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Café com Canela

Ary Rosa

Escrito em São Félix e Pouso


Alegre
2011-2015
Versão Final (2015)
PRÓLOGO - INT. - CINEMA - NOITE
Um cinema de porte pequeno quase todo cheio. O filme já
começou, MARGARIDA, 32 anos, com roupas comuns e o cabelo
mal penteado entra na sala. Ela está transtornada (acabou de
saber da morte de Paulinho, seu filho). Ela se senta na
primeira fileira e assiste ao filme (sofrimento que não é
contido, mas também não é exagerado).

CREDITOS INICIAIS

Enquanto passam os créditos iniciais, ouve-se o diálogo


entre Margarida, Violeta, Marcos, Ivan e Cida no início de
um churrasco feito na casa de Violeta.
SONS DOS PASSOS DE VIOLETA INDO À MESA.

VIOLETA
(tom de elogio - descontraído)
Êta que essa cerveja tá bem gelada!
MARCOS
(tom de elogio - descontraído)
É assim que eu gosto!
SOM DA CERVEJA SENDO ABERTA POR VIOLETA COM UM GARFO.
CIDA
(tom de lamento)
Que inveja! Queria sabê abrir a
cerveja assim.
SOM DA CERVEJA ENCHENDO UM COPO.

VIOLETA
(tom orgulhoso)
Ah, Cida, são anos de prática.
SOM DA CERVEJA ENCHENDO UM COPO.

IVAN
(tom saudosista)
Adolfo abria com o dente.
VIOLETA
(tom exclamativo)
Deus é mais! Com o dente num tenho
coragem, não.
SOM DA CERVEJA ENCHENDO UM COPO.

(CONTINUED)
CONTINUED: 2.

CIDA
(tom de pedido)
Num enche o copo, não, nêga.
(tom de gozação)
Num tô acostumada a bebê.

Marcos dá uma gargalhada. SOM DA CERVEJA ENCHENDO UM COPO.


MARCOS
(tom de gozação)
É mole! Conta outra, Cidão!

SONS DOS PASSOS DE MARCOS APROXIMANDO-SE DA MESA. SOM DA


CERVEJA ENCHENDO UM COPO.
CIDA
(tom de idignação)
Abestalhado! Do jeito que você
fala, a Margarida vai pensá que eu
sô uma pinguça.
MARCOS
(tom de gozação)
E num é?
VIOLETA
(tom repreensivo)
Liga pra ele não, Cida. Marcos
acordou todo engraçadinho hoje.
(tom imperativo)
Levanta aí, povo, que eu quero fazê
um brinde.
SONS DE CADEIRAS SENDO ARRASTADA E PESSOAS FICANDO EM PÉ.

VIOLETA
(tom de brinde com ternura)
Um brinde à vida, que mesmo toda
desencontrada, oferece pra gente
inacreditáveis encontros e os mais
lindos reencontros!
SONS DO TINIDO DOS COPOS.

CENA 01 - EXT. - QUINTAL DE VIOLETA - ENTARDECER

Um quintal pequeno e aconchegante, uma mesa retangular com


seis cadeiras; sobre a mesa uma toalha colorida, pratos,
copos e talheres; no fundo do quintal, uma churrasqueira
móvel; uma porta que dá para a cozinha da casa, a cozinha
leva ao restante da casa. VIOLETA, 27 anos, com um vestido
simples e maquiagem leve, está sentada em uma das pontas da

(CONTINUED)
CONTINUED: 3.

mesa; MARCOS, 30 anos, com camiseta, bermuda e um avental


por cima da roupa, está com um copo de cerveja na mão e um
garfo de churrasco na outra, ao lado da churrasqueira e
atrás de Violeta; MARGARIDA, 44 anos, com um vestido
colorido, maquiada e com o cabelo curto, está sentada à
direita de Violeta, a porta que leva à cozinha está atrás
dela; IVAN, 38 anos, com camisa pólo, bermuda e cabelo
raspado, está ao lado esquerdo de Violeta; CIDA, 50 anos,
com vestido e maquiagem extravagantes, está sentada ao lado
de Ivan; COSME, 07 anos e DAMIANA, 05 anos, filhos de
Violeta e Marcos, estão brincando pelo quintal com FILIPE,
cachorro de Ivan. Todos que estão à mesa tomam cerveja, a
única fumante é Margarida. Já um pouco embriagados, eles
estão em meio a uma conversa.

IVAN
(tom descritivo)
Pensa bem! Um adolescente, filho de
pai repressor e mãe superprotetora,
vindo do sertão e caindo de
paraquedas na capital pra fazê
faculdade.
(tom de constatação)
Num tinha como prestá, né?!
(tom de gozação)
Acho que foi uns seis meses de pura
sacanagem.
(tom de intensidade)
Pense numa putaria... Era eu!
(tom narrativo)
Fiz o que podia e o que não podia,
experimentei de tudo e mais um
pouco... foi um auê! Até que um
belo dia fui prum bar, e lá tava
Adolfo.
Ivan dá um gole de cerveja. Margarida, Violeta e Cida
prestam atenção na história, enquanto Marcos segue fazendo o
churrasco e as crianças brincando com o cão.
IVAN
(tom descritivo)
Ele era um coroa charmosérrimo,
papo bom, de uma inteligência...
(tom de intensidade)
Pense num homem perfeito... Era
Adolfo!
(tom de observação)
Rico ele não era. Na verdade, na
verdade, nunca foi.
(tom explicativo)
Tinha dinheiro, mas gastava tudo
com festa, restaurante, presentes,
viagens... Nunca guardô um centavo.

(CONTINUED)
CONTINUED: 4.

(tom de advertência)
Se tem uma coisa que senhor ninguém
pode falá do Adolfo, é que ele era
mão de vaca.

Ivan dá um gole na cerveja.


IVAN
(tom de paixão e ternura)
Fiquei encantado com aquele homem.
Na verdade, fiquei foi loucamente
apaixonado.
(tom narrativo)
Em uma semana, eu já tava morando
com ele, fazendo planos...
(tom conclusivo)
Uma loucura!

Instante de silêncio.
IVAN
(tom saudosista com ternura)
A melhor loucura da minha vida!

Silêncio.
IVAN
(tom de tristeza)
E depois de vinte anos, o sacana me
deixa sozinho.
Silêncio. Ivan dá um gole maior na cerveja até esvaziar seu
copo.
IVAN
(pensativo - tom de tristeza)
Agora é só saudade! Só saudade...
O olhar de Ivan perde-se. Ele se emociona. Silêncio. Ele
respira fundo.

IVAN
(tom de consolo)
C´est la vie!
(tom informativo -
descontração)
Vô pegá uma cerveja.
Ivan levanta-se e vai em direção à cozinha. Marcos corta
alguns pedaços de carne que estão na churrasqueira e coloca
em um prato.

(CONTINUED)
CONTINUED: 5.

MARCOS
(tom instrutivo, para Ivan)
Pega da gaveta que tá mais gelada.
CIDA
(fala baixo, tom de
ingenuidade)
E eu pensando que era pai e filho.
Violeta ri. Margarida acende um cigarro.

VIOLETA
(tom de gozação)
Só você mermo, Cida!
Cida levanta-se.

VIOLETA
(tom de curiosidade)
Vai pá onde, ninha?
CIDA
(tom de informação)
Vô pro toalete.
Marcos vem em direção à mesa trazendo um prato com carne.
MARCOS
(tom de gozação)
Tá falando bunito, heim Cidão?
"TOALETE".
Marcos ri, pega um pedaço de carne e come.

CIDA
(tom de despeito)
Ah Marcos, vá tomá no cu.
Marcos ri.

MARCOS
(tom de gozação)
Deus é mais! Que grosseria é essa?
Sua mãe não lhe deu educação, não?
CIDA
(tom de advertência e gozação)
Ah, Marcos, fique na sua que
ninguém lhe bole.
Cida sai em direção à porta.

(CONTINUED)
CONTINUED: 6.

MARCOS
(tom de constatação e gozação)
Que onda essa, Cida!
Marcos ri, vai em direção à churrasqueira.

MARCOS
(tom de aviso, para Cosme e
Damiana)
Ei, mininada, bora comê enquanto a
carne tá quentinha.

Cosme, que estava brincando com o cão, vem correndo para


pegar um pedaço de carne. Margarida fica olhando para o
menino. Cosme pega a carne, come e volta para brincar com o
cachorro. Violeta olha para Margarida. Violeta, num
movimento leve acaricia o rosto da amiga. Silêncio.
Margarida olha para Violeta com um semblante de gratidão.
VIOLETA
(tom de curiosidade e ternura)
E ai Margarida, cê vai procurá o
seu Paulo?

MARGARIDA
(tom de incerteza)
Não sei. Muita coisa deve ter
mudado nesses últimos anos. Sei lá,
às vezes ele tá casado, com
filho...
(tom conclusivo)
Não é justo eu aparecer do nada e
transtornar a vida dele de novo.

Violeta dá um sorriso.
MARGARIDA
(tom de curiosidade)
Que cara é essa, Violeta?

VIOLETA
(tom malicioso)
Ouxe, nada.
Ivan volta com uma garrafa de cerveja. Ivan abre a garrafa.

IVAN
(tom de elogio e intensidade)
Pense numa cerveja gelada... É
essa!

(CONTINUED)
CONTINUED: 7.

VIOLETA
(tom de elogio)
Tá um véu de noiva.

Ivan serve Margarida e depois Violeta.


VIOLETA
(tom de gozação)
Tenkiu!

IVAN
(tom de gozação)
Já que é pra falá inglês, vamo falá
direito.

Ivan faz um movimento com a mão ao falar.


IVAN
(tom de ensinamento e gozação
- pausadamente)
É: Thank you!

Violeta repete o movimento com a mão ao falar.


VIOLETA
(tom de esforço e gozação -
pausadamente)
Senkiu!
Cosme entra na cozinha para pegar refrigerante. Ivan faz o
movimento com a mão ao falar.
IVAN
(tom de ensinamento e gozação
- pausadamente)
Não. Thank you.
Violeta repete o movimento com a mão ao falar.

VIOLETA
(tom de esforço e gozação -
pausadamente)
Tenkiu!

Ivan faz o movimento com a mão ao falar.


IVAN
(tom de ensinamento e gozação
- pausadamente)
Não Violeta, presta a atenção:
Thank you.
Violeta repete o movimento com a mão ao falar.

(CONTINUED)
CONTINUED: 8.

VIOLETA
(tom de esforço e gozação -
pausadamente)
Senkiu!
Ivan faz o movimento com a mão ao falar.
IVAN
(tom de ensinamento e gozação
- pausadamente)
Thank you.
Violeta repete o movimento com a mão ao falar.
VIOLETA
(fala com sotaque inglês, tom
de gozação - pausadamente)
Vá pá porra!
Todos riem.

MARCOS
(tom de orgulho)
Essa merece um beijo.
Marcos sai da churrasqueira, vai até Violeta e dá-lhe um
beijo. Todos seguem rindo. Ouve-se um estrondo vindo de
dentro da casa, todos se assustam e olham em direção à porta
para ver o que aconteceu.
MARGARIDA
(tom apreensivo)
Oxente! Que quê aconteceu?
Cosme vem gargalhando da cozinha com um copo de refrigerante
na mão.
VIOLETA
(tom de curiosidade)
Que quê aconteceu, Cosme?
Cosme não para de rir. Todos esboçam um sorriso ao ver o
menino gargalhando.

MARCOS
(tom de deboche)
Endoidô, foi?
VIOLETA
(tom de curiosidade)
Que quê tem de tão engraçado?
Cosme respira fundo, para de rir.

(CONTINUED)
CONTINUED: 9.

COSME
(tom informativo e de gozação)
A Cida caiu na cozinha.

Cosme volta a gargalhar. Violeta levanta-se preocupada.


Margarida ri discretamente da risada do menino.
VIOLETA
(tom repreensivo)
Oxente, Cosme! Não tem graça não.
Antes de Violeta chegar na cozinha, Cida chega ao quintal.
Ela está toda descomposta e trombando as pernas.
CIDA
(tom informativo)
Não foi nada. Não foi nada.
VIOLETA
(tom de preocupação)
Machucô, ninha?

CIDA
(tom informativo)
Foi só uma quedinha. Tô bem!
Cida vai em direção à mesa passando a mão na bunda e
mancando levemente. Violeta senta-se.
MARCOS
(tom de gozação)
Ei Cidão, já tá chumbada, né!?

CIDA
(tom explicativo)
Que nada! Só tô alegrinha.
Cida se senta. Ivan serve cerveja para ela.

VIOLETA
(tom repreensivo)
Não liga pro Marcos, não!
CIDA
(tom de consolo)
Ih, já tô acostumada. Sô a rainha
do mico, mermo.
Violeta começa a rir.

VIOLETA
(tom de pedido)
Ai Cida, conta aquela história do
relógio.

(CONTINUED)
CONTINUED: 10.

CIDA
(tom conclusivo)
Vixi, essa foi o ó.
MARCOS
(tom de curiosidade)
Que história é essa?
VIOLETA
(tom surpreso)
Tu não conhece?

Marcos faz que não com a cabeça.


VIOLETA
(tom de conselho)
Então presta atenção que você vai
adorar.
Cida conta a história gesticulando.
CIDA
(tom narrativo)
Foi assim: eu tava em Salvador na
casa de uma tia rica, irmã de minha
mãe. Era tardinha, e me deu uma
vontade louca de comê acarajé.
(tom argumentativo)
Sabe quando bate aquela vontade
retada...?
Marcos traz carne para a roda de amigos.
CIDA
(tom narrativo)
Então! Resolví ir lá no Mar
Vermelho pra comprá...
MARGARIDA
(tom de dúvida)
Que Mar Vermelho?
Todos ficam pensando.
VIOLETA
(grita, tom de gozação)
É Rio Vermelho, Cida.
Todos caem na risada.
MARCOS
(tom de gozação)

(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 11.

MARCOS (cont’d)
Ouxe, se fosse Mar Vermelho tinha
que levá um cajado pra abrí as água
pro povo passá.

Todos riem. Marcos volta para a churrasqueira.


CIDA
(tom repreensivo)
Então...
(tom narrativo)
... ai eu resolvi ir pro RIO
VERMELHO comer acarajé. Me arrumei,
penteei o cabelo, passei perfume...
(tom de observação)
E fiz a cagada de pegar escondido
um relógio lindo de minha tia. Acho
que era de ouro. E tinha aquelas
presilhas, sabe? Que abre e
fecha...
Cida faz um sinal de como abrir e fechar a presilha do
relógio.

IVAN
(tom explicativo)
Qui nem essa?

Ivan mostra o relógio dela com a presilha igual, abre e


fecha para Cida ver.
CIDA
(tom de confirmação)
Isso mesmo! Desse jeitinho!
(tom narrativo)
Ai, lá fui eu pro ponto de ônibus.
IVAN
(tom de deboche)
Tu foi de ônibus?

CIDA
(tom afirmativo)
Fui.
(tom explicativo)
Naquela época, eu não tinha carro.
Eu era menina, não tinha nem casado
ainda.
Cida dá um gole de cerveja. Cida segue representando com as
mãos os acontecimentos narrados.

(CONTINUED)
CONTINUED: 12.

CIDA
(tom narrativo)
Bom, aí fui eu, linda e formosa pro
ponto de ônibus com o relógio de
minha tia. O ônibus parou, eu
entrei, sentei e fui embora pro
Mar... pro Rio Vermelho. Numa das
paradas, entrou um rapaz muito
estranho, e sentou do meu lado. Eu
fiquei de boa... De repente, eu
ponho a mão no pulso e não sinto
nada. Ai eu já pensei: "o vagabundo
roubou o relógio de minha tia, né?!
Filho da puta!". Eu precisava fazê
alguma coisa, senão eu ia me
lascar. Que é que eu fiz?... Peguei
a bolsa e, discretamente, tirei de
dentro dela um escova de cabelo. E
encostei com o cabo na barriga dele
fingindo que era um revólver. Ai eu
falei: "perdeu, põe o relógio
dentro da bolsa". Ai ele: "mas...
mas...". Eu insistí: "não tem mais
nem menos, perdeu, ponha o relógio
dentro da bolsa". E eu nem olhando
pra cara dele. Ai ele foi lá e
colocô o relógio na bolsa... Na
primeira parada, eu desci. Já tinha
até desistido do acarajé. Quando eu
desço do ônibus, eu sinto um
negócio escorregando por meu braço.
Era o bendito relógio. Que é que
aconteceu? presilha abriu sozinha e
o relógio escorregou pro braço, e
eu num sentí.
O pessoal já começa a rir.
MARGARIDA
(tom pasmado)
Meu Deus!
CIDA
(tom narrativo)
Ai, no que eu abri a bolsa, o
relógio do homem tava lá dentro.

IVAN
(tom pasmo)
Deus é mais! E que tu fez?

(CONTINUED)
CONTINUED: 13.

CIDA
(tom narrativo)
A minha sorte é que tinha um carro
da polícia no ponto de ônibus. Fui
correndo até o guarda e gritei:
"seu guarda, pare aquele ônibus".
Ai o guarda chegou, sem entender
nada, e perguntou o que tinha
acontecido. Eu falei: "Pare aquele
ônibus que eu roubei o relógio do
homi".

