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BUSCANDO UM CAMINHO PARA

PROJETAR EM TERREIROS
TENDA DOS MILAGRES - PROPOSTA DE ARQUITETURA DE
PANO DA COSTA
OLIVEIRA, Josane S. ¹

1. RESUMO

Os templos de matrizes africanas² são espaços que se originaram do


amalgama de cultos trazidos de África para o Brasil e aqui foram mimetizados e
reelaborados a partir das necessidades e limites locais estabelecidos. Na Bahia tais
práticas estabeleceram-se em terreiros³, e são elaborados em sua maioria com base
na dinâmica dos nagô, negros advindos da África Ocidental. Em tais espaços o fazer
da comunidade está impregnada de Axé, este compreendido como principio e poder
de realização, rege todas as atividades litúrgicas e laborais dos terreiros. Sobre esses
espaços, temos a seguinte descrição:

Vê-se então que o candomblé é uma África em miniatura, em


que os templos se tornaram casinholas dispersas entre as
moitas quando as divindades pertencerem ao ar livre, ou então
em cômodos distintos da casa principal, e são divindades
adoradas nas cidades. Quando o terreiro é muito pequeno, todas
as divindades urbanas podem encontrar-se num peji único, mas
as outras ficam de fora. De qualquer modo, o lugar do culto na
Bahia aparece sempre como um verdadeiro microcosmo da terra
ancestral; (Bastide, 1958 (2001) - pág. 58)

Projetar em ambientes de terreiro é um desafio para os arquitetos e


engenheiros, pois são espaços de segredos litúrgicos que precisam ser respeitados.
Também é preciso pontuar a negação de tais espaços para os campos dessas
disciplinas, além de não ocorrer um aprendizado sobre os mesmos dentro da
academia, a existência de referencias técnicas e/ou compartilhamento de experiência
daqueles que enfrentaram tal atuação é ínfima. A contribuição do arquiteto nesse
espaço, em que há limites para a sua atuação, e possui poucos exemplos práticos,
fica prejudicada, impedida.
1 Arquiteta Urbanista, Mestranda em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós Graduação da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia

2 Denomino templos de matrizes africanas, aos espaços nos quais ocorrem manifestações religiosas no Brasil, cuja referencia
seja (ou origem como nos aponta alguns autores).
Para superar tais limites, foi elaborada uma metodologia que visa um conhecimento
dos princípios que regem a dinâmica do candomblé, além de propiciar o envolvimento
de todos do terreiro, incluindo a iyalorixá (mãe de santo) com o objetivo de possibilitar
a atuação dos técnicos de maneira satisfatória, de modo que nem a técnica nem a
liturgia sejam prejudicados.

O presente artigo tem por objetivo apresentar e compartilhar esta experiência


de projetar em um sitio sacralizado (um terreiro de candomblé), as pesquisas iniciais
que levaram à decisão dos materiais a serem utilizados e o programa, que se
desdobraram em duas cartilhas (Construção de Terra e Arquitetura de Tecido) e a
pratica de duas oficinas respectivamente cujo intento fora alimentar e embasar a
proposta arquitetônica a ser elaborada para o Trabalho Final de Graduação (TFG) da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia, intitulado
como Tenda dos Milagres - Proposta de Arquitetura de Pano da Costa e tinha
como produto um projeto de edifício(s) para um centro de produção de artefatos e
ferramentas utilizados nos rituais e festejos de candomblé, situado no terreiro em que
ambas foram ministradas. Assim, este artigo vai apresentar todo o processo, desde a
pesquisa em literatura, as visitas que antecedeu e embasou as oficinas e sua
aplicação, a metodologia adotada, os princípios pedagógicos que nortearam, bem
como o resultado final dessa experiência, o programa e projeto arquitetônico para o
referido centro.

Palavras-chave: Terreiro, Metodologia de Projeto, Construção de Terra, Arquitetura


Têxtil.
1. INTRODUÇÃO

Durante o período de aprendizado na faculdade de arquitetura são


ensinados diversos processos para a elaboração de projeto arquitetônico,
abrangendo edifícios em sítios religiosos, mas nunca incluem a possibilidade
de atuação nas comunidades de matrizes africanas.

