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MANUAL DO CURSO DE LICENCIATURA

DE

TRONCO COMUM
3º Ano

Linguística Bantu

Código:
Total de Horas/ ______º Semestre: 140
Créditos (CFG): 6

INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (ISCED)


Índice

Capítulo 1: Base Históricas do Estudo das Línguas Africanas ........ 5


1.1. Breves notas sobre o surgimento da Linguística ....................... 5
1.2. A Linguística e o estudo das línguas africanas ......................... 11
1.3. As línguas Bantu de Moçambique............................................ 13
Sumário ................................................................................................ 15
Auto-avaliação ..................................................................................... 16
Exercícios ............................................................................................. 16
Capítulo 2: Línguas Bantu e sua Caracterização .................................. 16
2.1. Conceito de Línguas Bantu ............................................................ 17
2.2. Classificação das Línguas Bantu .................................................... 18
2.2.1. Classificação das línguas bantu segundo Doke ................. 18
2.2.2. Classificação das línguas bantu segundo Guthrie (1967-
71) ................................................................................................ 24
2.3. Caracterização das Línguas Bantu ................................................. 29
Sumário ................................................................................................ 31
Auto-avaliação ..................................................................................... 32
Exercícios ............................................................................................. 32
Capítulo 3: Morfologia Nominal das Línguas Bantu ......................... 33
3.1. Estrutura do nome nas línguas Bantu ....................................... 33
3.2. Classes Nominais ..................................................................... 34
3.3. Locativização............................................................................ 36
3.4. Locativização simultânea por prefixação e Sufixação ............. 42
Sumário ................................................................................................ 43
Auto-avaliação ..................................................................................... 44
Exercícios ............................................................................................. 44
Capítulo 4: Morfologia Verbal das Línguas Bantu ............................... 45
4.1. Estrutura do Verbo nas Línguas Bantu..................................... 46
4.2. Características do verbo nas línguas Bantu .............................. 47
4.3. Derivação verbal....................................................................... 48
4.4. Radical não derivado ................................................................ 48
4.5. Radical extenso......................................................................... 49
4.5.1. A reduplicação verbal como processo derivacional nas
línguas moçambicanas ................................................................. 50
4.5.2. Reduplicação total ou completa normal.......................... 51
4.5.3. Reduplicação total fossilizada ........................................ 52
4.5.4. Reduplicação parcial ....................................................... 52
4.5.5. Reduplicação de verbo de duas sílabas ........................... 53

3
4.6. Derivação de verbos através de extensões ............................... 54
4.7. Descrição das extensões verbais............................................... 56
Sumário ................................................................................................ 59
Auto-avaliação ..................................................................................... 60
Exercícios ............................................................................................. 60
Capítulo 5: Sintaxe das Línguas Bantu ................................................. 61
5.1. Sintagma Nominal e os processos de qualificação ................... 61
5.2. Ordem básica dos constituintes de SN ..................................... 62
5.3. Tipos de sintagma Nominal ...................................................... 63
5.4. A Frase ..................................................................................... 66
5.4.1. Frase verbal ..................................................................... 66
5.4.2. Frase não verbal .............................................................. 67
5.5. Polaridade da frase simples nas línguas moçambicanas .......... 67
Sumário ................................................................................................ 68
Auto-avaliação ..................................................................................... 69
Exercícios ............................................................................................. 69
Capítulo 6: A Ortografia nas Línguas Bantu ........................................ 69
6.1. A ortografia das línguas bantu ....................................................... 70
6.2. Tipos de escrita .............................................................................. 70
6.2.1. A escrita não compositiva ................................................. 70
6.2.2. A escrita compositiva ........................................................ 71
6.3. Sinais de pontuação ........................................................................ 71
Sumário ................................................................................................ 73
Auto-avaliação ..................................................................................... 73
Lê com atenção o texto que se segue .................................................. 73
Exercício ............................................................................................... 74
Referências Bibliográficas .................................................................... 75
Capítulo 1: Base Históricas do Estudo das
Línguas Africanas

Introdução

O presente capítulo, “Bases Teóricas do Estudo das Línguas


Africanas”, faz uma breve trajetória de vários estudos que discutem
de forma clara o historial das línguas africanas.

Ao completar está unidade / lição será capaz de:


 Explicar o surgimento do estudo das línguas bantu;
 Identificar os ramos da linguística que contribuíram para o
estudo das línguas africanas, em geral e das línguas bantu, em
particular;
 Descrever a situação linguística de Moçambique;

1.1. Breves notas sobre o surgimento da


Linguística

O século XIX ocupa um lugar importantante na vida do ser

humano não só pelos importantes prograssos alcançados no


campo das ciências naturais com a “Teoria Analítica das
Probabilidades” (LAPLACE 1812), em Física, e a “Teoria da
Origem das Espécies” (DARWIN 1859), mais conhecida por
Teoria da Selecção Natural, em Biologia. Na érea das ciências
sociais e humanas, mais concretamente no que diz respeito aos
estudos da linguagem assiste-se ao nascimento de uma nova
ciência, a Linguística que se define como “a ciencia da linguagem,
ou simplesmente o estudo científico da linguagem” (NGUNGA
2014:25).

5
Esta nova ciência surge como resultado de muitos estudos que se
desenvolveram no princípio do século XIX, com o “Romantismo
alemão e com o interesse avicado pelo estudo das velhas
civilizações pelo conhecimento dos movimentos literárioos e das
línguas da Índia antiga em especial do Sânscrito recém-
descoberto.

A Linguística, como estudo científico da linguagem, não só é


uma disciplina como também se constitui em conjunto de
disciplinas (Fonética, Fonologia, Morfologia, Sintaxe, Semântia,
Pragmática…) ou como resultado di “encontro entre esta e outras
ciências, ou devido à sua especialização ao estudo de uma língua
(por exemplo, Linguística portuguesa, Linguística Inglesa,
Linguística chinesa) ou de grupo ou família de línguas (por
exemplo, Linguística Bantu, Linguística românica, Linguística
germânica) ou ainda como resultado da diferença dos objectivos
em vista quando se desenvolve um determinado estudo da língua
(NGUNGA 2014). Alguns exemplos de tais disciplinas são:

Linguística Histórica, que “procura investigar e descrever a


forma como as línguas mudam ou mantêm a sua estrutura no
curso do tempo; o seu domínio é, por conseguinte, o estudo da
língua no seu aspecto diacrónico” (BYNON 1977:1 ).

Vamos a seguir tentar entender a vertente histórica da


Linguística a partir da sua trajetória.
Conforme D´Avino (2003), apesar de as línguas e as linguagens
humanas terem suscitado interesse entre filósofos, gramáticos
e estudiosos em geral, foi só no final do século XVIII, com o
Romantismo, que a história das línguas passa a receber mais
atenção dos pesquisadores. Os alemães Friedrich Schlegel e
Franz Bopp colaboraram bastante para a Linguística histórica,
com a publicação de obras que tratavam das relações de
parentesco entre as línguas e suas origens. Rasmus Rask e
Jacob Grimm foram autores das primeiras gramáticas
históricas conhecidas. Nelas, a ênfase era sempre o nível
fonético.
A Linguística histórica comparada, por exemplo, busca
identificar e entender as relações genéticas, de parentesco,
entre duas ou mais línguas. Línguas parentes são aquelas que
derivam de uma mesma língua anterior. Essa língua anterior
pode ser chamada de língua mãe ou de proto língua.
Veja o esquema abaixo:

Língua mãe

A B

A e B são períodos posteriores no tempo em relação à


língua‐mãe. A e B podem, então, ser entendidas como
continuações divergentes da língua inicial e podem, por sua
vez, também se tornarem línguas‐mães se derem origem a
outras línguas.

Veja o esquema abaixo:

Língua mãe

7
A B

C D E F G H

Aqui, C, D, E, F, G e H são subgrupos distintos de línguas irmãs,


cujas línguas‐mães são A e B, por sua vez línguas irmãs da língua‐
mãe.

Linguística Descritiva, que estuda a língua do ponto de vista


sincrónico. Ela estuda a língua descrevendo e analisando as suas
estruturas e as regras do seu funcionamento de acordo com a maneira
como é usada pelos falantes num determinado período. O seu objecto
pode ser cada um dos estágios identificados pela linguística histórica.
Por exemplo, no caso da Linguística descritiva comparada ela
analisa línguas específicas, sem levar em conta as mudanças e
variações que toda língua sofre ao longo do tempo. Ela também se
preocupa com a classificação das línguas conforme suas
características estruturais, sendo chamada de Tipologia linguística.
No caso da Tipologia linguística, a comparação não leva em conta
a origem das línguas, mas sim suas características em comum.

Linguística Comparativa ou Comparada, “que foi a primeira


forma adoptada pela linguística moderna que surge nos primórdios
do romantismo europeu e faz o estudo comparado das línguas
aplicando alguns métodos entre os quais:
a. O método tipológico, que se baseia em traços destacados pela
análise da estrutura das línguas em questão. Este método não
implica nem o parentesco genético nem aproximação geográfica
das línguas, mas também não os exclui. A Tipologia constitui um
precioso instrumento de pesquisa no estudo da história das línguas:
estudo de convergência e divergência, previsão, de certo modo, de
mudanças linguísticas, verificação de resultados obtidos pela
reconstrução histórica (BERTEN apud NGUNGA 2014).

b. O método genealógico, que se apoia em diferentes modelos que


refletem o processo histórico de fragmentação de uma proto-língua
ancestral em línguas derivadas dela. Tais modelos são construídos
com base em determinadas unidades classificatórias, entre as quais
as seguintes:

Família

Sub-família

Grupo de línguas

(Subgrupo de línguas)

Línguas

Dialectos

Cabe aqui referir que nem todas as unidades classificatórias


precisam de estar presentes em toda a classificação. Por exemplo,
a unidade “subgrupo de línguas” está entre parênteses para indicar
que pode estar estar presente ou não.

9
Portanto, aplicando as unidades classificatórias acima a um
dialecto de uma língua moçambicana como Gikhoga 1 , por
exemplo, ter-se-ia:

Congo-Kordofaniana

Níger-Congo

Bantu

Gitonga

Gikhoga

Por conseguinte, no esquema acima, está representada uma


família de línguas (Congo-Kordofaniana), uma sub-famíla
(Níger-Congo), um grupo de línguas (Bantu), uma língua
(Gitonga) e um dialecto (Gikhoga). Como se vê, o grupo bantu
não é família nem indica origem de línguas. Portanto, todas as
línguas moçambicanas africanas são do grupo bantu e não da
família bantu nem origem bantu.

1
Um dos dialectos de Gitonga, falado nas regiões costeiras que circundam a Baía de
Inhambane. Relativamente ao Gitonga, importa referir que é uma língua bantu moçambicana
que na classificação de Guthrie (1967-71) faz parte da zona S, no grupo Copi com o código
S.62 (Sitoe e Ngunga, 2000).
1.2. A Linguística e o estudo das
línguas africanas
Nos parágrafos que se seguem serão apresentados alguns
trabalhos que mostram o percurso histórico do estudo das
línguas bantu extraídos de NGUNGA (2014).

