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Perspectiva Histórica das Promoções Políticas, Culturais e Econômicas a uma Identidade

para as Roupas Brasileira.

Michelle Medrado1

Resumo:
Pesquisa histórica exploratória sobre as promoções políticas, culturais e econômicas a uma
identidade para as roupas brasileira. Partindo da proposta de Flávio de Carvalho de um traje para os
trópicos. Passando pelas tentativas de construção de uma identidade nacional, cujo processo foi iniciado
por intelectuais e artistas na Semana de Arte de Moderna em 1922, cujo objetivo era romper com o modelo
europeu, na produção das artes. E subsequentemente, os anseios governamentais e empresariais, em
constituir bases para criação de uma identidade nacional, promovendo a cultura e a indústria têxtil.

Palavras-chave: Roupas; Identidade;Governo e Negócios.

Abstract:
Exploratory historical research about political, cultural and economic incentives for a brazilian clothes
identity. Starting from Flavio de Carvalho's tropical wear proposal. Passing by the attempts to build a
national identity, a process that was initiated by intellectuals and artists in the Modern Art Week in 1922,
whose goal was to break with the European model, the production of the arts. And subsequently, the
concerns government and business, to form the basis for creating a national identity, promoting culture and
textiles.

Key-words: Clothes; Identity; Government and business.

1 mi@medrado.com.br
Perspectiva Histórica das Promoções Políticas, Culturais e Econômicas a uma Identidade
para as Roupas Brasileira.

A idéia do presente texto surgiu após a leitura dos livros sobre Flávio de Carvalho - A moda e o
novo homem e Flávio de Carvalho, o Revoluncionário Romântico, cuja figura é conhecida pelos
intelectuais brasileiros pela proposta de uma traje para os trópicos e por tantos outros projetos tidos como
enloquentes no campo das artes.
O traje dos trópicos masculino proposto por Flávio de Carvalho, em 1956, denominado new look,
fora chamado de 'Indumentária do Futuro'. O traje era composto por um saiote, blusão dividido em tiras
verticais, meias reticuladas de bailarina, grande chapéu e sandálias. Foi exibido na ocasião pelas ruas
paulistanas, consideradas por ele - passarelas. Segundo, Saragandi Júnior (1985, p.72), o new look não foi
fruto de uma decisão repentina, objetivando apenas chocar pelo ineditismo ou divertir pelo exótico. Nada foi
improvisado. O assunto foi objeto de longos estudos, pensado para a 'Moda de Verão para a Cidade'
tropical, levando em consideração a ventilação do corpo, para evitar a sensação de calor.
Imagem1: Acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo2.

Em 1971, Flávio de Carvalho é convidado por Gilberto Freyre para participar do seminário de
Tropicologia na Universidade Federal de Pernambuco, em Recife. Sua apresentação no seminário
consistiu em discorrer sobre a questão da indumentária masculina e sobre sua proposta da vestimenta
para os trópicos. Nessa ocasião, ele explicou a concepção do modelo new look:

Procurei inventar uma indumentária correspondente ao chamado smoking. A gola em redor do

pescoço é apenas um substituto para o colarinho. Pode ou não ser usada, mas não chega a

apertar ou incomodar o pescoço, nem impedir a circulação. Tem uma finalidade psicológica, de

ponto de apoio, para evitar a inferioridade, quando ele anda por aí. Nas pernas eu coloquei umas

meias de malha de pescador e que realmente era uma meia de bailarina, que eu adquiri numa casa

que vende artigos de bailarina. A função das meias de pescador era a de esconder as varizes que

certas pessoas têm. […] Com os tecidos atuais a ventilação seria quase perfeita. (JUNIOR. 1985,

p, 74)

Na tentativa de aproximar respostas a proposição das vestimentas para os trópicos, fiz um resgate
histórico, observando as promoções culturais, políticas e econômicas.

