar». (O R.M. p. 12).

Analisando os dois excertos, constatamos um facto curioso e interessante


marcado pela coincidência de referência espacial, neste caso a um tipo
específico de árvore, canhoeiro. E, do que sabemos, esta árvore reveste-se de
um valor simbólico cultural importante na tradição da região sul de
Moçambique. O canhoeiro é uma árvore mítica, na base da qual se fabrica o
canhú, bebida tradicional prepada e consumida em determinada época do ano
e sobre a qual se realizam rituais tradicionais.

Como podemos depreender o facto de, tanto Ermelindo Mucanga,


personagem principal da narrativa A V.F. quanto Ngilina, também
personagem principal em O R.M. escolherem o canhoeiro como local de
repouso eterno significa fidelidade cultural e um apego profundo à terra-mãe
e às tradições que são, no fundo, a marca da sua identidade cultural. O
canhoeiro é, assim, um espaço identitário.

Outro dado de relevo e importante de análise da escrita de Cassamo em O


R.M. reside na sua estratégia de construção da narrativa que, para melhor
traduzir o carácter nostálgico e sentimentalista da sua obra, vai buscar na
estética do Romantismo uma das mais importantes formas de descrição
paisagística, que consiste na convocação dos elementos da natureza rústica
e exótica como o cantar da rola, a selva, a corda ‘tesa’ no pescoço da Ngilina,
caracterizados pelo seu valor lúgubre, soturno e melancólico, tipicamente de
paisagens nocturnas e sombrias, ou seja, aquilo que chamaríamos de uma
gramática poemática do locus horrendus dos românticos.

Como que a coroar e a conferir um cunho marcadamente realístico à sua


escrita e, ao mesmo tempo, moçambicanizar o seu discurso, Cassamo faz uso
de uma técnica que consiste na gradação31 descritiva e minuciosa dos
acontecimentos começando, primeiro, por convocar o choro da rola e; de

31
Segundo Paz e Moniz (1997: 102) gradação é uma figura de estilo que consiste no
encadeamento das palavras ou ideias de uma forma gradual, seja progressiva, seja
regressiva. Ao primeiro caso chama-se gradação ascendente e ao segundo, gradação
descendente.

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seguida, os outros bichos que também vão chorar Ngilina; terminando com
a feliz descrição nostálgica e emocionante onomatopeização32 do sentimento
de dor, característico do sul de Moçambique: «Mamanôô, Youé». (O R.M.
p. 13).

A frustração do sonho, por sua vez, está personificada em Moisés, o rapaz


que, como para não fugir à regra e, cumprir com a tradição da maioria dos
jovens da sua idade e região, migrara para a África do Sul em busca de
melhores condições de vida e voltara doente: «Partiu aos dezanove anos sem
dizer adeus. Nenhuma carta desde então. Chegada a notícia da sua morte a
família vestiu luto. É ainda dentro dessas roupas de dor que o Morto encontra
a velhota». (O R.M. p. 77).

Assim, se por um lado a morte de Moisés pode ser interpretada como castigo
divino ou maldição por desrespeitar a tradição da terra, (Partiu aos dezanove
anos sem dizer adeus) podemos, por outro lado, inferir que há um ideal de
recuperação de memórias antigas fundadas nas Sagradas escrituras.
Lembremos, a propósito, que Moisés é um nome resgatado nas narrativas
religiosas e que nos lembra a peregrinação dos israelitas em busca do bem-
estar nas terras faraónicas do Egipto que, no entanto, não se verifica, sendo
Moisés o enviado de Deus para salvar os peregrinos.

A fome, outra temática em destaque na obra, pode ser constatada no conto


Laurinda, tu vai mbunhar, com o episódio da bicha do pão: «O alcatrão ferve,
Laurinda não o sente. Como querem que ela sinta o alcatrão se a cabeça dela
está cheia de pão? O pão rouba força nos joelhos, cega os olhos, gira o juízo
da Laurinda». (O R.M. p. 17).

Assim, o retrato da fome pode ser interpretado como metáfora do tempo,


neste caso para assinalar, do ponto de vista cronológico, um momento
historicamente marcado no processo de (re) construção pós-independência

32
Segundo Ramos (1999: 608) a onomatopeia é uma figura de estilo que consiste na
representação auditiva ou visual por meios dos sons das palavras, além do respectivo
sentido.

219
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que caracteriza a melindrosidade do percurso da ainda jovem nação


moçambicana.

Como já o dissemos, à fome juntam-se outros males sociais, como a anarquia


e o oportunismo: «Os olhos da Laurinda procuram milícias. Onde ‘stâo? O
serviço deles afinal é qual? São ‘sperto: chega parece qu’stá ver bicha. Vai
no balcão, enche o saco e vai mbora (...) porque tu que dormiu na bicha é
mamparra. É bom assim? (...) Agora ‘stá ver?! Não é miliça esse que vai com
pão a rir com uma minina? Malandro!». (O R.M. p. 17).

A partir desta visão geral da temática e das estratégias narratológico-


discursivas, embora diferindo no estilo, o que não constitui de forma alguma
surpresa, Mia Couto e Suleiman Cassamo assentam a sua escrita no vasto e
rico património cultural da sociedade moçambicana, evidenciando os
sonhos, as utopias e as tensões sociais características de um povo que tem no
culto da tradição e da ancestralidade os seus símbolos de afirmação
identitária, mas que ao mesmo tempo, se vê na rota da nova conjuntura
social, cujos valores se resumem na celebração da tecnologia e dos
fenómenos adjacentes.

As sociedades africanas, subsaharianas principalmente, possuem um


conjunto de práticas culturais enraizadas e mitificadas na relação entre vivos
e mortos, segundo as quais a morte não representa o fim, mas a passagem do
indivíduo para outro estágio de existência rodeado de muitas interpretações
subjectivas e que representa importante papel para os restantes membros da
família ainda vivos.

Como temos vindo a afirmar recorrentemente as práticas relacionadas com a


magia, o culto dos ancestrais e da tradição parecem ter uma dimensão
universal, mas é nas sociedades africanas que ocupam um espaço
privilegiado reconhecendo-se-lhes o estatuto de sociedades historicamente
alicerçadas sob os valores tradicionais. A historicidade das práticas
ancestrais parece remontar das próprias origens dessas comunidades, muito

220
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antes do tráfico de escravos, uma vez que já nesta era, segundo Moreira
(2010:36) citando Souza (2003):

Em suas bagagens imperceptíveis, traziam montões de


memórias: seus deuses, seus vivos e seus mortos, seus contos
e fábulas. Os que voltavam, compulsória ou espontanemente
também levavam outros vivos e mortos, em sua bagagem de
retorno, como para não deixar de lembrar as experiências
vividas na diáspora.

Um dos aspectos importantes a reter na citação acima e que constitui


característica fundamental da literatura oral, fonte de inspiração de muitos
escritores africanos, é o papel da memória. Como se pode ler, a memória
parece ser a bagagem mais importante dos africanos levados para a diáspora
como escravos pelo facto de, conforme o autor, tanto os que vão quanto os
que voltam levarem sempre em sua memória os seus antepassados.

A memória assume, portanto, na literatura desses povos, uma dupla função,


nomeadamente reconstitutiva e estruturante. Reconstitutiva porque por meio
dela se recuperam valores, conhecimentos, doutrinas seculares que foram
construidos, cristalizados e enraizados no decorrer do tempo, tornando-se
autênticas leis e instrumentos normativos da sociedade; estruturante pelo
facto de funcionar como um código de conduta, devendo, para tal ser
contínua e rotineiramente retransmitido às gerações em forma de legado
patrimonial, tese corroborada por Noa (2002: 16) que citando (Langer
1953:263) afirma:

Se a memória funciona como o grande organizador das


consciências, o tempo com o qual ela mantém uma ligação
indissolúvel, adquire nos sistemas culturais uma importância
fulcral por se instituir, na percepção sistematizadora de
Edward Hall (1983: 11), como uma linguagem, um princípio
organizador, um factor de síntese e de integração, um meio
de estabelecer prioridades, um mecanismo de controlo de

221
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acontecimentos, um padrão que permite avaliar competências


e um sistema de mensagens particulares.

A respeito do valor reconstitutivo da memória encontramos, quase sempre,


o recurso nas literaturas africanas (moçambicana), ao conhecimento antigo
interiorizado em histórias e provérbios envolvendo personagens humanas,
sobretudo dos velhos e também de animais pequenos e fracos, mas nem, por
isso, menos inteligentes, e também dos gigantes e fortes, porém, quase
sempre vulgarizados e abocanhados pela saga dos primeiros.

Embora intactos e fiéis às suas características, a maioria das personagens


representa diferentes comportamentos sociais actuando em forma de tipos33:
«Lhe conto uma história. Me contaram, é coisa antiga, dos tempos de Vasco
da Gama. Dizem que havia, nesse tempo, um velho preto que andava pelas
praias a apanhar destroços de navios». (A V.F. p. 48).

Na interpretação do excerto acima dois aspectos ressaltam à vista: - a ênfase


atribuida ao vocábulo contar pela repetição do seu uso: - «Lhe conto uma
história. Me contaram, é coisa antiga (...)» - que, como sabemos é um
importante instrumento ao serviço da tradição oral, um património universal,
mas frequentemente apontado como sendo africano, por excelência, pelas
razões sobejamente conhecidas – o facto destas comunidades só conhecerem
a escrita muito tardiamente fez com que, durante séculos, a transmissão do
seu legado fosse garantido pela via oral, de geração em geração.
Paralelamente ao uso recorrente da palavra contar, sintomático da tradição
oral, note-se, também que o narrador convoca, quase que em jeito de
confrontação, duas representações culturais e civilizacionais historicamente
distintas e conflituantes: a africana e negra metaforizada pela figura do velho
preto e europeia, branca personificada em Vasco da Gama.

33
O tipo é uma personagem represenatitiva, que sintetisa os defeitos, costumes e
comportamentos de um determinado grupo social. É um tipo de personagem frequentemente
usado em peças de teatro com fins críticos e satíricos.

