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Constelação das Artes:

Modernismos - Um panorama
das Artes Brasileiras [1]

EIXO I: Imagens da colonização


Constelação das Artes:
Modernismos - Um panorama
das Artes Brasileiras [1]

ABERTURA DO CURSO

AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE
DA CONQUISTA

AULA 2
OS HABITANTES DESTA
TERRA: O BRASIL FRANCÊS

AULA 3
A NATUREZA COMO
ESPETÁCULO - O BRASIL
HOLANDÊS

AULA 4
OS SEGREDOS DO MUNDO
SUBTERRÂNEO
Constelação das Artes:
Modernismos - Um panorama
das Artes Brasileiras [1]

ABERTURA DO CURSO
EIXO I: Imagens da colonização
APRESENTAÇÃO
Olá, bem-vindo ao curso Constelação das Artes: Modernismos - Um panorama das Artes Brasileiras:
Projeto de um passado - ancestralidades, tradições e identidades em disputa! Aqui, abordaremos os
modernismos desde o Período Colonial até a primeira metade do século XX passando pelos aspectos de sua
construção e suas contradições na contemporaneidade em quatro eixos:

1. Imagens da colonização.

2. Contradições entre modernismos e modernidades.

3. Mulheres artistas no Modernismo brasileiro.

4. Cosmologias no imaginário Amazônico: narrativas afroindígenas fincadas na floresta.

Alegoria da América, 2015. Adriana Varejão (Reprodução fotográfica


autoria desconhecida/ Pinacoteca do Estado de São Paulo)

ABERTURA DO CURSO
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
No primeiro eixo, com o tema Imagens da colonização, apresentaremos o discurso historiográfico das artes
visuais no Brasil como um campo de disputa. Os objetivos são apresentar os diversos componentes literários
e iconográficos que compõem o assim chamado “mundo colonial”, abordar mitos de origem, discursos sobre
autoctonia e territorialidade a partir da análise de imagens que têm a terra como símbolo e matéria.

Também produziremos uma análise histórica sob uma perspectiva anacrônica e decolonial e analisaremos
como obras e documentos históricos são reinterpretados em nossos dias por artistas. Tudo isso para refletir
acerca dos impactos do processo de colonização no desenvolvimento das expressões artísticas nacionais.

Ensaio do Sôdade do Cordão, c. 1940. (Registro fotográfico autoria desconhecida/Acervo José Ramos Tinhorão/
Instituto Moreira Salles)

ABERTURA DO CURSO
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
No segundo eixo, Contradições entre modernismos e modernidades, vamos explicitar as tensões raciais
e de gênero na produção de um discurso sobre a História da Arte no Brasil, expondo as contradições e
ambição de mudança do Modernismo no Brasil, analisando-as.

Também refletiremos acerca da ameaça representada pelas marcas e insurgências diaspóricas dos povos
africanos sequestrados frente a tentativa de regular uma vida sociocultural definida pelas elites.

Para isso, será importante compreender como as cidades brasileiras foram implementadas em
configurações barrocas, becos, acupes, vielas, morros, nos quais o capitalismo agrário e industrial se
confrontava. Nesse contexto, vamos também investigar como indígenas, pobres e afrodescendentes, todos
residentes nas favelas, cortiços, subúrbios e áreas rurais produziam arte e cultura próprias.

Dessa forma, apresentaremos como o Modernismo marcou um interesse de uma elite sobre essa eclosão
da produção popular, gerando, inclusive, interesses internacionais e turistificados nos signos inventados
da brasilidade, problematizando esse período da nossa história da arte. Vamos também compreender o
desenvolvimento das expressividades artísticas à luz do processo de urbanização nacional.

Fotografia de Tarsila do Amaral em seu ateliê, s.d. (Registro


Fotográfico autoria desconhecida/ Acervo Tarsila do Amaral)

ABERTURA DO CURSO
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
O terceiro eixo, Mulheres artistas no Modernismo brasileiro, traz a realidade e o contexto das mulheres
modernistas, quem foram e como se construiu a sua importância para a história da arte brasileira.

Vamos observar a centralidade de Anita Malfatti e Tarsila do Amaral na experiência modernista brasileira,
consagradas e reconhecidas já em suas épocas de atuação.

Também discutiremos as relações entre arte e gênero no Brasil em sua primeira fase modernista,
historicizando as presenças femininas, suas produções e as recepções que obtiveram em suas épocas, bem
como o modo com que foram inseridas no cânone da história da arte brasileira.

Para isso, abordaremos especialmente os casos de três artistas brasileiras - Anita Malfatti, Tarsila do Amaral
e Regina Gomide Graz. A ideia é revisar a produção de mulheres artistas que precedem e participam dos
modernismos brasileiros.

Rodovia Transamazônica, Medicilândia (PA), 1994.


(Registro Fotográfico autoria desconhecida/ Acervo
Paula Sampaiol)

ABERTURA DO CURSO
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Por fim, em Cosmologias no imaginário Amazônico: narrativas afroindígenas fincadas na floresta,
último eixo, apresentaremos o desenvolvimento do Modernismo na região Norte e seus impactos na arte
contemporânea.

Teremos contato com as artes nativas na cerâmica Marajoara e cerâmica Tapajônica, através de narrativas
ritualísticas, utilitárias e literárias, reestabelecendo as origens do povoamento amazônico por meio das
marcas de relações recíprocas de ordens culturais.

Analisaremos também a perspectiva do conceito de Imaginário Amazônico para visibilizar práticas


“decoloniais” em territórios da “diferença colonial” experienciadas por povos indígenas, negros e
afroindígenas entre campos, águas, vicinais e florestas na região Amazônica.

Por meio desse percurso, propomos uma leitura crítica acerca da história das artes visuais no Brasil em torno
das noções de modernismo como um campo de disputa narrativa. A partir desses quatro olhares, propõe-se
uma reflexão acerca das diversas identidades nacionais e como elas constroem, relacionam-se, confrontam-
se e se expressam poeticamente.

ABERTURA DO CURSO
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Constelação das Artes:
Modernismos - Um panorama
das Artes Brasileiras [1]

AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE
DA CONQUISTA
EIXO I: Imagens da colonização
APRESENTAÇÃO
Ao percorrer esta aula, nos preparamos para…

• Refletir acerca da retórica da colonização e da descoberta das Américas.

O CHOQUE DA CONQUISTA

A expressão “Choque da Conquista”, amplamente usada quando se quer definir o modo como as
populações indígenas reagiram às invasões ibéricas que fundaram (e, porque não dizer, “inventaram”) as
Américas, foi profundamente trabalhada pelo historiador francês Serge Gruzinski (1949).

“O choque da conquista” define, mais precisamente, a completa ausência de categorias mentais dos
europeus para entender a complexidade da cultura indígena e a transformação radical dos modos de vida
das populações locais que sofreram um processo ainda inconcluso de expropriação de seus territórios, de
suas autonomias e cosmologias (visões de mundo), bem como de suas próprias vidas, visto que sofreram
(como ainda sofrem) com a disseminação de enfermidades desconhecidas, para as quais não tinham
defesas imunológicas.

Esse choque, obviamente muito menos drástico para os europeus do que para as populações locais,
resultou em um número incontável de mortes físicas, mas também de mortes identitárias à medida em que
a falta de referenciais e categorias mentais para compreendê-las engendrou um processo de generalização
da imagem dos povos indígenas.