Sabe-se que além da sacralização de todo o elemento contido no sítio e


também da própria liturgia estabelecer barreiras e limitação para aqueles que
não tem ligação com, e ou não são iniciados em tais comunidades. Se faz
necessário, portanto, antes de tudo reconhecer tais limites, e trabalhar
envolvendo a comunidade, pois ela será a intermediária entre o projetista
(desenhista) e aqueles para quem projetamos (ou desenhamos) de fato, os
voduns, nas comunidades geges, os orixás, nas comunidades nagôs e os
inquices, nas comunidades angola (bantu).

Tendo como desafio para o TFG a elaboração de um projeto para um


sítio sacralizado de matriz africana, foi elaborada uma metodologia, que teve
varas etapas,e que envolvia a comunidade desde o principio, incluindo também
a mameto (cargo similar a mão de santo nos terreiros bantu), com o objetivo de
que ela fosse apontando os limites de atuação, além da busca por conhecer os
princípios que regiam/regem as relações dentro da comunidade.

2. PANO DA COSTA

O Pano da Costa é um dos elementos que compõem a vestimenta das


mulheres nos terreiros no Brasil. Original da costa africana, feito através de tear
manual, sua importância ultrapassa a questão religiosa, se tornando elemento
estético, histórico (foi moeda de toca no resgate de negros escravizados),
funcional e ritual a partir do processo diaspórico. Ao ligar-se ao candomblé e
seus aos rituais, teve seus significados re-elaborados e adaptados (figuras 01 a
04).

O Pano da Costa, tradicionalmente, faz parte do vestuário das


africanas, que é usado enrolado ao corpo, sendo um costume
em diversas regiões africanas como: Costa do Marfim, Gana,
Nigéria, Congo, Benin e Senegal. (Cadernos do IPAC - Pano da
Costa, pág. 18, 2009)
O pano-da-costa, de significado religioso e social, é peça
fundamental na composição das roupas dos rituais de
candomblé; envolve, assim um importante segmento da
população da Bahia: o povo de santo ou comunidades de
terreiro. introduzido no Brasil pelos africanos, ficou conhecido
como pano-da-costa porque vinha da Costa do Marfim. Os
primeiros foram importados da África, onde são denominados
Alaká ou Pano de Alaká. Mais tarde passaram a ser tecidos no
Brasil por escravos ou por seus descendentes, cujo último
artesão foi Abdias do Sacramento Nobre, mais conhecido como
Mestre Abdias, falecido em 1994. (Folder da Kula Tecelagem)
Verifica-se na Guiné o mesmo processo usado pelos tecelões
aqui no Brasil, ou seja, as faixas são costuradas lado a lado
fazendo a combinação dos padrões e largura das tiras"
(Cadernos do IPAC - Pano da Costa, pág. 26, 2009)

FIGURAS 01 - Africana usado pano da costa; 03 Modos diferentes de uso; Yalorixa Mãe Stella de Oxóssi do Opô Afonjá,
usando pano da costa; 04 - Panos da costa.FONTES: Acervo do IGBA, , Blog do Rio Vermelho, idem e Caderno do IPAC-
Pano da Costa

No candomblé, a importância do vestir-se está ligada a simbolismos que


em primeiro plano é incompreensível, mas que se relaciona basicamente com a
ocasião ou evento, com a hierarquia estabelecida pelo tempo de iniciação e
também para referenciar o orixá (voduns ou inquices) da pessoa
(diferenciações de cores e elementos decorativos). É dentro dessa lógica que o
Pano da Costa é apropriado no seio das comunidades de terreiro.
"Pano da costa no cintura ou no peito é demonstração de
trabalho: usa-se desta maneira nas festas no Barracão (...)Nós
usamos o pano da costa no ombro, fora do trabalho, para visitas,
passeis e atos civis no Terreiro" (SANTOS, pág. 60, 2010)
"(...)Em cerimônias de Axexê, as Olorixá usam o pano da costa
feito uma estola, com uma das pontas cobrindo o pescoço.(...)"
(SANTOS, pág. 61, 2010)
" Pano da Costa branco – Oxalá, Oxalufã ou Oxaguiã. - Pano da
Costa vermelho – Xangô ou Iansã - Pano da Costa azul e branco
- Oxóssi - Pano da Costa vermelho e amarelo – Ogum - Pano da
Costa roxo e branco – Omolu e Nanã" (cadernos do IPAC, pág.
25, 2009)

3. METODOLOGIA

A metodologia elaborada pretendia respeitar as peculiaridades do sitio


de atuação, sendo dividida em 3 Etapas, que se dividiam e relacionavam-se
em diversas fases, conforme é possível observar no gráfico abaixo:

GRÁFICO DAS ETAPAS

FONTE: Elaborado pela autora.

