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Cantata pra Alagamar

Texto: Waldemar José Solha


Música: José Alberto Kaplan

1. Introdução
Narrador:
Começa com o Pró-terra,
Financiando o gado e a cana,
As terras se valorizam,
A negociata se dana,
Lavouras são destruídas,
Famílias pobres, varridas
A ambição fica insana.
Chamada I
O ano é setenta e quatro,
Com dez de Revolução,
Os países do petróleo,
Tomaram resolução,
De cobrar de todo mundo,
Um gemido mais profundo,
Em troca da produção.

O governo brasileiro,
Sentindo esse contratempo,
Reuniu seu ministério,
E resolveu nesse momento,
Substituir gasolina,
Pelo produto da usina,
Que demonstrou seu talento.
Foi então que o Proálcool,
Botou dinheiro em ação
Pra cana suficiente
Partiu para promoção
De investimentos maiores
Pras terras que eram melhores
A incentivar a plantação.

E assim, da noite pro dia


Latifúndios valorizados,
Ficaram ainda mais caros
E foram negociados
Sem se medir consequências,
Sem se poupar delinquências,
Sem olhar prejudicados.

Nem governo, fazendeiros,



 
Nem SUDENE, nem usinas,
Vendedores, compradores,
Em meio a charutos, piscinas
Pensaram nos moradores,
Nos pobres agricultores
Ao descobrirem essas minas.

Mas, aparece o conflito


Pois o Estatuto da Terra,
Do presidente Castelo
Tem um artigo que berra:

Jogral:
- O Arrendatário terá
Na venda que ocorrerá
A preferência da terra

Narrador:
E diz mais Castelo Branco:

Jogral:
- Se o proprietário em segredo
Fizer a negociata
O arrendatário sem medo,
Antes do fim de um semestre,
Desfará o golpe de mestre,
Agindo o quanto mais cedo
- Basta o apurar o valor
Da propriedade em questão
Depositá-lo em cartório
Por mais que movam a ação,
E reafirmem o contrário,
Ele será o proprietário,
A quem a lei dá razão
2. O Estatuto da Terra
Tenor Solista:
Ao ilustre senhor que é Presidente
Dessa grande nação que é brasileira
General que usa estrelas da bandeira
Nos seus ombros sinal que é onipotente
Nós queremos pedir pela presente
Atenção às famílias da pobreza
Que em Pedras de Fogo com nobreza
Só das terras tirando o seu sustento
Vem agora erguer esse lamento

 
Por desmandos dos donos da riqueza.
Coro:
Vem agora erguer esse lamento
Por desmandos dos donos da riqueza.

Não é só Pedras de Fogo


Nem São Miguel de Taipú
Nem Cruz do Espírito Santo
Nem Fazenda Mucatú

É o povo de Alagamar
Ai, ai, ui, ui!
Que já está ficando nu.

Tenor Solista:
Confiando em Sua Excelência
E no Exército pronto pra acudir
É que os grandes se botam a invadir
Estas terras que são de subsistência

O Senhor, porém sabe, Sua Excelência


Que dentro dessa sua Revolução
O Estatuto nos dá a proteção
E hoje nós invocamos esta lei
Contra quem na barriga tem um rei
Praticando assim a subversão.
Coro:
Contra quem na barriga tem um rei
Praticando assim a subversão.

O Estatuto da Terra
Manda INCRA definir
Onde a Reforma Agrária
Tem urgência de agir

E Alagamar vem agora


Ai, ai, ui, ui!
Seu direito exigir

É fácil de perceber
A forma de escorpião
Do ano sessenta e quatro
A favor foi do patrão

Mas o Estatuto saiu


Ai, ai, ui, ui!

