Você está na página 1de 106

MANUAL DO CURSO DE LICENCIATURA EM

ENSINO DE PORTUGUÊS

1º Ano

Disciplina: INTRODUÇÃO AOS


ESTUDOS LITERÁRIOS
Código:

Total Horas/1o Semestre: 150


Créditos (CFG): 6
Número de Temas / Unidades: 5 / 24

INSTITUTO SUPER
INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO A
DISTÂNCIA- ISCED
Direitos de autor (copyright)

Este manual é propriedade do Instituto Superior de Ciências e


Educação à Distância (ISCED), e contêm reservados todos os
direitos. É proibida a duplicação ou reprodução parcial ou total
deste manual, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios
(electrónicos, mecânico, gravação, fotocópia ou outros), sem
permissão expressa de entidade editora (Instituto Superior de
Ciências e Educação a Distância (ISCED).
A não observância do acima estipulado, o infractor é passível a
aplicação de processos judiciais em vigor no País.

Instituto Superior de Ciências e Educação a Distância (ISCED)


Direcção Académica
Rua Dr. Almeida Lacerda, No212 Ponta - Gêa
Beira - Moçambique
Telefone: +258 23323501
Cel: +258 823055839
Fax: 23323501
E-mail:isced@isced.ac.mz
Website: www.isced.ac.mz
Agradecimentos
O Instituto Superior de Ciências e Educação a Distância (ISCED)
e o autor do presente manual agradecem a colaboração dos
seguintes indivíduos e instituições na elaboração deste manual:
Pela Coordenação Direcção Académica do ISCED
Pelo design Direcção de Qualidade e Ava
ISCED
Financiamento e Logística Instituto Africano de Prom
Educação a Distância (IAPED)

Pela Revisão

Elaborado Por: Fernando Manuel Samuel Safo Chicumule -


Mestrando em Línguas, Literaturas e Culturas, Especializado em
Língua Portuguesa e Literaturas de Expressão Portuguesa,
Licenciado em Língua e Cultura Portuguesa e Bacharel em
Ensino de Português.
Índice

Visão geral 5
Bem-vindo à Introdução aos Estudos Literários 5
Objectivos da cadeira5
Quem deveria estudar este módulo5
Como está estruturado este módulo? 5
Ícones de actividade 6
Habilidades de estudo 6
Precisa de apoio? 7
Tarefas (avaliação e auto-avaliação) 7
Avaliação 7

Unidade 01: Evolução Histórica e Semântica do Lexema


Literatura 8
Introdução
Sumário 10
Exercícios 11

Unidade 02: A Problemática de uma Definição Referencial do


Conceito de Literatura 12
Introdução
Sumário 13
Exercícios 13

Unidade 03: Ficcionalidade e Intertextualidade na Obra


Literária 14
Introdução
Exercícios 16

Unidade 04: Do conceito da Literatura ao conceito da


Literariedade 17
Introdução
Sumário 18
Exercícios 18

Unidade 05: Arte e Estética 20


Introdução
Obra de Arte:
Sumário 23
Exercícios 23

Unidade 06: Texto Literário vs texto Não-Literário 24


Introdução
Exercícios 26

Unidade 07: Função da Literatura 27


Introdução
Sumário 32
Exercícios 33

Unidade 08: Semiose Literária: Sistema, Código (s) e Texto


Literário 34
Introdução
Sumário 35
Exercícios 35

Unidade 09: Divisão Tripartida dos Géneros Literários: 36

(Poética de Aristóteles e Platão) 36


Introdução
Sumário 39
Exercícios 39

Unidade 10: Diversidade dos Géneros Literários: Teoria de


Horácio 40
Introdução
Sumário 41
Exercícios 41

Unidade 11: Teoria romântica dos Géneros Literários: 42

(Defesa do hibridismo) 42
Introdução
Sumário 43
Exercícios 43

Unidade 12: O Género Romance 44


Introdução
Exercícios 46

Unidade 13: O conceito de Géneros literários na estética de


Croce: 47

(Unicidade e indivisibilidade) 47
Introdução
Sumário 47
Exercícios 47

Unidade 14: Conceito dos géneros literários propostos por


Lukács. 49
Introdução
Sumário 50
Exercícios 50

Unidade 15: Teoria Jakobsiana da função poética 51


Introdução
Sumário 53
Exercícios 53

Unidade 16: A Crise dos Géneros Literários 55


Introdução
Sumário 56
Exercícios 57

Unidade 17: O Conceito de Períodos Literários 58


Introdução
Sumário 60
Exercícios 61

Unidade 18: Períodos literários: periodizção 62


Introdução
Sumário 68
Exercícios 68

Unidade 19: Níveis e Métodos de Análise textual: 70


Introdução
Sumário 72
Exercícios 72

Unidade 20: Níveis e Métodos de Análise textual: 73


Introdução
Sumário 74
Exercícios 74

Unidade 21: Conceito de Estilo e Análise Estilística 75


Introdução
Sumário 77
Exercícios 77

Unidade 22: Géneros e modos literários: O Lírico 78


Introdução
Exercícios 80

Unidade 23: Géneros e modos Literários: o Narrativo 82


Introdução
Exercícios 85

Unidade 24: Géneros e modos Literários: O Texto Drmático


87
Introdução
Sumário 90
Exercícios 90
Bibliografia……………………………………………………………
………………………………………………………………………….
Anexos…………………………………………………………………
…………………………………………………………………………..
Visão geral

Benvindo à Disciplina/Módulo de Introdução aos


Estudos Literários

Objectivos do Módulo

A abordagem do módulo de Introdução aos Estudos Literários


(IEL) centrar-se-á ao estudo dos conceitos básicos de literatura,
como sejam: o conceito de literatura, o de literariedade, géneros
literários, o sistema semiótico literário, períodos e periodização
literária, entre outros. Em fim último, espera-se que o estudante,
em linhas gerais, reconheça a especificidade da literatura,
distinga os níveis e métodos de análise textual, identifique os
modos e géneros literários e desenvolva uma análise crítica em
relação ao texto literário. É legítimo afirmar que estamos no início
de uma longa abordagem de uma ciência tão antiga quanto o
próprio mundo em que vivemos.

Quando terminar o estudo de Introdução aos


Estudos Literários, o estudante (cursante) será
capaz de:
Objectivos
Específicos
● Adquirir conceitos fundamentais para os estudos
literários e para a exploração de textos literários nas
aulas de língua Portuguesa;
● Reflectir sobre a génese histórico-cultural do lexema
literatura;
● Compreender o conceito de géneros literários ao longo
do tempo;
● Identificar os modos e géneros literários;
● Conhecer os períodos literários e sua periodização;
● Distinguir os níveis e métodos de análise textual;
● Analisar textos de categoria literária diversa e de
épocas diferentes.
Quem deveria estudar este módulo

Este Módulo foi concebido para estudantes do 1º ano do curso de


licenciatura em Ensino de Português do ISCED. Poderá ocorrer,
contudo, que haja leitores que queiram se actualizar e consolidar
seus conhecimentos nessa disciplina, esses serão bem-vindos,
não sendo necessário para tal se inscrever. Mas poderá adquirir o
manual.

Como está estruturado este módulo

Este módulo de Introdução aos Estudos Literários, para


estudantes do 1º ano do curso de licenciatura em Ensino de
Português, à semelhança dos restantes do ISCED, está
estruturado como se segue:
Páginas introdutórias

▪ Um índice completo.
▪ Uma visão geral detalhada dos conteúdos do módulo,
resumindo os aspectos-chave que você precisa conhecer
para melhor estudar. Recomendamos vivamente que leia
esta secção com atenção antes de começar o seu estudo,
como componente de habilidades de estudos.
Conteúdo desta disciplina / módulo
Este módulo está estruturado em Temas. Cada tema, por sua
vez comporta certo número de unidades temáticas ou
simplesmente unidades. Cada unidade temática se
caracteriza por conter uma introdução, objectivos, conteúdos.
No final de cada unidade temática ou do próprio tema, são
incorporados antes o sumário, exercícios de auto-avaliação,
só depois é que aparecem os exercícios de avaliação.
Os exercícios de avaliação têm as seguintes características:
Puros exercícios teóricos/Práticos, Problemas não resolvidos
e actividades práticas, incluindo estudo de caso.

Outros recursos
A equipa dos académicos e pedagogos do ISCED, pensando
em si, num cantinho, recôndito deste nosso vasto
Moçambique e cheio de dúvidas e limitações no seu processo
de aprendizagem, apresenta uma lista de recursos didácticos
adicionais ao seu módulo para explorar. Para tal, o ISCED
disponibiliza, na biblioteca do seu centro de recursos, mais
material de estudos relacionado com o seu curso como:
Livros e/ou módulos, CD, CD-ROOM, DVD. Para além deste
material físico ou electrónico disponível na biblioteca, pode ter
acesso à Plataforma digital moodle para alargar mais ainda as
possibilidades dos seus estudos.

Auto-avaliação e Tarefas de avaliação


Tarefas de auto-avaliação para este módulo encontram-se
no final de cada unidade temática e de cada tema. As tarefas
dos exercícios de auto-avaliação apresentam duas
características: primeiro apresentam exercícios resolvidos
com detalhes. Segundo, exercícios que mostram apenas
respostas.
Tarefas de avaliação devem ser semelhantes às de
auto-avaliação mas sem mostrar os passos e devem
obedecer o grau crescente de dificuldades do processo de
aprendizagem, umas a seguir a outras. Parte das tarefas de
avaliação será objecto dos trabalhos de campo a serem
entregues aos tutores/docentes para efeitos de correcção e
subsequentemente nota. Também constará do exame do fim
do módulo. Pelo que, caro estudante, se recomenda que faça
todos os exercícios de avaliação como uma grande
vantagem.
Comentários e sugestões
Use este espaço para dar sugestões valiosas sobre
determinados aspectos, quer de natureza científica, quer de
natureza didáctico-pedagógica, etc, sobre como deveriam ser
ou estar apresentadas. Pode ser que graças as suas
observações que, em gozo de confiança, classificamo-las de
úteis, o próximo módulo venha a ser melhorado.

Ícones de actividade

Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas


margens das folhas. Estes ícones servem para identificar
diferentes partes do processo de aprendizagem. Podem indicar
uma parcela específica de texto, uma nova actividade ou tarefa,
uma mudança de actividade, etc.
Habilidades de estudo

O principal objectivo deste campo é o de ensinar aprender a


aprender. Aprender aprende-se.
Durante a formação e desenvolvimento de competências, para
facilitar a aprendizagem e alcançar melhores resultados, implicará
empenho, dedicação e disciplina no estudo. Isto é, os bons
resultados apenas se conseguem com estratégias eficientes
eficazes. Por isso é importante saber como, onde e quando
estudar. Apresentamos algumas sugestões com as quais
esperamos que caro estudante possa rentabilizar o tempo
dedicado aos estudos, procedendo como se segue:
1º Praticar a leitura. Aprender a Distância exige alto domínio de
leitura.
2º Fazer leitura diagonal aos conteúdos (leitura corrida).
3º Voltar a fazer leitura, desta vez para a compreensão e
assimilação crítica dos conteúdos (ESTUDAR).
4º Fazer seminário (debate em grupos), para comprovar se a sua
aprendizagem confere ou não com a dos colegas e com o padrão.
5º Fazer TC (Trabalho de Campo), algumas actividades práticas
ou as de estudo de caso se existir.
IMPORTANTE: Em observância ao triângulo
modo-espaço-tempo, respectivamente como, onde e quando
estudar; como foi referido no início deste item, antes de organizar
os seus momentos de estudo, reflicta sobre o ambiente de estudo
que seria ideal para si: Estudo melhor em
casa/biblioteca/café/outro lugar?; Estudo melhor à noite/de
manhã/de tarde/fins-de-semana/ao longo da semana?; Estudo
melhor com música/num sítio sossegado/num sítio barulhento!?;
Preciso de intervalo em cada 30 minutos, em cada hora, etc.
É impossível estudar numa noite tudo o que devia ter sido
estudado durante um determinado período de tempo. Deve
estudar cada ponto da matéria em profundidade e passar só ao
seguinte quando achar que já domina bem o anterior.
Privilegia-se saber bem (com profundidade) o pouco que puder ler
e estudar do que saber tudo superficialmente! Mas a melhor opção
é juntar o útil ao agradável: Saber com profundidade todos
conteúdos de cada tema, no módulo.
Tome atenção: não recomendamos estudar seguidamente por
tempo superior a uma hora. Estudar por tempo de uma hora
intercalado por 10 (dez) a 15 (quinze) minutos de descanso
(chama-se descanso à mudança de actividades). Ou seja, que
durante o intervalo não se continuar a tratar dos mesmos assuntos
das actividades obrigatórias.
Uma longa exposição aos estudos ou ao trabalho intelectual
obrigatório, pode conduzir ao efeito contrário: baixar o rendimento
da aprendizagem. Por que o estudante acumula um elevado
volume de trabalho, em termos de estudos, em pouco tempo,
criando interferência entre os conhecimento, perde sequência
lógica, por fim ao perceber que estuda tanto mas não aprende, cai
em insegurança, depressão e desespero, por se achar
injustamente incapaz!
Não estude na última da hora; quando se trate de fazer alguma
avaliação. Aprenda a ser estudante de facto (aquele que estuda
sistematicamente), não estudar apenas para responder a
questões de alguma avaliação, mas sim estude para a vida, sobre
tudo, estude pensando na sua utilidade como futuro profissional,
na área em que está a se formar.
Organize na sua agenda um horário onde define a que horas e
que matérias deve estudar durante a semana; Face ao tempo livre
que resta, deve decidir como o utilizar produtivamente, decidindo
quanto tempo será dedicado ao estudo e a outras actividades.
É importante identificar as ideias principais de um texto, pois será
uma necessidade para o estudo das diversas matérias que
compõem o curso: A colocação de notas nas margens pode
ajudar a estruturar a matéria de modo que seja mais fácil
identificar as partes que está a estudar e Pode escrever
conclusões, exemplos, vantagens, definições, datas, nomes,
pode também utilizar a margem para colocar comentários seus
relacionados com o que está a ler; a melhor altura para sublinhar
é imediatamente a seguir à compreensão do texto e não depois
de uma primeira leitura; Utilizar o dicionário sempre que surja um
conceito cujo significado não conhece ou não lhe é familiar.

Precisa de apoio?

Caro estudante, temos a certeza que, por uma ou por outra razão,
o material de estudos impresso, lhe pode suscitar algumas
dúvidas como falta de clareza, alguns erros de concordância,
prováveis erros ortográficos, falta de clareza, fraca visibilidade,
páginas trocadas ou invertidas, etc. Nestes casos, contacte os
serviços de atendimento e apoio ao estudante do seu Centro de
Recursos (CR), via telefone, sms, E-mail, se tiver tempo, escreva
mesmo uma carta participando a preocupação.
Uma das atribuições dos Gestores dos CR e seus assistentes
(Pedagógico e Administrativo) é a de monitorar e garantir a sua
aprendizagem com qualidade e sucesso. Daí a relevância da
comunicação no Ensino a Distância (EAD), onde o recurso às TIC
se torna incontornável: entre estudantes, estudante – Tutor,
estudante – CR, etc.
As sessões presenciais são um momento em que o estudante tem
a oportunidade de interagir fisicamente com staff do seu CR, com
tutores ou com parte da equipa central do ISCED indigitada para
acompanhar as suas sessões presenciais. Nesse período, pode
apresentar dúvidas, tratar assuntos de natureza pedagógica e/ou
administrativa.
O estudo em grupo, que está estimado para ocupar cerca de 30%
do tempo de estudos à distância, é de muita importância, na
medida em que lhe permite situar, em termos do grau de
aprendizagem com relação aos outros colegas. Desta maneira,
ficará a saber se precisa de apoio ou precisa de apoiar aos
colegas. Desenvolver o hábito de debater assuntos relacionados
com os conteúdos programáticos, constantes nos diferentes
temas e unidade temática, no módulo.

Tarefas (avaliação e auto-avaliação)

O estudante deve realizar todas as tarefas (exercícios, actividades


e auto-avaliação), contudo nem todas deverão ser entregues, mas
é importante que sejam realizadas. As tarefas devem ser
entregues duas semanas antes das sessões presenciais
seguintes.
Para cada tarefa serão estabelecidos prazos de entrega, e o não
cumprimento dos prazos de entrega, implica a não classificação
do estudante. Tenha sempre presente que a nota dos trabalhos de
campo conta e é decisiva para ser admitido ao exame final da
disciplina/módulo.
Os trabalhos devem ser entregues ao Centro de Recursos (CR) e
os mesmos devem ser dirigidos ao tutor/docente.
Podem ser utilizadas diferentes fontes e materiais de pesquisa,
contudo os mesmos devem ser devidamente referenciados,
respeitando os direitos do autor.
O plágio1é uma violação do direito intelectual do (s) autor (es).
Uma transcrição à letra de mais de 8 (oito) palavras do texto de um
autor, sem o citar é considerada plágio. A honestidade, a
humildade científica e o respeito pelos direitos autoriais devem
caracterizar a realização dos trabalhos e seu autor (estudante do
ISCED).

1Plágio - copiar ou assinar parcial ou totalmente uma obra literária, propriedade


intelectual de outras pessoas, sem prévia autorização.
Avaliação

Muitos perguntam: Com é possível avaliar estudantes à distância,


estando eles fisicamente separados e muito distantes do
docente/turor!? Nós dissemos: Sim é muito possível, talvez seja
uma avaliação mais fiável e consistente.
Será avaliado durante os estudos à distância que contam com um
mínimo de 90% do total de tempo que precisa de estudar os
conteúdos do seu módulo. Quando o tempo de contacto
presencial conta com um máximo de 10% do total de tempo do
módulo. A avaliação do estudante consta detalhada do
regulamento da avaliação.
Os trabalhos de campo por si realizados, durante estudos e
aprendizagem no campo, pesam 25% e servem para a nota de
frequência para ir aos exames.
Os exames são realizados no final da cadeira disciplina ou módulo
e decorrem durante as sessões presenciais. Os exames pesam no
mínimo 75%, o que adicionado aos 25% da média de frequência,
determinam a nota final com a qual o estudante conclui a cadeira.
A nota de 10 (dez) valores é a nota mínima de conclusão da
cadeira.
Nesta cadeira, o estudante deverá realizar pelo menos 2 (dois)
trabalhos e 1 (um) (exame).
Algumas actividades práticas, relatórios e reflexões serão
utilizados como ferramentas de avaliação formativa.
Durante a realização das avaliações, os estudantes devem ter em
consideração a apresentação, a coerência textual, o grau de
cientificidade, a forma de conclusão dos assuntos, as
recomendações, a identificação das referências bibliográficas
utilizadas, o respeito pelos direitos do autor, entre outros.
Os objectivos e critérios de avaliação constam do Regulamento
de Avaliação.
Unidade 01:

Evolução Histórica e Semântica do Lexema Literatura

Introdução
De uma forma particular, far-se-á nesta unidade a introdução dos
conceitos básicos do estudo do conceito de literatura, as
diferentes significações que o lexema literatura foi assumindo ao
longo dos tempos.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

● Conhecer o conceito de literatura;


● Compreender a história semântica do conceito
Objectivos
literatura;
● Reflectir sobre a polissemia do lexema literatura.

A questão sobre o termo literatura remete para uma pluralidade


de conceitos complexos e não raro ambíguos. Este termo pode
assumir significações diversas, é, portanto, fortemente
polissémico. À partida, e simplificadamente, podemos dizer que a
literatura pertence ao campo das artes (arte verbal), que o seu
meio de expressão é a palavra e que a sua definição está
comummente associada à ideia de estética/ valor estético.
Etimologicamente, o lexema deriva do latim litteratura, a partir de
littera, letra, aparentemente. Portanto, o conceito de literatura
parece estar implicitamente ligado à palavra escrita ou impressa,
à arte de escrever, à erudição.
Nas línguas europeias, a palavra “literatura” designou em regra,
até ao século XVIII, o saber, conhecimento, as artes e as ciências
em geral. Até à segunda metade desse século, para designar
especificamente a arte verbal, o corpus textual, eram utilizadas
palavras como “poesia”, “verso” e “prosa” (que hoje
reconhecemos enquanto classificação de géneros literários).
Desde meados do século XVIII – tem os significados que hoje lhe
damos. Até aí, a palavra existia mas com um sentido diferente:
designava, de modo geral, o que estava escrito e o seu conteúdo,
o conhecimento.
O vocábulo “literatura” durante o século XVIII, continuando ainda
a designar o conjunto das obras escritas e dos conhecimentos
nelas contidos, passa a adquirir uma acepção mais especializada,
referindo-se especialmente às “belas artes”, ganhando assim
uma conotação estética e passando a denominar-se a arte que se
exprime pela palavra. Saliente-se que, ao significar a arte que se
exprime pela palavra, o lexema assume desde logo uma
referência nacional, enquanto conjunto da produção literária de
determinado país.
É na segunda metade do século XVIII que Voltaire (1827)
caracteriza a literatura como forma particular de conhecimento
que implica valores estéticos e uma particular relação com
as letras. Na mesma linha de análise, Diderot (1751) define a
literatura como arte e como o conjunto das manifestações
dessa arte, os textos impregnados de valores estéticos.
Diderot documenta dois novos e importantes significados com
que o lexema “literatura” será crescentemente utilizado a partir da
segunda metade do século XVIII: específico fenómeno estético,
específica forma de produção, de expressão e de comunicação
artística e corpus de objectos – os textos literários – resultante
daquela particular actividade de criação estética. Digamos então,
à partida, que o fenómeno literário se traduz em duas dimensões:
por um lado, a actividade de criação ou produção literária; por
outro, o texto, o corpus textual de determinada colectividade, de
determinado grupo, de determinada época.
Tal evolução, porém, não se quedou aí, prosseguiu ao longo dos
séculos XIX e XX. Vejamos, em rápido esboço, as mais
relevantes acepções adquiridas pela palavra neste período de
tempo:
a) Conjunto da produção literária de uma época – literatura do
século XVIII, literatura victoriana -, ou de uma região – pense-se
na famosa distinção de Mme. de Staël entre "literatura do norte" e
"literatura do sul", etc. Trata-se de uma particularização do
sentido que a palavra apresenta na obra de Lessing (Briefe die
Literaturbetreffend).
b) Conjunto de obras que se particularizam e ganham feição
especial quer pela sua origem, quer pela sua temática ou
pela sua intenção: literatura feminina, literatura de terror,
literatura revolucionária, literatura de evasão, etc.
c) Bibliografia existente acerca de um determinado assunto.
Ex: "Sobre o barroco existe uma literatura abundante...". Este
sentido é próprio da língua alemã, donde transitou para outras
línguas.
d) Retórica, expressão artificial. Voltaire, no seu poema Art
poétique, escreveu: "Et tout le reste est littérature", identificando
pejorativamente "literatura" e falsidade retórica. Este significado
depreciativo do vocábulo data do final do século XIX e é de
origem francesa.
Com fundamento nesta acepção de "literatura", originou-se e
tem-se difundido a antinomia "poesia -literatura", assim formulada
por um grande poeta espanhol contemporâneo: "[...] ao demónio
da Literatura, que é somente o rebelde e sujo anjo caído da
Poesia."

e) Por elipse, emprega-se simplesmente "literatura" em vez


de história da literatura.
f) Por metonímia, "literatura" significa também manual de
história da literatura.
g) "Literatura" pode significar ainda conhecimento
organizado do fenómeno literário. Trata-se de um sentido
caracteristicamente universitário da palavra e manifesta-se em
expressões como literatura comparada, literatura geral, etc.
A história da evolução semântica da palavra imediatamente nos
revela a dificuldade de estabelecer um conceito incontroverso de
literatura. Como é óbvio, dos múltiplos sentidos mencionados nos
interessa apenas o de literatura como actividade estética, e,
consequentemente, como os produtos, as obras daí resultantes.
Não cedamos, porém, à ilusão de tentar definir por meio de uma
breve fórmula a natureza e o âmbito da literatura, pois tais
fórmulas, muitas vezes inexactas, são sempre insuficientes.