A seguir, estudaremos exemplos que apresentam facetas desses fenômenos.

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AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE DA CONQUISTA
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
AMPLIANDO REPERTÓRIO
Para ampliar seu repertório sobre o Choque da Conquista, faça a seguinte leitura complementar que trará
uma visão mais aprofundada sobre o assunto:

• GRUZINKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

Vejamos um pouco mais sobre o assunto na videoaula a seguir.

REFLEXÃO SOBRE A ARTE


América - o choque da conquista.
Nesta videoaula, analisaremos a ideia de “descobrimento”
das Américas pelos colonizadores europeus e seus
impactos, além de compreender como uma série de
textos e imagens, que desconsideram a visão dos povos
originários, foram criadas a partir desta narrativa de
conquista.

Renato Menezes

NOVO MUNDO PARA QUEM?

Segundo o historiador mexicano Edmundo O’Gorman (1906-1995), não se deve pensar a chegada dos
europeus nas Américas apenas em termos de descoberta (do ponto de vista dos próprios europeus) ou de
invasão (do ponto de vista das populações locais), mas também em termos de “invenção”.

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AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE DA CONQUISTA
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Descobrimento da América, 1820-29. Johann Moritz Rugendas. (Reprodução de imagem autoria
desconhecida/ Museu Histórico Nacional/Wikimedia Commons)

Essa “invenção” teria ocorrido nas cartas dos exploradores, que criaram, por meio de suas descrições,
um novo espaço mental e geográfico que rompia com a visão tripartida do mundo, esquematizada pelas
narrativas da reconstrução e repovoamento do mundo depois do Dilúvio universal, segundo as tradições
judaico-cristãs.

Questionam-se os teólogos e exploradores:

• Se cada um dos três continentes teria sido povoado por cada um dos três filhos de Noé (Sem, Jafé e
Cam), então de qual filho descendem os habitantes dessas novas terras?

• Se, nessas terras, há animais desconhecidos, jamais narrados pelos escritores antigos, como eles
foram parar lá?

• Teria Noé incluído esses animais na Arca que salvou a humanidade do Dilúvio?

• Ou seria mais importante admitir, nesse caso, que as escrituras sagradas falharam e se trata, de fato,
de um “mundo novo”?

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AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE DA CONQUISTA
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Novus Mundus, não por acaso, é o título de uma carta de autoria e datação questionável, embora seja
atribuída a Américo Vespúcio (1454-1512), que a teria redigido por volta de 1504. Nessa carta, pode-se dizer
que, seguindo a hipótese de O’Gorman, “inventa-se” a América.

Muito embora a primeira carta que descreve o contato com esse continente date de 1492 e tenha sido
escrita pelo navegador genovês Cristóvão Colombo (1451-1506) destinada aos Reis de Espanha, é na carta
de Vespúcio endereçada à Lorenzo Piero di Medici (1492-1519) que essas “novas terras” foram reconhecidas
como um continente independente.

Na carta, Vespúcio tem o cuidado de descrever a riqueza de recursos naturais e sugere o uso estratégico
que deveriam fazer das populações locais para a exploração do território:

A terra daquelas regiões é muito fértil e amena, com muitas colinas, montes, infinitos vales,
abundante em grandíssimos rios, banhada de saudáveis fontes, com selvas amplíssimas e
densas, pouco penetráveis, copiosa e cheia de todo o gênero de feras. Ali principalmente as
árvores crescem sem cultivador, muitas das quais dão frutos deleitáveis no sabor e úteis aos
corpos humanos; outras não dão nada. E nenhum dos frutos ali são semelhantes aos nossos.
Ali são produzidos inúmeros gêneros de ervas e raízes das quais fabricam pão e ótimas
iguarias. Há muitas sementes totalmente diferentes dessas nossas.

Ali não há nenhum gênero de metais, exceto ouro, que abunda naquelas regiões, embora
nada dele trouxemos conosco nesta nossa primeira navegação [...].

Se quisesse lembrar cada coisa que ali existe e escrever sobre os numerosos gêneros de
animais e a multidão deles, a coisa se tornaria totalmente prolixa e imensa. Creio certamente
que o nosso Plínio não tocou a milésima parte do gênero dos papagaios, nem de outras aves
e animais que nas mesmas regiões existem com tanta diversidade de formas e cores que
Policleto, artista de consumada pintura, fracassaria em pintá-los.
(VESPUCIO, 2013, pp. 9-10)

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AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE DA CONQUISTA
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É possível observar no trecho como Vespúcio demarca uma fronteira intransponível entre o nós (europeus)
e o eles (habitantes do Novo Mundo), intercalando a descrição do lugar, as qualidades da terra e os aspectos
da paisagem com uma série de comparações que buscam demarcar uma diferença composta por um
híbrido de admiração e temor.

Por outro lado, essa descrição faz eco interessante na carta de Pero Vaz de Caminha (1451-1500), quando
este escrivão português, ao noticiar ao seu rei o encontro de uma terra por eles desconhecida – território
que viria mais tarde a se chamar Brasil –, evoca o espanto diante da vastidão da paisagem natural e a
impenetrabilidade no território:

Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais a sul vimos até a outra ponta que vai na
direção norte, avistada deste porto, será tão grande que haverá nela bem 20 ou 25 léguas de costa.
Tem, ao longo do mar, em algumas partes, grandes barreiras, algumas vermelhas e outras brancas,
e a terra por cima é toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é toda praia
parma, muito chã e muito formosa. Pelo sertão adentro nos pareceu muito grande vista do mar,
porque ao estender os olhos não víamos senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa.
(CAMINHA, 2021, p. 1150)

Neste trecho da carta de Caminha, constata-se a retomada da descrição da floresta selvagem, diversa e
abundante, cujas dimensões projetadas em sua vista aparentemente infinita causam tanto fascínio quanto
temor, e alimentam a esperança do cultivo ou mesmo da exploração.

É criada, então, uma imagem da terra cujos habitantes são vistos como secundários, senão como acessórios.
Os hábitos dos povos locais ora desapontam aqueles que, como o escrivão de Cristóvão Colombo - Luis de
Santángel (?-1498) - acreditavam encontrar “a monstruosidade que a maioria esperava, mas [acabaram
encontrando], sim, pessoas de boa vontade e absolutamente respeitosas” (COLÓN, 1985, pp. 139-146); ora
surpreendem aqueles que presenciaram as práticas antropofágicas, que compunham as relações entre
diversas sociedades indígenas com a natureza.

Antropofágicas: Próprio da antropofagia, do grego anthropos, “homem” e phagein, “comer”,


designa uma ampla variedade de rituais celebrativos que envolve a ingestão da carne humana.

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AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE DA CONQUISTA
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A INVASÃO DA AMÉRICA

A disputa de narrativas sobre a conquista, inicialmente travada em textos absolutamente imagéticos, como
as cartas de Vespúcio e Caminha, entrou em pouco tempo nas raias da ilustração.

Em tempos de aprimoramento dos tipos móveis, ampliação da imprensa e maior facilidade de reprodução
de ilustrações, as imagens ganham espaço fundamental na “dialética da colonização”.