 
E agora entrou na ação.
Narrador:
Na fazenda Mucatú
Foi que começou o conflito
Quando correu a notícia
Deixando seu povo aflito
A terra, durante o sono
Tinha mudado de dono
Estava feito o delito

Pior, porém, foi saber


Que iam ser despejados
As roças desmanteladas
Os frutos todos jogados
A cana ia tomar conta do sítio
De ponta a ponta

Jogral:
Ficamos todos danados!

Narrador:
Na Capela houve alvoroço,
Houve reza, houve missa,
Frei Hermano em seu sermão
Clamou contra injustiça:

Voz I:
Eles vão querer mais lucro
Mas montaram burro xucro
Vão se danar co’a justiça!
Vão lá pra Federação
Exijam as providências
E enquanto não atendidos
Não percam a paciência
O Arcebispo Dom José
Já me explicou como é
A luta da Não-Violência
Chamada II
Voz I e Jogral:
Primeiro é nunca matar
Segundo, jamais ferir
Terceiro, estar sempre atento
Quarto, sempre se unir
Quinto, desobediência
Das ordens de sua excelência


 
Que podem nos destruir.
3. Canção da Não Violência I
Coro:
Primeiro é nunca matar
Segundo, jamais ferir
Terceiro, estar sempre atento
Quarto, sempre se unir
Quinto, desobediência (Unir)
Das ordens de sua excelência (Unir)
Que podem nos destruir.
Voz I
O Egito mudou de rei
Conta a história sagrada
Tanto perseguiu os hebreus
Que eles saíram na estrada
Desobedecendo a ordem
Com a divina contra ordem
De enfrentarem a jornada
Mas essa é a nossa Canaã
Pelo Estatuto da Terra
Nossa Terra Prometida
Quem sabe isso não erra
Vários anos no deserto
Em busca de solo fértil
Com medo de fazer guerra

Narrador:
Os moradores clamaram
Direto à Federação
Domingo estavam na feira
Só as mulheres que não
E elas viram pistoleiros
Feito caubóis verdadeiros
Descerem de um caminhão
4. Recitativo I
Tenor Solista:
Vinte e três apearam na Capela
Começando ligeiro a destelhá-la
E diante das mulheres a chorá-la
Um trator se chegou bem perto dela
Os capangas prenderam a janela
Em um cabo que à maquina ligaram
Num puxão suas taipas desabaram
Entre gritos, pavor, ranger de dentes
Em seguida os pedaços, os dementes

 
Carregaram no carro e transportaram
Coro:
Em seguida os pedaços, os dementes
Carregaram no carro e transportaram
Narrador:
Frei Hermano chego lá
E riu da intenção brutal, disse:

Voz I:
O Posto de saúde funcionará
Ao normal debaixo do cajueiro

Voz I e Jogral:
Ai, ai, ui, ui!
E a missa será campal!
Chamada III
Voz II:
- Irmãos!

Narrador:
Gritou para o povo
O Arcebispo Dom José

Voz II:
Vou lhes contar uma história
Que não precisa de fé
Um pai às portas da morte
Querendo a família forte
Passou a mostrar como é

Chamou cada um dos filhos


E fez um pedido incomum:
Menino me traga uma vara
E a quebre sem medo algum
E foi logo obedecido
Pelo grupo entristecido
Sem que falhasse nenhum.

Em seguida deu nova ordem


Com a pulsação mais avara
Meus filhos quero de novo
Que cada traga outra vara.
E agora ajuntem tudo
E entregue pro mais parrudo
Pra que a lição fique clara


 
O filho mais entroncado
Recebeu o feixe disposto
E o velho disse-lhe: Quebre!
O moço torceu o rosto
Retesou a musculatura
Dobrou em dois a estatura
Até afrouxar com desgosto

E disse ao pai: Não consigo!