A Etapa A abrangeu o entendimento do universo da cosmogônico e dos


elementos simbólicos do candomblé, bem como, os princípios de aprendizado
e transferência de conhecimento dessas comunidades e a ritualística que
envolvia as atividades ali laboradas. Para tanto foram experienciadas vivência
de aprendizado em comunidades de terreiro, acompanhamento de aprendizado
de atividades laborais em instituições de terreiros, pesquisa em literatura
ligadas a dinâmicas de terreiros, reconhecimento do universo simbólico ligado
ao candomblé, pesquisa de técnicas que propiciem a autoconstrução e
manutenção dos espaços gerados pela própria comunidade. Visita ao sitio
sagrado de projeto para entender as singularidades e características
específicas do terreiro e confirmar as vantagens deste sitio para o projeto, e a
busca por conhecimento teórico das técnicas de construção de terra e de
arquitetura têxtil.

A Etapa B abrangeu a elaboração de cartilhas de construção de terra e


de arquitetura têxtil, bem como a elaboração e mediação das oficinas
referente a estas e por fim a avaliação dos resultados dessas oficinas. Já a
Etapa C compreendeu a elaboração do programa do edifício, bem como
projeto arquitetônico, que se deu a partir da acumulação de conhecimentos
obtidos nas etapas anteriores.

3.1. ETAPA A - BUSCANDO ÁGUA NA FONTE

A primeira etapa se desdobrava em várias frentes(ou fontes) de busca


de conhecimento, que abarcava inicialmente a busca por um conhecimento
teórico, as quais denominei Fontes Literárias, para o qual tive o apoio de
literatura especifica e consagrada. Posteriormente a busca por conhecimento
local, as quais denominei Fonte In Loci, através da qual eu era guiada pelo o
caminho da observação e da audição d aqueles que há muito conviviam e
laboravam no interior de comunidades de matrizes africanas.

3.1.1. Fontes Literárias Sobre o Universo Cosmogônico

Buscou-se autores e obras que se tornaram referencia para a


compreensão de elementos da dinâmica dos terreiros de candomblé, sendo
eles portanto, a fonte para descobrir os conceitos de axé, da família de santo,
do laborar, e do aprender/fazer.

Sobre Axé, o elemento que rege a sacralidade dos terreiros, por vezes
ouve-se a iyalorixá e os membros do terreiros indicar que "a casa tinha axé",
que determinada folha "estava carregada de axé", que era preciso "reestabeler
o axé". Para compreensão dessa energia teve-se como manancial a Juana
Elbein, que descreveu o seguinte:

"Este termo designa, em Nagô, a força invisível a força mágico-


sagrada de toda divindade, de todo ser animado, de toda coisa."
(Santos,J., pág.40,2012)
"Sendo o asé uma força que permite serem as coisas, terem ela
existência e devir, podemos concluir que tudo o que existe, para
poder realizar-se, deve receber asé." (Santos,J., pág.43, 2012)

Ela observa que, tal força deve ser transmitida, assim todo o elemento e
individuo só pode ser adjetivado como sagrado na medida que "receber axé"
inclusive para que o terreiro possa cumprir suas atividades e rituais deve ser
"plantado o axé". A partir disso se concluiu que é na ação de transmitir essa
energia que se dá a sacralização, e que toda ação executada dentro do terreiro
precisa estar permeada pelo axé para que aquele cumpra a sua função. Ao
pensar na ação de dar e receber o axé, sendo a mão o receptáculo desses
verbos, é possível afirmar que ela, a mão, é guia transmissora dessa energia.

Sobre a Família de Santo e a Ancestralidade que a atravessa é


preciso destacar a dinâmica das relações interpessoais dentro das
comunidades de terreiro, uma vez que se percebe um vínculo, no tratamento
entre os membros da comunidade, de "parentesco" (irmão, irmã, pai e mãe).
Para o entendimento de como se dá essas relações, a fonte fora Júlio Braga,
que desvela o papel da figura ancestral, sobretudo a que se manifesta no
campo objetivo, no reconhecimento de como se dá essas vinculações ao nos
dizer que:

"Na discussão da ancestralidade manifestada pela herança


reconhecida e culturalmente processada no interior dos
candomblés, a noção de parentesco permite a reconstrução da
trama genealógica ancestral até a matriz referencial de origem,
sendo redimensionada no campo simbólico do parentesco
religioso." (Braga, pág. 96, 1995)

Para o entendimento e a importância do labor nas comunidades é


também com o caderno do IPAC sobre o Pano da Costa, que se apreendeu
sobre a o processo de trabalho no seio dessas, a partir da dinâmica
estabelecida em África, para a qual:

Através da arte, estabelece-se uma relação com o mundo.