Em 1589, quase um século depois das primeiras notícias do Novo Mundo terem sido veiculadas, o pintor
Johannes Stradanus (1523-1605) e os gravadores Theodor (1571-1633) e Philip Galle (1537-1612), ambos
de origem flamenga, realizam juntos uma colaboração que dá origem a uma ilustração da chegada de
Vespúcio à América, que integra um álbum intitulado Nova reperta, isto é, Novas invenções dos tempos
modernos.

Alegoria da América, da série Novas invenções dos tempos modernos no livro Nova reperta, c. 1600. Stradanus
(desenho), Theodor Galle (gravura) e Philippe Galle (impressão). (Reprodução de imagem Philippe Galle/Museum
of Art de Nova Iorque)

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AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE DA CONQUISTA
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Na ilustração é possível observar, no primeiro plano, Américo Vespúcio aportando no continente. Sua
embarcação ainda encontra-se ancorada na praia. De pé, com uma lança encimada por uma bandeira da
Ordem de Cristo, Vespúcio avança em direção a uma mulher nua, bela, corpulenta e com uma coroa de
plumas, que parece se assustar com sua presença, embora não pareça lhe oferecer tanta resistência a sua
investida.

Ela encontra-se sobre uma rede de dormir, objeto frequentemente descrito nos livros e cartas de
exploradores e religiosos. Em seu entorno, vemos animais nativos, como um tamanduá e, na árvore, uma
preguiça. Repousa ao pé da árvore uma Ibirapema, instrumento sagrado de uso sacrificial, utilizado pelos
Tupinambá nos rituais de abate e preparação do corpo morto para o canibalismo, cena que encontra-se
retratada no segundo plano. Ali, tem um grupo de pessoas em torno de uma grelha (o moquém) assando
fragmentos de um corpo humano.

Observe como essa imagem é construída de modo que a figura dos indígenas saia sempre em prejuízo para
que triunfe a figura do colonizador e se justifique o próprio ato da colonização. Enquanto Vespúcio é um
personagem que carrega um nome próprio, à mulher lhe resta a metonímia América, um nome geral que
neutraliza as particularidades do sujeito. Ou seja, ela sequer possui um nome pessoal.

Moquém: Do tupi antigo moka’ẽ (ou moqueteiro), uma grelha de madeira usada para defumar
carne ou peixe.
Metonímia: Figura de linguagem ou de palavra que consiste na substituição de uma palavra ou
expressão por outra, havendo entre elas algum tipo de ligação.

Como apontou o historiador Christian Kiening (1962),

[...] a alegoria do continente oferece a narrativa de uma experiência do encontro cujo


componente erótico ao mesmo tempo é revelado e deslocado: bandeira e astrolábio remetem
tanto às condições da possibilidade de descoberta bem como de suas bases sobre as quais
o contato cultural se desenvolve, cuja fertilidade pertencia às esperanças centrais e cujas
implicações canibais pertenciam aos distintos momentos contraculturais do discurso colonial.
(KIENING, 2014, p.141)

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AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE DA CONQUISTA
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Canibais, séc. XVI. Theodor de Bry. (Reprodução de imagem autoria desconhecida/Wikimedia Commons)

De fato, muito embora América se apresenta inofensiva, o que a imagem nos transmite é que ela é perigosa,
pois possui o domínio da Ibirapema e, sobretudo, pratica o canibalismo, tornando assim qualquer pessoa
sua presa potencial. Esse mito do canibalismo ameríndio ganhou força como contraparte da própria forma
como as florestas seriam descritas: belas, mas perigosas porque impenetráveis.

Ibirapema: Tacape ou porrete cerimonial tupi, tradicionalmente ornado com penas e pintura
decorativa, com o qual prisioneiros de guerra eram sacrificados.

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AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE DA CONQUISTA
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Essa metáfora do desejo de penetração territorial e de impenetrabilidade das florestas encontra-se também
na imagem, especialmente na forma como os artistas representam a figura feminina de pernas ligeiramente
afastadas, às quais se contrapõe o bastão fálico que Vespúcio carrega na mão. Como se pode concluir, este
retrato da colonização é embebido de um discurso profundamente expansionista e sexista, como parte
constitutiva de seu projeto.

Estão nessa polarização todos os elementos que justificam a colonização como forma de correção e de
civilização das práticas culturais classificadas, pelos próprios colonizadores, como bárbaras e selvagens. As
imagens da colonização são, antes de tudo, imagens de violência e usurpação.

ADRIANA VAREJÃO E O LUGAR DO BRASIL

Adriana Varejão (1964) é uma artista plástica brasileira, contemporânea, que vem ganhando cada vez mais
destaque no espaço nacional e internacional. Sua obra constitui uma longa e profunda pesquisa sobre o lugar
ocupado pelo Brasil, enquanto colônia portuguesa, no que se convencionou a chamar de “Mundo Colonial”.

Alegoria da América, 2015. Adriana Varejão (Reprodução fotográfica


autoria desconhecida/ Pinacoteca do Estado de São Paulo)

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AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE DA CONQUISTA
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Em Alegoria da América (2015), atualmente conservada na Pinacoteca de São Paulo, a artista elabora uma
reflexão sobre as colônias portuguesas no mundo, confrontando o imaginário americano com o asiático.
Assim, ela relembra que o império lusitano manteve, contemporaneamente, a ocupação do Brasil e de
Macau, cidade cujos monumentos coloniais encontram-se, atualmente, em estado semelhante a ruínas.

SAIBA MAIS
Conheça as obras de Adriana Varejão e mais sobre o seu trabalho no
site da artista: http://www.adrianavarejao.net/br/home. Acesso
em: 02 set. 2022.

A ruína física e simbólica a que chega o projeto colonial lusitano aparece, na pintura, evocado nos
craquelamentos que se irradiam por toda a sua superfície da obra.

A INVENÇÃO DA AMÉRICA

A ideia de que a América é uma invenção europeia, produto de um projeto colonial, fundado sobre a visão do
colonizador em relação ao colonizado, encontra uma boa definição em uma passagem do livro Iconologia,
publicado pela primeira vez em Pádua, na Itália, em 1599. A obra do autor Cesare Ripa (1555-1622) possui
uma grande importância na cultura figurativa da primeira época moderna.

O objetivo do livro era apresentar um conjunto substancial de materiais para o provimento de artistas na
produção de alegorias, isto é, de representações visuais de entidades abstratas. Para isso, Ripa fornece uma
pequena descrição com todos os elementos originados de um trabalho de compilação dos textos clássicos,
a fim de compor imagens ideais a partir de um jogo complexo de associações.

Por exemplo, a alegoria do Amor deveria ser representada no gênero masculino, já que a palavra amor é do
gênero masculino. Deveria apresentar asas, pois o amor é livre e estar armado com um arco e uma flecha,
pois o amor pode atingir a qualquer um.