Sumário

A história da evolução semântica da palavra imediatamente nos


revela a dificuldade de estabelecer um conceito incontroverso de
literatura. Como é óbvio, dos múltiplos sentidos mencionados nos
interessa apenas o de literatura como actividade estética, e,
consequentemente, como os produtos, as obras daí resultantes.
Não cedamos, porém, à ilusão de tentar definir por meio de uma
breve fórmula a natureza e o âmbito da literatura, pois tais
fórmulas, muitas vezes inexactas, são sempre insuficientes.
Exercícios

1. De uma forma sucinta, apresente o significado que o


conceito de literatura foi adquirindo ao longo dos tempos.
2. Como é que se definiu a literatura na segunda metade
do século XVIII?
3. Porquê se considera que o conceito de literatura
polissémico?
4. Diga em que aspectos o conceito de literatura definido
por Voltaire difere com o de Diderot?

Unidade 02:

A Problemática de uma Definição Referencial


do Conceito de Literatura

Introdução
O que acabamos de abordar atrás deixa antever as dificuldades
inerentes ao estabelecimento de uma definição do conceito de
literatura, um conceito fortemente polissémico, nesta unidade
vamos reflectir sobre a problemática e objecções que estão por
de trás desse fenómeno.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

● Analisar as diferentes vertentes que dificultam o


estabelecimento de um conceito consensual da
Objectivos literatura;
● Identificar autores que questionam o epicentro da
literatura.

A busca de uma definição para a literatura faz parte das


preocupações de vários teóricos e críticos. Adentra-se os
seguintes autores que se dedicaram ao assunto: Tolstoi, com O
que é arte? (Paris: Perrin, 1898); Jakobson, com “O que é
poesia?” (Questions de poétique. Paris : Seuil, 1973), Charles Du
Bois, com O que é literatura ? (Paris : Plon, 1945) e também
Jean-Paul Sartre, com O que é literatura? (Paris : Gallimard,
1948). Em virtude da impossibilidade de se solucionar o enigma,
Barthes teria concluído: “Literatura é aquilo que se ensina, e
ponto final”. Isto porque diferentes épocas e culturas vêem
diferentemente a literatura, e objecções são levantadas em
relação às definições até então elaboradas.
Em geral, as respostas às perguntas não diferenciam
adequadamente duas ordens de objectos que, embora
sociocultural e funcionalmente indissociáveis, devem todavia ser
consideradas como distintas, tanto sob ponto de vista ontológico
como os ponto de vista epistemológico e lógico. Por um lado, é
necessário considerar a literatura como sistema semiótico de
significação de comunicação; por outro a literatura como conjunto
ou soma de todas as obras ou textos literários.
É sintomático, aliás, verificar que às perguntas,
anteriormente indicadas, muitos autores acabam por responder
com tentativas de definição ou de caracterização da obra literária.
Torna-se extremamente difícil, senão impossível
estabelecer um conceito de literatura rigorosamente delimitado
intencional e extensionalmente que apresente validade
pancrónica e universal, dado que:
a) Inexistem traços peculiares a certos textos de modo a
distingui-los dos textos não-literários, isto é, não há uma
“essência” da literatura;
b) Não se observa um denominador comum entre todas as
obras literárias, a não ser o emprego da linguagem;
c) O critério de valor que qualifica um texto como literário
não é literário nem teórico, mas ético, social e ideológico;
d) A definição de literatura não depende da natureza do
que é lido, mas da maneira pela qual as pessoas lêem um
texto.

Sumário

Porque é difícil, senão impossível estabelecer um conceito


de literatura rigorosamente delimitado intencional e
extensionalmente que apresente validade pancrónica e universal,
tal como deixamos antever é, desaconselhável impor
dogmaticamente à heterogeneidade das obras literárias durante
séculos.
Mas, essas objecções e as dúvidas sobre a
impossibilidade de uma definição referencial de literatura são
pertinentes sob ponto vários aspectos, porque obrigam a
reexaminar com novo rigor soluções teóricas rotineiras, e
revelam-se também, nalguns pontos muito importantes, mal
fundamentadas, teoricamente inconsistentes e empiricamente
irrefutáveis.

Exercícios

1. Refira-se à problemática que preside a dificuldade de uma


definição referencial da literatura.
2. Por que será relevante reflectirmos sobre as objecções e
dúvidas sobre a definição referencial do fenómeno
literário?

Unidade 03:

Ficcionalidade e Intertextualidade na Obra Literária

Introdução
O texto literário é, sempre, sob modalidades várias, um
intercâmbio, discursivo no qual se entrecruzam, se
metamorfoseiam, se corroboram ou se contestam outros textos,
outras vozes e outras consciências, pois é reflexo de algo de
imaginação que não existe particularizado na realidade de todos,
mas no espírito de, apenas seu criador. Por esse motivo, nesta
unidade, propomo-nos em falar especificamente da ficcionalidade
e intertextualidade numa obra literária.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

● Explicar por que razão um texto literário é uma obra


de ficção.
● Compreender
Objectivos
que o texto ficcional é
simultaneamento um intertexto.
Ficcionalidade e semântica do texto literário
A literatura é chamada de ficção, isto é, imaginação de
algo que não existe particularizado na realidade, mas no espírito
de seu criador. O objecto da criação poética não pode, portanto,
ser submetido à verificação extratextual.
A literatura cria o seu próprio universo, semanticamente
autónomo em relação ao mundo em que vive o autor, com seus
seres ficcionais, seu ambiente imaginário, seu código ideológico,
sua própria verdade: pessoas metamorfoseadas em animais,
animais que falam a linguagem humana, tapetes voadores,
cidades fantásticas, amores incríveis, situações paradoxais,
sentimentos contraditórios, etc.
Mesmo a literatura mais realista é fruto de imaginação,
pois o carácter ficcional é uma prerrogativa indeclinável da obra
literária. Se o facto narrado pudesse ser documentado, se
houvesse perfeita correspondência entre os elementos do texto e
do extratexto, teríamos então não arte, mas história, crónica,
biografia.
A obra literária, devido à potência especial da linguagem
poética, cria uma objectualidade própria, um heterocosmo
contextualmente fechado. Essa realidade nova, criada pela ficção
poética, não deixa de ter, porém, uma relação significativa com o
real objectivo. Ninguém pode criar a partir do nada: as estruturas
linguísticas, sociais e ideológicas fornecem ao artista o material
sobre o qual ele constrói o seu mundo de imaginação.
A teoria clássica da arte como mímese da vida é sempre
válida, quer se conceba a arte como imitação do mundo real, quer
como imitação de um mundo ideal ou imaginário.
A ficcionalidade não caracteriza de modo suficiente o texto
literário – há ficções não literárias, desde as ficções mitológicas
até às lendárias mas constitui uma propriedade necessária para a
sua existência. A ficcionalidade2 manifesta-se textualmente em
dois níveis. No nível da enunciação, pois o autor textual e o
narrador são co-referenciais com o autor empírico e produzem
textos que não dependem, imediata e explicitamente, de um
contexto de situação actual; no nível dos referentes textuais.

2 Conjunto de regras pragmáticas que prescrevem como estabelecer as possíveis


relações entre o mundo construido pelo texto literário e o mundo empírico, actual.
A afirmação de que o texto literário carece de referentes
não nos parece correcta3, excepto se se entender restritivamente
por referentes os objectos do mundo real. Os enunciados do texto
literário também denotam e fazem referência, simplesmente
“ constituem uma ficcionalizaçao d acto de denotar, manifestam
uma pseudo-referencialidade, porque as condições e os objectos
da referência são produzidos pelo próprio texto (por isso a
pseudo-referencialidade se identifica, sob váriaos aspectos, com
auto-referencialidade).
Os referentes do texto literário constituem objectos de
ficção, isto é, objectos que não não existem no mundo empírico,
que não são factualmente verdadeiros.

Texto, intertextualidade4 e intertexto


Todo o texto verbal apresenta como dimensão construtiva
múltiplas relaçoes dialógicas com outros textos. Estas relações
pressupõem necessariamente a langue, que possibilita e garante
a interindividualidade dos signos, mas não existem no sistema
linguístico, manifestando-se a nível da enunciação e, por
conseguinte, da produação textual.
O texto é sempre, sob modalidades várias, um intercâmbio,
discursivo no qual se entrucruzam-se, se metamorfoseiam, se
corroboram ou se contestam outros textos, outras vozes e outras
consciências.
Definindo-se intertextualidade como a interacção
semiótica de um texto com outros textos, definir-se-á intertexto
como o texto ou o corpus de textos com os quais um determinado
texto mantém aquele tipo de interacção. Michael Riffaterre, como
intento de evitar as ambiguidades e imprecisões resultantes de
um conecito muito lato de intertexto, propõe que se defina a
intertextualidade como uma relação regida por uma identidade
estrutural, devendo ser considerados o texto e o seu
sobredeterminado pelo hipograma.
Pode-se afirmar, porém que o fenómeno da
intertextualidade desempenha, quer na produção, quer na
recepção literárias, uma função relevante, que não encontra
paralelo em qualquer outra classe de textos.
A intertextualidade desempenha uma função complexa e
contraditória nos processos de homeostase e de mudança do
sistema semiótico literário. Por um lado, a intertextualidade
representa a força, a autoridade e o prestígio da memória do
sitema, da tradição literária. Por outro, a intertextualidade, porém,

3
Aguiar & Silva (2002: 640), Teoria da Literatura, 8.ª ed. Lisboa, Almedina.
4
Ver unidade 20.
pode funcionar como meio de desqualificar, de contestar e
destruir a tradição literária, o código literáio vigente.
Quer a função corroboradora, quer a função contestatária
da intertextualidade dependem imediatamente da metalinguagem
literária, exemplo: a metaliguagem do neoclassicismo justifica,
aconselha e impõe a função corroboradora, ao passo que a
metalinguagem dos movimentos de vanguarda proclama a
necessidade da função contestatária e subversiva e,
mediatamente, da ideologia correlacionada com aquela
metalinguagem.

Exercícios

1. Discorra sobre os conceitos de ficcionalidade e


intertextualidade.
2. “A obra literária, devido à potência especial da
linguagem poética, cria uma objectualidade própria, um
heterocosmo contextualmente fechado. Essa realidade
nova, criada pela ficção poética, não deixa de ter,
porém, uma relação significativa com o real objectivo.”
a) Comente.
3. Discorra sobre os conceitos de texto e intertexto.

Unidade 04:

Do conceito da Literatura ao conceito da Literariedade

Introdução
Já reparou que nas unidades anteriores referimo-nos a
vários problemas que tornam difícil encontrar respostas
satisfatórias sobre o conceito de literária. Essa preocupação não
termina nunca. Já no início do século XX, um grupo de teóricos da
literatura, mais tarde denominados formalistas russos imaginou
que seria possível determinar uma propriedade presente nas
obras literárias, que as caracterizaria como pertencentes à
literatura. Para denominar esta propriedade, criaram o termo
literaturnost, que foi traduzido para a língua portuguesa como
literariedade.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:


● Compreender o fenómeno da literariedade;
● Identificar o movimento teórico que propõe o termo
Objectivos
literariedade nas obras literárias.

De acordo a proposta dos teóricos russos a que acabamos


de apresentar-te, surgiu outra questão não menos relevante: Mas
será que esta propriedade existiria mesmo?
A resposta poderá ser decepcionante, para o leitor
interessado apenas em opiniões definitivas e irrefutáveis, porque
há argumentos tanto a favor de um sim quanto de um não.
A argumentação positiva sustentaria que existe a
"literariedade", porque podemos verificar objectivamente a
existência de propriedades ou características que, quando
presentes numa obra qualquer, permitem-nos não só classificá-la
como literária, como também inscrevê-la num estilo de época.
Nesta ordem de ideias a "literariedade" seria aquela propriedade,
caracteristicamente "universal" do literário, que se manifestaria
no "particular", em cada obra literária.
Contudo, é bom lembrar que, em vez de imaginar que a
"literariedade" é um universal que se manifesta no particular,
podemos também supor o contrário: a "literariedade" seria um
particular que se pretende universal. Nesta perspectiva,
"literariedade" seria um rótulo que receberia os critérios
socialmente estabelecidos para se considerar uma obra como
pertencente à literatura. Assim, o pesquisador seleccionaria,
dentre todas as obras de natureza verbal, aquelas que
possuíssem a tal "literariedade", para formar a lista das obras
reconhecidas como literárias.
Por outro lado, a argumentação contra a existência de uma
propriedade que possibilitasse a identificação de uma obra como
literária afirma que o termo "literariedade" não teria um conteúdo
permanente, mas variável. Em outras palavras, Roman Jakobson
poderia ter-se equivocado, ao imaginar a "literariedade" como
"aquilo que faz uma mensagem verbal uma obra de arte" porque
"aquilo" variaria de acordo com o momento. Poderia ser algo
diferente, caso adoptássemos o ponto de vista do Renascimento
ou do Modernismo, por exemplo.
No entanto, se concebermos a "literariedade" como sujeita
a mudanças, será que isto não significaria que não podemos mais
determinar, com um certo grau de precisão, o que vem a ser
literatura? Como então ficariam os estudos literários, se seu
objecto não tem delimitação precisa?
Para começar, a própria mudança nos critérios e
concepções sobre o que é literatura pode ser matéria de estudo
para o estudioso da literatura. Quando se volta para o que o
passado considerou literatura, ele confronta a sua perspectiva
presente com as anteriores. Os modos de produção de sentido do
presente interrogam os do passado, a formação social dele entra
em contacto com outra formação, às vezes profundamente
diferente da sua. Mas, se podemos verificar, em diversos
momentos, modificações nas concepções e critérios sobre o que
é literatura, será que isto nos conduziria necessariamente a um
cepticismo de tal ordem que passaríamos a duvidar da própria
possibilidade de existência de um objecto de pesquisa,
suficientemente delimitado? Não, pois a mudança não implica
necessariamente caos ou anomia. Na verdade, em cada período
histórico podemos observar uma certa ordem, a partir da qual se
estabelecem, com maior ou menor rigidez, as fronteiras do
literário.

Sumário

Literariedade é tudo o que faz com que uma obra seja literária:
estranhamentos, tropos ou figuras de estilo, etc.

Exercícios

1. A "literariedade" seria aquela propriedade, caracteristicamente


"universal" do literário, que se manifestaria no "particular", em
cada obra literária”
a. Comente a citação.
Unidade 05:

Arte e Estética

Introdução

Nesta unidade, centrar-nos-emos na diferenciação dos termos estética,


natureza e funções da Arte, o que nos vai permitir sobremaneira
compreender o que constitui ou não a obra de criação artística, bem
como os princípios que regulam os desvios à normas artísticas.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

● Diferenciar o termo arte e a expressão valores


estéticos;
● Distinguir os termos útil e belo.
Objectivos

Arte = unidade do eterno e do novo, aparentemente


impossível, realizada pelos e para os humanos.
A arte pode ser o caminho do instituído ao instituinte. Um
leve deslocamento do sentido instituído e a explosão de um outro
sentido. Transfiguração do existente numa outra realidade, que o
faz renascer sob a forma de uma obra.
As obras de arte realizam o desvendamento do mundo
recriando o mundo noutra dimensão e de tal maneira que a
realidade não está aquém e nem na obra, mas é a própria obra de
arte.

Arte vem do latim ars que corresponde ao termo grego


techne (técnica), significando: o que é ordenado ou toda espécie
de actividade humana submetida a regras. Seu campo semântico
se define em oposição ao acaso, ao espontâneo e ao natural.
Assim sendo, arte é um conjunto de regras para dirigir uma
actividade humana qualquer.
Nessa perspectiva falamos em arte médica, poética,
política, bélica, retórica etc. Platão não a distinguia das ciências
nem da Filosofia, uma vez que, como a arte, estas são actividade
ordenadas. Aristóteles estabelece uma distinção entre acção
(práxis) e fabricação (poiesis). A política e a ética são ciências da
acção. As artes ou técnicas são actividades de fabricação.
Plotino distingue técnicas ou artes cuja finalidade é auxiliar
a Natureza (medicina, agricultura) daquelas cuja finalidade é
fabricar um objecto com os materiais oferecidos pela Natureza
(artesanato). Distingue também outro conjunto de técnicas que
não se relacionam com a Natureza, mas apenas com o homem,
para torná-lo melhor ou pior (música e retórica, por exemplo).
A classificação das técnicas ou artes seguirá um padrão
calcado na estrutura social fundada na escravidão, que despreza
o trabalho manual. O historiador romano Varrão ofereceu uma
classificação que perdurou do séc. II d.C. ao séc XV: artes liberais
(gramática, retórica, lógica, geometria, astronomia e música –
própria dos homens livres) e artes mecânicas (medicina,
arquitectura, agricultura, pintura, escultura, olaria, tecelagem
etc – própria do trabalhador manual).
Essa classificação será justificada por Santo Tomás de
Aquino (Idade Média) como diferença entre as artes que dirigem o
trabalho da razão e as artes que dirigem o trabalho das mãos.
Somente a alma é livre e o corpo é uma prisão. Assim as artes
liberais são superiores as artes mecânicas.
A partir da Renascença, com o humanismo que dignifica o
corpo humano, passa-se a valorizar as artes mecânicas. Além
disso, a medida que o capitalismo se desenvolve, o trabalho
passa a ser considerado fonte e causa de riquezas.
No final do séc. XVII e a partir do XVIII, distinguiram-se as
finalidades das artes mecânicas: as que tem por finalidade serem
úteis aos homens (medicina, agricultura, culinária, artesanato) e
aquelas cuja finalidade é o belo (pintura, escultura, arquitectura,
poesia, música, teatro, dança). Com a ideia do belo surge as sete
artes ou belas artes.
Com a distinção entre o útil e o belo, leva a noção da arte como
acção individual vinda da sensibilidade do artista como génio
criador.
Com a criação do belo (finalidade da arte) torna-se
inseparável a figura do público, que julga e avalia o objecto
artístico conforme tenha realizado ou não a beleza. Surge o
conceito de juízo de gosto, estudado amplamente por Kant.
Génio criador (do lado do artista) beleza, (do lado da obra);
juízo de gosto (do lado do público) constitui os pilares sobre os
quais se erguerá uma disciplina filosófica: a estética.
Porém, desde o final do século XIX e durante o séc. XX,
modificou-se a relação entre arte e técnica. As artes passaram a
ser concebidas menos como criação genial e mais como
expressão criadora, isto é, como transfiguração do visível, do
sonoro, do movimento, da linguagem, dos gestos em obras
artística.
A arte não perde, necessariamente, seu vínculo com a
ideia de beleza, mas a subordina a outros valores. As artes não
pretendem imitar a realidade, nem pretendem ser ilusões sobre a
realidade, mas exprimir por meios artísticos, a realidade.

Obra de Arte:

● sensibiliza;
● emociona;
● atrai;
● choca;
● chama atenção;
● desperta curiosidade;
● identidade;
● cria asbstracção;
● deleita

Estética

O significado da beleza e a natureza da arte têm sido


objecto da reflexão de numerosos autores desde as origens do
pensamento filosófico, mas somente a partir do século XVIII, com
a obra de Kant, a estética começou a configurar-se como
disciplina filosófica independente.

Ciência da criação artística, do belo, ou filosofia da arte, a


estética tem como temas principais a génese da criação artística
e da obra poética, a análise da linguagem artística, a
conceituação dos valores estéticos, as relações entre forma e
conteúdo, a função da arte na vida humana e a influência da
técnica na expressão artística. Os primeiros teóricos da estética
foram os gregos, mas como "ciência do belo" a palavra aparece
pela primeira vez no título da obra do filósofo alemão Alexander
Gottlieb Baumgarten, Æesthetica (1750-1758). A partir dessa
obra, o conceito de estética restringiu-se progressivamente até
chegar a referir-se à reflexão e à pesquisa sobre os problemas da
criação e da percepção estética.

O objecto da estética, segundo Hegel, é o belo artístico,


criado pelo homem. A raiz da arte está na necessidade que tem o
homem de objectivar seu espírito, transformando o mundo e se
transformando. Não se trata de imitar a natureza, mas de
transformá-la, a fim de que, pela arte, possa o homem exprimir a
consciência que tem de si mesmo. O valor ou o significado da arte
é proporcional ao grau de adequação entre a ideia e a forma,
proporção que permite a divisão e classificação das artes.

Sumário

Arte refere-se a toda a espécie de actividade humana


submetida a regras, ou melhor, conjunto de regras para dirigir
uma actividade humana qualquer.
Estética “ciência do belo”

Exercícios

1. Diga qual é a relação existente entre arte e estética.


2. Refira-se às funções da arte.

Unidade 06:

Texto Literário vs texto Não-Literário

Introdução
O Texto Literário distingue-se, nomeadamente, pelo facto
de transformar a realidade, servindo-se dela como modelo para a
arquitectar mundos “fantásticos”, que só existem textualmente e
que se estabelecem através da metáfora, da caricatura, da
alegoria e pela verosimelhança. Esta perspectiva literária é sobre
a qual nos propomos delimitar o conceito do texto literário.
Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

● Distinguir o texto literário do não-literário.