2 Imagem retira do http://acidadedohomemnu.blogspot.com/2010/04/flavio-de-carvalho.html. Acesso dia 20.12.2011


A chegada das roupas francesas

O Rio de Janeiro, no século XIX foi palco de grande efervescência de roupas e artigos oriundas da
França. Essa efervescência se deu pela da chegada da Corte portuguesa, em 1808, proporcionando
mudanças na característica da cidade carioca. Conforme descreveu Daniel Kidder e James Fletcher (1941,
p.70)

Com a chegada do príncipe-beirense, abriram-se os portos. Fundou uma tipografia, sendo

publicado um jornal oficial. Instituíram-se as academias de medicina e as belas-artes. […] Os

costumes do povo experimentaram também uma transformação correlata. Introduziram modas

europeias Da reclusão e restrições do isolamento, o povo emergiu nas cerimônias festivas da

Corte, cuja recepções e festas atraiam multidões por toda parte. Na sociedade misturada que a

capital até então ostentava, espanou-se o pó, o retraimento, desapareceram antiquados costumes,

novas ideias e forma de viver foram adotadas […].

Em 1816, chega no Rio de Janeiro a Missão Artística Francesa patrocinada pelo imperador Dom
João VI. O grupo missionário era composto por pintores, músicos, arquitetos entre outros artistas
europeus. Com a introdução das atividades realizadas pela Missão Artística, as influências europeias no
cotidiano se tornam expressivas, sobretudo, nos costumes dos habitantes aristocratas.
Ainda, além do oferecimento de uma vida cultural, o momento também proporciona um espaço
privilegiado de difusão e consumo de produtos estrangeiros que iam de ferragens, barris de cervejas à
roupas.
No âmbito das vestimentas, vale notar que o cotidiano da colônia portuguesa, antes de se
transformar capital do império português, não possuía preocupações relativas à aparência, pois as
atividades sociais eram escassas, como ir à igreja ou à festas. De forma que, a indumentária das famílias
coloniais pouco se distinguiam dos trajes das escravas.
As observações do estilo de vida é descrita por Gilberto Freyre (2003, p.98) em Sobrado e
Mucambos, A decadência do patriarcado rural no Brasil e o desenvolvimento urbano. As vestimentas eram
compostas por cabeção3 e chinelos sem meias. Era entrar homem estranho em casa, e ouvia-se logo o
ruge-ruge de saias de mulher fugindo, o barulho de moças de chinelo sem meia se escondendo pelos
quartos ou subindo escadas. O que se dava tantos nos engenhos como nas cidades. (FREYRE. 2003, p,
98).
Conforme Gilda de Mello e Souza (2001, p. 118) em contraste com a vida europeizada dos
burgueses de sobrado, essses rudes fazendeiros movem- se dentro de um maior desconforto, dormindo
em [...] redes, habitando em casas nuas, com roupas guardadas nos baús ou suspensas nas cordas. A
vestimenta, como o interior das moradias, desconhecia a moda.
Com a intensificação do comércio estrangeiro em meados de 1820, são inauguradas as primeiras
lojas de roupas e artigos de luxo originados da França. As lojas foram abertas na Rua do Ouvidor e na Rua
do Ourives, no Rio de Janeiro. Mas também são abertos comércios deste ramo em Salvador - BA e Recife-
PE.
Mas é na Rua do Ouvidor que o comércio ganha notoriedade. O impacto e a movimentação do
comércio francês na sociedade carioca é descrito pelos autores da literatura que vivenciaram a época. Eles
descreveram a rua do Ouvidor, e como, os personagens de suas narrativas sofreram as mudanças na
dinâmica social.
Joaquim Manuel de Macedo (1988, p. 88) conta em “Memórias da Rua do Ouvidor” que:

De súbito, e como de plano, mas em que tivesse consertado, pronunciou-se, de 1821 a 1822, a

hégira das modistas francesas para a Rua do Ouvidor (…) O fato é que no fim de três ou quatro

anos quem queria se entender-se com alguma modista francesa ia à Rua do Ouvidor; que entrou

em sua época de florescimento, de encantamento, de espavento e de esbanjamento. (…) E após

as modistas, à sombra das francesas vieram logo franceses abrir, na mesma Rua do Ouvidor; as

lojas de fazendas e de objetos de modas, para senhoras e homens, de perfumarias, de

3 Segundo dicionário Houaiss Cabeção significa Vestuário: em peças de roupa que se vestem acima da cintura (como capas,
casacos, vestidos, camisas), a parte superior, que forma uma espécie de gola ger. Larga e pendente. Ou vestuário
regionalismo do Brasil: camisa de mulher, inteira e com mangas.
cabeleireiros, etc.

