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che a nossa alma de alegria.

Entra- rua, a mala na mão, e a carta fora


o VÔO DOS 'emas no altar.do homem, do ho- deixada em cima da mesa. Carta?
pASSARaS SELVAGENS memque enche a nossa alma de ale- Não. Umas poucas linhas: "Eu não
gria. Entraremos' no altar do homem, peço nada. Nem mesmo compreen-
Aldemar Conrado do homemque enche a nossa alma são."
de alegria. MÁRIO - Joana .. .
(Para José Otavio de Freitas Ir. e MÁRIO- (lá no palco) . A ce- MARIA - Eu quero quefique bem
Aloisio Magalhães, o passado mais lebração desta noite será: o amor do claro isto: você não precisa ter ne-
querido. E Para Vanessa e Aurora) mulher e do homem. nhum compromisso comigo. Você
presente e Futuro). não deve pensar em tudo que deixei
MARIA - (lá no palco). Acele-
bração desta noite será: o amor da por tua causa. Só me interessa o teu
mulher e do homem. amor: se ele existir realmente.. .
PERSONAGENS:
MÁRIO- Eu não vou te dizer
MÁRIO (Se necessário) devemcolocar adere-
ços para os diversos personagens que nada. Eu vou apenas segurar a tua
MARIA mão. Me dê sua mão, Joana.
irão interpretar. Mário e Maria) si·
OOUTRO lenciosamente} servem-sede drinques, (Maria entrega a mão a Mário. Ca-
e logo após o primeiro gole) cumpri· minha gravemente para a platéia.
Que quer o amor nUJis que ser dos melltam-se eencaminham-se para um Corte de luz. Luz volta em resistên-
outros? ponto determinado que será sempre cia. Mário e Maria estão sentados.
Como umsegredodito lias mistérios) reservado para as representações.) Maria borda. Mário lê um jornal)
seja sacro por nosso.
MARIA- Agora, estou aqui. Ateu MARIA - Você não fala. Você
(Ficções do Interlúdio - 372 - lado, com sempre de~jei . Não. Não nunca diz nada. Comemos em silên-
Ricardo Reis) faça nenhumgesto. Não diga nada. cio. Passamos a noite em silêncio. E
Todas as coisas já forampor demais na cama, mantemos o mesmo silên-
discutidas. Oproblema foi examina- cio. Duas vidas construídas de silên-
do por todos os ângulos. Mas eu cio. O que é que está nos acoatc-
não pude mais. Se te constrange, pos- cendo, Pedro? Isto será comum num
ATO ÚNICO ;0 ir embora. Mas nãoera mais pos-
casal de cinco anos? Eu passo o dia
sível viver aquela situação falsa. O te esperando com mil coisas para te
NOITE N9 1 marido já não era mais. Nem mesa contar. Você transpõe a porta e eu
mo os filhos eram mais. Eu olhava já não tenho mais nada para dizer.
para aquelas paredes, Ô meu Deus, Um frio'misíerioso penetra na casa
CENÁRIOS:
e elas me pareciamocas, e no en- contigo. Há o beijo costumeiro. O
Três Planos: tanto, dentro delas, eu tinha que con- almoço ou o jantar. E o silêncio. O
tinuar a minha falsa existência. Com silêncio. Existe uma outra.
Um} para o presente; um maridoque eu já não podia mais
tocar. Com uns filhos, que represen- MÁRIO- Hein?
O segundo} para o passado e o ter· tavam para mim grades de prisão. MARIA - Será muito simples. Se
ceiro, para a casa do outro. Olhava paraeles e me dizia: por cau- existe uma outra, você vai. (o rosto
sa deles, você não pode partir. Por de Mário se ilumina). Sim. O que é
Pela Platéia, entram Mário e Maria.
causa deles, você não pode ser feliz, que você pensava? Que eu te queria
MÁRIO E MARIA - (Encaminhan· junto de Marcos. Mas eu não fui fei- amarrado a mim? Amarrado a pre-
do-se para o palco) . Entraremos no ta para viver entre grades. Não. conceitos estúpidos? Avida se refaz.
altar do homem, do homem que en- Quando vi, de repente já estava na Eutambém possoencontrar uma pesa 29
soa e me refazer. (Mário levanta- MARIA - Eu estou com fome mes- (A mesma observação para a noite
~se) . Você pode ir agora se quiser. mo. Não brinque... 1l~ 1: Se necessário, devem colocar
E me desculpe, não ter percebido MÁRIO - Tem legumes na gela- adereços para os diversos personagens
antes. (Mário vai se afastlmdo). Eu deira. que vão interpretar. Os mesmos mo-
te amo tanto que não podia querer vimentos da noite n9 1 devem ser
te causar nenhum sofrimento. (Ma- MARIA - Eu sei. repetidos: Drinques, etc.)
ria fica sozinha). MÁRIO - Então, vamos fazer uma
linda salada. Cenouras, batatas, pe- MARIA - Você está linda, Gear-
(Corte de luz. Luz volta em tess- pinos, alface, um pouco de orégano. gette.
tência. Mário, de Joellios, comprime
MARIA - Você faz a salada esta MÁRIO - Verdade?
a cabeça no ventre de Maria.)
noite? MARIA - Nunca te vi tão bem
MÁRIO - Sim. É possível escutar. MÁRIO - Mas a gente faz sempre assim,
Ofruto, lá dentro, batendo, batendo. tudo juntos... MÁRIO - Emagrecium pouco, não
Onosso fruto. Eu e você, aqui den- é mesmo? Mas oregimeque tive que
tro, Misturados, amoldados, irreme- MARIA - Hoje, não.
fazer, àsvezes tinha vontade de mor-
diavelmente. Todos os caminhos per- MÁRIO - Por que? rer ... eo médico disse: nemp~sar
corridos, encontrados aqui. Os teus MARIA - Por nada. em sorvete. E você sabe como sou
caminhos. As insônias, esperas, exal-
tações. .. e eu escuto, agora, dentro MÁRIO- Está bem. Então, eu louca por sorvete! Bem, a vaidade
foi mais forte. Enfim, estava com a
de ti, no mais íntimo, todas as vo- vou.
cintura daquela grossura. " não po-
zes que eu escutei e falei. Todas as
(Máriosai. A luz, emresistência, fo- diafazer outra coisa. Você sabe, que-
vezes que amei, desmaei, os encon-
tros todos, os desencontros, reunem- calizaorostodeMaria, atéescurecer ridinha, com essasmulheres dandopor
de todo.) aí, de uma maneira desvairada, se
-se agora, calmamente, e eu meãpa- a gente não se cuida, fica dificílimo
zíguo, enfim! arranjar umrapazinho!
NOITE N9 2
MÁRIO - (Levantando-se Junto ao MARIA - Você era uma graça,
corpode Maria). Não. Não diga na- (Mário e Maria entram, pela platéia, mesmo gordinha .. .
da. com os mesmos paramentos festivos.) MÁRIO- Que gentil, a amigui-
.MARIA - Eu tenho que falar, sim. nha' Escuta aqui. .. casada ou sol-
E preciso que você saiba que tam- MÁRIO E MARIA - (Encaminhan- teirinha da silva?
bém os meus caminhos se encontra- do-se para o palco). Entraremos no
altar do homem, do homem que eu- MARIA - Sozinha.
ramcom os teus, aqui,dentro de mim.