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AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE DA CONQUISTA
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Forza d’amore, 1603. Cesare Ripa. (Reprodução fotográfica autoria desconhecida/Biblioteca Ambrosiana de Milão)

A origem da imagem da alegoria do amor e os textos utilizados por Ripa para chegar a essa conclusão
derivam da mitologia clássica. O mesmo deveria ocorrer com todas as demais alegorias, entre as quais a dos
quatro continentes, nas quais se inclui a América. Ripa orienta que a alegoria da América seja composta da
seguinte maneira:

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AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE DA CONQUISTA
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Mulher nua, de tez fosca, de um amarelo misturado, com rosto terrível e que um véu de
várias cores deslizando de um ombro sobre o corpo, cobre-lhe suas partes vergonhosas. O
cabelo será espalhado, e ao redor da cabeça há um ornamento vago e astuto de penas de
várias cores. Segura um arco com a mão esquerda, uma flecha com a direita, e, na lateral,
uma aljava também cheia de flechas. Sob um pé uma cabeça humana atravessada por uma
flecha, e, ao lado, terá um lagarto, ou mesmo um crocodilo de incomensurável grandeza. Por
ter sido recentemente descoberta esta parte do mundo, os Antigos Escritores não puderam
ter escrito coisa alguma a seu respeito, mas foi meu ofício ver aquilo que os melhores
Historiadores modernos descreveram [...]. Pintam-se sem roupas por ser costume desses
povos andarem nus; é bem verdade que cobrem as partes vergonhosas com diversos
tecidos de bombacha, ou outra coisa. A guirlanda de penas variadas é um ornamento que
costumam usar, e também costumam emplumar seus corpos em determinados momentos,
conforme referido pelos autores supracitados. O arco e as flechas são armas que homens
e mulheres usam continuamente, assim como as mulheres em muitas províncias. A cabeça
humana sob o pé escamoso prova que esse povo bárbaro tem o costume de se alimentar
principalmente de carne humana; por isso que os homens por eles vencidos na guerra são
comidos, assim os escravos são por eles comprados, e outros para diversas outras ocasiões.
Os lagartos, ou mesmo os crocodilos, são animais, entre outros, muito notáveis naqueles
países, pois são tão grandes e amedrontadores que devoram não só os outros animais, mas
também os próprios homens.
(RIPA, 2012, pp. 399-400)

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AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE DA CONQUISTA
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Ilustração no livro Nova iconologia, 1618. (Reprodução fotográfica Cesare Ripa/Wikimedia Commons).

É importante saber que, na obra de Ripa em geral, o texto precede a ilustração. A primeira edição do livro
não possui as ilustrações que o tornaram conhecido, sustentando-se unicamente por meio das orientações
escritas. De todo modo, a sua descrição, apenas posteriormente transformada em ilustração, passa por
comentários sobre os adornos indígenas confeccionados em plumas, os instrumentos de guerra e as
pinturas corporais, a presença do lagarto ou crocodilo.

Sobressai em seus textos também a polarização entre o erótico e o necrótico, entre a beleza e a terribilidade,
sedução e violência; binômios, que segundo o autor, constitutivos a um só tempo da aparência e do
comportamento dos povos que habitam este continente.

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AULA 1
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DENILSON BANIWA: A NOVA ICONOGRAFIA INDÍGENA

Denilson Baniwa, s.d. (Registro fotográfico Agência


Ophelia/Itaú Cultural)

Denilson Baniwa (1984) é um dos mais produtivos artistas de origem indígena atualmente. Sua obra
consiste em questionar de forma contundente a genérica iconografia dos povos indígenas americanos,
especialmente os que ocupam o território em que se situa o Brasil, produzida por viajantes e exploradores,
desde o século XVI até o XIX.

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AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE DA CONQUISTA
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A catequização, reescritura sob perspect-ativismo,
2020. Denilson Baniwa. (Reprodução fotográfica autoria
desconhecida/Revista Select Art)

Em A catequização, ele intervém sobre a alegoria da América que responde inteiramente às orientações de
Cesare Ripa, ressaltando as heranças históricas produtos da ação colonial sobre os povos originários.

Não por acaso, ele enfatiza a tensão bélica presente no arco e na flecha, objetos aos quais Ripa retorna com
insistência em sua descrição.

SAIBA MAIS
Leia o artigo “Para decolonizar a Brasiliana”, de Moacir dos Anjos para
a Revista Select Art falando sobre a arte ativista de Denilson Baniwa:
https://www.select.art.br/para-decolonizar-a-brasiliana/.
Acesso em: 02 set. 2022.

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AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE DA CONQUISTA
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É curioso pensar que, enquanto as imagens e os discursos sobre os povos nativos americanos reforçaram
a sua natureza violenta, selvagem e ameaçadora, justificando o avanço e o aprofundamento dos projetos
coloniais nas Américas - continente transformado em arena de disputa entre colonizadores de origens
diversas -, a realidade era outra: a suposta violência indígena não disputava frontalmente com as imensas
máquinas de guerra manejadas pelos colonizadores, intensificando o “choque da conquista”.

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AULA 1
AMÉRICA – O CHOQUE DA CONQUISTA
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Modernismos - Um panorama
das Artes Brasileiras [1]

AULA 2
OS HABITANTES DESTA TERRA:
O BRASIL FRANCÊS
EIXO I: Imagens da colonização
APRESENTAÇÃO
Ao percorrer esta aula, nos preparamos para…

• Refletir sobre a permanência dos temas presentes nas obras de André Thevet e Jéan de Léry.

• Analisar os relatos de viagem narrados em suas respectivas obras.

• Estudar o modo como o tema do canibalismo, da violência e da exploração dos recursos naturais se
relacionam com o contexto europeu da época.

A ORIGEM DO TERMO “BRASIL FRANCÊS”

“Brasil francês” é o termo dado ao conjunto de interpretações sobre o Brasil, derivados, direto ou
indiretamente, da série de tentativas de domínio e de estabelecimento de uma base colonial francesa, aqui,
no país, entre os séculos XVI e XIX.

Nesse período, destacam-se:

• a fundação da França Antártica, efêmero empreendimento colonial na Bahia de Guanabara, no Rio de


Janeiro, mas de profundo e amplo impacto histórico e cultural;

• a França Equinocial, fundada no Maranhão, a partir do propósito de prosperidade da ocupação que


fracassara um século antes.

No entanto, por ora, vale ressaltar que essas duas tentativas frustradas de ocupação colonial se inserem
em um desejo de exploração do território brasileiro, especialmente da costa do país. São motivadas, de
um lado, pela exploração dos recursos naturais e, por outro lado, pela documentação pré-antropológica e,
posteriormente, pela conversão da população indígena.

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AULA 2
OS HABITANTES DESTA TERRA: O BRASIL FRANCÊS
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Em ambos os casos, integra essa entidade genérica que estamos aqui chamando de “Brasil francês”
um amplo patrimônio iconográfico, que não somente documenta a progressiva definição dos limites
geográficos do atual Brasil como também consolida, do ponto de vista europeu, a imagem estereotipada
dos povos originários dessa terra, argumento que orientará as nossas reflexões daqui em diante.

REFLEXÃO SOBRE A ARTE


Os habitantes desta terra: o Brasil francês.
Nesta videoaula, você refletirá sobre como, a partir de
relatos de viajantes e de outros colonizadores, foram
criados o imaginário sobre a antropofagia e a imagem
do indígena que servirão, posteriormente, de repertório
para os modernistas de São Paulo e, mais tarde, para o
Tropicalismo dos anos 60 e 70.

