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MUSEU NACIONAL / UFRJ

CURSO DE FORMAÇÃO DE MEDIADORES 2023

(Relativa à exposição de inauguração do Centro de Visitantes: “Um Museu de Descobertas”)

Módulo: SOUVENIR ALADO

PROPONENTE: ALCIMAR DO LAGO CARVALHO

COLABORADORA: THAMARA ZACCA BISPO TAUMATURGO

(Professores do Departamento de Entomologia, MN / UFRJ)


ARTESANIA COM ASAS DE BORBOLETAS

O módulo Souvenir Alado pode ser contextualizado através de um de curta-metragem de 1936


produzido pelo cineasta norte-americano James Anthony FitzPatrick (1894-1980) intitulado Rio
de Janeiro: City of Splendour (https://www.youtube.com/watch?v=N5ayDTL6EiU). Esse
documentário pertence à série The Voice of the Globe, distribuída pela Metro Goldwyn Mayer
(MGM) sob o codinome Fitzpatrick’s Traveltalks. Nesse raro e importante registro da cidade do
Rio de Janeiro nos anos de 1930, então capital federal do Brasil, os principais pontos turísticos e
algumas cenas do cotidiano da cidade foram eternizados em movimento. Embora com pouco
menos de oito minutos, destina os dois finais, cerca de ¼ de seu tempo total, ao registro da
denominada “butterfly industry”. Trata-se da fabricação de souvenirs adornados com asas de
lepidópteros (borboletas e mariposas), hoje praticamente esquecidos, dentre os quais as
bandejas de madeira com trabalho de marchetaria foram os mais famosos.

Essa manufatura tipicamente brasileira, amplamente desenvolvida e comercializada


entre as décadas de 1920 e 1980, abrange diversos objetos utilitários estruturados em madeira,
adornados com asas de lepidópteros arranjadas sob vidro. Destacam-se: porta-joias, caixas de
costura, tigelas, cinzeiros, tampos de mesinhas, tabuleiros de jogos, além das citadas bandejas.
Em função da diversidade de atividades relacionadas à sua manufatura, muitos personagens de
distintas origens se envolveram na sua produção e comercialização, desde crianças exploradas
na coleta de lepidópteros em campo até negociantes que tratavam de sua venda e exportação.

Durante a década de 1920, artefatos com asas de lepidópteros eram vendidos em


joalherias no Rio de Janeiro como artigos de luxo. A partir da final dessa década, esses passaram
a ser produzidos em escala industrial, principalmente por algumas marcenarias da região
madeireira de São Bento do Sul, SC, como a de Carlos Zipperer Sobrinho, que já possuíam
infraestrutura e conhecimento técnico para fabricá-los. Dessa forma, as várias lojas e ateliês da
cidade do Rio de Janeiro se especializam basicamente na sua ornamentação e venda no varejo.
O seu design segue diretrizes gerais do movimento Art déco. Esse novo padrão estético,
apresentado na Exposição internacional de artes decorativas e industriais modernas de Paris em
1925, prontamente assimilado em nível mundial, foi inclusive aplicado na decoração dos
transatlânticos que aportavam no Rio com turistas estrangeiros. Como atrações itinerantes,
esses podiam ser visitados localmente mediante convite ou ingresso pago, como ocorreu com o
S.S. Normandie, que aportou no Rio de Janeiro em 1938 e 1939. Através dessas visitas, os
padrões decorativos modernos puderam ser apreciados e incorporados às manufaturas locais.
ORIGEM, APOGEU E OCASO

Há registro de que as primeiras manufaturas artísticas com asas de lepidópteros foram exibidas
no Rio de Janeiro na grande Exposição do Centenário da Independência, ocorrida entre 1922 e
1923, certamente trazidas para representar o estado de Santa Catarina. Esse foi um dos
primeiros eventos atratores de turistas estrangeiros na cidade, porta de entrada para o Brasil,
que chegaram aos milhares através de grandes paquetes. Consecutivamente, alguns
estrangeiros recém-estabelecidos in loco, como Wenceslau Vanatko, de origem tcheca,
estabeleceram diretrizes para a sua adaptação como souvenirs turísticos, associando a eles
imagens de pontos turísticos com o uso da pintura reversa em vidro, técnica artística muito
popular nas primeiras décadas do século XX, fotografias ou, mesmo, cartões postais.