Machado de Assis, em “Capítulos dos Chapéus”,1884 (1950, p. 115), descreve a movimentação da


Rua do Ouvidor

Chegaram à rua do Ouvidor. Era pouco mais do meio-dia. Muita gente, andando ou parada, o

movimento do costume. Mariana sentiu-se um pouco atordoada, como sempre lhe acontecia. A

uniformidade e a placidez, que eram o fundo do seu caráter e de sua vida, receberam daquela

agitação os repelões do costume. Ela mal podia andar por entre os grupos, menos ainda sabia

onde fixasse os olhos, tal era a confusão das gentes, tal era a variedade das lojas.

José de Alencar, destaca em seu romance urbano de 1864, “Diva” que a personagem Emília
encomendava à sua modista algum elegante vestido, ou comprava qualquer novidade parisiense
recentemente chegada.
Segundo Macedo (1988),

as senhoras fluminenses entusiasmaram-se pela Rua do Ouvidor, e foram intransigentes na

exclusiva adoção da tesoura francesa. Nem uma desde 1822, se prestou mais a ir a saraus, a

casamentos, a batizados, a festas e reuniões sem levar vestido cortado e feito por modistas

francesa da Rua do Ouvidor.

***
Com base no Almanaque Laemmert4 podemos ter uma dimensão estatística do crescimento da
quantidade de lojas de modas e fazendas francesas, correlacionado aos anos. Em 1950 eram 22 lojas; Em
1860 eram 49 lojas; Em 1870 eram 51 lojas. E no último decênio de sua publicação, em 1880 eram 110

4 Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial. Publicou dados entre 1844-1889.


lojas.
É através dessas lojas que grande parte das vestimentas usadas na cidade do Rio de Janeiro,
foram compradas. Entretanto, estas vestimentas eram concebidas para outro clima, o que as tornavam
desconfortável para a sociedade fluminense. Como salienta José Durand (1988, p. 65), para um homem,
no tempo de Machado de Assis5, era banal usar durante o dia casaco e colete e casimira de lã sobre a
camisa, a uma temperatura de 40 graus. Igualmente cômico devia ser o fato de as mulheres varrerem com
saias longuissímas o chão sem asseio das ruelas cariocas.
Gilberto Freyre (1987, p. 106) ressalta que a moda brasileira de mulher foi, assim, por algum
tempo, uma moda vinda da França, sem nenhuma preocupação, da parte dos franceses, de sua
adaptação a um Brasil diferente no clima da França. Os tecidos utilizados na feitura das vestimentas, em
grande maioria, eram grossos e quentes e os modelos não correspondiam com as condições climáticas.
Entretanto, as primeiras tecelagens de algodão apareceram em 1840, e até o final do século XIX,
somente produziam um algodão grosseiro e sua finalidade estava na confecção de sacarias para o café e
vestimentas para os escravos. O que fez com que o comércio de produtos franceses se desenvolvesse
sem concorrentes.
Também, não havia costureiras. Na casa distantes da corte, o trabalho era feito por mulheres,
preferencialmente as solteiras, viúvas e das pertencentes aos ramos empobrecidos, que retribuíam em
serviços favores recebidos de irmãs, primas ou outras parentas em melhor condição. Era raro, mas às
vezes, ensinavam as escravas. (Durand. 1987, p.64)
É interessante perceber que as roupas entraram na sociedade carioca trazidas pela presença
europeia e foram rapidamente consumidas, sem a preocupação de um modelo estético ou de estilo para a
sociedade tropical. A entrada das roupas reorganizou as relações sociais, no que tange a necessidade de
uma diferenciação por meio da aparência. Mas por outro lado, revelou a ausência de uma identidade.