Todos dão gargalhadas.


MARCOS
(tom de gozação)
Quando digo que essa muler é um
perigo...
IVAN
(tom de curiosidade)
Mas e aí?

CIDA
(tom narrativo)
Aí que eu tive que devolver o
relógio pro homem. Quase morri de
tanta vergonha, né?!
(tom de constatação)
Eu dô muito mole, mas esse foi
campeão.
Todos riem. PAULO, 47 anos, vestindo camisa, calça e sapato,
está com a barba feita e o cabelo penteado, e com uma caixa
de bombons na mão. Ele chega no quintal sem ninguém
perceber.
PAULO
(tom cerimonioso)
Boa noite.

Margarida reconhece a voz, vira-se e olha para Paulo.

TÍTULO: CAFÉ COM CANELA

Enquanto o título aparece, ouve-se sons de uma festa de


criança.
14.

CENA 02 - INT. - CASA DE MARGARIDA - ENTARDECER

INDICAÇÕES TÉCNICAS
FOTOGRAFIA

- toda filmagem é em uma câmera de vídeo manipulada pelo


personagem Paulo durante a festa de Paulinho. Movimentos
bruscos, estouro de luz, zoom in, zoom out, compõem o
realismo da cena. Serão criadas 04 situações para serem
improvisadas; e a última com roteiro pré-escrito.
SOM
- Alessandra está sempre tirando fotos, para cada foto
deve-se gravar um som memória.

CENA 02 - AÇÃO
SITUAÇÃO 01

Margarida de camisola encostada na parede comendo um bombom.


Ela termina e acende um cigarro. Ela fica pensativa olhando
para o nada. Paulo fica de longe filmando (zoom). Quando ela
percebe que está sendo filmada, eles iniciam um diálogo
livre (sem pensar que uma 3ª pessoa verá o vídeo). Quando
ele se aproxima muito da câmera, ela coloca a mão na lente e
sai dizendo que tem mais o que fazer.
SITUAÇÃO 02
Nos preparativos da festa, Alessandra e Margarida estão
enxendo balão; Zú está enrolando brigadeiro; Paulinho e
Violeta criança estão brincando pela casa; Paulo está
filmando e dialogando com as personagens.
SITUAÇÃO 03
Na festa, Paulo filma os convidados, pede para eles sorrirem
para a câmera; puxa assunto com alguns, mas logo passa para
outro. Cena dinâmica.
SITUAÇÃO 04

Todos se preparando para cantar os parabéns. Paulo fica


avisando que a bateria da câmera está acabando. Quando
começa os parabéns a câmera desliga.
SITUAÇÃO 05 - roteiro

(CONTINUED)
CONTINUED: 15.

A casa está enfeitada para uma festa de criança com balões


por todos os lados. PAULO, 35 anos, com roupas novas e
informais, com o cabelo curto e penteado, está filmando a
festa de aniversário de seu filho PAULINHO, 05 anos. Paulo
filma ZÚ, 33 anos, com roupa de festa, segurando um balão
gigante cheio de doces, muitas crianças estão embaixo do
balão esperando ele estourar, entre as crianças está
Paulinho vestindo uma roupa nova e um chapéu de festa.
MARGARIDA, 32 anos, com um vestido simples e bonito, cabelos
longos e soltos, maquiagem e unhas feitas, está abaixada
conversando com Violeta, 06 anos, ela leva Violeta junto das
demais crianças junto à pinhata. A pinhata se rompe. GRITOS.
As crianças se atracam no chão pelos doces. Paulo ri (a
câmera se movimenta). Paulo pede para Zú pegar o presente de
Paulinho na área de serviço. Paulo filma seu tio ALÍPIO, 80
anos, dormindo sentado em uma cadeira, ele ri e faz
comentários enquanto filma. Paulo filma Paulinho ao lado de
um pacote de presente grande com um laço em cima, dentro do
pacote há uma bicicleta. Ao lado de Paulinho está Margarida.
Ela observa o filho o tempo todo. Ao redor deles estão os
convidados (crianças, adultos e idosos), todos bem vestidos,
alguns usam chapéu de festa. Paulinho está olhando para o
presente.
PAULO
(tom de pedido com ternura)
Paulinho, olhe pro papai.
Margarida se agacha na altura de Paulinho e aponta para a
câmera.
MARGARIDA
(tom de pedido com ternura)
Olhe lá, filho.
Paulinho olha para câmera.
PAULO
(tom provocador)
Quê que tu acha que tem ai?
Paulinho olha para o pacote e faz sinal de negativo com a
cabeça. ZÚ, 33 anos, irmão de Paulo brinca.


(tom de gozação)
Eu acho que é uma bola.
Os convidados riem.

PAULO
(tom questionador)
Ouxe! Será que é uma bola mermo,
Paulinho?

(CONTINUED)
CONTINUED: 16.

Paulinho faz sinal de negativo com a cebeça. Margarida sorri


para o filho.
MARGARIDA
(tom de proposta)
Vamo abrir o presente?

Paulinho faz que "sim" com a cabeça. Mãe e filho vão mais
próximos ao presente e começam a rasgar o papel de presente.
É uma bicicleta para criança com rodinha. Paulinho sorri
para a câmera e depois para a mãe. Ele sobe na bicicleta.
Paulo dá um zoom no rosto de Margarida, e fica por alguns
instantes filmando a expressão de satisfação dela em ver o
filho com o presente. Paulo recua o zoom e segue filmando a
mulher e o filho. ALESSANDRA, 30 anos, mulher de Zú,
segurando uma câmera fotográfica.

ALESSANDRA
(tom imperativo)
Paulo, vai lá com eles preu tirar
uma foto da família.
PAULO
(tom de pedido)
Viu. Filma aqui pra mim, Zú.
Paulo passa a filmadora para a mão de Zú que filma Paulo e
Margarida se aproximando de Paulinho que está em cima da
bicicleta. Através do visor da câmera fotográfica, que está
com Alessandra, são enquadrados Margarida, Paulo e Paulinho
posando para a foto. É disparado o flash da câmera. SONS DE
GRITOS DESESPERADO DE MARGARIDA AO SABER QUE PAULINHO
MORREU.

CENA 03 - EXT. - CIDADES DE CACHOEIRA E SÃO FÉLIX -


AMANHECER
Imagens do amanhecer de alguns locais isolados das cidades
de Cachoeira e São Félix, em especial a ponte que as une.
Por fim, uma imagem de cima das duas cidades -
claustrofobia.

CENA 04 - INT. - QUARTO DE VIOLETA - AMANHECER

Quarto pequeno com uma cama de casal; um armário; e um


criado mudo em um dos lados com um despertador em cima; uma
porta e uma janela com uma cortina quase transparente. O
despertador toca. VIOLETA, 27 anos, vestindo uma camisola,
desliga o despertador ainda deitada. Ela senta-se na cama,
esfrega os olhos, olha para MARCOS, 30 anos, de regata e
shorts. Ele está com os olhos entreabertos. Ela dá um

(CONTINUED)
CONTINUED: 17.

selinho nele e ele vira para o lado e volta a dormir.


Violeta se levanta da cama, vai até a janela e abre um
pouquinho a cortina para observar o dia amanhecendo.

CENA 05 - INT. - QUARTO DE MARGARIDA - AMANHECER

INDICAÇÕES TÉCNICAS

SOM
- o silêncio do espaço de Margarida também é evidenciado
pelas repentinas entradas do som-memória (SM). O som-memória
é quando o passado se representa a partir de sons, e não em
imagens. Durante vários momentos do dia a dia de Margarida,
esses sons invadem seu ambiente e perturbam a mulher,
evidenciando o silêncio e a solidão. Não precisamos de um
diálogo ou de uma narração que diga que Margarida está só, o
próprio contraste de silêncio do presente e sons do passado
apresenta-nos isso por associação. É o som da bicicleta de
Paulinho correndo pela casa em contraste com a imagem e o
som vazio do presente. A princípio, não importa-nos saber se
Paulinho morreu ou foi sequestrado, nos importa sentir que
algo foi perdido, que algo se perdeu no tempo. É a busca por
uma abstração do tempo, que acreditamos que pode dar-se pela
subjetividade do som. Ouvir o som de Paulinho pulando na
cama (molas, respirações, risadas) colide com a imagem da
mulher descabelada e de paços lentos e imprecisos indo ao
banheiro (cena 08). Mais importante que a visualização do
passado, é a reação da personagem (no presente) deparando-se
com esse passado; os cortes entre uma imagem e outra
(presente-passado-presente) impossibilitam a naturalidade
com que o passado aborda Margarida a qualquer momento de seu
dia. O som que é responsável pelo pertencimento de Violeta
no seu espaço, é justamente aquele que oprime e desloca
Margarida de seu espaço. O som-memória cria a contradição
com a imagem do presente. A cama está ali, mas falta a
criança pulando, respirando, sorrindo. Com o som-memória,
trabalhamos a ideia de vestígio, como a presença daquilo que
não está mais lá; o som do passado de Margarida justaposto
ao presente sugere a diferença, o desarranjo, a novidade;
existe uma presença que transborda à "realidade" da imagem.

CENA 05 - AÇÃO
O quarto é espaçoso com duas portas, uma que vai para a sala
e outra para um banheiro; uma cama de casal grande; ao lado
da cama, dois criados, em um dos criados, tem um
porta-retrato com a foto de Paulinho sorrindo em cima de sua
bicicleta; um armário grande; uma janela com uma cortina
tapando a entrada do sol; entre o armário e a porta do
banheiro, há um espelho grande.

(CONTINUED)
CONTINUED: 18.

SM: Margarida geme, faz força e, determinados momentos,


grita ao dar à luz a seu filho Paulinho.
MARGARIDA, 44 anos, com cabelos grisalhos, na altura do
ombro e todo bagunçado, usa uma camisola velha, está
deitada na cama dormindo. Ela abre os olhos lentamente e
expressa a dor de despertar. Seu olhar perde-se e ela fica
olhando para o nada.

CENA 06 - INT. - QUARTO DE ROQUELINA - AMANHECER

Um quarto pequeno e retangular com uma cama de solteiro; uma


cadeira de madeira no pé da cama; uma cômoda ao lado com uma
imagem de Oxum e um rádio antigo. ROQUELINA, 70 anos, está
dormindo vestindo uma camisola. Violeta, já com a roupa
simples, senta-se na beirada da cama próxima à avó e começa
a CANTAROLAR. Cuidadosamente, ela passa a mão nos cabelos da
avó para despertá-la. Roquelina, aos poucos, abre os olhos,
seu olhar é distante e indiferente à Violeta. Violeta sorri
para ela e a coloca sentada na cama com certa dificuldade.
Violeta põe um comprimido na boca de Roquelina, e, em
seguida, dá água para ela. Roquelina engole o remédio e
tosse. Violeta ajuda a senhora a deitar novamente, em
seguida, ela dá um beijo na testa da avó, liga o rádio em
cima da cômoda e sai.

CENA 07 - INT. - COZINHA DE VIOLETA - AMANHECER

Sobre o fogão, está uma panela grande e preta com óleo


fervendo. Violeta coloca algumas coxinhas para fritar.

CENA 08 - INT. - QUARTO DE MARGARIDA - AMANHECER


SM: Sons de Paulo e Paulinho acordando Margarida no dia das
mães. Paulinho canta para a mãe. (diálogo e ações livres)
SM: Paulinho pulando na cama dos pais (som de molas e
respiração do garoto).
Margarida está sentada na beirada da cama. Ela fica alguns
instantes olhando para o nada. Ela olha de canto de olho
para o porta-retrato com a foto do filho. Margarida olha pra
frente e mantém-se com o olhar perdido. Margarida procura,
com os pés, os chinelos que estão no chão ao lado da cama.
Ela se levanta e desanimada vai ao banheiro arrastando os
chinelos. Margarida passa pelo espelho sem se olhar.
19.

CENA 09 - INT. - QUARTO DOS FILHOS DE VIOLETA - AMANHECER


Cosme e Damiana estão deitados dormindo. Violeta abre a
porta do quarto dos filhos com cuidado. Fica um tempo
encostada na porta, olhando os filhos dormirem (semblante
leve). De repente, Violeta bate palmas acordando as
crianças.
VIOLETA
(tom de ordem)
Bora acordar, minha gente!

CENA 10 - INT. - BANHEIRO DE MARGARIDA - MANHÃ

Banheiro comum com pouca iluminação. Margarida está sentada


na privada fumando um cigarro e com o mesmo olhar distante e
perdido que a acompanha. Ela dá alguns tragos e não altera
sua expressão.

CENA 11 - EXT. - CASA DE VIOLETA - MANHÃ


Violeta sai de sua casa trazendo sua velha bicicleta. Na
cesta fixada na frente da bicicleta, há uma travessa com as
coxinhas coberta por um pano de prato. Enquanto ela sai,
seus vizinhos ADOLFO, 55 anos, vestindo camisa, calça e
sapato, e IVAN, 38 anos, vestido de branco e com o cabelo
penteado, vão saindo de sua casa também. Adolfo está
segurando seu cão, FILIPE, em uma coleira. Ivan, trazendo
uma maleta, abaixa-se e faz carinho no cão, em seguida, ele
se levanta e dá um beijo em Adolfo, faz um carinho em sua
nuca e vai em direção ao carro que está parado à frente da
casa. À frente da casa de Violeta, tem um pequeno jardim,
uma bela rosa destaca-se. Violeta encosta a bicicleta, vai
até o jardim, agacha-se e cheira a rosa. Ivan liga o carro e
ao passar ao lado de Violeta, reduz a velocidade e acena
para ela.

IVAN
(tom de ternura)
Bom dia, meu anjo.
Violeta retribui com um sorriso. Ela se levanta, pega a
bicicleta e a traz empurrando pela calçada no sentido da
casa de Adolfo, que vem andando com Filipe em direção à
moça.
ADOLFO
(tom alegre)
Bom dia, Violeta.
Violeta para. Filipe vai em direção à vasilha de coxinha.

(CONTINUED)
CONTINUED: 20.

VIOLETA
(tom questionador)
Ouxe, seu Adolfo, caiu da cama,
foi?

ADOLFO
(tom de lamento)
É o Filipe! Agora deu de me acordar
todo santo dia às cinco da manhã.
Filipe, preso à coleira, esforça-se para se aproximar da
cesta com as coxinhas. Adolfo puxa o cão pela coleira.
VIOLETA
(tom repreensivo)
Quando eu digo pro senhor não dá
ousadia pra esse cachorro... Isso
que dá!
Os três vão caminhando lentamente no sentido da casa de
Cida, vizinha deles.
VIOLETA
(tom de curiosidade)
Mas sim, seu Adolfo, e como foi a
viagem lá pro estrangeiro?
ADOLFO
(tom saudosista)
Ah, Paris! La ville d’amour!
(tom de gozação)
Você conhece Paris, né, Violeta?
Violeta dá uma gargalhada. Adolfo ri.

VIOLETA
(tom de curiosidade)
O senhor conhece o mundo todo, né,
seu Adolfo?!

Adolfo vê um prego no chão. Enquanto fala, ele se abaixa,


pega o prego, olha e coloca-o no bolso da calça. Eles seguem
caminhando.
ADOLFO
(tom de encantamento)
Viajar é a coisa mais encantadora
que existe. Num é à toa que
trabalhei minha vida toda com
viagens.

(CONTINUED)
CONTINUED: 21.

VIOLETA
(tom de curiosidade)
E o senhor trabalhava de quê?
ADOLFO
(tom informativo)
Eu era dono de uma agência de
viagem.
VIOLETA
(tom conclusivo)
Hum... Que massa!
(tom de repreensivo)
Ó paí, o senhor me pega de conversa
e eu perdendo minha clientela!
(tom cordial)
Tchau, seu Adolfo.
(tom de deboche)
Tchau, REI FILIPE.
ADOLFO
(tom cordial)
Bom trabalho, Violeta.

Adolfo atravessa a rua para Felipe fazer xixi na roseira de


Violeta. Violeta aperta o passo, empurrando a bicicleta no
sentido da casa de Cida. CIDA, 50 anos, está lavando a
calçada de casa com uma mangueira. Ela está com o cabelo bem
arrumado. Violeta para a bicicleta ao lado da amiga.

VIOLETA
(tom repreensivo e de gozação)
Tá regando as plantinha, Cida?

CIDA
(tom de advertência)
Ói, Violeta, num vem não, que hoje
eu acordei de ovo virado.
VIOLETA
(tom de explicação e gozação)
Ouxe, Cida, não ouviu falá do
aquecimento global, não? Bora
economizando água, mulher...
CIDA
(tom exclamativo)
Ora, mas veja!
Violeta ri subindo na bicicleta.

(CONTINUED)
CONTINUED: 22.

VIOLETA
(tom de elogio)
Êta, Cida, o cabelo ficô uma
beleza, viu?!
Cida dá um sorriso vaidoso e põe uma das mãos no cabelo para
ajeitar. Violeta manda um beijo para Cida e sai pedalando
pela rua. Cida acena para Violeta.