De acordo com Ngunga (2014), o método histórico-


comparativo, que tinha dado bases para a descoberta das
relações entre o Sânscrito e as línguas clássicas europeias, viria
a ser aplicado ao estudo nas línguas bantu, na segunda metade
do século XIX. Trabalhos tais como A Comparative Grammar
of Southern African Languages (BLEEK 1862-69), A
Comparative Grammar of the South-African Bantu Langueges
(TORREND 19891), são testemunhos eloquentes da influência
do método comparativo nos estudos das línguas bantu.

Portanto, Guthrie (1967-1971) refere que Meinhof (1895)


sugeriu pela primeira vez a possibilidade de aplicação às
línguas africanas dos mesmos métodos gerais que tinham sido
aplicados ao estudo das línguas indo-europeias.
Contudo, Werner (1919) refere que depois de ter chamado
pronominal prefix languages (línguas de prefixo pronominal)
às línguas da África sub-sahariana que comparou e observou
a existência de um sistema comum de concordância por meio
de prefixos, Bleek (1851), utilizou pela primeira vez o termo
Bantu para se referir a estas línguas.

Bleek chegou a estas conclusões “utilizando Xhosa como


língua base de suas reconstruções” que permitiram produzir
“um estudo comparado para mostrar a relação genética entre
diversas línguas que ocupavam uma parte considerável da
áfrica ao sul do Equador” (ALMEIDA 2012 apud NGUNGA

11
2014). Foi assim que “seguindo os paradigmas românicos e
racialistas, que uniam raça e linguagem como facetas da
unidade nacional, Bleek cunhou o termo Ba-ntu para designar
distintos povos, reificando suas semelhanças linguísticas em
uma categoria étnica” (ALMEIDA ibdem).

A confirmar este facto está Guthrie (1962) para quem o grande


mérito do trabalho de Bleek reside no facto de ter sido ele
quem pela primeira vez chamou a atenção para a existência
deste grupo, e a quem a Linguística deve hoje o termo Bantu
como denominação de um grupo linguístico.

Apesar de ter havido trabalhos anteriores a Bleek (1851, 1862,


1869), tais como Appleyard (1850), Brusciotto (1659), Krapf
(1850) e provavelmente outros, Bleek constitui referência
indiscutível na história do estudo das línguas bantu.
Relativamente às línguas africanas, onde as línguas bantu
também fazem parte, a pesar de existir vários trabalhos que
versam sobre a matéria, o mérito vai para o de Greenberg
(1955) que faz um estudo propondo uma classificação das
línguas africanas com base no “reconhecimento de senso
comum de que certas semelhanças entre as línguas sópodem
ser explicadas com base nas hipóteses de relação genética”.

Nesse trabalho, Greenberg defende que um estudo comparativo


de qualquer grupo de línguas deve ser feito com base nas
caracretísticas intrísecas inerentes a elas, tais como a
observãncia do princípio de regularidade de mudanças
fonéticas, que são determinadas por condições puramente
fonológicas.
Utilizando o método comparativo em massa que consiste na
recolha do vocabulário comum de várias línguas e na
observância do tal princípio de regularidade de mudanças
fonéticas nessas línguas, Greenberg formou cognatos
linguísticos (itens linguísticos que, pela sua correspondência
fonética, podem ser considerados da mesma origem) que foram
usados na comparação. Este método baseia-se não só na
recolha de vocabulário de várias línguas, mas também na
análise. Além da recolha de itens lexicais, este método recorre
também aos morfemas presos que se dizem ter uma função
exclusivamente gramatical (WELMERS, 1973). Desta
maneira, Greenberg (1963) apresenta, em classificação revista,
as línguas africanas em quatro grandes famílias, identificando
em cada uma delas as subfamílias qua variam em número de
uma família para outras. Assim, são as seguintes as quatro
grandes famílias linguísticas identificadas por Greenberg:

Afro-asiática (subfemílias: Semítica, Egípcia, Cushitica,


Berber, Chádica);
Nilo-sahariana (subfamílias: Songhai, Sahariana, Maban,
Fur, Chari-Nilo, Koman);
Congo-Kordofaniana (subfamílas: Níger-Congo e
Kordofaniana);
Khoi e San (subfamílias: Khoi, San, Sandawe, Iraqw, Hatsa
ou Hadza).

1.3. As línguas Bantu de


Moçambique
Geograficamente, Moçambique situa-se na África Sub-
Sahariana. Esta região continental é linguisticamente
caracterizada pela coexistência de várias línguas, na sua
maioria de origem Bantu, o que faz de Moçambique, um país

13
com uma grande diversidade étnica, linguística e cultural,
como a maior parte dos países africanos. O multilinguismo
de Moçambique é caracterizado pela coexistência entre
línguas de origem africana, europeia, principalmente a língua
portuguesa, a língua oficial do país, também considerada a
língua de unidade nacional. Neste mosaico linguístico
encontramos, ainda, algumas línguas de origem árabe e
asiática, usadas em contextos familiares e religiosos.

Existem, no país, cerca de vinte línguas moçambicanas,


também conhecidas como línguas locais ou línguas Bantu.
Destas, a maioria têm a ortografia padronizada e são usadas
na escola, em programas de educação bilingue. Nas zonas
rurais as interacções diárias desenvolvem-se quase que
unicamente nestas línguas. A seguir apresentamos o mapa
linguístico de Moçambique.
Mapa 1: Mapa Linguístico de Moçambique, NELIMO 1989.

Sumário
Nesta unidade falamos sobre as bases históricas do estudo das
línguas africanas. Ficamos sabendo que depois de ter chamado
pronominal prefix languages (línguas de prefixo pronominal) às línguas
da África sub-sahariana que comparou e observou a existência de um
sistema comum de concordância por meio de prefixos, Bleek (1851),
utilizou pela primeira vez o termo Bantu para se referir a estas línguas.

15
Existem, em Moçambique cerca de vinte línguas moçambicanas,
também conhecidas como línguas locais ou línguas Bantu e maior
parte delas é usada nas escolas, em programas de educação
bilingue.

Auto-avaliação

1. O que entendes por línguas bantu?


2. Quantas línguas bantu moçambicanas existem em
Moçambique? Quais são?
3. Fale resumidamente sobre os fundamentes da
linguística descritiva e comparada.
4. Quais são os ramos da linguística?

Exercícios

1. Diferencie o método tipológico do método


genealógico. Dê exemplos.
2. Fale sobre o contributo de Greenberg para o estudo
das línguas africanas.
3. Fale resumidamente sobre o contributo de Bleek
relativamente ao estudo das línguas bantu.

Capítulo 2: Línguas Bantu e sua Caracterização

Introdução
Depois de termos falado sobre as bases teóricas do estudo das
línguas africanas no capítulo anterior, vamos agora nos
debruçar sobre as “Línguas Bantu e sua Caracretização”.
Além do conceito de línguas bantu, apresentaremos neste
capítulo a classificação e caracterização das mesmas.
Ao completar está unidade / lição será capaz de:
 Localizar geograficamente as línguas bantu nas
grandes famílias linguísticas de África;
 Distinguir as principais características das línguas
bantu;
 Descrever a situação linguística de Moçambique.

2.1. Conceito de Línguas Bantu

A palavra Bantu significa pessoas ou povos. Inicialmente, foi


usada para se referir às línguas da África Sub-Sahariana que
exibem um sistema comum de concordância por prefixo.

Actualmente, o termo Bantu é usado para se referir a um


grupo de cerca de 600 línguas faladas por perto de 220
milhões de pessoas numa vasta região da África
contemporânea, que se estende a sul da linha que vai desde os
montes Camarões, junto à costa atlântica, até à foz do rio
Tana, no Quénia, abrangendo os seguintes países: África do
Sul, Angola, Botswana, Burundi, Camarões, Congo, Gabão,
Guiné Equatorial, Lesoto, Madagáscar, Malawi,
Moçambique, Namíbia, Quénia, República Democrática do
Congo, Ruanda, Swazilândia, Tanzânia, Uganda, Zâmbia e
Zimbabwe.

Relativamente ao centro de fragmentação do núcleo proto-


bantu, existem várias hipóteses sobre a dispersão dos Bantu.
A partir de um estudo feito em cerca de 300 línguas Bantu,

17
das quais foram seleccionadas 28 consideradas mais
documentadas de cada área, os estudiosos sugerem que os
falantes das línguas Bantu teriam inicialmente emigrado dos
Camarões em direcção ao sul. Julga-se que um importante
centro de dispersão Bantu deve se ter estabelecido na região
de Shaba, na actual República Democrática do Congo. Uma
evidência destas constatações é o facto de que as línguas
faladas nesta região - por exemplo, Bemba, Kasai e Luba -
possuem um alto índice do vocabulário Bantu.

2.2. Classificação das Línguas


Bantu
Não obstante o facto de haver muitos estudos sobre a
classificação das Línguas Bantu, as classificações de Doke
(1945) e de Guthrie (1967-71) ocupam um lugar muito
importante na história destas línguas pelos critérios próprios
e genuínos que cada uma apresenta na sua abordagem. A
seguir apresentamos as duas classificações extraídas de
Ngunga (2014).

2.2.1. Classificação das línguas bantu segundo Doke


Como refere Cole (1961), Doke (1945) propôs uma
classificação das línguas bantu baseada em quatro
elementos, nomeadamente: Zonas, Grupos, Língua ou
conjunto de Dialectos, e Dialectos. No índice numérico,
os primeiros dois algarismos representam o código da
Zona; depois seguem os números dos códigos dos grupos e
das línguas ou conjuntos de dialectos; finalmente os
dialectos, se houver, são representados por símbolos
alfabéticos. As letras “l” e “o” não são usadas na indexação
dos Dialectos para evitar confusão com “1” e “0”
(NGUNGA 2014).

Relativamente às ZONAS, estas representam agregados


de línguas que têm uma certa uniformidade ou
similaridade de fenómenos linguísticos, mas que não
necessitam de ser mutuamente inteligíveis. A divisão das
Zonas é basicamente geográfica. As Zonas são
subdivididas em GRUPOS cujas línguas têm traços
fonéticos e gramaticais comuns, e são tão similares que
chegam a ser em grande medida mutuamente inteligíveis
(COLE 1961).

Quanto à LÍNGUA OU CONJUNTO DE DIALECTOS,


considera-se tratar de unidade básica que tem o
DIALECTO como sua subunidade. Todavia, não há
definição clara da linha de demarcação entre a Língua e o
Dialecto, e nem sequer existem critérios satisfatórios que
permitam estabelecer a sua distinção (COLE ibd).
Contudo, os dialectos pertencentes à mesma língua devem
ser mutuamente inteligíveis, mesmo que não sejam
geograficamente contíguos, e esta agregação não tem
qualquer relação com divisões administrativas.