5 Machado de Assis (1839-1908)


Em busca da Identidade

A moda poderia ter sido arte, antes do advento da era


industrial que a transformou numa sólida organização
econômica, numa organização de desperdício. Gilda de
Mello e Franco (2001, p. 30)

A cidade de São Paulo de Piratininga, começa a se desenvolver, por conta da economia cafeeira,
no início do século XX. As famílias que moravam no interior do estado, iniciam o processo migratório. Além
do processo de imigração iniciado em 1904, pelo governo brasileiro. Este aumento populacional acelerou a
urbanização e o surgimendo das primeiras lojas, cafés e livrarias.
Um dos marcos que representa a aceleração e crescimento da cidade paulistana é a inauguração
do Teatro Municipal de São Paulo6, cuja programação consistiu em receber desfiles de moda, concertos e
óperas. E a urbanização da Avenida Paulista7, ambos datados em 1911.
Também são inauguradas primeiras lojas de de roupas, funcionando com características parecidas
com as da Rua do Ouvidor. Entretanto, segundo Durand (1987, p.65) chegaram comerciantes de outras
nacionalidades – sírios, libaneses, estes tinham experiência no comércio de tecidos, roupas e armarinho.
Os italianos, se dedicavam a alfaiataria.
Neste contexto a roupa feminina é mais funcional. As saías encurtam, o novo corte é na altura dos
joelhos; Não fazendo mais o uso do espartilho, a silhueta é afinada e retílinia.
A década de 1920, é um período que a sociedade brasileira vive inquietações culturais, o que
influenciou a Semana de Arte Moderna de 1922. O Movimento Modernista tinha como um dos seus
objetivos romper com o modelo europeu, na produção das artes; para assim, encontrar uma originalidade
na cultura brasileira.
A Semana de Arte Moderna aconteceu no Teatro Municipal de São Paulo, e contou com a reunião
de músicos, literatos e pintores discutiam a construção de país 'autêntico'. Ruben Oliven (1992, p.30),
escreveu que o movimento modernista de alguma forma significou a reatualização do Brasil em relação
6 http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/theatromunicipal/corpos_artisticos/index.php?p=1035 acessado dia
15 de dezembro de 2011.
7 Avenida Paulista, que fora um conjunto de chácaras, em 1891 foi reorganizada urbanisticamente, cujo projeto teve inspiração
nos modelos das grandes avenidas europeias.
aos movimentos culturais e artísticos que ocorrem no exterior, e por outro lado, implica também em buscar
nossas raízes nacionais valorizando o que haveria mais autêntico no Brasil.
Porém, na busca desse ethos cultural e artístico, com o olhar nas raízes da cultura brasileira, que
ali tentava se 'inventar8, não houve preocupação em repensar ou romper o modelo de roupas francesas,
que eram usadas no país. Gilberto Freyre (1997, p. 106) chamou atenção para isso:

Não consta que, contra esse martírio da mulher brasileira, por uma arte tão antibrasileira de vestir e

calçar, de pentear-se e de adornar-se, tenham protestado os 'Modernistas' da célebre Semana de

22 em São Paulo. A explicação é que São Paulo foi, até cerca de 30, no particular 'modas de

mulher', tão passiva colônia da França parisiense como o Rio. Talvez mais que o Rio. Modernistas

ricos como o inteligentíssimo Oswald de Andrade viviam parte do ano em Paris. Paulistas elegantes

ricos como os de Prado, ter médicos, dentistas, amantes, senão em Paris.

A ausência de uma identidade nas roupas, não apareceu somente nas discussões por um modelo
climático para a sociedade brasileira. Mas também nas origens sociais de quem as porta. Oswald de
Andrade foi provocativo nesse sentido. Escreveu o poema “Atelier” dedicado à Tarsila do Amaral pintora
modernista, que só vestia, inclusive no dia de sua apresentação na Semana de Arte Moderna, vestimentas
feitas por Paul Poiret9.