222
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Neste sentido, destaque especial deve ser dado à técnica de adjectivação.


Facto é que o adjectivo preto anteposto a outro adjectivo, velho, embora este
último funcionando como substantivo desempenha um papel distintivo que
avulta de diferentes visões do mundo estando, por isso, no centro de toda a
estratégia de demarcação identitária.

E a figura do Velho? O velho, o ancestral, sobretudo, cumpre na narrativa


africana de tradição oral um estatuto especial. Muitas vezes representado
como sábio e redentor é uma figura mítica, incontestável e consensualmente
idolatrada e venerada em quem reside a fonte do conhecimento, em
confronto directo com o espaço da biblioteca na cultura ocidental.

Assim, o Velho preto é uma figura mítica, da qual a África (Moçambique)


se pode orgulhar e, analogicamente, equiparada à figura de Vasco da Gama,
o orgulho português e herói que transcendeu as fronteiras do país e ganhou
a dimensão mítica no que a história da navegação diz respeito, à qual se
atribui aquela que é, inegavelmente, uma das maiores conquistas que a
humanidade ousou conhecer - as descobertas marítimas que transformaram
o mundo e o catapultaram para a Idade Moderna.

À semelhança do que acontece na narrativa A V.F. a figura do velho também


merece espaço epecial em O R.M., mais especificamente no conto Vovó
Velina, onde são relatados episódios de uma anciã que vivia numa zona rural
e que vai à cidade à procura do seu filho que para lá migrou, vive e trabalha.
«Vovó Velina vestia vestido de xicalamidade. Graande34. (...) Assim
navegou ela, manhã inteira, meio Mundo, a perguntar é onde peredo Tavar,
ai onde que vive meu filho Arnesto». (O R.M. p.61).

Neste excerto são colocadas em jogo duas figuras distintas, a do velho e do


novo representadas, respectivamente pela mãe, Vovó Velina que vive no
meio rural e o filho, Arnesto que vive na cidade como que a simbolizar as
relações dicotómicas entre o campo e a cidade, o velho e o novo, tradição e

34
[sic]

223
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modernidade, mas ao mesmo tempo está subjacente a ideia de transmissão


do legado dos mais velhos para os mais novos.

Mas a referência aos velhos e novos não se esgota tão somente nesses
episódio. Resvala um pouco por todas as histórias que enformam as
narrativas, como que a confirmar a profunda e secular tradição de
transmissão do legado cultural, do velho para o novo. «Certa vez, a família
Macie reuniu. O velho Macie, a capulana a subir até aos joelhos juntos, as
costas a confundirem-se com a parede de barro, fumando cachimbo, e a velha
Nguanasse, ar submisso, olhos no chão, com casca de cana-doce riscando o
chão, esperavam o filho». (O R.M. p. 69).

No tocante às estratégias narratológico-discursivas destaque vai para o uso


do provérbio, um dos géneros da literatura oral, típica da tradição africana.
O provérbio é uma estratégia discursiva amplamente explorada na obra de
Couto, à semelhança dos sábios e figuras lendárias antigas, o que confere à
sua obra uma dimensão apocalíptica e recuperadora de memórias e, ao
mesmo tempo de escrita comprometida, neste caso com a identidade. «quem
confunde céu e água acaba por não distinguir vida e morte; até já me
pergunto: o chifre nasce antes do boi?»35 (A V.F. pp. 50, 61).

A crença nos poderes da magia constitui outra forma de manifestação da


tradição na obra com o relato do episódio dos naparamas, supostos
guerilheiros mágicos, imortais surgidos durante o tempo da chamada guerra
dos dezasseis anos: «- Estou imune às minas, patrão. Não esqueça eu já fui
um naparama». (A V.F. p.114).

Os vestígios da escrita identitária nas obras em análise são ainda reportados


pela simbologia dos próprios títulos, a avaliar pela tragicidade semântica, por
exemplo, da expressão ‘o regresso do morto’ na obra de Cassamo e o caráter
localista e exótico do termo ‘varanda do frangipani’ na obra de Couto, mas,
ao mesmo tempo, se ajuntam a essas características o seu valor metafórico

35
Itálico nosso, com a função de evidenciar o discurso proverbial.

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que, como adiante buscamos demonstrar, encerram importantes traços


socioculturais característicos da cultura (moçambicana).

A respeito da função simbólica dos títulos das narrativas comecemos,


primeiro, por meditar a seguinte passagem textual constante do livro de
Couto: «Me ajudou o ter ficado junto a uma árvore. Na minha terra escolhem
um canhoeiro. Ou uma mafurreira. Mas aqui, nos arredores deste forte, não
há senão uma magrita frangipaneira. Enterraram-me junto a essa árvore». (A
V.F. p12).

Neste excerto, Ermelindo Mucanga, personagem principal, atribui à


frangipaneira um papel redentor, funcionando como seu cúmplice e
confidente tradicional, onde, segundo suas crenças, devem ser realizados os
rituais, pese embora em alternativa ao canhoeiro e mafurreira, árvores
mitológicas, segundo sua tradição. A árvore frangipani encerra, portanto,
uma metáfora da identidade moçambicana e sintetisa, em si, toda a
intencionalidade semiótica da narrativa.

Quanto ao título da obra de Cassamo, se podemos assumir a expressão ‘o


regresso do morto’ como sintáctica e semanticamente aceitável, o mesmo já
não acontece do ponto de vista pragmático e factual. Trata-se de uma
proposição com valor inequivocamente contraditório e inconcebível em
qualquer parte do mundo, pois, salvo raras excepções fundadas em crenças,
nunca um morto pode regressar.

Contudo, admitimos a possibilidade de sua ocorrência em certas crenças que


acreditam na reversibilidade do fenómeno, tanto mais que confiam e
dedicam aos mortos um conjunto de devoções relacionadas com a sua
existência, através do culto da ancestralidade e respeito pelos rituais
tradicionais. «Os mortos, quando regressam, diziam, trazem a cruz pesada
da sua própria tumba dobrando-lhes a coluna. Porém, nunca ninguém os viu
de regresso. Mas eis que este retorna». (O R.M. p 75).

Por incrível que possa parecer o mesmo fenómeno (morte) é também


retratado na obra de Couto:

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«Não foi só o devido funeral que me faltou. Os desleixos foram mais longe:
como eu não tivesse outros bens me sepultaram com minha serra e o martelo.
(...) Nunca se deixa entrar em tumba nenhuns metais. (...) Com tais
inutensílios, me arrisco a ser um desses defuntos estragadores do mundo».
(A V.F. p. 12). Não obstante o facto de não se fazer alusão ao regresso físico
do morto, note-se a atribuição de qualidades vitais a um morto, primeiro
porque é ele próprio que fala e, segundo porque aventa a possibilidade de ser
estragador do mundo.

Ademais, ainda na mesma citação está subjacente a crença nos poderes


mágicos e sobrenaturais transparecendo-se, simultaneamente, que a violação
dos rituais do fenómeno pode degenerar em perigo e castigo divino para com
os viventes, aquilo a que Matusse considera de determinismo horizontal ou
vertical. «Não o deviam ter feito. Nunca se deixa entrar em tumba nenhuns
metais. Com tais inutensílios, me arrisco a ser um desses defuntos
estragadores do mundo». O (R.M. p. 12).

Portanto, coincidência ou não, a escolha da temática da morte tanto por Mia


Couto, quanto por Suleiman Cassamo parece-nos proposita, deliberada e
estrategicamente funcional por esta se revistir de um carácter enigmático e
misterioso e de dimensão universal, o que confere, por isso, maior
aceitabilidade e reconheciemto à sua escrita atingindo, deste modo, muitos e
diferentes estratificações estatutárias de leitores, o que pode ser confirmado,
aliás, pelo número de traduções de que tais obras são objecto, como se pode
ler no preâmbulo da obra de Cassamo:

(...) Tal é o caso de O Regresso do Morto, pela primeira vez


para nas estantes em 1989, tendo desde logo caído nas graças
do público nacional e estrangeiro. São disso testemunhas as
sucessivas edições em Portugal, Espanha e França, com a
UNESCO, em 1994, a considerar a obra como representativa
do património literário universal.

226
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De igual modo, para não fugir à regra, a escrita de Mia Couto é também
merecedora de elogios com referência às inúmeras traduções linguísticas e
simpatias que granjeou, podendo-se ler na nota biográfica do autor constante
do seu livro A V.F.: “Várias obras do escritor moçambicano foram traduzidas
ou estão em curso de tradução para diversas línguas, nomeadamente francês,
italiano, sueco, alemão, espanhol, holandês e norueguês”.

A avaliar pelo pragmatismo desta escrita que se caracteriza por um inusitado


esforço de conferir à obra um carácter verosímil com temáticas que
conjugam o real e o fantástico certamente que os autores se enquadram na
perspectiva de continuidade de uma estética, no conjunto dos que fazem da
literatura um meio de consciencialização a partir do qual se reconhece o
sincretismo, a diversidade sociocultural e a necessidade de um pluralismo
coabitacional, como refere Noa (1997: 105), no seu comentário sobre a
poesia de Rui Knopfli:

De um modo sumário a poesia de Knopfli articula aspectos


temáticos e estruturais que não só a colocam adentro de uma
tradição fundadora e fundamentadora da literatura
moçambicana, como também projectam esta mesma obra no
futuro de uma literatura e de uma nação cônscias da sua
diversidade e da sua inevitável interacção com o mundo.

Podemos, portanto, com base nestes testamentos, sublinhar que se trata de


uma estratégia literária, independentemente do seu carácter consciente ou
não, aparentemente bem-sucedida no que ao impacto universal da literatura
diz respeito, o que é, aliás, sublinhado por Chabal (1994:24), ao se referir
sobre as estratégias literárias dos autores africanos: “As três estratégias
gerais adoptadas pelos escritores africanos – universalista, indigenista e
linguística – são, uma vez mais, rigorosas simplificações de processos muito
complexos”.