Nesta classificação, as línguas são apresentadas sem o


respectivo prefixo. Sempre que possível, o nome da língua
é registado tal como pronunciam os seus falantes.
Portanto, nela são reconhecidas as seguintes sete (7) zonas
principais e quatro (4) subsidiárias:

19
Zona 10: Norte-Oeste

20: Norte

30: Congo

40: Central

50: Oriental

51: Norte-Este

52 Este-Centro

60: Sul-Este

61: Sul-Central

70: Ocidental

71: Ocidental-Oriental

Como se vê, as Zonas principais são: 10, 20, 30, 40, 50,
60, 70. As subsidiárias são: 51, 52, 61, 71. O mapa que
se segue mostra a distribuição destas zonas pela região
bantu.
Mapa 2: Classificação das línguas bantu segundo Doke (1945).

Podemos, a título de exemplo, observar a Zona Oriental, principal,


cujo código é (50). O Grupo makhuwa pertence à Zona Este-Central
(52), subsidiária, onde recebe o código 5. A língua makhuwa recebe
o código 1 e os seus dialectos são classificados por letras do alfabeto.
Assim:

Grupo Línguas/ Conjunto de Línguas Dialectos

52/5 1: Makhuwa a: Metto

b: Lomwe

c: Kokola

21
d: Manyawa

e: Takwani

f: Tagulu

g: Mbwabe

Pelo que, enquanto a língua makhuwa é identificada como sendo


52/5/1, o dialecto metto identifica-se com o código 52/ 5 / 1a e o
dialecto Lomwe com o código 52/ 5/ 1b.

A língua Chuwabu, em contrapartida, cuja autonomia como língua


é reconhecida dentro deste grupo, recebe o código 2 dentro do
mesmo grupo 5 da zona subsidiária 52. Resumindo:

Grupo Línguas/ Conjunto de Línguas

52/5 2

Portanto, Chuwabu é identificado como sendo 52/ 5/2.

Desta forma, do norte ao sul, segundo Doke (1945), as línguas


moçambicanas, são classificadas da seguinte maneira:

Zona 50 (Oriental)

Grupo Língua/Conj. de línguas Dialectos

50/9 50/9/1 Makonde 50/9/1ª Maviha

51 (Norte-Oriental)

51/1 51/1/1
Swahili 51/1/1a? Mwani

Zona 52 (Este-Central)

52/3 (Ocidental) 52/3/1 Nyanja 52/3/1a Mangʼanja

52/3/1b Cewa
52/3/1e Nyanja

52/3/2 Nsenga

52/3/3 Sena 52/3/3a Nyungwe

52/3/3b Bárue

52/3/3d Tonga

52/ 4 52/ 4/1 Yao

52/5 52/5/1 Makhuwa 52/ 5/ 1a Metto

52/ 5/ 1b Lomwe

52/ 5/ 1c Kokola

52/ 5/ 1d Manyawa

52/ 5/ 1e Takwani

52/ 5/ 1f Tugulu

52/ 5/ 1g? Koti

52/ 5/ 2 Chuwabo 52/5/ 1a? Nyaringa

52/5/ 1b? Karungu

52/5/ 1c? Mayindo

60/ 4 (Shangana-Tsonga) 60/ 4/ 1 Ronga

60/ 4/ 2 Tsonga

(Changana) 60/ 4/ 2a Hlanganu

60/ 4/ 2c Bila

60/ 4/ 2d Gwamba

60/ 4/ 3 Tshwa 60/ 4/ 3a Dzibi

60/ 4/ 3b Makwakwe

60/ 4/ 3c Hlengwe

60/ 4/ 3d Dzonga

23
60/ 5 (Inhambane) 60/5 / 1 Copi 60/ 5/ 1a Lenge

60/5 / 2 Tonga (giTonga)

Zona 61 (Sul-Central) 61/ 1/ 2 Korekore (Nor.) 61/ 1/ 2f Tavara

61/ 1 / 5 Manyika (Oriental) 61/ 1/ 5n Tewe

61/ 1 / 5 Ndau (Oriental) 61/ 1/ 6a Ndau

61/ 1/ 6d Danda

61/ 1/ 6e Shanga

Como se vê, a classificação das línguas bantu segundo Doke é


baseada em aspectos geográficos, embora, como se disse acima o
grau de mútua inteligibilidade jogue um papel. Assim, de acordo
com esta classificação, as línguas moçambicanas distribuem-se por
cinco zonas, entre duas principais (50 e 60) e três subsidiárias (51,
52 e 61).

2.2.2. Classificação das línguas bantu segundo Guthrie (1967-71)


No seu trabalho, Guthrie (1967-71) faz uma classificação
geográfica-genealógica das línguas, agrupando-as em 15 zonas
codificadas por letras maiúsculas, a saber: A, B, C, D, E, F, G, H,
K, L, M, N, P, R, S.

Internamente, cada zona divide-se em vários grupos de línguas


estabelecidos conforme critérios de proximidade ou distanciamento
linguístico e geográfico reflectindo um certo grau de proximidade
genealógica.

Cada grupo de línguas é codificado por um número decimal


sufixado à letra do código da respectiva zona. Poe exemplo: P.20,
grupo Yao, abrange as línguas Ciyaao, Cimwela, Shimakonde, etc.
As línguas que constituem cada grupo são, por sua vez,
codificadas através de unidades dentro desse número decimal.
Por exemplo, a língua Shimakonde tem código 3 dentro do grupo
20, da zona P. Assim, P.23 significa, na classificação de Guthrie
ora em análise, língua Shimaconde do grupo Yao da Zona P. O
mapa abaixo mostra as zonas geográficas onde se falam as línguas
Bantu.

Mapa 3: Zonas e grupos de línguas Bantu (Guthrie, 1967-71)

Para terminar, cabe-nos afirmar que a classificação das línguas


bantu segundo Guthrie é a mais famosa e mais referenciada nos
estudos da Linguística Bantu. Por conseguinte, segundo Ngunga

25
(2014), Guthrie e Doke foram, de alguma maneira contemporâneos,
mas não tem sido fácil encontrar um único momento em que um
tenha citado o outro.

2.2.2.1. Classificação das línguas moçambicanas segundo Guthrie

De acordo com a classificação de Guthrie (1967-71), as línguas


bantu de Moçambique distribuem-se por quatro (4) zonas
diferentes G, P, N e S (de Norte a Sul), organizadas em grupos da
seguinte forma:

1. Zona G:
Grupo: G40 (Swahili):
Línguas: G42: Kiswahili
G45: Kimwani
2. Zona P:
Grupo: P20 (Yao):
Línguas: P21: Ciyaao
P23: Shimakonde
P24: Cindonde
P25: Shimaviha
Grupo: P30 (Grupo Makhuwa):
Línguas: P31A: Makhuwa-Emakhuwana
P31B: Emetto
P31C: Xirima
Ekokola
Elolo
Emanyawa
Emarenje
Etakwane
P31D: Emarevone
P31E: Enahara
P31F: Esaaka
P31G: Emakhwa do Rovuma
Imithupi
Ikorovere
P311: Ekoti
P312: Esakati
Esangaji
Enathembo
P331: Elomwe de Malawi
P34: Echuwabo
Emayindo
P341: Emoninga
Enyaringa
Ekarangu

3. Zona N:
Grupo: N30 (Cewa-Nyanja):
Línguas: N31a: Cinyai
Cidzimba
Ciphimbi
N31b: Cewa
N31c: Cimangʼanja
N31D: Cinyasa (Moçambique)

Grupo: N40 (Nsenga-Sena)


Línguas: N41: Cinsenga
N42: Cikunda
N43: Cinyungwe
Citonga
Cidema
N44: Cisena

27
Cibarwe
Cipodzo
Cikaya

Zona S:
Grupo: S10 (Shona):
Línguas: S11: Korekore
Citavara
Cishangwe
Cigova
Cibudya
S12: Cizezuru
S13a: Cimanyika
Ciwutee
Cihungwe
Cigorongozi
S15: Cindau “Sofala”
Cigarwe
Cidanda
Cishanga
S16D: Cinyai, Cirozvi
Grupo: S50 (Tswa-Ronga):
Línguas: S51: Xitswa/ Citshwa
S51A: Xidzivi
S51B: Xidzonga
S511: Xihlengwe
S53A: Xichangana, Shitsonga
S53A: Xiluleke

S53B: Xinʼwalungu

S53C: Xihlavi

S53D: Xinkuna
S53E: Xigwamba

S53F: Xihlanganu

S53G: Xijonga

S53H: Xibila

S54: Xirhonga

Xikonde

Xixonga

Grupo: S60 (Copi)

Línguas S61: Cicopi

S611: Cilenge

S62: Gitonga

Gishengwe

Portanto, de acordo com a classificação de Guthrie, existem em


Moçambique oito grupos, a saber: (Swahili, Yao, Makhuwa-Lomwe,
Nyanja, Nsenga-Sena, Shona, Copi, e Tswa-Ronga), distribuídos pos
quatro zonas (G P N e S).

2.3. Caracterização das Línguas


Bantu
Entre os investigadores, é quase consensual que uma língua bantu
se distingue de outras línguas não bantu através dos seguintes
critérios:

A. Critérios principais
(i) Ter um sistema de géneros gramaticais não inferior ao
número de cinco (5) apresentando as seguintes características:

29
 Os indicadores de género devem ser prefixos, através dos
quais os nomes podem ser distribuídos em classes cujo
número varia de, geralmente, entre 10 e 20;

 As classes devem associar-se regularmente em pares que


opõem o singular ao plural de cada género. Além de géneros
de duas classes existem géneros de uma só classe, isto é, em
que não se verifica a oposição singular/plural e o prefixo de
classe pode ser idêntico ou não a um dos prefixos (do singular
ou do plural) de um dos géneros de duas classes; outras vezes
a oposição pode ser tripartida, podendo, além de se distinguir
entre o singular do plural, também se distinguir entre os dois
números e o colectivo;

 Quando uma palavra tem um prefixo independente (PI),


prefixo nominal, como indicador de classe, toda a palavra a ela
subordinada deve concordar com ela por meio de um prefixo
dependente (PD), também chamado prefixo de concordância;

 Não deve haver correlação entre o género e a noção sexual ou


qualquer outra categoria semântica claramente definida. Portanto,
“deve-se dar ao termo ʿgéneroʼ um sentido mais vasto, sem
referência necessária a sexo, ou sem analogia clara com a distinção
natural” (BLEEK 1869:94), mas apenas como uma categoria de
concordância gramatical.

(ii) Ter um vocabulário comum a outras línguas, a partir do qual


se pode formular uma hipótese sobre a possível existência de
uma língua ancestral comum.
B. Critérios Subsidiários

(iii) Ter um conjunto de radicais (RAD) invariáveis a partir


dos quais a maior parte de palavras se forma por aglutinação de
afixos, apresentando os seguintes traços:
 Uma estrutura básica do tipo –CVC-;
 Juntando-se-lhes sufixos gramaticais devem formar
bases verbais (BV);
 Juntando-se-lhes sufixos lexicais (sfn) devem formar
temas nominais (TN);
 Se um tema nominal tiver um género de duas classes, os
fonemas e o padrão tonal do tema devem ser idênticos nas duas
classes;
 Entre o radical verbal e o sufixo deve ser possível
inserir-se um sufixo derivacional chamado morfema de
extensão (Ext);
 Os radicais devem aparecer sem afixos.

