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concluído. Inútil, inútil, partir para MARIA _ Nãoentendo muitobem. pre. Não existe mais nenhuma in-
outra pessoa. Porque continuamos, Mas concordo. Contanto que eu pcs- quieta~ão a.acalmar.. Nenhuma dúvi-
nós dois, sendo um só. sa me livrar disto tudo e ser capaz da a lllvestJgar. EXIste apenas uma
de partir. grav~ calma que me pe~et~a e isto
MARIA- Estas coisas não exis-
I , • me munda de uma alegna mespera-
tem. MARIO - E se for o co~trano? dae desconhecida. Agora eu posso
MÁRIO- Você temcerteza? Se o que tento te provar ha tant~ dizer segura e tranquilamente: eu te
MARIA - Total. Tudo isto é de- te.fipo acont.ecer ~ealmente? ~e voce amo. O que apenas precisamos, é
nao conseguir se livrar e partir? de uma adequação.
lírio. Nenhuma raíz na realidade.
MARIA - Então 'é porque não há
MÁRIO- Ô, Maria, será possível? (Ooutro caminha para Mário e bei-
mesmo solução.
MARIA - Será possível o que? ja-lhe a boca. Maria entra e fica
MÁRIO- Está bem. olhando. O beijo se prolonga, e a
MÁRIO- Que as coisas aconte- princípio suave) depois selvagem e os
MARIA- Você vai agora?
çam e você não perceba nada? dois rolam pelo chão. Maria dá um
MÁRIO- Não é melhor que seja grito. Mário e o outro levantam-se.
MARIA - Mas não hánada a per-
logo? O outro, sempre de costas para a
ceber! Ou pelo menos, nada do que
você pretende. MARIA - Sim. platéia) olha para Mário e Maria,
MÁRIO - Você quer mais uma MÁRiO- Então, me dê o seu várias vezes. Depois retira-se com
manto e a sua mala. violência}
prova?
MARIA - Prova de que? (Maria entrega o QUInto_a Mário. MÁRIO - Então, Maria? Ainda
mala ao lado). duvidas? Eu fui você. Viu? Você viu?
MÁRIO - De que somos um só.
De que não existe um limite entre MARIA - Sim. Eu vi.
nós dois? Que estamos moldados SEGUNDA PARTE DA NOITE MÁRIO - Tenho ou não razão?
dentro de um ciclo fechado? N9 3
MARIA - Tem. Sim.
MARIA- Quero sim. (Cenaescurece. Luz na casa do outro MÁRIO - E agora?
MÁRiO- Pois bem, Eu vou à ca- que permanece de costas. Mário, de
(Ouve-se um tiro. Maria corre para
sa do teu amigo como se fosse você. frente) usando o manto de Maria) a
Mala ao lado}. dentro. Mário retira o manto. Maria
MARIA - De que maneira? volta. Mário entrega-lhe o manto.
MÁRIO - Exatamentecomo te dis- MÁR IO- Agora eu tenho certeza. Maria veste o manto.)
se. Vou à casa dele como se fosse O meu caminho é com você. É o
teu mundo que eu quero partilhar. MARIA - Agora temos um cadá-
você.
Cheguei junto de Mário, olhei-o e ver nas mãos.
MARJA- E você acha que vai foi como se olhasse para um estra- MÁRIO - O sacrifício foi feito :
acontecer o que? nho. Nem mesmo a lembrança do por quem devia. O resto é um pro-
MÁRIO- Veremos. Ou a minha quevivemosem comum conseguiu me blema para a polícia.
teoria será provada ou a tua. Se eu comover. O desejo foi de correr para
estiver certo ele não perceberá a di- você, o mais depressa possível. Não NOITE N9 4
ferença. Se eu estiver errado, claro, mais como abrigo, e sim porto está-
ele vai me julgar um louco. Que im- vel, caminho desejado esem fim. Meu (Escurece. Luz primeira. Mário toca
portância tem? Eu me curvarei di- coração está cheio de alegria, agora um atabaque.) 39
MARIA - Agora eu tenho a chave MARIA - Eu não digo somente. problema de sexo. Para mim sexo
de tudo. Sei agora o motivo porque Eu sinto. Você sabe disto, Mário. sempre foi como um copo d'água,
a nossa união é tão completa. Nós Minha vida se define em antes e que a gente bebe, não importa dado
sempre fugimos aos gestos rituais. Os depois de você. por quem. Sempre foi tão simples.
namorados se enlaçam. Nós nunca MÁRIO - Como é que você pode Não sei porque aconteceu comigo as-
nos enlaçamos. Os namorados se ter certeza? sim. Sei muito bem dos grilos que
comprometem. Nós nunca nos com- as pessoas atravessam. Mas comigo
prometemos. Os namorados são fiéis. MARIA - Eu sei. Eu sei.