Objectivos

Texto Literário, Texto Não-Literário


Imaginemos que, na comunicação quotidiana, alguém nos
diga a seguinte frase:
"Uma flor nasceu no chão da minha rua!"

Conforme as circunstâncias em que é dita, isto é, de


acordo com a situação de fala, entendemos que se refere a algo
que realmente ocorreu, corresponde a um facto anterior ao seu
enunciado e de fácil comprovação. Mesmo diante de sua
transcrição escrita, o que nela se comunica basicamente
permanece.
Num ou noutro caso, para trazer essa informação, o nosso
interlocutor seleccionou uma série de palavras do idioma que nos
é comum e, de acordo com as regras que presidem o seu
funcionamento e que todos conhecemos, as dispôs numa
sequência. A selecção feita e a sucessão estabelecida conferem
à frase uma significação que pode ser submetida à prova da
verdade em relação à realidade imediata. Como é fácil concluir, é
isso que acontece ao nos comunicarmos no dia-a-dia do nosso
convívio social.
Retomemos a nossa frase inicial, agora ligeiramente
modificada e combinada com outros elementos:
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rios de aço do
tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
Garanto que uma flor nasceu
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Percebemos, desde logo, que estamos diante de uma


utilização especial da língua que falamos. O ritmo que caracteriza
o texto, a natureza do que se comunica e, ao chegar até nós por
escrito, a distribuição das palavras no espaço do papel justifica
essa conclusão. A nossa frase-exemplo depende também, como
acto linguístico que é, da gesticulação e da entoação que a
acompanharem ao ser enunciada; por força, entretanto, de sua
situação nesse conjunto e da associação com as demais
afirmações que a ela se vinculam, abre-se para um sentido
múltiplo, ganha marcas de ambiguidade: no contexto do
fragmento transcrito e da totalidade do poema de que faz parte –
"A flor e a náusea", de Carlos Drummond de Andrade – podemos
entender essa flor como esperança de mudança, por exemplo.
Mas esse sentido que o texto a ela confere não reproduz
nenhuma realidade imediata; nasce tão-somente do próprio texto.
A flor dessa rua deixa de ser um elemento vegetal para alçar-se à
condição de símbolo, ganha uma significação que vai além do
real concreto e que passa a existir em função do conjunto em que
a palavra se encontra. É claro que os versos remetem a uma
realidade dos homens e do mundo, mas muito mais profunda do
que a realidade imediatamente perceptível e traduzida no
discurso comum das pessoas. É o que acontece com essa
modalidade de linguagem, a linguagem da literatura, tanto na
prosa, como nas manifestações em verso.
Na prosa, por exemplo, podemos encontrar a palavra flor
em outro contexto linguístico e com outro sentido, que lhe é
conferido exactamente por essa nova circunstância: trata-se do
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, onde o termo
parece numa afirmação vinculada a um famoso personagem
criado pelo escritor: "Uma flor, o Quincas Borba".
Aí está um conteúdo inteiramente distinto do que se
configura no poema drummondiano e que só pode ser percebido
plenamente, na força de sua causticante ironia, quando a frase é
considerada na totalidade do romance de que faz parte. É
possível perceber a estreita relação entre a dimensão
linguística e a dimensão literária que envolve a significação
das palavras quando estas integram o sistema semiótico que é o
texto literário.
Os três exemplos que acabamos de examinar permitem
algumas conclusões: A fala ou discurso é, no uso quotidiano, um
instrumento da informação e da acção e não exige, no mais das
vezes, atitude interpretativa. A significação das palavras, nesse
caso, tem por base o jogo de relações configuradoras do idioma
que falamos. A fala comum se caracteriza pela transparência. O
mesmo não acontece com o discurso literário. Este encontra-se a
serviço da criação artística. O texto da literatura é um objecto de
linguagem ao qual se associa uma representação de realidades
físicas, sociais e emocionais mediatizadas pelas palavras da
língua na configuração de um objecto estético. O texto repercute
em nós na medida em que revele emoções profundas,
coincidentes com as que em nós se abriguem como seres sociais.
O artista da palavra, comparticipe da nossa humanidade,
incorpora elementos dessa dimensão que nos são culturalmente
comuns. Nosso entendimento do que nele se comunica passa a
ser proporcional ao nosso repertório cultural, enquanto
receptores e usuários de um saber comum.
O discurso literário traz, em certa medida, a marca da
opacidade: abre-se a um tipo específico de descodificação ligado
à capacidade e ao universo cultural do receptor.
Já se percebe o alto índice de multissignificação dessa
modalidade de linguagem que, de antemão, quando com ela
travamos contacto, sabemos ser especial e distinta da
modalidade própria do uso quotidiano. Quem se aproxima do
texto literário sabe a priori que está diante de manifestação da
literatura.

Exercícios

1. Distinga o texto literário do não literário.

Unidade 07:

Função da Literatura

Introdução
Desde os primeiros tempos em que o homem começou a
estudar a arte literária, o questionamento sobre natureza e função
da literatura tem sido assunto de muitas controvérsias. Nesta
unidade, portanto, vamos analisar a função da literatura ao longo
dos tempos.
Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:
● Identificar as funções que a literatura foi adquirindo ao
longo dos tempos, desde Horácio à
Objectivos contempraneidade.

Os conhecidos versos de Horácio que assinalam com


finalidade da poesia aut prodesse aut delectare, não implicam um
conceito de poesia autónoma, de uma poesia exclusivamente fiel
a valores poéticos, ao lado de uma poesia pedagógica. O prazer,
o doce referido por Horácio e mencionado por uma longa tradição
literária europeia de raiz horaciana, conduz antes a uma
concepção hedonista da poesia, o que constitui ainda um meio de
tornar dependente, e quantas vezes de subalternizar
lastimavelmente, a obra poética.
De feito, até meados do século XVIII, confere-se à
literatura, quase sem excepção, ou uma finalidade hedonista ou
uma finalidade pedagógico-moralista. E dizemos quase sem
excepção, porque alguns casos se podem mencionar nos quais
se patenteia com maior ou menor acuidade a consciência da
autonomia da literatura. Calímaco, por exemplo, característico
representante da cultura helenística, procura e cultiva uma poesia
original, rica de belos efeitos sonoros, de ritmos novos e gráceis,
alheia a motivações morais. Séculos mais tarde, alguns
trovadores provençais transformaram a sua actividade poética
numa autêntica religião da arte, consagrando-se de modo total à
criação do poema e ao seu aperfeiçoamento formal, excluindo
dos seus propósitos qualquer intenção utilitária. Um fino
conhecedor da literatura medieval, o Prof. Antonio Viscardi,
escreve a este respeito: "O que conta é a fé nova da arte, em que
todos observam e praticam com devoção sincera". Desta fé
nasce o sentido trovadoresco da arte que é o fim de si mesma. A
arte pela arte é descoberta dos trovadores.
Já atrás nos referimos, acerca das doutrinas da arte pela
arte, a uma importante finalidade frequentemente assinalada à
literatura: a evasão. Em termos genéricos, a evasão significa
sempre a fuga do eu a determinadas condições da vida e do
mundo, de um mundo imaginário, diverso daquele de que se foge,
e que funciona como sedativo, como ideal compensação, como
objectivação de sonhos e de aspirações.
A evasão, como fenómeno literário, é verificável quer no
escritor quer no leitor. Deixando para ulterior e breve análise o
caso deste último, examinemos primeiramente os principais
aspectos da evasão no plano do criador literário.
Na origem da necessidade que o escritor experimenta de
se evadir, podem actuar diversos motivos. Entre os mais
relevantes, contam-se os seguintes:
a) Conflito com a sociedade: o escritor sente a
mediocridade, a vileza e a injustiça da sociedade que o
rodeia e, numa atitude de amargura e de desprezo, foge a
essa sociedade e refugia-se na literatura. Este problema
da incompreensão e do conflito entre o escritor e a
sociedade agravou-se singularmente a partir do
pré-romantismo, em virtude sobretudo das doutrinas de
Rousseau acerca da corrupção imposta ao homem pela
sociedade, e atingiu com o romantismo uma tensão
exasperada. Nesta oposição em que se defrontam o
escritor e a sociedade, desempenha primacial papel o
sentimento de unicidade que existe em todo o artista
autêntico.
b) Problemas e sofrimentos íntimos que torturam a
alma do escritor e aos quais este foge pelo caminho
da evasão. A inquietação e o desespero dos românticos –
o mal du siècle – estão na origem da fuga ao circunstante e
do anélito por uma realidade desconhecida. O tédio, o
sentimento de abandono e de solidão, a angústia de
um destino frustrado constituem outros tantos motivos
que abrem a porta da evasão.
c) Recusa de um universo finito, absurdo e
radicalmente imperfeito. Geralmente, esta recusa
envolve um sentido metafísico, pois implica uma tomada
de posição perante os problemas da existência de Deus,
da finalidade do mundo, do significado do destino humano,
etc. Lembremos a revolta dos românticos ante o mundo
finito, ou a fuga dos surrealistas de um mundo falsificado
pela razão.
A evasão do escritor pode realizar-se, no plano da
criação literária, de diferentes modos:
(i) Transformando a literatura numa autêntica religião,
numa actividade tiranicamente absorvente no seio da
qual o artista, empolgado pelas torturas e pelos
êxtases da sua criação, esquece o mundo e a vida.
Flaubert e Henry James são dois altíssimos exemplos
desta evasão através do culto fanático da arte.
(ii) Evasão no tempo, buscando em épocas remotas a
beleza, a grandiosidade e o encanto que o presente é
incapaz de oferecer. Assim os românticos cultivaram
frequentemente, pelo mero gosto da evasão, os temas
medievais, tal como os poetas da arte pela arte, como
vimos, se deleitaram com a antiguidade greco-latina.

(iii) Evasão no espaço, manifestando-se pelo gosto de


paisagens, de figuras e de costumes exóticos. O
Oriente constituiu em todos os tempos copiosa fonte de
exotismo, mas não devemos esquecer outras regiões
igualmente importantes sob este aspecto, como a
Espanha e a Itália para os românticos (Gautier, Mérimée,
Stendhal) e as vastas regiões americanas para alguns
autores pré-românticos e românticos (Prévost, Saint-Pierre,
Chateubriand, escritores indianistas do romantismo
brasileiro, etc.).
(iv) A infância constitui um domínio privilegiado da
evasão literária. Perante os tormentos, as desilusões e as
derrocadas da idade adulta, o escritor evoca
sonhadoramente o tempo perdido da infância, paraíso
distante onde vivem a pureza, a inocência, a promessa e
os mitos fascinantes.
(v) A criação de personagens constitui outro processo
frequentemente utilizado pelo escritor,
particularmente pelo romancista, para se evadir. A
personagem, plasmada segundo os mais secretos desejos
e desígnios do artista, apresenta as qualidades e vive as
aventuras que o escritor para si baldamente apetecera.
(vi) O sonho, os paraísos artificiais provocados pelas
drogas e pelas bebidas, a orgia, etc., representam
outros processos de evasão com larga projecção na
literatura. A literatura romântica e simbolista oferece
muitos exemplos destas formas de evasão.
Actividade 1

1. Uma das funções da literatura é o evasionismo. Em


termos gerais, diga o que significa evasão.
2. Diga como se pode realizar a evasão de escritor no
plano da criação literária.
Função da literatura segundo Platão e Aristóteles

Na estética platónica aparece o problema da literatura


como conhecimento, embora o filósofo conclua pela
impossibilidade de a obra poética poder ser um adequado veículo
de conhecimento.

Segundo Platão, a imitação poética não constitui um


processo revelador da verdade, assim se opondo à filosofia que,
partindo das coisas e dos seres, ascende à consideração das
Ideias, realidade última e fundamental; a poesia, com efeito,
limita-se a fornecer uma cópia, uma imitação das coisas e dos
seres que, por sua vez, são uma mera imagem (phantasma) das
Ideias. Quer dizer, por conseguinte, que a poesia é uma imitação
de imitações e criadoras de vãs aparências.
Este mesmo problema assume excepcional relevo em
Aristóteles, pois na Poética claramente se afirma que "a Poesia é
mais filosófica e mais elevada do que a História, pois a Poesia
conta de preferência o geral e, a História, o particular". Por
conseguinte, enquanto Platão condena a mimese poética como
meio inadequado de alcançar a verdade, Aristóteles considera-a
como instrumento válido sob o ponto de vista gnosiológico: o
poeta, diferentemente do historiador, não representa factos ou
situações particulares; o poeta cria um mundo coerente em que
os acontecimentos são representados na sua universalidade,
segundo a lei da probabilidade ou da necessidade, assim
esclarecendo a natureza profana da acção humana e dos seus
móbeis. O conhecimento assim proposto pela obra literária actua
depois no real, pois se a obra poética é "uma construção formal
baseada em elementos do mundo real", o conhecimento
proporcionado por essa obra tem de iluminar aspectos da
realidade que a permite.
Actividade 2

Platão e Aristóteles contradizem-se quanto ao conhecimento


como finalidade fundamental da literatura. Distinga-os.

Função da literatura no Romantismo

Apenas com o romantismo e a época contemporânea


voltou a ser debatido, com profundidade e amplidão, o problema
da literatura como conhecimento. Na estética romântica, a poesia
é concebida como a única via de conhecimento da realidade
profunda do ser, pois o universo aparece povoado de coisas e de
formas que, aparentemente inertes e desprovidas de significado,
constituem a presença simbólica de uma realidade misteriosa e
invisível. O mundo é um gigantesco poema, uma vasta rede de
hieróglifos, e o poeta decifra este enigma, penetra na realidade
invisível e, através da palavra simbólica, revela a face oculta das
coisas. Schelling afirma que a "natureza é um poema de sinais
secretos e misteriosos" e von Arnim refere-se à poesia como a
forma de conhecimento da realidade íntima do universo: o poeta é
o vidente que alcança e interpreta o desconhecido,
reencontrando a unidade primordial que se reflecte
analogicamente nas coisas. "As obras poéticas, acentua Von
Arnim, não são verdadeiras daquela verdade que esperamos da
história e que exigimos dos nossos semelhantes, nas nossas
relações humanas; elas não seriam o que procuramos, o que nos
procura, se pudessem pertencer inteiramente à terra. Porque
toda a obra poética reconduz ao seio da comunidade eterna o
mundo que, ao tornar-se terrestre, daí se exilou. Chamamos
videntes os poetas sagrados; chamamos vidência de uma
espécie superior à criação poética...".
Nestes princípios da estética romântica, encontra-se já
explicitamente formulado o tema do poeta vidente de Rimbaud, o
poeta da aventura luciferiana rumo ao desconhecido: "Digo que é
necessário ser vidente, fazer-se vidente. – O Poeta torna-se
vidente através de um longo, imenso e racional desregramento de
todos os sentidos.
“Inefável tortura em que tem necessidade de toda a fé, de
toda a força sobre-humana, em que se torna, entre todos, o
grande doente, o grande criminoso, o grande maldito, - e o
supremo Sábio! – Porque chega ao desconhecido!"
Assim a poesia se identifica com a experiência mágica e a
linguagem poética se transforma em veículo do conhecimento
absoluto, ou se volve mesmo, por força encantatória, em criadora
de realidade.
Através sobretudo de Rimbaud e de Lautréamont, a
herança romântica da poesia como vidência é retomada pelo
surrealismo, que concebe o poema como revelação das
profundezas vertiginosas do eu e dos segredos da
supra-realidade, como instrumento de perquisição psicológica e
cósmica. A escrita automática representa a mensagem através
da qual o mistério cósmico – o "acaso objectivo" (le hasard
objectif), na terminologia do movimento surrealista – se desnuda
ao homem; e a intuição poética, segundo Breton, fornece o fio
que ensina o caminho da gnose, isto é, o conhecimento da
realidade supra-sensível, "invisivelmente visível num eterno
mistério".

Actividade 3

Explique a finalidade da literatura, de acordo com a estética


romântica.

Função da literatura na época contemporânea

Contemporaneamente, a questão da literatura como


conhecimento tem preocupado particularmente a chamada
estética simbólica ou semântica – representada sobretudo por
Ernest Cassirer e Susanne Langer - , para a qual a literatura,
longe de constituir uma diversão ou actividade lúdica, representa
a revelação, através das formas simbólicas da linguagem, das
infinitas potencialidades obscuramente pressentidas na alma do
homem. Cassirer afirma que a poesia é "a revelação da nossa
vida pessoal" e que toda a arte proporciona um conhecimento da
vida interior, contraposto ao conhecimento da vida exterior
oferecido pela ciência, e Susanne Langer igualmente considera a
literatura como revelação "do carácter da subjectividade", opondo
o modo discursivo, próprio do conhecimento científico, ao modo
apresentativo, próprio do conhecimento proporcionado pela arte.
Para alguns estetas e críticos, porém, a literatura constitui
um domínio perfeitamente alheio ao conhecimento, pois
enquanto este dependeria do raciocínio e da mente, aquela
vincular-se-ia ao sentimento e ao coração, limitando-se a
comunicar emoções. A literatura, com efeito, não é uma filosofia
disfarçada, nem o conhecimento que transmite se identifica com
conceitos abstractos ou princípios científicos. Todavia, a ruptura
total entre literatura e actividade cognoscitiva representa uma
inaceitável mutilação do fenómeno literário, pois toda a obra
literária autêntica traduz uma experiência humana e diz algo
acerca do homem e do mundo. "Objectivação, de carácter
qualitativo, do espírito do homem", a literatura exprime sempre
determinados valores, dá forma a uma cosmovisão, revela
almas – em suma, constitui um conhecimento. Mesmo quando se
transforma em jogo e se degrada em factor de entretenimento, a
literatura conserva ainda a sua capacidade cognoscitiva, pois
reflecte a estrutura do universo em que se situam os que assim a
cultivam. Longe de ser um divertimento de diletantes, a literatura
afirma-se como meio privilegiado de exploração e de
conhecimento da realidade interior, do eu profundo que as
convenções sociais, os hábitos e as exigências pragmáticas
mascaram continuamente: "A arte digna deste nome – escreve
Marcel Proust – deve exprimir a nossa essência subjetiva e
incomunicável. [...] O que não tivemos que decifrar, esclarecer
através do nosso esforço pessoal, o que era claro antes de nós,
não nos pertence. Não vem de nós próprios senão o que
arrancamos da obscuridade que está em nós e que os outros não
conhecem".
Actividade 4

A literatura afirma-se como meio privilegiado de


exploração e de conhecimento da realidade interior, do eu
profundo que as convenções sociais, os hábitos e as
exigências pragmáticas mascaram continuamente.
Comente.
Sumário

Cada período histórico produz sua literatura com uma


marca particular, seja pelas técnicas de produção, ou seus modos
de recepção e, sobretudo sua definição enquanto prática social e
actividade humana. Ao longo desses tempos a literatura
desempenhou entre várias funções: prazer e o doce; evasão,
conhecimento profundo do ser humano, diversão, etc.

Exercícios

1. Aponte a função da literatura desde Horácio até à


contemporaneidade.
2. Diga em que reside o paradoxo da função da literatura
concebido por Platão e Aristóteles.
3. Quer o romantismo, quer a contemporaneidade discutem a
literatura como um conhecimento. Identifique os aspectos
diferenciadores.

Unidade 08:

Semiose Literária: Sistema, Código (s) e Texto Literário

Introdução
Partindo do princípio de que o estudante já fez uma
abordagem introdutória a conteúdos fundamentais desta
disciplina, a presente unidade pretende alargar tais noções,
particularmente no que diz respeito ao sistema semiótico literário.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

● Definir o conceito de semiótica;


● Caracterizar o sistema semiótico literário;
Objectivos
● Distinguir o sistema modelizante primário do
secundário;
● Caracterizar o sistema semiótico literário,
distinguindo – o dos outros.
Semiótica
A obra literária, como o próprio lexema “obra” denota,
constitui o resultado de um fazer, de um produzir que, embora
sendo também um processo de expressão, é necessária e
primordialmente um processo de significação e de comunicação.
[Os semioticistas soviéticos] concebem as línguas naturais
como sistemas modelizantes primários, e os sistemas
semióticos culturais (arte, religião, mito, folclore, etc.), que se
instituem, se organizam e desenvolvem sobre os sistemas
modelizantes primários, como sistemas modelizantes
secundários.
O sistema semiótico literário representa assim um peculiar
sistema modelizante secundário. Construindo-se sobre a língua
natural, só podendo existir e desenvolver-se em indissolúvel
interacção com a expressão e o conteúdo da língua natural, a
literatura tem um sistema seu de signos e de regras para a
sintaxe de tais signos, sistema que lhe é próprio e que lhe serve
para transmitir comunicações peculiares, não transmissíveis com
outros meios. A existência deste sistema semiótico, desta langue,
é que possibilita a produção de textos literários e é que
fundamenta a capacidade de estes mesmos textos funcionarem
como objectos comunicativos no âmbito de uma determinada
cultura.
O texto literário é sempre codificado pluralmente: é
codificado numa determinada língua natural, de acordo com as
normas que regulam esse sistema semiótico, e é codificado em
conformidade com outro sistema semiótico, com outros códigos
actuantes na cultura da colectividade em que se integra o seu
autor / emissor: códigos métricos, códigos estilísticos, códigos
retóricos, códigos ideológicos, etc. Esta pluricodificação gera um
texto de informação altamente concentrada e quanto mais
complexa for a estruturação de um texto, em função dos códigos
que se intersectam, se combinam, se interinfluenciam na sua
organização, tanto menor será a predizibilidade da sua
informação e, por conseguinte, tanto mais rica esta se revelará.

Nesta perspectiva, o código literário configura-se como um


policódigo que resulta da dinâmica intersistémica e
intra-sistémica de uma pluralidade de códigos e subcódigos
pertencente ao sistema modelizante secundário que é a literatura
e que entram em relação de interdependência – nuns casos,
necessariamente; noutros casos, opcionalmente – com os
códigos do sistema modelizante primário e com códigos de outros
sistemas modelizantes secundários.

Sumário

O sistema semiótico literário representa assim um peculiar


sistema modelizante secundário.
O código literário configura-se como um policódigo que
resulta da dinâmica inter e intra-sistémica de uma pluralidade de
códigos e subcódigos pertencentes ao sistema modelizante
secundário.