De um modo geral as duas narrativas denotam uma estratégia narratológica


ancorada no princípio dialógico, ou seja, todos os elementos estruturantes

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dos textos perfilham de uma relação marcada por factores distintos e


distanciadores passando para uma relação de aproximação e interacção,
própria do sincretismo cultural característico da condição pós-moderna, o
que confirma a tese de que a identidade moçambicana só pode ser
(re)construida numa relação de convivência multicultural e no respeito pela
diferença e diversidade cultural, facto que sanciona o enquadramento das
narrativas na literatura pós-colonial.

Bibliografia

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CHABAL, P.. Vozes Moçambicanas – Literatura e Nacionalidade. Lisboa,
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COUTO, M.. A Varanda do Frangipani. Maputo, Ndjira, 1996
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MATUSSE, G.. A Construção da Imagem de Moçambicanidade em José


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Universitária, UEM, 1998

MOREIRA, A.. Africanidade: morte e ancestralidade em Ponciá Vicêncio e


Um rio chamado tempo e uma casa chamada terra. Disponível na internet
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Fevereiro de 2014

NOA, F.. Literatura Moçambicana – Memória e Conflito. Maputo, Livraria


Universitária, 1997

_______. Império, Mito e Miopia – Moçambique como Invenção Literária.


Lisboa, Editorial Caminho, 2002

PACHECO, J.. Identidade Cultural e Alteridade: Problematizações


Necessárias. Disponível na internet via WWW. URL: http://unisc.br/
site/spartacus/edições. Arquivo capturado em 23 d3 Maio de 2014

PAZ, O. e MONIZ, A.. Dicionário Breve de Termos Literários. Lisboa,


editorial Presença, 1997

SAÚTE, N.. Os Habitantes da Memória. Praia Mindelo, Printer Portuguesa,


1998

O estatuto das personagens como expressão da literatura colonial em


Zambeziana: cenas da vida colonial

Amândio Paulito Abacar

INTRODUÇÃO

O presente trabalho intitulado “O estatuto das personagens como expressão


da literatura colonial em Zambeziana: cenas da vida colonial de Emílio de
San Bruno”, está enquadrado no contexto dos estudos da Pós-colonialidade:
hibridismo e multiculturalismo no âmbito das Literaturas Africanas de
Língua Portuguesa. Inserimos uma reflexão de carácter teórico e analítico,
procurando essencialmente lançar alicerces do processo estético da
sobreposição do projecto cultural e civilizacional dos portugueses, o
colonizador, em Moçambique, quanto a nós, um projecto que se assenta

229
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perfeitamente na obra em análise como uma cartografia da literatura


colonial.

A obra Zambeziana: cenas da vida colonial é um romance do português


Filipe Emílio de Paiva, com o pseudónimo de Emílio de San Bruno. O autor
denuncia e desmascara as atitudes do colonialismo português que trata o
negro como escravo, ignorante, sem liberdade, com estatuto de personagem
secundária, figurante e subalterna e, o branco como um ser livre, com cultura
e civilização superiores; ostentando o papel de personagem protagonista.

Assim, pretendemos analisar as relações de convivência e o rótulo atribuído


à personagem negra quando confrontada ao branco e as consequências que
advêm do contacto entre as duas entidades em Zambeziana: cenas da vida
colonial na era colonial.

Face ao risco e a delicadeza provocados pelo desconhecimento deste assunto


e, por outro lado o receio de suscitar o sentimento de culpa, hoje, diante do
discurso da globalização, falar da literatura colonial não se afigura como
matéria de fácil abordagem.

Quanto à metodologia, usamos a consulta bibliográfica e a análise da obra


na perspectiva da literatura colonial, através do retrato das personagens e a
sua relação dentro da obra, pois julgamos ser representativa e exaustiva.

Todavia, por analogia, atribuímos a relação das personagens da obra em


análise o selo da literatura colonial porque se valoriza o branco, superior ao
negro, prevalecendo deste modo a hegemonia do código de valores culturais
e civilizacionais do branco, o colonizador.

Conceituação de literatura colonial e personagem protagonista

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Antes de fazermos a análise do retrato das personagens na obra em estudo,


permitam-nos apresentar a conceitualização do que é literatura colonial e
personagem protagonista para melhor conhecermos e delimitar a área da
nossa acção.

Segundo Laranjeira (1995:26), literatura colonial em África, significa:


«a literatura escrita e publicada, na maioria esmagadora, por
portugueses
de torna-viagem, numa perspectiva de exotismo, evasionismo,
preconceito racial e reiteração colonial e colonialista, em que a visão de
mundo, o foco narrativo e as personagens principais eram de brancos,
colonos ou viajantes, e, quando integravam os negros, eram estes avaliados
superfialmente, de modo exógeno, folclórico e etnocêntrico, sem
profundidade cultural, psicológica, sentimental e intelectual».

Aqui, entendemos que a literatura colonial era produzida pelos lusos que
engrandeciam as qualidades culturais do branco em detrimento do negro
colonizado.

Por sua vez, Noa (2002:46), entende que a literatura colonial traduz «a
sobreposição cultural e civilizacional dos europeus que se manifesta no
silenciamento, subordinação ou marginalização do elemento autóctone».
Constatamos que a literatura colonial consiste na valorização da
portugalidade subjugando o negro, nativo, num silêncio total e completo da
sua cultura e racionalidade.

Ferreira (1989:29) aduz que literatura colonial «nega ou reprime a cultura


autóctone e obriga à cultura metropolitana. (…) despersonaliza o colonizado,
deprime-o, destrói-lhe a imagem (…) coisifica-o e não lhe permite que se
torne sujeito da história». Como podemos ver, a literatura colonial abjura o
negro colonizado o direito de ser o sujeito da sua história e cultura,
transformando-o num objecto.

231
ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Abranches apud Noa (2002:43) advoga que «se na criação literária existe
humanidade, na falada literatura colonial esse sentido de humanidade brilha
pela ausência». Nesta perspectiva, observamos que a literatura colonial nega
e retira a humanização do outro, o nativo, colonizado, objectificado,
alienado, oprimido e dominado, atribuindo-lhe uma nova nomenclatura, a
sua coisificação.

Ferreira (1977:10), assevera que a literatura colonial:


«define-se essencialmente pelo facto de o centro do universo
narrativo ou poético se vincular ao homem europeu e não ao homem
africano. (…) o homem negro aparece como que por acidente, por vezes
visto paternalisticamente e, quando tal acontece, é já um avanço, porque a
norma é a sua animalização ou coisificação. O branco é elevado à categoria
de herói mitico, desbravador das terras inóspitas, o portador de uma cultura
superior».
Mais uma vez, notamos que o apanágio é a maior típica raça europeia que
tem, que move e comove o comboio cultural e civilizacional; e o negro é um
animal que nem boleia pode apanhar, mas por engano pode empurrar o
comboio daquele quando avaria.

Abranches discutido por Noa (2002:45), entende a literatura colonial, como


aquela «que pretende contar as reacções do branco perante o meio ambiente
do negro (…) descrição que nos introduz perante as pessoas imaginariamente
vindas de ambientes culturais desenvolvidos, civilizados, para meios
ambientes primitivos».

De forma excludente, por excelência, no que diz respeito à cultura e a


civilização, o branco aparece na literatura colonial como o ser supremo e
imaculado enquanto o negro é um ser esquisito, estranho e selvagem
culturalmente.

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Ferreira citado por Noa (2002:45), aduz que literatura colonial «é a expressão
de uma prática e de um pensamento que assentam num pressuposto da
superioridade cultural e civilizacional do colonizador». De acordo com o
postulado do nosso autor, deduzimos que a literatura colonial é um projecto
cultural e civilizacional que visa glorificar o branco e subestimar o negro.

Para Laranjeira (1995:27), a literatura colonial «servia para devolver ao


leitor a imagem do seu papel de desbravador de terras e civilizador de gentes,
reiterando-lhe a consciência de um ser de condição e estatuto superior».
Depreendemos que a literatura colonial conferia a metrópole a celebridade e
a medalha dum povo com uma cultura acima do negro.

Segundo Ferreira (1989:239-240), na literatura colonial «as personagens


europeias são dotadas de vontade própria, lutam perseguindo os objectivos
dos seus desejos, aspirações, anseios, as africanas são limitadas (…) inertes,
sem vibração: tristes, obedientes, sem rumo e sem ideal, sem consciência de
si».
Nesta perspectiva, entendemos que a literatura colonial confere ao
interveniente branco a liberdade de ofuscar o negro, impondo-lhe uma
obediência cega aos apetites e prazeres do europeu sob pretexto de que o
branco é um motor, uma máquina pensante enquanto o negro está desprovido
destas qualidades.

Ferreira (1989:257) usando as categorias e distribuição de Greimas assume


que na literatura colonial «o objecto do Desejo é a perpetuação do
Colonialismo; o Sujeito é o Colonizador; o Destinador é o Colonialismo; o
Destinatário é o Colono; os Adjuvantes são os Colonizadores; os Oponentes
os Colonizados».
Verificamos que por motivos ocultos e intenções estranhas, na literatura
colonial, ao colonizado, lhe é reservado o papel de assistir ou de impugnar
as ambições do colonizador que se assume como o ponto de partida e de
chegada da civilização.

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Noa (2008:33) discute e apresenta a fase exótica da literatura colonial


caracterizando-a como sendo aquela que «representa a emoção do escritor
perante a terra e gentes estranhas e diferentes».
De facto, nós vimos e testemunhamos aqui a fase exótica da literatura
colonial, pois dadas as circunstâncias da ideologia, terminologia e discurso
desta fase encaixamos aqui a obra em análise; visto que a personagem branca
retrata o negro com o estatuto de gente estranha, em terra igualmente
estranha.
Além da literatura colonial que serviu de baluarte teórico ao nosso
trabalho, também recorremos à definição de personagem protagonista. Para
tal, Ceia (2014)36, afirma que personagem protagonista « é o personagem
mais importante da obra, do qual a história gira em torno. Geralmente é o
herói e alguns casos pode existir mais de um».

Aqui, entendemos que é sobre a personagem protagonista que toda trama se


desenvolve e as principais acções são realizadas por ela e sobre ela.