Sumário
As classificações de Doke (1945) e de Guthrie (1967-71)
ocupam um lugar muito importante na história destas
línguas pelos critérios próprios e genuínos que cada uma
apresenta na sua abordagem.

Enquanto a classificação de Doke é baseada em aspectos


geográficos, distribuindo as línguas moçambicanas por cinco
zonas, entre duas principais (50 e 60) e três subsidiárias (51,
52 e 61), a classificação de Guthrie baseia-se num critério
geográfico-genealógico, agrupando as línguas em 15 zonas
codificadas por letras maiúsculas, a saber: A, B, C, D, E, F,
G, H, K, L, M, N, P, R, S.

31
Portanto, mesmo sendo de alguma forma contemporâneos,
não há momento algum que Guthrie e Doke tenham se
citado um ao outro. Por conseguinte, a classificação de
Guthrie é a mais famosa e mais referenciada nos estudos da
Linguística Bantu.

Auto-avaliação

1. As classificações de Doke (1945) e de Guthrie (1967-71)


ocupam um lugar muito importante na história destas
línguas pelos critérios próprios e genuínos que cada uma
apresenta na sua abordagem. Comente a afirmação.

2. Distingue os critérios principais dos critérios subsidiários


usados para a classificação das línguas bantu.

Exercícios
1. Define o conceito de línguas bantu.
2. Classifica a sua língua bantu de acordo co Guthrie (1967-71).
3. Em que consistem as classificações de Doke e de Guthrie.
4. Apresente e duas características das línguas bantu. Fundamente
a sua resposta com exemplos da sua língua bantu.
Capítulo 3: Morfologia Nominal das Línguas Bantu

Introdução
Os nomes nas línguas bantu em geral e nas moçambicanas, em
particular, o nome chama atenção dos estudiosos pela forma como
se organiza de acordo com os prefixos que indicam tanto o número
gramatical como o género, ao contrário da oposição feminino e
masculino ou neutro dos quais estamos habituados na língua
portuguesa. Como já deve ter notado, o estudo do nome surge na
sequência das temáticas anteriores e visa:
 Analisar as características morfológicas do nome das línguas
bantu;
 Diferenciar os conceitos de classe e género nas línguas bantu;
 Caracterizar o sintagma nominal nas línguas bantu.
 Conhecer os aspectos morfológicos básicos das línguas Bantu.

3.1. Estrutura do nome nas línguas


Bantu
O nome ou substantivo pode ser classificado usando-se vários
critérios e daí surgir a sua categorização. Um dos principais
critérios para a classificação do nome é a sua estrutura. Nas
línguas bantu e noutras do mundo, o nome varia em classe, género
e número. Aliás, uma das características das línguas bantu é o
facto de os indicadores de género serem prefixos, através dos
quais os nomes podem ser distribuídos em classes cujo número
varia de, geralmente, entre 10 e 20.

Ora, esta característica remete-nos para um tema não menos


importante que desperta o interesse de qualquer estudioso que se

33
interessa por estas línguas, as classes nominais, que a seguir
apresentamos.

3.2. Classes Nominais


O nome nas línguas bantu distingue duas partes, nomeadamente,
um prefixo, geralmente variável em função da classe, e um tema
nominal invariável senão em alguns casos em que a natureza do
segmento do prefixo ocasiona alterações morfofonémicas na
consoante ou na vogal em posição inicial deste, que pode interagir
(e mudar) com o último fonema do prefixo. Neste caso, o conjunto
de nomes com o mesmo prefixo e/ou mesmo padrão de
concordância chama-se classe nominal.

Como já se fez menção anteriormente, Bleek (1862, 1869) notou


pela primeira vez que os nomes destas línguas se organizavam de
forma sistemática em grupos de acordo com os seus prefixos ou
com o tipo de padrão de concordância. Antes da sua morte, Bleek
(1869) tinha conseguido estabelecer 16 classes nominais a partir
da observação de diferentes línguas. O trabalho deixado
incompleto por Bleek foi continuado por outros estudiosos, entre
os quais Meinhof que, em 1899, acrescentou três prefixos
locativos à lista de Bleek ficando, assim, uma lista de 19 prefixos
nominais, que a seguir apresentamos:
Tabla 2: Prefixos nominais segundo a proposta de Meinhof (1910), (Ngunga, 2004).

Cls. Prefs. Significado


1 mu- singular de 2
2 va- plural de 1
3 mu- singular de 4
4 mi- plural 3
5 li- singular de 6
6 ma- plural de 5
7 ki singular de 8
8 vi- plural de 7
9 ni- singular de 10
10 lî-ni- plural de 9 e de 11
11 lu- singular de 10
12 tu- plural de 13, 19 e também de 11
13 ka- singular de 12 e às vezes de 14
14 vu- singular de abstractos, massa, coisas incontáveis e singular de 4, 6, 13
15 ku- infinitivo
16 pa- locativo situacional
17 ku- locativo direccional
18 mu- locativo de interioridade
19 pi-
20 ɣu-
21 ɣa-

De acordo com Ngunga (2014), nove anos mais tarde, Werner


(1919) descobriu que em Gisu (E31 na classificação de Guthrie
1967-71), falado no Uganda, havia uma classe com os prefixos ɣu-
e ɣi-mi- que propôs que fossem prefixos das classes 22 e 23.

Guthrie (1967-1971), outro estudioso que se interessou pelo


estudo das línguas bantu, depois de analisar a lista de prefixos
nominais apresentada por Bleek com acréscimos de Meinhof que
propôs uma nova lista composta apenas por 19 classes nominais,
tal como inicialmente fora proposta por Bleek, conforme atesta a
tabela em baixo:

35
Lista de prefixos nominais proposta por Gutrhie (1967-71),
(Ngunga, 2004).
Classes e Prefixos nominais

Classes Prefixos
1 *mu
2 *ba
3 *mu
4 *mį
5 *į
6 *ma
7 *ki
8 *bį
9 *N
10 *N
11 *du
12 *tu
13 *ka
14 *bu
15 *ku
16 *pa
17 *ku
18 *mu
19 *pį

Os reflexos dos prefixos apresentados tanto na lista de Meinhof


como de Ghuthrie variam de língua para língua, de acordo com a
evolução fonética dos idiomas particulares. Como tal, não se deve
esperar que seja obrigatório que as línguas apresentem todas as 23
classes da lista de Bleek/Meinhof/Werner ou todas e somente as 19
da lista de Guthrie.

3.3. Locativização
Canonici (1991), Machobane (1996), Gauton (2003) e Ngunga
(2014) referem que, a locativização é um processo morfológico
através do qual um morfema locativo se associa ao nome para
localizá-lo no tempo ou no espaço.
Debruçando-se sobre o processo de locativização nas línguas bantu,
Marten (2010) afirma que a marca locativa é parte típica do sistema
de classes nominais e existem três classes nominais locativas
diferentes que podem ser reconstruídas por aproximação. Estas
classes são em muitas línguas bantu, marcadas pelos prefixos pa-,
ku-, e mu- (classes 16, 17 e 18 respectivamente) cuja semântica se
refere à aproximidade a um lugar ou a um lugar específico, a um
lugar distante ou e a um lugar no interior de algo. Referindo-se ainda
aos prefixos locativos o autor refere que os nomes com estes
prefixos comportam-se em muitos casos como outros nomes e
podem funcionar como sujeito ou complemento do verbo. Observa
os exemplos a seguir:

Shona: pamusha ʽna aldeiaʼ


pacikoro ʽna escolaʼ
parwidzi ʽno rioʼ

Cisena: kumudzi ʽ(lá) na aldeiaʼ


kuxikola ʽ(lá) na escolaʼ
kunyara ʽ(lá) no rioʼ

Cimanyika: mumusha ʽdentro da aldeiaʼ


mucikoro ʽdentro da escolaʼ
munyara ʽdentro do rioʼ

Os exemplos acima ilustram a locativização situacional (Shona),


direccional (Cisena) e de interioridade (Cimanyika).

Ainda sobre o processo de locativização, Ngunga (2014) assevera


que os prefixos locativos são basicamente secundários, e ajudam a
introduzir aquilo que em línguas como o Português fariam parte do

37
grupo de palavras designadas por advérbios, pois eles indicam a
locativização do nome a que se afixam no tempo ou no espaço.
Portanto, importa-nos aqui deixar claro que nas línguas bantu, a
prefixação não é a única forma morfológica de expressão dos
processos de locativização, pois há línguas que exprimem a
locativização através de afixação de sufixos aos nomes, ou ainda
através de afixação simultânea de prefixos e sufixos (circunfixação),
conforme ilustram os exemplos que se seguem:

Gitonga: gangeni ʽna aldeiaʼ


xikwatunu ʽdentro da escolaʼ
tsongini ʽdentro do rioʼ

Makhuwa: vamesani ʽna aldeiaʼ


oxikolani ʽ(lá) da escolaʼ
omuroni ʽ(lá) no rioʼ

Como podemos observar, os exemplos acima ilustram casos de


línguas que exprimem a locativização através de afixação
simultânea de prefixos e sufixos mais conhecida por circunfixação.
A seguir apresentamos detalhadamente as estratégias
locativização nas línguas bantu com base em ilustrações tiradas
de Canonici (1991).

Locativização por prefixação


(i) Locativização por prefixação do morfema pa-, com o sentido
de localização geral.
Shona: pamba pangu ‘em minha casa’
pakati pahomwe ‘dentro do cesto’
pausuku ‘a noite’
padyo pamusha ‘perto da aldeia’
panze ‘fora’ (Canonici, 1991)
Os exemplos acima mostram o morfema locativo pa- (cl.16), que
é prefixado aos nomes em Shona, para formar o locativo
situacional geral, que pode indicar direccionalidade, proximidade,
temporal ou área aberta dependendo do contexto comunicacional.

(ii) Locativização por prefixação do morfema ku-, com o sentido


de direccionalidade.
Shona: kumba kwangu ‘em volta da minha casa’
kumusha kwangu ‘na minha aldeia ou casa’
kumusha ‘casa ou em casa’
kure nomusha ‘longe de casa’ (Canonici, 1991)

No exemplo acima, o morfema locativo ku- (cl. 17) associa-se ao


nome nesta língua, através do processo de prefixação com vista
a formar locativos, cuja semântica é da indicação da distância
(grande) e não vizinhança ou direcção, como mostram os
exemplos acima.

(iii) Locativização por prefixação do morfema mu-, com o sentido de


localização interna, como se ilustra nos seguintes exemplos:
Shona: mumba mangu ‘na minha casa’
mukati mangu ‘dentro da minha casa’
muno ‘aqui dentro’
mumba ‘dentro da casa’
munaZambezi [sic] ‘no Zambezi’ (Canonici, 1991)

Os exemplos acima mostram a locativização do nome através


do morfema locativo mu- (cl.18), que pode ser de interioridade,
espaço limitado e fechado, em Shona.

Locativização por sufixação

39
A sufixação é um processo morfológico de formação de palavras que
consiste na adição de um morfema sufixal no final de uma palavra,
radical nominal ou verbal para formar uma nova palavra a partir de
palavras já existente, como ilustram os exemplos que se seguem:

Locativização por sufixação em Zulu.