CENA 12 - INT. - COZINHA DE MARGARIDA - MANHÃ


Cozinha azulejada; com fogão; geladeira; pia; uma mesa
retangular no centro da cozinha com quatro cadeiras; sobre a
mesa tem um cinzeiro repleto de bitucas de cigarro. Na
parede da cozinha, um porta-retrato com a foto tirada na
festa de Paulinho, em que ele está em cima da bicicleta e
Margarida e Paulo sorrindo ao seu lado.
SM: Paulinho - criança - não quer comer. Paulo e Margarida
ficam insistindo para o filho comer. Fazem aviãozinho com a
colher. (diálogo e ações livres)
Margarida pega uma garrafa térmica cheia de café, despeja na
panela e põe para requentar no fogão. Margarida fica fumando
e olhando para o nada. Quando o café ferve, ela, com o
cigarro na boca, volta o liquído para a garrafa térmica. Ela
leva a garrafa para a mesa, enche um copo, senta-se à mesa e
segue fumando enquanto toma o café. Seu olhar está sempre
perdido.

CENA 13 - EXT. - BAR DE TONINHO - MANHÃ


TONINHO, 65 anos, está em seu bar vestindo camisa e calça
velhas e com um pano de prato pendurado no ombro. No balcão
do bar, tem uma estufa cheia de coxinhas "feias". Ele está
arrumando as coxinhas, quando vê Violeta, de bicicleta,
aproxima-se. Ele vai até a porta do bar e espera Violeta
enquanto mexe em seu bigode. Violeta chega com a bicicleta e
para ao lado de Toninho.
VIOLETA
(tom de pergunta)
E ai, seu Toninho, vai uma coxinha?
TONINHO
(tom conclusivo)
Sempre!

Violeta pega uma coxinha da travessa que está em sua


bicicleta e a entrega para Toninho. Este logo da uma mordida
e aprecia o sabor, mastigando com os olhos fechados e
movendo levemente a cabeça de um lado para o outro.

(CONTINUED)
CONTINUED: 23.

TONINHO
(tom de elogio)
Uh... hoje a coxinha tá bem boa,
viu! Com essa coxinha, eu até que
casava com você, Violeta!

VIOLETA
(tom repreensivo)
Ó paí! Osadia todo mundo tem, né,
seu Toninho?! Só tá esquecendo o
limite! Ó que eu sô casada, e muito
bem casada.
Toninho dá mais uma mordida e fala de boca cheia.
TONINHO
(tom de pedido)
Ôpa! Tá certo! Mas me diga, quanto
você qué pela receita?
Ele olha para a estufa no balcão.
VIOLETA
(tom de orgulho)
Sinto muito, seu Toninho, mas a
receita é de família. Vendo não.
(tom de gozação)
Se quizé, só comprando na minha mão
mesmo. É o máximo que posso fazê!

TONINHO
(tom conclusivo com gozação)
Êta muler difícil! Mas deixa assim,
tu enchendo a burra de dinheiro e
eu contando meu trocados. Mas tem
nada não, Violeta.
Ela sorri. Toninho pega o dinheiro do bolso e entrega à
Violeta que guarda o dinheiro no bolso. Violeta sobe na
bicicleta e sai pedalando.

VIOLETA
Brigado seu Toninho, até mais!
Toninho acena para Violeta e vai entrando no bar com
expressão de satisfação.
24.

CENA 14 - INT. - SALA DE MARGARIDA - MANHÃ


Sala com um sofá; uma poltrona; um raque com uma TV; uma
mesinha de centro; um tapete empoeirado forrando o chão; uma
porta que leva para o quarto, outra para a cozinha e outra
para a entrada da casa. Ao lado da porta de entrada, há um
móvel de madeira onde estão alguns porta-retratos
empoeirados.
SM: Paulinho - bebê - está chorando com cólicas e Margarida
vai andando pela casa tentando fazer ele dormir. (diálogo e
ações livres)
Margarida senta-se no sofá e acende um cigarro. Ela pega o
cinzeiro e deita-se no sofá. Ela coloca o cinzeiro na
barriga e segue fumando e batendo as cinzas no cinzeiro.

CENA 15 - INT. - SUPERMERCADO - TARDE


No caixa de supermercado, PAULO, 47 anos, com a barba por
fazer e o cabelo desarrumado, vestindo calça e camisa velhas
e óculos pendurado no pescoço, está entregando os produtos a
uma caixa. A CAIXA, 20 anos, usando uniforme, passa cada um
dos produtos que a EMPACOTADORA, 20 anos, também
uniformizada, coloca em uma caixa de papelão (ao passar os
produtos no caixa vemos uma imagem em flash que será
indicado). Passa uma sacola com 03 tomates (flash - tomates
podres), uma sacola com 02 cebolas (flash - cebolas podres),
um pote de manteiga (flash - manteiga cheia de vermes), 02
pacotes de macarrão (flash - macarrão estragado), um pacote
de bolacha de sal (flash - bolachas estragadas), 07 pacotes
de café em pó (flash - Margarida bebe o café) e 10 caixas de
cigarro (flash - Margarida acende vários cigarros). Por fim,
ele passa uma caixinha com bombons, os mesmos que Margarida
come na festa de Paulinho (cena 02). A caixa passa os itens
um a um. Paulo tira a carteira do bolso e paga a compra. Ele
sai carregando a caixa até o lado de fora do supermercado.
Ele coloca a caixa no chão, tira um cigarro e um isqueiro do
bolso da camisa. Ele acende o cigarro, guarda o maço e o
isqueiro no bolso da camisa e começa a fumar. Do outro lado
da rua estão alguns meninos com aproximadamente 15 anos.
PAULO
(grita, tom imperativo)
Ei, rapaz, vem aqui.

Um MENINO, 15 anos, vem correndo com seu carrinho de mão.


25.

CENA 16 - INT - SALA DE MARGARIDA/EXT. - CASA DE MARGARIDA -


TARDE
Margarida deitada no sofá dormindo com o cinzeiro na
barriga. A campainha toca e ela acorda assustada. Sem
perceber que está com o cinzeiro sobre sua barriga, ela se
senta e deixa-o cair no tapete. Ela olha para a sujeira, mas
não faz qualquer expressão. Ela se levanta e vai em direção
à porta arrastando os chinelos.
Margarida abre a porta e do lado de fora está o menino com a
caixa de compras que Paulo mandou entregar em mãos e, ao
lado dele, está um carrinho de mão. Margarida, com seu
cabelo desarrumado, fica do lado de dentro da casa que está
com pouca iluminação.
ENTREGADOR
(tom informativo)
Boa tarde.
Assustado, ele dá a caixa na mão de Margarida. Ela pega a
caixa, afasta-se lentamente para trás e fecha a porta. O
menino vai embora. Na esquina, Paulo está com seu carro
parado. Do lado de dentro, ele observa toda ação. Ele
suspira, dá a partida no carro e vai embora.

CENA 17 - INT. - COZINHA DE MARGARIDA - TARDE

SM: Margarida e Paulo fazendo a lista de compras. Margarida


vê o que falta na geladeira e fica ditando a lista para
Paulo. Paulinho fica correndo e brincando de um lado para o
outro da cozinha. A última fala de Margarida é: "Não esquece
de comprar meus bombons!".

Margarida abre a geladeira, pega várias sacolas de frutas e


legumes podres para jogá-las no lixo. Ela vai até a mesa em
que está a caixa com as compras e coloca as frutas e os
legumes novos na geladeira. No fundo da caixa de compras,
ela encontra a caixinha com bombons. Ela pega, olha, vai até
o lixo e joga fora.

CENA 18 - INT. - CONSULTÓRIO DE IVAN - TARDE


Consultório médico pequeno com uma mesa e três cadeiras;
sobre a mesa, alguns objetos de médico e um porta-retrato
com uma foto de Ivan e Adolfo; móveis que compõe um
consultório. Ivan falando ao telefone com Adolfo enquanto
faz palavras-cruzadas

(CONTINUED)
CONTINUED: 26.

IVAN
(tom de consulta)
Capital de Michoacan... com "M"...
"M" de Madona... Sim, você que
conhece o México que tem que
saber... 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7
letras... Não Adolfo, Medelín é na
Colômbia... Sua memória sempre foi
ótima, bota pra trabalhar aí, só ta
faltando essa pra eu fechar...
Morélia?... Deixa eu ver... Mo- ré
- lia... Arrasou! É Morélia.
(sorri)
Ele olha para o porta-retrato sobre a mesa e dá um leve
sorriso. A SECRETÁRIA, 30 anos, bate na porta do consultório
e a abre.

SECRETÁRIA
(fala baixo)
Doutor Ivan, a dona Vilma já
chegou.

Ivan faz um sinal de espera.


IVAN
(para Adolfo - tom de pedido)
Ah sim, deixa eu lhe falar: eu
esqueci a chave de casa... foi...
então, não dorme antes d’eu chegar
não, viu?!... Senão vô ficá na rua
(ri)... Viu.
(tom carinhoso)
Beijo, te amo pra sempre.

Ivan desliga o celular. Ele faz um sinal de positivo para a


secretária, enquanto guarda o livro de palavras-cruzadas na
gaveta de sua mesa. A secretária, da porta faz um sinal para
Vilma, que se levanta da cadeira na sala de espera e se
dirige para a porta. VILMA, 65 anos, entra no consultório
com uns exames na mão. Ivan se levanta da cadeira enquanto a
secretária fecha a porta.
IVAN
(tom simpático)
Boa tarde, dona Vilma.

Ele cumprimenta a senhora com um aperto de mão e um


simpático sorriso no rosto.
IVAN
(tom simpático de constatação,
sorrindo)
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 27.

IVAN (cont’d)
Ah, a senhora já tá bem melhor, tá
até coradinha. Assim que eu gosto
de ver.

Ele aponta para a cadeira do paciente e, em seguida,


senta-se. Vilma vai até a cadeira e se senta.
IVAN
(tom de proposta)
E aí, vamos ver esses resultados...

A porta do consultório abre abruptamente. Do outro lado da


porta está JOANA, 70 anos. Joana está com seu aparelho de
audição desregulado, por isso ela fala mais alto que o
comum.

JOANA
(tom de pedido)
Dá licença, doutor Ivan. Desculpa
incomodar, mas será que tem jeito
do senhor fazê um favorzinho pra
mim.

Ivan dá um sorriso de consentimento.


IVAN
(tom de pedido)
Dá licença, dona Vilma.

Vilma faz que sim com a cabeça.


IVAN
(tom de brincadeira)
Bora vê o que a dona Joana quer
dessa vez.
Joana entra toda espalhafatosa no consultório.
JOANA
(tom de justificativa)
Ô dotor Ivan, o senhor me desculpa
o incômodo outra vez.
IVAN
(tom simpático)
Tem nada não, dona Joana, mas tem
que falar rapidinho porque eu tô no
meio da consulta.
JOANA
(tom de justificativa)
Não, não vai demorá nada.

(CONTINUED)
CONTINUED: 28.

Joana senta-se ao lado de Vilma.


JOANA
(tom explicativo)
Sabe o que é doutor, eu não intendi
muito bem os horário dos remédio.
IVAN
(tom de pergunta)
Qual deles?
JOANA
(tom explicativo)
Na verdade, na verdade... todos.

Joana passa a receita médica para Ivan. Ivan pega e olha.


IVAN
(tom simpático)
Deixa eu escrever direitinho pra
senhora.

Ivan levanta-se e vai ao lado de Joana. Ele ajoelha-se


ficando na altura da senhora, enquanto explica com
paciência. Ele escreve no papel e olha para Joana
verificando se ela está entendendo.

IVAN
(tom explicativo)
Olha, esses dois aqui são depois do
almoço. Esse aqui é depois do café
da manhã e antes de dormir. E esse
é só na hora de dormir. Entendeu?
JOANA
(tom conclusivo)
Ah, agora entendi.
(tom de devoção)
O senhor...
IVAN
(interrompendo)
Perái, dona Joana...

Ivan regula o aparelho de audição de Joana que volta a ouvir


e falar normalmente.
IVAN
Melhorou?

JOANA
O senhor é um santo, mermo!
Ivan sorri. SOM DE MARTELADAS.
29.

CENA 19 - INT. - ESCRITÓRIO DE ADOLFO - TARDE


O escritório é repleto de prateleiras com todos os tipos de
bugigangas separados por função, tamanho e cor, tudo muito
bem organizado; no fundo, uma grande mesa com três gavetas e
uma cadeira com rodinhas; um armário de madeira. Sobre a
mesa, um porta-lápis com vários lápis iguais bem apontados,
uma agenda e um porta-retrato com uma foto de Adolfo, Ivan e
Filipe. Adolfo, de óculos, está martelando a lateral de um
prego para alinhá-lo. Filipe está brincando com sua bolinha.
Adolfo pega o prego e levanta-o à altura dos olhos para ver
se já está reto. Ele se levanta e vai até a prateleira e
coloca o prego na caixinha de pregos médios. Adolfo
abaixa-se, pega a bolinha de Filipe e joga, o cão sai
correndo atrás. Adolfo vai até a cadeira, senta-se, tira os
óculos e dá um suspiro cansado. Filipe chega com a bolinha,
Adolfo se abaixa e pega o cão no colo. Enquanto faz carinho
no cachorro, ele fica pensativo olhando para a foto em cima
da mesa. Ele coloca Filipe no chão e vai até o armário, abre
e tira de dentro um violão. Adolfo leva o violão com ele e
senta-se na cadeira. O violão está empoeirado, ele pega um
pano em uma das gavetas e limpa-o. Filipe volta a brincar
com sua bolinha. Ao terminar de passar o pano, Adolfo
encosta o violão no peito e dá alguns acordes soltos para
ver se o violão está afinado. Filipe se assusta e começa a
latir para cada acorde dado por Adolfo, que ri do cachorro.
Adolfo afina o violão, dá outros acordes e o cachorro late.
Adolfo começa a tocar e cantar "João Valentão" brincando com
Filipe, que para de latir, mas fica desconfiado andando para
trás.
ADOLFO
(cantando)
João Valentão é brigão
Pra dar bofetão
Não presta atenção e nem pensa na
vida
A todos João intimida
Faz coisas que até Deus duvida
Mas tem seu momento na vida
Quando ele canta "Mas tem seu momento na vida", Filipe para
e fica olhando. Quando começa a segunda parte da canção, aos
poucos Filipe vai se aproximando de Adolfo. Ele chega
próximo aos pés de Adolfo, senta-se e fica olhando. Ao
cantar, Adolfo vai se emocionando.
ADOLFO
(cantando)
É quando o sol vai quebrando
Lá pro fim do mundo pra noite
chegar
É quando se ouve mais forte
O ronco das ondas na beira do mar

(CONTINUED)
CONTINUED: 30.

É quando o cansaço da lida da vida


Obriga João se sentar
É quando a morena se encolhe
Se chega pro lado querendo agradar

Se a noite é de lua
A vontade é contar mentira
É se espreguiçar
Deitar na areia da praia
Que acaba onde a vista não pode
alcançar
E assim adormece esse homem
Que nunca precisa dormir pra sonhar
Porque não há sonho mais lindo do
que sua...
Quando Adolfo chega na parte "... Porque não há sonho mais
lindo do que sua...", uma corda do violão arrebenta. Filipe
assusta-se e sai correndo. Adolfo dá uma gargalhada,
levanta-se, coloca o violão sobre a mesa e pega Filipe no
colo. Adolfo apaga a luz e sai do escritório rindo e fazendo
carinho em Filipe.

CENA 20 - EXT. - CASA DE VIOLETA - ENTARDECER


Algumas crianças, entre 08 e 10 anos, estão jogando bola na
rua, entre eles está Cosme, filho de Damiana. Os meninos
estão sem camisa, de shorts e descalços, a bola é velha e o
gol é demarcado com os chinelos dos garotos. Violeta vem
andando de bicicleta até chegar perto da sua casa. A bola
vai rolando até os pés de Violeta.
VIOLETA
(tom de gozação)
Êta, que bába é esse? Só tem perna
de pau.
A bola chega nos pés de Violeta, ela domina, faz umas
embaixadinhas e chuta de volta pros meninos. Os meninos
olham pra ela e dão risada. Ela chuta a bola para eles e
segue em direção a casa com a bicicleta. Adolfo está
passeando com Filipe, seu cão.
VIOLETA
(tom alegre)
Boa tarde, seu Adolfo.
ADOLFO
(tom curioso)
Ei, Violeta, vendeu tudo?

(CONTINUED)
CONTINUED: 31.

VIOLETA
(tom de satisfação)
Graças a Deus, vendi tudinho.
ADOLFO
(tom de lamento)
Que pena!
(tom de explicação)
Ia comprar uma coxinha pro Filipe.
O bichinho chega saliva quando
sente o cheiro das suas coxinhas!

VIOLETA
(tom repreensivo)
Ó paí, tô dizendo que o senhor dá
ousadia pro cachorro. Depois num
reclame quando ele tomá conta da
cama e botá o senhor e o Ivan pra
dormí no chão. Aí eu quero vê pra
que santo o senhor vai rezar!
Os dois riem. Adolfo vai para sua casa com Filipe. Violeta
segue empurrando a bicicleta até a porta de casa. Ela olha
para a rosa no jardim. Com Felipe, Adolfo chega na porta de
casa e coloca a chave na fechadura. Um vento lateral sopra
forte, Adolfo vira-se no sentido do vento. Ele fecha os
olhos e sente a brisa bater em seu rosto e bagunçar seu
cabelo. Filipe rosna e fica olhando para Adolfo que respira
fundo, sorri, abre os olhos e depois a porta. Os dois
entram.