Você tem que estar seguro que... che a nossa alma de juventude. En- MÁRIO~ Mas que é isto, queri- o

traremos no altar do homem, do ho- da? Tanto garoto aí dando sopa!


(Pausa. Maria despede-se do perso- mem que enche a nossa alma de ju- MARIA- Pois é. .. não consegui
nagem.) ventude. Entraremos no altar do ho- mais,
mem, do homem que enche a nossa
MÁRIO - Por que você não con- alma de juventude. MÁRIO- Tá virando santa? Ou
tinua? pensa que pode virar cabaço de no-
MÁRIO - (Já 110 palco). A cele- vo?
MARIA - Me deu fome, Mário. bração desta noite será: o amor que
não ousa dizer o seu nome. MARIA- Desde aquela noite .. .
MÁRIO - Fome? Fome? Maria
está com fome! Caiam dos céus gali- MARIA - Oamor do homem pelo MÁRIO - Que noite?
nhas ao molho pardo, caviar, arroz, homem. Oamor da mulher pela mu- MARIA- Aquele pileque que a
30 farofa... Iher. gente tomou) lembra?
MÁRIO - E é pra lembrar, que- I rente. Depois, parei epensei: não im- teu nome, através dos outros. Teu
ridinha? Nô dia seguinte, quando a porta, o amor é sempre um cami- nome tinha que me vir através de
memória voltou, fui correndo aos ca- aho sagrado. Qualquer que seja oca- ti. E como eu tambémme esgueira-
puchinhos receber uma bênção. Ima- minha. E fiquei calma. Senti neces- va, eu tawbémtinha medo, eu tam-
gina olesbianismo. Eu e você: bicha sidade de te dizer tudo agora. Não bém me dizia: você nunca vai saber
com bicha. sei bem a qualidade do teu afeto. como ele se chama. Agora, teu nome
MARIA _ Não fale assim.. . Mas quero te prevenir, .Lila, que vou entra em mim, pela tua voz. Os nos-
comecar a tua conqaista. O amor sos nomes se encontram, se mistu-
MÁRIO - Não vai dizer que ga~ não consente em ser sozinho. Você ram, cantam: aleluia.
mau! não precisa dizer nada agora. Quis (Pausa grave. Maria afasta-se e des-
MARIA - Não pensou em outra apenas que tudo ficasse muito claro. faz-sedo adereço do personagem Ro-
cOIsa ... Quando a minha mãote tocar, é um berto.)
gesto de amor. Como agora ...
MÁRIO - Enlouqueceu, abicha! E MÁRIO - Por que você parou?
logo pra cima de mim! Ah! queri- (Maria faz uma levecarícia no rosto
dinha, antes uma boa morte a ser de Mário. Este lentamente segura a MARIA - Estoucomfome, Mário.
gamação de bicha amiga. Mas, meu mão de Maria e beija-a.) MÁRIO - Você vive com fome,
Deus, quem fez este serviço para ci- Maria.
ma de mim? Só pode ser praga de MÁRIO - Você não está sozinha.
MARIA - As pessoas comem, Má-
bicha mineira! Tchau... tchau ... rio. Para isso trabalham, fazem re-
(A braçam-se. Corte de Luz. Luz vol·
quando a doença passar, me procure,
ta em resistência. Mário e Maria, de voluções.
tá, bem? Tchau, maluquinha. :. (Má-
costas, juntos.) MÁRIO - Deve ter ainda alguma
rio sai).
cenoura na geladeira.
MARIA - Eu te amo. MÁRIO- Teu nome?
MARIA - Roberto. MARIA-- Não tem mais.
(Corte de luz. Luz voltaemresistên- MÁRIO - É verdade. Nós come-
cia. Mário e Maria, frente a frente.) MÁRIO - Roberto?
mos no almoço ...
MARIA - Sim. Por que?
MARIA - Não sei bem como co- MARIA - E o que é que a gente
meçou. Sei apenas que a tua pre- MÁRIO - Cada dia eu te dava um faz?
sença voltava insistente. Às vezes eu nome, João, Carlos, Otávio, Nelson... MÁRIO- O que sempre fizemos
adivinhava teus passos. Mesmo sem cada dia eu te batizava com um no- quando isto acontece. Ir para a eS-
que nada tivéssemos combinado, eu me diferente. E julgava impossível, quina e atrair um bom velhote que
sabia se você chegava. Eu me dizia: vir a saber o teu nome verdadeiro. esteja a fimde um programa.
são os passos da Lila. E você apa- Não me interessava perguntar aos ou-
recia. Antes, nada acontecera de pa- tros. O teu nome tinha que me vir MARIA '- Hoje é a minha ou a
recido. Os namoradinhos de todo através de ti. E como eu me esguei- tua vez de trabalhar?
mundo. Mas agora, eu sei, o amor rava, como eu tinha medo, eu me MÁRIO- Hoje é a minha vez.
é com você. Odesejo de permanecer é dizia: você não vai saber nunca co- Fica tranqüila. Prometo caviar para
com você. A vontade de conspirar mo ele se chama. Agora, teu nome esta noite. Com este verão, as ruas
contra tudo e contra todos é com entra em mim, pela tua voz. devem estar apinhadas de velhotes do
você. Mas sei bem o que você pensa MARIA - E o teu? interior com os bolsos recheiados da
disto tudo. Eu mesma nunca pensei MÁRIO- Pedro. nota. Me dá um beijo, Maria.
sobre nada parecido. Só posso dizer
que estou calma. Houve um certo MARIA - Eu também te batizava (Maria oferece-lhe o.rosto. Mário sai.
momento agoniado, quando olhei em cada dia com um nome diferente. A 4 luz entra em resistência, detendo-
volta c disse: comigo vai ser dife- mim também não interessava saber -se 110 rosto agoniado de Maria.) II
NOITE N9 3 MÁRIO - Sobre o que, Maria? tativas de separação, sempre volta-
MARIA - Sobre a minha decisão. mos. É verdade, sim. Reconheço. Mas
(Mário e Maria entram) pela platéia, existe um dado novo agora. Antes,
como das vezes anteriores..Mesmos MÁRIO - Falar
. .\ tudo de novo? pelo menos da minha parte, a gente
paramentos e mesmos gestos.) Repetir as mesmas coisas? Chegar- ia ao encontro de um nova pessoa.
mos às mesmas conclusões. Agora, não se trata de nada disto.
MÁRIO E MARIA - Entrarei no al-
MARIA - Desta vez é diferente. Eu não vou partir somente para uma
tar do homem, do homem que enche outra pessoa, mas para um outro
a minha vida de alegria. Entrarei no MÁRIO - Sempre foi diferente.
mundo. Você me entende? Eu não
altar do homem, do homem que en- Sempre é diferente.
suporto mais o mundo criado por
che a minha vida de alegria. MARIA - Você pode pensar as- você. Essas celebrações cada noite...
sim. Fica mais cômodo para você. esse mundo de fantasia ... já fui san-
(Já no palco Maria tira os paramen- Mas desta vez é diferente.
tos.) ta, puta, heroína, bicha, mas nunca
MÁRIO - Diferente em que? eu, eu, EU. Já nem sei mais quem
MÁRIO - Que houve? sou. Uma frase que sai da minha
MARIA - Fiz uma opção.
