Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
Os Karajá são uma sociedade indígena brasileira, habitantes imemoriais das
margens do Rio Araguaia, na Ilha do Bananal e arredores, na divisa entre os estados
de Mato Grosso e Tocantins. Os “Iny”, como se auto-designam na língua Karajá,
contam atualmente com uma população de cerca de 2.800 pessoas, distribuídas em
cerca de 12 aldeias1, sendo que as maiores e mais antigas são Santa Isabel do Morro,
atualmente com cerca de 652 habitantes e Fontoura, com cerca de 611 habitantes,
ambas na ilha do Bananal2. A língua Karajá, que pertence ao tronco lingüístico Macro
Jê, é ativamente falada na grande maioria das aldeias3.
1
Números aproximados, fornecidos por funcionário da FUNASA, em julho de 2008.
2
FONTE: Governo do Tocantins, Secretaria da Cidadania e Justiça - Diretoria de Promoção e Defesa
dos Direitos Humanos. SIASI - FUNASA / São Félix do Araguaia – MT, 01/01/2008.
3
Até a idade escolar as crianças falam exclusivamente a língua materna, só passando a aprender o
português quando começam a freqüentar a escola.
4
Ou “litxoko”.
1
seu dialeto feminino5, são fabricadas exclusivamente pelas mulheres, sendo que
atualmente grande parte de sua produção se destina ao mercado de turismo regional e
de arte étnica. Com um variado repertório temático, as “ritxoko” são criações que
retratam inúmeros aspectos da vida, da pessoa e do imaginário Karajá. Constituem-se
como um rico canal de expressão para as ceramistas, que, através delas, nos revelam
sobre muitos aspectos da visão de mundo das mulheres Karajá.
Tradição e inovação
5
Na língua Karajá, há o dialeto feminino, que se distingue da fala masculina. Os homens se referem as
bonecas por “ritxoo” ou “litxoo”
2
mais jovens se dedicam mais à confecção das “ritxoko” movidas pelo interesse de
venda e geração de recursos monetários.
Ainda hoje as famílias de “ritxoko” são fabricadas com este mesmo propósito,
sendo mantidos todos seus aspectos sócio-educativos, assim como as suas principais
características formais: As dimensões reduzidas, de cerca de 10 cm de comprimento,
adequadas para o fácil manuseio de mãozinhas de crianças, e a apresentação formal
destas “ritxoko” no estilo antigo, denominado “hakana ritxoko”, no dialeto feminino.
Um importante aspecto, de caráter técnico, no entanto, distingue as antigas “hakana
ritxoko”, das “ritxoko” fabricadas atualmente: a queima. As “hakana ritxoko”,
literalmente, “bonecas do tempo antigo”, em Karajá, eram, originalmente, finalizadas
em barro cru, ou seja, não eram submetidas à queima. A queima, feita nos moldes do
que se convencionou chamar de queima “primitiva”, em fogueira aberta, era
empregada apenas no fabrico dos potes e outros utilitários, não sendo praticada para
as pequenas “ritxoko”. Podemos supor que tal fato possivelmente decorresse em
função das dimensões reduzidas destas “ritxoko do tempo antigo”, assim como as suas
formas arredondadas, robustas e sólidas, características físicas que conferiam uma
considerável resistência às à figurinhas quando secas.
4
s.f. (sXIV cf. FichIVPM) 1 cada um dos estados de algo em evolução ou que passa por
sucessivas mudanças <as f. de uma doença> <a produção do filme está em f. final> 2 período
ou época com características próprias <a f. figurativista de um pintor> (Houaiss) 6
Não é exatamente este o quadro que se constata com relação à produção das
“hakana ritxoko” e das “wijina bede ritxoko”. As “ritxoko do tempo antigo” não
deixaram de ser confeccionadas com a eclosão criativa que caracterizou o surgimento
das “ritxoko dos tempos atuais”. Estas continuam a ser fabricadas até hoje, mantendo-
se as características formais tradicionais que as distinguem, assim como as funções
sócio-educativas a elas associadas. Tampouco me parece muito apropriada a
denominação estilo simbólico versus estilo realista de Fénelon Costa, particularmente
se considerarmos as representações de seres sobrenaturais retratados nas “ritxoko”.