Vínculos, alianças, simbologias, são transmitidas por gerações,
constituindo uma conexão de caráter universal. A arte é o veículo
da comunicação, que possibilita verdadeiros elos, que manterão
o equilíbrio e a união entre grupos. (Cadernos do IPAC - Pano da
Costa, pág. 19 e 20, 2009)
Os objetos produzidos pelo fazer africano incorporam um poder
mítico e simbólico que não representa apenas o seu uso, mas
que está enraizado de significados que traduzem o sentimento
de pertencimento a uma cultura que transcendeu obstáculos e
que se preservou na sua essência. O saber e fazer o Pano da
Costa teve, aqui na Bahia, tecelões e artesãos que, com muita
sabedoria, conseguiram preservar esta arte. (Cadernos do IPAC
- Pano da Costa, pág. 21, 2009)
É num contexto cultural sócio-religioso que será situado o Pano
da Costa, ressaltando a sua importância simbólica, além de
pontuar o saber e o fazer do Pano da Costa, sob a perspectiva
de uma arte africana introduzida no Brasil, arte esta considerada
pelos africanos como sendo a personificação de uma inteligência
especial, através da qual o homem aprimora seu ambiente, ou
seja, o africano transforma materiais comuns em coisas de valor,
utilizando-se do poder criativo e imaginário. (Cadernos do IPAC -
Pano da Costa, pág. 19, 2009)

Sendo assim, o saber e o fazer, compreendem o entendimento que os


processos de produção, dentro dos terreiros, perpassam também o processo
de ligação com a própria comunidade, bem como os valores que se
estabelecem na ação que estão diretamente ligados à está, além de acessar
também as divindades. A arte tem como fim a própria comunidade e seus
rituais.

3.1.2 Fontes In Locus - Sobre O Aprendizado e a Produção Artesanal em


Comunidades de Terreiro

Para a compreensão dá a prática do ensino e do aprendizado nas


comunidades de terreiro busquei instituições que possuíssem cursos ou
núcleos de produção ligadas (ou mesmo dentro) a centros de cultos afro
baianos. O objetivo era entender os princípios que regem a educação em tais
instituições, o processo laboral e de produção nos terreiros (a própria dinâmica
de trabalho) e também estabelecer o programa do conjunto a ser projetado. Fiz
cursos de aprendizado de técnicas, visitas a centros de produção de diversos
artefatos, acompanhando inclusive a produção.

Curso de Tecelagem na Casa do Alaká (figura 05), no terreiro Ilê Axé


Opo Afonjá, localizado em Salvador, no qual o Mestre Abdias deu início ao seu
trabalho de preservação da técnica de tecelagem do Pano da Costa. Neste
encontrei as artesãs/mestres, Iraildes Santos e Neide Costa, ambas discípulas
do grande mestre citado. O ponto de partida do curso foi o questionamento das
artesãs sobre o orixá (vodun ou Inquice) que cada aluno pertencia (era filho).
Assim lhe dava os novelos de linha conforme a resposta (cada um teceria um
pano ligado diretamente a energia que o acompanhava) e a aqueles que não
sabiam ela perguntava que cor gostava, de modo que todos se integrassem ao
processo. Isso ratificava que nenhum processo se dá de forma indiscriminada e
alheia as simbologias religiosas, os orixás são sempre os guias do saber e do
fazer, a medida que é a partir do orixá que é definida a estética (neste caso a
cor) que terá o Pano da Costa.