Exercícios

1. Defina semiotic.a
2. “O código literário configura-se como um policódigo que
resulta da dinâmica intersistémica e intra-sistémica de uma
pluralidade de códigos e subcódigos pertencente ao
sistema modelizante secundário”. Explique a citação.
3. “O sistema semiótico literário representa assim peculiar
sietema modelizante secundário, representa uma langue,
na acepção semiótica do termo, que não coincide com a
língua natural nem com extracto- funcional dessa”. Com
base na transcrição, refira-se aos conceitos de sistema
semiótico literário e de língua natural.

Unidade 09:

Divisão Tripartida dos Géneros Literários:


(Poética de Aristóteles e Platão)

Introdução
O conceito de género literário tem sofrido múltiplas
variações históricas desde a antiguidade helénica até os nossos
dias e permanece como um dos mais árduos da estética literária.
Como poderá ver daqui até a unidade dezasseis iremos
apresentar as diferentes concepções sobre os géneros literários
que se foram dando ao longo da história literária.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:


● Identificar a função e valor dos géneros literários;
● Referir-se sobre os géneros literários na concepção
de Platão e de Aristóteles.
Objectivos

O problema dos géneros literários relaciona-se


intimamente com outros problemas de fundamental magnitude,
como as relações do individual e do universal, as relações entre
visão do mundo e forma artística, a existência ou inexistência de
regras, etc, e estas implicações agravam a complexidade do
assunto. Os géneros literários Existem ou não? Se existem, como
deve ser concebida a sua existência? E qual a sua função, o seu
valor?
Considerando a questão numa perspectiva diacrónica,
encontramos para estas perguntas muitas e discordantes
respostas. E como os valores literários se afirmam e actuam na
história, o modo mais adequado de abordar o problema dos
géneros literários será adoptar a perspectiva diacrónica e analisar
as mais significativas soluções concedidas a tal problema no
percurso da história. Platão, no livro III de A República,
estabeleceu uma fundamentação e uma classificação dos
géneros literários que, tanto pela sua relevância intrínseca como
pela sua influência ulterior, devem ser consideradas como um dos
marcos fundamentais da genologia, isto é, da teoria dos géneros
literários.
Segundo Platão, todos os textos literários ("tudo quanto
dizem os prosadores e poetas") são "uma narrativa de
acontecimentos passados, presentes e futuros". Na categoria
global da diegese, distingue Platão três modalidades: (i) a simples
narrativa, (ii) a imitação ou mímese e (iii) uma modalidade mista,
esta última, conformada pela associação das duas anteriores
modalidades. A simples narrativa, ou narrativa estreme, ocorre
quando «é o próprio poeta que fala e não tenta voltar o nosso
pensamento para outro lado, como se fosse outra pessoa que
dissesse, e não ele»; a imitação, ou mímese, verifica-se quando o
poeta como que se oculta e fala «como se fosse outra pessoa»,
procurando assemelhar «o mais possível o seu estilo ao da
pessoa cuja fala anunciou», sem intromissão de um discurso
explícita e formalmente sustentado pelo próprio poeta ("[...] é
quando se tiram as palavras do poeta no meio das falas, e fica só
o diálogo"); a modalidade mista da narrativa comporta segmentos
de simples narrativa e segmentos de imitação. Estas três
modalidades do discurso consubstanciam-se em três
macro-estruturas literárias, em cada uma das quais são
discrimináveis diversos géneros: "em poesia e em prosa há uma
espécie que é toda de imitação, como tu dizes que é a tragédia e
a comédia; outra, de narração pelo próprio poeta - é nos
ditirambos que pode encontrar-se de preferência; e outra ainda
constituída por ambas, que se usa na composição da epopéia e
de muitos outros géneros".
Assim, Platão lança os fundamentos de uma divisão
tripartida dos géneros literários, distinguindo e identificando:
(i) o género imitativo ou mimético, em que se
incluem a tragédia e a comédia;

(ii) o género narrativo puro, prevalentemente


representado pelo ditirambo, e

(iii) o género misto, no qual avulta a epopeia. Nesta


tripartição, não é claro, nem a nível conceptual nem
a nível terminológico, o estatuto da poesia lírica.

Actividades 1

1. Platão lança os fundamentos de uma divisão


tripartida dos géneros literários.
a. Identifique e caracterize cada um deles.

Segundo Aristóteles, a matriz e o fundamento da poesia


consistem na imitação: «Parece haver, em geral, duas causas, e
duas causas naturais, na génese da Poesia. Uma é que imitar é
uma qualidade congénita nos homens, desde a infância (e nisso
diferem dos outros animais, em serem os mais dados à imitação e
em adquirirem, por meio dela, os seus primeiros conhecimentos);
a outra, que todos apreciam as imitações.» A mímese poética,
que não é uma literal e passiva cópia da realidade, uma vez que
apreende o geral presente nos seres e nos eventos particulares -
e, por isso mesmo, a poesia se aparenta com a filosofia -, incide
sobre «os homens em acção», sobre os seus caracteres (ethe),
as suas paixões (pathe) e as suas acções (praxeis). A imitação
constitui, por conseguinte, o princípio unificador subjacente a
todos os textos poéticos, mas representa também o princípio
diferenciador destes mesmos textos, visto que se consubstancia
com meios diversos, se ocupa de objectos diversos e se realiza
segundo modos diversos.
Consoante os meios diversos com que se consubstancia a
mímese, torna-se possível distinguir, por exemplo, a poesia
ditirâmbica e os nomos, por um lado, pois que são géneros em
que o poeta utiliza simultaneamente o ritmo, o canto e o verso, e a
comédia e a tragédia, por outro, pois que são géneros em que o
poeta usa aqueles mesmos elementos só parcialmente (assim,
na tragédia e na comédia o canto é apenas utilizado nas partes
líricas).
Se se tomar em consideração a variedade dos objectos da
mímese poética, isto é, dos «homens em acção», os géneros
literários diversificar-se-ão conforme esses homens, sob o ponto
de vista moral, forem superiores, inferiores ou semelhantes à
média humana. Os poemas épicos de Homero representam os
homens melhores, as obras de Cleofonte figuram-nos
semelhantes e as paródias de Hegemão de Taso imitam-nos
piores. A tragédia tende a imitar os homens melhores do que os
homens reais e a comédia tende a imitá-los piores; a epopeia
assemelha-se à tragédia por ser uma «imitação de homens
superiores».
Finalmente, da diversidade dos modos por que se
processa a imitação procedem importantes diferenciações, já que
o poeta pode imitar os mesmos objectos e utilizar idênticos meios,
mas adoptar modos distintos de mímese. Aristóteles contrapõe o
modo imitativo, a imitação narrativa, ao modo dramático, em que
o poeta apresenta «todos os imitados como operantes e
actuantes».
No modo narrativo, é necessário discriminar dois
submodos: o poeta narrador pode converter-se «até certo ponto
em outro», como acontece com Homero, narrando através de
uma personagem, ou pode narrar directamente, por si mesmo e
sem mudar. O modo narrativo permite que o poema épico tenha
uma extensão superior à da tragédia: nesta última, não é possível
imitar várias partes da ação como desenvolvendo-se ao mesmo
tempo, mas apenas a parte que os actores representam na cena»,
ao passo que, na epopeia, precisamente por se tratar de uma
narração, o poeta pode «apresentar muitas partes realizando-se
simultaneamente, graças às quais, se são apropriadas, aumenta
a amplitude do poema». Esta variedade de episódios da epopeia
contribui para dar esplendor ao poema e para recrear o seu
ouvinte.

Actividade 2

1. “Segundo Aristóteles, a matriz e o fundamento da


poesia consistem na imitação. A imitação constitui,
por conseguinte, o princípio unificador subjacente
a todos os textos poéticos, mas representa também
o princípio diferenciador destes mesmos textos,
visto que se consubstancia com meios diversos, se
ocupa de objectos diversos e se realiza segundo
modos diversos”.
a) Comente.

Sumário

Platão, no Livro III, da República, distingue três grandes


divisões dentro da poesia: a poesia mimética ou dramática, a
poesia não mimética ou lírica e a poesia mista ou épica.
Aristóteles considera dois modos fundamentais da mimese
poética: um modo narrativo e um modo dramático. No primeiro
caso, o poeta narra em seu próprio nome ou narra assumindo
personalidades diversas; no segundo caso, os actores
representam directamente a acção, "como se fossem eles
próprios as personagens vivas e operantes".

Exercício

Aborde resumidamente sobre diferentes visões dos géneros


literários, partindo dos conhecimentos que acaba de adquirir.

Unidade 10:

Diversidade dos Géneros Literários: Teoria de Horácio

Introdução
Horácio, com alguns preceitos da sua Epistula ad pisones,
ocupa um lugar de relevo na evolução do conceito de género
literário, sobretudo pela influência exercida na poética e na
retórica dos séculos XVI, XVII e XVIII. Por este motivo, iremos
nesta unidade reflectir sobre a concepção dos géneros na
estética de Horácio.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:


● Abordar os géneros literários de acordo com Horácio;
● Explicar o significado da expressão “unidade de tom”
concebida por Horácio.
Objectivos

A Epístola ad Pisones, ou Arte poética, de Horácio


mergulha as suas raízes doutrinárias na tradição da poética
aristotélica, não decerto pelo conhecimento directo da obra do
Estagirita, mas pela mediação de várias influências assimiladas
pelo poeta latino, em particular a influência de Neoptólemo de
Pário, um teorizador da época helenística vinculado ao magistério
de Aristóteles e da escola peripatética sobre matérias de estética
literária. Sem possuir a sistematicidade e a profundeza analítica
da Poética de Aristóteles, a Epístola ad Pisones dedica todavia
importantes reflexões e juízos à problemática dos géneros
literários, tendo desempenhado, ao longo da Idade Média e
sobretudo desde o Renascimento até ao neoclassicismo
setecentista, uma função historicamente muito produtiva na
constituição de teorias e no estabelecimento de preceitos
atinentes àquela problemática.
Horácio concebe o género literário como conformado por
uma determinada tradição formal, na qual avulta o metro, por uma
determinada temática e por uma determinada relação que, em
função de factores formais e temáticos, se estabelece com os
receptores.
Horácio foi deste modo conduzido a conceber os géneros
como entidades perfeitamente distintas, correspondendo a
distintos movimentos psicológicos, pelo que o poeta deve
mantê-los rigorosamente separados, de modo a evitar, por
exemplo, qualquer hibridismo entre o género cómico e o género
trágico. Assim se fixava a famosa regra da unidade de tom, de tão
larga aceitação no classicismo francês e na estética neoclássica,
que prescreve a separação absoluta dos diversos géneros.
O poeta deve adoptar, em conformidade com os temas
tratados, as convenientes modalidades métricas e estilísticas. A
infracção desta norma, que em termos de gramática do texto
poderíamos considerar como reguladora da coerência textual,
desqualifica radicalmente o poeta. Horácio concebia portanto os
géneros literários como entidades perfeitamente diferenciadas
entre si, configuradas por distintos caracteres temáticos e formais,
devendo o poeta mantê-los cuidadosamente separados, de modo
a evitar, por exemplo, qualquer hibridismo entre o género cómico
e o género trágico.
Embora Horácio faça referência a diversos tipos de
composições líricas - hinos, encómios e epinícios, poemas
eróticos e escólios -, a lírica, como categoria genérica, não
aparece adequadamente caracterizada e delimitada na Epístola
ad Pisones.

Sumário

Horácio concebe o género literário como correspondendo


a uma certa tradição formal e sendo simultaneamente
caracterizado por um determinado tom.

Exercícios

1. “Horácio concebe o género literário como conformado por uma


determinada tradição formal, na qual avulta o melro, por uma
determinada temática e por uma determinada relação que, em
função de factores formais e temáticos, se estabelece com os
receptores.” Comente.
2. Leia mais este assunto em Teoria da Literatura, de Victor
Manuel de Aguiar e Silva e faça um comentário crítico sobre o
princípio de unidade de tom.

Unidade 11:

Teoria romântica dos Géneros Literários:


(Defesa do hibridismo)

Introdução
A doutrina romântica acerca dos géneros literários é
multiforme e, por vezes, contraditória. Não encontramos uma
solução unitária, embora se possa apontar como princípio comum
a todos os românticos a condenação da teoria clássica dos
géneros literários, em nome da liberdade e da espontaneidade
criadoras, da unicidade da obra literária. Nesta unidade vamos
decisivamente estudar os géneros literários sob ponto de vista
romântico.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

● Apresentar o contributo de Brunètiere na nova


concepção dos géneros literários;
Objectivos ● Demonstrar a valência do darwinismo para a
concepção dos literários.

A atitude radicalmente negativa do Sturm und drang não


foi em geral aceite pelos românticos, que, se afirmavam por um
lado o carácter absoluto da arte, não deixavam de reconhecer,
por outro, a multiplicidade e a diversidade das obras artísticas
existentes. E verifica-se, na verdade, que alguns românticos
buscaram estabelecer novas teorias dos géneros literários,
fundamentando-se não em elementos externos e formalistas,
mas em elementos intrínsecos e filosóficos.
A teoria romântica dos géneros literários diz respeito à
defesa do hibridismo dos géneros. O texto mais famoso sobre
esta matéria, texto que representou um pendão de revolta, é sem
dúvida o prefácio de Cromwell (1827) de Victor Hugo. Nessas
páginas agressivas e tumultuosas, Hugo condena a regra da
unidade de tom e a pureza dos géneros literários em nome da
própria vida, de que a arte deve ser a expressão.
Nas últimas décadas do século XIX foi novamente definida
a substancialidade dos géneros literários, especialmente por
Brunètiere (1849-1906), crítico e professor universitário francês.
Brunètiere influenciado pelo dogmatismo da doutrina clássica,
concebe os géneros como entidades substancialmente
existentes, como essências literárias providas de um significado e
de um dinamismo próprios, não como simples palavras ou
categorias arbitrárias, e, seduzido pelas teorias evolucionistas
aplicadas por Darwin ao domínio biológico, procura aproximar o
género literário da espécie biológica. Deste modo, Brunètiere
apresenta o género literário como um organismo que nasce,
se desenvolve, envelhece e morre, ou se transforma.
A tragédia francesa, por exemplo, teria nascido com
Jodelle, atingiria a maturidade com Corneille, entraria em declínio
com Voltaire e morreria antes de Victor Hugo. Tal como algumas
espécies biológicas desaparecem, vencidas por outras mais
fortes e mais bem apetrechadas, assim alguns géneros literários
morreriam, dominados por outros mais vigorosos.

Sumário
A teoria romântica dos géneros literários diz respeito à
defesa do hibridismo dos géneros. Portanto, admite-se o
aparecimento de novos géneros literários, pelo que podem-se
misturar e originar outros. Daí a tragédia misturada com a
comédia originando a tragicomédia, isto é, junta elementos que
fazem chorar e rir. Na poética romântica desenvolve-se o
romance.

Exercícios

1. Em poucas palavras, explique o princípio de hibridismo


dos géneros literários.
2. Brunètiere apresenta o género literário como um
organismo que nasce, se desenvolve, envelhece e morre,
ou se transforma. Qual é teoria biológica que influencia
este princípio?

Unidade 12:

O Género Romance

Introdução
Na evolução das formas literárias, durante os últimos três
séculos, avulta como fenómeno de capital magnitude o
desenvolvimento e a crescente importância do romance. Nesta
unidade vamos apresentar, de forma sucinta, o género romance.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:


● Conhecer a evolução histórica e semântica do
romance;
● Caracterizar o romance no século XIX.
Objectivos

Na evolução das formas literárias, durante os últimos três


séculos, avulta como fenómeno de capital magnitude o
desenvolvimento e a crescente importância do romance.
Alargando continuamente o domínio da sua temática,
interessando-se pela psicologia, pelos conflitos sociais e políticos,
ensaiando constantemente novas técnicas narrativas e
estilísticas, o romance transformou-se, no decorrer do dos últimos
séculos, mas sobretudo a partir do século XIX.
O romance é uma forma literária relativamente moderna.
Embora na literatura helenística e na literatura latina apareçam
narrativas de interesse literário, o romance não tem verdadeiras
raízes greco-latinas, diferentemente da tragédia, da epopeia, etc.,
e pode considera-se como uma das mais ricas criações artísticas
das modernas literaturas europeias.
Na Idade Média, o vocábulo romance designou
primeiramente a língua vulgar, a língua românica que, embora
resultado de uma transformação do latim, se apresentava já bem
diferente em relação a este idioma. Depois, a palavra romance
ganhou um significado literário, designando determinadas
composições redigidas em língua vulgar e não na língua latina,
própria dos clérigos. Apesar das flutuações semânticas, o
vocábulo romance passou a denominar sobretudo composições
literárias de cunho narrativo.
No período renascentista, alcançou grande voga o
romance pastoril, forma narrativa impregnada da tradição
bucólica de Teócrito e de Virgílio e fortemente influenciada por
duas obras de Boccacio. O romance pastoril, no qual a prosa se
mescla com o verso, é uma narrativa marcadamente culta: os
seus pastores, movendo-se numa natureza idealizada ou
fabulosa, estão apenas nominalmente ligados à vida da
pastorícia.
É no século XVII, porém, sob pleno signo do barroco, que o
romance conhece uma proliferação extraordinária. O romance
barroco apresenta-se estreitamente com o romance medieval e
caracteriza-se geralmente pela imaginação exuberante, pela
abundância de situações e aventuras excepcionais e
inverosímeis: náufragos, duelos, raptos, confusões de
personagens, aparições de monstros e de gigantes, etc.
No concerto das literaturas europeias do século XVII, a
espanhola ocupa um lugar cimeiro no domínio da criação
românica.
O romance, como ficou exposto, é um género sem
antepassados ilustres na literatura greco-latinas e, por
conseguinte, sem modelos a imitar, nem regras a que obedecer.
É inegável que o romance, até ao século XVIII, constitui
um género literário desprestigiado sob todos os pontos de vista.
Embora desde há muito se reconhecesse o singular poder da arte
de narrar, o romance era todavia conceituado como obra frívola,
cultivado apenas por espíritos inferiores e apreciado por leitores
pouco exigentes em matéria de cultura literária. O romance
medieval, renascentista e o barroco dirige-se, fundamentalmente
a um público feminino, ao qual oferece motivados de
entretenimento e evasão.
Durante o século XVIII, o romance transforma-se em
penetrante e, por vezes, despudorada análise das paixões e dos
sentimentos humanos, em sátira social e política ou em escrito de
intenções filosóficas.
Quando o romantismo se revela nas literaturas europeias,
já o romance conquistara, por direito próprio, a sua alforria e já
era lícito falar de uma tradição romanesca. Entre os finais do
século XVIII e as primeiras décadas no século XIX, o público do
romance alargara-se desmedidamente e, para satisfazer a sua
necessidade de leitura, escreveram-se e editaram-se numerosos
romances.
Com o romantismo, por conseguinte, a narrativa
romanesca afirma-se decisivamente como uma grande forma
literária, apta a exprimir os multiformes aspectos do homem e do
mundo.
Se o século XVII constitui a época da moderna tragédia, o
século XIX constitui inegalvelmente o período mais esplendoroso
da história do romance.
Classificação tipológica do romance

Têm sido várias as tentativas para estabelecer uma


classificação tipológica do romance. Wolfang Kayser estabelece
a seguinte classificação.
a) Romance de acção ou de acontecimentos. Romance
caracterizado por uma intriga concentrada e fortemente
desenhada, com princípio, meio e fim bem estruturados
b) Romance de personagem. Romance caracterizado pela
existência de uma única personagem central, que o autor
desenha e estuda demoradamente e à qual obedece todo
o desenvolvimento do romance.
c) Romance de espaço. Romance que se caracteriza-se pela
primazia que concede à pintura do meio histórico e dos
ambientes sociais nos quais decorre a intriga. O meio
descrito pode ser geográfico ou telúrico.

Exercícios

1. Em poucas palavras, descreve a evolução histórica e


semântica do romance.
2. Identifique o momento histórico em que o romance ganha
o seu estatuto próprio e, diga a que se deveu.

Unidade 13:

O conceito de Géneros literários na estética de Croce:


(Unicidade e indivisibilidade)

Introdução
Como já o dissemos no início desta sequência de unidades, a
questão dos géneros literários, tal como o próprio lexema
literatura, mereceu várias críticas, o que deu lugar a existência de
várias visões sobre a mesma realidade. Nesta unidade, vamos
dedicar o nosso estudo especialmente para o conceito dos
géneros atribuído por Croce.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:


● Explicar o princípio de unicidade dos géneros
literários.
Objectivos

O problema dos géneros literários adquiriu nova acuidade


precisamente na reflexão estética de Benedetto Croce, sendo
bem visível no pensamento do grande esteta italiano o intuito
polémico de combater e invalidar as congeminações
dogmatistas de Brunetière.
Croce identifica a poesia – e a arte em geral – com a forma
da actividade teorética que é a intuição, conhecimento do
individual, das coisas singulares, produtora de imagens – em
suma, forma de conhecimento oposta ao conhecimento lógico.
A intuição é concomitantemente expressão, pois a intuição
distingue-se da sensação, do fluxo sensorial, enquanto forma,
e esta forma constitui a expressão. Intuir é exprimir. A poesia,
como toda a arte, revela-se portanto como intuição-expressão:
conhecimento e representação do individual, elaboração
alógica, e por conseguinte irrepetível, de determinados
conteúdos. A obra poética, consequentemente, é una e
indivisível, porque "cada expressão é uma expressão única".

Sumário

A obra poética, consequentemente, é una e indivisível,


porque "cada expressão é uma expressão única".

Exercícios

1. Relacione a concepção de Croce sobre os géneros


literários com a de unidade de tom.
2. Leia mais este assunto em Teoria da Literatura, de Victor
Manuel de Aguiar e Silva, e faça o respectivo comentário
crítico.
Unidade 14:

Conceito dos géneros literários propostos por Lukács.


(princípios de continuidade e descontinuidade)

Introdução
Nesta unidade, debruçar-nos-emos, à nova concepção dos
géneros literários na óptica de Emil Staiger e Lukács

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

● Identificar os conceitos introduzidos por Emil Staiger


para a nova concepção dos géneros literários;
● Explicar
Objectivos
os princípios de continuidade e
descontinuidade dos géneros literários propostos por
Lukács.