O velho disse: Está bom.
Queria mostrar que a cantiga
Não pode ter outro tom:
Os fracos têm essa sorte
De unidos ficarem fortes
A união tem esse dom!
5. Canção do Rio Que Alaga o Mar
Tenor Solista:
Irmãos! Lá no estado de Minas
Vi uma nascente minar
E em um riacho arisco
Chamado de São Francisco
Aos poucos se transformar
Coro:
Enquanto seus companheiros
Descem pras bandas do Sul
Esse São Francisco cresce
E ruma lá pro Nordeste
Crescendo que só a peste
E no meio já é azul

E as pontes se alargando
E mais rios se juntando
As margens vão se afastando
Essa enchente vai passar
E a união vai aumentando
Pro Nordeste caminhando
E o rio alaga o mar

São Francisco faz milagre


Movimenta a nossa usina
Desaba na Paulo Afonso
Disparando as turbinas
Vem clarear o nosso lar
Operar nosso tear
Ativar a oficina

 
A metade em nosso povo
Vive na zona rural
E se unida feito as águas
Terá um poder anormal
Igual ao que tem corisco
Igual ao de São Francisco
E a milícia nacional

E a união vai aumentando


Igual ao do São Francisco
Essa enchente vai passar
E o rio alaga o mar
6. Recitativo II
Tenor Solista:
Frei Hermano foi logo intimado
A prestar depoimento aos militares
Por pregar comunismo nos altares
E ensinar violência em todo lado
Dom José quando soube do recado
Empenhando pro frade todo apoio
Comparou sua voz a de um aboio
De um vaqueiro a cantar pra seu rebanho
Se por ela apanhar, também apanho
Pois de ele é riacho, eu sou arroio
Coro:
Se por ela apanhar, também apanho
Pois de ele é riacho, eu sou arroio
Narrador:
O que Frei Hermano fez
Não foi atentar contra o Velho
Nem terrorismo, emboscada
Eu penso nisso e me engelho
O que Frei Hermano fez:

Narrador e Jogral:
Ai, ai, ui, ui!
Foi pregar o Evangelho.
7. Nosso Irmão da Segurança I
Tenor Solo:
Queria que nosso irmão
Que é na segurança
Viesse viver neste chão
Comer farinha e feijão
E como um galo na rinha

 
Lutar para ganhar o pão
Soprano Solista:
Veria que a segurança
Não se obtém com terror
Melhor que toda a repressão
Tivesse transformado
Metralhadora em arado
Tanque de guerra em trator
8. Recitativo III
Tenor Solista:
Mas em Pedras de Fogo
Houve outra frente
A Usina Olho d’Água enviou um aviso
Através de um oficial de juízo
Que chegou com soldados
E ar urgente
Narrador:
Todos tinham seis meses, e somente
Pra deixar as casas da fazenda
Era a lei que não tinha mais emenda
Porque a Usina queria plantar cana
E derrubaria casa ou cabana
Que a fosse impedir de aumentar a renda.

Jogral: - Mas as casas nós fizemos!


Narrador:
Disseram os moradores
A Usina respondeu

Voz III:
Não vamos guardar rancores!
Podem arrancar as casas

Voz III e Jogral:


Ai, ai, ui, ui!
E levar para os senhores!
9. Recitativo IV
Tenor Solista:
Mas abriu-se outra frente na quadrilha
Na fazenda chamada Retirada
Foi vendida apesar de arrendada
Pra usina chamada Maravilha.
Narrador:
E assim se avoluma esta cartilha
Com mais essa pobreza injustiçada

 
Co’a humildade fugindo ameaçada
Co’as pessoas unidas tendo peito
De lutar para impor o seu direito
Mesmo contra a pressão da força armada.

Mucatú piorou nesse sufoco


Dom José tomou mais providências
Apelou para muitas consciências
Conseguiu dinheiro e não foi pouco
Pra comprar a fazenda e sobrar troco.

Entretanto, ficava o tal problema:


Mucatú não estava só na algema
Ao redor a injustiça se espalhava
E o dinheiro para todos não bastava
Mucatú deveria virar lema.