Visita ao Ateliê (Espaço Cultural Vovó Conceição) de Bordado e


Costura da Casa Branca (figuras 06 e 07), o Ilê Axé Iya Nassô Oká, um dos
mais tradicionais terreiros baianos e primeiro do Brasil tombado como
patrimônio. Neste tive o prazer de conversar com a Equede Sinha, responsável
pelo ateliê e quem ministra as aulas. Ela falou da importância da preservação
da produção de bordados e das roupas de candomblé dentro das comunidades
de terreiro, pois a roupa precisa ter axé. Assim ratificou-se a importância de um
centro de produção de artefatos no seio de uma comunidade de candomblé
cujos responsáveis são pessoas ligadas a liturgia.
FIGURAS 05, 06, 07

FONTE: Autora
Visita ao Ateliê de Gilmar Tavares, este artifície, que é ogã, produz
ferramentas ligadas aos cultos afro brasileiros com metal. Teve seu trabalho
exposto em diversos museus e fez parte do projeto Casa dos Objetos Mágicos
do Programa Monumenta, em 2006, que visava repassar o conhecimento das
técnicas. Na cartilha (figura 08) desse projeto, foi possível observar o processo
de produção dos artefatos organizada a partir do croqui até a peça final (figura
09).

Visita a Kula Tecelagem (figuras 10 e 11), da Associação São Jorge


Filho da Goméia (ASJFG), vinculada ao Terreiro São Jorge, sediado em Lauro
de Freitas, cidade da região metropolitana de Salvador, é um espaço de
exposição, produção, preservação e de comércio do Pano da Costa e de outros
artefato, não ligados ao culto afro, mas com identificação desses objetivando
dar maior fluidez as mercadorias ali produzidas.

FIGURAS: 08 - Cartilha da Casa do Objeto Mágico; 09 - Trabalho de Gilmar Tavares; 10 - Tecelã e 11 -Tear da
Kula Tecelagem. FONTE: Acervo da autora.
3.1.3. Fonte In Loci - Visita ao Sitio Sagrado - Terreiro Tingongo Muende

Visita ao sítio escolhido para a elaboração do TFG de tipologia de roça,


sediado em Cajazeiras XI (figuras 12 e 13), desde 1984, com o intuito de
compreender as particularidades que o cercavam, não só litúrgica como de
localização e situação, além de estabelecer uma aproximação com Mãe Zil,
como era conhecida a Mameto Zil, e a comunidade.

O terreiro, de nação Keto-Angola, sagrada a Obaluayê e a Oxum,


possuía grande extensão de terra 29.000,00m², das quais apenas 897,67 m²
edificada ou com alguns assentamentos. Localizado na região do Miolo de
Salvador, que abriga a 2ª maior quantidade de terreiros e perde apenas para o
subúrbio ferroviário.

Em síntese o objetivo desta etapa foi conhecer e abarcar as


particularidades que regem a dinâmica dos terreiros de candomblé,
reconhecer singularidades do sitio onde seria efetuado o projeto para
elaboração da cartilha e na pratica das oficinas ministradas.

3.2. ETAPA 02 - ONDE VERTER A ÁGUA RECEBIDA - CARTILHAS E


OFICINAS

Nesta etapa se deram as primeiras decisões sobre o projeto, mas


precisamente sobre os materiais e elementos a serem aplicados e sobre o
programa a ser desenvolvido, com base nas informações obtidas na etapa
anterior.

3.2.1. Decisão sobre Materiais e Técnicas a serem utilizadas

A escolha dos materiais se deu a partir da compreensão do Axé, das


relações de parentescos nas comunidades de candomblé, do universo
simbólico, sobretudo, os orixás que regem a casa, seus elementos e
características, também a relação de comunidade estabelecida nos terreiros e
visando fortalecê-las que chegou-se à conclusão de estabelecer as técnicas de
construção de terra e o uso do panos da costa como elementos principais na
produção arquitetônica.
A escolha da Arquitetura Têxtil sendo a principal na geração dos espaços
teve como referencia o Pano da Costa ou Alaká, elemento diaspórico de muita
importância na cultura afro baiana, como pode ser observado no tópico 2, e das
Técnicas de Construção de Terra baseada na existência de uma grande
extensão de terra no sitio do projeto, sendo matéria prima abundante e
facilmente extraída por qualquer individuo da comunidade, o uso de técnicas
sustentáveis é amparado nas relações de estreita afinidade dessas
comunidades com a natureza.

O uso de tais materiais, se deu também, pelo reconhecimento das


organizações de terreiro como famílias e a percepção de que ambas as
técnicas reforçam estes laços, uma vez que é necessário o empenho de cada
componente na execução do material; pelas características dos orixás que
regem a casa: Oxum, conhecida pela sua beleza e vaidade e Obaluayê, tem
como elemento fundamental a terra; pelas características do poder aquisitivo
do público alvo; e pela produção dos materiais por técnicas manuais que
elaborados pela comunidade, permite fluxo de axé;

A partir das decisões supracitadas, foi necessário elaborar a metodologia


de como tais materiais seriam empregados, para tanto foi pensado um método
em que possibilitasse a participação da comunidade, decidimos por um
trabalho de pesquisa que culminou com a elaboração de cartilhas e mediação
de oficinas respectivas intituladas como: Oficina da Construção com Terra e
Arquitetura Têxtil.