Mencionaremos apenas dois grandes nomes da poética e


da crítica literária moderna, dois autores profundamente distintos
na formação, na ideologia e nos métodos de investigação, que
repensaram com delonga e rigor o conceito de género literário,
concedendo-lhe na sua obra um lugar preponderante.
Emil Staiger, ao publicar em 1952 a sua obra
Grundbegriffe der Poetik [Conceitos fundamentais de poética],
mostrou qual o caminho seguro no estudo dos géneros literários.
Condenando uma poética apriorística e anti-histórica, Staiger
acentua a necessidade de a poética se apoiar firmemente na
história, na tradição formal concreta e histórica da literatura, já
que a essência do homem é a temporalidade. Retomando a
tradicional tripartição de lírica, épica e drama, reformulou-a
profundamente, substituindo estas formas substantivas pelos
conceitos estilísticos de lírico, épico e dramático. O que permite
fundamentar a existência destes conceitos básicos da poética? A
própria realidade do ser humano, pois "os conceitos do lírico, do
épico e do dramático são termos da ciência literária para
representar possibilidades fundamentais da existência humana
em geral; e existe uma lírica, uma épica e uma dramática porque
as esferas do emocional, do intuitivo e do lógico constituem
finalmente a própria essência do homem, tanto na sua unidade
como na sua sucessão, tal como aparecem reflectidas na infância,
na juventude e na maturidade".
Lukács revelou sempre ao longo da sua obra um profundo
interesse pelo problema dos géneros literários. Já na sua juvenil
Teoria do romance, redigida entre 1914-1915, abundam as
observações acerca dos elementos que permitem distinguir a
narrativa e a lírica, a narrativa e o drama, o romance e a epopeia.
Estas reflexões juvenis, inspiradas na estética hegeliana,
ganharam corpo e densidade na obra intitulada O romance
histórico, onde se encontra uma pormenorizada diferenciação
entre o romance e o drama. O que permite, segundo Lukács,
distinguir estes dois géneros literários? Fundamentalmente, essa
diferenciação repousa no facto de o romance e o drama
corresponderem a visões diferentes da realidade, o que implica
necessariamente diversidade de conteúdo e de forma. Por outro
lado, impõe-se tomar em conta factores de ordem sociológica ou
sociocultural: a natureza do público a que se destina o romance e
o drama, bem como a estrutura da sociedade em que os géneros
literários são criados e/ou cultivados. Efectivamente, como
acentua Lukács nas páginas que na sua Estética consagrou ao
problema da continuidade e da descontinuidade da esfera
estética, a determinação histórico-social é tão intensa que pode
levar a extinção de determinados géneros (a épica clássica) ou ao
nascimento de outros novos (o romance)".

Sumário

A moderna poética, desenganada de quaisquer tentações


dogmáticas e absolutistas, procurando na história a sua
fundamentação, reabilitou o conceito de género literário.

Exercício

1. Emil Staiger e Lukács, ambos são autores modernos que


tanto se preocuparam com a conceituação dos géneros
literários, diga até que ponto se separam os seus pontos
de vista?
Unidade 15:

Teoria Jakobsiana da função poética

Introdução
Nesta unidade dedicar-nos-emos ao conceito dos géneros
literários de acordo com a teoria de Jakobson.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

● Relacionar os géneros literários com a função poética.

Objectivos

O estruturalismo, desenvolvendo algumas tentativas


realizadas pelo formalismo russo, tem procurado definir os
géneros a partir dos elementos constitutivos das respectivas
estruturas linguísticas, embora os resultados obtidos nem sempre
sejam muito fecundos. Roman Jakobson, num importante estudo
publicado há pouco, relacionou as particularidades dos géneros
literários com a participação, ao lado da função poética – que é a
dominante -, das outras funções da linguagem. Assim, a épica,
centrada sobre a terceira pessoa, envolve a função referencial da
linguagem; a lírica, orientada para a primeira pessoa, prende-se
estreitamente com a função emotiva; a dramática implica a
segunda pessoa com função apelativa.
Partindo de base que num texto literário domina a função
poética, para identificar o género literário num texto temos de ter
em conta a função da linguagem subdominante.

Comunicação Literária
A linguagem deve ser estudada em toda a variedade das
suas funções. Antes de discutir a função poética, devemos
definir-lhe o lugar entre as outras funções da linguagem. Para se
ter uma ideia geral dessas funções, é necessária uma perspectiva
sumária dos factores constitutivos de todos os processos
linguísticos, de todos os actos de comunicação verbal.
O emissor envia uma mensagem ao receptor. Para ser
eficaz, a mensagem requer um contexto a que se refere (ou
"referente", noutra nomenclatura algo ambígua), apreensível pelo
receptor, e que seja verbal ou susceptível de verbalização; um
código total ou parcialmente comum ao emissor e ao receptor (ou,
em outras palavras, ao codificador e ao descodificador da
mensagem); e, finalmente, um contacto, um canal físico e uma
conexão psicológica entre o emissor e o receptor, que os capacite
a ambos a entrarem e permanecerem em comunicação. Todos
estes factores inalienavelmente envolvidos na comunicação
verbal podem ser esquematizados como se segue:

Contexto
Emissor --------- mensagem ---------- receptor
Contacto
Código
Cada um desses seis factores determina uma diferente
função da linguagem. Embora distingamos seis aspectos básicos
da linguagem, dificilmente lograríamos, contudo, encontrar
mensagens verbais que preenchessem uma única função. A
diversidade reside não no monopólio de alguma dessas diversas
funções, mas numa diferente ordem hierárquica de funções. A
estrutura verbal de uma mensagem depende basicamente da
função predominante.

Função poética
Analisámos detalhadamente todos os factores envolvidos
na comunicação verbal, excepto um: a própria mensagem. A
orientação (Einstellung) para a MENSAGEM como tal, o centro de
interesse incidindo sobre a mensagem considerada por si mesma,
é o que define a função poética da linguagem. Essa função não
pode ser estudada de maneira proveitosa se perdermos de vista
os problemas gerais da linguagem e, por outro lado, a análise
minuciosa da linguagem exige que se tome seriamente em
consideração a função poética. Qualquer tentativa de reduzir a
esfera da função poética à poesia ou de confinar a poesia à
função poética seria uma simplificação excessiva e enganadora.
A função poética não é a única função da arte verbal, mas
tão-somente a função dominante, ao passo que, em todas as
outras actividades verbais, ela funciona como um constituinte
acessório, subsidiário. Acerca da função poética da linguagem,
aduz ainda Jakobson mais alguns elementos caracterizadores
que importam conhecê-los.
Assim, escreve que «esta função, que põe em evidência o
lado palpável dos sinais, aprofunda por isso mesmo a dicotomia
fundamental dos sinais e dos objectos.» Esta afirmação
inscreve-se na linha de rumo, já atrás analisada, das doutrinas
dos formalistas russos – entre eles, o próprio Jakobson – e dos
estruturalistas do Círculo Linguístico de Praga, segundo a qual a
função poética ou estética se distingue da função de
comunicação da linguagem pelo facto de, nesta última, existir
uma relação instrumental com a realidade extralinguística que
não se verifica naquela. Nesta perspectiva, a autonomia e a
autotelicidade da mensagem poética dependem da inexistência
deste tipo de relações instrumentais com a realidade
extralinguística: a mensagem poética, enquanto organização
formal, enquanto textura de significantes («o lado palpável dos
sinais») – jogo de ritmos, aliterações, eufonias, rede de
paralelismos, anáforas, etc. – Constitui-se em finalidade de si
mesma.

New Criticism
Ontologicamente, a obra poética apresenta-se como uma
estrutura indivisível, como uma totalidade orgânica, que não é
possível cindir em o que se diz e o como se diz.
O «new criticism» propõe aquilo que chama «close reading»
que se poderia traduzir, em paralelo com as propostas de outras
escolas, por crítica imanente, pois visa directamente o texto como
objecto verbal, excluindo todas as aproximações extrínsecas:
biografia do autor, fontes e influências, etc. O que importa é
captar o modo específico, a forma pela qual a linguagem se
organiza, e constrói a obra em questão. E esse objectivo
atinge-se através de análises descritivas minuciosas, demoradas,
atentas aos múltiplos aspectos específicos da linguagem literária
(a função de figuras retóricas – como anáforas, hipérboles,
alegorias; os efeitos dependentes do contexto; as imagens,
metáforas e símbolos; a conotação e a denotação; as
ambiguidades, os paradoxos, a ironia, etc.) e também à
organização global própria daquela obra. Através, portanto, de
um «exame microscópico».
Sumário

De uma forma geral, os “antigos” defendem que os


géneros literários não sofrem alterações e não se misturam com
os outros. Tratam-se, portanto, de entidades puras e fixas.
Contudo, os “modernos” dizem que os géneros literários podem
modificar-se, podem desaparecer e originar outros.

Exercícios

Ser poeta
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morde como que beija!
É ser mendigo e dar como que seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos e o esplendor


É não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de infinito!


Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim.
É condensar o mundo num só grito!

É amar-te assim, perdidamente...


É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca

1. Tendo em conta a função de linguagem subdominante,


segundo Jakobson, indique o género literário em se
enquadra o texto acima apresentado. Fundamente a sua
resposta.
2. Com base nos conhecimentos adquiridos acerca dos
géneros literários indique os principais aspectos que
divergem os “antigos” dos “modernos”.
Unidade 16:

A Crise dos Géneros Literários

Introdução
Depois de um longo percurso de estudo sobre os géneros
literários importa nesta unidade debater em volta da sua
relativização.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

● Entender a relativização do género literário;


Explicar a expressão desconstrução genológica e
Objectivos fragmento.

O que se entende como relativização dos géneros


conexiona-se de forma particular com o processo da semiose
literária e, em termos mais gerais, com os avanços da própria
produção cultural. De facto, a partir do momento em que os
géneros agem como códigos, eles estabelecem-se também como
virtual desafio à mudança, "princípios de produção dinâmica" que
nessa dinâmica chegam a investir comportamentos de
autoreflexividade, de autocrítica e de auto-revisão.
A expressão desconstrução genológica remete para
uma concepção de escrita que importa comentar brevemente. De
acordo com essa concepção, a escrita literária elabora-se como
processo de produção arbitrária de sentidos, dissolvendo-se, no
interior do texto, qualquer propósito de estabilidade ou coerência;
ora os géneros e os subgéneros poderiam precisamente ser
entendidos como um modelo de referência exterior ao texto, em
certa medida responsável por essa estabilidade sempre diferida.
O que só pode compreender-se em função de uma escrita
descentrada e produtora de uma palavra que interminavelmente
transcende as intenções do sujeito.
Mesmo fora do quadro da chamada teoria da
desconstrução, é possível convalidar o relativismo dos géneros.
Esse relativismo torna-se óbvio desde que se acentue a
dimensão histórica dos géneros, favorecida pelo diálogo que
estabelece com circunstâncias culturais, ideológicas, sociais, etc.,
eminentemente mutáveis; como tal, também os géneros,
indirectamente envolvidos num incessante processo evolutivo,
vêm a ser entidades por natureza mutáveis e mesmo perecíveis.
Não custa admitir que a relativização dos géneros constitui,
no plano da teoria, uma atitude articulada com uma certa
instabilidade, verificável em práticas literárias dos nossos dias,
irredutíveis a uma referência genológica estável. Em
determinados casos - sobretudo naqueles em que o escritor
questiona, no acto da escrita, categorias genológicas - parece
apropriado falar em crise dos géneros ou, pelo menos, em
cepticismo quanto à sua legitimidade como categorias formal e
institucionalmente sólidas.
Um estádio ainda assim moderado dessa instabilidade é o
que se encontra em tentativas pós-modernistas de refazer,
recuperar ou conjugar géneros e subgéneros narrativos
desaparecidos ou pouco reputados do ponto de vista cultural.
Nalguns casos mais radicais - esses em que é legítimo
falar de crise dos géneros, mais do que da sua reconversão -
assiste-se a uma verdadeira desagregação das dominantes e até,
antes disso, das designações genológicas. Termos
reconhecidamente difusos (no que diz respeito, como é óbvio, a
uma possível caracterização enquanto género) como escrita,
texto ou ficção constituem por vezes a marca externa dessa crise,
sobretudo quando surgem expressamente referidos no corpo do
texto ou nos paratextos que o enquadram.
De forma semelhante, também o termo fragmento parece
reflectir algo desse movimento de desagregação dos géneros,
sintoma de uma indagação sobre a unidade da linguagem,
também sobre a obra literária e ainda, mediatamente, sobre a
coesão do sujeito que a enuncia
Nos nossos dias, não são o mito, o ensaio filosófico, o
inventário da viagem ou até mesmo a História (a oficial e
heroizante) que fundamentam aquela harmonização
pluridiscursiva; são a notícia de jornal, o relatório policial, a
telenovela, a publicidade, o panfleto ideológico, etc…

Sumário
A existência e consagração de novos géneros pode
fundar-se num processo de harmonização discursiva, por assim
dizer de reinvenção pós-moderna, mas com antecedentes
ilustres.
Exercício

Explique a expressão desconstrução genológica e o termo


fragmento no âmbito dos géneros literários.

Unidade 17:

O Conceito de Períodos Literários

Introdução
O conceito de período literário, tal como o entendemos,
implica ainda outra consequência muito importante: os períodos
não se sucedem de modo rígido e linear, como se fossem
entidades discretas, blocos monolíticos justapostos, mas
sucedem-se através de zonas difusas de imbricação e de
interpenetração.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

● Relacionar a noção de século com a eclosão ou morte


de movimentos artísticos;
● Definir o conceito literário;
Objectivos

● Identificar os grandes períodos literários.

A literatura situa-se forçosamente no devir temporal e no


transcurso histórico. As obras literárias, porém, não se inserem
no discurso temporal de modo fortuito, nem como uma gigantesca
colecção de indivíduos absolutamente alheios uns aos outros.
É lógico que os historiadores e os estudiosos do fenómeno
literário, movidos por autênticas exigências críticas, ou, algumas
vezes, por razões meramente didácticas, tenham procurado
estabelecer determinadas divisões e baptizadas no domínio
vastíssimo da literatura.
Tem de reconhecer-se, todavia, que as tentativas levadas
a efeito no campo da periodização literária apresentam, muitas
vezes, acentuada heterogeneidade e carência de
fundamentação.
O século é uma unidade estritamente cronológica, cujo
início e cujo término não determinam forçosamente a eclosão ou
a morte de movimentos artísticos, de estruturas literárias, de
ideias estéticas, etc.
Tão inconsistente como a divisão em séculos da história
literária, revela-se a fixação dos períodos literários segundo
acontecimentos políticos ou sociais. Este enfeudamento da
história literária à história geral, política ou social – enfeudamento
que já durou muitos anos e que ainda persiste –, radical numa
concepção viciada do fenómeno literário: este é entendido como
uma espécie de epifenómeno dos factores políticos e sociais, e
portanto como um elemento que carece de autonomia e
desenvolvimento próprio.
A atitude nominalista é uma atitude céptica que reduz a
história literária a um acervo assignificativo, desconhecendo um
aspecto essencial da actividade literária: a existência de
estruturas genéricas que, sob múltiplos pontos de vista,
possibilitam a obra individualizada.
Paul Valéry, exprimindo este cepticismo, escreveu
(Mauvaises pensées) que é impossível pensar seriamente com
vocábulos como “classicismo”, “romantismo”, “humanismo” e
“realismo”, pois que ninguém mata a sede ou se embriaga com os
rótulos das garrafas.
O cepticismo de uma concepção nominalista dos períodos
literários é compreensível, dada a licenciosa utilização que tem
sido feita de palavras como “classicismo”, “romantismo”,
“realismo”, etc. Quando muitos críticos falam do movimento
romântico introduzido por S. Paulo no pensamento grego, ou na
textura e na essência românticas da Odisseia, ou quando
afirmam que o romantismo “nasceu no jardim do Éden” e que “a
serpente foi o primeiro romântico”, é compreensível que um
estudioso como o Prof. Arthur Lovejoy escreva que “a palavra
romântico chegou a significar tantas coisas que, por si própria,
não significa nada. Deixou de realizar a função de um signo
verbal”.
É necessário escolher critérios literários para fundamentar
e definir os períodos literários, evitando a intromissão
perturbadora de esquemas e classificações originários da política,
da sociologia, da religião, etc. O ponto de partida terá de ser a
própria realidade histórica da literatura, as doutrinas, as
experiências e as obras literárias, para não se tombar,
precisamente, no nominalismo ou no metafisicismo.
Parece-nos que o Prof. René Wellek encontrou o caminho
justo, ao definir o período literário como “uma secção de tempo
dominada por um sistema de normas, convenções e padrões
literários, cuja introdução, difusão, diversificação, integração e
desaparecimento podem ser seguidos por nós”. Esta definição
apresenta o período literário como uma “categoria histórica” ou
como uma “ideia reguladora”, excluindo quer a tendência
nominalista, quer a tendência metafísica, pois os caracteres
distintivos de cada período estão enraizados na própria realidade
literária e são indissociáveis de um determinado processo
histórico.
Assim fundamentada, a periodização literária não se
confunde com qualquer espécie de tipologia literária, de teor
psicológico ou filosófico, visto que os esquemas tipológicos
desconhecem a historicidade dos valores literários.
Na definição proposta por René Wellek, o período é
definido por um “sistema de normas, convenções e padrões
literários”, isto é, por uma convergência organizada de elementos,
e não por um único elemento. O romantismo, por exemplo, é
constituído por uma constelação de traços – hipertrofia do eu,
conceito de imaginação criadora, irracionalismo, pessimismo,
anseio de evasão, etc, - e não por um único traço.
Cada um dos elementos formativos da estética romântica
pode ter existido anteriormente, isolado ou integrado noutro
sistema de valores estéticos, sem que tal fato implique a
existência de romantismo nos séculos XVI ou XVII, por exemplo.
Falar de romantismo a propósito de Eurípedes,
Shakespeare, etc., representa um asserto desprovido de sentido
histórico e de rigor crítico, mesmo quando se acrescenta ao
vocábulo “romantismo” uma expressão como avant la lettre ou
outra semelhante.
A definição de Wellek claramente demonstra que o
conceito de período literário não se identifica com uma mera
divisão cronológica, pois cada período se define pelo predomínio,
e não pela vigência absoluta e exclusivista, de determinados
valores.
Um período não se caracteriza por uma perfeita
homogeneidade estilística, mas pela prevalência de um
determinado estilo.
O historiador italiano Eugenio Battisti diz que “a
possibilidade de reduzir tudo a poucos e simples conceitos é um
mito metodológico, somente fruto da ignorância ou da preguiça”.
Na França, por exemplo, durante o século XVII, coexistem
um estilo barroco e um estilo clássico, com caracteres diferentes
e até opostos, mas apresentando frequentes interferências
mútuas.
O estudo da periodização literária exige uma perspectiva
comparativa, pois os grandes períodos literários, como a
Renascença, o maneirismo, o barroco, o classicismo, o
romantismo, etc., não são exclusivos de uma determinada
literatura nacional, abrangendo antes as diferentes literaturas
europeias e americanas, embora não se manifestem em cada
uma delas na mesma data e do mesmo modo.

Sumário

O processo de formação e desenvolvimento de um período


literário é vagaroso e complexo, subsistindo em cada período novo, em
grau variável, elementos do período anterior. No romantismo persistem
elementos neoclássicos, como persistem no realismo elementos
românticos.
A utilização de datas precisas para assinalar o fim de um período
e o início de outro, como se tratasse de marcos a separar dois terrenos
contíguos, não possui valor crítico, apenas lhe podendo ser atribuída
uma simples função de balizagem, como que a indicar um momento
particularmente representativo na aparição de um período.

Exercícios

1. “O século é uma unidade estritamente cronológica, cujo


início e cujo término não determinam forçosamente a
eclosão ou a morte de movimentos artísticos, de estruturas
literárias, de ideias estéticas, etc.” Comente a citação.
2. Defina o conceito de período literário, segundo o Prof.
René Wellek.
Unidade 18:

Períodos literários: periodização

Introdução
Já o dissemos que a ordenação de fenómenos literários no
tempo denominamos período literário, escola ou movimento
literário, e cada período é determinado por critérios estéticos e
critérios de tempo. Com base em dados critérios, vamos
apresentar, nesta unidade, a caracterização dos grandes
períodos literários.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

● Identificar os grandes períodos literários;


● Caracterizar os períodos literários.
Objectivos

Períodos Literários

A expressão Critérios estéticos entende-se como


conjunto de normas que dominam a literatura num dado
momento.
Estilo é um facto histórico determinado pela ideologia de
um dado momento e suas manifestações culturais.
Existem obras que preponderam sobre outras e passam
para a história, assim como existem obras que convivem em mais
de um estilo.
Levando-se em consideração, critérios estéticos, estilo,
critérios de tempo e fatos históricos a literatura está ordenada por
períodos literários.

1. Classicismo
Os vocábulos “clássico” e “classicismo” apresentam uma
pletora semântica muito pronunciada e a polissemia daí
resultante dificulta extremamente a tentativa de aclarar o seu
significado estético-literário.
Classicus designava em latim o cidadão que, em virtude da
sua considerável riqueza, fazia parte da primeira das cinco
classes em que a reforma censitária atribuída a Sérvio Túlio
dividira a população de Roma. No baixo latim, classicus foi
relacionado com as classes das instituições escolares, assim se
explicando que a palavra tenha adquirindo a significação de autor
lido e comentado nas escolas. Foi assim que o sentido de
classico apresentou predominantemente durante os séculos XVII
e XVIII, embora o significado primitivo de autor modelar e
excelente não se tenha perdido.
Os principais significados literários que habitualmente são
atribuidos ao conceito de classicismo são:
a) Por escritor clássico entende-se aquele que, devido
sobretudo à sua correcção da sua linguagem, pode ser
tomado como modelo. Assim concebido, o classicismo
identifica-se substancialmente com a doutrina de que a
criação literária deve repousar em modelos, dos quais
derivam a disciplina e as regras necessárias para a
prossecução de uma obra perfeita.

b) Entende-se muitas vezes por autor clássico aquele que,


pela vernaculidade da sua locução, pode ser considerado
como um mestre da pureza do idioma e, portanto, um
modelo a segui pelos que se consagram à arte de
escrever.

c) A designação do classicismo aplica-se habitualmente, e


sem qualquer discriminação, a todos os autores e obras
das literaturas grega e latina.

d) Numa outra acepção, classicismo designa os autores e as


obras das literaturas modernas nos quais se faz sentir,
com maior ou menor intensidade, a influência da literatura
helénica e da literatura latina.

e) Finalmente, encontramos o classicismo concebido como


uma constante do espírito humano e, por conseguinte,
como uma constante também da literatura, a constante do
equilíbrio, da ordem, da harmonia.
Aspectos mais relevantes do classicismo
(i) A verosimilhança. O princípio da verosimilhança
exclui da literatura tudo o que seja insólito, anormal,
estritamente local ou puro capricho da imaginação.
O classicismo procura não o particular, o caso único
e isolado, mas o universal e o intemporal.