Caipirinha vestida de Poiret


A preguiça paulista reside nos teus olhos
Que não viram Paris nem Piccadilly
Nem as exclamações dos homens
Em Sevilha
à tua passagem entre brincos

8 Este termo é baseado no que Eric Hobsbawn, classificou como 'invenção de tradições que pode ser adaptações de coisas
existentes ou completa invenção.
9 Paul Poiret (1879-1944), estilista francês com grande influência na moda parisiense.
Locomotivas e bichos nacionais
Geometrizam as atmosferas nítidas
Congonhas descora sob o pálio
Das procissões de Minas
A verdura no azul klaxon
Cortada
Sobre a poeira vermelha
Arranha-céus
Fordes
Viadutos
Um cheiro de café
No silêncio emoldurado

Oswald de Andrade (1925)

Não localizei nenhuma foto que pudesse comprovar as roupas usadas pelos modernistas na
Semana de Arte de 1922, mas segundo Ruth Joffly (1989, p.17), todos os participantes da Semana de Arte
Moderna vestiam roupas europeias.
Ainda sobre a roupa da Tarsila de Amaral, mesmo usando roupas feitas pelo estilista francês,
algumas descrições de suas roupas sempre notam que seus brincos eram grandes e detalhados, e as
cores de suas roupas coloridas. Pergunta-se: será que por meio dessas peças, não havia a expressão de
uma tropicalidade?
As questões levantadas pelo Movimento Modernista relacionadas a 'criação' de uma cultura
brasileira, encontram de alguma forma, consolidação sob o regime getulista.
Em 1930 Getúlio Vargas assume como presidente do Brasil, seu objetivo é fortalecer e centralizar o
papel do Estado. E uma das medidas para a criação de uma unidade nacional foram iniciadas no âmbito da
cultura.
Antônio Cândido (1984, p.27), ressalta que foi um começo absoluto […] Mas foi um eixo e um
catalisador: um eixo em torno do qual girou de certo modo a cultura brasileira, catalisando elementos
dispersos para dispô-los numa configuração nova.
O então presidente, reúne elementos populares da sociedade brasileira e os instituí como
identidade nacional. Um dos exemplos: é o samba, que até então era considerado música popular e
música das classes menos abastadas. Quem o tocasse em praça pública, ou fosse encontrado com
cavaquinho ou violão seria preso. Porém, o samba se torna música nacional brasileira. O rádio teve tarefa
fundamental na propagação do samba.
O carnaval está no âmbito dessas iniciativas, em 1932 aconteceu o primeiro desfile. E com o
passar dos anos ele vai se consolidando como identidade nacional. As revistas foram o principal meio de
divulgação e propagação do carnaval.
Em especial a revista O Cruzeiro, que foi fundada em 1928, por Assis Chateaubriand. O papel da
revista O Cruzeiro é fundamental para na construção da imagem de uma roupa brasileira.
É no O Cruzeiro, que Alceu Penna10, começou a trabalhar em cima de uma apresentação brasileira
para as roupas. O artista gráfico é considerado no campo da moda, como o precursor do estilo
carnavalesco. M. Guimarães e M. Bonadio (2010, p. 153) :

Nas páginas coloridas, apareciam arlequins, colombinas, seres da natureza e trajes históricos e

uma fantasia composta por camiseta listrada, turbante, colares e pulseiras, pano de costa, e saia

com estampa de pandeiro, notas musicais e violão, que aparece fazer ao mesmo tempo alusão à

baiana e ao malandro. […] Ao se fundirem numa imagem híbrida, são suavizados […].

E foi assim que Alceu Penna, um importante construtor da imagem da moda do Brasil, organizou
em suas publicações os aspectos da brasilidade. Isso pode ser percebido através da sua coluna 'As
Garotas do Alceu, em que ele adapatava as modas estrageiras para o público brasileiro.