MARIA - Hoje não quero fazer boca, não sei se é minha ou não. Eu
MÁRIO - Então, não se trata de me sinto ocupada por você. E isto
nenhuma celebração.
um novo encontro? Trata-se de uma não está certo. Não pode estar certo.
MÁRIO - Por que? opção? União de dois é bacana, claro. Uma
MARIA - Quero sair. MARIA - Não brinque assim. convergência de opinião, está legal,
também. Mas mistura de dois, não
MÁRIO - Podemos sair, sim. Pa- MÁRIO - Não estou brincando. pode ser. Eu quero voltar a ser Ma-
ra variar. Que tal um teatro? Sempre Você quem usou a palavra. Pompo-
ria novamente. Eu! Com tudo que
tem um amigo que arranja convite. sa demais para o meu gosto. Você
que possa haver de pequeno, de mes-
MARIA - Não. não falou de amor. Vceê disse: op- quinho. Mas eu, eu, eu. E não esta
MÁRIO - Você quer ir a um ci- ção. mistura esquisita de dois seres:Ma-
nema? Dizem que tem um filme ... MARIA - Exato. Mas isto não ria e Mário. Vai ser bom nara você
MARIA - Também não. significa que não exista amor tam- também. Você também nrecisa voltar
bém. a ser Mário, e não MárioMaria.
MÁRIO - Passear de ônibus tam-
bém não é possível. O que é que MÁRIO - Então, existe amor? MÁRIO - Então o problema é a
você quer fazer? Sair para onde? MARIA - Sim. mistura de nós dois?
MARIA - Para um outro, Mário. MÁRIO - Tem certeza? MARIA - Sim. Um deles. E tal-
Eu quero sair para um outro. vez o mais importante.
MARIA - Claro que sim.
~ÁRIO' - Eu acho que você tem
(Pausa. Mário prepara um drinque; MÁRIO - Quantas vezes já nos razão, sim.
desiste, joga fora. Dirige-se para um dissemos - a mesma coisa?
atabaque) começa atocá-lo ritimada- MARIA - Mil vezes. Mas não im- MARIA - Você acha?
mente) com certa fúria.) MÁRIO - Tem razão mesmo em
porta. Não importa mesmo. Uma vez
constatar esta mistura. É verdade. Nós
MARIA - Você quer parar? é para valer. Ou você acha que es-
somos um só. Mas eu não me im-
tamos amarrados para sempre?
. MÁRIO - Você gostava ... porto com isto. Até quero. Acho mes-
MÁRIO - Nunca achei isto. Mas mo o objetivo a ser atingido.
MARIA - Hoje não estou afim. você sabe muito bem ... MARIA - Você está louco? Co-
MÁRIO - Está afim de que, então? MARIA - Sei perfeitamente o que mo se pode querer perder a própria
MARIA - Você quer conversar? você vai dizer. Que em todas as ten- identidade?
MÁRIO - A mim pouco importa MÁRIO- Vá! bra? Eu disse: "Tenho medo. Não
o:que incorporei de você. Fiquei mais MARIA - Por que ,,'Otê faloucom suporto mais um fracasso". Você res-
rico. Mais pleno. E foi isto o que pondeu: "No amor não há fracasso.
estetom?
sempre busquei. E o que você sem- Apenas, a gente tem que saber ver
pre buscou também, está lembrada? MÁRIO- Eu não usei nenhum as coisas". Eu me .entreguei às tuas
Como é que nos encontramos? Por tom especial. celebrações, aos teus milagres, ao teu
que continuamos o nosso encontro? MARIA- Usou, sim. Você falou jeito de arranjar dinheiro. Às tuas
Esqueceutudo? de illma maneira COOlO se tivesse cer- madrugadas em trarise ...
MARIA - Não. Nãoesqueci nada. teza de que não rai dar certo. MÁRIO - Em transe, sim ..
MÁRIO - Então? MÁRIO - Claro que não vai dar MARIA - Um copo atrás do ou-
certo, tro. Os cubos de gelo sem nem tem-
MARIA - Você se recusa a com-
MARIA - Por que essa segurança po de se refazerem. E as madruga-
preeader, das.. . .
MÁRIo - Não merecusoa nada, toda?
Maria. Eu nunca me recusei a nada. MÁRIO- Você sabe porque, Ma- MÁRIO - O delírio ...
Apenas acho uma terrível bobagem ria. Agente chega perto da luz, não MARIA - Não suporto mas! Eu'
tudo isto. Mais um desgaste. Não acostuma mais com a escuridão. quero sim a cadeira defronte da tele- .
adianta. Não dá mais fugir. Chega- MARIA - E a luz está com você? visão! O filho mexendo na barriga!'
mos num ponto do qual nãose volta A conta no banco.
mais.'Você sabe disto. Sabe tão bem MÁRIO- A sua luz, sim. Como
a minha luz está com você. MÁRIO - Você está se cowen-
quantoeu cendo realmente.
MARIA ~ Não. Não sei. MARIA - Quanto equívoco, meu
Deus! Você chama a isto de luz? MARIA - Claro. Euestou conven- .
MÁRIo - Sabe sim. Olheemvolta. Não conseguimos na- cida. Só agora você percebeu?
MARIA - Não sei, Mário. Pelo da. Às vezes, nemo que comer. Be- MÁRIO'- Bem. Se é assim ...
contrário, tenho certeza que vai fiel bida? Sempre. Maconha? Quase sem- MARIA - Você concorda agora?
possível partir para outro mundo. pre. Um disco especial, também. Mas
Não exatamente pela outra pessoa. olhe, olhe em volta. Nenhum móvel. MÁRIO - Oque é que posso fa-
Mas 'pelo mundo novo que ele Ire Nemmesmo uma cama para dormir. zer? Fazia parte do nosso pacto: se- .
traz. De que .adiantouonosso encontroem paração com amizade.
MÁRIO - Mundo novo? em termos de construção? O amor, MARIA - Sim. Nós combinamos
Mário, precisa construir algode con- isto.
MARIA - Sim. Mundo novo. Can- creto: um filho, umacasa, um livro,
sei Jessa exãtação permanente. De MÁRIO- Está certo sim. Você
o que quer que seja. Mas algo de deve tentar. (Um tempo). Você pen- :
um delírio a cada minuto. Eu que- concreto. E com a gente, como foi? sa em ir embora quando?
ro calma. Eu preciso de um pouco .
Quando te conheci, você queria es-
de calma. crever um livro. Eu pensava fazer MARIA - Agora.
MÁRIO- Senta-se defronte de teatro. Mas fomos nos absorvendo. MÁRIO- Por que a pressa?
uma televisão.. . Nos misturando. Cada vez mais. Ca-
MARIA - Por que não começar
MARIA - Esperar o marido que da vez mais. Eu passei a querer es- logo? .
volta do trabalho ... crever o livro. Você a querer fazer
teatro. Mas não fizemos nada, ne- MÁRIO- É. Tem razão. Mas é
MÁRIO- Encher a barriga com nhum dos dois: nem o livro, nem o que eu fiquei curioso de repente.
um filho ... teatro. E para mim, isto é definitivo. Gostaria de saber mais, saber os de~
MARIA - Isto! Isto! Um filho, Eu sou mais velha do que você. E talhes.
sim! avisei quando nos encontramos, lem- MARIA - Que detalhes? 33
MÁRIo - Por ezemplo: vocês se MARIA - Contrabando. MARIA - Pedi, sim. E daí?
conheceram onde? MÁRIO - Não. Foi um marinhei· MÁRIO - Vamos esclarecer bem
MARIA - Num parque. ro que me deu. Um louro e alto ma- isto. Quando eu venho ao cais é pra .,
MÁRIO - Num parque? rinheiro alemão. pegar marinheiro, e sempre começa
MARIA - Tem inscrito ... assim: ~'Ei, quer acender meu cigar-
MARIA - Sim. Num parque. Vo- ro?"
cê tem preconceito contra parques? MÁRIO - Lieben. Significa amor.