Por sua vez, a definição disponível em


http://pt.wikipedia.org/wiki/Personagem, sustenta que personagem
protagonista «é o personagem mais bem desenvolvido na história. Ele é o
centro nervoso da trama que sustenta o eixo narrativo. Todos os eventos,
personagens e elementos da história giram ao seu redor».

Depreendemos que personagem protagonista é o pivô que o narrador usa


para suportar e dar vida ao texto narrativo através da participação do maior
número de acções.

Análise da obra Zambeziana: cenas da vida colonial tendo em conta o


estatuto das personagens branco vs negro na literatura colonial

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E-Dicionário de Termos Literários de Carlos Ceia

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Tal como afirmamos na introdução, a nossa análise será feita a partir do


retrato do estatuto das personagens branco vs negro na obra em análise tendo
como pressuposto a literatura colonial.
Assim, depois de termos visto que a literatura colonial trata o branco com
superioridade cultural e civilizacional em oposição ao negro que é portador
de uma cultura inferior, palmilhemos para a análise propriamente dita.

Como ponto de partida da nossa análise comecemos por caracterizar o título


da obra, “Zambeziana”, que representa a negra N´fuca, a metonímia da
mulher zambeziana com uma beleza estupenda, maravilha venerada pelo
branco, pois se contrasta ao pensamento selvagem produzido pelo artifício
do colono para alterar e desviar a ordem natural dos africanos.

Nesta vertente, constatamos a chegada do Paulo, o branco e imigrante, a um


lugar em miniatura onde a província é tratada como distrito, o nativo como
um sem nome, é animalizado, tal como documenta o exemplo: “…no cais
distrito da Zambézia… atrás dele seguia o Rato-cego…” (P. 7).

Assim sendo, esta reacção colonial será o primeiro tentame na obra em


análise que, segundo NOA vai denunciar o silenciamento, a subordinação ou
a marginalização do elemento autóctone.

Constatamos o postulado acima citado quando o branco qualifica o negro


moçambicano com valores sociais e simbólicos e, reagindo ao racismo
branco o autor mostra e demonstra que o negro não é inculto, selvagem,
cafre, mas que estes atributos aparecem ao branco quando é menos
inteligente e vê o negro com uma carga pejorativa de animalidade: “Paulo
desembarcou … atrás dele seguia o Rato-cego…para o acompanhar…” (P.
7).

Mais adiante, corroboramos com Ferreira citado por Noa quando aduz que
literatura colonial é a expressão (…) de um pensamento que assentam num
pressuposto da superioridade cultural e civilizacional do colonizador. Pois,
Nascimento, sendo um jovem,

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mas por ser branco é atribuído uma escala de valores culturais e


civilizacionais que visam glorificar o branco e subestimar o negro; se não
vejamos: “ O jovem Nascimento, inteligente, estudioso, bem orientado por
competência …de regresso à metrópole… ” (P. 8).

Ainda na senda do estatuto das personagens e nesta relação conflituosa,


concordando com Abranches apud Noa que advoga que na falada literatura
colonial esse sentido de humanidade brilha pela ausência; no seguinte
exemplo: “Rato-cego…depôs a bagagem…o preto desapareceu…” (P.47),
testemunhamos que, se uma pessoa está recheada de qualidades, aqui, esta
qualidade humana de facto, brilha pela ausência, acrescido ao tratamento
malicioso, pois no lugar de se despedir, desaparece sem deixar rastos e, no
entender do branco, o preto é pré-lógico e irracional.

Mais uma vez, observamos que o branco se assume como o ponto de partida
e de chegada da civilização quando atribui ao negro a ignorância de que não
conhece o barco, consequentemente não move palha para sair do covil, da
fornalha onde se abriga. Para o branco, a terra era inóspita sem condições
para habitar: “…nem a chegada do vapor…tira esta gente das tocas…Paulo
incomodado pela temperatura…parecia-lhe …à boca de um forno” (P.47).

Admitimos ainda que na página seguinte o narrador aborda a questão da não


consideração do negro como humano, mas que só se podia considerar como
uma máquina de trabalho, desprovido de direito à justiça (indolente)
espezinhado pelo patrão, maltratado sem direitos humanos e sujeito aos
abusos do patrão; outrossim constatamos que o branco Lucena e o chicote
simbolizam o poder superior do branco e a opressão colonial, comprovemos
a seguir: “ Lucena… toma conta dos pretos…nas oficinas bateu de …chicote
debaixo do braço” (p.52).

Além do que ficou dito, temos a salientar que o estatuto das relações entre as
personagens branco vs negro manifesta-se pela imitação da forma de falar
do preto pelo branco, como forma de desvalorizar a língua do nativo que é
alheia a do branco e, por outro lado, como forma de acentuar o valor

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

expressivo que melhor representa os propósitos do autor, facto que se


verifica quando Lucena imita o modo de falar do moleque: “...Lucena disse:
- Chamá machilêro!...-Eu vai no Arsinal!” (p.53).

Ainda sobre o estatuto do branco vs negro, o narrador mostra o quanto o


negro era desprezado e tratado como animal que não se deixa prender ou
conduzir pela civilização, pois o branco entende o preto como um ladrão,
com comportamento estranho, fora do comum, é provocação ou desafio à
condição humana e, é ofensivamente desrespeitoso em acto ou palavras:
“Voltar para casa…almoçar em frente de um pretoide velhaco, ladrão e
bronco…” (p.54).

O romance, através do narrador, demonstra-nos o comportamento de


distanciamento do branco, Paulo, em relação à Zambézia terra do preto e a
preferência de Lisboa terra do branco, pois, Paulo estando na Zambézia,
através do tempo psicológico o narrador mostra a sua nostalgia telúrica e da
mulher branca mesmo estando distante. Isto é, há um desenquadramento ou
inadaptação do branco em relação a realidade africana oposta à europeia
(oposição entre o espaço real e imaginário), se não vejamos: “Paulo…tinha
ele querido de boa vontade arrancar-se ao convívio daquela bela e meiga
rapariga deixada em Lisboa ” (p.55).

Concordando com Ferreira que diz que as personagens africanas são


limitadas obedientes e sem ideal; observamos que o branco tão altivo, ofusca
o negro impondo-lhe obediência ao exigi-lo que lhe fale sobre o almoço que
não é da sua responsabilidade. “…quem faz o almoço?... Sambô não pole
sabê siô ” (P. 61).

Para tal, o narrador procura mostrar a limitação do negro pela sua cultura
através de um discurso indígena face a bravura branca e, ao mesmo tempo a
linguagem do negro é ridicularizada e inferiorizada em relação à do branco,
por exemplo: “ – Siô, Cancuné selê cleanço, nã têle…” (p. 62).

Ainda sobre o estatuto das personagens e as relações conflituosas entre o


branco e o negro,

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lamentavelmente constatamos que este dilema manifesta-se na sexualização


da mulher negra que simboliza a sinédoque das mulheres moçambicanas
exploradas duplamente, quer pela mão-de-obra, quer pelo prazer sexual do
patrão e em recompensa recebe o desrespeito, tal como podemos constatar:
“o portuguesinho chega…acaba por agricultar a terra…arranja logo fêmea
que agrade aos sentidos” (p.65).

O narrador apresenta-nos a marca fundamental da colonização, a diferença,


pois através dela, o branco vê em N´fuca um mistério, um enigma e a
extraordinária beleza da negra que leva o branco a estranhá-la, visto que não
foi legitimada pelo branco, daí a dicotomia estética duma mulher bela e
diabólica: “…N´fuca é zambeziana…não era branca, nem preta, nem
mulata!...que diabo!? ” (p.113).

Cremos que o negro se excluiu do papel de perpetuar o “código Standard ”


da língua, mas ao contrário, utiliza-o visando uma nova roupagem,
mesclando padrões dialécticos, coloquiais e / ou, até mesmo, um novo
idioma. E, com a “nova língua” tenta expurgar a do branco, marginalizando-
a; vejamos: “…córri ben!... a mosungo..Sêr issaguati para festa” (p.117).

O colono traz códigos de valores éticos, estéticos e civilizacionais que


determinam o preconceito (estranhamento) quando faz a descrição da negra
N´fuca ocidentalizando-a, podemos testemunhar: “…criatura esquisitamente
bela…corpo de estátua grega, cor de nogueira…” (p.118).

Ainda em relação ao estatuto das personagens e, concordando com Ferreira


quando afirma que na literatura colonial o centro do universo narrativo se
vincula ao homem europeu e não ao homem africano e que a norma é a
animalização ou coisificação do negro. Este fenómeno ocorre quando a negra
N´fuca é valorizada sendo comparada ao mundo ocidental e, mesmo tendo
uma geografia corporal estupenda é animalizada, se não vejamos: “…corpo
esbelto e fino…rosto correctíssimo, nariz perfeito…olhos das
feras…”(p.118).

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

Cenário igual à situação anterior, verificamos quando os seres humanos são


esvaziados da sua condição humana, isto é, constatamos a coisificação da
negra N´fuca, observemos em seguida: “…esquisito…isto é uma
raridade…”(p.119).

A supremacia do branco em relação ao negro entra nos meandros da


Antrpologia quando as qualidades da negra N´fuca não são naturais, mas
graças ao contacto com o branco mais civilizado, a negra primitiva adquire
a educação, “Ela mostra ser educada… uma preta…tem tido convívio com
os brancos ”(p.122).

Não menos importante é o discurso legitimador da empresa colonial,


estereótipo de louvor, de civilização e de superioridade europeia para
justificar a escravatura e a colonização do negro, pois o branco aparece como
o messias que vai salvar e transformar a capacidade intelectiva do preto, “o
certo é…os colonos arranjam…nova orientação mental…suas funções
cerebrais sofrem profundas modificações…melhor…a civilização irrompe
todos os lados” (p.122).

Tal como aduz Ferreira, o branco é elevado à categoria de herói mítico,


desbravador das terras inóspitas, o portador de uma cultura superior e; nós
testemunhamos através do narrador que legitima a hegemonia, a heroicidade
e a cultura superiores do branco em relação ao negro que nos é configurado
como um animal e / ou exótico, perscrutemos: “Até o preto já destila…na
época não se viam casas…estavam por desbravar a selva que os recobria…
” (p.138).