Renato Menezes

A FESTA BRASILEIRA EM ROUEN

Ao longo do século XVI, um tipo de festividade que ocorria quando os reis eram recebidos pelas cidades
provincianas de seu reino se tornou muito comum na Europa: as chamadas “Entradas reais”. Para essas
solenidades eram realizadas grandes festas, com equipamentos efêmeros, encenações teatrais e
espetáculos de toda sorte, visando celebrar e honrar a presença excepcional do rei.

Uma das festividades que produziu maior eco na história foi a entrada do rei Henrique II (1519-1559), que ocorreu
em outubro de 1550, na cidade normanda de Rouen, ao norte de Paris, cidade também cruzada pelo Rio Sena.

Entre as apresentações, chamou a atenção aquela que ficou conhecida como “Festa Brasileira”. Ela foi
decorada com uma floresta cenográfica, com grutas inspiradas nas pinturas italianas, povoadas por deuses
romanos e ninfas marinhas.

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AULA 2
OS HABITANTES DESTA TERRA: O BRASIL FRANCÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Entrada alegre de Henri II em Rouen no dia 1° de outubro de 1550, 1551. (Autoria desconhecida/Bliothèque de Rouen)

Nessa paisagem foram encenadas uma batalha entre diferentes grupos indígenas (com indígenas brasileiros
e franceses fantasiados de indígenas), além de uma naumaquia no Rio Sena (simulando a costa brasileira),
em que a frota francesa derrotava a frota portuguesa, sendo estes últimos os convidados de honra no
evento. Trata-se da primeira tentativa de elaboração sistemática de um estereótipo de Brasil, servindo,
naturalmente, à transmissão dos elementos naturais e humanos nativos aos olhos estrangeiros.

Naumaquia: Espetáculo no qual se representava uma batalha naval.

Você deve estar se perguntando: com qual finalidade?

Antes de apresentarmos a resposta, é preciso lembrar que a Normandia é uma região aberta ao oceano,
característica que estimulou o florescimento do centro náutico e, sobretudo, cartográfico que a cidade se tornou.

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Os painéis talhados em carvalho, atualmente conservados no próprio Museu de Rouen e originalmente
instalados na fachada de um edifício conhecido como “Hôtel de l’Île du Brésil”, são testemunhos das
interações entre a cidade e o fluxo colonial transatlântico, que indicam o interesse vivo na exploração
e tráfico do pau-brasil (convertido em principal commodity nos primeiros anos da economia colonial),
abundante na costa brasileira.

Baixos-relevos do Hôtel particulier du 17 rue Malpalu (Hôtel de l’Île du Brésil), c. 1530-1550. (Autoria não identificada/
Musée des Antiquités, Rouen)

Logo, a finalidade para a realização da festa com temática brasileira foi para persuadir o rei Henrique II a
financiar expedições, a fim de estabelecer uma base comercial de exploração e transporte de pau-brasil
para a França, disputando frontalmente o domínio da região com os portugueses.

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EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
DICAS E CURIOSIDADES
Os painéis instalados na fachada do Hôtel de l’Île du Brésil chamam a atenção
não somente pelas suas dimensões e qualidade com que são executados,
mas também pela narrativa coesa que eles elaboram juntos. O primeiro
painel, como visto na imagem apresentada, mostra uma cena de extração
do pau-brasil feito por indígenas tupis, identificados pela nudez, que exibe
as habilidades do escultor no cuidado anatômico e na composição do
cenário, marcado pelo ritmo dos troncos das árvores e das figuras humanas,
interrompido pelas diagonais dos troncos caídos. Já o segundo painel
apresenta o depósito da madeira na nau, no contato direto entre franceses e
indígenas e o transporte ultramarino.

Nau: Denominação genérica dada a navios de grande porte, com capacidade de 200 pessoas, até
o século XV usados em viagens de grande percurso.

Em ambos os relevos é possível notar que o interesse do escultor em criar uma coreografia da exploração
do pau-brasil que dê conta de narrar o percurso da madeira do Brasil à França neutraliza qualquer interesse
pelo detalhe, pelo específico.

A produção de identidades culturais limita-se, aqui, à produção da diferença que reforça a oposição vestidos
versus nus, que será revisitada na Alegoria da América de Stradanus. Essa forma genérica de representação
dos indígenas, que tendem a identificá-los como corpos selvagens, integrados à floresta (do latim, sylva,
palavra da qual deriva “selva”, “silvestre” etc.), reduze-os a símbolo das terras sobre as quais o único interesse
é o extrativismo.

Esse campo de elaboração de sentidos é densamente ocupado pelos interesses dos franceses pelo Brasil,
intensificado com a fundação da França Antártica.

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A FRANÇA ANTÁRTICA

Fundada em 1555, em uma ilhota na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, a França Antártica foi resultado
de uma expedição liderada pelo almirante Nicolas Durand de Villegagnon (1510-1571), que implementou o
estabelecimento de uma base colonial de natureza comercial e militar, cujas manifestações mais eloquentes
haviam ganhado forma concreta na já mencionada Festa Brasileira de Rouen.

Mapa francês da baía de Guanabara, c. 1555. (Reprodução de imagem


autoria desconhecida/Wikimedia Commons)

No entanto, a empresa colonial teve vida curta. Em 1560, a sucessão de vitórias dos portugueses sobre os
franceses, sob o comando do governador-geral Mem de Sá (1500-1572), resultaria não somente na expulsão
desses últimos da Baía de Guanabara como também na fundação da cidade do Rio de Janeiro, em 1565.

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Em 1575, a Batalha de Cabo Frio marcou a definitiva derrota das forças francesas, às quais se associaram
os Tamoios. Somadas as derrotas, havia ainda as tensões religiosas que opuseram católicos e huguenotes
(protestantes franceses), fazendo da pequena ilha um microcosmo que antecipava as chamadas “Guerras
de Religião” (1524-1697), que banhariam a Europa em sangue.

Tamoios: Povo indígena ou agrupamento de povos indígenas do tronco linguístico tupi que
habitava a costa dos atuais estados de São Paulo (litoral Norte) e Rio de Janeiro (Vale do Paraíba
fluminense).

Apesar da curta duração, a França Antártica produziu um impacto forte e duradouro na Europa. Isso
ocorreu, em grande medida, graças à repercussão de As singularidades da França Antártica (1558), do
cosmógrafo franciscano André Thevet, e História de uma viagem feita à terra do Brasil, também conhecida
como dita América (1578), do huguenote borgonhês Jean de Léry (1536-1613).

Ambas as obras relatam suas respectivas experiências na colônia, sendo que a segunda produção corrige as
supostas inverdades descritas na primeira obra.

AMPLIANDO REPERTÓRIO
Para ampliar seu repertório sobre a França Antártica, faça algumas leituras complementares que trarão uma
visão mais aprofundada sobre o assunto:

• LÉRY, Jean. História de uma Viagem Feita à Terra do Brasil, também Dita América (1578). Tradução e
notas de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1961.

• THEVET, André. As Singularidades da França Antártica, a que outros chamam de América. Brasília:
Edições do Senado Federal, 2018. Disponível em: https://www2.senado.gov.br/bdsf/handle/id/573383.
Acesso em: 02 set. 2022.

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Nessas obras transbordam comentários sobre a fauna e a flora locais, reflexões sobre o povoamento
daquelas terras, descrições sobre os hábitos indígenas e uma série de orientações dirigidas ao leitor europeu
que nunca entraria em contato com o Novo Mundo.