Nós fomos amantes por uma semana, MARIA - Bem, Eu não sabia...
MÁRIO - De modo nenhum. Eu
amo os lugares. Nós nos conhecemos sabe? Era um alemão engraçado. Ti-
(Mário ri.)
num cais. Era de tarde, lembra? Do- nha uma tatuagem no pau. Joe. Ele
mingo de tarde, precisamente. tinha o nome .Joe tatuado no pau. MARIA - E sempre acendem o
MARIA - Eu ia fazer um teste que ele amara muito.
..
Era o nome de um negro americano . cigarro?
para uma peça e era uma cena de MÁRIO - Nem sempre. Às vezes
adeus. Então fui ver os navios sairem MARIA - Curioso ... tem ocara que diz: "Sai para lá, meu
para observar as diversas despedidas: MÁRIO - Escandalizada? chapa. Estou entendendo a tua. A
da mãe e do filho, do marido e da minha é outra. É uma babaca".
MARIA - Não. De modo nenhum.
mulher, dos amantes. Aeroporto não
MÁRIO - Realmente, não está? (Maria ri)
servia. É sempre tudo tão frio. No
cais, como o apito do navio, a água MARIA - Realmente. MÁRIO - Você achou engraçado?
batendo, o mistério se conserva.
MÁRIO - Você 'é engraçada? MARIA - É a tua maneira de fa-
MÁRIO - E eu tinha ido ver os lar: tão limpa. .. pensando bem ...
MARIA - Engraçada como?
marinheiros. Nessa época adorava eu acho que quero dormir com você.
dormir com marinheiros. MARIO - É sem frescura.
MÁRIO - Você tem o lugar?
MARIA - Sem frescura?
(Mudança de luz. Maria no plano do MARIA - Não. eu moro com umas
passado.) MÁRIO - Sim. Exatamente isto.
amigas. E elas estão numa outra.
Sem frescura. Agente se sente com-
MARIA - Você me empresta seu pletamente à vontade com você. MÁRIO - São fanchonas?
isqueiro, por favor? MARIA - Não. São virgens mes-
MARIA - Isto é ótimo!
(Luz anterior. Plano presente.) mo.
MÁRIO - Também acho. E ainda
MÁRIO - Eu morri de rir. Pensei tem mais: a impressão que tenho é MÁRIO - Coitadas!
comigo: "Essa dona tá a fim de pe- que já te conheço há muito tempo. MARIA -:- Você não tem o lugar?
gar homem. E está usando a mesma Por exemplo: desde ontem.
MÁRIO - Não. Eu não estou mo-
técnica que homem usa pra pegar MARIA - Ontem é muito tempo? rando em lugar nenhum. Onde dá
homem: quer me acender o cigarro,
MÁRIO - Quase outro século. pra dormir eu durmo: na praia, num
por favor? Ou tem fogo?"
banco de jardim, ou então se alguém
(Mudnnça para a segunda luz. Mário (Maria ri.) me convida. Mas não tem problema
e Maria no plano do passado.) MÁRIO - Ainda quer dormir co- não. Agente faz amor na praia mes-
migo? mo.
MÁRIO - Claro.
MARIA - Se ainda quero dormir MARIA - Na praia?
(A cende o cigarro de Maria.)
com você? E eu estava querendo? MÁRIO- Você nunca amou na
MARIA- Bonito o seu isqueiro. MÁRIO - Escuta aqui. Você não praia?
34 MÁRIO - É alemão. me pediu para acender seu cigarro? MARIA - Não. Nunca.
MÁRIO- É legal. Só temde cha- MARIA- É verdade... MAlUA - Trabalha, sim. ~ pro-
to a areia. Mas a gente pode tomar MÁRIO- Foi o nosso encontro, fessor.
banho depois... Maria! MÁRIO - De Latim?
MARIA - E se enxuga como? MARIA - Ei, volte! Não vá mui- MARI~ - Economia Política.
MÁRIO- Ora, o vento.. . to longe! Eu acho que estou amando MÁRIO - Puxa! Deve ser um
você! crânio!
(Primeira luz. Plano presente)
MÁRIO - Não. Não vou muito MARIA - É sim.
MARIA - O amor... o banho de longe. Eu vou sempre estar por pert~
mar... o vento... de você. É só chamar. Eu estarei MÁRIO - Mora num apartamen-
MÁRIO - E aconteceu o primeiro por perto. to bem montado, commuitos livros,
milagre ... quadros na parede, e umventilador
(Primeira luz. Plano presente) para estudar melhor no verão.
(Segunda luz. Plano do passado)
MÁRIO- Eu disse: eu vou estar MARIA - Ar condicionado.
MARIA - Ei, espera, .. você está sempre perto de você.
entrando demais mar adentro .. . vo- MÁRIO- Então a barra 'é boa
MARIA - Eu lembro bem. (Ten- mesmo! Um fusca?
cê vai se afogar... não faça isto! tando fugir à emoção da lembrança).
Meu Deus, aonde fui me meter? Bem. Acho melhor ir embora agora. MARIA- Fusca vermelho.
Vão dizer que afoguei você! Mas o Eu disse para ELE que ainda hoje MÁRIO- Classe média no limite
que é isto? Você está andando sobre levava aminharoupa. Que horas são, exato. Um pouco acima, teria um
as águas! meu Deus? fuscão.
MÁRIO - Vem comigo! É tão
(Mário encaminha-se para oatabaque MARIA- Nós estamos brincando,
bom!
e toca ritmadamente, em tempo de Mário!
MARIA - Mas eu não sei nadar canto fúnebre) MÁRIO - D que se deve fazer?
sobre as águas! Como é que você
MÁRIO- Você ainda não me fa- Chorar? Está bem. Choremos (tira
treinou?
lou dele. uma lágrima do olho). Tome. Uma
MÁRIO - Eu nunca treinei! lágrima. De presente. (Passa a lágri-
MARIA - Você está interessado
MARIA- Nunca treinou? Você mesmo? ma para Maria).
Você quer que eu acredite nisto? MARIA - Virou esmeralda. Asua
MÁRIO- Claro que sim.
MÁRIO - Você tem que acreditar! lágrima virou esmeralda.
Eu nunca treinei. É a primeira vez. MARIA - Nãoé do tipo que você MÁRIO - Um outro milagre.
gosta.
MARIA - A primeira vez? MARIA -- Isto quer dizer ...
MÁRIO - Uai, ele é um chato?
M.~RIO - Sim. Posso jurar se vo-
MARIA - Não. De modo nenhum. MÁRIO - ... que onossoencon-
cê quiser. tro continua!