10 Alceu Penna (1915-1980), mineiro de Curvelo. Aos 17 anos foi estudar na Escola de Belas Artes, na cidade do Rio de
Janeiro. Trabalhou no O Jornal, no O Globo juvenil. E nos anos 30 criou capas e ilustrações para O Cruzeiro (1928-1975).
A identidade pela via política-econômica

Com a crise em 1929 nos Estados Unidos, caí a cotação dos valores das sacas de café, gerando
prejuízos a economia nacional. Getúlio Vargas, considerou que promovendo a industrialização, com foco
na indústria de base, o país reduziria as importações e estimularia o crescimento da produção nacional de
bens de consumo. Para R. Oliven (1992, p.40) o nacionalismo ganha ímpeto e o Estado se afirma. De fato,
é ele que toma a si a tarefa de constituir uma nação. Essa tendência se acentua muito com a
implementação do Estado Novo […] aumentam a centralização política e administrativa […].
O Brasil viu crescer sua indústria têxtil e de confecções. E a substituição dos produtos importados
ia dos mais grosseiros aos mais finos. (Durand. 1987, p.67).
Entretanto, não existam muitas industrias do ramo têxtil que produziam sintéticos. Naquele
momento atuavam no mercado, a companhia de tecidos da família Matarazzo, inaugurada em 1926. A
Companhia Brasileira Rhodiaseta, que entrou em atividade têxtl em 1929. E, em 1937 é constituída a
terceira fábrica sintética têxtil, a Companhia Nitro- Química Brasileira, fundada por um consórcio entre dois
grupos brasileiros11. A produção da indústria têxtil nacional era até então plenamente dominada pelo setor
algodoeiro. (BONADIO.2005, p.35)
Neste mesmo momento o desensolvimento dos fios sintéticos pela indústria norte-americana,
possibilitou a criação de novo tipos de tecidos que rapidamente foram introduzidos na indústria brasileira,
possibilitando uma produção com baixo custo, e uma qualidade de tecidos para produzir vestimentas
prontas e mais esportivas. Gontijo (1987, p.48) diz que é nesse período que começa realmente a existir a
moda no Brasil. Ou pelo, menos uma adaptação menos tendenciosa do que era ditado por Paris.
As lojas brasileiras diminuem a venda direta das roupas francesas. E as roupas começam a ser
adaptadas para o a sociedade brasileira.
Um exemplo é a Casa Canadá12, que teve um papel pioneiro das importações de roupas francesas.
Passa a ter um time de costureiras, deixando de fazer a importação direta. Mudando a organização de
produção, uma pessoa ia até a França, assistia os lançamentos das roupas, desenhava-os e os levava,
11 A reunião dessas três companhias formavam um mercado oligopolista dos fios nacionais, tendo supremacia no preço e
qualidade ao fornecimento às tecelagens.
12 Loja carioca aberta em 1928. Sua equipe foi responsável por vestir primeiras-damas como Darcy Vargas, Santinha Dutra,
Sarah Kubitschek, Thereza Goulart e Dulce Figueiredo.
para então ser produzido em território brasileiro. Após o retorno de Paris, com base nos desenhos, as eram
adaptadas para estação climática
Nessa dinâmica, a dona da Casa Canadá, Mena Fiala, fez em 1944, um desfile, o qual é tido como
o primeiro no Brasil. Os desfiles eram organizados de seis em seis meses, para lançamento de novas
coleções.
E um novo fenômeno passa a influenciar as roupas da brasileiras, são as roupas apresentadas nos
filmes hollywoodianos. Joffly (1999, p.21) pontua que as mulheres da época, sobretudo, as de classe
média, iam para o cinema com um papel e lápis para copiar os figurinos dos filmes made in Hollywood.

O projeto - A moda para os Trópicos.