(ii) A imitação da natureza. A imitação da natureza


constitui um preceito basilar do classicismo. O
artista deve imitar a natureza, estudando-a com
profundidade e cuidado afim de jamais não a trair. A
imitação da natureza, na estética clássica, não se
identifica com uma cópia servil, com uma
reprodução realista e minuciosamente exacta. O
classicismo escolhe e acentua os aspectos
essenciais do modelo, eliminando os traços
acidentais e transitórios, desprovidos de significado
no domínio do universal poético.

(iii) As regras. As regras representam, no sistema de


valores da estética clássica, a consequência natural
da atitude intelectualista. Dentre as regras da
estética clássica, avultam, pela sua importância
intrínseca e extrínseca, as chamadas regras de três
unidades: unidade de acção, de tempo e de lugar.

2. Renascimento

No período compreendido entre 1450 e 1600 surgiu na


Europa, principalmente na Itália, um movimento chamado
Renascimento, que foi o responsável por uma radical
transformação do homem no que diz respeito à religião, à filosofia,
ao amor, à política, enfim, à maneira de encarar a vida.

Foi em Florença, terra natal de Dante e Giotto, que um grupo


de artistas se dispôs a criar uma nova arte e a romper com as
ideias do passado. Florença é considerada, portanto, o berço do
Renascimento.
O Renascimento tem três significados que o definem: a
antiguidade, a humanidade e a universalidade.
A antiguidade redescobriu as obras literárias, históricas e
filosóficas da civilização greco-romana, tendo o Renascimento
traduzido, restaurado e explicado grande parte de obras literárias
da Antiguidade Clássica.

Mas afinal, renascer o quê?

Renascer o modo de pensar, o modelo político, as formas


estéticas, a mitologia, a maneira de viver. Renasceram as normas
ditadas por Aristóteles e Horácio; imitou-se Virgílio. Buscou-se o
belo na nobreza, que ditava o conceito de beleza. Julgavam os
renascentistas terem os gregos e romanos atingido o auge da
civilização – era importante restaurá-la.

A humanidade valorizou o homem, transformando-o em


centro do universo. A estátua de David, de Michelangelo, não
seria possível na Idade Média – gigantesco, musculoso e nu,
retratando a grandeza do homem renascentista.

A universalidade incorporou o mar entre os elementos


medievais, que só conheciam a terra e o céu. O Renascimento
descobriu o mar e lhe deu primazia. O homem renascentista
desbravou os oceanos, lutou com as tempestades em alto-mar,
conquistou "mares nunca dantes navegados" e voltou ao ponto
de partida.

O Classicismo foi, no plano literário, o retrato vivo da


Renascença. Os escritores clássicos do Renascimento seguiram
de perto a literatura da Antiguidade, cujos modelos foram
imitados ou adaptados à realidade da época. Como
consequência, suas obras revelaram, na estrutura formal, a
rigidez das normas de composição de acordo com os padrões
consagrados pela tradição greco-latina.

Em seu conteúdo, mostravam o paganismo, o ideal


platónico de amor e outras marcas específicas da tradição antiga.
As notas medievais quinhentistas contêm um impulso que
se tornou presente, explicitamente ou não, ao longo de toda a
literatura portuguesa, cruzando os séculos. Seu lirismo tradicional,
caracterizado por ser antimetafísico, popular, sentimental e
individualista, irá dialogar com as novas modas e sobreviverá. A
própria força da terra portuguesa, chamando os escritores para o
seu convívio, explica a permanência desse remoto lirismo através
dos séculos.
A definição do novo ideário estético em Portugal deu-se
em 1527, com o regresso de Sá de Miranda da Itália, trazendo
uma valiosa bagagem doutrinária. Sua influência foi decisiva na
produção e promoção do novo gosto literário.

Características
(i) Buscas do homem universal – passaram o mundo,
o homem e a vida a ser vistos sob o prisma da razão. O
homem renascentista procurou entender a harmonia
do universo e suas noções de Beleza, Bem e Verdade,
sempre baseando seus conceitos no equilíbrio entre a
razão e a emoção. Estavam longe de aceitar a "arte
pela arte", ao modo parnasiano do século XIX, mas
apresentavam um alto objectivo ético: o do
aperfeiçoamento do homem na contemplação das
paixões humanas postas em arte - a catarse grega.

(ii) Valores greco-latinos – os renascentistas


adoptaram a mitologia pagã, própria dos antigos,
recorrendo a entidades mitológicas para pedir
inspiração, simbolizar emoções e exemplificar
comportamentos. Consideravam que os antigos
haviam atingido a perfeição formal, desejando os
artistas da Renascença reproduzi-la e perpetuá-la.

Atente no poema, a seguir:

Alma minha gentil


"Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida, descontente,

Repousa lá no Céu eternamente

E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,


Memória desta vida se consente,

Não te esqueça daquele amor ardente

Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que podes merecer-te

Alguma coisa a dor que me ficou

Da mágoa sem remédio de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,

Que tão cedo de cá me leve a ver-te

Quão cedo de meus olhos te levou."

Luís Vaz de Camões

Actividade 1

1.”Durante a era Clássica, as composições de forma fixa, como o


soneto e o decassílabo, foram bastante utilizadas”.
a) Observe a linguagem e a estrutura formal do poema de
Luís de Camões e faça um comentário.
b) Como se caracterizam o vocabulário e as construções
frásicas do poema?
c) Faça a escansão de alguns versos do poema. Que tipo de
verso foi empregue?

3. Barroco

O estilo barroco é considerado uma contra-reacção aos


conceitos renascentistas, uma tentativa de retorna à tradição
cristã, com objectivo de conciliar o saudosismo da religiosidade e
a impossibilidade de negar os valores mundanos.
Uma das características mais marcantes do estilo barroco
é o uso exagerado de ornamentos e a falta de clareza e elegância,
tornando a arte extravagante e confusa. O paradoxo se manifesta
na linguagem, pelo uso de antíteses, isto é, uma palavra oposta a
outra em significado na tentativa de unir ideias contraditórias.
O Barroco demonstra a perplexidade existencial do
homem que se disfarça no ludismo das formas, reflectindo-se na
construção dos palácios e mosteiros da época, nos rituais das
cortes de Luís XVI, na França e na de D. João V, em Portugal.
“Como reconhecer, então, que este tema está sendo tratado em
um poema barroco e não em poemas de outros períodos
literários?“

Existem dois elementos que dão contornos específicos a


essa temática. Um está na angústia por reconhecer o ser
humano — veja: o ser humano, a espécie humana — como um
ser limitado e frágil, impotente diante da passagem do tempo e da
morte. A angústia pela morte, em outros tempos, está muito mais
no plano individual. O poeta barroco universaliza a experiência da
morte, apresentando-a como algo a que todos estão destinados,
sem particularizar a experiência.
O outro elemento que deixa bastante claro que a
abordagem do tema é feita em uma obra barroca está no plano da
linguagem. Além dos contornos temáticos apresentados acima, a
literatura barroca tem características que são específicas: a
linguagem complexa, rebuscada, o uso das antíteses e dos
paradoxos, a busca por imagens poéticas inovadoras, o uso do
paralelismo como recurso estilístico frequente e, no caso deste
tema, a preferência pelo soneto, entendido como uma forma
poética adequada para temas graves e uma postura lírica
compenetrada.

Não entendeu? Vamos a exemplos textuais:

À fragilidade da vida humana

Esse baixel nas praias derrotado

Foi nas ondas Narciso presumido

Esse farol nos céus escurecido

Foi do monte libré, gala do prado.


Esse nácar em cinzas desatado

Foi vistoso pavão de Abril florido;

Esse Estio em Vesúvios encendido

Foi Zéfiro suave, em doce agrado.

Se a nau, o Sol, a rosa, a primavera

Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel

Sentem nos auges de um alento vago,

Olha, cego mortal, e considera

Que és rosa, Primavera, Sol, baixel,

para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.

Francisco de Vasconcelos

4. O Romantismo

O termo romântico apresenta uma história complexa. Do


vocábulo latino “ romanice”, que significa à maneira dos romanos,
derivou em francês o vocábulo romanz, escrito rommant. O
vocábulo passou passou para a língua inglesa sob a forma
romaunt.

Os principais características do romantismo

(i) Subjectivismo: A realidade é vista através da


atitude do escritor. Não existe a preocupação em fazer
um retrato fiel e verídico da realidade, pois esta é
oferecida ao leitor filtrada e mesmo distorcida pelas
emoções do autor. O predomínio de verbos e
pronomes possessivos em primeira pessoa ressalta o
desejo de trazer à tona os sentimentos interiores,
projectando-os sobre o mundo exterior.

(ii) Evasão5 ou escapismo: Desiludidos com seu


próprio tempo e insatisfeitos com a realidade que os
cerca, muitos autores românticos mergulham no
chamado “mal do século”, postura de frustração e
5
Ver também “Função da Literatura” Unidade 7
imobilismo em face da realidade. Descontentes com a
época em que vivem, buscam formas de fugir dela,
através de evasões: no tempo: voltando em
pensamento a época de sua infância, em que se
sentiam protegidos pela figura da mãe ou da irmã ou,
ainda, escrevendo textos ambientados na Idade Média,
em que a figura heróica dos cavaleiros permite sonhar
com grandes feitos e actos marcados pela honra e pela
nobreza. Na morte: que é vista como solução para as
tristezas e a insatisfação.

(iii) Culto a natureza: No Romantismo, porém, a natureza


compartilha o sofrimento do poeta, tornando-se reflexo
de seu mundo interior. A natureza passa a ser uma
extensão do eu do poeta, mostrando-se triste ou alegre
como ele, dependendo de seu estado de espírito.

(iv) Reformismo: Insatisfeito com seu mundo, o poeta


propõe-se a mudá-lo, influenciado pelas correntes
libertárias da época. Ansiando por grandes feitos que
lhe tragam a glória, o poeta romântico dedica-se a
causa sociais, como a abolição da escravatura, a
república,

(v) Fé: Em oposição ao paganismo próprio do estilo de


época anterior, os românticos cultivam a fé cristã e os
ideais religiosos.

(vi) Idealização da mulher: A mulher não é mais vista sob o


prisma do platonismo. O artista romântico ressalta a
figura da mulher angelical e inatingível para ele, que se
julga indigno dela; além disso, a mulher surge como
elemento capaz de alterar a vida do poeta, o qual, sem
ela, só terra paz na morte. A figura materna aparece em
destaque, representando o abrigo para o sofrimento e a
dolorosa lembrança de um “paraíso perdido”.

Sumário

Ordenação de fenómenos literários no tempo


denominamos período literário, escola ou movimento literário, e
cada período é determinado por critérios estéticos e critérios de
tempo. Com base em dados critérios, vamos apresentar, nesta
unidade, a caracterização dos grandes períodos literários.
Exercícios

Paraíso

Gostaria de fazer um lindo poema para você!

Um poema que expressasse o carinho

que tenho por ti...

Não precisava ser em trovas ou rimas

Uma coisinha singela e simples

Igual ao carinho que tenho por você...

Nada de palavras difíceis,

Um poema que a fizesse se sentir

pertinho de mim...

Não sei se conseguiria passar para o papel

Tudo aquilo que sinto por você...

Dizer que não vivo sem você

Que a vida é muito gostosa porque

tenho você

Hummm, que coisa gostosa é você!

Menina dengosa e carente

Que chora por qualquer coisa

Que faz meu coração disparar à toa...

Que paixão danada,

que me faz sentir no paraíso

Menina nas horas de brincadeiras

Mulher quando deseja amar...

Você é assim: uma mistura gostosa

Uma namorada que me faz sonhar acordado

Que consegue me mostrar o paraíso...

Eduardo Banqueiro
1. Os movimentos literários de orientação clássica sempre se
prenderam aos modelos greco-latinos. Levando em conta
os aspectos formais observados na - “O paraíso” –
musicalidade, busca de métricas populares, emprego de
palavra indígena -, qual das seguintes afirmações pode ser
feita a propósito do Romantismo?
a. Apresenta maior liberdade de expressão.
b. Ainda se prende aos modelos clássicos.
c. Desliga-se parcialmente dos modelos clássicos.

Unidade 19:

Níveis e Métodos de Análise textual:

(Biografismo, Positivismo, Génese)

Introdução

A explicação da obra literária, numa perspectiva biografista,


constitui, sem dúvida, a forma mais simplista e linear de tentar
penetrar nos meandros significativos do objecto de análise.
Portanto, vamos nesta unidade, falar dos níveis e métodos de
análise textual.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

● Identificar os diferentes níveis e métodos de análise


textual

Objectivos

Inspirando no princípio concebido e difundido por


Sainte-Beuve de que a um certo temperamento corresponderia
forçosamente uma determinada obra, o estudo biografista da
literatura preocupa-se fundamentalmente em devassar os
pormenores mais íntimos da vida do escritor – das relações
relações de parentesco às condições concretas de existência, da
formação intelectual às leitura, preferências literárias, situação
profissional, ligações de amizade, posição económica, etc. Deste
modo, colocando à tónica da sua elaboração crítica no conjunto
de circunstância de implicação individual que pré-existem
relativamente ao texto literário, o crítico delineia uma imagem, por
vezes, do homem que foi o escritor, servindo-se, para tanto, das
informações ou indícios que julga poder recolher na obra que lê,
utilizando-a mais como documento do que como objecto, estético,
tenta, portanto, encontrar nela a projecção da problemática
estritamente pessoal que caracteriza a existência do autor.

Segundo Matos, M, apud Taine, “ o famoso método que faz


(sainte-Beuve), o mestre insdiscutível da crítica do século XIX,
este método consiste em não separa o homem e a obra, a
considerar que não é indiferente para julgar o autor de um livro (...)
ter primeiro respondido às diferentes questões que parecem mais
estranhas à sua obra (...) rodear-se de todas as informações
possíveis sobre um escritor, coleccionar a sua correspondência, a
interrogar os homens que o conheceram, conversando com os
que estão vivos, lendo o que eles puderam escrever sobre ele, se
já morreram, este método desconhece o que um convívio um
pouco profundo connosco mesmo nos ensina: que um livro é o
produto de um eu diferente daquele que nós manifestamos nos
nossos hábitos, na sociedade, nos nossos vícios.”
A contestação deste método baseava-se no facto de
esses estudos postularem uma relação linear e directa entre a
vida e a obra, segundo a teoria romântica da expressividade: a
obra exprimiria o autor com sinceridade, o que sabemos não ser
exacto; quantas vezes uma obra surge precisamente em
contradição com a vida, para contrabalançar limitações
fracassos.
Houve ainda outras razões para desvalorizar o biografismo:
estudos da literatura, não dispondo de documentação que
permitisse reconstituir a vida de um autor, procuraram na obra
ecos de alegadas experiências biográficas, o que deu lugar à
invenção de biografias fantasiosas que, ainda por cima distorcem
o sentido dos textos.
Estes pressupostos, como é bom de ver não encorajam a
procura da génese da obra nas circunstâncias biográficas do
autor.
Ainda no domínio do estudo da génese de uma obra, a
história literária investiga as fontes e influências. Qualquer texto
nasce no âmbito de uma tradição, tendo origem e no seu
processo de elaboração estímulos que partem de obras
anteriores ou contemporâneas lidas pelo autor.
Este tipo de estudo, de modo semelhante ao do
biografismo, mereceu reservas porque foi frequentemente
praticado sem ter em conta a elaboração que o texto faz da fonte
que assimila. Desta feita, o anunciar das fontes e influências
pode apresentar-se como mero inventário que pouco esclarece o
texto em estudo. Ou então, pode aparecer como uma colecção de
influências, colagem de textos alheios, se a perspectiva adoptada
for a da erudição seca e factual. Ora importa ter em conta que não
serão os textos alheios que se tornam estímulo para a obra nova,
mas antes o escritor desta encontra neles ecos de aspirações ou
de problemas que são seus, e que de alguma forma se articulam
com as suas necessidades expressivas.
Na sequência deste tipo de estudos, tem-se vindo que a
tomar consciência de que nenhum texto vive isoladamente; pelo
contrário, surge inserido num vasto sistema, o sistema literário; e
aí, entra em diálogo, aproveita, cita, contradiz ou parodia textos
anteriores ou contemporâneos. Este domínio é hoje denominado
intertextualidade. Nenhum texto nasce do nada. O seu autor
conhece, melhor ou pior, uma série de obras cujos ecos se
repercutem no texto que cria.

Positivismo

O positivismo fundado por Augusto Comte caracteriza-se


pela convicção de que o estabelecimento racional das leis
segundo as quais se deduzem os fenómenos sociais que afectam
o homem, faculta ao cientista uma assinalável capacidade de
intervenção passível de corrigir deficiências naturais.
Posteriormente completado pela evolucionista de Spancer e pelo
experimentalismo de Darwn o positivismo teve, no domínio dos
estudos literários, o seu discípulo mais influente na figura de
Hippolyte Taine.

Sumário

Opondo-se aos ideais clássicos, revividos pelo Arcadismo,


o artista romântico nega o princípio de mimesis (imitação) e busca
expressar sua realidade interior, sem se preocupar com a forma.
Não segue modelos, abandona as rígidas regras de métrica e
rima; busca exteriorizar livremente o que lhe vai na alma: liberta
seu inconsciente, foge da realidade para um mundo por ele
idealizado, de acordo com as suas próprias emoções e desejos.

Exercícios

1. “A história literária não se confina a uma série de


monografias justapostas e incomunicáveis entre si; pelo
contrário reconstitui e interpreta todos aqueles factores
tranindividuais que definem a atmosfera cultural e
existencial de um período histórico, que condicionam a
actividade criadora do homem, que constituem, enfim, o
contexto estético, humano, social, filosófico e religioso em
que se situam as obras literárias singulares.”
a. Comente a citação, tendo em conta o método
biográfico, fontes e influências na criação.

Unidade 20:
Níveis e Métodos de Análise textual:
(Níveis de Análise -textuais e sub-textuais)

Introdução
Nesta unidade, pretendemos conferir àquilo que
desejamos seja uma introdução à leitura crítica do texto literário,
por isso mesmo entendemos que a missão a que agora importa
atribuir prioridade deve ser a de tentar demarcar níveis de análise
da obra literária. Como é óbvio, tal missão não pode de tomar em
consideração determinadas facetas da existência do fenómeno
literário.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

● Analisar sob vários aspectos um poema romântico;


● Identificar a (s) temática (s) predominante (s) em
textos românticos.
Objectivos

A tentativa de delimitar determinados percursos de acesso


corresponde antes de mais à confirmação da ideia de que não é
possível conceber uma leitura que totalmente esgote as
virtualidades significativas da obra literária; para além disso, a
delimitação a que nos referimos revelar-se-á extremamente útil
porque poderá fazer, a partir dela, uma ideia mais justa e cabal da
capacidade operatória das distintas metodologias críticas. Deste
modo, propomo-nos encarar a abordagem crítica de um texto
literário a partir da concepção de três níveis distintos: um nível
pré-textual ao qual interessam primordialmente as circunstâncias
externas que, envolvendo a existência da obra literária, não
explicam forçosamente a sua criação; um subtextual
efectivamente responsável pela gestação da obra literária; e um
nível textual em que se encontra comprometido prioritariamente o
próprio texto.
Porque na unidade anterior falamos dos elementos que
correspondem à um nível pré-textual, daqui, em diante, falaremos
dos dois últimos.

Nível sub-textual

A referência a um nível sub-textual inspirador de um certo


tipo de abordagem crítica do texto literário obriga, antes de mais,
a tentar estabelecer os termos em que uma concepção se define.
Deste modo, entendemos como sub-textual o nível em que é
possível detectar certos impulsos e factores, de carácter
individual ou colectivo, que, encontrando-se subjacentes e
latentes em relação ao nível textual, estão ao mesmo tempo
disponíveis para serem actualizados pela concretização do texto
literário. Em certo sentido, uma tentativa de definição como a que
enunciamos não pode deixar de ser relacionada com o conceito
de geno-texto. Por outro lado, o nível subtextual definido não se
identifica também com a concepção determinista da criação
literária defendida pelos histórico-literários de feição
marcadamente positivista, tal não acontece porque a análise
literária fundamentada na delimitação do espaço sub-textual não
se baseia na descoberta de relacões lineares no que respeita aos
factores responsáveis pela criação do texto, mas sim na ideia de
que o discurso literário reflecte de modo distorcido e não
especular essas motivações genéticas.

Nível textual

A fixação da leitura crítica no nível textual relaciona-se de


alguma maneira com as conquistas teóricas recentemente
alcançadas no domínio da teoria do texto. Referimo-nos em
particular a noção teorizada e divulgada por Jean Bellemin- Noel:
a noção de ante-texto. Este autor encara o ante-texto como
possibilidae de desortinar a gestação de sentidos patenteados
pelo texto literário. O conceito de ante-texto permite superar
determinadas carências metodológicas. Em primeiro lugar,
porque constitui uma alternativa para a génese artística tal como
a história literária a concebia, já que substitui as preocupações
pré-textuais (fontes, influências, etc.) por considerações
relacionadas, por exemplo, com a semântica, com a métrica, com
a retórica ou seja, com características especificamente estéticas
do texto literário. Em segundo lugar, porque, procurando a
antecedência do texto mais do que os seus antecedentes, o
estudo da problemática do ante-texto aparece dotado de um
carácter dinâmico que neste momento nos interessa vincar. É
esse carácter dinâmico que nos guiará a reencontrar à
intertextualidade.

Sumário

De um modo geral, pode-se concluir que falar em literário é


necessariamente falar num certo espaço. Dotado de limites precisos,
nesse espaço se projecta, de modo, variavelmente explícito, o conjunto
de sentidos que o texto admite, sentidos que caberá à leitura crítica de
carácter textual evidenciar e interpretar. Evidenciar, analisando os
componentes formais que, numa óptica particular (estilística, estrutural,
semiótica), constituem o travejamento técnico-artístico – metáforas,
aliterações, ritmos, figuras de sintaxe, níveis expressivos, códigos
narrativos, etc.- que distingue o texto literário do meramente linguístico;
interpretar, descortinando sentidos coerentemente articulados com os
formais e nunca deles associados de modo artificial, sentidos esses não
definitivos nem unívocos, de acordo com a abertura semântica e com a
plurissignficação do discurso literário.