Mas é tão diferente de tudo que vo-
MARIA - E comoé que pode an- cê gosta!
dar sobre as águas? MARIA - Não! Isto não quer di-
MÁRIO- Bancário? zer nada! Isto é feitiçaria! Pura fei-
MÁRIO - Sei lá! Deve ter sido tiçaria! Nunca houve milagre! Mila-
por causa do encontro da gente. MARIA - Não.
gre nenhum! Você deve ter estudado
MARIA - Você é um farsante! MÁRIO - Um "tira"?
magia quandoconviveu com os mari-
Você deve ter trabalhado em circo! MARIA - Não. Não. nheiros. Eles devem ter lhe ensinado
MÁRIO - Não tem circo sobre o MÁRIO- Nãotem profissão, Vive tudo isto! Você sempre me enganou!
mar... de rendas. Agora está tudo muito claro! 35
MÁRIo ~ A lágrima virou esme- MÁRIO - Isto é que émeio chato. MARIA - Só existia esses?
ralda na sua mão. Então a feiticeira Eu vou ter que ensinar tudo a você.
é você! Enfim. Preste bem atenção. MÁRIO- Tinha havido mudança
de governo, lembra? Quem já tinha
MARIA - Na minha mão ... entrado nas bocas, mal conseguiu se
(O ator aqui deve'improvisar a con-
MÁRIO - Sim.. . quando tocou quista de um velhote por uma pros- segurar. Para os outros, as portas se
na sua mão... titula) fecharam. Austeridade econômica pa-
ra salvar a pátria.
MARIA - É verdade...
Você então trás ele pra cá. Quan-
MARIA - Ebalconista não servia?
MÁRIO- Então.. . do vocês já estiverem trepando, eu
MÁRIO- É tão fácil acusar, Ma-
MARIA - Não, não importa! Esta apareço, banco o marido ultrajado, e
ria. Por que você não procurou otal
não vai me convencer de nada! Está a gente depena o velho. Mas você
emprego honesto? Que linda balco-
bem! O encontro continua! Mas eu deve se assegurar bem se o cara tem
nsta você daria! Ou babá! Você não
não quero saber dele! Que me im- ou não dinheiro. Senão, vai ser uma é louca por crianças?
porta o milagre? merda. Eu tenho a impressão que é
melhor eu ir com você. Sei farejar MARIA - Pra que falar ainda
MÁRIO- É só o que deve im- uma carteira cheia da nota.
mais? Estamos em duas margens di-
portar!
MARIA- Agentevinha comendo ferentes. Para você tudo pode parecer
MARIA - Amim não! Não foi só até agora... muito claro: seu ângulo de visão é
de milagres que o nosso encontro foi outro. Pode até SER claro de verda-
feito! Houve infernos também. Não MÁRIO- Você pensava que o di- de, mas é porque seu ângulo de vi-
se lembra? nheiro aparecia como? Caía do céu? sãoéoutro. Mas euestouvendo tudo
Mas que cara é essa? Não vá me diferente. Não julgo. Não condeno.
(Segunda luz. Plano do passado) me dizer que a pequeno-burguesinha Mas não posso mais! Eu quero ou-
está escandalizada! tras coisas. Pouco me importa como
MARIA - Estou com fome, Má-
MARIA - Nós estamos com fome. você rotule as minhas aspirações.
rio. Há dois dias que não comemos.
Vamos! Teus valores não me atingem mais.
. MÁRIO - É verdade. Há doisdias. Para os milagres, houve os inler-
(Primeiraluz. Planodo presente)
MARIA - Você não está comIo- nos. Para os delírios, as vertigens.
me? MÁRIO- Comemos bem aquela Eu quero ficar parada num canto.
noite, não foi? Quieta. Eu quero paz. Paz, que pala-
MÁRIO- Muita. vra tão bonita! Pouco me importa a
MARIA - Comemos bem a semana
MARIA - Oque é que agente vai inteira. que preço, oucomo! Defronte de uma
fazer, então? televisão, tá bem. Com um filho na
MÁRIO - Mas você ficou sem dor- barriga, tá bem. Conversando com
MÁRIO - É muitosimples. Agen- mlr ... as vizinhas 'sobre problemas domés-
te vai pra rua e pega umhomem, ticos, está bem ainda! Não mais vo-
uma mulher, o que aparecer. Aesta MARIA - Váriasnoites sem dormir cê, Mário. Não quero mais ser acor-
hora, de tarde, é mais fácil você pe- e sem poder tocar emvocê ... dada no meio da noite, depois de
gar um homem. Para mim, só sefos- MÁRIO- Não havia outra saída, um sono conseguido com tanto es-
se de noite. Agora, as mulheres estão você não percebe? forço, para ouvir os teus delírios.
cuidando dos filhos e os viados ten- MARIA - Não foi a única vez. Lembra-se da primeira vez? Pensei
tando ganhar dinheiro para gastar du- (Com violência ). Não se podia ter até que você tinha enlouquecido! Eu
rante a noite. Você já pegou umho- tentado arranjar um emprego hones- não sabia o que fazer. Vontade de
mem no meio da rua? · to? pedir socorro! Mas como? E a quem?
J~ MARIA.- Não, Mário.. . .
MÁRIO- De balconista? (Segunda luz. Plano do Passado)
MÁRIO - Acorde! Acorde, Maria! lo avesso e então disseram: "O ho- MARIA - Sim.
MARIA- Oque éque aconteceu? mem vai ser livre, mas desta forma. MÁRIO- Verdade, Maria?
Asociedade vai ser justa, mas para
MÁRIO- Me escute, Maria. Eu quema domina". E a gente, eu, vo- MARIA- Sim. É verdade.
preciso que você me escute agora. cê, ele, ela, que se danem! Porque MÁRIO- E agora?
Agora. Sabe, Maria, agente tem que os menininhos ousados fizeram sua
fazer um esforço enorme para salvar revoltazinha, mas passarama repetir MARIA - Eu tenho que fazer mi-
as coisas. Está tudo indo pra trás, os mesmos gestos do papai e do vo- nha mala. Eu marquei umahorapara
você percebe? Oque é que estão fa- vô. E parece que vai ser sempre as- chegar. Você não pode compreender
zendo com o homem? Ou talvez a sim. Que não dá pé. Existirão sem- isto?
pergunta seja: o que é que homem pre os torturados, os condenados. E MÁRIO - E agooooora?
está fazendo consigo mesmo? A car- aqueles de sempre: os que serecusa-
nificina continua. As fogueiras já es- ram adizer sim, Ou a silenciar. (Um MARIA - Você quer mesmo sa-
tão acesas para os que não se sub- tempo). Você tem uma visão dife- ber?
metem. É a mesma história de sem- rente das coisas? Se tiver, me diga. MÁRI O~ E agora?
pre. Há um momento, parece, tudo Me diga, por favor! MARIA - Eu... talvez... man-
caminha para frente. Mas de súbito, tenha. .. o mesmo julgamento.
tudo recua, e os mesmos gestos ter- MARIA - Você puxou fumo hoje?
ríveis se repetem, como foramrepe- MÁRIO- Não. MÁRIO - Está bem, Maria.
tidos durante séculos. Olhe ali paraI MARIA - Por que? MARIA - Posso ir fazer a minha
eles. Estão ali sentados, nos olhando. mala? Ou existe alguma outra per-
Olhando só? Aquele ali, pode até MÁRIO- Não estava a fim. E gunta?
pensar que está no papo da gente. além do mais ...