3.2.2. Cartilhas (Elaboração) e Oficinas (Elaboração e Mediação)

O momento inicial esteve pautado na elaboração das cartilhas como


resultado do trabalho de pesquisa que foram intituladas como Técnica da
Construção com Terra e Arquitetura Têxtil com o objetivo de promover um
documento de fácil e rápido entendimento abordando os conceitos, as
orientações e divulgação das técnicas desses processos.

Na abordagem da cartilha de Construção com Terra tratamos sobre as


técnicas existentes e dos exemplos ilustrativos de arquitetura, as precauções
necessárias para execução e garantia de durabilidade da edificação. O objetivo
da elaboração desta cartilha e da oficina foi popularizar e propagar a tais
técnicas entre as comunidades de terreiro, tendo em vista que algumas dessas
comunidades já utilizam determinadas técnicas, desmitificar a ideia de que as
mesma produzem edificações de baixa qualidade.

Na abordagem da Arquitetura têxtil tratamos da literatura sobre o tema,


sua peculiaridade como arquitetura efêmera e exemplos de arquitetura têxtil. O
objetivo da elaboração desta cartilha e da oficina foi apresentar possibilidades
de usos de tecidos na criação de espaços. Busca-se perceber junto à
comunidade as possibilidades que a estética do tecido pode oferecer a
arquitetura.

As Cartilhas e Oficinas foram elaboradas com intuito de obter elementos


e ferramentas que embasassem as decisões técnicas e estéticas do projeto
arquitetônico a ser tendo em vista a ação participativa da comunidade em tais
decisões. As oficinas, por sua vez se apresentam como espaços de negociação
e interação do senso crítico.. A aprendizagem através deste dispositivo é um
exercício ético e político.

3.2.3. Mediação de Oficinas no Terreiro Tingongo Muende

A estrutura da oficina contou com o grupo de 8 pessoas pertencentes ao


terreiro escolhido, teve duração total de cinco horas divididas em três
momentos. No primeiro, pela manhã, com a exposição oral e a amostra de
imagens com recursos digitais no uso do computador, utilização de material
impresso, discursivo e ilustrativo sobre os temas do trabalho, Construção de
Terra e Arquitetura Têxtil.
No segundo à tarde, com duração de três horas, os integrantes
escolheram dentre as técnicas apresentadas as quais utilizariam para a
construção das maquetes. Como recurso para a elaboração da proposta
apresentada tivemos a utilização da terra (argila), materiais recicláveis,
reaproveitamento de tecidos ou utensílios disponíveis nos terreiros para a
elaboração da proposta apresentada.

As oficinas (figuras 14 a 22) de Construção com Terra e Arquitetura Têxtil


visou que a comunidade se aproprie dos conhecimentos, buscando promover a
divulgação e o acesso as informações sua disponibilização na versão online.
O terceiro momento foi a avaliação das oficinas, baseada nas reflexões,
contribuições, questionamentos e sugestões sobre o processo, através da qual
se concluiu que há aceitação da comunidade de terreiro para as técnicas
apresentadas. Além dos resultados das maquetes serem apropriados para o
projeto arquitetônico a serem desenvolvidos.

FIGURAS: 14 a 16 - Oficinas (exposição da cartilha e elaboração) 17 a 22 - Maquetes (resultado


das oficinas. FONTE: Acervo da autora.
3.3. ETAPA C - ONDE VERTER A ÁGUA RECEBIDA - ARQUITETURA
ELABORADA

O projeto (figuras 23 a 37) compreende um centro de produção de


artefatos ligados a liturgia do candomblé, para o qual estabeleceu o seguinte
programa: Casa de Costura (e bordados a máquina), Tecelagem, Bordados a
Mão, Área Produção de Ferramentas Metálicas, Área de Convivência
(Sanitário,Copa e Área de Mesas), Depósito;
O partido compreende o uso de tendas e/ou cortinas (figura 24 e 25)
com elemento separador de espaços no interior dos edifícios, estes executados
em técnicas de construção de terra (tijolo de adobe e/ou taipa de pilão), quanto
as coberturas, tanto a estrutura quanto o telhamento foi proposto em bambu
tratado.