O projecto cultural e civilizacional, rótulo da literatura colonial, que visa


glorificar o branco e subestimar o negro continua sendo uma marca indelével
em todo o romance, visto que o estatuto do branco é superior, ocupando o
pódio e a dianteira do mundo culto marcado pelo grau de desenvolvimento
intelectual tecnológico capazes de transformarem o negro, observemos: “ é

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

necessário atrair gente branca, gente instruída que venha se fixar


aqui…branco é um grande elemento de civilização…de progresso, a
branca…educada” (p.157).

Não só, mas também o narrador mostra-nos nitidamente o desejo e a saudade


do preto (que de forma astuciosa faz calar o bebé) pela sua língua e sua
cancão próprias da cultura tradicional ligadas à oralidade e, através da canção
de nostalgia como forma de consolo serve-se da canção para avivar o seu
coração quando está co-habitado de tristeza, vejamos: “ si..nhá…ra…há…bi
ba...ha…n´fula te te te. – Nibuco na festa onizuela” (p. 189).

O uso de termos indígenas acima transcrito é uma técnica que consiste na


escolha de palavras ou termos “intraduzíveis” dando o significado a apenas
indivíduos do mesmo grupo. Esta técnica é altamente subversiva, pois ela
cria uma armadilha ao colonizador, que necessita entrar na cultura para poder
entender esses termos e vocábulos.

Outro aspecto recorrente em todo o romance é, por um lado, o facto das


personagens negras serem desprovidas de nome, isto é, são tratadas por preto
e nunca pelos nomes, por outro lado, o preto é caracterizado como um ser
desprovido de sensibilidade à estímulos dolorosos e animalizado, tal como
elucidamos: “…há qualquer coisa com o preto…sipai já lhe bateu…mas o
animal volta…” (p. 278).

O narrador mostra esta relação do estatuto das personagens quando apresenta


o negro que se apropria da língua do invasor, e ao mesmo tempo ab-roga-a
produzindo perfeita harmonia do texto de revide e, cria lacunas que sem ser
entendidas pelo branco, contra atacam a branca; qualificando-a como
barriguda (oruculo) e cadela vil (metiava): “Mulhe branca ter
oraculo…malapua metiava” (p. 271).

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A valorização da civilização europeia em detrimento do negro é-nos dada


pelos epítetos de selvajaria, de banditismo e de destruidor de vidas, enquanto
o branco está recheado de valores morais e sociais, vejamos: “…hordas de
negros selvagens, assassinos, bandidos…destruídos…portugueses…tinham
posse”(p.293).

Mais uma vez, o negro aparece-nos como uma vítima inevitável da síndrome
criada pelo branco, pois, o colonizador retrata o negro como sendo o escalão
mais baixo da escala, senão mesmo como o grau zero da ignorância; visto
que o jugo colonial justifica e / ou legitima a perpetuação da colonização
com um simples aprumo concedido aos pretos: “…até os pretos têm outro
aprumo…diga-me se não é necessária uma boa educação colonial? ” (p.301).

Conclusão
Chegados aqui, concluímos que na obra Zambeziana: cenas da vida colonial
há melhor tratamento estético conferido ao branco através da visão
lusocêntrica, bem como maior celebração cultural e civilizacional do
colonizador.

Também concluímos que a temática da obra Zambeziana: cenas da vida


colonial ostenta uma nítida intencionalidade escravocrata, uma opção pelo
branco que se afasta da tentação exotista e, sendo vincadamente defensora
da raça da raiz específica de ser branco.

Desta feita, o romance retrata a colonização (temática fundamental da obra),


o racismo, a exploração da mão-de-obra do negro, o abuso sexual da mulher
negra, a estratificação social, a humilhação do negro pelo branco, a opressão,
as injustiças sociais, a escravatura entre outros aspectos que minimizavam e
subestimam o negro em relação ao branco, o superior.

De igual modo, mais do que ser uma obra que retrata a situação colonial,
vimos, testemunhamos e concluímos corroborando com a ideia de que se
trata da fase exótica da literatura colonial caracterizada pela representação

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

da emoção do escritor perante a terra e gentes estranhas e diferentes.


Portanto, o leitmotive que atravessa todo o romance é a valorização da
personagem protagonista (o branco), prevalecendo deste modo o código de
valores culturais e civilizacionais do branco, o colonizador, o português.

Assim, concluímos que o estatuto das personagens é construído sob uma teia
de relações conflituosas onde o branco é superior, representativo, exaustivo
e homogéneo culturalmente e, o negro aparece em miniatura; daí,
considerarmos a obra como um baluarte da literatura colonial.

Referências bibliográficas

AAVV. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. Lisboa; Verbo,


2001.

BRUNO, Emílio de San. Zambeziana: cenas da vida colonial. Maputo;


Arquivo Histórico de Moçambique, 1999.

FERREIRA, Manuel. Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa.


Lisboa; ICALP, 1977.

_____________ O Discurso no Percurso Africano I. Lisboa; Plátano


Editora, 1989.

LARANJEIRA, Pires. Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa.


Lisboa; Universidade Aberta, 1995.

NOA, Francisco. Império, Mito e Miopia. Lisboa; editorial Caminho, 2002.

_____________ A Letra, a Sombra, e a Água. Maputo; Texto Editores, 2008.

Disponível em꞉ E-Dicionário de Termos Literários de Carlos Ceia. Página


visitada em 20/05/2014, 23 h 51 min.

Disponível em꞉ http://pt.wikipedia.org/wiki/Personagem. Acesso em꞉


21/05/2014, 22 h 37.

Amândio Paulito Abacar

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Análise estético-literária do texto O pescador de Moçambique, de


Campos Oliveira

O poema O pescador de Moçambique é da autoria de Campos Oliveira,


poeta de origem e vivência moçambicana (nascido na ilha de Moçambique
em 1847). Deste modo, estamos diante de um espanador com que se procura
limpar a classificatória da Literatura Moçambicana das excrescências
extraliterárias e da contaminação a que estivera sujeita durante décadas.
Trata-se de mais um tijolo, mais um sustentáculo, mais um estafeta que dá
recheio à este edifício designado Literatura Moçambicana: v (1) « –Eu nasci
em Moçambique». Cuidamos que seja um depoimento antibocejante que
castiga os «outros» com o epíteto que os romanos lhes haviam imposto há
milénios abaixo a barbárie e nós sublinhamos viva a Literatura
Moçambicana.

No que concerne à estrutura formal, constatamos que o poema está disposto


nos seguintes moldes: apresenta seis (6) estrofes uniformes, visto que estão
arquitectadas em oitavas (oito versos em todas as estrofes), perfazendo
quarenta e oito (48) versos heterométricos, isto é, os versos apresentam uma
irregularidade das sílabas métricas, se não vejamos os vv (1,5), «–Eu / nas /
ci em / Mo / çam / bi / que, // sou / pes / ca / dor / des / de a in/ fân / cia»,
que apresentam seis (6) e sete (7) sílabas métricas respectivamente. Outro
aspecto não menos importante é a presença de versos soltos, sendo excepção
os versos vv (2,4) e vv (6,8) que apresentam a rima cruzada, tal como
podemos entremostrar: «…provim /… tinham / …mim» e «…vaguei
/…sustento/ …busquei».

Em relação à temática (consignamos a existência de uma parelha que


constitui o pivô, isto é, o leitmotiv do texto), apuramos a problemática da
identidade que se insere num discurso de protesto no espaço colonial, sendo
acoplada à questão racial que vigorava em tempos idos, tal como podemos
perscrutar: vv (1,3,4) «–Eu nasci em Moçambique // a côr negra que eles

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tinham / é a côr que tenho em mim:». Por outro lado, em demasia, assistimos
a valorização da labuta (trabalho e / ou profissão) da qual o sujeito lírico se
sustenta, confirmemos: vv (5,6,7,8) «sou pescador desde a infância / e no
mar sempre vaguei; / a pesca me dá sustento / nunca outro mister busquei».

Por sua vez, a ideologia que atravessa o poema O pescador de Moçambique,


de Campos Oliveira, assenta na tentativa de dirimir a questão da
estigmatização racial que assolava, Moçambique, seu país natal, atentemos:
vv (1,2,3,4) «–Eu nasci em Moçambique // a côr negra que eles tinham / é a
côr que tenho em mim:».

A motivação patente no poema O pescador de Moçambique, de Campos


Oliveira, anda à volta da diferença racial: vv (1,2,3,4) « –Eu nasci em
Moçambique, / de pais humildes provim, / a cor negra que eles tinham/ é a
cor que tenho em mim».

No que tange à estética, a começar pelo título do poema O pescador de


Moçambique, de Campos Oliveira, traduzimos superiormente este pendor
quimérico e visionário do sujeito lírico. Porém, por analogia, no título do
texto, constatamos que o sujeito lírico mostra a necessidade urgente de se
ultrapassar o fenómeno de estigmatização racial, recorrendo para tal a
exaltação do trabalho da pesca. Uma actividade que identifica o dia-a-dia dos
autóctones da pátria a que pertence o sujeito poético. Aqui, se estivermos
atentos, verificaremos que o sentido de pertença também nos é traduzido pela
preposição «de» patente no título, como forma de enfatizar tal sentido de
posse e / ou de pertença a uma nação / pátria, Moçambique.

Ainda no título do poema corroboramos com o conceito de nação pedagógica


como a que corresponde «ao conceito comum de um país como
Moçambique, Brasil, Portugal, Japão, etc.(…) em nome de uma identidade
comum de onde vem a metáfora de muitos como um » e, acrescentamos, um
por todos, fazemos a cultura de cada um a de todos. Ademais, se
entendermos, aqui, o termo Moçambique como topónimo, pode figurar como
um apelativo, logo são indissociáveis as interacções entre a contrafracção do

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sujeito lírico e o meio a que pertence, numa clara reafirmação do desejo


moçambicano de obter uma nação comum (sem negros e brancos, mas
apenas com moçambicanos) e livre das amarras metropolitanas, da
discriminação racial e da importação cultural.