CENA 21 - INT. - SALA DE ADOLFO - ENTARDECER

Sala grande com dois sofás e uma poltrona; uma mesinha de


centro; um tapete grande forrando a sala e vários móveis e
quadros pendurados na parede. Sobre os móveis fotos do casal
em viagens e passeios. Adolfo chega na sala vindo da cozinha
com uma caixa de ração na mão, Filipe está solto pela sala.
Adolfo pega o pote de ração e põe ao lado do sofá, ele enche
o pote. Filipe aproxima-se e começa a comer. Adolfo senta-se
no sofá, em seguida, deita-se. Ele põe a mão nos pelos do
animal, que está comendo, e fica fazendo carinho em seus
pelos.

CENA 22 - INT. - QUARTO DE MARGARIDA - ENTARDECER


Margarida está em seu quarto, com pouca luminosidade,
arrumando a cama. A janela e a cortina estão fechadas. De
repente, um vento forte abre a janela, fazendo com que o sol
entre no quarto. Margarida assuta-se e vira-se para a janela
para ver o que ocorreu. Ao perceber que não há nada de mais,

(CONTINUED)
CONTINUED: 32.

ela volta-se novamente para a cama e, inevitavelmente, vê


seu reflexo no espelho à sua frente. A distância, ela fica
por alguns instantes olhando assustada para o espelho, sem
reconhecer a própria imagem. Aos poucos ela vai andando em
direção ao espelho. Ao ficar próxima do espelho, ela se olha
dos pés à cabeça. Aproxima o rosto do espelho, ainda com
olhar de estranheza. Ela leva uma das mãos à face e, de
forma sutil, passa a mão pelo seu rosto e depois pelo seu
cabelo. Andando para trás, ela vai se afastando do espelho
em direção à cama. Quando suas pernas batem na cama, ela
para e, em um movimento rápido, ela se vira para a cama,
puxa o lençol que está estendido, corre até o espelho e
cobre-o com o lençol. Ela fica parada ofegante.

CENA 23 - INT. - COZINHA DA CASA DE MARGARIDA - ENTARDECER

SOM: Ouve-se Paulo andando de um lado para o outro da


cozinha.
PAULO
(voz over - gritando, tom de
desespero e nervosismo)
Eu não aguento mais!
Silêncio. Margarida está fumando.
PAULO
(gritando, tom de desespero e
nervosismo)
Olha pra mim, Margarida.
Ouve-se Paulo pegando o cinzeiro da mesa e joga-o contra a
parede. Paulo ofegante. Silêncio.

Margarida, vestindo a mesma camisola velha, está à mesa


tomando café e fumando um cigarro. Ela olha para a foto na
parede.

CENA 24 - INT. - COZINHA DE VIOLETA - NOITE


A cozinha tem um fogão, uma geladeira, uma pia, um armário e
uma mesa com quatro cadeiras. No fogão, uma panela no fogo
com cebola e alho fritando no azeite. Violeta acrescenta o
frango desfiado e deixa refogando.

Num pote, está o frango refogado; Violeta acrescenta o


requeijão e começa a mexer, com uma colher, o recheio da
coxinha.
Sobre a mesa, Violeta joga um pouco de farinha. Com cuidado,
ela tira a massa da panela e começa sová-la sobre a mesa. Ao

(CONTINUED)
CONTINUED: 33.

jogar a massa sobre a mesa, a farinha sobe. Sem pressa e com


movimentos delicados e cuidadosos, ela sova a massa. Violeta
fecha os olhos e segue apertando a massa com um semblante
leve.

CENA 25 - INT. - QUARTO DE ROQUELINA - NOITE


O rádio está ligado. Roquelina está sentada na cama olhando
para o nada, Violeta entra no quarto com o prato de sopa,
uma colher e um pano. Violeta põe o prato sobre a cômoda,
desliga o rádio, senta-se ao lado de Roquelina e começa a
CANTAROLAR. Sempre que Violeta canta, o olhar de Roquelina
fica inquieto. Com cuidado, Violeta põe o pano por dentro da
camisola da senhora junto ao pescoço como um babador.
Violeta pega o prato, enche uma colher, sopra para esfriar e
leva até próximo à boca de Roquelina. Lentamente, ela abre a
boca e, cuidadosamente, Violeta coloca a colher na boca de
Roquelina. Esta engole e deixa escorrer um pouco da sopa
pela boca. Violeta limpa com o babador e já segue com outra
colher.

CENA 26 - EXT. - RESTAURANTE - NOITE


Do lado de fora de um restaurante, estão sentados à mesa:
Paulo, de calça e camisa, com a barba por fazer e cabelo
desarrumado; SHIRLEY, 40 anos, com penteado extravagante;
ZÚ, 45 anos, também de camisa e calça; e ALESSANDRA, 40
anos, com um vestido mais discreto. Os quatro estão tomando
cerveja. Paulo fuma.
SHIRLEY
(voz esganiçada, tom
narrativo)
... ai, o filho da puta virô pra
mim e pergutou: "posso saber
quantos anos a senhora tem?"
Ouxe... me retei. Subi no salto e
disse: "tenho 25, seu corno!"

Shirley dá uma gargalhada estridente. Zú e Alessandra se


divertem com Shirley. Paulo nem olha para o lado. Shirley,
ainda rindo, dá um tapa em Paulo.
SHIRLEY
(tom questionador)
Ouviu, Paulo?
(tom de gozação)
"tenho 25, seu corno!"
Risadas

(CONTINUED)
CONTINUED: 34.

SHIRLEY
Se julga bofe que tripa tá cara.
Shirley dá outra gargalhada. Zú e Alessandra se divertem com
Shirley, Paulo está aéreo, segue fumando.

SHIRLEY
(tom de informação)
Ai, ai, deixa eu ir fazer uma coisa
que ninguém pode fazer por mim...

Shirley levanta-se da mesa e arruma o vestido. Zú e


Alessandra acompanham ela com o olhar.
SHIRLEY
(tom de gozação)
Mijar!

Shirley dá outra gargalhada e vai saindo no sentido do


banheiro. Zú e Alessandra ficam ansiosos.
ALESSANDRA
(tom de empolgação)
E aí, Paulo? Gostou da Shirley.
PAULO
(sem muita empolgação)
Um furacão, né!

Paulo dá um sorriso discreto e apaga o cigarro no cinzeiro.



(tom incentivo)
Anima um pouco, rapaz...

ALESSANDRA
Não é todo dia que um furacão passa
por Cachoeira... E você aí com essa
cara de cachorro que peidou na
igreja.

PAULO
Ainda tô me adaptando a vida de
solteiro.
ALESSANDRA
Cinco anos de adaptação? Deus é
mais!
Paulo acende outro cigarro.

(CONTINUED)
CONTINUED: 35.


Você fica aí comendo mosca pra você
ver só... Já já ela se reta e se
pica daqui.

O garçom chega com os pratos e uma vasilha com escondidinho,


ele coloca na mesa. Eles se servem. Zú pega a garrafa de
cerveja vazia e levanta.

(tom de pedido)
Amigo, vê uma canela de urubu.
(tom debochado)
Só bebendo mermo...
Eles começam a comer o escondidinho. O garçom traz a cerveja
e põe no isopor. Zú dá uma garfada no escondidinho e come.


(tom de elogio)
Hum... Esse escondidinho tá retado
de bom.

Zú dá outra garfada e serve a cerveja nos copos enquanto


mastiga.
ALESSANDRA
(tom comparativo)
Ah, mas não se compara ao que
Margarida fazia.

(tom de afirmação)
Isso é verdade!
(tom de curiosidade)
Você tem tido notícia dela?
PAULO
(tom conclusivo)
Tá lá...

ALESSANDRA
Já nem sei quantas vezes tentei
ligar pra ela, bati na porta,
mandei carta... Ela não dá a minima
pra mim.

Shirley chega do banheiro e senta ao lado de Paulo.



(tom de lamento)
Ela morreu junto com o menino...

(CONTINUED)
CONTINUED: 36.

SHIRLEY
(tom carinhoso)
Quem morreu?
ALESSANDRA
Estamos falando de uma antiga
amiga.
SHIRLEY
Morreu?


História complicada...
SHIRLEY
(tom malicioso, para Paulo)
Escondidinho? Adoro escondidinho!

Shiley solta mais uma gargalhada.


SHIRLEY
(tom narrativo)
Esse negócio de morte eu só lembro
do povo lá de casa. Minhas tias,
meus primos, todo mundo falava que
quando voinha morresse que iam se
matar em seguida. Voinha morreu uma
semana antes do São João. Veio o
São João e tava todo mundo na Feira
do Porto. "E a voinha, não ia todo
mundo morrer junto não?", (tom de
deboche) "O que vale é o sentimento
aqui..." (põe a mão no coração)
(Shirley dá uma gargalhada) E
tomalê amendoim. tomalê licor,
tomalê maniçoba... É isso ai mesmo,
o o povo morre, e os vivos seguem a
vida. Não tem remédio não.
Paulo fica olhando para o nada.

CENA 27 - INT. - QUARTO DE VIOLETA - MADRUGADA


Violeta e Marcos (roncando) estão dormindo. Sons distantes
de batida na porta e cachorro latindo.

IVAN
(voz off, tom de impaciência)
Adolfo, Adolfo. Abre a porta.
Violeta acorda assustada.

(CONTINUED)
CONTINUED: 37.

IVAN
(voz of, tom de impaciência)
Ei amor, tá me ouvindo?
Violeta chacoalha Marcos.

VIOLETA
(tom de preocupação)
Marcos, Marcos... (Marcos segue
dormindo) Marcos, acorda Zé do
Ronco.

Marcos desperta lentamente.


MARCOS
(sonolento, tom de
impaciência)
Que foi, Violeta?
Violeta senta-se na cama e liga o abajur.
VIOLETA
(tom de preocupação)
Acho que tá acontecendo alguma
coisa na casa do seu Adolfo. Olha o
Ivan gritando.
MARCOS
(sonolento, tom de
impaciência)
Já é madrugada, Violeta. Me deixe
durmi em paz.
Violeta levanta-se da cama.

VIOLETA
(tom conclusivo)
Eu vô lá vê o que tá acontecendo. E
você trate de levantar pra vim
comigo.

MARCOS
(tom de lamento)
Ô Jesus!
Marcos senta-se na cama sonolento. Violeta coloca um roupão
e olha pela janela do quarto.
38.

CENA 28 - EXT. - CASA DE ADOLFO - MADRUGADA


Ivan, de roupa branca e com uma maleta na mão, está do lado
de fora batendo na porta. Do lado de dentro, Filipe chora e
arranha a porta. Violeta e Marcos saem de sua casa e vão em
direção a Ivan.

VIOLETA
(tom de preocupação)
O que tá acontecendo, Ivan?

IVAN
(tom explicativo e impaciente)
O Adolfo que não abre essa porta.
VIOLETA
(tom de pergunta)
Cê tá sem chave, nêgo?
IVAN
(tom explicativo)
Tô. Tava de plantão até agora. Eu
liguei falando pra ele não dormir.
(tom de desânimo)
Mas pelo jeito... Tô lascado.
(tom de intensidade)
Pense num sono pesado... É o sono
do Adolfo.

Sonolenta, Cida sai de sua casa e vai próximo à casa de


Ivan. Marcos vai pegar ferramentas em casa.
CIDA
(tom de preocupação)
Que aconteceu?

VIOLETA
(tom explicativo)
Seu Adolfo que não abre a porta.

Marcos bate mais forte na porta.


VIOLETA
(tom de solução)
Vô tentar chamar pelos fundos.

Violeta dá a volta na casa, Ivan segue batendo e chamando


por Adolfo. Filipe não para de chorar. Violeta chega na
janela e bate. Marcos volta com as ferramentas e começa a
tentar abrir pela fechadura.

(CONTINUED)
CONTINUED: 39.

VIOLETA
(tom exclamativo e de gozação)
Seu Adolfo, acorda Bela Adormecida!
Seu Adolfo.

Violeta volta para a frente da casa.


CIDA
(tom de achismo)
Seu pai deve ter um sono bem
pesado, né?!

Violeta vira o rosto e dá uma risadinha.


IVAN
(tom conclusivo)
Ele não é meu pai, é meu marido.

Ivan vai junto de Marcos. Cida aproxima-se de Violeta.


CIDA
(tom de constrangimento)
Tô besta! Eu não sabia que o
bunitinho era... era... era do seu
Adolfo.
Violeta ri discretamente.
CIDA
(tom de indignação)
Você sabia, Violeta?
Violeta faz que sim com a cabeça rindo discretamente.
CIDA
(tom de indgnação)
Por que num me contou, infeliz?
Cida põe a mão no rosto.
CIDA
(tom envergonhado)
Ó paí, eu dano mole de novo!
Violeta ri.

MARCOS
(tom informativo)
Pronto.
Marcos empurra a porta que se abre. Ao fundo se vê os pés de
Adolfo que está deitado no sofá, e Filipe está deitado em
cima do sofá aos pés do dono. Quando a porta abre, as

(CONTINUED)
CONTINUED: 40.

orelhas de Filipe levantam-se e ele desce do sofá correndo e


vai em direção a Ivan. Ivan abaixa-se e o cachorro pula em
seu colo. Ivan levanta-se com o cachorro no colo. Filipe
recosta sua cabeça no ombro de Ivan que olha para dentro de
casa e fica um instante parado. Ivan abaixa-se, deixa Filipe
no chão (a câmera fica na altura de Filipe em primeiro
plano, em segundo plano vê-se o sofá e os pés de Adolfo).
Ivan vai entrando lentamente até sair de plano. Em seguida,
Violeta, Marcos e Cida entram também, lentamente, até saírem
de plano. O cão fica deitado na entrada da casa.

CENA 29 - INT. - QUARTO DE ADOLFO - MADRUGADA


Quarto espaçoso com uma grande cama de casal; um grande
armário com várias portas; dois criados mudos com um abajur
em cada um; uma poltrona de leitura; um tapete no chão; uma
caminha de cachorro no chão e um pôster com uma foto do
casal. Filipe entra no quarto (subjetiva do cão). Violeta
está abotoando uma camisa branca em Adolfo que já está de
calça e descalço. Marcos está ao lado segurando o blazer.
Quando Violeta termina de abotoar a camisa, Marcos senta na
cama e levanta o tronco de Adolfo, Violeta veste o blazer em
Adolfo. Marcos deita Adolfo com cuidado na cama e
levanta-se.
VIOLETA
(tom de pedido)
Meia fina e branca.

MARCOS
(tom de dúvida)
Quê?

VIOLETA
(tom de explicação)
O Ivan falô que é pra por meia
branca e fina no Adolfo.
Armário organizadíssimo. Marcos abre a gaveta de meia dentro
do armário que está muito organizada, ele pega uma meia
branca e fina. Filipe sai do quarto e vai para a sala
(câmera acompanha o cão em sua altura).
Filipe vem andando até o sofá em que Ivan e Cida estão
sentados. Ele para aos pés de Ivan, olha para cima e
senta-se ao lado do dono, sempre com as orelhas baixas.
Violeta sai do quarto junto de Marcos, ela põe a mão no
ombro de Ivan.
VIOLETA
(tom explicativo com ternura)

(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 41.

VIOLETA (cont’d)
Ele já tá arrumadinho. O Marcos vai
lá em casa ligá pra funerária,
enquanto eu ligo pra família dele.

Marcos vai saindo da casa. Ivan enxuga as lágrimas e olha


para Violeta.
IVAN
(tom explicativo)
Acho que você vai perder seu tempo.
Já faz muito tempo que esse povo
virô as costas pra ele.
VIOLETA
(tom explicativo com ternura)
É Ivan, mas tem que pelo menos
avisá, né?! Onde tem uma lista?
Ivan levanta-se e aponta para um armário. Violeta vai até o
armário. Ivan vai em direção ao quarto, Filipe o segue.

CENA 30 - INT. - QUARTO DE ADOLFO - MADRUGADA


Ivan entra no quarto e vê Adolfo com terno, gravata e sapato
deitado na cama, fica um instante olhando. Filipe deita em
sua caminha. Ivan levanta um pouco a barra da calça de
Adolfo para conferir se ele está de meia branca e fina. Ao
conferir, ele arruma a barra da calça. Ivan deita-se ao lado
de Adolfo e segura sua mão. Filipe segue deitado em sua
caminha. OUVE-SE O SOM DO CHORO DE IVAN.

CENA 31 - INT. - SONHO DE MARGARIDA - NOITE


MOMENTO I
SOM DE TAMBORES EM RITMO LENTO.

Descrição: às margens do rio Paraguassu.


Margarida chegando no local. Lentamente, ela se aproxima do
rio, abaixa-se. Ela se vê no reflexo da água e toca-se. Lava
o rosto no rio. De repente, a água do rio começa a correr no
sentido contrário. Margarida, sem entender, acompanha com o
olhar o novo fluxo do rio. Ao olhar para cima, ela vê Oxum
numa pedra. Margarida assusta-se e sai correndo.
MOMENTO II
SOM DE TAMBORES EM RITMO RÁPIDO.

(CONTINUED)
CONTINUED: 42.

