Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Mamulengueiro
O mamulengueiro ter que ser um artista com habilidades manuais para atuar,
simultaneamente, com mais de um personagem. “Os bonecos são animados pela mão do
ensinador, fazendo o dedo indicador movimentar a cabeça, e o médio e o polegar, os
braços” (Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore Brasileiro, 2001, p. 354). Além disso,
também tem que ter a destreza de manipular até mesmo mais de 60 bonecos durante o
espetáculo, por intervalos de tempo que podem chegar a oito horas.
Mulungu
Mulungu (Erythrina velutina Willd.) é o nome popular dado a uma planta da família
botânica chamada Fabaceae (= Leguminosae), uma das principais do ponto de vista
econômico, que inclui também o feijão, pau-brasil, flamboyant, a vagem e a pata de
vaca, além de tantas outras espécies bem conhecidas e utilizadas pela humanidade no
mundo todo. As espécies da família Fabaceae têm em comum frutos que se assemelham
a uma vagem – o legume – que quando amadurece se abre expondo as sementes.
É também conhecido por outros nomes populares como, por exemplo, bucaré, muchôco,
mulungá, sanandu, canivete, corticeira e eritrina. Espécie nativa da Caatinga do
Nordeste brasileiro e do Vale do São Francisco, e ocorre também no Cerrado e na Mata
Atlântica.
Onde:
Mu/PB = Mulungu – Erithryna velutina Willd./ Patrimônio Biológico
Ma/PC = Mamulengo/ Patrimônio Cultural
PBcB = Patrimônio Biocultural Brasileiro
1/4
Esta peça, uma cabeça em processo de entalhamento em madeira de mulungu, uma
espécie botânica conhecida por Erythrina velutina Willd., foi um presente que recebi do
mestre-mamulengueiro, Mestre Bila, da cidade de Glória do Goitá, que fica na Zona da
Mata do Estado de Pernambuco. A vivência que tive de campo, ou seja, conversar com
Mestre Bila, circular pelo Museu do Mamulengo de Glória do Goitá, e ao final, ganhar
este presente, me fez pensar sobre como a pessoa humana, sobre como nós através da
cultura tanto material quanto imaterial, interagimos com a natureza. Algumas perguntas
me foram chegando na medida em que eu admirava este objeto feito da madeira de
mulungu, que veio comigo para o Rio de Janeiro em 2019. Volta e meia eu pegava esta
peça, “a cabeça”, e me recordava da minha experiência em Glória do Goitá e me
perguntava sobre o processo de se enxergar em um pedaço de tronco de mulungu, a
criação futura de uma personagem que consegue manter viva uma cultura popular, que
brinca com a realidade, representando temas de forma jocosa sobre a vida cotidiana.
Como podia ser possível que um boneco de madeira, no caso a se formar a partir desta
“cabeça”, quando terminada a sua confecção e ornado com todas as suas partes
constitutivas, como braços, pintura, roupa de chita e adereços, se manteria vivo na
cultura popular frente às novas formas de se brincar e de se entreter? Seria com certeza
a força da conservação de traços da memória, da cultura e da arte utilizando a natureza
(o mulungu), que é o elemento central do mamulengo. A ideia de se apresentar aqui
nesta exposição todo o processo de confecção do mamulengo partiu desses
pensamentos. Pensamentos em torno de como o patrimônio tangível e o intangível se
entrelaçam, se encontram e nos encantam ao contemplarmos formas, cores, imaginação,
criação, personagens materializadas nos mamulengos, com certeza este encontro
acontece e é fonte de vida! É assim que esta peça, “a cabeça”, e outros mamulengos que
fazem parte da subcoleção “Acervo Biocultural de Etnobotânica” do Herbário R do
Museu Nacional/ Universidade Federal do Rio de Janeiro, ganham animação e sopro de
vida ao serem acolhidos nesta exposição. É uma proposta de reconexão entre pessoas,
plantas e cultura!