Por isso, propomos a designação “estilo tradicional” e “estilo moderno” para as
“ritxoko” Karajá.
6
Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 2.0
7
s.f. (sXX cf. AGC) MED hipertrofia das nádegas por acúmulo de gordura ETIM esteat(o)- + -
pig(o)- + -ia; ver pig(o) - (Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 2)
5
formal. As braçadeiras foram colocadas nos roletes que representam os cabelos das
moças “ijadokomã”. As ceramistas Karajá operaram, assim, uma fusão formal:
cabelos se tornam braços, se fundem, ou melhor, são, ao mesmo tempo, cabelos e
braços, para que sirvam de suporte ao muito apreciado enfeite Karajá “desi”.
O passado se re-atualiza pelas mãos das ceramistas não apenas no seu aspecto
formal, mas também através de suas escolhas temáticas. É o que se pode observar na
produção das “wijina bede ritxoko”, das “ritxoko” do estilo moderno. A imagem do
guerreiro, segurando o tacape e a lança, do caçador, com uma onça ou uma queixada
nas costas, certamente não encontram facilmente referentes reais e concretos nos
tempos atuais, mas evocam imagens pretéritas que ainda despertam o orgulho pela
forma de ser Karajá. Não se percebe nenhuma presença de elementos materiais da
cultura do “tori”8 nas “ritxoko” modernas, embora estes estejam cada vez mais
presentes nas vidas cotidianas das aldeias - televisão, fogão, bicicleta, lanchas
“voadeiras” a motor, e a lista se estende e é longa . São bastante comuns as cenas do
trabalho tradicional, dos funerais, e as cenas reproduzindo momentos importantes nos
rituais Karajá. Podemos dizer que as “ritxoko” constituem-se como artefatos
mnemônicos que celebram uma existência cultural pretérita, bem como a identidade
étnica Karajá. Muitas da formas culturais tradicionais têm caído em desuso, porém
não foram, ou serão, esquecidas - ao menos parece ser esta a vontade das ceramistas
Karajá.
Conclusão
8
“tori” – termo Karajá designativo da pessoa não Karajá, especialmente dos brasileiros da sociedade
nacional.
6
um novo estilo moderno bem distinto, que introduz grandes mudanças, tanto técnicas
como formais e estilísticas, e principalmente no seu conteúdo sígnico, as “ritxoko”
passam a retratar imagens da vida e do modo de ser “Iny”. A iconografia presente nas
“ritxoko” nos informam sobre as imagens que o “Iny” tem de sua própria pessoa, de
sua própria identidade, assim como as imagens do imaginário Karajá, quando retratam
seres míticos e sobrenaturais, personagens de mitos e estórias da tradição oral.
Através das ”ritxoko” pode-se dizer que a voz feminina Karajá se expressa,
visualmente, “em alto e bom tom”, e, no seu conjunto, mandam a seguinte mensagem:
“Assim somos nós, o povo “Iny”, assim é a nossa vida, assim é o nosso modo de ser -
segundo as formas dos nossos costumes e tradições. E é assim que gostamos de viver,
e é assim que gostamos de ser”. Esta parece ser a recorrente mensagem das mulheres
ceramistas Karajá para o mundo exterior, assim como para seu próprio povo.
Referências Bibliográficas
7
EHRENREICH, Paul. Contribuições para a Etnologia no Brasil. In: Revista do
Museu Paulista, s/n, vol II. São Paulo, 1948.
FARIA, Luis de Castro. A figura humana dos índios Karajá. Rio de Janeiro, Museu
Nacional, 1959.
KRAUSE, Fritz. Nos sertões do Brasil. In: Revista do Arquivo Municipal, no. 66-
95. São Paulo, 1940-1943.
LIMA, Tania Andrade. Cerâmica Indígena Brasileira. In: Ribeiro, Darcy Suma
Etnológica Brasileira. Tecnologia Indígena. Petrópolis: Vozes, 1987.
RIBEIRO, Darci ed. Suma Etnológica Brasileira – Arte India. Petrópolis: Vozes,
1986.
Referência eletrônica