Foi proposto um conjunto de 05 edificações com 02 tipologias. A


Tipologia 01 projetada para ser aberta, contendo duas paredes laterais com
vãos arcados, em tijolo de adobe (figuras 23 e 24). Com divisória internas com
tendas retrateis e ou cortinados, que podem ser removidas, ou içadas
possibilitando uma arquitetura dinâmica e efêmera (figuras 24 e 25).

A
FIGURAS: 23 Plantas Baixas e Vistas - Tipologia 01; 24 - Planta e Vistas - Tipologia 01,
com tendas; 25 - Croqui da tenda. FONTE: Elaboradas pela autora

A Tipologia 02 comporta edificações fechadas, parcial ou totalmente, em tijolo


de adobe (aparente e com revestimento), e abrigam a Área de Convivência
(figura 26) a Casa de Costura (figura 27) e o depósito (figura 28).

FIGURAS: 26 a 28 - Plantas Baixas e Vistas das edificações da Tipologia 02. FONTE: Elaboradas pela autora.
E 05 estruturas projetadas pilares de eucalipto tratado, que ficam entre
as edificações, funcionam para atividades diversas, com tendas para
cerramento do espaço. Nos três casos a estrutura e as telhas da cobertura em
bambu tratado, o forro de elemento têxtil transpassando a estrutura o telhado. A
tipologia 01, que é aberta, e algumas das estruturas com pilares de bambu
forma um conjunto com fechamento em estrutura de bambu (figuras 36 e 37).

Na planta de situação (figura 29) a distribuição das edificações foi feita


de forma. Para o exterior foi proposto um caminho de estrutura de trave em
bambu transpassado por um elemento têxtil tanto nas suas laterais como no
topo (figuras 29 a 31). Tecidos (Pano da Costa) transpassando as árvores e
interceptando as edificações (figuras 29, 32 a 37).

FIGURAS: 30 Croqui;

31 - Esboço em Perspectiva das


Traves em bambu transpassada
com pano da costa. FONTE:
FIGURA: 29 - Planta de Situação com legenda das edificações e dos elementos Elaboradas pela Autora
arquitetônicos. FONTE: Elaborada pela autora.

FIGURAS: 32 - Vistas do Conjunto Proposto; 33 - Vistas do Conjunto com o tecido traspassando as Proposto; 34 e 35 -
Tecido transpassando a arvore e as edificações. FONTE: Elaboradas pela autora.
FIGURAS: 36 e 37 - 3 D de edificação com o tecido transpassando. FONTE: Elaboradas pela autora.
4. REFERÊNCIAS

ABRANTES, Samuel. Sobre os Signos de Omolu. Rio de Janeiro, Editora Ágora da Ilha, 1999;

Bahia. Governo do Estado. Secretaria de Cultura. IPAC. Pano da Costa./ Bahia. Governo do
Estado. Secretaria de Cultura. IPAC.- Salvador : IPAC; Fundação Pedro Calmon, 2009.

BRAGA, Julio. Ancestralidade Afro-Brasileira: O culto de Babá Egum. 2.ed – Salvador:


EDUFBA/Ianamá, 1995.

LAWAL, Babatunde. A arte pela vida: a vida pela arte. Revista Afro-Ásia, Salvador, CEAO/UFBA,
n.14. 1983

SANTOS, Juana Elbein dos. Os Nagò e a Morte - Pàde, Asèsè e o culto Ègun na Bahia; traduzido
pela Universidade Federal da Bahia. 14 ed. - Petrópolis: Editora Vozes, 2012.

SANTOS, Juana Elbein dos. (Organizadora). Ancestralidade Africana no Brasil - Mestre Didi 80
anos. Salvador: SECNEB, 1997.

SANTOS, Maria Stella de Azevedo. Meu Tempo é Agora; 2ª Edição, Salvador: Editora da
Assembléia Legislativa da Bahia, 2010.

OLIVEIRA, Josane dos Santos, Tenda dos Milagres - Proposta de Arquitetura de Pano da Costa.
Projeto para defesa de Título de Graduação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal da Bahia;

Cartilha da Casa dos Objetos Mágicos


http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/Casa_dos_Objetos_magicos.pdf. Acessado em
abril de 2018

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