Rio de Janeiro, 17 de novembro de 2022
Maria Franco Trindade Medeiros
2/4
Os mamulengos chegaram ao Museu Nacional e fazem parte da Subcoleção Biocultural
de Etnobotânica (Re) do Herbário R. E por que as coleções bioculturais são
importantes? Porque os objetos da coleção biocultural têm o potencial de representar
dinâmicas de interações entre pessoa humana, biota (seres vivos) e o meio ambiente.
Estas abarcam uma variedade de itens que podem ser representados por espécimes,
artefatos e documentos.
O que nos chama atenção no mamulengo, dentre variados aspectos, é a sua confecção
através do uso de uma espécie vegetal em prol de uma expressão cultural de um povo.
Há uma conotação cultural relacionada ao mulungu, à planta cientificamente conhecida
por Erithryna velutina Willd., e que dá origem ao mamulengo.
As peças do processo de produção Do Mulungu ao Mamulengo são uma representação
material que vai além dos objetos em si. Camadas de informação vão se somando na
constituição desses objetos até que se chegue à brincadeira no teatro de mamulengo.
1 Hábito do Mulungu
Cuité, Paraíba, Brasil
Fotografia de Sânzia Viviane de Farias Ferreira (2022)
Vista da árvore de mulungu (Erithryna velutina Willd.), planta que é decídua (ou seja,
que numa determinada estação do ano perde suas folhas, geralmente nos meses mais
frios e sem chuva), de porte médio (6 a 15 m de altura), com tronco de 40 a 80 cm de
diâmetro marcado acima do peito, revestido por casca, estriada e espinhenta (com
acúleos), de copa aberta e arredondada
2 Exsicata do Mulungu
Areal, Rio de Janeiro, Brasil
Coletada por Luiz Emygdio de Mello em 02-XI-1975
Item da Coleção Botânica do Herbário R, Museu Nacional/UFRJ
Exemplar de mulungu (Erithryna velutina Willd.), representando o trabalho do
pesquisador botânico e a importância das coleções botânicas dos herbários, como a do
Herbário R do Museu Nacional/ UFRJ
Exsicata com destaque para algumas características das folhas do mulungu que foi
coletado em campo, prensado, secado e montado para ser inserido na coleção: são
compostas trifolioladas, alternas, de folíolos cartáceos, velutino-pubescentes, de 3 a 12
cm de comprimento
As inflorescências do mulungu medem de 12 a 20 cm de comprimento e as flores que
compõem estas inflorescências são vistosas, grandes, de coloração que varia do
alaranjado ao vermelho, sendo formadas com a árvore totalmente sem folhagem e, por
isso, não podem ser observadas no exemplar em exposição
3 Sementes do Mulungu
Cuité, Paraíba, Brasil
Fornecidas por Sânzia Viviane de Farias Ferreira (2022)
Sementes de mulungu (Erithryna velutina Willd.) de formato reniforme (que se
assemelham à forma dos rins, órgão anatômico), sendo de cor vermelho-escura a
vermelho-alaranjada e brilhantes
Estas sementes ficam dentro de frutos do tipo legume (vagem), que têm de 5 a 8 cm de
comprimento e contêm de 1 a 3 sementes
3/4
Descritivo das peças do “Descobrindo”:
Compadre Caso Sério, Dona da Cobra e Cobra Chibana
Glória do Goitá, Pernambuco, Brasil
Mestre Bila (2022)
Adaptação tátil do mamulengo, representando figuras humanas do sexo masculino e
feminino e figura animal para brincar, com madeira de mulungu (Erithryna velutina
Willd.), figurino em tecido de chita e outros materiais e, pintura corporal figurativa
Torga (Tenda)
Adaptação tátil de uma representação da estrutura na qual os mamulengos entram em
cena! O teatro de mamulengos acontece com a interação entre:
– O “mestre-mamulengueiro”, quem dá vida aos mamulengos
– O “mateus”, pessoa que interage com o mestre-mamulengueiro e o público
– Os músicos, que tocam as músicas das passagens e as loas das personagens
– E o público em si, que manifesta suas reações a cada estória
4/4