Nesta língua os locativo podem ser formados através da sufixação do
sufixo locativo -ini em palavras terminadas com vogai /a/, /e/,/i/ e /u/.

Zulu: endlini (indlu+ini) ‘dentro da casa’


entabeni (intaba+ini ‘na montanha’
esikoleni (isikola+ini) ‘na escola’
ensimini (insimu+ini) ‘na machamba’ (Canonici, 1991)

Os exemplos mostram o processo de locativização através da


afixação do sufixo locativo –ini a nomes terminados em vogais
a,e i,u. Quando se afixa o morfema locativo -ini às palavras
com a vogal final /u/, esta vogal é elidida como se vê em endlini
(indlu+ini) ‘dentro da casa’ e ensimini (insimu+ini) ‘na
machamba’.

Quando se afixa o morfema locativo -ini à palavras com a vogal


baixa /a/, acontece a coalescência entre esta vogal e a vogal /i/
em posição inicial do sufixo locativo de que resulta
a vogal média /e/, como se vê em entabeni (intaba+ini ‘na
montanha’

Quando se afixa o morfema locativo -ini a palavras com a vogal


média /e/ em posição final, a vogal inicial do morfema locativo
é elidida, como se ilustra em esikoleni (isikola+ini). Alguns
destes fenómenos fonológicos acontecem também em algumas
línguas, mas noutras, os resultados de afixação do morfema
locativo ao nome podem ser diferentes. Vejam-se os exemplos
de Copi e Changana a seguir:

Copi: cituluni (citulu+ni) ‘na cadeira’


mesani (mesa+ni) ‘na mesa’
govani (gova+ni) ‘na lagoa’
thembweni (thembwe+ni) ‘na machamba’
livangoni (livango+ni) ‘na planície’
masoni (maso+ni) ‘em frente’
m’sungoni (m’sungo+ni) ‘na cabeça’

Nestes exemplos, mostra-se a locativização do nome através da


sufixação do morfema -ni que se junta a nomes para locativizá-los.
Como se vê o morfema locativo em Copi é que se afixa a palavras
terminadas em vogais de qualquer qualidade, (/a/, /u/, /i/, /o/). Os dados
mostram ainda que o -ni não altera a sua estrutura morfofonológica
contrariamente ao que acontece com outras línguas já analisadas, onde
a afixação do morfema locativo -ini a nomes, resulta em mudanças na
sua estrutura morfológica. Este facto leva a conclusão de que em Copi,
o morfema locativo seja -ni.

Changana: ntirhweni (ntirho+ini) ‘no serviço’


mbilwini (mbilu+ini) ‘no coraçao’
xitulwini (xitulu+ini) ‘na cadeira’
mbilwini (mbilu+ini) ‘no coração’
ritweni (rito+ini) ‘na palavra’
sontweni (sonto+ini) ‘no domingo’

Nestes exemplos, a locativização do nome é realizada através do


morfema locativo -ini que, tal como em outras línguas, pode-se realizar
de diferentes formas dependendo da qualidade da última vogal da
palavra a que se afixa.

41
Depois de analisarmos as estratégias de locativização por prefixação e
sufixação, na
secção a seguir vamos apresentar a locativização simultânea por
prefixação e por sufixação,
uma das estratégias a que algumas línguas bantu recorrem para
locativizar o nome no espaço
ou no tempo.

3.4. Locativização simultânea por


prefixação e Sufixação
Vamos a seguir apresentar a locativização simultânea por prefixação e
por sufixação. Trata-se de uma operação morfológica de formação de
palavras que se realiza através de afixação simultânea de um prefixo e
um sufixo a um nome, radical nominal para derivar uma nova palavra,
como se pode ver nos exemplos a seguir:

Locativização simultânea por prefixação e sufixação.


Zulu: sandla ‘mão’ esandleni ‘nas mãos’
msebenzi ‘trabalho’ emsebenzeni ‘no trabalho’
bhodlela ‘garrafa’ ebhodleleni ‘na garrafa’ (Canonici, 1991)

Os exemplos mostram que nesta língua é possível afixar-se aos


radicais nominais simultaneamente um prefixo e um sufixo para
formar um locativo, através do processo morfológico de derivação
de palavras por prefixação e sufixação, respectivamente, o prefixo
vocálico e- e o sufixo locativo -ini para dar lugar a locativos como
ilustram os exemplos acima.

Para terminar, apresentamos a seguir o quadro sobre os prefixos e


classes nominais das línguas moçambicanas.
Classes e Prefixos Nominais das Línguas Moçambicanas

Tabela de classes e prefixos nominais das línguas moçambicans, (Ngunga 2014).

Sumário
O nome é classificado usando-se vários critérios. Um dos
principais critérios para a classificação do nome é a sua estrutura.
Nas línguas bantu e noutras do mundo, o nome varia em classe,
género e número.

Os prefixos locativos nas línguas bantu fazem parte de classes


nominais, como primeiramente proposto por Bleek (1862,1869),
mais tarde revisto por Meinhof (1910) e Guthrie (1967-1971). O
sistema de classes nominais das línguas bantu, tem sofrido
inovações em muitas línguas, embora haja algumas que ainda

43
conservam a forma reconstruída do sistema de classes nominais do
Proto-Bantu.

Em termos morfológicos, existe nas línguas bantu um morfema


sufixal locativo -(i)ni, cuja função é localizar objectos no tempo ou
no espaço.

Auto-avaliação

1. Um dos principais critérios para a classificação do nome é a sua


estrutura. Distingue os critérios principais dos critérios
subsidiários usados para a classificação das línguas bantu.
2. A noção de géneros gramaticas varia de língua para outra.
Quantos géneros gramaticais existem na sua língua e quais são.

Exercícios
1. O que entendes por classe nominal? Dê exemplos.
2. Apresente resumidamente as classes e prefixos nominais da
sua língua. Dê exemplos para cada classe nominal.
3. Apresente os diferentes tipos de locativização. Sustente a sua
resposta com exemplos da sua língua bantu.
Capítulo 4: Morfologia Verbal das Línguas Bantu

Introdução
Quando pretendemos comunicar algo, oralmente ou por escrito,
recorremos com frequência ao verbo. A razão disso reside no facto
de o verbo ser a palavra que comummente existe em todas as línguas
humanas e que serve para fazer afirmações, relatar factos, acções,
descrever estados, seres, situações, e muito mais. Eis a razão de o
verbo ser, geralmente, conhecido como a palavra mais variável de
uma dada língua.
Nas línguas Bantu, por natureza aglutinantes, a complexa natureza
da estrutura verbal faz com que, quando conjugado, o verbo possa
apresentar marcas portadoras de informações sobre o sujeito, o
tempo, a pessoa, o número, o objecto, a negação, o aspecto, o
reflexivo, entre outras. Na forma verbal, estas marcas, incluindo as
marcas derivacionais, são agregadas à raiz, designada núcleo
morfológico do verbo.

Espera-se que, ao terminar este capítulo, o estudante seja capaz de:

 Conhecer a estrutura do verbo nas línguas bantu;


 Identificar os diferentes tipos de radicais verbais;
 Identificar o morfema de extensão na estrutura verbal das
línguas bantu.

45
4.1. Estrutura do Verbo nas Línguas
Bantu

Autores como (Güldemann 2003, Mutaka e Tamanji 2000, Ngunga


2004, Ngunga 2000) consideram a morfologia verbal complexa. Estes
apresentam de formas diferentes a estrutura da morfologia do verbo
nas várias línguas bantu. No presente capítulo, apresentaremos a
estrutura do verbo, proposta por Ngunga (2004).

Verbo

Pré-Tema Macro-Tema

Tema F

Tema D

Prefs [[PI – MS –PS] MO Raiz Sufs [Exts] VF

Onde: Tema F: Tema flexional; Tema D: Tema derivado; MS: Marca


de sujeito; PS: pós-sujeito; PI: pré-inicial; MO: Marca de objecto;
Exts: Extensões, VF: vogal final ou vogal terminal.

Esta estrutura pode adaptar-se a qualquer língua bantu. Portanto,


não é obrigatório que todas as línguas bantu tenham todos
elementos aqui representados, pois umas podem ter mais material
para preencher os espaços disponíveis.
4.2. Características do verbo
nas línguas Bantu
O verbo nas línguas moçambicanas apresenta características
especiais. O motivo principal é a natureza da sua estrutura que é
complexa e muito produtiva. Ele exibe duas partes muito distintas,
nomeadamente, um prefixo verbal (Cl.15) e um tema verbal. Esta
estrutura desdobra-se em formas particulares para cada língua,
podendo ser prefixo + raiz verbal + vogal final. Tomemos como
exemplos as línguas a seguir:

Xichangana: kuyala “negar”; kujondza “estudar/aprender”


Ciyaawu: kuteleka “cozinhar” kulokota “apanhar”

Emakhuwa: osoma “estudar” okothomola “tossir”

Gitonga: guhimbila “andar/caminhar” guhondza “comer”

Como se pode verificar nos exemplos acima, os verbos apresentam


sempre um prefixo, a parte em negrito, e outra que é o tema verbal. Este,
por sua vez, é constituído por uma raiz verbal e a vogal final. É importante
conhecer muito bem a natureza da raiz verbal. É esta a parte mais
significativa do verbo, aquela que transporta a semântica do verbo e é dela
que se derivam outras palavras. Por exemplo, em Xichangana podemos ter
o verbo kujondza “aprender” e dele derivarmos outro verbo como
kujondzisa “fazer aprender/ensinar”. A parte destacada corresponde à raiz
do verbo e é dela onde extraímos o campo semântico dos verbos kujondza
e kujondzisa.

Portanto, quando conjugado, o verbo traz-nos muita informação,


desde a da entidade sobre a qual se faz a afirmação até à descrição
da acção praticada e que recai sobre essa mesma entidade.

47
4.3. Derivação verbal
Nas línguas bantu, o verbo pode derivar outros verbos a partir da
anexação, na raiz verbal, de elementos derivacionais denominados
extensões ou por meio de um processo morfológico que consiste na
repetição da raiz e/ou do tema verbal, denominado reduplicação.

O verbo pode derivar, também, nomes com funções de agentivos,


instrumentais, eventivos, resultativos; pode ainda derivar novas
palavras com funções de ideofones e de diminutivos. Nesta secção
vamos tratar destes processos com alguma atenção. Iniciaremos
com o processo de reduplicação.

4.4. Radical não derivado

O termo radical refere-se à base que fica quando todos os afixos de


concordância e de conjugação tiverem sido apagados na estrutura do
verbo (Bauer 1988). Existem dois tipos de radicais, designadamente,
radicais simples ou não extensos e radicais extensos. A diferença
entre os dois tipos de radicais reside no facto de no segundo estar
incorporada uma extensão verbal, o que não acontece com o primeiro.
A seguir apresentamos os tipos de radicais tirados de Langa (2012).

