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Exposição no Centro de Visitantes do MN

Módulo do Setor de Etnologia e Etnografia (SEE)


(versão preliminar)

Maloca do Saber

A exposição levará ao público estudantil objetos do acervo indígena reunido


pré e pós-incêndio. Trata-se de nove itens que indicam os modos de ser e viver
dos indígenas do Brasil e os sentidos atribuídos às coleções preservadas no
Museu Nacional dos quais estes objetos fazem parte.

Antes do incêndio de 2 de setembro de 2018, o SEE possuía quase 40 mil


objetos colecionados ao longo dos duzentos anos da história do Museu
Nacional. Infelizmente boa parte deles desapareceu no desastre – exceto uma
parcela recuperada dos escombros do palácio pela equipe de Resgate de
Acervos do Museu Nacional. Uma das coleções não atingidas pelo fogo foi a
Coleção Rafael Pessoa, que se encontrava fora do palácio. A coleção foi doada
pela família do antropólogo Rafael Pessoa, falecido em 2013.

A Coleção Rafael Pessoa traz inúmeros objetos de diferentes povos indígenas.


Na exposição, teremos dois belos itens feitos em plumária e representativos do
povo Rikbaktsa, que vive no Mato Grosso e somam mais de 2 mil pessoas.

Adorno de cabeça. s/d. Rikbaktsa, Mato Grosso, Brasil.


Enfeite plumário constituído de tecido, fibra vegetal, cabelo e pluma nas cores
vermelha, azul, preta e amarela. Forma de grinalda para cobrir a nuca.

Colar. s/d. Rikbaktsa, Mato Grosso, Brasil.


Colar de contas de coco, conchas e plumas na cor azul, laranja e amarelo.
A arte plumária dos Rikbaktsa é uma das belas do Brasil e serve como importante
fonte de renda para a comunidade. Muitos desses objetos são produzidos para serem
comercializados. Outros, contudo, são criados para o uso da própria comunidade em
suas festas e ritos. Os Rikbaktsa costumam criar vários tipos de aves, nutrindo-as com
castanha, milho e outros alimentos e tendo-as como um estoque vivo de penas para
seus enfeites. A mais comum é a arara (amarela, vermelha ou cabeçuda). De tempos
em tempos, arranquem-lhe as penas que, logo em seguida, começam a crescer de
novo e ficam de cores cada vez mais fortes, mais "maduras" como dizem os
indígenas. Muitos criam também galinhas e incorporam as longas penas de rabo de
galo aos enfeites plumários tradicionais, produzindo um belo efeito estético.

Além das peças rikbaktsa adquiridas antes do incêndio, a Maloca do Saber vai
apresentar aos visitantes as peças reunidas no processo de reconstrução do
Museu Nacional, fruto de uma parceria histórica com os povos indígenas.
Depois do incêndio, a equipe do SEE e representantes indígenas do Brasil se
articularam e passaram a discutir o que significa, para os indígenas e para o
Museu Nacional, a reconstrução das coleções etnográficas. Essa articulação é
importante para que o novo acervo da instituição seja constituído em diálogo
com as comunidades no seu tempo presente. Segundo o curador das coleções
etnográficas, João Pacheco de Oliveira, o colecionamento está sendo operado
a partir de uma perspectiva dialógica, nos termos colocados pelos indígenas
com a mediação do SEE, diferentemente das práticas coloniais que marcaram
o Museu Nacional do século XIX e de parte do XX, quando a formação das
coleções não levava em conta os valores de quem produziu os objetos, que
eram os detentores dos saberes a eles associados. Para Oliveira, “os museus
não podem de forma alguma pensar-se como praticantes de qualquer
modalidade de extrativismo cultural. Ao contrário, eles precisam envolver-se
intensamente com as coletividades ali representadas, apoiando suas políticas
de memória e seus projetos de bem-estar, trazendo informações atualizadas
sobre os produtores dos artefatos que expõem e as condições de uso e coleta.”

Exemplo desta prática curatorial dialógica é a boneca karajá, que será a peça
central da exposição. Ela foi doada por Kaimote Kamaiurá Karajá que,
sensibilizada com a tragédia do incêndio e solidária à perda do acervo,
comunica a doação de uma nova boneca para substituir a que fora perdida no
desastre. Foi a primeira doação feita ao SEE após o incêndio.

Ritxòkò (boneca). 2018. Iny Karajá. Aldeia de Santa Isabel


do Morro, Ilha do Bananal, Tocantins, Brasil.
Boneca modelada em barro decorada com grafismo na cor
preta. Representa figura humana sentada em um banco
que acompanha a peça. Produzida pela artesã Kaimote
Kamaiura.
Os Karajá são habitantes seculares de uma extensa faixa do vale do rio Araguaia, a
Ilha do Bananal, maior ilha fluvial do mundo. A família linguística Karajá pertence ao
tronco linguístico Macro-Jê e se divide em três línguas: Karajá, Javaé e Xambioá.
Segundo o IBGE, o povo Karajá atualmente soma cerca de 4 mil pessoas.