MÁRIO - Não. Não existe mais
Mas quem vai me garantir, que ao MARIA - Além do mais ....
sair daqui, se ele for realmente sub- nenhuma outra pergunta. Pode ir.
metido à uma prova que exija mui- MÁRIO- Queria manter uma in- Mas não vai dar certo . ..
to dele, não vai dizer: "Aquele cara! dependência em relação ao fumo. MARIA·- Por que?
Mas claro! O problema dele é que MARIA - Talvez seja isto. MÁRIO - Porque eu vou dentro de
era viado e tentou se realizar com I você. Não há mais escolha. Nenhu-
MÁRIO - Isto o que?
mulher! Então não podia dar certo. ma possibilidade mais de escolha.
Vejam só o que ele fez. Chegou até MARIA - Você não puxou fumo.
a transformá-la numa puta! Mas ela Já estava acostumado. Então veio a MARIA - Veremos!
também não é lá flor que se cheire! angústia. Quer que eu prepare um (Escurece. ~uz na casa do outro. O
Já coroa e não tinha realizado nada. cigarro? outro está de costas. Maria, de fren.
E ainda sabia tudo sobre ele, desde MÁRIO - Não, Maria! Não se tra- te) ao lado de uma mala)
o início. Como foi que ela o conhe- ta de nada disto!
ceu? No cais, pegando marinheiro. MARIA - Desculpe. Demorei,
Onde já se viu mulher ter desejo em (Primeira luz. Plano presente) sim .. mas é que eu tinha que dar
viado? Ela devia estar querendo era uma explicação a Mário. Enfim, vi-·
ser puta mesmo, mas como nãotinha MARIA - Eu falhei, sim. Reco- vemos juntos um bocado de tempo.
coragem para assumir isto sozinha, nheço. Mas existe uma explicação. É Não dava pra dizer somente: tchau,
partiu para o viadinho desajustado que me ensinaramquegente saudável vou embora. Oimportante é que es-
e dessa maneira encontrava uma des- não se angustia com essas coisas. Só tou aqui. Sabe? Não deu pra trazer
culpa". Você não acha que pode ser gente doente! tudo. Havia só uma mala, e com o
assim, Maria? O mundo está assim. M.4RIO - E você me rotulava de tempo a gente vai juntando tanta ..
Estudaram o homem, viraram-no pe- doente? coisa. Mas eu trouxe o essencial. Se 3'7·
você preferir, não volto mais para sível. Eu me conheço. Já não dá pra MÁRIO - Bem que eu te avisei.
buscar o resto. Enfim, o que ficou mudar. Ou será? Quem sabe? Talvez Você não quis acreditar, Não tem
lá. .. não, eu vou ter que voltar sim. a gente tenha se precipitado um pou- mais solução" Maria. Estamos indis-
Agora me lembrei que esqueci meu co. Ainda não dava pra tomar uma soluvelmente ligados.
isqueiro. Um isqueiro que signiíica resolução como essa de morar junto. MARIA - Vai ter solução, sim.
muito para mim. Tem uma inscrição: Você me daria mais uma oportuni-
Lieben. Um isqueiro muito bonito dade? Eu devo pensar melhor. Não MÁRIO - Qual?
realmente. Presente de minha mãe. é justo a gente partir para um fra- MARIA - Não sei ainda. Mas es-
(A atriz demonstra surpresa de estar casso! Não tenho mais idade para tou aqui para isto. Para encontrar
pronunciando tais palavras). Não. fracassos. E também não é justo pa- a solução. E você, Mário, vai ter
Não foi presente de minha mãe. Não ra você. Bem. Estou tentando ser que me sjidar. Você vai ter que me
vou mentir pra você. :Ê que me lem- honesta. Me dê mais um pouco de ajudar a encontrar a solução.
bra uma tarde... um fim de tarde tempo. Eu preciso pensar um pou-
MÁRIO - Eu tenho que te ajudar
(A atriz faz um esforço visível para co mais. Eu tenho que pensar um
a encontrar uma solução para me
dizer outras palavras) Trabalhou pouco mais. Ó, meu Deus!
abandonar?
muito hoje? Está cansado? E a tele-
visão? Conseguiu consertar? Não? (Maria pega a mala. Escurece. Luz MARIA - Sim. Exatamente.
Ah! Que bom! Atelevisão não con- na casa de Mário) MÁRIO - Você está louca, Maria.
sertou. Pra mim tanto faz. Tanto faz?
Tanto faz, não. Acho ótimo que con- MARIA - Oque é que você fez? MARIA - Louca?
tinue quebrada. Eu odeio televisão. Oque é que você fez comigo? MÁRIO- Claro... como é que
Mas, meu Deus, o que é que eu es- MÁRIO - Oque eu fiz? Não sei pode propor uma coisa desta? Você
tou dizendo? Me desculpe.. não é do que você está falando. não acha que é pedir demais?
que eu odeie propriamente... é que
não estou acostumada! Etudo é uma MARIA - Você sabe muito bemo MARIA _. Não~ Não acho. Muito
que estou perguntando. pelo contrário. Acho que você tem
questão de hábito! Não. Não adianta. obrigação.
Eu não posso mentir. Eu odeio tele- MÁRIO- Não sei. Juro que não
visão. Odeio, sim. Odeio. (Aqui a sei. Sei apenas que estou contente. M.\RIO - Bem... não adianta
atriz deve transmitir que está dizen· Você voltou. Tinha que ser assim. discutir sobre isto. Apenas para en-
do exatamente as palavras que aper- cerrar este papo: mesmo que eu qui-
MARIA - Eu não voltei porque sesse não seria possível.
sonagem gostaria de dizer, mas que decidisse.
está sendo obrigada por uma força MARIA- Não te entendo.
que ela não consegue controlar). Sa- ?vfr\RIO- Ele não quis mais você?
MÁRIO--;- Simplesmente isto : não
be? Televisão me lembra um pouco MARIA - Não foi nada disso. Ele seria possível.
a classe média. E eu odeio tudo que me queria, sim. Mas, de repente, pas-
tenha aspecto de classe média. Oteu sei a dizer as tuas palavras. Por mais MARIA - Por que?