Entre essas orientações, destaca-se uma em particular, presente na obra de Léry:

Se quiserdes agora figurar um índio [Sauvage], bastará imaginardes um homem nu, bem
conformado e proporcionado de membros, inteiramente depilado, de cabelos tosquiados
como já expliquei, com lábios e faces fendidos e enfeitados de ossos e pedras verdes, com
orelhas perfuradas e igualmente adornadas, de corpo pintado, coxas e pernas riscadas de
preto com o suco de jenipapo, e com colares de fragmentos de conchas pendurados ao
pescoço. Colocai-lhe na mão seu arco e suas flechas e o vereis retratado em garboso ao vosso
lado. Em verdade, para completar o quadro, devereis colocar junto a esses tupinambás uma de
suas mulheres, com o filho preso a uma cinta de algodão e abraçando-lhe as ilhargas com as
pernas. Ao lado deles ponde ainda um leito de algodão feito com rede de pescaria e suspensa
no ar. E acrescentai o fruto chamado ananás, que mais tarde descreverei que é um dos
melhores da terra. Esse é o aspecto comum dos selvagens. Para imaginá-lo sob outro aspecto,
tirai-lhe todos esses adornos, untai-o com resina e cobri-lhe todo o corpo, braços e pernas,
com pequenas plumas picadas, à maneira de uma crina pintada de vermelho, e vereis como
fica lindo assim, todo coberto de penugem. Finalmente sob um novo aspecto ainda podemos
dizer que, deixando-o seminu, calçado e vestido com as nossas frisas de cores, com uma das
mangas verdes e outra amarela, apenas lhe falta o cetro de palhaço. Acrescentai-lhe agora na
mão o maracá, colocai-lhe na cintura o penacho de plumas denominado araroyé e ao redor
das pernas os guizos feitos de frutos e o vereis trajado para a cerimônia da dança, do salto, da
bebida e da cabriola como adiante o mostrarei.

Para dar uma justa ideia dos artifícios, já descritos, de que usam os selvagens para adornar e
enfeitar o corpo, seriam necessárias muitas figuras a cores, o que exigiria um livro especial.

(LÉRY, 1961, pp. 97-98)

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Como é possível perceber, Jean de Léry orienta seu leitor a compor uma figura genérica de um “selvagem”
(sauvage, em francês), estreitando os laços entre texto e imagem bastante profundos no interior do próprio
livro, repleto de ilustrações.

Em uma delas, que parece seguir rigorosamente o texto de Léry, vemos uma família indígena, com todos
os elementos que estarão presente nas mais diversas ilustrações das Américas: o arco e a flecha, a rede de
dormir, o jenipapo e o abacaxi, frutos tão silvestres quanto a família é selvagem.

Gravura ilustrando uma família indígena no livro


Histoire d’un voyage fait en la terre du Brésil, autrement
dit Amérique, de Jean de Léry, 1578. (Reprodução de
imagem autoria desconhecida/Wikimedia Commons)

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A configuração familiar evoca o topos do Homo Sylvaticus, associado ao imaginário dos primórdios da
humanidade (ou estado de natureza), muito difundido na França, como demonstra a ilustração de Jean
Bourdichon (1457-1521):

Topos: Tema genérico e tradicional, usado para embasar um argumento.

Os quatro estágios da sociedade: o homem selvagem ou o


estado da natureza, 1505-1510. Jean Bourdichon. (Reprodução de
imagem autoria desconhecida/École Nationale Supérieure des
Beaux Arts, Paris)

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A dimensão alegórica da figura dos povos indígenas enfatiza não somente seus aspectos físicos como
também induz o leitor a acessar suas características comportamentais, inclinando-se à sinceridade, à
inocência e à virtude - ausentes entre os habitantes do Velho Mundo - tornando-os propícios à conversão
à fé cristã, onde nasce a ideia do “Bom Selvagem” que florescerá sob o olhar iluminista de Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778).

A HISTÓRIA DE HANS STADEN NO CINEMA

O filme Como era gostoso o meu francês é uma obra que mostra as aventuras antropofágicas dos
exploradores no Brasil.

SAIBA MAIS
Para que você possa ampliar a sua compreensão sobre o contexto
da época e como os relatos dos navegadores e colonizadores
influenciaram na construção da imagem do indígena selvagem, a
dica é assistir ao clássico filme de Nelson Pereira dos Santos (1928-
2018), intitulado Como era gostoso o meu francês. Uma curiosidade
sobre esse filme, que enfrentou problemas com a censura uma vez
que foi lançado em plena Ditadura Militar, é que nele predomina a
língua tupi. Veja o trailer a seguir: https://www.youtube.com/
watch?v=N4I9qEuZ3vY. Acesso em: 02 set. 2022.

Essa emblemática obra do chamado Cinema Novo narra a história de Hans Staden (1525-1576), viajante
alemão que esteve por duas vezes no Brasil, contemporaneamente à experiência colonial da França
Antártica, fazendo-se passar por um francês para escapar de um ritual de preparação de seu corpo para
consumo antropofágico.

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A aventura antropofágica foi narrada por Staden no livro História verdadeira, publicado em Marburgo, em
1557, cuja edição original, repleta de ilustrações, produziu, séculos mais tarde, um forte impacto entre os
modernistas brasileiros.

SAIBA MAIS
Para saber mais sobre o livro de Staden, leia o artigo “Relatos sobre
o Brasil: o livro de Hans Staden”, de Ana Lúcia Merege Correia para a
Biblioteca Nacional: https://bndigital.bn.gov.br/artigos/historia-
do-livro-relatos-sobre-o-brasil-o-livro-de-hans-staden/.
Acesso em: 02 set. 2022.

Foi a partir do relato de Staden que se elaborou toda a teoria antropofágica presente no Manifesto
antropófago, de Oswald de Andrade (1890-1954), texto que repercute entre artistas e intelectuais dos anos
60 e 70.

A FRANÇA EQUINOCIAL

Depois de um pouco mais de quatro décadas do início da ruína em que se tornou a França Antártica, na Baía
de Guanabara, houve uma nova tentativa de ocupação francesa, desta vez no Maranhão.

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Mapa Maranhão na América do Sul ao Oeste do Brasil mostrando a planta baixa do forte São Luís construído pelos
franceses, 1665. Johannes Vingboons. (Reprodução fotográfica autoria desconhecida/Kaartcollectie Buitenland Leupe van
het Nationaal Archief/Wikimedia Commons)

Para compreender o ocorrido, que resultou na fundação da França Equinocial, no período de 1612 a 1615, e
foi ainda mais curta que a França Antártica, é preciso considerar o contexto de seu surgimento.

A morte de Dom Sebastião (1554-1578), rei de Portugal, na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, deixou vago o
trono lusitano. Com isso, favoreceu a coroa espanhola e fragilizou as fronteiras estabelecidas no Tratado de
Tordesilhas, que dividia o continente americano entre portugueses e espanhóis.