É na década de 1950, que com o lema desenvolvimentista do governo de Juscelino Kubitschek, a


indústria têxtil vai ser beneficiada. O contexto econômico era bom para a indústria têxtil, o algodão tinha
conquistado seu lugar no mercado de confecção, bem como, os tecidos sintéticos. Nesse momento a
indústria de moda brasileira, ganha fôlego e o foco é a produção nacional.
De acordo com Deborah Leitão (2005, p.92), o acesso ao mercado brasileiro era dificultado,
sobretudo, pela perpetuação de representações a respeito dos tecidos brasileiros como produto de má
qualidade e “fora de moda”.
É então, que aparece a profissão de costureiro. E foi na Casa Canadá que surgiu o primeiro
costureiro brasileiro – Denner Pamplona de Abreu13. Denner Pamplona trabalhou em diversas casas de
moda do Rio de Janeiro e São Paulo. Ele tinha como preocupação constituir o campo de moda,
acompanhado por uma alta-costura brasileira. Inclusive tentou organizar uma Câmara de Alta-Costura no
Brasil, para que o campo de produção de moda fosse profissionalizado. Sem sucesso.
As tecelagens do eixo Rio – São Paulo construíram estratégias para a criação e consolidação de
uma moda brasileira. Com o objetivo de incentivar o uso dos fios de algodão e sintéticos do país,
organizaram os chamados “Festivais de Moda”. Mas também, buscaram no exterior, sobretudo em Paris,
assessorias e parcerias. O modelo de parceria foi convidar costureiros de parisienses, para desenvolver
coleções exclusivamente com os tecidos brasileiros.

13 Denner Pamplona de Abreu (1937-1978).


O curioso nessa ação é que as roupas não deveriam ser vendidas ou reproduzidos industrialmente,
a ideia era criar uma estratégia de comunicação, e não de comercialização. Pois era preciso criar um
conceito de legitimidade para os tecidos e estilo brasileiro, feito por franceses. Para então, formar um
mercado consumidor para as vestimentas feitas com matéria-prima brasileira.
Essa promoção da indústria têxtil brasileira se inicia em meados da década nos 1950 e vai até
meados da década 1970.
Prosseguindo com os festivais para promoção da matéria-prima brasileira. Em 1960 a Rhodia,
inicia um projeto parecido com o que as tecelagens brasileiras, nos termos de parcerias e assessorias. Mas
sua propagação consistiu em eventos com shows e desfiles. Diferenciando-se das tecelagens, que faziam
eventos pequenos, os eventos aconteceram dentro da Feira Nacional da Indústria Têxtil – FENIT14.
Para a criação contratam o sr. Lívio Ragan15, figura fundamental na organização e concepção dos
shows e desfiles. Sua missão foi elaborar uma estratégia para o mercado desejasse consumir as fibras
sintéticas, no lugar dos tecidos de algodão, considerados mais nobres.
A iniciativa da Rhodia foi implementar uma política de publicidade, produzindo editorais de moda
para revistas e desfiles. Com o intuito de relacionar os produtos da empresa com a 'moda brasileira',
contrataram artistas plástico, coreógrafos, estilistas, costureiros, literatos, músicos, maestros e pintores
para enfatizar elementos da cultura. O foco era difundir a aceitação do tecido sintético, como produto
consumível, desejável e brasileiro. Criando um desejo e modificando os hábitos.
A ideia era ajudar a impulsionar o crescimento da indústria têxtil e a moda “nacional”. Como
observou Cyro Del Nero, artista plástico que trabalhou produzingo os cenários [… ] a “Moda consumia
cultura brasileira”. (BONADIO 2005, p.200).
Em cada FENIT, os shows e os desfiles tiveram um tema. Vejamos:
Em 1962, Brazilian Nature por Lívio Abramo;
Em 1963, Brazilian Look por Heitor dos Prazeres;
Em 1964, Brazilian Style por Aldemir Martins;
Em 1965, Brazilian Primitive por Isabel Pons;

14 FENIT foi criada em 1958. Inspirada no modelo da U.S Trade Fair, tinha como objetivo ser uma feira que aproximasse os
industriais do ramo têxtil.
15 Lívio Rangan (1933-1984) italiano, chegou ao Brasil em 1953 e era professor de latim e organizador de eventos de ballet, por
essa razão começou a procurar empresas em busca de patrocínio. Certa vez, apresentou seu projeto para a Rhodia e
ganhou simpátia do direitor. Foi então contratatado como gerente de publicidade, em meados de 1958 e ficou no cargo até
1970.
Em 1966, Brazilian Fashion Team por Hércules Barsotti;
Em 1967, Brazilian Fashion Folies por Willy Castro.
A lista de artistas envolvidos era extensa, todo trabalho de pesquisa cultural era combinado em
todos os segmentos artísticos envolvidos. Criando estampas, tecidos e estilos, porém, nada poderia ser
vendido. Cyro Del Nero (1999), contou:

O sonho de comprar terminava lá, no desfile. Não vendíamos nada. Fazíamos uma metamorfose

do consumo. Nada era como antes: as pessoas não podiam sair correndo do desfile para comprar.