Mais adiante, na primeira estrofe, verificamos esta dicotomia que deambula


entre duas faces da mesma moeda, nomeadamente: a identidade e a labuta.
A identidade consiste na demonstração da terra natal do sujeito poético que
nos é solicitada pelo locus natalício (Moçambique) para identificar, localizar
/ cartografar (mapear) a origem do sujeito lírico, ex.: v (1) « –Eu nasci em
Moçambique». Enquanto isso, há uma clara demonstração da pigmentação
herdada dos seus progenitores, sendo esta, uma clara manifestação de que
não advém da diáspora (Portugal – à priori superior, diferente); mas que se
trata de um produto local, modesto, quiçá de uma classe social igual a todas
outras, vv (2,3,4) «de pais humildes provim / a cor negra que eles tinham / é
a cor que tenho em mim». A teatralização da labuta consiste em evidenciar
e caracterizar o quotidiano a que o sujeito lírico atravessa a partir da sua tenra
idade à sua posterioridade. Daí que, à semelhança de outros moçambicanos
de baixa renda, também está dependente da pesca. Para tal, ele recorre à três
(3) recursos estilísticos, nomeadamente: o exagero para clarificar a sua
condição social de total dependência do mar, v (6) «no mar sempre vaguei»;
o trocadilho nos vv (6,7) «no mar sempre vaguei / a pesca me dá sustento»
para enfatizar tal dependência e a sua condição social de inferioridade e, o
recurso ao encavalgamento para discorrer logicamente o seu sentimento de
modo a que se dê azo à identidade laboral moçambicana, se tivermos em
conta que o termo mister simboliza ofício, precisão, meta, incumbência e /
ou necessidade vv (6,7,8) « no mar sempre vaguei / a pesca me dá sustento/
nunca outro mister busquei» – numa clara alusão de que nada faz ou sabe
fazer se não trabalhar duro, de sol a sol na pesca desde a sua vinda ao mundo.

Sem pretendermos fazer uma desconstrução estrutural da nossa análise, aliás,


rectifiquemos a ideia anterior, segundo a qual, o sujeito lírico recorre à três
recursos estilísticos, visto que as nossas náuseas clamam por mais um

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recurso totalizando deste modo quatro, se adicionarmos à nossa estrofe


primeira a metonímia que se ajusta ao facto de ser pescador desde a infância
como sendo a identificação do trabalho, da profissão de todo e qualquer
moçambicano que desde ao alvorecer até ao anoitecer nada faz se não
colocar os braços para a lavoura, isto é, trabalhar duro, examinemos: v (5)
«sou pescador desde a infância».

Outras legítimas análises poderão ser feitas, mas a que nos ocorre prende-se
ao uso do animismo que consiste em dar vida ao sol de modo a que se fique
com a clarividência do acto de solidariedade, de companheirismo, de
comunhão e de partilha do quotidiano do sujeito lírico em busca de sustento.
Por outro lado, o sujeito lírico pretende demonstrar que sempre deu a cara à
luta, uma vez que, antes do sol nascer lá está o sujeito lírico na praia para
trabalhar, elucidemos: v (9) «Antes que o sol se levante».

Não menos importante, é o recurso à pontuação, neste caso concreto o uso


da exclamação como forma de expressar quão é o estado de espírito do
sujeito lírico em relação aos riscos e ao perigo pelos quais passa em busca
de sustento, se não vejamos: vv (17,18) «Ter continuo a vida em risco / é
triste coisa – sei que é!».

Ainda na esteira da performance estética, em O pescador de Moçambique, o


tecido social e ideológico engendra uma linguagem simbólica, transfigurada
do real, diversifica-se o tema da labuta, retratando-se a ausência de
capacidades humanas, recorrendo-se a Deus intemerato, que é tido como
figura indispensável e catalisadora que converte em actos as virtudes
inerentes às massas. Sem ele nenhuma progressão seria possível, pois ele é
o primeiro e o último; o começo e o fim de tudo — e daí a ansiedade, o desejo
da paz que toma o povo moçambicano na expectativa duma liberdade e
protecção tão importante igual ao poder de Deus: vv (19,20) «mas do mar
não teme as iras / quem eu Deus depõe a fé;».

Sendo Deus outro figurino sobre o qual somos solicitados a desvendar pelo
sujeito lírico, nesta maratona da identidade e da labuta, tal utopia da nação

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fica de lado e, Deus é a força da razão que nos ensina, primeiro, o amor e a
reverência diante dele todo-poderoso, a quem devemos a existência e a
possibilidade de alcançar a felicidade; e, em segundo lugar, nos ensina a
passar pela vida com o máximo de conforto e alegria, e a contribuir para que
os nossos semelhantes tenham igual destino.

Posteriormente, na senda da nossa análise aduzimos a presença da


interrogação retórica utilizada pelo sujeito lírico com o intuito de dar relevo
ao que diz de modo a acalentar o seu estado de espírito que porventura
precisa de consolo para evitar ser dominado pelo desejo estomacal que se
pode manifestar por intermédio da fome, tal como podemos ver: vv (23, 24)
«mas se a fome não me mata / que me importa o resto a mim?».

São discerníveis as marcas simbólicas de topónimos como que a querer pôr


em contraponto as dúvidas da noção de literariedade moçambicana visto que
há uma extrema discussão voltada para este propósito de abolição da
discriminação racial em torno da identidade privada. O sujeito lírico adverte
aos demais com os locus como sendo os símbolos das culturas, as relações
de identidade com a terra e o trabalho abafados nas mentes separatistas,
ressurgindo e ressalvando propositadamente os topónimos Mussuril, Lumbo,
Sancal com uma nova vitalidade e são convocados sem subterfúgios
literários. O que quer dizer que há esperança e a conjugação de género que
nos remete ao convívio mútuo baseado na igualdade e que seria impossível
com a propriedade privada da terra, da nação / pátria; por isso neste texto
existe a comunhão utópica dos bens da terra que aparecem ou são
convocados como objectos que designam o desejo da união, há cobiça da
catarse dos lugares comuns e não comuns e, o triunfo do homem pleno que
se deixa envolver pelo fascínio da volúpia e se verticaliza na reivindicação
de uma pátria de cidadãos com direito à liberdade: vv (25-32) « Vou da
Cabeceira às praias,/…Mussuril / de Lumbo…/…até Sancal …».

Por sua vez, o sujeito lírico enfatiza a sua condição de moçambicano, não
quaisquer moçambicanos, mas moçambicano que participa da actividade

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laboral, como que a querer demonstrar que a labuta dignifica o homem, razão
pela qual recorre ao paralelismo total para acentuar tal sentimento. Por outro
lado, deduzimos que o advérbio de negação (nunca) transporta em si a ideia
de que o sujeito lírico não conhece, não tem e nunca teve outro contacto
cultural, laboral e identitário além de Moçambique, perscrutemos: vv (5-8) e
vv (41-44) «sou pescador desde a infância / e no mar sempre vaguei /a pesca
me dá sustento, / nunca outro mister busquei».

Na senda da análise estética, o sujeito lírico socorre-se da hipérbole que


possui efeitos poético-evocativos e faz o uso deste, neste poema, para a
criação afectiva de imagens que ultrapassam a realidade, enfatizando deste
modo a ideia de satisfação da fama imorredoura provocadas pela glória e o
orgulho do sangue moçambicano e trabalhador que lhe escorre pelas veias.
Outrossim, há uma tendência de se mostrar conformado com a realidade da
labuta que executa no seu quotidiano mesmo mergulhado nas dificuldades
que a natureza impõe, sendo caso para dizer que quem corre com gosto não
se cansa: vv (45-48) «e enquanto tiver os braços, / a pá e a casquinha ali, /
viverei sempre contente / neste lidar que escolhi».

Sem sombras de dúvida, o lírico, é o género literário que assenta como uma
luva no texto em análise, se não for verdade, tiremos a prova dos nove
chancelando a nossa abordagem com os extractos textuais que a seguir
descrevemos: vv (1, 4, 7, 25) « – Eu nasci … // …é a cor que tenho…/ …a
pesca me dá sustento //Vou da cabeceira».

Se anteriormente asseveramos que o poema O pescador de Moçambique se


enquadrava no género lírico, então temos motivos mais do que suficientes
para dizermos que pelas razões elucidadas no parágrafo acima e, dada a
relevância da expressão de sentimentos do sujeito lírico em todo o poema,
estamos diante da função emotiva ou expressiva da linguagem.

Dada a situação descrita pelo texto, e pelo afastamento temporal em relação


aos dois grandes prismas que selam a branco as literaturas africanas,

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abstemo-nos das marcas do Pan-africanismo e da Negritude.

No que tange à periodização literária, emolduramos o texto no primeiro


período, isto é, o de incipiência segundo Laranjeira; onde temos a
caracterização da fase inaugural da literatura moçambicana.

Portanto, por tudo o que dissemos e pelo que ficou por dizer e, por se tratar
de um relato de sentimentos do sujeito lírico, empenhado a relatar as
questões sócio-ecónomicas, assentes num realismo social e na simplicidade
da sociedade moçambicana, enquadramos o poema no Neo-realismo: vv (1,
4, 7, 25) « – Eu nasci … // …é a cor que tenho…/ …a pesca me dá sustento
//Vou da cabeceira».

Amândio Paulito Abacar

Análise Estético-literária da obra GODIDO e outros contos: Epíteto


Negritudista com que o autor tachou o Negativismo Branco sobre o
Negro

A obra GODIDO e Outros Contos de João Dias sugere-nos as seguintes


temáticas fundamentais: a exploração laboral do negro no campo, a
exploração física da mulher negra e o racismo sob diversas formas:
interdição ou restrição de acesso ao cinema, a violência física e psicológica
(o episódio da viagem de comboio em carruagens distintas ), o analfabetismo
através do bloqueio do acesso à escolaridade, ex.: «mais tarde Godido quis
aprender a ler e deram-lhe panelas para lavar», o comprometimento de uma
certa linha da igreja católica com o regime e a falência da sua função social,
ex.: da cena de agressão a Godido por dois adolescentes brancos.