Jornais e revistas registraram muito a respeito da artesania com asas de lepidópteros na


cidade, e o que não faltaram foram querelas, prós e contras. Se por um lado havia interessados
na geração de lucro com a exploração comercial de lepidópteros, muitos acreditavam que a
coleta indiscriminada poderia levá-los à extinção. Sob o ponto de vista estético, se alguns se
viam maravilhados com essa produção, outros a achavam de extremo mal gosto e que não nos
representava bem no exterior. Seja como for, entre as décadas de 1920 e 1980, foram itens de
primeira linha nas inúmeras lojas de “curiosidades brasileiras” que floresceram na cidade,
primeiramente espalhadas na zona portuária, no Centro, e depois na Zona Sul, ao lado dos novos
hotéis, além dos aeroportos e pontos turísticos, como o Pão de Açúcar e o Corcovado.

Com a aplicação das leis ambientais desenvolvidas, em especial, nas décadas de 1940
(Decreto-lei nº 5.894, de 20 de outubro de 1943; Portaria nº 75 de 27 de março de 1946, da
Divisão de Caça e Pesca do Departamento Nacional da Produção Animal) e 1960 (Lei nº 5.197,
de 3 de janeiro de 1967), que passaram a regular a caça e a exploração comercial de animais
silvestres, a manufatura de artesanato com asas de lepidópteros foi se tornando cada vez mais
onerosa e inviável. Paralelamente, a produção industrial de itens de plástico e metal, bem mais
práticos e baratos, cresceu e passou a substituir a de muitos dos produtos artesanais em todo o
mundo, movimento que chegou também ao comércio turístico. Assim, sob o ponto de vista
estético e comercial, as bandejas de borboletas pararam no tempo, e tornaram-se itens cada
vez mais anacrônicos ao longo da segunda metade do século XX.
SOUVENIR ALADO

O módulo Souvenir Alado está estruturado a partir dos seguintes mostruários:

1. Objeto principal (mostruário central / horizontal): Bandeja “Pão de Açúcar” produzida em São
Bento do Sul por Carlos Zipperer Sobrinho no final dos anos de 1930 e vendida no Rio de Janeiro
por Max Neugart. Adquirida na zona portuária por um turista norte-americano, ela foi levada
para os Estados Unidos (Nova Iorque), possivelmente a bordo do transatlântico S.S. Normandie,
em um de seus cruzeiros que teve a cidade como destino, em 1938 ou 1939. No início da
pesquisa, em 2021, mais de oitenta anos depois, essa é encontrada à venda na plataforma de
comércio eletrônico eBay, localizada em um pequeno antiquário na cidade de Papillion, no
Estado de Nebrasca. Após ser adquirida, essa segue para Turlock, na Califórnia, onde fica por
alguns meses até retornar à cidade do Rio de Janeiro, para fazer parte do novo acervo do Museu
Nacional. Esse objeto icônico apresenta asas azuis iridescentes de Morpho aega (Nymphalidae)
em substituição às áreas de céu e mar de uma paisagem do Pão de Açúcar pintada reversamente
em vidro.

2. Diversidade de bandejas (mostruário vertical): cinco bandejas, nomeadas “Mata Atlântica”,


“Países Irmãos”, “Corcovado”, “Caronia” e “Azul”, e objetos relacionados foram selecionados
para demonstrar a diversidade da artesania e um pouco de sua história.

3. Descobrindo (mostruário vertical): além da exibição do curta “Rio de Janeiro: City of


Splendour” em uma tela, duas bandejas, nomeadas “Araucária e Imbuia” e “Urania”,
exemplificarão os seus materiais constituintes, madeiras e asas de lepidópteros. O visitante
poderá correspondê-las visualmente com exemplares de coleção devidamente identificados.

4. Outros objetos (mostruário vertical e horizontal): na horizontal serão exibidos outros


artefatos decorados com asas de borboletas: tigela, pratinho, tabuleiro de xadrez, caixa, porta
joias, bijuterias e cinzeiros. Sobre esses, na vertical, haverá uma reprodução da pintura “Garotos
da Ladeira” de Elizeu Visconti, que traz a questão da exploração infantil na atividade no Rio de
Janeiro do final da década de 1920, além de um mural com uma seleção de recortes de jornais
da cidade com matérias e anúncios relacionados.

5. Coleção de borboletas (mostruário vertical): doze caixas contendo espécimes de coleção,


exemplificará a diversidade de lepidópteros ocorrentes no Brasil. Esse material deverá ser
selecionado a partir da coleção doada para o Museu pelo 29º Grupo Escoteiro Duque de Caxias
(São Cristóvão). A sua disposição, mais artística e isenta de texto, viabilizará a sua utilização pelo
visitante como um fundo instagramável.

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