Exercícios

1. Identifique a temática presente no poema que acaba de ler.


2. Identifique o género a que pertence o poema lido.
3. Justifique o porquê do título “ o paraíso”.

Unidade 21:

Conceito de Estilo e Análise Estilística

Introdução
Abordaremos, nesta unidade, uma síntese a respeito do
conceito e das categorias básicas da estilística, assim como de
suas relações com a gramática.
Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

● Diferenciar os conceitos de estilo e estilística.

Objectivos

Estilística

Definida como a disciplina linguística que estuda os


recursos afectivo-expressivos da língua (ou sistema, no sentido
Saussuriano), a estilística é uma ciência recente (fundada no
início do século XX pelo suíço Charles Bally e o alemão Karl
Vossler), mas um saber muito antigo, que remonta à tradicional
retórica dos gregos. Tendo em comum o estudo da
expressividade, distinguem-se, contudo, por seus objectivos: a
retórica era uma doutrina com finalidade pragmático-prescritiva,
enquanto a estilística, por seu comprometimento científico,
apresenta um carácter mais descritivo-interpretativo, sem
considerações de natureza normativa. Essa preocupação fica
reservada à gramática, sistematização dos factos
contemporâneos da língua, com vistas a uma aplicação
pedagógico-escolar.

Há quem veja a estilística antes como um procedimento


metodológico do que propriamente uma ciência. É o caso do
especialista espanhol José Maria Paz Gago (1993: 19): “La
Estilística no es una ciencia sino un método, el método estilístico
de análisis, descripción e interpretación de textos literários”. De
acordo com essa visão, a estilística é considerada como um
subdomínio das ciências da linguagem, fundamentando-se em
teorias linguísticas e literárias de diversas tendências, como o
idealismo, o estruturalismo, o gerativismo, a semiótica, etc.

Dividida por Guiraud (1970: 62) em estilística da língua ou


da expressão (linha estruturalista de Bally: ênfase à
expressividade latente no sistema) e estilística genética ou do
autor (corrente idealista de Vossler e Leo Spitzer: ênfase à
criação expressiva individual), trabalha com algumas categorias
básicas, como funções da linguagem, estilo, desvio e escolha.

O estilo trata-se de um conceito intimamente relacionado


com as noções de desvio e escolha, como também pode
entender-se “A tensão entre o espírito criador e as normas
gramaticais é que explica o fenómeno do estilo, na sua génese
mais profunda”.

Mattoso compara o estilo literário com a gíria, apontando


nesta “um estilo que se integra na língua popular” (p. 138).
Reconhecendo o lado estético da gíria e seu paralelismo com a
língua literária, afirma em Ensaios machadianos (p. 136): “Ora, a
gíria é justamente a linguagem poética correspondente à língua
popular”. Alega o mestre que os recursos de expressividade e
apelo também se encontram na gíria. Embora esta use materiais
diferentes daqueles empregados pela língua literária, os
processos de valorização estética são os mesmos, conforme ele
explicita no livro Ensaios acima citado (p. 136):
A metonímia, a metáfora, a catacrese, a ironia, e todas as
demais figuras de linguagem, que a retórica define e
metodiza, aparecem na gíria, exteriorizando estados
psíquicos e visando a impressionar e sugestionar o
próximo.

Existe, portanto, para Mattoso, no essencial, afinidade


entre a expressão literária, seja prosa ou poesia, e a gíria
enquanto expressão do espírito popular. A diferença é que a gíria
é de natureza colectiva, enquanto o chamado estilo literário é
mais pessoal. É importante destacar a posição bastante liberal de
Mattoso, como homem de ciência, nessa questão da gíria,
encarada, em geral, com certo preconceito pelos estudiosos do
seu tempo.

O efeito estilístico resulta não raro da singularidade, do


desvio em relação ao padrão normativo e da escolha diante das
virtualidades oferecidas pelo sistema. Por exemplo, Machado de
Assis optou pelo desvio gramatical, para poder reproduzir com
fidelidade a fala do escravo Prudêncio em Memórias póstumas de
Brás Cubas (LXVIII): “É um vadio e um bêbado muito grande.
Ainda hoje deixei ele (e não deixei-o) na quitanda, enquanto eu ia
lá em baixo na (e não à) cidade”. Outro exemplo pode ser
apreciado neste passo de Vieira, em que o autor, com o intuito de
valorizar cada núcleo do sujeito composto, preferiu deixar o verbo
no singular: “Mas nem a lisonja, nem a razão, nem o exemplo,
nem a esperança bastava (e não bastavam) a lhe moderar as
ânsias”.

A representação é a linguagem referencial e denotativa,


operando linearmente no eixo sintagmático. A expressão é a
exteriorização psíquica de nossos anseios e sentimentos, e o
apelo é o meio pelo qual exercemos influência sobre nossos
interlocutores ou leitores, no caso da língua literária. Essas duas
funções podem ter carácter conotativo e operar simbolicamente
no eixo paradigmático. Por exemplo, uma definição do tempo de
natureza puramente representativa diria: “O tempo é a sucessão
das horas e dos dias e pode ser aproveitado de muitas maneiras”.
Já um exemplo em que sobressaem a expressão e o apelo pode
ser encontrado na elaborada e genial definição de Machado de
Assis (Esaú e Jacó, XXII): “O tempo é um tecido invisível em que
se pode bordar tudo”.

A função de apelo adquire relevância no discurso


publicitário, em frases como esta, divulgando uma tradicional
instituição de ensino: “Inglês é cultura. Cultura Inglesa”. Ou esta
outra, exaltando a solidez de uma seguradora: “Sul América: o
nosso negócio é seguro”. As funções expressiva e apelativa
geralmente caminham juntas.

Cumpre ressaltar que, enquanto a representação, por sua


natureza intelectiva, diz respeito à linguística, as outras duas
funções – expressão e apelo – interessam à estilística, devido à
impregnação afectiva de que se revestem. Na prática, essas três
funções se integram, tanto no texto informativo quanto no literário,
podendo ocorrer o predomínio de uma ou de outra, dependendo
do tipo de discurso.
Quanto às relações entre a estilística e a gramática, cabe
salientar que essas duas disciplinas não são excludentes, ao
contrário, são complementares e interactivas. Vale lembrar que
muitas das aparentes irregularidades registadas pela gramática
têm sua origem em motivações de natureza estilística. O método
de análise estilística segue inclusive as divisões clássicas da
gramática, daí a tripartição em: fónica, lexical e sintáctica.

Sumário

Estilo de época remete a registos estilísticos e técnicos


diversificados dentro do grupo escolar, mas que, pela razão de
escola, mantém o mesmo (ou parcialmente o mesmo) núcleo
ideológico.

Estilos de época, como aqui considerados, são, p. ex., o


naturalismo e o parnasianismo dentro do realismo e os próprios
textos realistas, considerado o conjunto do Realismo. É-o
também o ultra-romantismo, dentro da escola romântica etc.
Estilo é o uso individual dos recursos expressivos da
língua ou, é o máximo de efeito expressivo que se consegue obter
dentro das possibilidades da língua ao passo que estilística
estuda os recursos afectivo-expressivos da língua.

Exercícios

1. Diferencie estilo da estilística.


2. O que entende por estilo de época e do autor?

Unidade 22:

Géneros e modos literários: O Lírico

Introdução

Preocupar-nos-emos, nesta unidade, em diferenciar


poema da poesia, apesar de serem tratadas por muitos como
sinónimos, mas depois vamos falar especificamente do poema
lírico, sendo aquele que corresponde às obras em que somente
fala o autor.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

● Distinguir poesia do poema;


● Identificar os tipos de poemas;
Objectivos ● Conhcer as características do texto lírico.

Poesia: Carácter do que emociona, toca a sensibilidade.


Sugerir emoções por meio de uma linguagem. (FERREIRA,
1993). Poema: Obra em verso em que há poesia.

Se o poema é um objecto empírico e se a poesia é uma


substância imaterial, é que o primeiro tem uma existência
concreta e a segunda não. Ou seja: o poema, depois de criado,
existe per si, em si mesmo, ao alcance de qualquer leitor, mas a
poesia só existe em outro ser: primariamente, naqueles onde
ela se encrava e se manifesta de modo originário,
oferecendo-se à percepção objectiva de qualquer indivíduo;
secundariamente, no espírito do indivíduo que a capta desses
seres e tenta (ou não) objectivá-la num poema; terciariamente,
no próprio poema resultante desse trabalho objectivador do
indivíduo-poeta.

O poema destaca-se imediatamente pelo modo como se


dispõe na página. Cada verso tem um ritmo específico e ocupa
uma linha. O conjunto de versos forma uma estrofe e a rima
pode surgir no interior dessa estrofe. A organização do poema
em versos pode ser considerada o traço distintivo mais claro
entre o poema e a prosa (que é escrita em linhas contínuas,
ininterruptas).

No Cruz e Sousa das obras iniciais, há esse poema,


considerado um marco do Simbolismo no Brasil, no qual o autor
se vale das figuras de linguagens (aliteração, sinestesia), que
revela, então o uso da poesia, tão eloquente no quarteto:

2. Tipos de poemas

Os poetas têm escrito poemas de vários tipos. Dois deles,


entretanto, são considerados os principais: o poema lírico e o
poema narrativo. Alguns críticos e ensaístas acrescentam,
como um terceiro tipo, o poema dramático.

2.1 Poema lírico: É geralmente curto. Muitos carregam grande


musicalidade: ritmo e rima às vezes os fazem parecer canções.
No poema lírico o autor expressa sua reacção pessoal ante as
coisas que vê, ouve, pensa e sente. Alguns teóricos incluem
nesse tipo de poesia o poema satírico.

2.2 Poema narrativo: Conta uma história e geralmente é mais


extenso que os outros. O poeta apresenta os ambientes, os
personagens e os acontecimentos e lhes dá uma significação.
Um exemplo de poema narrativo é Os Lusíadas, de Luís de
Camões. As epopeias e as baladas estão entre os principais
tipos de poesia narrativa. Costumamos pensar que as fábulas
são trabalhos em prosa, mas muitas delas foram escritas
originariamente como poemas narrativos. Para maiores
informações sobre essas formas poéticas.

2.3 Poema dramático: Assemelha-se ao poema narrativo


porque também conta uma história e é relativamente longo. Mas,
no poema dramático, essa história é contada através das falas
dos personagens. As peças de teatro escritas em verso
constituem forma de poesia dramática. Em sentido amplo,
também pode ser considerado um exemplo o "Caso do Vestido",
de Carlos Drumond de Andrade. Através de uma suposta
conversa entre mãe e filhas, o leitor acompanha uma história de
amor e traição e tem os elementos para reconstituir o carácter e
os sentimentos dos personagens principais.
O poema lírico, com efeito, não representa dominantemente o
mundo exterior e objectivo, nem a interacção do homem e deste
mesmo mundo, assim se distinguindo fundamentalmente do texto
narrativo e do dramático. A poesia lírica não se enraíza no anseio
ou na necessidade de descrever o real empírico, físico e social,
circunstante ao eu lírico, nem no desejo de representar sujeitos
independentes deste mesmo eu ou de contar contar uma acção
em que se oponham ao mundo e o homem ou homens entre si.
O texto lírico não comporta descrições semânticas e
funcionalmente semelhantes às de um texto narrativo, pois a
ocorrência de tais descrições equivaleria a representar o mundo
exterior ao eu lírico como objectividade esteticamente
relativamente à modelização de acção humana.
No texto lírico não existe a temporalidade que é necessariamente
inerente à acção representada no texto narrativo e no texto
dramático, nem as suas estruturas semionarrativas são isoláveis,
nas suas articulações internas e externas no quadro da lógica da
acção, das estruturas textuais que as manifestam. No texto lírico
não existe não existe uma história para contar, nem o poema
desperta no leitor o desejo de saber como vai acabar esse
mesmo.
As marcas distintivas com que caracterizamos o texto lírico,
atinentes sobretudo aos planos semântico e pragmático,
correlacionam-se indissoluvelmente com outras marcas
distintivas do texto lírico atinentes ao plano da forma da
expressão. Embora o modo lírico se possa manifestar em textos
em prosa, ele manifesta-se predominamente, quer sob o ponto
de vista estatístico, quer sb o ponto de vista de uma axiologia
estética, em textos em poesia, entendendo-se o termo “poesia”
strict sensu.

O verso constitui assim um elemento distintivo do texto poético e


necessário para a forma da expressão do texto lírico.
No texto irico, o verso origina ou intensifica peculiarmente
complexos processos de semiotização, dos quais sublinhamos os
seguintes aspectos:
a) O ritmo: constitui a repetição regular, na cadeia
sintagmática, de certos fenómenos fonéticos,
supra-segmentais e sintácticos. No texto em prosa, o rítmo
resulta da estrutura das frases e tem portanto uma matriz
linguistica; no texto ritmo, o ritmo resulta do esquema de
acentos, do número sílabas.
b) O verso, de um modo particularmente o verso dos textos
líricos, está estritamente vinculado aos caracteres
fonológicos e morfossintácticos de uma língua natura.
c) A ocorrência periódica de figuras fónicas: a rima é a
manifestação mais relevante deste fenómeno.
d) A disposição gráfica exerce no literário uma função
semiótica fundamental.

Exercícios

I
1. O que é um texo lírico?
2. “No texto lírico não existe a temporalidade que é
necessariamente inerente à acção representada no texto
narrativo e no texto dramático, nem as suas estruturas
semionarrativas são isoláveis, nas suas articulações
internas e externas no quadro da lógica da acção, das
estruturas textuais que as manifestam”.
a) Comente.
II
O poema, a poesia
Às vezes o poema
É o ódio da poesia
Assim como a vida
É a fome da morte
E a noite arma
a armadilha ao dia.

Às vezes a luta
é a profissão da vida
assim como o poema
é a notícia da conquista
da fome da esperança
de quem um dia, na linha
de frente do combate
o povo enfim transforme
a história e a escrita.

a) Com base nos conhecimentos que acaba de adquirir, diga se


está perante um poema ou poesia. Justifique a sua opção.
b) Elucidando com os elementos do mesmo texto, analise-o sob
ponto de vista temático, semântico/estilístico, não
esquecendo de fazer o seu enquadramento no género
literário correspondente.
c) O poeta procura definir o que é um poema. Diga se conseguiu
definir com rigor? Justifique.
d) As definições fazem do código o referente da comunicação.
Neste caso, qual a função de linguagem em questão.
Fundamente com base no texto.

Unidade 23:

Géneros e modos Literários: o Narrativo

Introdução

Propomo-nos a definir o texto narrativo. Para isso


começaremos por delimitá-lo em relação ao texto lírico e o
dramático. Mas, antes de efectuar essas delimitações há que
deixar bem explícito que o texto narrativo caracteriza-se
fundamentalmente pelo seu radical de aprsentação – um
narrador, explicitamente individualizado ou reduzido ao grau zer
de individualização, funciona em todos textos narrativos como a
instcia enunciadora que conta uma história.
Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

● Conhecer as características do texto narrativo.


● Caracterizar o texto narrativo literário
Objectivos

Todos os homens produzem na sua vida quotidiana um


número indefinido de textos narrativos, isto é, textos em que
contam, relatam sequências de eventos de que foram agentes e/
ou pacientes ou de que tiveram conhecimento como testemunhas
presenciais ou como leitores ou ouvintes de outros textos. No
âmbito da sua vida privada, desde suas relações familiares às
suas relações com amigos, como âmbito da sua vida social e
institucionalmente regulada, por exemplo, todo o curriculum vitae,
toda a história clínica, toda a acção judicial, toda a confissão
religiosa pressupõem um texto narrativo, o homem não podem
deixar de produzir textos marcados pela narratividade. Na sua
existência, no plano biológica como nos planos psíquico e cultural,
no foro individual como no foro social, o homem situa-se na
temporalidade e entre temporalidade e narratividade há uma
interrogável relação recíproca. Por outro lado, a narratividade
encontra-se intimamente correlacionada com o conhecimento
que o homem possui e elabora sobre a realidade, devendo ser
sublinhado que lexemas como “narrar”, “narrativa” e “narrador”
derivam do vocábulo latino narro, verbo que significa “dar a
conhecer, “ tornar conhecido”, o qual provém do adjectivo gnanus,
que significa “ sabedor, “ que conhece”.

A narratividade pode-se manifestar em textos


dependentes de diversos sistemas semióticos. Os textos
narrativos verbalmente realizados constituem apenas uma classe
dos textos narrativos não verbais – na pintura, na cultura, na
mímica,na dança, no cinema mudo, na banda desenhada sem
enunciados, ect. E textos narrativos que só em parte são
verbalmente realizados – no cinema falado, na ópera, na banda
desenhada contendem enunciados etc. Todo o texto narrativo,
independentemente dos sistemas semióticos que possibilitam a
sua estruturação, especifica por nele existir uma instância
enunciadora que relata eventos reais ou fictícios que sucedem no
tempo, originados ou sofridos por agentes antropomórficos ou
não, individuais ou colectivos, e situados no espaço do mundo
empírico ou de um mundo possível.
Na classe dos textos narrativos linguisticamente realizados,
alguns autores distinguem os textos narrativos naturais, isto é,
textos narrativos que são produzidos na interacção comunicativa
da vida quotidiana e normal, dos textos narrativos artificiais, isto é
textos narrativos que são produzidos em peculiares contextos de
enunciação, com a intencionalidade alheia àquela interacção
comunicativa e em conformidade, e em muitos casos, com
normas e convenções estabelecidas em vários códigos
específicos. Os textos narrativos literários, classificáveis em
vários géneros dependentes do modo narrativo – epopeia,
romance, novela, etc – constituem um subcojunto do junto dos
narrativos artificiais.

O texto narrativo literário caracteriza-se fundamentalmente


pelo seu radical de apresentação – um narrador, explicitamente
individualizado ou reduzido ao grau zero de individualização,
funciona em todos textos narrativos como a instância
enunciadora que conta uma história.

O texto narrativo, caracterizando-se por representar uma


sequência de eventos, comporta como elemento estrutural
relevante da sua forma de conteúdo a representação do tempo:

(i) do tempo- cronologia, que marca a sucessão dos


eventos;
(ii) do tempo concreto;
(iii) do tempo histórico, que subsume o tempo cronológico e o
tempo concreto, que configura e desfigura os indivíduos e as
comunidades sociais. Por outro lado, a sequência dos eventos
e os agentes do texto narrativo situam-se necessariamente
num espaço, num espaço físico e social, com os seus
condicionalismos, as suas leis, as suas convenções e os seus
valores um espaço sempre interligado com o tempo, em
particular com o tempo histórico, gerador e modificador da
cultura. A relevância do tempo e do espaço e da sua
correlação na forma do conteúdo do texto narrativo diferencia
este do texto lírico; a especificidade da representação e
funcionalidade do tempo e do espaço no texto narrativo
diferencia este do texto dramático.

O texto narrativo

No texto narrativo, existe um narrador que conta uma história, a


acção onde intervêm personagens, que se movimentam num
espaço e num tempo. O narrador pode estar presente ou
ausente da acção narrada, ou seja, pode ser um narrador
participante ou não participante.

Gerard Genette em Discurso da Narrativa, (1972), distingue


vários tipos de narrador, mediante o seu lugar na diegese6:

(i) narrador autodiegético, i.é, aquele que narra


as suas próprias experiências como personagem
central dessa história.

(ii) narrador homodiegético, isto é, aquele que não


sendo personagem principal da história, é ele que
narra os acontecimentos a ela inerentes.

(iii) narrador heterodiegético, ou seja, aquele que não


fazendo parte da história, a narra, por ex., Gore Vidal,
The Smithsonian Institution, (1999).

Alguns autores classificam o sujeito narrador em dois tipos, a


saber, narrador na primeira pessoa e narrador na terceira pessoa.
Opondo-se a esta classificação, Mieke Bal, “Narratology:
Introduction to the Theory of Narrative, (1998), diz que durante o
acto de narrar, o narrador pode optar pela primeira ou terceira
pessoa. Contudo, considera que em qualquer dos casos tanto a
primeira como a terceira pessoa são ambas “eu”, pois ainda que a
narrativa esteja na terceira pessoa, o discurso narrativo poderia
ser sempre precedido por “Eu narro:” Além disso, o uso da
linguagem implica a existência de um locutor que articule, e esse
locutor terá de ser, forçosamente, um “eu”. Relativamente ao seu
lugar na narrativa, este autor considera dois tipos de narrador: o
“narrador externo” e o “narrador personagem”, conforme se
situam dentro ou fora da história. Bal considera ainda funções do
narrador, os aspectos segmentais que incluem descrições, ainda
que estes possam aparentar uma importância marginal nos textos
narrativos.

A personagem principal ou protagonista é a que desempenha


o papel mais importante na acção. As personagens
secundárias têm um papel menos destacado. Os figurantes não
desempenham um papel específico, mas contribuem para a

6
Termo de origem grega divulgado pelos estruturalistas franceses para designar o
conjunto de acções que formam uma história narrada segundo certos princípios
cronológicos.
criação de ambientes e para um melhor entendimento da história
narrada.

As personagens são caracterizadas a partir da fala do narrador ou


de outras personagens, e também a partir do seu comportamento.
Assim, as personagens podem ser caracterizadas fisicamente e
através dos seus sentimentos e comportamentos.

Na acção podemos detectar acontecimentos principais e


secundários, consoante o seu grau de importância. A acção pode
ser aberta ou fechada. Ao contrário da acção fechada, a acção
aberta permite ao leitor imaginar a continuação da história.

O espaço e o tempo são elementos importantes, pois


permitem-nos saber onde e quando se passa a acção.

Num texto narrativo, encontramos, geralmente, três modos de


apresentação do discurso: a narração (apresentação das
acções e dos acontecimentos); a descrição (apresentação das
personagens, dos objectos, dos espaços); o diálogo (conversa
entre as personagens).

Exercícios

1. Diferencie, exemplicando, o texto narrativo literário e o


narrativo não-literário.
2. Fale da relevância do tempo e do espaço no texto
narrativo.