Jogral:
O Estatuto da Terra determina
Que em áreas que tem muitos posseiros,
Arrendatários ou então parceiros,
Se a tensão social nelas domina,
A Reforma Agrária é a medicina.
E por isso o Arcebispo concluiu:

Voz II:
Voltará o dinheiro de onde saiu.
Mucatú deverá, pela Reforma,
Combater qualquer que seja a forma,
E servir de exemplo a quem a seguiu.

Narrador:
Na Fazenda Retirada,
Piorava a situação:
Abel Joaquim Batista
E seu vizinho em ação
Antônio Oliveira Pinto,
Se viram formando um cinto
No avanço da opressão.

É que a Usina queria,


No seu excesso de gana,
Trinta posses que havia em frente,
Fechar numa ilha, com cana.
Mas os dois, feito porteira,
Impediam a derradeira
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Loucura da mente insana.

Os tratores arrasaram
As bananas, macaxeiras,
Da viúva Maria Henrique,
Com as lâminas e esteiras.
Em seu lugar nasceu a cana,
Que numa visão sacana,
Virou palha e, após, fogueira.

Por isso e que os trinta grupos,


Dependem de Antônio e Abel,
Pois se eles são dominados,
Todos queimam feito papel.
Ou então chegarão pra Usina
Dizendo a luta termina,
Chamem já o seu bacharel.

Voz III:
E se pedirem direitos,
Querendo indenização,
A usina vai rir de todos,
Dizendo tão loucos não.
Ninguém quer que vocês saiam

Voz III e Jogral


Ai, ai, ui, ui!
É de vocês esse chão!
10. Canaviais Feito Exércitos Fardados
Tenor Solista:
Nos pesadelos do povo já avançam
Canaviais feito exércitos fardados
Que dos dois lados chegam já bem apressados
Baionetas aos milhares em silêncio sem cornetas
Coro:
Nos pesadelos do povo já avançam
Canaviais feito exércitos fardados
Que dos dois lados chegam já bem apressados
Baionetas aos milhares em silêncio sem cornetas
Tenor Solista:
Tratores tanques lembravam
11. Nosso Irmão da Segurança II
Tenor Solo:
Queria que nosso irmão
Que é na segurança
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Viesse viver neste chão
Comer farinha e feijão
E como um galo na rinha
Lutar para ganhar o pão

Soprano Solista:
Veria que a segurança
Não se obtém com terror
Melhor que toda a repressão
Tivesse transformado
Metralhadora em arado
Tanque de guerra em trator
Narrador:
Na Fazenda Alagamar
O dono, Antônio Galvão
Chegou mais três pistoleiros
E fez a provocação
Parou a caminhonete
E disse pros seus valetes:
Voz IV:
- Devastem a plantação!
Narrador:
Cinquenta e sete valentes
Enraizavam macaxeira
Na roça comunitária
Pra negociar lá na feira
E atender a despesa
Da luta que estava acesa
E não parecia ligeira

Os pistoleiros chegaram
Apontando seus trinta-e-oitos
Chamada IV
Narrador:
Os homens se entreolharam
Os calmos pros mais afoitos
Com alei da Não-Violência
Era preciso ter paciência
E aos bandidos dar coito.
12. Querem Que a Gente Guerreie
Coro:
Querem que a gente guerreie
Pra descer o pau no povo
Ou eles vem medo
Mas eu daqui não me movo
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Arranquem logo as manivas (Não me movo)
As ordens são positivas (Não me movo)
A gente planta de novo
Mas eu daqui não me movo
A gente planta de novo
Narrador:
E assim os três bandoleiros
Tiraram doze mil plantas
E Antônio Galvão gritou:

Voz IV:
- Plantar de novo não adianta!
Dezembro solto o meu gado
Faço um estrago danado,
Brincou, eu corto a garganta.

