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A LITERATURA DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

A história de São Tomé e Príncipe é um tanto quanto similar à de Cabo Verde,


pelo seu carácter insular. Nos dois territórios verificam-se o chamado fenómeno
da crioulização. No campo literário são-tomense, é a partir de Caetano da Costa
Alegre que a literatura começa a afirmar-se, porém só com Francisco José
Tenreiro a literatura são-tomense se solidifica. Uma das temáticas cultivada na
produção literária daquele arquipélago é o denominado ciclo da roça.
Palavras-chave: roça, negrismo, negritude.  
Este trabalho tem por objectivo apresentar os resultados da leitura sobre a literatura de
São Tomé e Príncipe.
Antes de me centrar no tema principal do trabalho a que me proponho, convém ter uma
noção sobre a história de São Tomé e Príncipe. De acordo com Russell Hamilton, “as
ilhas de São Tomé e Príncipe ostentam um processo aculturativo algo diferente do que
ocorreu em Angola e Moçambique”. À semelhança de Cabo Verde, as ilhas de São
Tomé e Príncipe eram desabitadas até à chegada dos navegadores portugueses.
Entretanto, diferentemente de Cabo Verde, a miscigenação étnica e cultural foi travada,
embora a produção literária são-tomense viesse a reflectir o contacto de culturas.
Convém ainda salientar que, diferente de Cabo Verde (a partir de 1654), segundo
Hamilton, São Tomé conseguiu recuperar de uma crise económica interna. Após um
período de glória nas plantações da cana-de-açúcar (1530-1700), o declínio da
indústria açucareira deu lugar a uma ascensão no cultivo do café e do cacau. Este
factor propicia, na literatura, a introdução do tema da roça tanto na narrativa como na
poesia de São Tomé e Príncipe.
Falando propriamente sobre a produção literária do arquipélago são-tomense, Manuel
Ferreira aponta a obra poética Equatoriaes, 1896, do escritor português Almada
Negreiro como a mais antiga obra literária relacionada com o arquipélago de São Tomé
e Príncipe, ao mesmo tempo que afirmava que a obra de Alexandre Pinheiro Torres A
Terra de meu pai, 1972, era a mais recente, até à época.
Dentro do chamado ciclo da roça, Hamilton realça as obras Maiá Póçon, 1937, de
Viana de Almeida, um “filho-da-terra”, mestiço; Roça, 1960, de Fernando Reis, um
português do Ribatejo, mas com longos anos de residência em São Tomé; A Estufa,
1964, de Luís Cajão, um romance sobre os contratados na segunda ilha de Príncipe
A narrativa relativa à roça, segundo Hamilton, apresenta uma perspectiva idílica e uma
ideologia muito próxima ao regionalismo romântico.
Segundo escreve Inocência Mata, “Será, porém, com Caetano da Costa Alegre,
falecido em 1890, e cujos versos haviam sido publicados dispersamente nos últimos
anos do século XIX, designadamente no Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro,
que as manifestações literárias são-tomense começam a delinear-se como sistema”.
Hamilton defende que “Caetano da Costa Alegre tem a distinção de ser o primeiro
poeta importante de São Tomé e Príncipe”. Manuel Ferreira acresce: “Consideramo-lo
o caso mais evidente de negrismo da literatura africana de expressão portuguesa”.
O negrismo na obra poética de Costa Alegre, na perspectiva de Ferreira, é a expressão
de uma alienação do autor diante da forte carga racista da sua época. Costa alegre
“Exprime a situação desencantada do homem negro numa cidade europeia, neste caso
Lisboa. Versos é, porventura, a mais acabada confissão que se conhece, quiçá mesmo
nas outras literaturas africanas de expressão europeia, do negro alienado. Costa
Alegre, não se dando conta (impossível, diríamos, no século XIX e no tempo cultural e
político da área lusófona) das contradições que o bloqueavam, faz-se cativo da sua
condição de humilhado”.
O poeta produz uma poesia influenciada pelo racismo de que era vítima. Por ser negro
e viver numa sociedade com um elevado índice de racismo, o poeta forja, na sua
poesia, temas de índole rácica como argumentos de defesa. Alfredo Margarido, citado