3. Leia o conto “A VELHOTA7” e responda às questões:


a) O espaço
-Indique o(s) espaço(s) onde decorre a acção. C
-Caracterize esse(s) espaço(s).

b) O tempo
-Retire do texto expressões que permitam localizar os
acontecimentos no tempo (quer o histórico, quer o
cronológico).

c) A acção
7
Ver em anexo, A VELHOTA, de Luís Beranrdo Honwana
-Escolha um ou dois parágrafos que mais o/a impressionaram.
Justifique a sua escolha.
-O conto tem as suas sequências organizadas por encadeamento,
alternância ou encaixe? Justifique.
d) O Narrador
Classifique o narrador quanto à presença e à ciência.
Indique o tema do conto de Luís Bernardo Honwana. Justifique a
sua opção.
O que entende por parábola?
Poderá este conto ser considerado uma parábola? Justifique.
Imagine um final diferente para o conto.
e) A linguagem
Retire do texto palavras próprias do vocabulário moçambicano
-Encontre vocábulos, no português de Portugal, que possam
explicar esses termos.
-Retire construções sintácticas próprias do português de
Moçambique.
Aponte os níveis de língua presentes no texto.
-Aponte alguns dos recursos estilísticos presentes no conto e
refira a sua expressividade.
-Identifique onomatopeias no conto

Unidade 24:

Géneros e modos Literários: O Texto Drmático

Introdução
Propomo-nos a definir o texto dramático. Para isso
começaremos por delimitá-lo em relação ao texto teatral e ao
texto dramático, propriamente dito. Mas, antes de efectuar essas
delimitações há que deixar bem explícito que o texto dramático
caracteriza-se pela ausência do seu autor textual.
Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

● Caracterizar o texto dramático;


● Distinguir o texto teatral do texto dramático.
Objectivos

O texto dramático

O texto dramático, isto é, o texto integrável no modo do


drama pertence à literatura e deve ser objecto de análise da
8

teoria da literatua, mas já o mesmon`ao se passa com o texto


teatral, que é um específico texto espectacular e que, por
conseguinte, constitui um fenómeno de semiose só parcialmente
literária.

O texto dramático caracteriza-se pelo seu radical de


apresentação, pois o seu autor textual está oculto, dissimulando,
quer em relação aos receptores do texto, cabendo às
personagens, aos agentes da história representada, que
comunicam entre si e com os receptores do texto, a assunção da
responsabilidade imediata e explícita, sem mediadores
intratextuais, dos actos de enunciação. Todavia, o autor pode
manifestar-se explicitamente, embora de maneira episódica, no
prólogo e no epílogo de certos textos dramáticos, podendo
também a sua presença, elocucionalmente destruída das marcas
pronominais e verbais da primeira pessoa, ser apreendida pelo
leitor empírico nas didascálicas ou indicações cénicas.

O texto dramático caracteriza-se estruturalmente por ser


constituído por um texto principal, isto é, pelas réplicas, pelos
actos linguísticos realizados pelas personagens que comunicam
entre si – no texto dramático monólogo não existem réplicas, nem
interlocutores stricto sensu, embora neles se possam manifestar
elementos dialógicos e se possam identificar interlocutores
implícitos ou latentes – e por um texto secundário, formado pelas

8
Em português e noutras línguas, os lexemas “drama” e “dramático” apresentam
actualmente significados muito heterogéneos. Utilizaremos estes lexemas de acordo
com a terminologia aristotélica, entendendo por “drama” aquele poema que imita
pessoas e que se contrapõe portanto à imitação “narrativa” AGUIAR & SILVA ( 2002:
604).
didascálicas ou indicações cénicas. Estes dois textos,
funcionalmente interligados e cooperantes reenviam
especificamente a duas categorias do plano cénico do texto
dramático: as personagens, que pronunciam realmente as
réplicas, que realizam actos linguísticos com os quais se constrói
e se comunica o essencial da fábula agenda do texto dramático, e
que são em parte caracterizadas e descritas, nas suas
modalidades de ser, de estar e de agir, pelo texto dramático; e o
cenário, construído imaginariamente, descrito e evocado pelo
“ texto secundário, mas também indissoluvelmente ligado, quer
sob uma perspectiva de verosimilhança realista, que sob uma
perspectiva de simbolismo des-realizante, ao texto principal. E à
acção constituída e comunicada pelos actos linguísticos deste
texto.

Tanto o texto narrativo como o texto dramático


representam sequências de eventos, provocados ou sofridos por
agentes e que se desenvolvem num determinado tempo e num
determinado espaço. É possível ao leitor, parafrasear, contar a
“história” de um texto narrativo ou de um texto dramático, mas
não de um texto lírico.

O texto dramático, entendido como conjunto de “textos


principal” e de “texto secundário”, é um texto literário, quer dizer, é
um texto regulado pelo código do sistema semiótico literário e faz
parte do conjunto de textos se designam por literatura, podendo
ser objecto de concretizações, através da leitura, em processos
de comunicação literária. Todavia, há textos dramáticos, que,
pelas suas características formais e semânticas não são
passíveis de concretização, ou só rara e precariamente o são,
fora do processo da comunicação literária: são textos que fazem
parte do chamado “drama literário”, “drama para ler” e “drama
livresco”.
Em regra, porém, o texto dramático é concretizado como
texto teatral ou como texto espectacular e o texto teatral constitui
um texto que só parcialmente depende do sistema semiótico
literário, que não faz parte do corpus textual denominado
“ literatura” e que cujas características comunicacionais não se
identificam com as da comunicação literária. O texto dramático
realiza-se como texto teatral através de um complexo processo
de transconfiguração intersemiótica ou através de um complexo
processo de retextualização. O texto principal do texto dramático
deixa de ser comunicado como um texto escrito, submetido às
regras, às convenções e ao condicionalismo da comunicação
literária, para se transformar num texto oralmente realizado por
instâncias de enunciação ficticiamente encarnadas por actores,
por comediantes e comunicado por espectadores pelo canal
vocal-auditivo. A realização oral do texto dramático, levada a
cabo num espaço cénico, implicando a presença real de
comediantes e de espectadores, co-envolve normas e
convenções de códigos actuantes na comunicação linguística
canónica, mas que, no texto teatral, adquirem maior relevância e
maior explicitude: o código proxémico, que regula as relações
espaciais entre as personagens dramáticas, entre os corpos dos
comediantes, entre estes os objectos do espaço cénico; o código
cinésico, que regula os movimentos corporais dos comediantes,
os seus gestos e as suas atitudes, em particular a sua mímica
facial; o código paralinguístico que regula os factores vocais,
convencionalizados e sistematizáveis, que acomapanham a
emissão dos sgnos verbais, mas que não fazem parte do sistema
linguístico (entoação, qualidade da voz, riso, etc.)

A comunicação teatral comporta factores e parâmetros


mais complexos do que descrevemos ao analisarmos a
comunicação literária. O texto teatral modeliza a própria
comunicação humana de modo específico, utilizando meios
semióticos que não ocorrem nos textos de nenhuma arte, pois
que produz a modelização dos movimentos de comunicação com
o material dos movimentos comunicativos (linguagem, gesto e
mímica). Esta modelização realiza-se no espaço dramático e no
espaço cénico e resulta das falas e da acção dramática das
personagens, da presença corporal e do desempenho dos
actores, das características da encenação. Esta comunicação
intercénica funciona como fonte de uma comunicação
extracénica, uma comunicação em que os receptores são os
espectadores, o público que assiste à representação do
espectáculo e cujas reacções de aplauso ou de desagrado
podem gerar consideráveis efeitos de feedback na comunicaçào
intercénica.
O emissor do texto dramático identifica-se com o autor
textual. Este emissor diferentemente do que se passa com o autor
de narrativas e poemas líricos, produz os seus textos para
receptores que tanto podem ser leitores como espectadores. O
autor textual, o dramaturgo não pode, porém, dirigir imediata e
directamente a sua mensagem a receptores/espectadores.

Com efeito, o emissor do texto teatral é um emissor plural,


uma cadeia de emissores, um “microgrupo criador”
desempenhando cada membro do microgrupo funções
semioticamente diferenciadas, embora independentes. O autor
do texto dramático representa o emissor originário ao qual se
juntam, numa interacção sistémica, outras instâncias emissoras.
O receptor de um texto teatral, ao contrário do receptor do
texto dramático, nunca é um indivíduo isolado ou uma massa de
indivíduos isolado. O receptor teatral é um grupo de espectadores,
de indivíduos que se congregam para assistirem juntos, num
determinado espaço e num determinado tempo, à realização de
um espectáculo.
O receptor do texto teatral tem de possuir uma
competência linguística que o habilite a compreender o texto
principal do texto dramático – se assim não acontecer, a
comunicação teatral será irremediavelmente afectada - mas tem
possuir também uma competência comunicativa genérica,
difluente do conhecimento de códigos culturais, que lhe permita
interpretar adequadamente os actos linguísticos e as acções das
personagens dramáticas, e uma competência comunicativa
específica que lhe possibilite descodificar a multiplicidade de
signos.

Sumário

A relação semiótica entre o texto dramático e o texto teatral tem


sido entendida variavelmente ao longo da história da cultura
ocidental.

Exercícios

1. Apresente, de uma forma sumária, o conceito de texto


dramático, distinguindo-o do texto teatral.
2. Diferencie o receptor do texto teatral e o receptor do texto
dramático.

Bibliografia:
1. ADORNO, A.W. Teoria Estética. Lisboa, Edição 70, 1982;
2. BARTHES, Roland. Análise Estrutural da Narrativa. Rio de
Janeiro, Ed. Vozes, 4ª Ed. 1976;
3. BARTHES, Roland. Crítica e Verdade. Lisboa, Edições 70, 1986;
4. BARTHES, Roland. Literatura e Sociedade. Lisboa, Ed. Estampa,
1977;
5. BRATT, Beth. A Personagem. São Paulo, Ed. Ática, 1987;
6. COELHO, Jacinto do Prado (Direcção). Dicionário de Literatura.
3º Vol. (N/R); 4ª Ed.; Porto, Mário Figueirinhas Editor EIRL, 1997;
7. ECO, Umberto. Leitura do Texto Literário. Lisboa, Ed. Presença,
(S.d);
8. ECO, Umberto. O Signo. Lisboa, Ed. Presença, 1985;
9. FIGUEIREDO, Maria J., V. e BELO, Maria T., Comentar um texto
Literário, Lisboa, Presença, 4ª Ed., 1975.
10. HJELMSLEV, Louis. Prolegomena to a Theory of Language.
Wisconsin, the University of Wisconsin Press, 1963;
11. HJELMSLEV, Louis. Prolegomena to a Theory of Language.
Wisconsin, the University of Wisconsin Press, 1963;
12. KAISER, Wolfang, Análise e Interpretação da Obra Literária,
Coimbra, Arménio Amado, 6ª .Ed.,1976.
13. LAUSEBERG, Heinrich, Elementos de Retórica, Lisboa, F.,
Calouste Gulbenkian, 3ª Ed.,1982.
14. LOTMAN, Iuri. A Estrutura do texto Artístico. Lisboa, Estampa,
1978;
15. MESQUITA, Samira Nahid. O Enredo. São Paulo, Ática, 1986;
16. REIS, Carlos. Dicionário de Narratologia. 6.a ed., Coimbra,
Almedina, 1998;
17. REIS, Carlos. Técnicas de Análise Textual. Coimbra, Almedina,
3ª Ed., 1981;
18. SILVA, V. M. de Aguiar e. Teoria de Literatura. Coimbra,
Almedina, 8ª Edição, 1990;
19. TODOROV. Tzvetan. Os Géneros do Discurso. Lisboa, Edições
70, 1978;
20. WELLEK, René e WARREN, Austin. Teoria da Literatura.
Publicações Europa-América, 4a edição (S.d).

Anexos
A VELHOTA
Eu juraria que não cheguei a perder o conhecimento embora pouco antes de cair
tivesse experimentado aquele estado de embotamento de sensibilidade que, quando
nos toma, restringe a nossa capacidade de defesa aos gestos puramente instintivos
mas estupidamente lentos, que todos conhecem nos boxeurs «grogues». Acho que
ninguém podia avaliar o esforço tremendo que fiz nesses não sei se longos se breves
momentos, para conduzir os meus punhos, brutalmente pesados antes de ganharem
movimento e incrivelmente flutuantes depois de erguidos. Entretanto, às pancadas que
recebiam, não se aliviava qualquer sensação física porque só lhes percebia o eco
diluindo-se lentamente dentro da minha cabeça. Esse maldito eco e só ele é que foi o
culpado de eu cair. Ë que atrapalhava-me muito e fazia com que antes de levantar um
braço tivesse de pensar com força que tinha que levantar um braço. Caí lentamente,
com plena consciência de estar caindo.
Primeiro senti-me quase bem no chão, embora o eco continuasse a encher-me a
cabeça. Quando abri os olhos veio o zumbido e senti raiva de mim mesmo por ter caído.
O eco atrapalhava-me a vista a tal ponto que não tinha a certeza do que via, mas
depois, quando a minha vista deixou de tremer, vi as duas pernas vestidas de escuro,
que, nascidas uma de cada lado do meu corpo cresciam longamente para cima, tesas e
tensas, convergindo para a placa de metal brilhante do cinto. Por cima delas, lá em
cima, perto da lâmpada do tecto, a cara fitava-me, atenta, sorrindo satisfeita. Voltei a
fechar os olhos.
Senti-me a tremer, mas o eco era mais suportável porque deixava de se processar
desordenadamente para ser uma espécie de latejar. Só voltei a abrir os olhos quando
tive a certeza de que o tipo já se tinha ido embora, farto de provar aos outros que
realmente me batera.
Eu precisava de ir para casa. Acho que já tinha vontade de o fazer antes mesmo de
entrar no bar, por isso, o que aconteceu lá dentro não era o que me levava a ter tanta
vontade de ir para casa. Não via a velhota e os miúdos, não sei desde quando, porque
ultimamente voltava a casa muito tarde e saia muito cedo, mas não tinha bem a certeza
de os querer ver mais alguma vez. A velhota era insípida e os miúdos eram chatos e
barulhentos, sempre com porcarias para resolver. Claro que isso não era nada que se
comparasse àquilo do bar, de há bocado, ou de todos os outros bares, restaurantes,
átrios de cinemas ou quaisquer outros lugares no género em que todos me olhavam
duma maneira incomodativa, como que a denunciar em mim um elemento estranho,
ridículo, exótico e sei lá o que mais. Que nojentos! E eu sem poder rebentar
exactamente por causa do raio da velhota e dos ranhosos dos miúdos!
Aquilo do bar, ainda há bocado, era afinal o que se passava: eu não consegui bater o
tipo porque ele era todos os outros, e exactamente como isso é que ele me bateu. Não
adianta contemporizar, tudo é a mesma coisa. Mesmo os que têm a mania de que
fazem excepção só são isso em campos neutros ou quando tenham necessidade de vir
até mim, porque, em volta deles edificam muros de tabus e defendem-se com os
mesmos nojentos olhares enojados sempre que alguém vai para além desses muros.
Eu que o diga!
Eu precisava de ir para casa. Ia comer arroz e caril de amendoim como eles queriam
que fizesse, mas não para encher a barriga. E precisava de ir para casa para encher os
ouvidos de berros, os olhos de miséria e a consciência de arroz com caril de amendoim.
Sentada na esteira a velhota estava quieta, a ver os miúdos a comer. De vez em
quando levantava-se um e vinha trazer-lhe o prato de alumínio para ela servir-lhe mais.
Foi de uma dessas vezes que a velhota deu comigo. Estava com a colher de pau
erguida, cheia de arroz, e ia despejá-lo no prato, quando parecendo lembrar-se de
qualquer coisa, se virou para a porta. Logo que me viu espreitou para o fundo da panela
e perguntou-me se queria comer.
— Ainda não sei se quero comer ou não — respondi.
Virou-se para o lume, demorou-se um bocado a olhar para as chamas com a concha
ainda no ar e depois perguntou:
— Estás zangado? Estás tão zangado que não podes comer e nem sabes se queres
ou não?...
— Não, não estou zangado.
A velhota pensou ainda um bom pedaço e resmungou:
— Então está bem, se não estás zangado... E como ao dizer isto estivesse virada
para o miúdo, perguntou-lhe como se isso lhe interessasse mais do que qualquer outra
coisa.
— Quito! O que é que tu estás para aí a mastigar sem parar, Quito?
Antes que Quito desimpedisse a boca para poder responder, a Khatidja berrou lá do
fundo:
— Esse Quito está a mastigar a carne que roubou do meu prato sem eu ver! É minha,
mamã! Chi? Quito, tu és um ladrão! — e voltando-se para mim — É minha, estou-te a
dizer, Mano!
O Quito mostrou na palma da mão tudo o que tirou da boca e admirou-se:
— Esta carne, Kati, esta aqui? Foi a Mamã que me deu, estás a ouvir? — e para mim
—Não foi, Mano?
A essa altura já os miúdos estavam num berreiro desgraçado e a velha impôs-se:
— Shhh!...
Calou-se tudo num instante menos a Khatidja, que ainda choramingava:
— É minha... É minha... Ele roubou! Chi! Quito não tens vergonha? Eu vi-te... Mas os
outros miúdos ajudaram a velhota:
— Shhh!... A Khatidja virou-se para eles:
— Shhh!...
E desataram-se todos a fazer «shhh».
Com a colher de pau ainda erguida a velhota olhava para aquilo tudo. Depois os miúdos
fartaram-se da brincadeira e voltaram a comer e o Quito pôs na boca tudo o que tinha
na mão. Só então é que a velhota despejou a colher no prato do miúdo. Antes de lhe
pôr caril pensou um bocado e voltou a servir-lhe outra e outra colherada de arroz.
Quando o miúdo se ia embora perguntou-me com um ar distraído:
— Mas é verdade que não sabes se queres comer ou não?
— Bem, e se eu quiser? (Aborrecia-me aquela insistência, caramba!).
A velhota pareceu ficar aflita. Espreitou para o fundo da panela e sorriu-se para mim
como que a desculpar-se:
— Ê que só há ucoco!
Lá dos cantos os miúdos comentaram: Chi!! A ucoco?! O Quito fez «shh» e tudo se pôs
a fazer «shh».
A velhota berrou e os miúdos continuaram a comer.
— E então por que é que insistes em perguntar se quero comer? E o que é que tu vais
comer?
— Eu não tenho fome — respondeu a velhota.
— Mas não há mais comida, não é isso?
— Eu não tenho fome... Não tenho, juro que não tenho. Mas se tu quiseres faço chá
num instante, queres?
— Eu também não tenho fome.
— Nesse caso faço chá para os miúdos, para eles tomarem, se continuarem com
fome.
Depois não me pude furtar ao impulso de abraçar a velhota. Ela manteve-se quieta
quando enterrei a cabeça entre os seus seios. Rindo-se nervosa, protestou:
— Mas tu não costumas fazer isso... E continuou a rir-se até ter coragem de me
apertar nos braços.
— Meu filho...
Senti-lhe os dedos ásperos a percorrerem-
-me timidamente ia cara. Depois beijou-me e riu-se muito. Ouvi os miúdos a rirem-se
também.
«Tu não costumas ser assim! O que é que foi... Meu filho... Meu filho... Tens fome?
Queres que faça chá para ti?»
Eu já não ouvia aquele tom de voz desde não sei quando e talvez nem me lembrasse
de o ter ouvido alguma vez.
— Bateram-te? Diz-me, meu filho, eles bateram-te? Quem foi?
— Não, não me bateram.
— Mas eles fizeram-te alguma coisa, não fizeram? Tu estás com raiva, não é?
Tentei não falar, mas não tive tempo de pensar:
— Eles destruíram tudo, eles roubaram, eles não querem...
Senti-a prender a respiração e endurecer ligeiramente.
— Não queres contar? Não? Não queres?
— Não serve de nada. Os miúdos aproximaram-se:
— Conta, conta...
— Nada, vocês hão-de crescer, agora não chateiem.
— Sim, meu filho, há o tempo, o tempo... Tudo há-de mudar, tudo há-de melhorar... E
quando eles crescerem...
— Hão-de crescer... Pois hão-de crescer nisto...
— De verdade que não queres contar?
— Conta, conta!—e os miúdos rodeavam-nos na esteira.
Não, eu não contaria. Não fora para isso que viera para casa. Além disso, não seria eu
a destruir neles fosse o que fosse. A seu tempo alguém se encarregaria de os por na
raiva. Não, eu não contaria.
— Meu filho... Acho que me sobressaltei ao ouvir a velhota.
— Meu filho, eu não entendo bem o que estas para aí a dizer, palavra que não
entendo. Mas tu tremes, tu estás ou assustado ou muito zangado ou outra coisa
qualquer, e o que tu dizes não é bom, porque estás a tremer, palavra que estás a
tremer...
Talvez a velhota tivesse razão porque deve ser raro a velhota não ter razão. Mas de
toda a maneira isso não modificava nada. Eu não contaria e pronto; e ainda que
contasse de que serviria isso? Sim, de que serviria, se a porcaria, o raio da porcaria
daquilo tudo viria para aqueles miúdos com outros pormenores, em outras
circunstâncias e com outros nomes?
— Eh, vocês todos! Dormir, anda! Sim, dormir, o que é que estão a olhar? Dormir!...
Mas... quem sabe? E também por que não acreditar? Por que não acreditar em
qualquer coisa de giro? Como por exemplo que a formação dos miúdos fosse diferente
da minha e que lhes conferisse uma condescendência para com aquelas coisas, uma
condescendência que as minhas coordenadas emocionais não comportavam... E que
talvez, eu sei lá, que talvez para com eles o tempo obrigasse a mais compreensão,
mais carinho, sim, a mais humanidade... Porque talvez a velhota tivesse razão, há o
tempo, o tempo...
— Meu filho os miúdos já se foram...
— Sim, eu vou dizer: eles bateram-me.
— Quem foi? Mas isso não é tudo, tu tremes...
— Sim, isso não é tudo. E até não é nada. Eles fizeram-me pequenino e conseguem
que eu me sinta pequenino. Sim, é isso. Isso é que é tudo. E porquê? Eles nem o dizem
de alto. E tudo cai, cai de repente, com barulho aqui dentro, e cai e cai e cai...
— Bem, acho que o melhor é não querer saber disso para nada, porque não percebo
nada do que tu dizes...
Ficámos silenciosos os dois, e de tal maneira estávamos abraçados que não sabia se
era realmente ela que tremia. Tenho a impressão de que só neste momento é que vi as
chamas, embora estivesse há muito tempo a olhar para elas. O seu calor era bom e
envolvia-nos, mas para isso elas torciam-se num bailado estranhamente rubro. Só
deixei de as olhar quando a velhota falou duma maneira que me fez logo pensar que ela
tinha estado um bom pedaço a matutar na maneira de me dizer qualquer coisa que
afinal não disse. Acho que ela só disse:
— Meu filho...

Você também pode gostar