Vou trazer um caminhão


De Timbaúba, Pernambuco,
Cheio de homens armados,
Metralhadora, trabuco
O governo quer a cana,
Quem reagir vai em cana,
Ou morre, ou fica maluco.

Jogral:
De repente estourou a novidade,
Mucatú entregou-se a uma festa
Que por toda região se desembesta
E se espalha por todas as cidades:
É que a luta com sua intensidade
Pelos mil e duzentos hectares,
Que do campo saltara até os altares,
Tinha tido uma vitória desmedida:
A desapropriação foi conseguida
E de dez mil e duzentos hectares!

Narrador:
Na Fazenda Alagamar
O entusiasmo foi grande.
Mais o proprietário agride
A Não-Violência se expande.
Sempre a uma sua maldade
Surge uma dura bondade
De modo que a causa ande.

Se o gado destrói a lavoura


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Logo já está no cercado.
Se a cana destrói o milho,
Clareia com o milho plantado.
13. Canção da Não Violência II
Coro:
Quinto desobediência (Não me movo)
Das ordens de sua excelência (Não me movo)
Se o gado destrói a lavoura
Logo já está no cercado.
Se a cana destrói o milho,
Clareia com o milho plantado.
Narrador:
E agora escutem o caso
Que fez o grande ficar raso
E o povo emocionado:

A polícia foi prender


A mando de seu Galvão,
Quem tinha prendido o gado
E replantado o feijão.
Separou uns quatro nomes
O povo disse:

Jogral:
- Esses homens estavam sozinhos não!

Narrador:
O tenente disse:

Voz I:
- Só esses foram os denunciados
Portanto, subam no jipe,
Os outros ‘tão dispensados.

Narrador:
Porém, o povo insistiu:

Jogral:
- Tenente, você ouviu,
Todos aqui são culpados.

Voz I:
Então eles entrem no jipe,
E o resto que siga a pé.
Jogral:

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- O tenente me desculpe,
O senhor sabe como é,
Eles não são mais que a gente.
Vá indo de jipe na frente,
Nós vamos tudinho a pé.

Narrador:
O tenente, percebendo,
Quer não poderia com cem,
Engatou o jipe em primeira
E disse:

Voz I:
- Está muito bem.
Vamos pra Itabaiana,
Pagar a cana em cana
E eu acho que eu vou também...
Chamada V
Narrador:
Mal iniciou-se a marcha
O povo danou-se a cantar.
A chuva caiu nessa hora,
Seguiram bem devagar
E com a água tão fria,
Cresceu em muito a alegria,
Foram-se andando a dançar.
14. Ó Minha Gente I
Tenor Solista:
Ó Minha gente
Que é isso agora
Tanta alegria
Nessa terra não se chora?
Coro:
Chorar na chuva gostosa
Chorar nessa alegria
Sentir a terra cheirosa
Chorar no romper do dia
Soprano Solista:
Ó Minha gente
Que é isso agora
Tanta alegria
Nessa terra não se chora?
Coro:
Chorava, ô Seu José
Chorava e ainda se chora
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Mas só os que longe da gente
Ficaram então de fora
Tenor Solista:
Ó Minha gente
Que é isso agora
Tanta alegria
Nessa terra não se chora?
Coro:
Chorar pra que, meu amigo?
Pra que se a vitória é certa?
Se essa nossa caminhada
Mudará a nossa história
Soprano Solista:
Ó Minha gente
Que é isso agora
Tanta alegria
Nessa terra não se chora?
Coro:
Meu povo eu chega vejo
Que será desse país
Quando todo mundo forte
Se juntar também me diz
Narrador:
Já era noite fechada
O juiz cantou de esperar.
E o delegado, sozinho,
Foi quem viu o povo chegar.
Avistou o jipe na frente,
Atrás o horror de gente,
Danou-se a gaguejar.

Voz II:
- Mas é homem e mulher,
Velho, criança, menino!
O que é isso, seu tenente?
Jamais vi tal desatino!