Descrição: casa de Margarida vazia e com o espaço ampliado.


Nas paredes, escorre dendê.
Margarida correndo pela casa. Ela abre e fecha portas,
sempre assustada (performance da atriz). Ela está sonhando,
não sabe ao certo do que foge e onde quer chegar. Suja-se de
dendê no caminho. Ela para diante da porta do quarto de
Paulinho.
MOMENTO III

O SOM DO TAMBOR VOLTA A FICAR LENTO E DEPOIS VEM NUMA


CRESCENTE ATÉ O FIM DA CENA.
Descrição: Margarida fica diante da porta do quarto de
Paulinho, quando abre a porta vemos o quarto do menino no
mesmo formato da cena 32 (próxima cena que se passa no
quarto).
Oxum corre de dentro do quarto em direção à Margarida
(câmera).

CENA 32 - INT. - SONHO DE MARGARIDA - QUARTO DE PAULINHO


Descrição: quarto de Paulinho com iluminação especial
(intimista).
Margarida dançando no quarto de Paulinho. A coreografia traz
a ideia de dor e impotência. Planos detalhes e closes. A
câmera passeia pelos movimentos de Margarida.
EDIÇÃO
- as cenas 31 e 32 serão editadas paralelamente respeitando
o ritmo dos tambores. A coreografia da cena 32 deve
respeitar esse ritmo.

CENA 33 - INT. - QUARTO DE MARGARIDA - MADRUGADA

Margarida está sentada na cama, fumando um cigarro e com o


olhar perdido. Depois de um tempo, começa a escorrer dendê
da parede. Ela não vê.

CENA 34 - INT. - QUARTO DE PAULO - MADRUGADA


Quarto pequeno e velho, com uma cama de casal e um armário
pequeno. Paulo está sentado na cama fumando, pensativo.
Shirley, coberta com um lençol, está dormindo ao seu lado.
Ela desperta e olha para ele.

(CONTINUED)
CONTINUED: 43.

SHIRLEY
(sonolenta, tom questionador)
Ouxe, num vai durmi não?

PAULO
(tom pensativo)
Já vô.
Shirley volta a dormir. Ele segue pensando e fumando.

CENA 35 - INT. - COZINHA/SALA DE ADOLFO - MADRUGADA


A cozinha é espaçosa e moderna. Violeta, já não mais com seu
pijama, veste uma camisa e calça e está com o cabelo preso.
Ela está coando um café. Após coar, ela serve quatro xícaras
em uma bandeja e segue para a sala levando-as.
FLASH - Roquelina, mais nova, está com uma criança no colo
(Violeta). Elas estão entre dois caixões.

SOM DO GRITO DA MÃE DE VIOLETA SENDO MORTA PELO PAI.


O caixão está no centro da sala. Cida, com roupa preta, está
sentada rezando o terço. Ivan, de terno preto, está de pé ao
lado do caixão. Marcos está sentado em uma outra cadeira com
a cabeça baixa. Filipe está deitado ao lado do caixão.
Violeta aproxima-se de Ivan que está fazendo carinho na
testa de Adolfo.
VIOLETA
(tom de oferta com ternura)
Pega um cafezinho Ivan, tá
fresquinho.
Ivan faz que não com a cabeça. Violeta segue próxima de Cida
que continua rezando e pega o café. Violeta vai até Marcos
que está de cabeça baixa cochilando.

VIOLETA
(fala baixo, tom repreensivo)
Acorda, Marcos.
Marcos desperta e olha pra ela com cara de sono.

VIOLETA
(fala baixo, tom repreensivo)
Velório é pra velá, não é pra
durmi, não.

Marcos pega uma xícara, ela pega a outra, senta-se e põe a


bandeja na mesinha de centro. Ele e ela dão um gole, em
seguida, ela coloca a cabeça no ombro de Marcos, e eles
ficam olhando para Ivan chorando.
44.

CENA 36 - INT. - QUARTO DE MARGARIDA - AMANHECER


Cancelada

CENA 37 - INT. - ENTRADA DA CASA DE VIOLETA - MANHÃ

Violeta, Marcos, Cosme e Damiana entram em casa. As crianças


correm atrás de Filipe. Marcos aproxima-se de Violeta que
está visivelmente cansada, ele dá um beijo nela, ela sorri
para ele. Violeta segue para o quarto da avó.

CENA 38 - INT. - QUARTO DE ROQUELINA - MANHÃ


Rádio ligado. Roquelina está deitada dormindo. Violeta
entra, pára ao lado da avó e acaricia seu cabelo. Roquelina
segue dormindo. Violeta acende uma vela para Oxum.

INDICAÇÕES TÉCNICAS
As cenas 39 e 40 se intercalam através de raccords de
movimento entre Violeta e Margarida.

CENA 39 - INT. - BANHEIRO DE VIOLETA - MANHÃ


Violeta tira a roupa, entra no chuveiro, abre a torneira e
entra debaixo da água.

CENA 40 - INT. - BANHEIRO DE MARGARIDA - MANHÃ


Margarida tira a roupa, entra no chuveiro, abre a torneira e
entra debaixo da água.

CENA 41 - INT. - QUARTO DE VIOLETA - NOITE


Marcos, de short e sem camisa, está deitado na cama. Violeta
entra lentamente no quarto com a toalha amarrada no corpo.
Marcos fica observando. Ela para na frente da cama e dá um
suspiro profundo e olha para Marcos com um olhar triste e
cansado. Marcos dá um leve sorriso de cumplicidade e os
olhos de Violeta enchem-se de lágrimas. Marcos faz um sinal
para ela ir até ele. Violeta começa a chorar e vai
apressadamente até o marido. Ela deita com a cabeça no peito
de Marcos que dá um beijo na cabeça dela e depois fica
fazendo carinho. Ela chora (choro sentido).
45.

CENA 42 - INT. - QUARTO DE MARGARIDA - NOITE


SM: Margarida contando história para Paulinho.
MARGARIDA E PAULINHO
Bora rezar pra dormir Paulinho: "Ó
Mãe Oxum! Senhora dos rios e
cascatas, Orixá das águas claras
que levam os males do mundo. Deusa
do amor! Que o canto de sua água
embale meus sentimentos com as
vibrações de paz e de perdão.
Senhora do ouro, clareia os meus
caminhos."
Margarida está sentada na cama fumando um cigarro e
encarando o espelho tapado com o lençol.

CENA 43 - INT. - QUARTO DE ROQUELINA - NOITE


Roquelina está deitada com o RÁDIO LIGADO. Violeta, trazendo
o prato de comida, entra no quarto e acende a luz. Filipe
vem seguindo Violeta. Violeta coloca o prato na cômoda,
desliga o rádio e começa a CANTAROLAR enquanto coloca a avó
para sentar na cama. Filipe fica observando do chão. Violeta
coloca o babador em Roquelina, levanta-se, pega o prato na
cômoda e senta-se ao lado da avó. Cantarolando ela dá uma
colherada à avó. Filipe, num movimento rápido, sobe em cima
da cama. Violeta assusta-se e para de cantarolar, Roquelina
não se manifesta.
VIOLETA
(brava)
Não senhor, na cama não.

Filipe deita-se ao lado de Roquelina.


VIOLETA
(brava)
Sai Filipe, sai.
Filipe não sai do lugar. Violeta levanta-se e coloca o prato
na cômoda, quando ela vai tirar Filipe da cama, percebe que
Roquelina está lentamente acariciando o cão. Ela para e fica
olhando para eles. Ela sorri e volta a cantarolar. Violeta
pega o prato e senta-se novamente na cama e volta a dar
comida para a avó.
46.

CENA 44 - EXT. - CASA DE VIOLETA - MANHÃ


Violeta sai com a bicicleta e a vasilha de coxinhas na
cestinha. Violeta para a bicicleta e cheira profundamente a
rosa de seu jardim (a roseira está mais florida que no
início do filme). Ela sobe na bicicleta e sai pedalando.

CENA 45 - EXT. - PONTE - MANHÃ


Violeta passa pela ponte pedalando em sua bicicleta.

CENA 46 - INT. - QUARTO DE MARGARIDA - MANHÃ


SM: vem um som abafado das memórias de Margarida saindo de
dentro da caixa que está no armário.

Margarida abre o armário de seu quarto. Na parte de cima, há


uma caixa de papelão, ela se esforça para pegar. Dificuldade
para pegar a caixa. Ela pega a caixa e leva até a cama.
Margarida abre a caixa que está repleta de fotos soltas.
Margarida pega um pouco das fotos e começa a vê-las.

Cada foto que Margarida vê, remete ao som de um momento da


FESTA DE PAULINHO.
(para esses sons, teremos flash em planos detalhes quando o
som for mais forte, exemplo: quando acende o cigarro, quando
joga o cinzeiro contra a parede...)
Ouve-se Paulo andando de um lado para o outro da cozinha,
enquanto Margarida fuma.
PAULO
(voz over - gritando, tom de
desespero e nervosismo)
Olha pra mim, Margarida.
Ouve-se Paulo pegando o cinzeiro na mesa e joga-o contra a
parede. Ele pega Margarida pelos braços e grita. Ela fica em
silêncio.
PAULO
(gritando, tom de desespero e
nervosismo)
Porra, Margarda, cê tem que me
ouví. Você tá enlouquecendo.
(ele diminui a voz, tom de
desespero e de ternura)
Meu amor, você precisa reagir. Ele
morreu, mas você tá viva.

(CONTINUED)
CONTINUED: 47.

Ouve-se Paulo soltar os braços dela. Margarida volta a fumar


em silêncio.
MARGARIDA
(tom desolado quase sem
expressão)
Você não entende minha dor.
Ouve-se Paulo andando de um lado para o outro. Ele sempre
passa a mão pela cabeça.

PAULO
(tom de desespero e ternura)
E você acha que eu não tô sofreno?
Não é isso.
MARGARIDA
(tom desolado quase sem
expressão)
Você não entende minha dor.
PAULO
(tom de desespero e ternura)
Eu entendo. Você que não entende
que a vida tem que continuar,
porra.
Ouve-se Margarida dando um tapa na mesa.

MARGARIDA
(grita, tom de nervosismo)
Você não entende minha dor.
SOM DE CAMPAINHA TOCA. Margarida começa a guardar
rapidamente as fotos. Ela tampa a caixa e a leva para o
armário. A campainha toca novamente.

CENA 47 - INT. - SALA DE MARGARIDA / EXT. CASA DE MARGARIDA


- MANHÃ

Margarida vai até a porta de entrada.


Violeta está do lado de fora da casa esperando Margarida
abrir a porta. Sua bicicleta está encostada no meio fio.
Margarida com seu cabelo desarrumado e cara amassada abre a
porta, mas fica do lado de dentro da casa que está com pouca
iluminação.
VIOLETA
(tom alegre)
Bom dia...

(CONTINUED)
CONTINUED: 48.

Silêncio por um instante. Margarida olha para a bicicleta e,


em seguida, olha Violeta sorrindo. Violeta fica esperando
alguma reação de Margarida, mas, após alguns instantes,
dirige-se à bicicleta.

VIOLETA
(tom de simpatia)
A senhora qué comprá coxinha?
Violeta tira o pano que cobre a travessa. Margarida segue
olhando sem responder.

VIOLETA
(tom de orgulho)
Tá bem fresquinha, fritei hoje
mermo.

Violeta enrruga a testa tentando lembrar de algo. Margarida


vai fechando a porta.
VIOLETA
(tom questionador)
Pera aí. Eu conheço a senhora de
algum lugar?
MARGARIDA
(sem expressão)
Deve ser impressão sua.

Margarida fecha a porta. Violeta fica pensativa tentando


lembrar de onde conhece aquela mulher. Mas, após alguns
instantes, ela sobe na bicicleta e sai andando.

CENA 48 - INT. - COZINHA/QUINTAL DE VIOLETA - NOITE


Violeta prepara suas coxinhas. Filipe está do lado dela, ela
joga um pedacinho de frango pra ele.
No quintal, Violeta está sentada na rede pensativa. Felipe
está deitado ao lado. Marcos usando uma regata, um shorts e
chinelo, aproxima-se de Violeta e a abraça por trás. Ele
beija o pescoço dela. Violeta se assusta.
VIOLETA
(tom nervoso)
Ai que susto, Marcos! Qué me matá
do coração?
Marcos ri.

(CONTINUED)
CONTINUED: 49.

VIOLETA
(tom nervoso)
Deus é mais!

Marcos senta-se na rede junto de Violeta.


MARCOS
(tom curioso)
Tava pensando em quê?

VIOLETA
(tom pensativo)
Em nada.
Marcos começa a bolar um baseado.

MARCOS
(tom conclusivo)
Em nada? Duvido! Eu bem sei que
essa sua cabecinha aí num para de
funcioná um minuto.
(tom de palpite)
Seu Adolfo?
Marcos segue bolando. Violeta pega o baseado da mão de
Marcos para bolar.

VIOLETA
(tom impaciente)
Me dê isso aqui que você é muito
lento!
(tom pensativo)
Não. Eu só tava aqui pensando numa
mulher que eu vi hoje.
MARCOS
(tom conclusivo)
Lá vem...

Violeta continua pensativa.


VIOLETA
(tom pensativo)
Eu tenho certeza que conheço ela de
algum lugar.
Marcos sela o baseado.
MARCOS
(tom conclusivo)
Deve ser coisa dessa sua cabeça.
Violeta olha brava para ele. Volta o olhar para frente e
fica pensativa. Marcos acende o baseado.

(CONTINUED)
CONTINUED: 50.

VIOLETA
(tom de perplexidade)
Meu Deus! Eu sei quem é a mulher.
MARCOS
(tom curioso)
Quem?
VIOLETA
(tom de perplexidade)
Deus é mais! É a pró.

MARCOS
(tom curioso)
Quem?
Violeta fica pensando ainda com a mão na boca.

VIOLETA
(tom conclusivo)
É ela mermo!
Violeta fica com um olhar distante. SONS DE PARQUE
(pássaros, crianças, rio...).
Marcos passa o baseado para Violeta.
MARCOS
(tom curioso)
Ela quem, Violeta?
VIOLETA
(tom explicativo)
É dona Margarida. Ela foi minha
professora quando eu era criança.

Violeta dá um trago.
VIOLETA
(tom de espanto)
Deus é mais! A mulher tá um caco, e
com uma cara triiiste.
(tom de culpa)
Nossa! Eu tô em falta com ela.
Preciso urgentemente fazê uma
visita a ela.
(tom pensativo)
Coitada, deve tá sofrendo até hoje.
MARCOS
(tom conclusivo)
Tá veno, lá vai você se meter na
vida dos outro.

(CONTINUED)
CONTINUED: 51.

Violeta olha para Marcos.


VIOLETA
(tom de indignação)
Dona Margarida não é "os outro"
não.
(tom explicativo)
Essa mulher falante, alegre,
brincalhona que você namorô, casô,
teve filho, num foi sempre assim,
não. Depois que a disgraça bateu em
minha porta, foi dona Margarida que
me ajudô. Devo muito a ela.
Violeta dá um trago e passa para Marcos que fuma também.
MARCOS
(tom conclusivo)
Então tá, cê que sabe de sua vida.
Num sobrando pra mim...
Silêncio, Violeta fica pensando. Marcos beija o pescoço de
Violeta.

VIOLETA
(tom de gozação)
Ouxe, ouxe, ouxe. Que ousadia é
essa, rapaz? Tem gente olhando.

Violeta faz um sinal com a cabeça para Filipe que está


deitado no chão olhando para o casal. Marcos ri.
MARCOS
(tom malicioso)
As criança já tão dormino.

VIOLETA
(tom malicioso)
Você é muito do osado!

Eles riem, e Marcos segue beijando Violeta que agora está


com um sorriso no rosto.

CENA 49 - INT. - QUARTO DE ROQUELINA - NOITE

Rádio ligado. Roquelina está deitada na cama com os olhos


abertos. Violeta entra no quarto e fica por uns instantes
parada na porta olhando para avó com um sorriso no rosto.
Filipe vem logo atrás e pula na cama de Roquelina,
deitando-se ao lado da senhora. Violeta vai até a cômoda,
desliga o rádio, abre uma gaveta e pega uma fralda
geriátrica. Violeta começa a CANTAROLAR enquanto troca a

(CONTINUED)
CONTINUED: 52.

fralda de Roquelina, ela tira a suja, limpa Roquelina com


paninho úmido e coloca a fralda nova.
VIOLETA
(tom de informação)
Hoje eu vi dona Margarida.
(tom de pergunta)
Lembra dela, voinha?
Violeta sorri, volta a cantarolar enquanto termina de trocar
a fralda da avó. Tanto Violeta como Roquelina ficam com um
olhar distante.

CENA 50 - INT. - QUARTO DE MARGARIDA - NOITE


SOM: tambores (iniciados na cena 50).

Margarida entra no quarto e senta-se na beirada da cama ao


lado do criado-mudo com a foto de Paulinho. Ela está com o
mesmo olhar perdido. Margarida abre a gaveta do criado-mudo
e pega uma escova de cabelo. Ela começa a pentear o cabelo
com certa brutalidade. Margarida olha para o espelho coberto
pelo lençol, ela vai penteando o cabelo cada vez com mais
brutalidade, até que uma hora se irrita e joga a escova com
força no chão. Ela fica ofegante, olha para a foto de
Paulinho.