Radicais do grupo - C-
-b- ʽbaterʼ
-ch- ʽjogarʼ
-f- ʽmorrerʼ
-h- ʽdar, ofereceʼ
Os dados acima mostram-nos os radicais verbais de estrutura do tipo -
C-. Em seguida, apresentam-se os radicais de estrutura do tipo -CVC-
:

Radicais do grupo -CVC-


-bzàl- ʽsemearʼ
-fàmb - ʽandar, caminharʼ
-gùg- ʽenvelhecerʼ

-hlàmb- ʽtomar banhoʼ

Os exemplos acima ilustram os radicais de estrutura do tipo -CVC-.


Esta estrutura é a que se considera como canónica do verbo em
Changana. Em (4), a seguir, apresentam-se os radicais do tipo -
CVCVC- ou mais longos:

Radicais do grupo –CVCVC- ou mais longos


a. -CVCVC-
-mìkùl- ʽlevantar (qc. muito pesadoʼ
-mphumun- ʽsacudir, limparʼ
-nchalam- ʽnadarʼ

-nhlampfunh- ʽmastigarʼ

4.5. Radical extenso

Hyman (2007) afirma que o sistema de extensões verbais (EVs) não é


exclusivo das línguas bantu, embora seja nelas em o seu sistema de
funcionamento se encontra mais desenvolvido e mais produtivo. A
seguir apresentamos as extensões verbais reconstituídas do proto-
bantu (PB):

49
4.5.1. A reduplicação verbal como processo derivacional nas
línguas moçambicanas
A reduplicação verbal permite aos falantes de uma dada língua
alargar o seu vocabulário. Este processo consiste em repetir uma
parte ou todo o tema verbal para formar um novo verbo. Quando
se repete todo o tema, estamos, então, perante a reduplicação total,
mas quando se repete apenas parte dele, trata-se, então, de
reduplicação parcial.

Dado importante sobre a reduplicação é referente às implicações


semânticas das formas reduplicadas, isto é, o seu significado.
Assim, nas línguas moçambicanas, a reduplicação pode,
semanticamente, exprimir a ideia de interacção, frequência e
repetição de uma acção. Tomemos como exemplo o Gitonga e o
Cinyungwe.

Gitonga: gukhokhotela “pregar” guyemayema (cf. guyema)


“passear”

Cinyungwe: kufafanidza “apagar sinais” kuyendayenda (cf.


Kuyenda) “caminhar frequentemente”
Nas duas línguas acima, temos as formas reduplicadas
“gukhokhotela” e “kufafanidza” que são denominadas de
parciais e indicando iteractividade e guyemayema e
“kuyendayenda” que são exemplos de reduplicação total, com o
sentido de repetição da acção. A seguir vamos tratar
especificamente de cada tipo de reduplicação.

4.5.2. Reduplicação total ou completa normal


A reduplicação total ou completa é aquela em que a parte que
se repete é idêntica à base. Quase que sempre, o verbo
reduplicado expressa o sentido de repetição, iteractividade,
frequência de acções, factos e estados. Dado importante é que,
em quase todas as línguas moçambicanas, os verbos reduplicados
totalmente têm formas não reduplicadas correspondentes na
língua e que são parte do vocabulário de cada uma dessas línguas,
como ilustram os exemplos abaixo.

Xichangana: kufambafamba “andar repetidamente”


<(cf.kufamba “andar”)

kukhomakhoma “pegar repetidamente” <(cf. kukhoma


“pegar”)

Cisena: kufungula-fungula “abrir frequentemente”


<(cf.kufungula “abrir”)

kulangira-langira “tentar a sorte várias vezes” <(cf. kulangira


“tentar a sorte”)

Cimanyika: kucema-cema “chorar frequentemente”


<(cf.kucema “chorar”)

kukosora-kosora “tossir frequentemente” <(cf.kukosora


“tossir”)

51
Ciyaawo: kupata-pata “obter frequentemente” <(cf. kupata
“obter”)

4.5.3. Reduplicação total fossilizada

À semelhança da reduplicação total normal, a fossilizada


consiste na repetição da base verbal. Todavia, as partes
reduplicadas já não possuem sentido autónomo quando
separadas, o que não acontece na reduplicação total normal,
como se viu anteriormente. Para melhor compreensão deste
processo, veja-se os seguintes exemplos:

Cidema: kulewalewa “falar” cf. *kulewa


Ciyaawu: kulavalava “ser malandro/a” cf. *kulava
Cicopi: kuwombawomba “falar” cf. *kuwomba

Portanto, na reduplicação fossilizada, a palavra constituída


não pode ser desagregada. Se assim acontecer, as partes
separadas não possuem nenhum significado válido na língua
ou o seu significado não tem nenhuma relação com a palavra
reduplicada.

4.5.4. Reduplicação parcial

Como o próprio nome diz, a reduplicação parcial consiste na


repetição parcial da base do verbo. Uma vez repetida, as partes
que constituem a palavra formada não podem ser separadas.
A reduplicação parcial tem as mesmas características da
fossilizada. Em termos de significado, a reduplicação parcial
dá a ideia de pequenas repetições de uma determinada acção
ou evento. Veja-se os exemplos seguintes.
Ekoti: kufufuwa “ressuscitar” kukokotha “raspar (comida na
panela)”
Cinyungwe: kujejera “ser frio” kupswepswenga “beber
pombe”

Xirhonga: kutrutruma “correr” kuphepherha “peneirar”

4.5.5. Reduplicação de verbo de duas sílabas

Para dar a interpretação de repetição, interactividade,


frequência, aos verbos dissilábicos são agregados algumas partículas
linguísticas, denominadas morfemas. Este assunto será abordado com
algum detalhe nos pontos seguintes, todavia, veja-se alguns exemplos:

Shona: kudayida “amar frequentemente” <(cf. kuda “amar”)

kubayiba “roubar frequentemente” <(cf. kuba “roubar)

Elomwe: kudyadyasha “comer repetidas vezes”

Xirhonga: kunyetetela “defecar frequentemente” <(cf. kunya “defecar”)

kubetetela “bater repetidas vezes” <(cf. kuba “bater”)

No caso dos exemplos em Xirhonga, deve-se notar que a parte pintada (-


etetel-) não é necessariamente uma reduplicação em si, mas sim uma
extensão verbal interactiva (-etel-) que se aplica a qualquer verbo, não
apenas aos verbos dissilábicos. Acontece é que como nesta língua e outras,
tais como, Xichangana, Gitonga, Citshwa e outras, os verbos dissilábicos
não são reduplicáveis por si, os falantes recorrem a esta partícula para dar
a ideia de repetição da acção.

Xirhonga: kuwa “cair” (*kuwakuwa) kuwetetela “cair frequentemente”

Xichangana: kufa “morrer” (*kufakufa) kufetetela “mortes/ chacina”

53
As formas reduplicadas dentro de parênteses e com estrela são tidas como
agramaticais, ou seja, não são reconhecidas semanticamente na língua
pelos falantes.

Há, no entanto, outras formas de se formar verbos a partir de palavras de


outras categorias, nomeadamente ideofones, nomes, adjectivos e
advérbios. Estas estratégias são também comuns nas línguas
moçambicanas, porém a sua produtividade varia de língua para língua. Por
essa razão, não foram aqui tratadas com detalhe. Nas suas actividades,
individuais, ou em grupo, poderá explorar estas estratégias em forma de
trabalhos de desenvolvimento contínuo.

4.6. Derivação de verbos através


de extensões
Nas línguas moçambicanas há partículas simples, mas muito produtivas,
usadas para a formação de novos verbos a partir dos já existentes. Essas
partículas são denominadas extensões verbais. Os verbos formados a
partir das extensões, embora o seu campo semântico seja o mesmo do do
verbo mãe, os seus significados são diferentes do sentido inicial.

Algumas dessas extensões são comuns em quase todas as línguas


moçambicanas, mas outras são menos frequentes, ocorrendo em
algumas destas línguas. Ademais, estas extensões podem co-ocorrer na
mesma estrutura verbal, formando um novo verbo, com sentido diferente
do verbo de base. Apresentamos a seguir alguns exemplos de algumas
línguas moçambicanas.

Cisena: kugonera “dormir sobre/para…” <(kugona dormir”)


kugonesa “fazer dormir/deitar”

Citshwa: kuwonisa “fazer ver algo” <(kuwona “ver”)

kuholela “dar vencimento” <(kuhola“receber vencimento”)

kuholelana “dar o vencimento um ao outro” (de forma


recíproca)

Xichangana: kuvutiselana “fazer-se perguntas um ao outro” <(kuvutisa


“perguntar”)

Dado importante sobre as extensões verbais é o efeito que estas causam


sobre a regência verbal. Cada uma ou sequência delas pode mudar o
número de argumentos de um determinado verbo. Os exemplos
anteriores (exemplos 8) mostram a influência das extensões verbais na
manutenção, diminuição ou aumento do número de argumentos regidos
por um verbo. Por exemplo, em Cisena, o verbo kugona “dormir” tem
apenas um argumento que é o sujeito. Por outras palavras, é um verbo
intransitivo. Porém, kugonesa “fazer dormir ou deitar” que deriva de
kugona passa a ter dois argumentos, nomeadamente um sujeito e um
objecto. Por outras palavras, kugona que era um verbo intransitivo, ao
ser agregado uma extensão verbal (-es-) passou a kugonesa, um verbo
transitivo. Vejamos os exemplos do uso de verbos extensos em
contextos frásicos.

Cindau:

a) Mayi vabika nyama. “A mamã cozinhou carne.”

b) Mayi vabikira nyama vana. “A mamã cozinhou carne para as


crianças.”

Cicopi:

a) Mami abhikite nyama. “A mamã cozinhou carne.”

55
b) Mami abhikete nyama vanana. “A mamã cozinhou carne para as
crianças.”

Emakhuwa:

c) Mama ohapiha enama. “A mamã cozinhou carne.”

d) Mama ohapihela enama anamwane. “A mamã cozinhou carne para


as crianças.”

Os exemplos anteriores servem apenas para demonstrar o que as


extensões podem causar ao nível dos argumentos do verbo. Aqui usou-
se apenas a extensão aplicativa (-el-). Porém, como se frisou
anteriormente, nas suas actividades individuais, ou em grupo, você
poderá explorar esta temática em forma de trabalhos de
desenvolvimento individual contínuo.

4.7. Descrição das extensões verbais


De acordo com Sitoe (1984/85), as extensões verbais afectam o
significado de um verbo de radical simples dando-lhe os mais
variados matizes e algumas delas originam mudança de relações de
transitividade. Na opinião deste autor, apesar de cada extensão
verbal possuir geralmente um significado particular, há as que são
polissémicas e aquelas que formam pares antónimos como remos
constatar ao estudarmos cada uma delas. Tomemos os exemplos das
extensões de Citshwa tiradas de Mateus (2014):

Extensão recíproca -an-


A forma recíproca indica reciprocidade de acção, isto é, que a acção
é feita e recebida por dois ou mais sejeitos.

Ex: a. -g- ‘comer’ cf. –ganan- ‘comer-se um ao outro’

b. -b- ‘bater’ cf. –banan- ‘bater-se um ao outro’

c. –boh- ‘amarrar’ cf. –bohan- ‘amarrar-se um ao outro’

d. –nyut- ‘beijar’ cf. –nyutan- ‘beijar-se um ao outro’

e. –hlomel- ‘espreitar’ cf –hlomelan- ‘espreitar-se um ao


outro’

Como podemos observar os verbos de radical monossilábico


formam a reciprocidade reduplicando o sufixo (1a e 1b), algo que
não se verifica em (1c, 1d e 1e), uma vez que os radicais apresentam
a estrutura –cvc e –cvcvc- respectivamente.