foi sempre muito simples e muito
Nós nunca fomos fiéis. Os namora- MÁRIO - É preciso que você se claro. Mas com você foi diferente.
dos querem fil:l0S. Nós nunca quise- prove. E que prove a mim, também. Sempre foi diferente ... muito mais
mos filhos. De tanto fugir ao ritual MARIA - Mas que outra coisa te- que um copo d'água para a boca se-
da união entre um homem e uma nho feito senão te demonstrar e me denta. Uma festa. Uma incrível Ies-
mulher, terminamos por criar uma ou- demonstrar isto a cada minuto? Que ta. Mário ... fechei os olhos e estou
tra ... outro tipo de prova você precisa? pensando em você. No meu pensa-
MÁRIO - ... mais verdadeira por· MÁRIO - Eu quero que você dur- mento você é quem me penetra. Má-
que não se tratava de um ritual. Era ma com outro homem. Eu quero que rio ... a festa recomeça. pensei em
uma explosão. Os estilhaços atraí- você tenha prazer com outro homem. você e a festa recomeça. Incrível ...
ram-se e criaram uma matéria nova. Só assim você poderá saber se o pra- incrível ... incrível ...
Compacta. zer comigo é maior. MÁRIO - Agora eu sei que o teu
MARIA - É possível. É possível. MARIA - Será preciso mesmo isto} amor é de verdade.
MÁRIO - Não é apenas possível. MÁRIO - Sim. É preciso. (Escurece. Luz no plano presente)
É verdade.
MARIA- Mas eu dormi com ou-
MARIA - Sim. Mas ... se dói em,tros homens antes de conhecer você. MÁRIO - Você chama isto de in-
'mim? E eu sei que com você é diferente. ferno. Para mim foi o paraíso-.Ali,
naquele momento eu tive certeza que
MÁRIO - Dói em você? MÁRIO - Esses homens estão mui-
você estava comigo para valer.
MARIA - Sim. Emuito. Você sa- to longe no tempo. É preciso agora.
Um prazer agora. Para ser compara- MARIA - Eu não precisava da
be disto.
do ao meu. experiência. Eu já tinha certeza. E
MÁRIO - Você só está querendo o que me ficou foi uma terrível sen-
MARIA - Talvez você tenha ra-
ver o lado da dor. sação de angústia e também uma dú-
zão.
MARIA - É que eu nunca con- vida muito grande.
MÁRIO - Quer fazer a experiên-
segui esquecer o segundo inferno. cia? MÁRIO r: Dúvida? De que? .
Você se.lembra do segundo inferno?
MARIA - Claro. Se isto vai te tra- MARIA - Se você realmente me
M~RIO - O que você chama de zer uma segurança. amava ou apenas me submetia a uma
inferno eu chamo de experiência. experiência alucinada para me arre-
MARIA - Para mim foi um iníer- (A luz entra em resistência e fica um bentar. Porque, sabe Mário, eu acho
no. Bem pior que o primeiro. foco sobre Mário. No fundo, perce- que gente é de certo modo frágil:
be-se Maria fazendo amor com outro não dá para submetê-la a uma ten-
(Luz no plano 'do passado) homem.) são excessiva.
MÁRIO - Não adianta dizer so- MÁRIO - Então? MÁRIO - Frágil?
mente: meu amor é você. Meu en- MARIA - É sempre bom fazer MARIA - Sim, Mário. Gente é
40 .contro é com você.' amor com alguém. Eu nunca tive frágil.
MÁRIO - Frágil? Quem inventou, E faz medo aos que destinaram o comprime-lhea cabeça contra o ven-
criou as torturas, os campos de con- homem à escuridão total. Acredite tre.)
centraç âo, asguerras, as perseguições! em mim, Maria. Não tente fugir. Eu
MÁRIO - E agora? E agora?
MARIA - Eu não consigo conven- sei que pode fascinar o que parece
cer você. Mas o que sei é que agora, ser de todo mundo: a casinha com MARIA - Partir para construir. 'Já
mais do que nunca, é que não vai jardim, o carro no portão. Mas pe- que não há mais dúvida, partir para;
ser mais possível para mim. netre nas paredes - que vazio, meu as construções.
Deus! MÁRIO - Do meu livro.
MÁRIO - Por que?
MARIA- Você não me convence. MARIA - Do meu teatro.
MARIA- Existe uma vítima. Um Eu vou embora!
homem morto. E nós o matamos. MÁRIO - Já que não existe mais
MÁRIO - Não vai embora. coisa dúvida você tem que assumir.
MÁRIO - Você pensa assim? nenhuma. Você vai ficar aqui!
MARIA - E não foi assim? MARIA - Não adianta, Mário. , .MARIA - Você tem razão. Agora
e Ir.