CENA 51 - INT. - QUARTO DE VIOLETA - MADRUGADA


Violeta está deitada com os olhos abertos. Ela se levanta da
cama e sai do quarto.

CENA 52 - INT. - COZINHA DE VIOLETA -MADRUGADA


Violeta, na cozinha, encostada na parede, fumando um beck.
Ela está com o olhar perdido. Enquanto ela fuma, Filipe
chega na cozinha e vai comer, ela só percebe a presença do
cachorro quando ele faz barulho. Ela volta a fumar sem
perceber o cão (que sai da cozinha depois). ENTRA O SOM.
SOM: Margarida lendo uma poesia para Violeta.
MARGARIDA
(frases soltas da poesia)
Debaixo d´água / Mas tinha que
respirar / Todo dia (repetidas
vezes)
53.

CENA 53 - INT. - QUARTO/SALA/COZINHA/ENTRADA DA CASA DE


MARGARIDA - MANHÃ
SONS DE BICICLETA ANDANDO PELA CASA. Margarida abre os olhos
assustada e dá um pulo da cama. Esfregando os olhos, ela sai
andando afobada pela casa procurando de onde vem o som.
Margarida, com um olhar atento, chega na sala e procura o
som. Ela ouve novos SONS DE BICICLETA pela casa e uma RISADA
DE PAULINHO. Ela continua afobada e vai até a cozinha. Ao
chegar na cozinha, ela procura o som. Margarida corre em
direção à porta da entrada da casa. Ao abrir a porta, ela dá
de cara com Violeta que toca a campainha no exato momento
que Margarida abre a porta.
Silêncio.
VIOLETA
(tom explicativo)
Eu vim conversar com a senhora,
dona Margarida.
Margarida interrompe o movimento de fechar a porta. Violeta
vai virando a cabeça para o lado, na intenção de continuar
sendo vista por Margarida.
VIOLETA
(tom explicativo)
Lembrei de onde lhe conheço. Você
foi minha professora. Eu sou
Violeta.
MARGARIDA
(tom exclamativo com pouca
expressão)
Violeta? Meu Deus, como você
cresceu!
Margarida abre a porta novamente.
VIOLETA
(tom informativo)
É, já tô casada e mãe de duas
crianças retadas.
MARGARIDA
(tom conclusivo com pouca
expressão)
Eu tô impressionada! E sua vó, como
tá?
VIOLETA
(tom de lamento)
Cotchada (coitada)! Num tá bem não.

(CONTINUED)
CONTINUED: 54.

Margarida suspira.
VIOLETA
(tom questionador)
Mas sim, num vai me convidar pra
tomá um cafezinho, não?

Margarida fica um instante em silêncio.


MARGARIDA
(tom explicativo com pouca
expressão)
Acho melhor deixá prum outro dia. A
casa tá muito bagunçada.
VIOLETA
(tom conclusivo e de gozação)
Oxente, eu não ligo pra isso não,
pró. A senhora precisava ver minha
casa...
Violeta pega sua bicicleta e já vai em direção à porta.
Margarida, sem saber o que fazer, abre espaço e a moça vai
entrando com sua bicicleta.
VIOLETA
(tom de justificativa)
Vou deixar a bicicleta aqui dentro.
Sempre tem um infeliz que quer tirá
proveito.
Violeta entra na sala com a bicicleta e encosta perto do
móvel da entrada que tem porta-retratos em cima.
VIOLETA
(tom de lembrança)
Ah é! Tenho um presente.
Violeta levanta o pano que tapa a travessa com as coxinhas e
tira de lá um botão de rosa. Margarida pega a rosa com
delicadeza da mão de Violeta. Margarida leva a rosa até o
nariz e cheira.
MARGARIDA
(tom de ternura com pouca
expressão)
Café?
Margarida e Violeta sentadas à mesa da cozinha. Margarida em
uma ponta e Violeta na outra.

(CONTINUED)
CONTINUED: 55.

VIOLETA
(tom narrativo)
Desde que aconteceu aquela coisa
toda com a senhora, nunca mais lhe
vi. Voinha até lhe procurou naquela
época, mas nunca conseguiu falar
com a senhora. Achei até que
tivesse ido embora daqui.
Margarida acende um cigarro. Violeta fica em silêncio sempre
observando a casa.A rosa está na pia em um copo de água. Ela
olha para a foto da família na parede.
VIOLETA
(tom de curiosidade)
É seu filho?

Margarida para de lavar as xícaras.


MARGARIDA
(sem expressão)
É.

Violeta faz um olhar de pesar. Margarida acende um cigarro.


Violeta fica em silêncio e vai se sentar a mesa. As duas
ficam sentadas em silêncio. Violeta toma a iniciativa e
serve café para as duas. Silêncio. Violeta dá um gole.
VIOLETA
(tom de indignação e gozação)
Deus é mais! Desculpa, dona
Margarida, mas que café é esse?
MARGARIDA
(tom explicativo com pouca
expressão)
É de ontem, eu só fiz esquentar.
Violeta levanta-se da mesa.

VIOLETA
(tom de pergunta)
A senhora dá licença deu passá
outro?
MARGARIDA
(sem atenção)
Passar o quê?
VIOLETA
(tom de informação)
Outro café.

(CONTINUED)
CONTINUED: 56.

MARGARIDA
(sem expressão)
Pode ser.
Violeta pega uma panela que está na pia, enche de água.

MARGARIDA
(tom de curiosidade com pouca
expressão)
Você terminou os estudos?

Violeta acende o fogão e põe a água pra ferver.


VIOLETA
(tom explicativo)
Não, casei muito nova. A senhora
sabe né...

MARGARIDA
(tom de curiosidade com pouca
expressão)
Seu marido faz o quê?

VIOLETA
(tom de pergunta)
Onde fica o café?
Margarida aponta para um armário enquanto dá um trago longo
no cigarro. Violeta abre o armário, onde estão vários potes.

VIOLETA
(tom de orgulho)
Marcos é pedreiro, e dos bons.
Nunca fica sem serviço.

Violeta pega o pó de café e vê um pote com canela, ela pega


também.
VIOLETA
(tom de curiosidade)
E o seu Paulo como tá?
Silêncio.
MARGARIDA
(sem expressão)
Já faz muito tempo que num sei nada
dele.
Violeta coloca o pó de café na água e em seguida põe uma
canela em pau.

(CONTINUED)
CONTINUED: 57.

VIOLETA
(tom de indignação)
Não acredito que vocês separaram.
Não vai me dizer que ele foi embora
com outra?

MARGARIDA
(tom explicativo e de lamento
com um pouco mais de
expressão)
Não. Ele só não guentô ficá com a
que tinha.
Violeta começa a coar o café.
VIOLETA
(tom de indignação)
Que abestalhado! A senhora era uma
mulher tão linda.
Violeta segue coando e olha para Margarida.
VIOLETA
(tom de justificativa)
Quer dizer, é uma mulher linda, só
tá meio caidinha, né?!
Violeta volta a olhar para o café coando.

VIOLETA
(tom conclusivo)
Tá precisando é levantar esse
astral...
(tom de conselho)
Mas por que a senhora não procura
seu Paulo?
Silêncio. Violeta olha para Margarida que está olhando para
o nada. Violeta termina de coar o café, tapa a garrafa
térmica e a leva para a mesa, onde serve as duas xícaras em
cima da mesa. Margarida acende outro cigarro. Violeta
senta-se ao lado de Margarida e dá um gole no café.
VIOLETA
(tom exclamativo)
Agora sim um café de verdade!

Com as duas mãos, Margarida pega a xícara e dá um gole. Ela


sente um gosto estranho e lambe delicadamente os lábios e
fica pensativa.

(CONTINUED)
CONTINUED: 58.

VIOLETA
(tom de explicação)
É canela.
MARGARIDA
(sem expressão)
O quê?
VIOLETA
(tom de explicação)
Coloquei canela.

Margarida dá mais um gole.


MARGARIDA
(tom de lembrança, sem muita
expressão)
Tem gosto de Natal.
VIOLETA
(tom de orgulho)
Café com canela é minha
especialidade!

Margarida segue tomando o café. Instante de silêncio.


Violeta olha para a foto.
VIOLETA
(tom de dúvida)
Qual era o nome dele?
MARGARIDA
(sem expressão)
O mesmo do pai, Paulo.

VIOLETA
(tom de dúvida)
Já faz quanto tempo, mermo?
MARGARIDA
(tom um pouco mais agressivo)
Não quero falar nisso!
VIOLETA
(tom de constatação e ternura)
Acho que faz um bucado de tempo,
né?! Eu ainda era criança.
(tom de conselho com ternura)
A senhora não pode ficar assim pra
sempre, não.

(CONTINUED)
CONTINUED: 59.

MARGARIDA
(tom agressivo)
Por favor, Violeta...
Silêncio. Violeta tenta olhar para os olhos de Margarida,
mas ela esquiva o olhar.
VIOLETA
(tom de conselho)
A senhora tem todo direito de
sentir sua dor, mas o que num pode,
é se entregá desse jeito.
(tom questionador)
Olha pra essa casa. Isso não é de
Deus, não! Olha pra senhora.
Margarida arrasta a cadeira para trás e se levanta.

MARGARIDA
(tom de nervosismo)
Violeta, muito obrigado pela
visita. Mas acho melhor você ir
embora.

VIOLETA
(tom questionador)
A senhora acha que seu filho ia
ficar feliz em lhe vê assim?

Margarida dá um tapa na mesa.


MARGARIDA
(tom muito nervoso com
expressão)
Não se intrometa em minha vida,
menina.
Violeta que estava apoiada com os braços na mesa, ergue o
tronco e deixa seu corpo ereto na cadeira.

VIOLETA
(tom questionador)
"Não se intrometa?"
(tom informativo)
Dona Margarida, deixe eu lhe contar
uma história.
(tom narrativo)
Era uma vez, uma menina doce,
frágil, ingênua. Ela era feliz e
amada. O pai era um ídolo, a mãe,
um exemplo. Uma família perfeita.
Até que um dia, procurando por ela,
a desgraça bateu em sua porta, e
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 60.

VIOLETA (cont’d)
sem cerimônia, entrou em sua casa,
comeu seu pão, bebeu sua água e foi
embora deixando pra trás a saudade.
Sem pai, nem mãe, a menina ficô
sozinha. Por não entendê o que tava
acontecendo, ela fez do silêncio
sua melhor companhia. A cada dia, a
cada hora, a cada minuto, a cada
segundo ela era perseguida pela dor
mais duída do mundo que parecia não
tê mais fim... Ninguém podia
entender aquela dor... Até que um
belo dia, cansado de ver tanto
sofrimento, Deus mandou de presente
pra garota um anjo vestido de
mulher. Com simplicidade e
delicadeza, esse anjo salvou a
menina da dor eterna.
Violeta apoia-se novamente na mesa.
VIOLETA
(tom conclusivo)
Dona Margarida, a senhora que me
perdoe, mas você ensinou à menina
que quando alguém tem um problema
muito grande, a gente deve
intrometê sim na vida do outro.
MARGARIDA
(tom agressivo)
Violeta, sai de minha casa.

Enquanto Violeta recita a poesia, Margarida grita com ela.


VIOLETA
(tom agressivo)
Debaixo dágua tudo era mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar
Mas tinha que respirar
Debaixo dágua se formando como um
feto
sereno confortável amado completo
sem chão sem teto sem contato com o
ar
Mas tinha que respirar
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 61.

VIOLETA (cont’d)
Debaixo dágua por enquanto sem
sorriso e sem pranto
sem lamento e sem saber o quanto
esse momento poderia durar
Mas tinha que respirar
Debaixo dágua ficaria para sempre
ficaria contente
longe de toda gente para sempre
no fundo do mar
Mas tinha que respirar
Todo dia
Todo dia, todo dia
todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
Debaixo dágua protegido salvo fora
de perigo
aliviado sem perdão e sem pecado
sem fome sem frio sem medo sem
vontade de voltar
Mas tinha que respirar
Debaixo dágua tudo era mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar
Mas tinha que respirar
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
MARGARIDA
(tom histérico)
Eu não quero ouvir nada. Eu quero
ficá em paz. Sai da minha casa.
Essa mulher das suas memórias
morreu junto com o filho. Deixa eu
viver em paz a minha dor... Cala a
boca!

Margarida pega o cinzeiro e joga com força no chão. Violeta


se cala. Silêncio. Instante de tensão. Margarida dá um
suspiro. Assustada, Violeta fica alguns instantes imóvel.
Margarida ofegante. Violeta põe as mãos sobre a mesa e se
levanta. Violeta vai saindo da cozinha em direção à sala.
Margarida senta-se novamente à mesa. Violeta pega a
bicicleta e olha para trás, fica alguns instantes olhando
para Margarida que segue fumando e olhando para o nada.
Violeta abre a porta e sai com a bicicleta, deixando a porta
aberta.
62.

CENA 54 - EXT. - PONTE - ENTARDECER


Violeta atravessa a ponte de bicicleta voltando para casa.

CENA 55 - EXT. - CASA DE VIOLETA - ENTARDECER

Violeta vem empurrando a bicicleta em direção a sua casa.


Ela sorri, a câmera faz uma PAN e vemos Ivan sentado na
calçada aguardando ela. Ela encosta a bicicleta, senta no
chão com Ivan e dá uns tapinhas nas costas dele.

CENA 56 - INT. - QUARTO DE ROQUELINA - ENTARDECER


Roquelina está deitada com o cão ao seu lado. RÁDIO LIGADO.
O cão, que está com a cabeça em uma das mãos de Roquelina,
primeiro ergue as orelhas, depois levanta a cabeça. Violeta
e Ivan chegam na porta do quarto. Filipe levanta-se da cama
e vai correndo até Ivan, que o pega no colo, abraça e dá uns
beijos. Violeta fica observando pai e filho com um olhar de
ternura.

CENA 57 - EXT. - CASA DE IVAN - ENTARDECER


Ivan e Filipe estão parados em frente à porta da casa. Eles
ficam alguns instantes parados. Ivan, lentamente, tira a
chave do bolso e abre a porta da casa. Eles continuam
parados por algum tempo. De repente, o cão toma a iniciativa
e entra na casa. Ivan ainda fica mais um tempo parado, até
que respira fundo, entra e fecha a porta.

CENA 58 - INT. - CORREDOR DA CASA DE MARGARIDA - ENTARDECER

SOM: Paulinho brincando no quarto com carrinhos. (diálogo e


ações livres)
Num corredor longo com quatro portas (quarto de Margarida,
quarto de Paulinho, quarto de visita e banheiro), Margarida
está parada em frente à porta do quarto de Paulinho que está
fechada. Depois de algum tempo, ela vai andando lentamente
até a porta de seu quarto e entra.

CENA 59 - INT. - QUARTO DE ROQUELINA - NOITE


Violeta está passando esmalte nas unhas de Roquelina que
está sentada na cama olhando para o nada. Violeta, com um
semblante leve, CANTAROLA a tradicional canção.
63.

CENA 60 - INT./EXT. - ENTRADA DA CASA DE MARGARIDA - DIA


Margarida abre a porta. Ela olha para os lados, mas não há
ninguém na rua. Margarida vai fechando a porta quando, ao
olhar para baixo, vê um botão de rosa sobre o tapete de
entrada. O olhar de Margarida modifica-se. Margarida fica
alguns instantes olhando para a rosa no chão. Sem entender,
ela volta a olhar para os lados da rua para ver se tem
alguém. Ela olha para a rosa, e, lentamente, abaixa-se para
pegar. Margarida pega a flor e se levanta. Ela olha para a
rosa e seu olhar ganha um novo brilho. Lentamente, Margarida
fecha os olhos e leva a rosa até o nariz e a cheira
profundamente. Bate um vento no rosto de Margarida. Aos
poucos, ela abre os olhos e vai se afastando para dentro de
casa e fecha a porta.

CENA 61 - INT. - COZINHA DE MARGARIDA - DIA


Margarida chega na cozinha com o botão de rosa nas mãos. Ela
vai até o copo com água, onde está a rosa do dia anterior, e
coloca no copo a nova flor.

CENA 62 - INT. - QUARTO DE MARGARIDA - NOITE


Margarida vai até o espelho, que ainda está com o lençol
tapando-o, e fica alguns instantes olhando. Ela respira
fundo e, num movimento brusco, arranca o lençol do espelho.
Sem se encarar no espelho, ela vai até a escova de cabelo
que está jogada no chão, pega-a e, lentamente, vai até o
criado-mudo e a guarda.

CENA 63 - INT./EXT. - ENTRADA DA CASA DE VIOLETA - NOITE

TOCA A CAMPAINHA. Marcos, de bermuda e regata, vai até a


porta e abre. Do outro lado da porta, está Cida com uma
roupa extravagante.

CIDA
(tom simpático)
Boa noite, Marcos.
MARCOS
(tom de gozação)
Ouxe, Cidão, agora deu pra batê de
porta em porta pra pregar a palavra
do senhor?
CIDA
(tom de impaciência)
Ai, como você é abestalhado!

(CONTINUED)
CONTINUED: 64.

(tom de explicação e gozação)


Vim pra levar sua mulher pro mau
caminho, isso sim!