Jogral:
(Tudo sorrindo calado,
Sem medo, desassombrado,
Pra enfrentar seu destino.)

Narrador:
O delegado então disse;

Voz II:
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- Hôme, vocês vão s’embora.
Se todos vão pra cadeia,
Quem é que fica de fora?
Tomem aqui cem cruzeiros,
Comprem logo dois candeeiros,
Vão pras suas casas, agora!

Narrador:
Uma visão esquisita,
No meio da noite, formosa.
Uma multidão caminhava
Na chuva diluviosa,
Só com aqueles candeeiros
Servindo-lhes como luzeiros,
Dançando coco de roda.
15. Ó Minha Gente II
Coro:
Chorar pra que, meu amigo?
Pra que se a vitória é certa?
Se essa nossa caminhada
Mudará a nossa história
Narrador:
De repente, porém, um susto
E essa festa acabou.
Diante do córgo cheio
O entusiasmo encruou
A água estava ruidosa,
Passando bem volumosa
E o pavor espalhou.

Alguém, porém, se lembrou,


No meio da chuvarada,
De um sermão de Dom José
Sobre sua luta avançada:
Que era uma travessia
E só o povo que se unia
Que terminava a jornada.

A multidão entrou n’água,


Ligada na amarração.
Os candeeiros bem altos
Faziam a iluminação.
Um menino puxou o choro
Mas um velho puxou o coro
E o medo perdeu a questão.

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16. Vamos Arrochar as Mãos
Coro:
Vamos arrochar as mãos
E Juntar bem nossos braços
Avançar na correnteza
Sem afrouxar nossos laços
Podem ver que o aperreio
Está bem firme num freio
Vamos arrochar as mãos
E Juntar bem nossos braços

Que desabe a tempestade


Trovão canhões de transforme
Que venha a enchente e o dilúvio
E o mar vermelho se torne
Nada disso impedirá
O povo que o cruzará
Por dentro com força enorme
Essa enchente vai passar
E o rio alaga o mar!
17. A Usina
Tenor Solista:
Entre as terras em luta
Correm rios sombrios
Peixes mortos já boiam
Tristes, vazios
Pescadores famintos
Olham canas e pensam
Na moagem, na química
Suja que elas fazem

Jogral:
De setembro a maio a desgraça dura
E apodrece a água que era tão pura.

Tenor Solista:
Se alguém olha para o rio
Não vê sua imagem
Voz III:
Eu vi lá em Mata-de-Vara
De São Miguel de Taipú
A roça cheia de zebu.
Pra mim foi um tapa na cara.

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Voz IV:
E essa visão não é rara,
O mesmo se dá em Lameiro
E não será o derradeiro
Ligar que não sobra nada

Voz I:
O mesmo houve em Alvorada.

Jogral:
Isso não tem paradeiro.
Chamada VI
Voz II:
Antes da Revolução
Nenhum dos grandes queria
Trabalhador que aderia
À sindicalização.
18. O Sindicato I
Tenor Solista:
Hoje não tem exceção
Pois todo latifundiário
Quer exatamente o contrário
Coro:
Por que o Sindicato agora
É o que mais colabora
Pra o povo ficar precário.
Voz III:
Fundou-se o Funrural
Numa grande melhoria
Deu-se aposentadoria
E assistência social,
Dentista mais hospital.
19. O Sindicato II
Tenor Solista:
Mas eu não sou cabra moço
Posso dizer sem sobroço
Que agiram com sutileza
Coro:
E deram a sobremesa
Pra gente esquecer o almoço.
Voz II:
Pro nosso órgão de classe
Foi golpe quase fatal.
Quiseram com o Funrural
Que a nossa união acabasse
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E o Sindicato ficasse
Um mamulengo idiota
Pro grande fazer marmota
Com essa nossa miséria
Que é coisa muito mais séria
Que o esparadrapo que bota.