INUTIL: os tecidos, os desenhos as cores, a elegância do desfile, as luzes do espetáculo – tudo

acabava lá. Apenas o novo discurso sobre a moda podia ser absorvido: não mais o algodão, a lã,

mas o fio sintético.

Inclusive, após os show e desfiles serem apresentados em São Paulo, eles percorriam por diversas
cidades do Brasil. Foram à Europa, Estados Unidos e Japão. Isso foi possível, por conta das parcerias com
a companhia aérea VARIG e com a revista O Cruzeiro.
Nas viagens pelo Brasil, visitando estados de Minas Gerais, Porto Alegre, Pará, Bahia e Paraná,
tinha como objetivo visitar monumentos, cidades históricas e patrimônios arquitetônicos, além da fauna e
flora.
Certa vez, numa campanha de capas de chuva foram para a Gruta de Maquine16 e para Lapa de
Cerca Grande, ambas em Minas Gerais. Lapa de Cerca Grande possui conjunto de grafismo rupestres.
Vale notar, a locação fotográfica realizada nas cidades de Congonhas e Ouro Preto, MG.
Ouro Preto, que no governo de Getúlio Vargas foi tombado como Monumento Nacional (1933) e Patrimônio
Nacional (1938).
Em Congonhas, as obras de Alejadinho17, foram utilizadas como espaço de locação fotográfica. As
modelos interagiram com os profetas de Alejadinho. Essas ações denotam a tentativa de construir uma
história, uma memória por meio da arte ali apresentada, afirmando como uma identidade nacional.

16 Foto 2. Marcos Boy. (sem data) As Grutas de Maquiné e as capas de chuva Rhodimper: “A força indomável da Natureza e o
talento do homem criando encanto que protege”.
17 Foto 3. Marcos Boy. (sem data)
Além disso, a Rhodia promoveu eventos e artistas, também patrocinou festivais de música na TV
Excelsior, nos anos de 1965 e 1966. Na TV Record em 1969. Promoveram lançamento de discos.
Lançamento da Rita Lee, carreira solo. Chegaram patrocinar a Orquestra Sinfônica de São Paulo e
programas de televisão.
Dessa forma as feiras foram organizadas como um espaço de fortalecimento empresarial, mas
também para aproximação de um público e promoção da nacionalidade e brasilidade, pois no olhar de seu
idealizador, as feiras de negócio: melhoravam os negócios, estimulavam o orgulho patriótico em função do
progresso, para surgir o entusiasmo patriótico, sadio dos que trabalham para seus fins, e as feiras passam
a ser da comunidade e até a constituir a glória de um povo. A mostra têxtil é bastante para ultrapassar as
lides pátrias, levando ao estrangeiro a grandiosidade que representam as indústrias brasileiras de tecidos.
(BONADIO, 2005, p. 99)
Mas a política promocional terminou no início da década de 1970. Pois o consumo dos tecidos
sintéticos havia crescido, se em 1960 se produzia 5.731 toneladas após 10 anos era produzido 56.640
toneladas. Dispensando promover a moda no Brasil, nos moldes feitos até então.
Algumas roupas foram doadas para o Museu de Arte de São Paulo – MASP. Mas até hoje, não
existe um acervo disponível para pesquisa.
O debate da identidade cultural brasileira ainda é debatida no campo da Moda. Em 2010 o tema se
tornou latente, pois agora deve ser considerada como parte da cultura brasileira, assim, como a música, o
teatro ou a dança. Porém, a sua identidade continua em discussão.
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