Nesta vertente, podemos associar a temática à reacção racial e cultural como


um momento de afirmação do negro moçambicano que procura valorizar
todas as suas raízes culturais nacionais. Assim sendo, esta reacção será o
primeiro tentame na obra em análise, que vai proporcionar um fervilhar
cultural, através do tratamento
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obsessivo da raça negra qualificando o negro moçambicano com valores


sociais e simbólicos e, reagindo ao racismo branco o autor mostra e
demonstra que o negro não é inculto, selvagem, cafre, mas que estes
atributos aparecem ao branco quando é menos inteligente e vê o negro com
uma carga pejorativa de animalidade.

Por seu turno, a ideologia que atravessa todos os contos da obra é a denúncia
e o combate ao sistema de dominação vigente na época: o colonialismo
português, isto é, a problemática social, política e económica, simbolizada
na pessoa do sr. Aguiar: «e o sr. Aguiar nas igrejas, nos hospitais, nos
cinemas, no coração da família santos e no entendimento. Até nalgumas
cabeças negras…aqueles anos gotejavam vingança, formavam uma massa
pastosa que estaria em todos os negros e se tornaria rocha onde o sr. Aguiar
se quebraria. A rocha era também o revisor quase homem».

No que concerne ao plano estético, a começar pelo título da obra - GODIDO


e Outros Contos, por analogia, a estética está patente na simbologia da
palavra Godido, filho do imperador de Gaza; que evoca a luta contra o
invasor colonial e também, Godido nos remete para o gigantismo histórico
da figura elevada à categoria de mito de Ngungunhane.

Retomando o ponto de partida da nossa análise, indo concretamente à


caracterização do título da obra, “GODIDO” em maiúscula (metonímia do
povo moçambicano) que representa a personagem protagonista que por um
lado, simboliza vivência e os sentimentos do quotidiano dos moçambicanos
e, por outro lado espelha a resistência contra o colono, por ex: « … o reino
de Godido era o mais forte da região».

Ainda na senda da cartografia estética, a descrição na obra GODIDO e


Outros Contos também nos remete para um efeito estético, tal como
podemos ver: «…à gorda dos caminhos os cajueiros descansavam no alto os
seus frutos amarelos, idênticos a campainhas cujo badalo se recolhe junto ao
cabo por engano. O negro olha os cajueiros, pisa indiferentemente a batata-
doce. Este é o símbolo da vida doméstica: o cajueiro qualquer coisa que

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Godido sente muito acima de si e para o qual volve os olhares cobiçosos: a


civilização». Aqui, a batata-doce simboliza a vida escrava, está situada ao
nível do chão, aparece como objecto de desprezo, por isso a personagem
(pisa) e o caju que se localiza no alto representa ou simboliza a vida digna -
a civilização, da qual deduzimos que o caju simboliza um projecto cultural e
civilizacional que visa glorificar o branco e a batata-doce visa subestimar o
negro.

Mais adiante, podemos associar o retrato das personagens à Negritude


evidenciada quando o narrador mostra a compaixão e o sentimento do negro
pelo negro (sua mãe), quando Godido perante uma refeição se lembra da mãe
que não podia comer com ele e morria explorada às mãos do branco. “
Godido pensou na mãe que não podia comer com ele, e morria explorada...”.

Vimos também que a Negritude (momento de afirmação do negro) se


manifesta pelo equívoco do termo “raça” branca vs negra, que na óptica do
narrador não devia constituir uma contenda entre os homens, porque estes
deviam amar-se uns aos outros, tal como se verifica na sagrada escritura
cultivada pelo branco. Nesta vertente há uma redescoberta da parte do negro
que constata que apesar do branco ir à escola e à igreja aprender o “ Amai-
vos uns aos outros”, este contraria os seus ensinamentos. Por ex:
«...cercaram-no. Meninos que vão à escola e à igreja aprenderem e repisar o
“ Amai-vos uns aos outros”. Arreia-lhe, pá!...» .

Verificamos a presença da Negritude (repúdio da opressão do branco ao


negro) por intermédio da exclusão racial que se dera no comboio com a
estratificação social quando se afirma que a 3ª classe era a mais adequada
para o negro, onde se sentiria cómodo e satisfeito por estar com os seus
irmãos de “raça”. «A 3ª é a classe dele. Irá mais satisfeito no meio dos
irmãos».

Lamentavelmente no mesmo cenário do comboio, a Negritude é manifestada


pelo sofrimento, pelo desprezo e pela humilhação que o negro Godido vive,
convive e revive quando é escorraçado com duas fortes bofetadas e uma

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sacudidela com um pontapé dados pelo revisor do comboio, porque Godido


não tinha comprado pura e simplesmente o bilhete de passagem por
esquecimento. Ex.: «...esqueceu comprar bilhete...com duas bofetadas
estende o negro...o revisor sacudiu Godido para terra com um pontapé».

Posteriormente, o narrador apresenta-nos “a rocha” para simbolizar o fim da


humilhação que o negro recebia do senhor Aguiar em todos os caminhos dos
pretos, fazendo-os voltar à sua condição de escravos. Eis então que a rocha
seria o momento oportuno que o negro faria a vingança. « … cenas gotejando
vingança... em todos os negros se tornaria rocha onde o sr. Aguiar se
quebraria».

No conto “ Sonho de Negro” que também apresenta vincadamente o


comportamento negritudista, o negro mostra-se farto do comportamento do
seu patrão ressurgindo-se contra este, implementa a vingança, a revolta e
com o sonho e a expectativa de um dia ser livre, esmigalha, abate, tritura,
suplanta e aniquila com raiva a peitaça do branco, o colono que antes era tido
como o todo poderoso e muito cheio de si. “ O negro... sem palavras, pisou-
o e atirou-lhe um soco... a vítima cambaleou... Godido lhe esmagou o peito
contra o chão”.

O conto acima metaforiza a (negritude), a luta pela liberdade, pois o negro


ainda se sentia desvalorizado; igualmente o conto denota que a união era o
único meio para a conquista da liberdade e união entre os negros. Há uma
participação da mulher na luta pela liberdade quando Josefa (a negra que
trabalhava na casa do sr. Antunes) trava uma luta com o seu próprio patrão
pedindo o seu salário e mais adiante Godido atira-se à luta como gesto de
solidariedade e união; como podemos ver : “...o negro atirou-se... o corpo
sujo da negra ali defendido, pêlo por pêlo...”

No mesmo conto, demonstra-se que no meio de tantas opressões e maus-


tratos perpetrados pelo branco, o negro ainda alimentava a soberba esperança
de um dia ver premiado o seu árduo trabalho que é o reconhecimento da sua
“raça” e da sua cultura (uma clara alusão à negritude). E para que este sonho

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se materialize será necessário uma revolta contra as atitudes do branco. O


negro ia ouvindo passivamente “canalha, canalha”. Esta revolta começa
tendo em vista uma nova realidade nas relações negro vs branco, isto é,
liberdade dos negros. Eles vão lutar para pedir a sua libertação (sonho).

Como sabemos, a Negritude é um movimento de busca de identidade do


negro. No conto “ Eu tenho nome”, esta marca é claramente visível numa
das passagens do discurso narrativo pronunciado pelos colonos: “ Não
respondes, e zangaste quando te chamam: és como os cães mal adestrados
que ladram mas não dão pelo nome”. O negro, por intermédio da negritude,
lutou para mostrar aos colonizadores que também tinha cultura, identidade e
era gente. Em suma, o negro queria o seu reconhecimento, por isso mostra-
se zangado e sem responder o branco.

Ainda sobre as hostes negritudistas, já nas relações conflituosas entre o


branco e o negro, lamentavelmente constatamos que este dilema manifesta-
se na estratificação social quando Godido fora impedido de ir ao cinema por
ser preto despido de valores culturais, em relação ao branco, encoberto de
deficiências e se o fizesse clandestinamente por sentimentos postiços ou por
reacções emprestadas o arrumador de cinema procurá-lo-ia com a lanterna
para dar um “chega para lá”. Ex: “ Godido não iria ao cinema. Não o
deixavam entrar. E se o fizesse sorrateiramente, na escuridão... iria enchê-lo
o arrumador com a lanterna e o “o suca negro”.

Nas relações conflituosas entre o branco e o negro, a negra é apresentada no


conto “ Sonho de Negro” como sinédoque das mulheres moçambicanas
exploradas quer pela mão-de-obra, quer pelo prazer sexual do patrão e em
recompensa recebe o desrespeito e o não pagamento do seu salário. “ Sua
negra! Cadela! ...Não te pago porque não prestas para nada. Rua! Se não...”.

Além do que ficou dito, temos a salientar que a negritude se manifesta nas
relações entre as personagens pela valorização da língua nacional como
forma de desvalorizar a língua do branco que é alheia a do negro e, como
forma de acentuar o valor expressivo que melhor representa os propósitos do

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autor, facto que se verifica quando o pai de Godido através de palavras


nativas expressa a sua satisfação pelo nascimento do seu filho. Se não
vejamos: “...dando seu filho à lua _Quenguelequezé! Quenguelequezééé...
Zééé!!!”.

O narrador ainda procura mostrar a originalidade, a tradição e a auto-estima


do negro pela sua cultura através de um discurso negritudista da personagem
principal. “Eh! Zafania! Buya venha brincarri co gente, a cantari côsa do
nosso terra...” . Nesta dialéctica, ao apropriar-se da língua do invasor, e ao
mesmo tempo ab-rogála, produz a perfeita harmonia do texto de revide
criando lacunas que sem serem entendidas, contra-atacam. Cremos que o
mesmo se excluiu do papel de perpetuar o “código Standard ” da língua, mas
ao contrário, utiliza-o visando uma nova roupagem, mesclando padrões
dialécticos, coloquiais e / ou, até mesmo, um novo idioma. E, com a “nova
língua” tenta expurgar a antiga, marginalizando-a.