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Figura Batalha de Alcácer-Quibir publicada no livro Miscelânea, 1578. Miguel Leitão. (Reprodução de imagem Georges
Jansoone/Museu do Forte da Ponta da Bandeira/Wikimedia Commons)

É no contexto da União Ibérica, como ficou conhecida a unidade política que organizou a Península Ibérica
– e suas respectivas colônias – entre 1580 e 1640, que se intensificam os interesses de outros impérios
coloniais sobre as terras brasileiras, entre os quais o Francês e o Neerlandês.

Entre os mais conhecidos colonos dessa nova empresa colonial estabelecida na ilha de São Luís (nomeada
em homenagem ao jovem rei francês), encontravam-se os capuchinhos Yves d’Évreux (1577-1632), autor de
uma obra importante, intitulada Viagem ao Norte do Brasil, publicada logo após seu retorno à França, em
1615, e Claude d’Aubeville (?-1632), autor do livro intitulado História da missão dos padres capuchinhos na
Ilha de Maranhão, publicado em 1614, ainda no frescor de sua experiência na ilha.

Capuchinhos: Que ou quem é membro da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, ordem
religiosa franciscana reformada.

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AULA 2
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EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
A obra de Claude d’Abbeville não somente organiza historicamente e geograficamente os avanços da
ocupação francesa como também registra, ao final, pequenas notas biográficas de alguns dos indígenas
da região, que foram transferidos para a França, onde morreram, em sua maioria, por dificuldades de
adaptação ao clima local.

Entre eles esteve o indígena Ytapucu, batizado Louis Marie, cuja biografia é retraçada nos seguintes termos:

Tem o mais velho dos três, trinta e oito anos pouco mais ou menos. É natural da grande
montanha de Ibiapaba. Seu pai, o principal de Caietê, chamava-se Uará-uaçu, nome de peixe, e
sua mãe Uirá-iará, pássaro que é apanhado.

Antes de ser batizado, usava o nome de Itapucu, que quer dizer barra de ferro, ou de Itapuiçã,
que significa âncora de navio; tem, porém, mais de dez outros nomes comemorativos das
batalhas travadas contra seus inimigos e nas quais se comportou valentemente. Em seu
andar e suas palavras revela-se o soldado e mostra-se a firmeza de seu espírito. Compraz-
se grandemente em fazer discursos e não se cansa jamais de falar a respeito de seus feitos
guerreiros e de nossa fé. Aprecia especialmente tudo o que diz respeito à honra de Deus e ao
valor de um coração magnânimo.

Ao aproximar-se da Câmara de Suas Majestades para lhes prestar homenagem advertiu-lhe


um dos guias que atentasse para o que ia dizer. Respondeu-lhe imediatamente que descendia
de excelente família e por isso dispensava a advertência; que sabia muito bem o que tinha a
dizer e não precisava de instruções [...].

Censura seus companheiros quando os vê menosprezar o que deve saber um bom cristão
e assim faz apenas porque deseja que sejam úteis ao seu país. Nós o considerávamos um
dos nossos melhores instrumentos na conversão de seus semelhantes. Seu juízo firme, seus
discursos piedosos, sua palavra feliz, seu zelo devoto servirão grandemente a Deus se lhe
dispensar sua graça. Será mais um centurião convertido que, juntando o saber à coragem e a
piedade à palavra, edificará, dentro em pouco, como o esperamos, uma bela Igreja a Deus, não
com pedras, mas com almas convertidas.

(D’ABBEVILLE, 2008, pp. 372-373)

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AULA 2
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EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Como é possível notar, embora Claude d’Abbeville contemple em sua descrição elementos relativos à
identidade e ao comportamento de Itapucu, todo o seu interesse é orientado por seu compromisso de
conversão dos indígenas à fé cristã, processo que ele narra com cuidado na sequência de três notas
biográficas das quais lemos apenas a primeira.

De fato, esse interesse converge na imagem que se combina ao texto:

Retrato de Ytapucu depois chamado Luís Maria, 1614. Autor


desconhecido.(Reprodução de imagem autoria desconhecida/
Coleção Brasiliana Itaú).

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AULA 2
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EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Observe que Itapucu aparece destituído dos elementos generalizantes das culturas indígenas, listados, por
exemplo, nas orientações de Jean de Léry. No lugar, dessa vez, é enfatizado o processo de aculturação ao
qual o indígena foi submetido. Ele porta uma espécie de túnica amarrada na cintura, além de usar sapatos.
Em uma das mãos, ele leva um chapéu emplumado e, na outra, um lírio que indica a sua conversão. Itapucu é
representado com um pé à frente do outro, sugerindo seu deslocamento.

Aculturação: Processo de modificação cultural de indivíduo, grupo ou povo que se adapta a outra
cultura diferente ou dela retira traços significativos.

Esse movimento é, no contexto desta aula, uma metáfora interessante para exercitarmos uma comparação
entre os três casos que estudamos aqui:

Primeiro caso

Envolve o deslocamento de um grupo de indígenas brasileiros para a França e a generalização da imagem


do indígena brasileiro.

Segundo caso

Apresenta a generalização da imagem do indígena, evitando a necessidade do deslocamento de quem


deseja representá-lo.

Terceiro caso

Abrange o deslocamento de um grupo de indígenas brasileiros para a França e o processo de aculturação


pelo qual passou.

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AULA 2
OS HABITANTES DESTA TERRA: O BRASIL FRANCÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Os três casos ilustram, cada um a sua forma, um dos efeitos mais profundos da colonização:

• a degradação das identidades individuais e culturais do colonizado em benefício da cultura do


colonizador;

• o esvaziamento das relações de pertencimento entre o sujeito e seu território na mesma proporção em
que o território é reduzido pelo colonizador as suas propriedades produtivas.

Nesta aula, pudemos conhecer as empreitadas dos franceses explorando o Brasil e como essas narrativas
influenciaram na construção de imagens sobre indígenas brasileiros e sobre o próprio território.

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AULA 2
OS HABITANTES DESTA TERRA: O BRASIL FRANCÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Constelação das Artes:
Modernismos - Um panorama
das Artes Brasileiras [1]

AULA 3
A NATUREZA COMO
ESPETÁCULO - O BRASIL
HOLANDÊS
EIXO I: Imagens da colonização
APRESENTAÇÃO
Ao percorrer esta aula, nos preparamos para…

• Examinar os empreendimentos de Maurício de Nassau.

• Estudar o frontispício da Historia naturalis brasiliae (1648) e o discurso que ele elabora acerca da
natureza como teatro e como fonte de classificação e exploração.

• Compreender a emergência de uma ideia de paisagem brasileira e a relação entre história natural e
iconografia.

A ORIGEM DO TERMO “BRASIL HOLANDÊS”

“Brasil holandês” é o termo dado ao conjunto de produtos visuais e literários que testemunham as invasões
holandesas no Nordeste brasileiro, especialmente no estado de Pernambuco, entre 1630 e 1654. Neste
período, destaca-se o governo do conde João Maurício de Nassau (1604-1679) que teve seu apogeu entre
1637 e 1643.

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Mapa do Brasil Holandês de 1630-1654 sobreposto a um mapa moderno do Brasil, retirado do livro Groote historische
schoolatlas ten gebruike bij het onderwijs in de vaderlandsche en algemeene geschiedenis, 2022. (Reprodução
fotográfica Berrely/Wikimedia Commons)

A conquista de Pernambuco pela Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais ocorreu durante a vigência
da União Ibérica, período de maior fragilidade geopolítica dos domínios lusitanos nas Américas.