MÁRIO - Ele decidiu. Desta vez é para sempre. Mesmo pa-
MÁRIO - Já que não há mais dú-
MARIA - Ele foi empurrado. Em- ra a solidão. É para sempre. vida .. .
purrado por mim e por você. MÁRIO - Você está falando em MARIA - Já que não existe mais
MÁRIO - Pára, Maria. Não tente definitivo? dúvida nenhuma ...
mais escapar ao que existe entre mim MARIA - Sim. MÁRIO - Nenhuma?
e você. É bom. Ê positivo. E exata-
MÁRiO - Então eu vou matar vo- MARIA - Nenhuma. Nenhuma.
mente porque não repete os gestos de A
ce.
quase todo mundo. Amor é coisa ba- MÁRIO - Eu vou olhar agora pa-
cana, Maria, por que traz um pouco M ARIA- Talvez seja melhor mes- ra você e ver todas as pessoas que
de luz para o caminho da gente. É mo. amei e poderia ter amado.
tão bacana que os abutres tentaram
MARIA - Eu também vou olhar
amaciá-lo, tirar-lhe a sua verdade (Mário puxa uma faca evai enfiando
para você e ver todas as pessoas que
violenta. O que 'é que fizeram com em Maria. Mário começa a gritar e
amei e poderia ter amado.
o amor? Colocaram dois corações ase controlar de dor como se a faca
entrelaçados envolvido por flores do estivesse sendo enfiada nele próprio. MÁRIO - Você já não será mais
campo. Depois fizeram um enjoado Não consegue terminar o assassinato) somente Maria. Você será todos:os
bolo de noiva para celebrá-lo. Você nomes amados.
MÁRIO - Não posso. Não poooso!
pensa que isto foi àtoa? Não. Foi MARIA - Você não será somente
Ador foi em mim!
somente porque o amor de verdade Mário. Você será todos os nomes
incomoda aos que temem a verdade MARIA - Mas eu posso! Vou te amados.
e só aspiram a acomodação. Ao ho- mostrar que estou livre! Me dê a Ia-
MÁRIO - Eu te batizo Sara.
mem pela metade. Coloriram e en- cal
feitaram o amor para tirar-lhe suas MARIA- Eu te batizo José o'tá-;
raízes do sangue, das tripas, do mais (M ário entrega a faca a Maria. Ma- vIa.
íntimo. E conseguiram transformá-lo ria começa aenfiara faca em Mário. MÁRIO - Eu te batizo Érico. Eu
numa porcaria porque assim evitavam Maria tem a mesma reação de Má- te batizo Alexandra.
asua luz reveladora eexigente. Aqui, rio Grita e se contorce como se es-
Maria, entre mim e você, prepara-se tivesse enfiando a faca nela própria. MARIA- Eu te batizo Carlos. Eu
uma bomba terrível que pode ajudar Não consegue terminar a execução. te batizo Nelson.
a eliminar os abutres. Eu sei que a Os dois olham-se. Mário encosta-se MÁRIO - Eu te batizo. Todos os
nossa luz ainda é tosca. Mas é luz! aMaria edescelentamente seu corpo Nomes, todas as possibilidades ... 4l'
Eu te batizo todos os caminhos... CORREÇÕES
(Máriosai voandolentamente)
MARIA- Mas o que é que você No número anterior (97) o títu-
está fazendo, Mário? Não vá muito lo certo da peça de F. Durrenmat é
longe! Eu estou com você agora. Te- "Diálogo Noturno de um Homem
mos as construções a fazer. Teu li- Vil". No mesmo número, a palestra
vro. ~eu teatro. de Fernanda Moníenegro foi prole-
rida na CAL - Casa de Artes de
MÁRIO - Vem comigo, ~aria. Laranjeiras, Rua Rumania 44, em
. MARIA - Mas eu não sei voar! Laranjeiras, Rio de ]aneiro, e não
MÁRIO - Vem comigo! no Centro de Artes Livres como ha-
víamos noticiado.
. ~ARIA - A gente não vai cons-
truir?
MÁRIO - Claro . . . depois a gente
volta ... é só um vôo para dar for-
ça. Vem comigo!
(Maria vôa também e chegajUllto de
Mário.)
MARIA- Eu pensei que não ia
conseguir ... escuta. Será que dá pra
gente passar por Casablanca?
MÁRIO - Por que Casablanca?
MARIA - Por causa de um filme
que vi. O primeiro filme que eu vi
impróprio até 10 anos.
MÁRIO - A gente passa sim por
Casablanca. Mas depois, a gente vai
mais longe. Olha, Maria. .. a gente
fica olhando a mancha azul, enlou-
quecida, rolando pelo espaço, e fica
com mais força.
~ARIA - Incrível .. . é azul! Mes-
mo!
MÁRIO - Como acalma ... como
acalma!
PANO