por Hamilton, diz que “A obra poética de Costa Alegre é escrita num dos momentos
mais críticos da evolução social do arquipélago, quando de uma economia ainda com
fundamentos esclavagistas e feudais, se transita, de forma muitas vezes violenta, para
uma economia de tipo capitalista, com base no latifúndio e na monocultura, onde as
culturas ricas do cacau e do café punham termo à vida limitada, embora folgada, dos
filhos-da-terra que, durante quase três séculos, tinham governado o arquipélago”.
Noventa e seis dos poemas de Costa Alegre foram publicados após a sua morte por
Artur da Cruz Magalhães, em 1916, com o título de Versos. Segundo Manuel Ferreira,
“Versos fica como o primeiro e único texto onde o problema da cor da pele actua como
motivo ― e de uma forma obsessivamente dramática”. Conforme comenta Inocência
Mata, “é uma obra que já indica uma incipiente percepção das diferenças rácicas,
estruturada em metáforas antitéticas, com uma dimensão auto-contemplativa e de
pendor nativista (pela valorização da cor negra) ”.
Sem sombra de dúvidas, Costa Alegre marca o início de uma produção literária
tipicamente são-tomense. Apesar do seu pouco tempo de vida, o seu legado mantém-
se estável na literatura de São Tomé.
Se Costa Alegre lança praticamente os fundamentos da literatura de São Tomé, é com
Francisco José Tenreiro que esta se solidifica, com a publicação da obra Ilha de Nome
Santo em 1942: uma colecção de poemas escritos na sua juventude. “É pacífica a ideia
de que os fundamentos irrecusáveis da literatura são-tomense começam a definir-se
com precisão em 1942, com Ilha de nome santo, de Francisco José Tenreiro”. Nos
dizeres de Manuel Ferreira, “é também são-tomense o poeta que primeiro, em língua
portuguesa, chamou a si a expressão da negritude. Trata-se de Francisco José
Tenreiro (1921- 1966), que irá assumir uma posição inversa à de Costa Alegre”.
Tenreiro ganha destaque por ser o primeiro escritor da África lusófona a cultivar
a negritude na sua criação literária. Se o negrismo de Costa Alegre era a expressão de
submissão do negro ao racismo, a negritude surge no sentido oposto, ou seja, trata-se
da valorização e exaltação dos valores e, sobretudo, do homem negro.
“Há uma distância solar, como se vê, entre a humilhação da Costa Alegre e a
glorificação dos valores culturais africanos por parte de Francisco Tenreiro que
obviamente corresponde à amplitude consciencializadora que vai do século XIX ao
século XX”. Apesar da sua condição de mestiço, ou seja, com a possibilidade de se
rever, ao mesmo tempo, do lado africano e europeu, Tenreiro não esquecia a sua
origem africana.
De acordo com Manuel Ferreira, Tenreiro apresentava atitudes diferentes quando agia
ou como poeta da negritude ou como mestiço. Apresentava poemas longos de versos
longos para a negritude e poemas curtos de versos curtos enquanto mestiço.
Inocência Mata afirma que “foi uma das figuras proeminentes entre os jovens
estudantes africanos em Lisboa, todos eles exilados geográfica, psicológica ou
culturalmente, que darão um novo impulso à dinâmica cultural estudantil com o delinear
de um plano de conferências e discussões de vária ordem sobre questões africanas a
realizar no Centro”.
“O título Ilha de Nome Santo, o subtítulo Novo Cancioneiro e as secções do volume,
«Romanceiro», «Ciclo do álcool», «3 Poemas Soltos» e «Cancioneiro», apontam, com
certa ironia, uma perspectiva destinada a pôr em questão aspectos da experiência
colonial e a elevar a crioulidade sãotomense” [sic].

Obras consultadas:
1. FERREIRA, Manuel. Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa – I. Instituto
de Cultura Portuguesa. Lisboa. 1977. (edição electrónica)
2. HAMILTON, Russell. Literatura Africana – Literatura Necessária II –
Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe. Edições 70.
Lisboa. 1984.
3. LARANJEIRA, Pires. Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa.
Universidade Aberta. Lisboa.1995.
4. PAZ, Olegário; MONIZ, Olegário. Dicionário breve de termos literários. 2ª ed.
Editorial Presença. Lisboa. 2004.

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