Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
“Devido a sua própria trajetória nômade nos oito anos em que viveu no cangaço,
de 1930 quando decidiu seguir Lampião até sua morte em Angico em 28 de julho
de 1938, Maria não possuía casa, vivendo de deslocamentos, acampada nos sertões,
dormindo em barracas. Quando saiu da casa-natal e da casa que possuía, fruto do
primeiro casamento, provavelmente levou pouquíssimos objetos, resumindo-se a
algumas indumentárias”. (BRITTO, 2016, p.34)
Ainda segundo Britto, após a morte de Maria Bonita, nenhum dos seus pou-
cos bens foram inventariados, havendo o que o pesquisador chama de “dispersão
da coleção biográfica” (BRITTO, 2016, p.36). Porém, o vestido do MHN, que estava
com Maria no momento de sua morte, foi dado ao repórter Melchiades da Rocha3
pelo Aspirante Francisco Ferreira de Mello, comandante da vanguarda da volante
que matou Lampião e seu bando, com mais outros dois objetos (um chapéu e
outro vestido da cangaceira).
Figura
Figura 1 – 1Foto
– Foto do vestido
do vestido
Fonte:
Fonte: livroBandoleiros
livro Bandoleiros da
da Catinga
Catinga
FIGURA 1 – Ficha
FIGURA técnica
1 – Ficha do vestido
técnica que pertenceu
do vestido à Mariaà Bonita
que pertenceu Maria Bonita
Mais de meio século depois, em 2001, no volume XXXIII dos Anais do MHN,
o artigo intitulado A moda no museu – Reflexões sobre momentos a partir da
“leitura” de um modelo, de autoria de Cristina Araujo de Seixas, sobre a indumen-
tária feminina do MHN, vai informar que constam das coleções do museu:
“...camisolas e rendas do século XII, peças raras como a única jaqueta, no país, do
“Serviço de Oficial de Caçadores a Cavalo” do Primeiro Reinado, e vestidos antigos
e contemporâneos, assinados por mestres de alta costura nacional e internacional...”
(SEIXAS, 2001, p.249)
Na edição dos Anais de 2008, Vera Lima, servidora e então curadora da Co-
leção de Indumentária do Museu, escreveu outro artigo sobre um dos vestidos
estilo Império no qual faz a seguinte análise:
“Sobre os critérios de Sophia Jobim para reunir sua coleção ela cita alguns valo-
res tais como raridade, excepcionalidade, simbolismo, tradição, patriotismo, beleza
(estética), mas também o afeto, numa certa forma de saudosismo em relação ao
4 Conferir ABREU, Regina. O vestido de Maria Bonita e a escrita da História nos museus. In:
Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v. 34, p. 189-194, 2002. e CHAGAS, Mário;
SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. A vida social e política dos objetos de um museu. In: Anais do
Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v. 34, p. 195-220, 2002.
Quase duas décadas depois, outras análises podem ser realizadas a partir
de estudos do vestido de Maria, como as perspectivas abordadas nos estudos
de gênero. Nesse sentido, o presente texto aborda as questões de gênero no
MHN a partir do referido vestido, de forma breve e inicial, já que as pesquisas
para minha dissertação de mestrado, foram parcialmente interrompidas pela im-
possibilidade de pesquisas in loco devido á pandemia causada pelo Covid-19.
Ademais, a proposta das abordagens a seguir, propõem mais reflexões do que
apresentam respostas.
É importante ressaltar que, para essa análise, a dissertação de Joana Flores
que resultou no livro Mulheres negras e museus de Salvador: diálogo em preto e
branco, é uma das referências basilares. Contudo, faço tendo a consciência de
que a abordagem de Flores é realizada a partir da intersecção entre as categorias
raça e gênero e que a abordagem deste artigo é somente por meio da categoria
gênero. Entretanto, me sinto à vontade para trabalhar a partir dos resultados
apresentados pela referida autora, dada a importância de seus estudos para este
artigo. Nessa medida, tomo como base Flores tendo consciência das similitudes,
mas acima de tudo, das diferenças.
Segundo Joana Flores, os museus, por meio também de suas exposições,
reproduzem e os preconceitos e que a falta de discussões nesses espaços, sobre
questões de raça, gênero e identidade acabam por produzir um vazio dessas
categorias no momento do desenvolvimento de políticas públicas para o setor.
(FLORES, 2017)
Ausências similares foram percebidas tanto nos artigos aqui citados como na
exposição Expansão, Ordem e Defesa, na qual o vestido foi posto pela primeira
vez em exposição. Inaugurada em 1994, a exposição fez parte de uma série de
inovações conceituais pelas quais passava o Museu e a sociedade brasileira, de-
pois dos anos de chumbo da ditadura militar brasileira.
O lugar dado ao vestido de Maria foi na vitrine que apresentava objetos dos
chamados movimentos contra hegemônicos, aqueles que estiveram em desacor-
Referências bibliográficas
ABREU, Regina. O vestido de Maria Bonita e a escrita da História nos museus.
In: Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v. 34, 2002, p. 189 - 194.
ANDRADE, Rita Morais de. Boué Souers RG 7091 a biografia cultural de um ves-
tido. São Paulo, 2008. Tese (Doutorado) – Programa de História da Pontifícia Uni-
versidade Católica de São Paulo, 2008.