A arte cerâmica karajá apresenta os mais variados tipos e motivos, desde utensílios
domésticos até as bonecas, com temas mitológicos, rituais e da vida cotidiana. A
confecção das Ritxòkò, bonecas karajá, é uma atividade exclusiva das mulheres e o
seu comércio é uma importante fonte de renda. O modo de fazê-las envolve técnicas
tradicionais que são transmitidas de geração em geração. A experiência da ceramista,
sua habilidade técnica e preferência estética influenciam na produção, que consiste
nas seguintes etapas: extração e preparação do barro; modelagem das figuras;
queima e pintura. Em 2012, a ritxòkò foi registrada pelo IPHAN como Patrimônio
Cultural do Brasil.

Outra importante coleção adquirida em parceria com os povos indígenas é a


Coleção Guarani-Kaiowá/Tekoha em Litígio, que assim foi nomeada para
representar o processo histórico de retomada do território kaiowá, o que vem
ocorrendo em meio a ofensivas violentas praticadas por ruralistas do Estado do
Mato Grosso do Sul, onde vivem os Kaiowá. Este conjunto está sendo reunido
por Tonico Benites, atual curador indígena do SEE. Três itens desse conjunto
estarão na exposição e representarão a luta, resistência e criação do povo
Guarani-Kaiowá, que somam cerca de 50 mil pessoas.

Mbaraká. Maracá. 2020. Guarani-Kaiowá, Mato Grosso do Sul,


Brasil.
Instrumento musical. Feito de cabaça em formato oval e
alongado adornada com plumas amarela e rosa. Trabalho do
artesão Germano Lima.

Minby apyká. Apito. 2020. Guarani-Kaiowá, Mato


Grosso do Sul, Brasil.
Instrumento musical feito a partir da raiz da goiaba do
campo. É usado na reza para os xamãs. Também pode
ser usado para comunicar a chegada em outro território.
Yvyra. Borduna. 2020. Guarani-Kaiowá,
Mato Grosso do Sul, Brasil.
A borduna é feita de madeira de cedro, considerada uma árvore
sagrada. Passou a ser usada pelos guerreiros a partir da década
de 1970 na luta pela retomada do território. Trata-se de um objeto
pessoal, cada guerreiro tem o seu, e é usado geralmente para dar
proteção e espantar os maus espíritos. Essa especialmente
apresenta faixas claras e escuras alternadas feitas através da
queima da madeira ainda verde.
Trabalho do artesão Valdir Mendes.

Por fim, um último conjunto a ser exposto na mostra são itens da Coleção
Anton Lukesch. Eles foram doados em 2021 pelo museu austríaco
Universalmuseum Joanneum. A doação foi resultado da aproximação e diálogo
que o Museu Nacional vem estabelecendo com museus internacionais.

Cocar. Década de 1960. Kayapó, Alto Xingu, Brasil.


Coletado por Anton Lukesh. Doação do Universalmuseum
Joanneum, Áustria, em 2021.

Kob ngrire (tacape feminino). Década de 1960.


Kayapó, Alto Xingu, Brasil.
Feito de madeira de pau d’arco marrom e decorado
com fibra vegetal. Trabalho masculino. Usado em
festas e ações políticas. Coletado por Anton Lukesh.
Doação do Universalmuseum Joanneum, Áustria, em
2021.

Kait (cesto). Década de 1950. Kayapó-Gorotire, Xingu, Brasil.


Cesto de transporte. Uso feminino. Constituído por palha
trançada, fios de algodão e base tecida em sarja. Listras de
tranças de folha de palmeira formam uma cinta de transporte,
que é fixada na borda superior. Decorado com pingentes de
algodão amarrados dos lados. Coletado por Anton Lukesh.
Doação do Universalmuseum Joanneum, Áustria, em 2021.
Durante a visitação, é importante que os estudantes, ao observarem os
diferentes usos, significados e técnicas dos objetos expostos, percebam a
diversidade sociocultural do Brasil, exercitem o reconhecimento cultural da
alteridade e compreendam o protagonismo indígena na luta pelo direito à
memória e à existência.

Referências

Catálogo das Coleções Etnográficas do Setor de Etnologia e Etnografia do Museu Nacional.


2022. Manuscrito.

LENHARO, Mariana and RODRIGUES, Meghie. Can a National Museum Rebuild Its Collection
Without Colonialism? New York Times, 2022. Disponível em
https://www.nytimes.com/2022/11/09/magazine/brazil-national-museum-indigenous.html

OLIVEIRA, João Pacheco. Perda e Superação. In: Rita de Cássia Melo Santos. No Coração do
Brasil. A Expedição de Edgard Roquette-Pinto à Serra do Norte (1912). Rio de Janeiro: Museu
Nacional, Setor de Etnologia e Etnografia, 2020. Disponível em
https://www.museunacional.ufrj.br/see/publicacoes.html

______. O retrato de um menino Bororo: narrativas sobre o destino dos índios e o horizonte
político dos museus, séculos XIX e XXI. Tempo, v. 12, n. 23, jul-dez. 2007.

SANTOS, Vinicius José Ribeiro da Fonseca. Os Guarani-Kaiowá e a elite ruralista em Mato


Grosso do Sul: as múltiplas faces de um processo de territorialização. Tese (Doutorado em
Ciências Sociais). Rio de Janeiro: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2021.

https://www.museunacional.ufrj.br/see/index.html

https://osbrasisesuasmemorias.com.br/

https://pib.socioambiental.org

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