fusca, por exemplo. Eu acho que não força que eu fizesse não conseguia MÁRIO - Porque nós estamos li-
vai dá pé, entende? Eu me esforcei. articular as palavras que eu queria gados, Maria, mesmo contra a nos-
Eu quis tentar. Não pretendi de mo- pronunciar. Era você quem falava pe- sa vontade. Você sabe muito bem
do algum enganar você. Mas agora la minha boca. que não sou partidário do amor até
que me senti aqui dentro e vi a vida a eternidade. Eu sei queo amor tem
MÁRIO- Como é? um tempo próprio. E é como um
que posso levar com você fui possuí-
de de um tamanho horror! Meu MARIA - Foi exatamente assim ciclo que se completa. Nunca acre-
Deus! Visitar os parentes nas tardes como estou te dizendo. Você fa- ditei que um amor acaba, mesmo
de domingo. Ou então subir a serra lava por mim. E eu não conseguia quando ele completa o seu ciclo. O
38 nos sábados. Não. Não vai ser pos- e~~t . I amor nunca acaba, ele apenas com-
pleta o seu ciclo. E a gente pode ante da realidade. Você está disposta I eu te vejo. Porque agora, dentro de
amar de novo. Nós dois, Maria, ain- a esta última tentativa. Eu te garan- mim, eu estou com você. E para
da estamos em plena elaboração do to que será a última; sempre. Pode ter certeza. Para sem-
I

concluído. Inútil, inútil, partir para MARIA _ Nãoentendo muitobem. pre. Não existe mais nenhuma in-
outra pessoa. Porque continuamos, Mas concordo. Contanto que eu pcs- quieta~ão a.acalmar.. Nenhuma dúvi-
nós dois, sendo um só. sa me livrar disto tudo e ser capaz da a lllvestJgar. EXIste apenas uma
de partir. grav~ calma que me pe~et~a e isto
MARIA- Estas coisas não exis-
I , • me munda de uma alegna mespera-
tem. MARIO - E se for o co~trano? dae desconhecida. Agora eu posso
MÁRIO- Você temcerteza? Se o que tento te provar ha tant~ dizer segura e tranquilamente: eu te
MARIA - Total. Tudo isto é de- te.fipo acont.ecer ~ealmente? ~e voce amo. O que apenas precisamos, é
nao conseguir se livrar e partir? de uma adequação.
lírio. Nenhuma raíz na realidade.
MARIA - Então 'é porque não há
MÁRIO- Ô, Maria, será possível? (Ooutro caminha para Mário e bei-
mesmo solução.
MARIA - Será possível o que? ja-lhe a boca. Maria entra e fica
MÁRIO- Está bem. olhando. O beijo se prolonga, e a
MÁRIO- Que as coisas aconte- princípio suave) depois selvagem e os
MARIA- Você vai agora?
çam e você não perceba nada? dois rolam pelo chão. Maria dá um
MÁRIO- Não é melhor que seja grito. Mário e o outro levantam-se.
MARIA - Mas não hánada a per-
logo? O outro, sempre de costas para a
ceber! Ou pelo menos, nada do que
você pretende. MARIA - Sim. platéia) olha para Mário e Maria,
MÁRIO - Você quer mais uma MÁRiO- Então, me dê o seu várias vezes. Depois retira-se com
manto e a sua mala. violência}
prova?
MARIA - Prova de que? (Maria entrega o QUInto_a Mário. MÁRIO - Então, Maria? Ainda
mala ao lado). duvidas? Eu fui você. Viu? Você viu?
MÁRIO - De que somos um só.
De que não existe um limite entre MARIA - Sim. Eu vi.
nós dois? Que estamos moldados SEGUNDA PARTE DA NOITE MÁRIO - Tenho ou não razão?
dentro de um ciclo fechado? N9 3
MARIA - Tem. Sim.
MARIA- Quero sim. (Cenaescurece. Luz na casa do outro MÁRIO - E agora?
MÁRiO- Pois bem, Eu vou à ca- que permanece de costas. Mário, de
(Ouve-se um tiro. Maria corre para
sa do teu amigo como se fosse você. frente) usando o manto de Maria) a
Mala ao lado}. dentro. Mário retira o manto. Maria
MARIA - De que maneira? volta. Mário entrega-lhe o manto.
MÁRIO - Exatamentecomo te dis- MÁR IO- Agora eu tenho certeza. Maria veste o manto.)
se. Vou à casa dele como se fosse O meu caminho é com você. É o
teu mundo que eu quero partilhar. MARIA - Agora temos um cadá-
você.
Cheguei junto de Mário, olhei-o e ver nas mãos.
MARJA- E você acha que vai foi como se olhasse para um estra- MÁRIO - O sacrifício foi feito :
acontecer o que? nho. Nem mesmo a lembrança do por quem devia. O resto é um pro-
MÁRIO- Veremos. Ou a minha quevivemosem comum conseguiu me blema para a polícia.
teoria será provada ou a tua. Se eu comover. O desejo foi de correr para
estiver certo ele não perceberá a di- você, o mais depressa possível. Não NOITE N9 4
ferença. Se eu estiver errado, claro, mais como abrigo, e sim porto está-
ele vai me julgar um louco. Que im- vel, caminho desejado esem fim. Meu (Escurece. Luz primeira. Mário toca
portância tem? Eu me curvarei di- coração está cheio de alegria, agora um atabaque.) 39
MARIA - Agora eu tenho a chave MARIA - Eu não digo somente. problema de sexo. Para mim sexo
de tudo. Sei agora o motivo porque Eu sinto. Você sabe disto, Mário. sempre foi como um copo d'água,
a nossa união é tão completa. Nós Minha vida se define em antes e que a gente bebe, não importa dado
sempre fugimos aos gestos rituais. Os depois de você. por quem. Sempre foi tão simples.
namorados se enlaçam. Nós nunca MÁRIO - Como é que você pode Não sei porque aconteceu comigo as-
nos enlaçamos. Os namorados se ter certeza? sim. Sei muito bem dos grilos que
comprometem. Nós nunca nos com- as pessoas atravessam. Mas comigo
prometemos. Os namorados são fiéis. MARIA - Eu sei. Eu sei.
foi sempre muito simples e muito
Nós nunca fomos fiéis. Os namora- MÁRIO - É preciso que você se claro. Mas com você foi diferente.
dos querem fil:l0S. Nós nunca quise- prove. E que prove a mim, também. Sempre foi diferente ... muito mais
mos filhos. De tanto fugir ao ritual MARIA - Mas que outra coisa te- que um copo d'água para a boca se-
da união entre um homem e uma nho feito senão te demonstrar e me denta. Uma festa. Uma incrível Ies-
mulher, terminamos por criar uma ou- demonstrar isto a cada minuto? Que ta. Mário ... fechei os olhos e estou
tra ... outro tipo de prova você precisa? pensando em você. No meu pensa-
MÁRIO - ... mais verdadeira por· MÁRIO - Eu quero que você dur- mento você é quem me penetra. Má-
que não se tratava de um ritual. Era ma com outro homem. Eu quero que rio ... a festa recomeça. pensei em
uma explosão. Os estilhaços atraí- você tenha prazer com outro homem. você e a festa recomeça. Incrível ...
ram-se e criaram uma matéria nova. Só assim você poderá saber se o pra- incrível ... incrível ...
Compacta. zer comigo é maior. MÁRIO - Agora eu sei que o teu
MARIA - É possível. É possível. MARIA - Será preciso mesmo isto} amor é de verdade.
MÁRIO - Não é apenas possível. MÁRIO - Sim. É preciso. (Escurece. Luz no plano presente)
É verdade.
MARIA- Mas eu dormi com ou-
MARIA - Sim. Mas ... se dói em,tros homens antes de conhecer você. MÁRIO - Você chama isto de in-
'mim? E eu sei que com você é diferente. ferno. Para mim foi o paraíso-.Ali,
naquele momento eu tive certeza que
MÁRIO - Dói em você? MÁRIO - Esses homens estão mui-
você estava comigo para valer.
MARIA - Sim. Emuito. Você sa- to longe no tempo. É preciso agora.
Um prazer agora. Para ser compara- MARIA - Eu não precisava da
be disto.
do ao meu. experiência. Eu já tinha certeza. E
MÁRIO - Você só está querendo o que me ficou foi uma terrível sen-
MARIA - Talvez você tenha ra-
ver o lado da dor. sação de angústia e também uma dú-
zão.