Quando as formas causativa e aplicativa são associadas à forma


recíproca, pode-se obter um grande número de combinações. Como
podemos ver nos exemplos que se seguem:

-von- ‘ver’

-vonis- ‘fazer ver’

-vonisana ‘fazer-se ver um ao outro’

-kok- ‘puxar’

-kokel- ‘puxar para ou a favor de’

-kokelana ‘puxa-se um ao outro em benefício dos dois’

Como podemos observar nos exemplos acima, temos uma


combinação das extensões causativa e recíproca, e a combinação
de extensões aplicativa e recíproca.

Extensão intensiva -isis-

57
A forma intensiva reforça a ideia da forma simples, indicando a
intensidade da acção.

-famb- ‘andar’ cf. –fambisis- ‘fazer andar com intensidade’

-tsutsum- ‘correr’ cf. -tsutsumisis- ‘fazer correr com


intensidade’

Extensão frequentativa –etel-

A forma frequentativa indica a frequência, repetição da acção.

-yiv- ‘roubar’ cf. –yivetel- ‘roubar com frequência ou repetidas


vezes’

-tsal- ‘escrever’ cf. –tsaletel- ‘escrever com frequência ou


repetidas vezes’

Extensão perfectiva –elel-

A forma perfectiva indica a perfeição, exactidão, acabamento,


levar a acção até ao fim sem parar, etc. Por vezes tem sentido
interactivo ou frequentativo como a forma –etel-

-kuboh- ‘atar’ cf. kubohelela ‘atar dando voltas com o


atilho’

-sah- ‘serrar’ cf. –sahelel- ‘serrar tudo’

-tsov- ‘partir’ cf. –tshovelel- ‘partir completamente’

Extensão reversiva –ul-

A forma reversiva indica o efeito contrário, destruição da acção


expressa pela forma simples.

–simel- ‘picar’ / -simul- ‘arrancar’

-pakel- ‘carregar’ / -pakul- ‘descarregar’


-tlhav- ‘espetar’ / -tlhavul- ‘tirar espinho’

-vhala ‘fechar’ / -vhul- ‘abrir’

Extensão passiva –iw-

Esta extensão traduz a situação em que a acção ou facto recai


sobre um sujeito (sujeito da passiva)

–kok- ‘puxar’ cf. -kokiw- ‘ser puxado’

-won- ‘ver’/ cf. -woniw- ‘ser visto’

-xav- ‘comprar’ cf. –xaviw- ‘ser comprado’

Extensão causativa -isa

A realização da causatividade varia de língua para língua, mas


vários autores são unânimes quanto ao que esta expressa, tal
como o nome diz, “causa”, (Katamba 1993, Bybee 1985). Além
disso, pode indicar compulsividade, persuasão, permissão, pode
ser usada para indicar “fazer fazer” (Ngunga 2004), “ajudar a
fazer, agir como” (Ashton 1944), “fazer, fazer com que, mandar
fazer, obrigar a fazer, ajudar a fazer, procurar a, dizer que”,
(Sitoe 1984/1985).

Sumário
A estrutura do verbo nas línguas moçambicanas é muito complexa.
Quando conjugado, o verbo pode conter partículas/marcas que indicam o
tempo, o aspecto, a negação, o sujeito, o objecto, o reflexivo. Esta é a
principal razão por que se afirma que as línguas moçambicanas são
aglutinantes.

59
O verbo nas línguas moçambicanas pode derivar outros verbos a partir
de um processo denominado reduplicação. Há três tipos de reduplicação:
(i) reduplicação total ou completa, (ii) reduplicação fossilizada e (iii)
reduplicação de verbos dissilábicos. Os verbos reduplicados trazem a
interpretação de repetição, interactividade ou frequência dos eventos ou
acções.

Auto-avaliação

3. Quantas extensões verbais existem na sua língua bantu? Quais


são?
4. O verbo nas línguas bantu apresenta um carácter aglutinante.
Comente a afirmação e dê exemplos.
5. Quantos tipos de reduplicação verbal aprendeste. Quais são?

Exercícios
1. O que entendes por extensão verbal? Dê exemplos.
2. Apresente estrutura do verbo na sua língua bantu. Sustente a
sua resposta com exemplos da sua língua.
3. Diferencie a reduplicação total fossilizada da reduplicação total
normal. Dê exemplos.
Capítulo 5: Sintaxe das
Línguas Bantu

Introdução
Depois do estudo sobre a morfologia verbal das línguas bantu,
vamos agora aprender como usar estes elementos para produzir
frases na sua língua. Portanto, espera-se que ao terminar este
capítulo, o estudante seja capaz de:

 Conhecer os tipos de sintagma nominal;

 Indentificar os elementos que compõem o


sintagma nominal da sua língua;

 Construir frases na sua língua bantu;

5.1. Sintagma Nominal e os processos de qualificação


De acordo com Ngunga (2014), o sintagma nominal (SN) é o
conjunto de palavras, cujo núcleo é um nome independente,
colocadas de tal maneira a funcionar como uma unidade sintáctica.
Nas línguas bantu, o sintagma nominal compreende nome (+
modificador). Num SN, o nome é o núcleo e, se existir o
modificador, pode ser um adjectivo, um outro nome, um
possessivo, uma frase relativa, etc, como se pode ver nos exemplos
que se seguem:

Copi: mwanana wangu ‘meu filho’


Makonde: ngʼavanga imo ʽum cãoʼ
Swahili: kitu hiki [coisa-esta] 'esta coisa
Swahili: matunda yako [ft-reus] 'teus frutos'
Makhuwa: muthiyana worera 'mulher bonita'

61
Em cima são apresentados exemplos de sintagmas nominais em
diferentes línguas. No primeiro exemplo, o SN é constituído por
um nome mais um possessivo; no segundo é constituído por um
nome e um numeral, no terceiro e quarto por um nome mais um
pronome e finalmente no quinto por um nome e um adjectivo.

5.2. Ordem básica dos constituintes


de SN
Antes de começarmos a ver a ordem dos constituintes da frase,
vamos recuperar a estrutura básica do sintagma nominal,
constituinte importante na estrutura da frase. Como vimos antes,
normalmente o SN é constituído de (i.) um nome ou de (ii.) um
nome que funciona como NLICLEO ao qual se agregam
elementos periféricos, tais como adjectivos, pronomes,
numerais, demonstrativos, possessivos, etc. Vejamos a seguir os
exemplos de Changana e Swahili:

Ch. munhu munene 'boa pessoa'


Ch.xilo lexi 'esta coisa'
Ch. mihandzu yaku 'teus frutos'
Sw. mtu werna [homem bom] 'bom homem'
Sw. kitu hiki [coisa-esta] 'esta coisa'
Sw. matunda yako [frutos-teus] 'teus frutos'

Por via de regra, nestas linguas o nome ocupa posição inicial


como mostram os exemplos acima, mas pode acontecer que se
altere esta ordem basica:

Ch. Lweyi munhu 'esta pessoa'


Sw. Huyu rntu 'este homem'
5.3. Tipos de sintagma Nominal
De acordo com o tipo de modificador, os sintagmas nominais
distribuem-se por dois grupos, a saber:
A. SN por concordância: aquele em que o modificador se associa
ao núcleo do sintagma através de prefixos dependentes,
podendo ser:
(i) Por adjectivação: quando o SN é constituído por um
nome mais um modificador que é adjectivo, como se
pode ver a seguir:

Changana: munhu ntsongo 'pessoa pequena'


munhu nkulu 'pessoa grande'
Kimwani: munhu ntoto 'pessoa pequena'
munhu nkulu 'pessoa grande'

Como se pode ver nos exemplos acima, o nome é seguido por um


adjectivo que concorda com ele através do respectivo prefixo
dependente.
A seguir apresentamos a sua formalização:

SNadj = nome + adjectivo

ii) Por genitivização: quando há dois nomes, um dos


quais sendo o núcleo e outro modificador, ligados por
um extra-prefixo dependência (EPD), constituído pela
marca de concordância do núcleo à qual se sufixa a
partícula genitiva –a, também chamada marca
associativa, como se pode ver a seguir:

Nyanja: nkadzi wa kukhadwa 'mulher bonita'


Changana: nsati wa kusaseka 'mulher bonita'
Ciyaao: malaja ga mwaace camisa da criança'

63
Rhonga: xipawana xa mavele 'pãozinho de milho'
Cicopi: tinyawa ta kuthembwe 'feijão da horta'

Conforme ilustram os exemplos acima, a genitivização é o processo


mais produtivo de qualificação nas línguas bantu uma vez que além
de indicar qualidade (primeiro e segundo exemplos), pode também
exprimir posse (terceiro exemplo), matéria (quarto exemplo),
origem (quinto exemplo).
A seguir apresentamos a sua formalização:

SNgenit = N1 + EPD + mod (N2)

Os dois nomes são independentes, sendo N1 (núcleo) e N2


(modificador) ligados por um EPD que concorda com o N1.

iii) Por relativização: quando o nome é seguido por um


modificador que é uma frase relativa que se liga àquele por um
modificador através de um EPD. Diferente da EPD da genitiva que
se liga a outros nomes, o EPD da relativa precede sempre uma forma
verbal, como podemos ver nos exemplos que se seguem:

Ciyaao: nguku ja jiwile-jo jilwaasileje


'a galinga que morreu andava doente'
Makhuwa: mulopwana wooniiya woonanara
'o homem que rouba é feio'
Os exemplos acima mostram que às vezes a fonologia obriga que
palavras diferentes se fundam numa única, cuja separação em duas
estruturas subjacentes se torna impossível. A palavra wooniiyaa em
Makhuwa resulta da fusão das vogais –a e o- das fronteiras das
palavras wa e onaniiya numa sequencia do tipo wa + oniiya =
wooniiyaa.
B. SN por Justaposição: quando os seus membros (núcleo e
modificador) são ambos nomes que se justapõem sem que para
isso seja necessário um elemento (morfema) de ligação. No SN
por justaposição, o modificador não concorda com o núcleo. Os
SN´s por justaposição podem ser:

(i) Por aposição: quando o modificador é um numeral


nominal, ou outro nome, como podemos ver a seguir:

Ciyaao: vaandu diikumi 'dez pessoas'


Emakhuwa: Ampewe Wampula 'Rei Nampula'
Ciyaao: mbwaanda dideebe 'uma lata de feijão'
Xichangana: Hosi Samora 'Presidente Samora'
Cinyanja: Kaka aMasawuko 'Mano Massauco'

Os exemplos acima mostram casos em que o modificador é numeral


(primeiro exemplo); nome próprio (segundo exemplo); medidas ou
continentes (terceiro exemplo), qualificação através de outros
nomes (quarto e quinto exemplos).

ii) Por complementação: quando o modificador tem função de


especificar ou dar informação adicional sobre a identidade do
núcleo. Vejamos os exemplos que se seguem:

Xichangana: Juze, mwana wa Maria, afikile tolo


'Joé, filho da Maria, chegou ontem'

Cimanyika: Tafara, mudiwa wangu, bata sekuru venyu.