MARCOS
(tom de gozação)
Pronto! Agora é o Cidão que eu
conheço.

Marcos ri.
MARCOS
(tom informativo)
Vô lá chama ela, entra aí.

CIDA
(tom informativo)
Chame ela que eu vô fica aqui
tomando uma fresca. Essas ondas de
calor tão acabando comigo.

MARCOS
(tom de gozação)
Nada como ser jovem, né, Cidão?!
Cida faz um sorriso irônico. Marcos ri e entra na casa.

CENA 64 - INT. - QUARTO DE ROQUELINA - NOITE


CANTAROLANDO, Violeta está terminando de dar comida para
Roquelina. Marcos encosta na porta e fica alguns instantes
olhando para as duas. Violeta ouve o marido, para de
cantarolar e olha para ele.
VIOLETA
(tom questionador)
Ouxe, tá olhando o quê?

MARCOS
(tom de encanto)
Olhando pras duas mulheres mais
lindas dessa Bahia de meu Deus!

Violeta dá um sorrisinho orgulhoso.


VIOLETA
(tom simpático)
Ouviu, voinha?

MARCOS
(tom informativo)
A Cida tá lhe esperando pra
saidinha de vocês.

(CONTINUED)
CONTINUED: 65.

VIOLETA
(tom de lembrança)
Vixi, já tava esquecendo da nossa
cervejinha de quarta. Fala pra ela
que só vô me arrumar e tô ino.

Violeta limpa a boca de Roquelina.


MARCOS
(tom de despreocupação)
Pode deixar que eu termino de
arrumar as coisas. Vai lá.
Violeta levanta-se, dá um beijo na testa da avó, vai até
Marcos e beija a boca dele.
MARCOS
(tom de gozação)
Só toma cuidado pra Cida não te
levar pro mau caminho. Hoje ela tá
toda fogosa!
Violeta dá um tapinha no peito de Marcos enquanto dá uma
risada. Ela sai do quarto. Marcos olha para ela saindo, em
seguida, ele olha para Roquelina com um olhar terno.
MARCOS
(tom de gozação e ternura)
E ai veinha, só ganhando comidinha
na boca, musiquinha pra dormir...
Êta que a vida tá bem boa, né!
Marcos vai colocando o prato, colher e pano na cômoda. Ele
coloca Roquelina deitada na cama.

MARCOS
(tom de gozação e ternura)
Num tô dizendo, tá até ganhando
peso.

Marcos pega na mão de Roquelina e fica alisando.


MARCOS
(tom de ternura e saudade)
Tô com saudade de ficar conversando
com a senhora.
(tom de incentivo)
Bora melhorar, dona Roquelina!
Ele dá um beijo na mão de Roquelina. Fica alguns instantes
olhando para ela. Ele deita na cama ao lado da senhora e põe
a cabeça na barriga dela e a mão de Roquelina na cabeça
dele. Eles ficam deitados em silêncio.
66.

CENA 65 - INT. - BANHEIRO DE VIOLETA - NOITE


Já com um vestido simples, mas elegante, Violeta maquia-se
em frente ao espelho do banheiro.

CENA 66 - INT. - BAR DO TONINHO - NOITE


Um bar com quatro mesas e cadeiras, um balcão, com bancos
altos embutidos do lado de fora, atrás do balcão uma
prateleira com bebidas, uma estufa sobre o balcão com várias
coxinhas pouco apetitosas. Toninho, com seu avental e um
pano de prato no ombro, está atrás do balcão lavando copos.
Violeta e Cida estão sentadas em uma das mesas, outras duas
mesas também estão ocupadas. As duas estão dando uma
gargalhada.

VIOLETA
(tom de constatação)
Ai Cida, você não tem jeito mermo,
não!
CIDA
(tom de lamento)
Ai Violeta, eu também sou filha de
Deus. Deus é mais! Parece que
enterraram uma cabeça de cavalo no
quintal lá de casa.

Violeta serve uma cerveja, mas vê que acabou.


CIDA
(tom de lamento)
Aparece de tudo nessa minha vida.
Agora homem que é bom... Nada.
Violeta ri, em seguida olha para o balcão e levanta a
garrafa vazia de cerveja.
VIOLETA
(tom de pedido, para Toninho)
Seu Toninho...
(tom de constatação, para
Cida)
Deixa de ser exagerada, Cida. Você
que é muito exigente.

CIDA
(tom de orgulho)
Ah, nesse ponto você tem razão.
Passei uma vida inteira apanhando
do defunto. Agora não quero saber
de traste nenhum, não.

(CONTINUED)
CONTINUED: 67.

Toninho chega com a cerveja.


TONINHO
(tom de gozação)
Êta que hoje cês tão animada, enh?!

CIDA
(tom de indignação)
Agora, mas veja! Era só o que me
faltava, levar bronca do dono do
bar.

Toninho dá uma risada e sai.


VIOLETA
(tom de gozação)
Ouxe, Cida, seu Toninho até que não
tá tão mal.
Violeta ri, mas interrompe sua risada ao ver Paulo, com
roupas desleixadas e barba por fazer, entrar no bar e ir
direto ao balcão. Ela segue o homem com o olhar.

CIDA
(tom de indignação)
Deus é mais! Tá repreendido em nome
de Jesus Cristo! Eu aqui abrindo
meu coração e você...

Violeta, com o olhar de quem teve uma ideia, põe a mão nos
ombros de Cida interrompendo a fala dela.
VIOLETA
(sem atenção)
Pera só um minutinho, Cida. Já
volto.
Violeta levanta-se e vai até Paulo. Cida acompanha Violeta
com o olhar. Ela vê Violeta cutucando Paulo, ele olha para
ela e não a reconhece, ela fala alguma coisa e ele abre um
sorriso. Paulo levanta-se e abraça Violeta. Cida fica com um
olhar desconfiado sem entender. Nesse momento, entram três
JOVENS MÚSICOS no bar, cada um trazendo um instrumento e
sentam-se à mesa ao lado. Cida acompanha os jovens com um
olhar malicioso, que logo é quebrado por um olhar
desconfiado ao olhar novamente para Violeta e Paulo que
conversam com sorrisos no rosto. Cida serve o copo de
cerveja e dá um gole. Um dos rapazes ergue o braço pedindo
uma cerveja para seu Toninho. Um outro rapaz da mesa olha
para Cida de cima a baixo. Cida fica atordoada e olha
novamente para Violeta e Paulo que seguem conversando. Cida
começa a se abanar enquanto olha para um lado e para o outro
alternando seu olhar e suas expressões. O rapaz, enquanto

(CONTINUED)
CONTINUED: 68.

conversa com os amigos, olha maliciosamente para ela. Ela


olha para Violeta que dá um beijo no rosto de Paulo.
CIDA
(tom de julgamento, sussurro)
Êta porra!

Cida olha para o rapaz que sorri para ela e pisca um dos
olhos.
CIDA
(tom malicioso, sussurro)
Êta porra!
Sem saber o que fazer, entre uma olhada e outra, Cida
desespera-se e vira o copo de cerveja de uma vez. Quando ela
bate o copo na mesa, Violeta chega e senta-se ao lado dela
com um sorriso no rosto.
CIDA
(tom de perplexidade,
sussurrando)
O que foi aquilo, Violeta?

VIOLETA
(tom de curiosidade)
O quê?
CIDA
(tom de indignação,
sussurrando)
Você cheia de intimidade com aquele
homem. Tá "dodja" (doida)!
VIOLETA
(tom de indignação e
explicação)
Feche sua cara, Cida! Dodja tá
você! Aquele é seu Paulo, um grande
amigo que eu não via há anos.

CIDA
(tom de conformismo)
Unh, é bom mermo!
(tom malicioso, sussurrando)
Bunitão ele, né?!

VIOLETA
(tom de gozação)
É, mas já tem dona.

(CONTINUED)
CONTINUED: 69.

CIDA
(tom de justificativa)
Oxe, Violeta, fique tranquila, que
quem gosta de velho é ferrugem. Meu
negócio é outro.

Cida olha para a mesa do lado e o rapaz dá um sorriso para


ela, e ela retribui. Violeta fica pensativa com um leve
sorriso no rosto.

CENA 67 - INT. - SALA/COZINHA DE MARGARIDA - DIA


Margarida está sentada no sofá fumando um cigarro. A
campainha toca, ela esboça um semblante de certeza.
Levanta-se do sofá e vai até à porta. Quando ela abre a
porta não tem ninguém, instintivamente, ela olha para o chão
e, lá, está novamente um botão de rosa. Ela esboça um
sorriso, abaixa-se e pega a flor do chão, fecha a porta e se
dirige para a cozinha.
Margarida entra na cozinha trazendo o botão de rosa, no
lugar do copo com água onde estavam os outros dois botões de
rosa, agora tem um vasinho simples, cheio de água e com sete
botões de rosa. Margarida acrescenta a flor que ela traz no
vaso.

CENA 68 - CORREDOR DA CASA DE MARGARIDA - ENTARDECER

Margarida está de frente para a porta do quarto de Paulinho.


Ela fica por alguns instantes olhando para a porta. Num
movimento lento, ela retira uma chave do bolso lateral de
sua camisola. Ainda muito lentamente ela leva a chave até a
fechadura e destranca a porta. Ela leva a mão até a
maçaneta, mas desiste do movimento. Ela vai andando até seu
quarto e entra.

CENA 69 - INT./EXT. - ENTRADA DA CASA DE VIOLETA -


ENTARDECER
Violeta chega de bicicleta em casa (a roseira está cheia).
Ela entra em casa com um semblante leve trazendo sua
bicicleta. Marcos está esperando-a com um olhar triste. Ela
para e olha para ele. O olhar dela começa a mudar, ela joga
a bicicleta no chão.
70.

CENA 70 - INT. - QUARTO DE ROQUELINA - ENTARDECER


Violeta vem correndo até o quarto e fica parada na porta.
Roquelina está deitada na cama com os olhos fechados
respirando forte e com expressões de dor. Violeta vai
andando lentamente até a avó. Marcos chega na porta do
quarto.
MARCOS
(tom de aviso)
Ivan já tá vindo.

Violeta nem presta a atenção no que Marcos diz. Ela se senta


na cama, levanta a cabeça da avó e a coloca em seu colo.
Violeta começa a CANTAROLAR e a passar carinhosamente as
mãos nos cabelos da avó, que segue sentindo dor e respirando
forte. Marcos sai do quarto, e Violeta segue cantarolando e
alisando o cabelo da avó.
Anoitece, durante a ação de Violeta. Ivan chega e examina
Roquelina, e Violeta não para de cantarolar e de fazer
carinho na avó.

Ivan sai do quarto e chama Marcos para conversar. Violeta


segue em sua ação.
SONS DE SIRENE DE AMBULÂNCIA, Violeta continua cantarolando.
TOCA A CAMPAINHA, Marcos vai até Violeta.

MARCOS
(tom carinhoso)
Violeta.
Violeta num movimento leve faz que "sim" com a cabeça. Ela
para de cantarolar e dá um beijo doce e profundo na testa de
Roquelina. Com cuidado, Marcos levanta a cabeça de Roquelina
para Violeta levantar-se. Violeta levanta-se, e com o mesmo
cuidado, Marcos coloca a cabeça da avó no travesseiro.
Marcos abraça Violeta e eles vão saindo do quarto.

CENA 71 - INT. - CORREDOR/BANHEIRO DE VIOLETA - NOITE


Marcos traz Violeta até o banheiro. Ele fecha a porta e ela
fica olhando para o nada. SONS DE GENTE ENTRANDO NA CASA,
INSTRUÇÕES DE IVAN PARA OS SOCORRISTAS, BARULHO DE MACA
ANDANDO PELA CASA, RESPIRAÇÃO FORTE DE ROQUELINA.
IVAN
(bravo)
Cuidado, rapaz!
71.

Num movimento rápido, Marcos corre para o chuveiro e abre a


torneira toda. Num mesmo movimento rápido, ele corre até a
pia e a abre ao máximo, ele corre até Violeta e a abraça. Em
primeiro plano SONS DE ÁGUA DO CHUVEIRO E DA PIA, abafando
os sons anteriores. Violeta começa a chorar compulsivamente.

CENA 72 - INT. - QUARTO DE ROQUELINA - NOITE


SONS DA ÁGUA DO CHUVEIRO E DA PIA que começam a se misturar
com SOM DE RIO CORRENDO. O quarto está vazio todo encharcado
de água. A vela ao lado da imagem de Oxum está acesa.

CENA 73 - INT. - QUARTO DE MARGARIDA - DIA - SONHO


SOM DE RIO CORRENDO. Margarida de frente para o espelho
tapado com o lençol. Margarida retira bruscamente o lençol
do espelho e se enxerga. Aos poucos, Margarida vai se
aproximando do espelho e fica analisando-se, passando
levemente a mão pelo rosto. De repente, ela olha para um
canto do espelho e, de forma desfocada, vê no fundo do
quarto a imagem de Oxum. Ela se assusta e fica estática.
Margarida fecha os olhos, respira fundo e, num movimento
brusco, vira-se de costas para o espelho e em direção a
Oxum. PARA O SOM DO RIO CORRENDO. Quando ela termina de se
virar bruscamente, abre os olhos. Oxum está frente a frente
com ela. Margarida enrijece seu corpo. Silêncio. Oxum grita
seu ilá.

CENA 74 - INT. - QUARTO DE MARGARIDA - NOITE


Margarida acorda do sonho suando e ofegante. Ela acende a
luz do abajur rapidamente e vasculha o quarto vazio com o
olhar. Quando ela se dá conta que é um sonho, ainda
ofegante, pega um cigarro no criado mudo e acende ao
contrário. Ao perceber, Margarida apaga-o, pega outro
cigarro, acende e fica fumando.

FADE

CENA 75 - INT. - COZINHA DE MARGARIDA - DIA


FADE

Margarida, sentada à mesa pensativa, fuma um cigarro tomando


o café. Por duas vezes ela olha para a porta de entrada.
72.

CENA 76 - INT. - BANHEIRO DE MARGARIDA - DIA


Margarida está sentada na privada. Ela ouve a campainha
tocar. Rapidamente, ela se levanta, veste a roupa, dá a
descarga e sai apressadamente do banheiro.

CENA 77 - INT./EXT. - ENTRADA DA CASA DE MARGARIDA - DIA


Margarida vem apressada até a porta de casa com um semblante
de ansiedade. Ela abre bruscamente a porta e dá de cara com
o entregador de compras com uma caixa de papelão com
alimentos nas mãos. Margarida desmancha seu semblante
ansioso e lentamente pega as compras da mão do rapaz e em
seguida fecha a porta.

CENA 78 - INT. - SALA DE MARGARIDA - DIA


Margarida senta-se no sofá e acende um cigarro. O som do
carro de som que anuncia as notas de falecimento vai se
aproximando da casa de Margarida.

CARRO DE SOM
Nota de falecimento. Anunciamos o
falecimento de Roquelina Aparecida
Silva. Os familiares e amigos
convidam a todos para o
sepultamento que acontecerá hoje às
quatro horas da tarde no cemitério
municipal. A família enlutada
agradece a todos que comparecerem a
esse ato de fé e piedade cristã.
Nota de falecimento...

Margarida está fumando seu cigarro de forma apática, mas


quando ouve o nome de Roquelina ela fica estática pensando.

CENA 79 - INT. - QUARTO DE MARGARIDA - NOITE

Margarida, com um semblante pensativo, está sentada na cama


fumando um cigarro.

CENA 80 - INT. - QUARTO DE VIOLETA - MANHÃ

Violeta está deitada de lado olhando para o nada.


73.

CENA 81 - INT. - QUARTO DE ROQUELINA - DIA


Violeta, vestindo uma camisola, está sentada na beira da
cama de Roquelina com um olhar distante e triste. Na cama
está uma das gavetas da cômoda de Roquelina com fotos,
cartas, documentos, bijuterias... No chão, duas caixas de
papelão, uma para lixo e outra para ser guardada.
Lentamente, Violeta vai pegando cada objeto da gaveta,
analisa e vai direcionando para as caixas. TOCA A CAMPAINHA.
Violeta respira fundo e se levanta da cama lentamente e anda
em direção à porta do quarto.

CENA 82 - INT./EXT. - ENTRADA DA CASA DE VIOLETA - DIA


Violeta vai até a porta, abre e olha para os lados da rua e
não vê ninguém. Violeta olha para o chão e esboça um sorriso
terno.

CENA 83 - INT. - QUARTO DE ROQUELINA/SALA DE VIOLETA - NOITE


As roupas e objetos de Roquelina estão jogadas pela cama e
pelo chão. Na cômoda, a imagem de Oxum, uma vela acesa e uma
rosa. Violeta está deitada na cama abraçada com umas roupas
de Roquelina. Ela está com o olhar perdido e os olhos
inchados. SOM DE MARCOS, COSME E DAMIANA GRITANDO E CORRENDO
PELA CASA. Violeta se assusta com o corre-corre. Ela se
levanta e vai em direção à sala. Ao chegar na sala, ela
vê o marido e os filhos brincando e correndo de um lado
para o outro. Sem que eles percebam, ela cruza os braços,
encosta-se na parede e, com um sorriso de satisfação, fica
observando sua família.
SOM DE CAMPAINHA.