MARIA - É que eu nunca con- vida muito grande.
MÁRIO - Quer fazer a experiên-
segui esquecer o segundo inferno. cia? MÁRIO r: Dúvida? De que? .
Você se.lembra do segundo inferno?
MARIA - Claro. Se isto vai te tra- MARIA - Se você realmente me
M~RIO - O que você chama de zer uma segurança. amava ou apenas me submetia a uma
inferno eu chamo de experiência. experiência alucinada para me arre-
MARIA - Para mim foi um iníer- (A luz entra em resistência e fica um bentar. Porque, sabe Mário, eu acho
no. Bem pior que o primeiro. foco sobre Mário. No fundo, perce- que gente é de certo modo frágil:
be-se Maria fazendo amor com outro não dá para submetê-la a uma ten-
(Luz no plano 'do passado) homem.) são excessiva.
MÁRIO - Não adianta dizer so- MÁRIO - Então? MÁRIO - Frágil?
mente: meu amor é você. Meu en- MARIA - É sempre bom fazer MARIA - Sim, Mário. Gente é
40 .contro é com você.' amor com alguém. Eu nunca tive frágil.
MÁRIO - Frágil? Quem inventou, E faz medo aos que destinaram o comprime-lhea cabeça contra o ven-
criou as torturas, os campos de con- homem à escuridão total. Acredite tre.)
centraç âo, asguerras, as perseguições! em mim, Maria. Não tente fugir. Eu
MÁRIO - E agora? E agora?
MARIA - Eu não consigo conven- sei que pode fascinar o que parece
cer você. Mas o que sei é que agora, ser de todo mundo: a casinha com MARIA - Partir para construir. 'Já
mais do que nunca, é que não vai jardim, o carro no portão. Mas pe- que não há mais dúvida, partir para;
ser mais possível para mim. netre nas paredes - que vazio, meu as construções.
Deus! MÁRIO - Do meu livro.
MÁRIO - Por que?
MARIA- Você não me convence. MARIA - Do meu teatro.
MARIA- Existe uma vítima. Um Eu vou embora!
homem morto. E nós o matamos. MÁRIO - Já que não existe mais
MÁRIO - Não vai embora. coisa dúvida você tem que assumir.
MÁRIO - Você pensa assim? nenhuma. Você vai ficar aqui!
MARIA - E não foi assim? MARIA - Não adianta, Mário. , .MARIA - Você tem razão. Agora
e Ir.
MÁRIO - Ele decidiu. Desta vez é para sempre. Mesmo pa-
MÁRIO - Já que não há mais dú-
MARIA - Ele foi empurrado. Em- ra a solidão. É para sempre. vida .. .
purrado por mim e por você. MÁRIO - Você está falando em MARIA - Já que não existe mais
MÁRIO - Pára, Maria. Não tente definitivo? dúvida nenhuma ...
mais escapar ao que existe entre mim MARIA - Sim. MÁRIO - Nenhuma?
e você. É bom. Ê positivo. E exata-
MÁRiO - Então eu vou matar vo- MARIA - Nenhuma. Nenhuma.
mente porque não repete os gestos de A

ce.
quase todo mundo. Amor é coisa ba- MÁRIO - Eu vou olhar agora pa-
cana, Maria, por que traz um pouco M ARIA- Talvez seja melhor mes- ra você e ver todas as pessoas que
de luz para o caminho da gente. É mo. amei e poderia ter amado.
tão bacana que os abutres tentaram
MARIA - Eu também vou olhar
amaciá-lo, tirar-lhe a sua verdade (Mário puxa uma faca evai enfiando
para você e ver todas as pessoas que
violenta. O que 'é que fizeram com em Maria. Mário começa a gritar e
amei e poderia ter amado.
o amor? Colocaram dois corações ase controlar de dor como se a faca
entrelaçados envolvido por flores do estivesse sendo enfiada nele próprio. MÁRIO - Você já não será mais
campo. Depois fizeram um enjoado Não consegue terminar o assassinato) somente Maria. Você será todos:os
bolo de noiva para celebrá-lo. Você nomes amados.
MÁRIO - Não posso. Não poooso!
pensa que isto foi àtoa? Não. Foi MARIA - Você não será somente
Ador foi em mim!
somente porque o amor de verdade Mário. Você será todos os nomes
incomoda aos que temem a verdade MARIA - Mas eu posso! Vou te amados.
e só aspiram a acomodação. Ao ho- mostrar que estou livre! Me dê a Ia-
MÁRIO - Eu te batizo Sara.
mem pela metade. Coloriram e en- cal
feitaram o amor para tirar-lhe suas MARIA- Eu te batizo José o'tá-;
raízes do sangue, das tripas, do mais (M ário entrega a faca a Maria. Ma- vIa.
íntimo. E conseguiram transformá-lo ria começa aenfiara faca em Mário. MÁRIO - Eu te batizo Érico. Eu
numa porcaria porque assim evitavam Maria tem a mesma reação de Má- te batizo Alexandra.
asua luz reveladora eexigente. Aqui, rio Grita e se contorce como se es-
Maria, entre mim e você, prepara-se tivesse enfiando a faca nela própria. MARIA- Eu te batizo Carlos. Eu
uma bomba terrível que pode ajudar Não consegue terminar a execução. te batizo Nelson.
a eliminar os abutres. Eu sei que a Os dois olham-se. Mário encosta-se MÁRIO - Eu te batizo. Todos os
nossa luz ainda é tosca. Mas é luz! aMaria edescelentamente seu corpo Nomes, todas as possibilidades ... 4l'
Eu te batizo todos os caminhos... CORREÇÕES

(Máriosai voandolentamente)
MARIA- Mas o que é que você No número anterior (97) o títu-
está fazendo, Mário? Não vá muito lo certo da peça de F. Durrenmat é
longe! Eu estou com você agora. Te- "Diálogo Noturno de um Homem
mos as construções a fazer. Teu li- Vil". No mesmo número, a palestra
vro. ~eu teatro. de Fernanda Moníenegro foi prole-
rida na CAL - Casa de Artes de
MÁRIO - Vem comigo, ~aria. Laranjeiras, Rua Rumania 44, em
. MARIA - Mas eu não sei voar! Laranjeiras, Rio de ]aneiro, e não
MÁRIO - Vem comigo! no Centro de Artes Livres como ha-
víamos noticiado.
. ~ARIA - A gente não vai cons-
truir?
MÁRIO - Claro . . . depois a gente
volta ... é só um vôo para dar for-
ça. Vem comigo!
(Maria vôa também e chegajUllto de
Mário.)
MARIA- Eu pensei que não ia
conseguir ... escuta. Será que dá pra
gente passar por Casablanca?
MÁRIO - Por que Casablanca?
MARIA - Por causa de um filme
que vi. O primeiro filme que eu vi
impróprio até 10 anos.
MÁRIO - A gente passa sim por
Casablanca. Mas depois, a gente vai
mais longe. Olha, Maria. .. a gente
fica olhando a mancha azul, enlou-
quecida, rolando pelo espaço, e fica
com mais força.
~ARIA - Incrível .. . é azul! Mes-
mo!
MÁRIO - Como acalma ... como
acalma!

PANO

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