O Sindicato é escola
Pra ensinar o direito
Dos que trabalham no eito
E não precisam de esmola.

Nasceu daquela degola


Do sangue das nossas Ligas
Tragédia cheia de intrigas
Que houve em sessenta e quatro
Sendo o Nordeste o teatro
Daquelas ferozes brigas.

O Sindicato de veras
Tinha muita energia
E a consciência crescia.
Mas isso é de outras eras
Não somos aquelas feras
Que os proprietários temiam.
20. O Sindicato III
Coro:
Somos só gatos que miam
A desfiar ladainhas
Rezando Salve-Rainhas
Do jeito que eles queriam.

Voz IV:
Na Índia existiu um homem
Que livrou o país da Inglaterra.
Magrinho, porém brilhante,
Do tipo que fala e não erra.
Seu nome famoso era Gandhi
E o seu exemplo foi grande
Pra quem quer livrar sua terra.

Dizia: Matar não adianta,


A Inglaterra é poderosa.
E começou a ensinar
A sua lição milagrosa:

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O que é preciso é ter calma
E soltar a força da alma
De maneira vigorosa.

Dom José quer com ele


Fazer a nossa alam parruda.
Ensinar a nossa gente
A não calar, ficar muda.
A sentir a emoção
Que existe na multidão
Quando se junta e se ajuda.
Chamada VII
Narrador:
Em novembro de setenta e oito
O Presidente chegou a João Pessoa.
A notícia nos campos já ressoa,
Todos vêm com faixas à cidade
Pra insistir no direito à propriedade.
A polícia, no entanto, não consente
Que ninguém chegue junto ao Presidente,
Toma as faixas e o povo não vai embora.
Se reúne na praça e canta agora
O hino que Geisel ouve atentamente.
21. Hino de Alagamar I
Coro:
Alagamar, meu coração
Teu povo humilde esperando a solução
Nossa vitória fica na história
A tua glória é a nossa união.
Nossa vitória fica na história
A tua glória é a nossa união.
Voz I:
- O que é que esse povo quer lá em baixo?

Narrador:
Geisel pergunta e não lhe escondem:
Chamada VIII
Voz II:
- É dez mil hectares, lhe respondem,
Se não der, a eleição aqui irá abaixo.

Voz I:
- Pode ser que se possa voar mais baixo
E dois mil hectares já bastassem,
O proprietário e o povo se alegrassem
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E o problema perdesse a intensidade.

Voz II:
Talvez não houvesse essa necessidade
Se pra eleição sete dias não faltassem.
22. Canto Final
Coro:
O povo de Alagamar
Festejou essa conquista
Mas sabe que dois não é dez
Não tem defeito na vista
Continua Não-Violento
Nunca será conformista

Que desabe a tempestade


Trovão canhões de transforme
Que venha a enchente e o dilúvio
E o mar vermelho se torne
Nada disso impedirá
O povo que o cruzará
Por dentro com força enorme
Essa enchente vai passar
E o rio alaga o mar!
23. Hino de Alagamar II
Coro:
Alagamar, meu coração
Teu povo humilde esperando a solução
Nossa vitória fica na história
A tua glória é a nossa união.
Tenor Solista:
Teu povo forte sem violência e sem guerra
Numa luta pela terra e a boa produção
Da agricultura que nosso povo consome
E quem consagra teu nome
Não se curva à invasão.
Coro:
Alagamar, meu coração
Teu povo humilde esperando a solução
Nossa vitória fica na história
A tua glória é a nossa união.
Soprano Solista:
Não temos ódio, nem preguiça, nem vingança
Mas temos a esperança da nossa liberdade
Pra nosso povo ter produtos agradáveis
Nós somos os responsáveis por sua alimentação
22 
 
Coro:
Alagamar, meu coração
Teu povo humilde esperando a solução
Nossa vitória fica na história
A tua glória é a nossa união.

23 
 

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