CENA 84 - INT./EXT. - ENTRADA DA CASA DE MARGARIDA - DIA


Margarida abre a porta de casa, do outro lado está Violeta
com um sorriso no rosto trazendo sua bicicleta. Margarida
sorri. Margarida abre espaço e Violeta entra na casa
empurrando a bicicleta.

CENA 85 - INT. - COZINHA DE MARGARIDA - DIA

Violeta está passando um café enquanto Margarida, sentada à


mesa, fuma um cigarro. Violeta termina de passar o café e
serve para Margarida, e depois para ela enquanto senta-se à
mesa. Margarida dá um gole de café e faz um sinal de
positivo com a cabeça, Violeta sorri.

(CONTINUED)
CONTINUED: 74.

VIOLETA
(tom orgulhoso)
Quando eu digo que é minha
especialidade, a senhora não leva
fé.

Margarida dá um leve sorriso. As duas seguem tomando o café.


VIOLETA
(tom de conselho e cuidado)
Sabe dona Margarida, eu acho que a
senhora devia sair um pouco dessa
casa.
Margarida faz uma cara de desânimo.
VIOLETA
(tom de solução)
Vamo tomá uma cervejinha?
MARGARIDA
(tom óbvio)
Não.

VIOLETA
(tom de solução)
Então vamo dá uma voltinha de
bicicleta.

MARGARIDA
(tom óbvio)
Não.
VIOLETA
(tom de argumentação)
Ouxe, uma voltinha de bicicleta não
mata ninguém.
MARGARIDA
(tom de informação)
Eu não sei andar de bicicleta, não.
VIOLETA
(tom de solução)
Pronto! Então vamo aprendê... Sô
craque nisso!

Margarida levanta a cabeça e olha para Violeta.


MARGARIDA
(tom de rendição)
Cê num vai desistir, neh?!

(CONTINUED)
CONTINUED: 75.

Violeta sorri para Margarida que abaixa a cabeça com um leve


sorriso no rosto. Violeta pega na mão dela. Os olhos de
Margarida se enchem de lágrimas. Violeta afaga a mão de
Margarida. Margarida, lacrimejando, olha para Violeta que
retribui o olhar com um sorriso simples.

VIOLETA
(tom de incentivo)
Vamo tentar?
MARGARIDA
(tom de leve desespero)
Mas, tentar é difícil.
VIOLETA
(tom de incentivo)
Só não é fácil... mas é simples.
(tom de convite)
Vamos só tentar?
Violeta segura mais forte na mão de Margarida. Margarida
abaixa a cabeça. Silêncio.

VIOLETA
(tom de proposta)
E aí, cervejinha ou bicicleta?
Margarida levanta a cabeça com um sorriso de rendição e olha
para Violeta.

CENA 86 - INT. - QUARTO DE MARGARIDA - NOITE


Margarida abre lentamente a gaveta do criado mudo, pega a
escova de cabelo e segue para a frente do espelho. Ela fica
se olhando por alguns instantes e começa a pentear o cabelo,
no início com dificuldade, mas depois vai ficando mais leve,
assim como seu semblante.

CENA 87 - INT. - SALA DA CASA DE MARGARIDA - MANHÃ


TOCA A CAMPAINHA. Margarida abre a porta da casa, do lado de
fora está Violeta com sua bicicleta. Na cesta da bicicleta
tem alguns produtos de limpeza. Ela sorri para Margarida.

VIOLETA
(tom de proposta)
Bora arrumá essa casa?
Margarida sorri para Violeta.

(CONTINUED)
CONTINUED: 76.

MARGARIDA
(tom de concordância)
Bora.
Margarida abre espaço para Violeta entrar com a bicicleta.

CENA 88 - INT. - SALA DE MARGARIDA - TARDE


Margarida está passando um pano no chão da sala com um rodo.
Violeta passa um pano úmido na tela da TV que está muito
empoeirada. Violeta olha para o pano todo sujo.
VIOLETA
(tom de perplexidade)
Misericórdia! A senhora consegue vê
alguma coisa aqui? A TV tá imunda.

Margarida segue em sua limpeza. Violeta continua limpando o


armário da TV.
VIOLETA
(tom de reflexão)
Cê já parou pra pensá como as
pessoas perdem tempo na frente da
TV?
MARGARIDA
(tom conclusivo)
Deve ser porque é mais interessante
que a própria vida.
VIOLETA
(tom conclusivo)
Mais que a minha não é, não.

Violeta segue limpando o armário da TV.


MARGARIDA
(tom de perplexidade)
Bom mesmo é o cinema...
Violeta percebe que o olho de Margarida brilha ao falar do
cinema. A partir disso, ela começa a instigar Margarida.
VIOLETA
(tom instigante)
O que você vê de tão bom no cinema?
Margarida pensa.

(CONTINUED)
CONTINUED: 77.

MARGARIDA
(tom conclusivo)
É... mágico. O cinema é mágico.
VIOLETA
(tom instigante)
Mas, como é?
Durante todo diálogo elas seguem limpando a sala.
MARGARIDA
(tom de dúvida)
Como assim?
VIOLETA
(tom instigante)
Como é o cinema?

MARGARIDA
(tom explicativo)
É uma sala grande cheia de
cadeiras, e na frente tem um telão
branco enorme...

VIOLETA
(tom de deboche)
Isso eu sei dona Margarida. Eu
também não sou tabarel!

Margarida ri.
VIOLETA
(tom instigante)
Eu digo, como a senhora se sente no
cinema?

MARGARIDA
(tom de reflexão)
Como me sinto?

Violeta fica olhando para Margarida esperando uma resposta.


Margarida começa a pensar.
MARGARIDA
(tom narrativo)
Quando a gente entra naquela
salona, sente logo um cheiro
diferente, mais ou menos familiar,
mais ou menos aconchegante, mais ou
menos perturbador, e dá logo um
friozinho na barriga. Quando a luz
apaga, esse frio na barriga
aumenta, dá um pouco de
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 78.

MARGARIDA (cont’d)
insegurança. Mesmo sabendo que
aquele espaço está cheio de gente,
você se sente sozinho diante da
tela.
(tom explicativo e de
encantamento)
É como se cortasse a ligação que
você tem com a segurança das suas
certezas, e lhe jogassem de cabeça
pra viver uma nova experiência que
você não sabe onde vai dá. Um
bocado de gente fala que o cinema
existe pra você esquecer da sua
vida, dos seus problemas e viver um
mundo mágico longe da sua
realidade. Eu não acredito muito
nisso não. Cinema é experiência.
Pra mim, um bom filme é aquele que
joga na sua cara seus podres, suas
limitações, suas angústias. Um bom
filme antes de tudo, quer te
experimentar, quer ser
experimentado. E quando isso
acontece... Ah, você perde o chão,
perde a linha, perde a vergonha, e
transcende. É no escuro, diante da
imagem e dominada pelo som, que
você consegue ficar, finalmente,
diante de si mesmo e escutar aquilo
que você nunca teve coragem de
falar para si. É nessa hora que
você se encontra e se perde de uma
vez por todas, sem máscara e sem
fantasia, mesmo que seja por alguns
minutos. Quando o filme acaba e as
luzes se acendem, tudo fica
diferente, vazio... Aquele que
sentou na poltrona, nunca mais vai
levantar; aquele que levantou é
outro, é novo. É louco, né?!
VIOLETA
(tom de indignação)
Oxente, e isso é bom, dona
Margarida?

Margarida sorri.
MARGARIDA
(tom conclusivo)
É.

(CONTINUED)
CONTINUED: 79.

VIOLETA
(tom narrativo)
Quando eu era criança, eu ficava
pensando... Assim como a gente vê
os artistas na tela, será que eles
também conseguem ver a gente?
Violeta fica um instante pensando.
Violeta, pensativa, olha direto para a câmera, com o olhar
de quem parece estar procurando algo. Quando ela acha o que
procura, abre a boca para dizer algo, mas TOCA A CAMPAINHA e
interrompe o raciocínio dela. Margarida vai em direção à
porta. Violeta começa a passar pano nos porta-retratos. Ela
olha para ver quem está na porta e vê Margarida recebendo
uma caixa com compras. Violeta passa o pano nos
porta-retratos e fica vendo as fotos. Margarida passa com a
caixa e vai até a cozinha. Violeta segue olhando as fotos.

CENA 89 - INT. - COZINHA DE MARGARIDA - TARDE


Violeta está sentada, Margarida traz uma garrafa de café e
serve uma xícara para Violeta.
MARGARIDA
(tom de orgulho)
Tá fresquinho!

Violeta dá um gole. Faz um sinal de positivo com a cabeça em


relação ao café.
MARGARIDA
(tom de lembrança)
Ah é! Tenho uma coisa pra você.

Margarida vai até o armário e pega uma caixa de bombom que


Paulo comprou pra ela. Ela abre a caixa e oferece a Violeta
que pega um. Margarida se senta à mesa, pega um bombom, abre
e coloca na boca. Margarida come o bombom demonstrando muito
prazer. Margarida suspira.

CENA 90 - INT. - PORTA DO QUARTO DE PAULINHO - ENTARDECER


Margarida vem até a porta do quarto carregando algumas
caixas de papelão que ela coloca no chão ao lado da porta.
Ela fica alguns instantes parada na frente da porta.
Lentamente, ela põe a mão na maçaneta e abre a porta do
quarto.
80.

CENA 91A - INT. - QUARTO DE PAULINHO - ENTARDECER


Apesar de empoeirado, o quarto está intacto desde a morte de
Paulinho. Um quarto com uma cama de solteiro; uma janela;
uma cômoda grande com um porta-retrato com a foto de
Paulinho; um baú de brinquedos; um criado-mudo ao lado da
cama; sobre um tapete redondo está a bicicleta de Paulinho.
Margarida abre a porta e fica por alguns instantes
observando o quarto. Ela caminha em direção à cama e se
senta. Ela pega o travesseiro que está sobre a cama e
abraça-o. Ela cheira o travesseiro e desaba a chorar.
Margarida chora copiosamente um choro sofrido de despedida.
Ela deita-se na cama, ainda abraçada ao travesseiro, e segue
chorando muito. Após alguns instantes de choro ela vai aos
poucos parando de chorar. Margarida senta-se na cama
novamente, põe o travesseiro no lugar, enxuga as lagrimas,
respira fundo e se levanta.

INDICAÇÕES TÉCNICAS
EDIÇÃO: As cenas 91B, 91 e 93 serão intercaladas. Montagem
paralela.

CENAS 91B - INT. - QUARTO DE PAULINHO - ENTARDECER


Ela vai até o lado de fora do quarto e pega as caixas de
papelão e traz para o quarto. Margarida coloca as caixas
próximas à cômoda. Ela pega um porta retrato com a foto de
Paulinho que está em cima da cômoda. Ela beija a foto e
depois a guarda numa caixa. Ela vai até a janela e a abre.
Em seguida ela vai até a cômoda, abre uma gaveta repleta de
roupas de Paulinho e vai guardando em uma das caixas de
papelão. Depois abre outra gaveta e guarda mais roupas. Vai
até o baú, abre-o e começa a tirar os brinquedos e colocar
na caixa.
No fim, o quarto está apenas com os móveis. Margarida sai
com a última caixa e deixa a porta e a janela do quarto
aberta.

CENA 92 - EXT. - CASA DE MARGARIDA - MANHÃ


Violeta está do lado de fora da casa com sua bicicleta. A
porta abre. Margarida põe o pé para fora da casa, sem pressa
ela vai saindo da casa. Ela olha para o sol, seus olhos
sensíveis à luminosidade se fecham. Aos poucos ela vai
abrindo os olhos e vendo a cidade em movimento. Crianças
jogam bola na rua, senhoras na varanda de suas casas
conversam, namorados se beijam, trabalhadores vão para seus
serviços. Ela olha tudo aquilo com brilho nos olhos, como se

(CONTINUED)
CONTINUED: 81.

estivesse enxergando pela primeira vez. Margarida olha para


Violeta segurando a bicicleta na rua. Violeta sorri para
ela. Margarida caminha em direção à bicicleta. Ela para
diante da bicicleta, fica olhando. Violeta segura no guidão
e faz um sinal com a mão pra ela subir. Margarida, com
dificuldade, passa a perna esquerda por cima da bicicleta,
coloca os pés no chão e segura no guidão.
MARGARIDA
(tom de curiosidade)
E agora?
VIOLETA
(tom conclusivo e de gozação)
Agora é só pedalá.

Margarida dá uma risada discreta, Violeta retribui o


sorriso.
VIOLETA
(tom de ensinamento)
Cê deixa um pé apoiado no chão, e o
outro você coloca no pedal.
Margarida apoia com o pé direito e coloca o pé esquerdo no
pedal. Violeta vai para trás da bicicleta e segura no
banquinho.

VIOLETA
(tom de ensinamento)
Agora ao mesmo tempo que você
pedalá com um pé, você tira o outro
do chão e continua pedalando.
Margarida olha para trás.
MARGARIDA
(tom questionador)
Cê vai me segurar?
VIOLETA
(tom conclusivo)
Vô.

Margarida vira-se para a frente e começa a pedalar. Dá duas


pedaladas, mas perde o equilíbrio, virando guidão para o
lado direito. Antes de cair, Violeta intervém segurando
Margarida que logo se apoia de novo com os pés no chão.
Margarida olha para Violeta.

VIOLETA
(tom de alívio)
Essa foi por pouco.

(CONTINUED)
CONTINUED: 82.

MARGARIDA
(tom de gozação)
Que nada! Eu só tava lhe testando
pra vê se você não ia me derrubá.
As duas riem. Margarida se posiciona novamente para
continuar andando. Violeta segura o banquinho. Margarida
respira fundo e dá a primeira pedalada. Mesmo sem equilíbrio
e movimentando muito o guidão, a cada pedalada Margarida vai
se firmando. Violeta vai atrás segurando no banquinho.
Margarida vai ganhando equilíbrio e firmeza. Margarida perde
o equilíbrio e coloca o pé no chão. Ela volta a pedalar com
mais desenvoltura. Margarida começa a ir mais rápido e
Violeta vai apertando o passo atrás dela. Violeta percebe
que ela já está com domínio e solta o banquinho. Margarida
segue andando de bicicleta sozinha. Violeta sorri. Margarida
se assusta ao perceber que está sozinha, olha para traz e vê
Violeta de longe sorrindo. Margarida perde o equilíbrio, mas
consegue se estabilizar novamente. Margarida continua
pedalando e sentindo o vento bater em seu rosto, ela sorri.
Violeta de longe fica olhando para Margarida. Margarida
segue pedalando pela rua.
FADE

CENA 93 - EXT. - QUINTAL DE VIOLETA - ENTARDECER

Um quintal pequeno e aconchegante. Tem uma mesa retangular


com seis lugares; sobre a mesa uma toalha colorida, pratos,
copos e talheres; em volta da mesa tem seis cadeiras; no
fundo do quintal tem uma churrasqueira móvel; também tem uma
porta que dá para a cozinha da casa de Violeta, a cozinha
leva ao restante da casa. Marcos, vestindo um avental, está
próximo à churrasqueira com um copo de cerveja e um garfo na
mão. Cosme e Damiana estão correndo pelo quintal com Filipe.
À mesa estão sentados Margarida de um lado, de costas para a
porta, e Ivan e Cida do outro. Violeta vem da cozinha com
uma garrafa de cerveja na mão.
VIOLETA
(tom de elogio)
Êta que essa cerveja tá bem gelada!

Margarida se vira para ver Violeta que se aproxima da mesa e


coloca a garrafa em cima.
MARCOS
(tom de elogio)
É assim que eu gosto!

Violeta pega um garfo em cima da mesa e abre a tampa da


garrafa. Ela dá a volta na mesa servindo as pessoas.

(CONTINUED)
CONTINUED: 83.

CIDA
(tom de lamento)
Que inveja! Queria sabê abrir a
cerveja assim.

Violeta serve Margarida.


VIOLETA
(tom orgulhoso)
Ah Cida, são anos de prática.

Violeta serve Ivan.


IVAN
(tom saudosista)
Adolfo abria com o dente.

VIOLETA
(tom exclamativo)
Deus é mais! Com o dente num tenho
coragem, não.
Violeta serve Cida.

CIDA
(tom de pedido)
Num enche o copo, não, nêga.
(tom de gozação)
Num tô acostumada a bebê.

Marcos dá uma gargalhada. Violeta enche o copo pela metade.


MARCOS
(tom de gozação)
É mole! Conta outra Cidão!

Marcos se aproxima da mesa e Violeta enche o copo dele e


depois o dela.
CIDA
(tom de indignação)
Abestalhado! Do jeito que você
fala, a Margarida vai pensá que eu
sô cachaceira.
MARCOS
(tom de gozação)
E num é?
VIOLETA
(tom repreensivo)
Liga pra ele não, Cida. Marcos
acordou todo engraçadinho hoje.

(CONTINUED)
CONTINUED: 84.

(tom imperativo)
Levanta aí, povo, que eu quero fazê
um brinde.
Todos se levantam da mesa e erguem seus copos.

VIOLETA
(tom de brinde com ternura)
Um brinde à vida, que mesmo toda
desencontrada, oferece pra gente
inacreditáveis encontros e os mais
lindos reencontros!
Todos brindam. Margarida e Violeta trocam olhares de
cumplicidade.

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