O narrador mostra-nos nitidamente o desejo negritudista e a saudade pela


cultura tradicional ligada à oralidade através da canção de nostalgia da terra
natal de Godido que se encontra em terra alheia e como forma de consolo
serve-se da canção para avivar o seu coração quando está co-habitado de
tristeza. “ Eh! Zafania! Buya venha brincarri..., cantari côsa do nosso terra”
(p. 24). Esta, é outra técnica de escolher palavras ou termos “intraduzíveis”
dando o significado a apenas indivíduos do mesmo grupo. Esta técnica é
altamente subversiva, pois ela cria uma armadilha ao colonizador, que
necessita entrar na cultura linguística localista para poder entender esses
termos e vocábulos. Eis, aqui, uma clara demonstração do sentimento do
orgulho racial e conscientização do valor e da riqueza cultural e linguística
dos negros.

Em relação às ondas do Neo-realismo, lamentavelmente constatamos que


esta corrente manifesta-se na estratificação social quando Godido fora
impedido de ir ao cinema por ser preto despido de valores culturais, em
relação ao branco, encoberto de
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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

deficiências e se o fizesse clandestinamente por sentimentos postiços ou por


reacções emprestadas o arrumador de cinema procurá-lo-ia com a lanterna
para dar um “chega para lá” .“ Godido não iria ao cinema. Não o deixavam
entrar. E se o fizesse sorrateiramente, na escuridão... iria enchê-lo o
arrumador com a lanterna e o “o suca negro” .

Os traços do Neo-realismo co-habitam com a Negritude quando pelo simples


facto de Godido ser encontrado sem o bilhete de passagem no comboio é
humilhado e desumanamente sujeito a um processo disciplinar molestado
pelo sr. Aguiar, facto que levou o negro a ser apertado com as algemas do
sipaio. “ Aguiar acaba com um processo disciplinar. Desumano...”.

Na mesma perspectiva (Neo-realista e negritudista) a negra é apresentada no


conto “ Sonho de Negro” como sinédoque das mulheres moçambicanas
exploradas quer pela mão-de-obra quer pelo prazer sexual do patrão e em
recompensa recebe o desrespeito e o não pagamento do seu salário: “ Sua
negra! Cadela!... Não te pago porque não prestas para nada. Rua! Se não...”.

Sumário

Nesta unidade vimos essencialmente algumas pistas e algumas ferramentas que nos
podem auxiliar durante a análise literária de um texto ou obra integral. Todos os textos
analisados constituem a estrutura que de tijolo a tijolo perfazem o grande edifício que
denominamos por Literatura Moçambicana.

Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO

DICAS OU PREPARAÇÃO PARA O EXAME

CARO ESTUDANTE!

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NESTE ESPAÇO, ENCONTRARÁ UM GUIÃO TUTORIAL QUE LHE


VAI AUXILIAR NO ÂMBITO DA PREPARAÇÃO PARA OS TESTES E
EXAME FINAL.

Questionário
1.Cite as diversas terminologias utilizadas para designar o fenómeno da arte
verbal de tradição oral.
2. Trilhados vários caminhos em busca desta cartografia sobre a
conflitualidade designativa do termo Literatura Oral, podemos conferir
algum mérito ao pesquisador Schipper. Justifique a meritocracia atribuído a
Schipper.
3.Outra diferença entre a literatura oral e escrita está relacionado com o
(s)três código (s) envolvidos na produção textual. Enuncie e descreva cada
um deles.
4.Apresente os géneros da literatura oral e a sua respectiva função.
5. Diga o que entende por literatura oral?
6.Na rua, na escola, em casa, enfim, em todos os lugares da sociedade é
comum ouvirmos dizer que a literatura oral é inferior à escrita. Concorda?
Comente.
7.Dê exemplos de etnias com algumas manifestações de textos orais
existentes em Moçambique.
8.Manuel Ferreira oferece-nos um esquema em que apresenta a emergência
da literatura africana, sobretudo no que toca à poesia, ligada ao que ela
considera como quatro "os momentos / etapas do produtor do texto. Cite tais
etapas.
9.Caracterize cada etapa oferecida por Manuel Ferreira no esquema sobre a
emergência da literatura africana.

10.Patrick Chabal ao referir-se ao relacionamento do escritor africano com o


enorme campo de influência que constitui a oralidade propõe quatro fases
abrangentes da literatura africana. Nomeie e descreva cada uma destas fases.

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

11.Uma parte significativa da produção literária moçambicana deve-se aos


poetas da "literatura europeia" ou seja, os que mesmo sendo brancos, centram
toda, ou quase toda a sua temática nos problemas de Moçambique.

a) Cite tais autores que contribuíram decisivamente para a formação da


identidade nacional moçambicana.

b) O que diferencia Reinaldo Ferreira e Rui Knopfli dos outros poetas


durante a sua escrita.

12. Por que razão se atribui a figura de José Craveirinha maior destaque na
poesia da moçambicanidade, e referência obrigatória em toda a literatura
africana?

13. Na poesia do período pós-independência é obrigatória a referência a


Mia Couto, mas sobretudo a Luís Carlos Patraquim. Desvele o motivo do
mérito atribuído aos dois autores.

14. A literatura colonial refere-se àquela literatura que foi produzida desde a
colonização até às independências; remonta da época dos descobrimentos
portugueses, com cronistas como Fernão Lopes.

a) Caracterize a literatura colonial.

15. Na literatura colonial encontramos dois homens, com posições


diferentes: o super-homem e o homem subalterno.

a) De que homens se trata?

b) Apresente os epítetos atribuídos a cada um deles.

16. Apresente alguns excertos exemplificativos de obras da Literatura


Colonial:
a) de âmbito universal;
b) de Moçambique.
17. Em que consiste o conceito de universalidade literária?

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ISCED CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS - 2º Ano Módulo: Literatura Moçambicana

18.Na abordagem da problemática das literaturas africanas é preciso em


conta algumas questões problemáticas como: a)questão histórica;
b)filosófica; c)cultural; d)linguística; e)mito e símbolo f) espaço.
a) Caracterize cada uma das questões problemáticas.
19. O que entende por humanismo africano?
20. O Renascimento Africano assume duplo sentido: a redescoberta e
renovação. Distinga a redescoberta da renovação.
21. Apresente as características e os objectivos do Renascimento Africano.
22. Aponte os factores internos e externos que contribuíram para o
aparecimento da geração literária dos anos 50 (depois da II Guerra mundial).
23. O Pan-africanismo e a Negritude podem ser sinónimos e significados
diferentes na realização histórica. Discuta a sinonímia e a antonímia dos dois
movimentos.
24. Edward Wilmot BLYDEN foi um teorizador que desenvolveu as
principais ideias de africanismo. Quais são as ideias defendidas por
BLYDEN?
25. O 5° Congresso do Pan-africanismo, realizado em Manchester, na
Inglaterra, em 1945, adoptou uma “Declaração dos povos colonizados”,
redigida por Kwame Nkrumah.
a) Kwame Nkruma sendo membro do Pan-africanismo é autor de um livro
muito importante. Diga qual é o título o título do seu livro?
b) A “Declaração dos povos colonizados”, redigida por Kwame Nkrumah,
deixar ficar um lema. Anuncie tal lema.
26. Os movimentos históricos (Renascimento Africano, Pan-africanismo,
Negritude,etc.) criaram um clima de contestação em África, que transita para
a literatura e, no caso de Moçambique, pela primeira vez. Daí, surgem poetas
como Noémia de Sousa, José Craveirinha e Rui de Noronha.
a) Aponte os contributos de Noémia de Sousa, José Craveirinha e Rui de
Noronha.

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27. Quando pretendemos esquadrinhar a periodização literária de


Moçambique, destacamos três figuras incontornáveis. Identifique as três
figuras.
28. Apresente a nomenclatura da periodização literária de cada um dos
autores apresentados em 1.
29. Descreva os seguintes períodos e obras destacadas por cada autor:
a) Literatura das descobertas e expansão, Literatura de sentimento nacional
e Consciência nacional de Manuel Ferreira.

b) O 3º período de Formação; 4º período de Desenvolvimento e; 5º período


de Consolidação de Pires Laranjeira.
30. Francisco Noa (2009), considera que talvez seja precipitado tentar definir
“períodos” dentro da Literatura Moçambicana. Justifique a posição assumida
pelo autor.

31. Apresente alguns factores internos que contribuíram para o aparecimento


e desenvolvimento da Literatura Moçambicana.

32. Nas literaturas africanas em língua portuguesa, destaca-se a imprensa


como pivô do surgimento destas literaturas. Apresente as três condições
prévias que concorreram para o surgimento das mesmas.

33. Aponte o papel preponderante desempenhado pela imprensa para o


advento das literaturas africanas em língua portuguesa.

34. Por que razão se demarca em primeiro lugar o jornal O Africano, fundado
em 1908, por iniciativa dos irmãos Albasini?

35. Para além dos irmãos Albasini, fizeram parte da fundação do jornal “O
Brado Africano” Guilherme Bruhein e Joaquim Stewart. Qual foi o mérito
dos últimos dois intervenientes?

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36. Caracterize as intenções e o aproveitamento que homens como Bandeira


de Castro, Estácio Dias, Rui de Noronha, etc., fizeram bom proveito a partir
da publicação do jornal “O Brado Africano”.

37. O jornal “O Brado Africano”, para além de ser um semanário bilingue


(Ronga / Português), apresentava três vectores de conflitos que contribuíram,
de certa forma, para o seu fim. De que vectores se trata?

38. A moderna literatura moçambicana, sobretudo a poesia, sofreu


influências de muitos movimentos. Cite os referidos movimentos.
39. Apresente os movimentos literários que influenciaram Noémia de Sousa,
José Craveirinha e Orlando Mendes.
40. Por que razão se aponta mérito a José Craveirinha como o escritor que
deu um novo impulso à Literatura Moderna Moçambicana?
41. Dê exemplos de obras de poesia, conto, crónica e romance de Mia Couto.
42. Apresente três títulos de obras de Paulina Chiziane.

BIBLIOGRAFIA (apresentada por unidade temática)

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