'Tafara, meu amor, segura o teu tio'

O SN por complementação tem uma função sintáctica idêntica


àquela que em Português se chama “aposto ou continuado”, pois

65
apresenta uma informação adicional sobre o núcleo, (NGUNGA
2014).

5.4. A Frase
A frase é uma palavra ou conjunto de palavras dispostas de uma
dada maneira, de acordo com certas regras, para exprimir um
determinado sentido. Pode-se definir ainda como um enunciado de
sentido completo, unidade mínima de comunicação, que pode ser
constituída por uma única oração (frase simples), por mais do que
uma oração (frase complexa), ou apenas por um verbo (frase
elíptica), onde os restantes constituintes são subentendidos.

A partir destas breves definições, podemos assumir, então, que só


se pode considerar por frase, ao conjunto de elementos dispostos de
acordo com as regras estabelecidas numa determinada língua.
Mesmo que respeite as regras, se dentro da língua não se constituir
um significado lógico e completo, pode não ser frase. Significa isso
que aquilo que, por exemplo, é considerado frase na língua
portuguesa, pode não ser em Shimakonde ou em Elomwe. Por
conseguinte, nas línguas bantu, a frase pode ser:

5.4.1. Frase verbal


Diz-se frase verbal a toda a frase cujo núcleo é um verbo ou uma
forma verbal.

Xichangana: Juze anyikile n’wana pawa. “O José deu pão à


criança.”

Cicopi: Mami atsula nthumoni. “A mamã vai ao serviço


5.4.2. Frase não verbal
A frase não verbal é aquela cujo núcleo é uma categoria lexical
diferente do verbo. Esse núcleo pode ser um nome (frase nominal),
uma cópula (frase copulativa) ou um ideofone (frase ideofónica),
como se mostra no esquema e nos exemplos mais abaixo.

a) Nominal

Ciyaawu: Nguku diciila asi. “Estão aqui cem galinhas.”

Xirhonga: Hi leyi homo. “Está aqui o boi.”

b) Copulativa

Cinyaja: N’nyamata uyu ndi munthu. “Este rapaz é pessoa.”

Xichangana: Muhlophe i munhu munene. “o Muhlophe é boa


pessoa’.”

c) Ideofónica

Xichangana: Maphisani ategeeee! “o Maphisani está refastelado.”

Citshwa: Cibuku leci cikhwa ca mina. “Este espelho parece meu.”

5.5. Polaridade da frase simples nas


línguas moçambicanas
Para além da classificação quanto à natureza do núcleo, a frase pode
ser classificada quanto à polaridade, isto é, frase positiva e frase
negativa. Geralmente, a positiva é aquela produzida naturalmente,
ao passo que a negativa sempre é marcada. Nas línguas
moçambicanas, a marcação da frase varia de língua para língua.
Pela vastidão das estratégias de marcação da frase negativa nas
línguas moçambicanas, aqui mostraremos apenas alguns exemplos.

67
Cicopi:

Afirmativa: Mami abhikite nyama. “A mamã cozinhou carne”

Negativa: Mami nkhabhika nyama. “A mamã não cozinhou carne”

Cinyungwe:

Afirmativa: Ife tatsuka manja. “Nós lavamos as mãos”

Negativa: Ife tiribe kutsuka manja. “Nós não lavamos as mãos”

Ciyaawu:

Afirmativa: Lisu uwe tucapile m’piika. “Ontem nós lavámos a


panela”

Negativa: Lisu nganitucapa m’piika. “Ontem nós não lavámos a


panela”.”

Sumário
Os nomes regem a concordância de todos os elementos da frase com
eles relacionados (verbos, qualificadores, quantificadores,
possessivos e demonstrativos). Esta concordância é feita através de
marcas de concordância.
Nas línguas bantu, a frase pode ser verbal ou não verbal. A frase verbal é
aquela em que o núcleo é uma forma verbal, ao passo que a não verbal
tem como núcleo uma categoria lexical diferente do verbo, que pode ser
nome, ideofone ou cópula. A concordância verbal é regida pela natureza
do nome ou nomes que ocupam a posição do sujeito da frase. As
estratégias de marcação da polaridade (positiva ou negativa) da frase
variam de língua para língua. Umas usam a forma sintética, em que a
marca da negação aparece acoplado ao verbo e outras usam a forma
analítica através de um segmento lexical.
Auto-avaliação
1. Será que na sua língua moçambicana a concordância verbal com
nomes de classes diferentes é pacífica? Apresente alguns exemplos.
2. A partir de exemplos, presente os tipos de SN na sua língua bantu.

Exercícios
1. Apoiando-se em exemplos da sua língua de trabalho, distinga a frase verbal
da não verbal.
2. Explique, recorrendo a exemplos, a concordância gramatical na sua língua
moçambicana de trabalho.

Capítulo 6: A Ortografia nas


Línguas Bantu

Introdução
O presente capítulo aborda a ortografia das línguas bantu. Portanto,
espera-se que até ao fim do mesmo o estudante seja capaz de produzir
e apresentar diversos textos escritos de utilidade didáctica, individual
e comunitária, obedecendo às regras ortográficas e gramaticais da sua
língua moçambicana. Para tal, serão aqui privilegiados diferentes
textos na abordagem de várias temáticas de interesse social, como
nutrição, saúde e bem-estar, inclusão social, entre outras, extraídos de
Patel, Majuisse e Tembe (2018).

69
6.1. A ortografia das línguas bantu
A ortografia, assim como outras habilidades linguísticas já
aprendidas, são muito importantes na aprendizagem de uma língua.
Enquanto habilidade linguística, a ortografia é o culminar das
aprendizagens que vem adquirindo sobre uma dada língua. É por isso
que, em contextos de educação formal, a leitura e a escrita são duas
das habilidades fundamentais sobre as quais depende a avaliação do
desempenho do aluno. O aluno que não apresente um domínio
aceitável de leitura e da escrita dificilmente poderá desenvolver
outras habilidades do conhecimento, podendo estar sujeito ao
fracasso escolar e a uma consequente limitada mobilidade
socioeconómica.

De acordo com Patel et all (2018), o rendimento na escrita, mais que


outro indicador, é considerado o principal indicador de desempenho
escolar do aluno e dos sistemas educativos. É por isso que, quando a
maior parte dos alunos não tem bom desempenho na leitura e escrita,
a qualidade do sistema educativo é questionada, o que pode levar à
perda da sua credibilidade.

6.2. Tipos de escrita


A escrita pode ser subdividida em duas modalidades, a saber: a
escrita não compositiva e a escrita compositiva. Estas duas
modalidades de escrita são exploradas a seguir:

6.2.1. A escrita não compositiva


A escrita não compositiva é aquela que não implica
necessariamente uma estruturação textual, compreendendo
apenas pequenos segmentos ou frases simples. As listas para
compras, perguntas para um questionário, uma ficha de leitura e
um texto de tomada de notas, a par do resumo, são exemplos de
textos não compositivos. Ao resumirmos um texto, por exemplo,
também estamos no processo de escrita não compositiva.

6.2.2. A escrita compositiva


Contrariamente à escrita não compositiva, a escrita compositiva é
aquela que envolve maior rigor na estruturação textual, desde a
selecção vocabular, a selecção dos articuladores, a coesão e
coerência. A maior parte dos géneros textuais pertencem a esta
modalidade de escrita. Por exemplo, os textos administrativos, os
literários, multiuso, jornalísticos, de chamada de atenção e os
normativos são de natureza compositiva. É esta modalidade que
vai ser trabalhada e praticada nesta fase.

6.3. Sinais de pontuação


As línguas bantu usam os mesmos sinais de pontuação existentes
na língua portuguesa para indicar situações idênticas
respeitando, contudo, as particularidades da língua, sobretudo as
decorrentes das tentativas de se ser o mais fiel possível à
linguagem oral (como o caso do uso do ponto de exclamação
para indicar os ideofones ou partículas interjectivas). Assim, de
uma forma geral, recomenda-se o uso da seguinte pontuação:

a) Ponto final (.): para marcar o fim de frase;


b) Ponto de interrogação (?): para assinalar a pergunta (ou
dúvida), mesmo que a frase contenha outros recursos;
c) Ponto de exclamação (!): para exprimir admiração, ou outra
emoção mais forte;
d) Reticências (...): para marcar a interrupção de uma frase;

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e) Vírgula (,): para indicar uma pequena pausa;
f) Ponto e vírgula (;): para indicar uma pausa mais prolongada
ou para marcar diferentes aspectos da mesma ideia;
g) Dois pontos (:): para anunciar o discurso directo ou para
introduzir uma explicação;
h) Aspas («») ou as vírgulas altas (“): para indicar a reprodução
exacta de um texto ou para realçar uma palavra ou expressão
por motivos de ordem subjectiva;
i) Parênteses [( )]: para intercalar, num texto, a expressão de
uma ideia acessória.
j) Travessão (-): para indicar, nos diálogos, cada um dos
interlocutores ou para isolar num contexto, palavras ou frases
(neste caso, é utilizado antes e depois da palavra ou frase
isolada);
k) Colchetes [ ]: para indicar um texto destacado, por exemplo,
traduções bíblicas com escritos que não aparecem em alguns
manuscritos antigos.
l) Travessão (-): tal com os colchetes, para indicar um texto
destacado, por exemplo, traduções bíblicas com escritos que
não aparecem em alguns manuscritos antigos.

Sumário

A escrita é um dos principais indicadores do desempenho


escolar. Ela é subcategorizada em compositiva e não
compositiva. A prática da escrita é uma actividade que deve ser
contínua para o aprimoramento da sua escrita.

Auto-avaliação

Lê com atenção o texto que se segue

Todos nós procuramos pelo bem-estar e qualidade de vida no dia-a-dia.


Todos queremos viver com mais saúde. Bem-estar é estar de bem com a
vida. É procurar sempre o equilíbrio entre o corpo e a mente. Este equilíbrio
propicia uma vida saudável. A nossa alimentação é um indicador do nosso
bem-estar. Uma alimentação saudável é por si só um caminho para um
estado de saúde adequado. Comer bem não é comer muito e muito menos
comer pouco. Comer bem significa comer alimentos variados todos os dias.
Para além dos alimentos básicos, é importante comer frutas e legumes. As
frutas e legumes protegem o corpo contra as doenças. É preciso comer
alimentos variados todos os dias. Alguns pratos da comunidade são
saudáveis. Também é muito bom saber aproveitar os produtos locais como

73
frutas, legumes que nos protegem contra doenças (Patel, Majuisse e
Tembe 2018).

Faça uma tradução contextualizada do texto para a sua língua bantu.


Gostou da actividade? Então, elabore um texto genuíno na sua língua
debruçando-se sobre os hábitos alimentares da sua comunidade.

Exercício
Elabore um texto de natureza expositiva (argumentativo ou
explicativo) na sua língua moçambicana de trabalho.
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