A nomeação de Maurício de Nassau como Governador Geral da colônia gerou uma série de efeitos, entre os
quais se destaca a profunda transformação urbanística pela qual passou a Cidade Maurícia, atual Recife.

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
É célebre a afirmação de Gilberto Freyre (1900-1987), grandioso historiador pernambucano, segundo a
qual a presença de Maurício de Nassau alterou a paisagem natural e social de Recife, antes um “simples
povoado de pescadores, em volta de uma igrejinha, e com toda a sombra feudal e eclesiástica de Olinda
para abafá-lo”, transformando-a em uma das melhores cidades da colônia e talvez do continente.

Sobrados de quatro andares, palácios de reis, pontes, canais, jardim botânico, jardim zoológico,
observatório, igrejas da religião calvinista, sinagogas, muitos europeus de origem judaica,
também muitos protestantes e outros europeus de procedências diversas, prostitutas, lojas e
armazéns. Todas as condições para uma urbanização intensamente vertical.
(FREYRE, 2017, p.107)

Vamos trabalhar a hipótese de que as imagens da colonização holandesa no Brasil atestam a transformação
das funções simbólicas da paisagem (a um só tempo enquanto gênero de pintura e enquanto gênero
específico de compreensão da natureza do mundo), traduzidas na fórmula do teatro.

Essa hipótese se apoia, por um lado, no desenvolvimento das especulações a respeito do funcionamento
da perspectiva e da cartografia, impregnado na cultura humanista da Europa Ocidental. Por outro lado,
enquanto sintoma das especificidades de uma cultura barroca protestante, ligada aos princípios teológicos
da revelação, da apresentação e do aniconismo, que favoreceram o florescimento da pintura de gênero e
de paisagem.

Aniconismo: É a ausência de representações do mundo material natural e sobrenatural


em diferentes culturas, particularmente em certas religiões monoteístas. Essa ausência de
representações figurativas pode envolver divindades, figuras sagradas, humanos ou partes de
seus corpos, todos os seres vivos e até mesmo qualquer coisa que tenha uma existência.

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
REFLEXÃO SOBRE A ARTE
A natureza como espetáculo - o Brasil holandês.
Nesta videoaula, você terá uma dimensão de como a
natureza brasileira despertava o temor, o fascínio e a
admiração dos navegantes e colonizadores ao mesmo
tempo que gerava um desejo de exploração e de extração
dos seus recursos.

Renato Menezes

Em seguida, veremos como o teatro influenciou as ideias sobre os novos continentes.

O TEATRO DO MUNDO

No século XVI e XVII, o desejo de observar e descrever o mundo em sua totalidade assume a forma de um
teatro ideal, no qual todas as coisas que o compõem se apresentam classificadas em uma organização que
permite a combinação infinita de suas partes.

O Teatro da Memória elaborado na obra Ideia del Teatro, de Giulio Camillo (1480-1544) - conhecido como
Delminio -, publicada em Florença, em 1550, é a um só tempo um espaço em que o mundo se apresenta
como espetáculo e como objeto de meditação.

No século XVI, a revolução provocada pela publicação da carta Mundus Novus, redigida por Américo
Vespúcio (1454-1512), por volta de 1504, e pelo livro De revolutionibus orbium coelestium, publicado em
1543, após a morte de seu autor Nicolaus Copernicus (1473-1543) acionaram, na sociedade europeia, uma
sensação ambígua:

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
• de um lado, a impressão de dilatação do mundo, tendo o sol (e não mais a Terra) em seu centro e o
acréscimo de um continente até então desconhecido;

• do outro lado, a sensação de encurtamento do globo se tornou inevitável, sobretudo depois das
notícias da circum-navegação de Fernão de Magalhães (1480-1521), entre 1519 e 1522.

Circum-navegação: É uma viagem marítima em torno de um lugar, que pode ser uma ilha, um
continente ou toda a Terra.

Dessa tensão, surge a ideia do “descortinar o mundo”, de apresentá-lo reduzido à escala dos olhos
humanos, com o auxílio da matemática mas também da experiência concreta proveniente dos relatos de
viagem.

Esse ambiente favorece a compreensão da imago mundi (imagem do mundo) por meio da analogia com o
teatro, que se revela aos olhos de um observador supostamente neutro, contemplativo e racional.

Obras cujos títulos evocam a imagem esquemática de um teatro, embora abranjam enfoques muito
diversos, multiplicam-se na Europa moderna. Podemos citar:

• Theatrum pictorium, de Davidis Teniers Antverpensis (1610-1690), em 1658.

• Theatrum orbis terrarum, publicada pela primeira vez em 1570, na Antuérpia, pelo cartógrafo
brabantino Abraham Ortelius (1527-1598), considerada a mais célebre e bem acabada.

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
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Mapa do mundo feito por Ortelius, 1570. (Reprodução fotográfica autoria desconhecida/
Wikimedia Commons)

A obra Theatrum orbis terrarum é considerada um unicum em seu gênero, ou seja, uma obra-prima única e
inimitável. Ela é tida como o primeiro atlas moderno, incluindo os mapas detalhados dos “quatro cantos do mundo”,
precedidos por um frontispício que tornou sua imagem mais emblemática, dada sua capacidade de síntese.

Frontispício: Ilustração colocada na folha de rosto.

Em Theatrum orbis terrarum é possível ver uma espécie de proscênio, à moda da arquitetura de Sebastiano
Serlio (1475-1554) ou Andrea Palladio (1508-1580), a exemplo do Teatro Olímpico de Vicenza, construído
entre 1580 e 1585.

Proscênio: Parte do palco situada à frente do cenário, junto à ribalta, avançando desde a boca de
cena até a plateia ou até ao fosso da orquestra, quando houver.

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
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Frontispício da obra Theatrum orbis terrarum, 1570. (Reprodução
fotográfica autoria desconhecida/Wikimedia Commons)

Na obra, temos, ao alto, a alegoria da Europa, empunhando uma espada e uma cruz fincada em uma esfera,
como rainha do mundo. O modelo deriva do topos (tema) de Europa Regina, elaborado por Sebastian
Münster (1488-1552), em sua Cosmographia, publicado em 1544. Abaixo, paralelo às colunas, vemos as
alegorias da Ásia, segurando um incenso, e da África, marcada por sua pele escura. Na porção inferior,
deitada, empunhando uma Ibirapema próxima a um arco com um par de flechas, há uma rede de dormir e
um busto que remetem à Terra do Fogo, representando a alegoria da América.

Europa Regina: É a representação do mapa do continente europeu como uma rainha.

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A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
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Cada uma das alegorias recebeu um poema descritivo escrito por Adolf van Meetkerke (1528–1591) em seu
livro. Sobre a América, ele escreve:

A ninfa que você vê na parte inferior é chamada de América [...]. Em sua mão direita, ela
segura um pedaço de pau [tacape], com o qual ela mata os obesos e os engordados
prisioneiros de guerra. Ela assa seus corpos, cortados em pedaços, em chamas ardentes,
ou ela ferve-os em uma chaleira de cobre quente, ou, se já o frenesi da fome tortura mais,
ela devora os membros, ainda crus e recém-mortos, gotejando com um fluido negro. Os
membros, ainda quentes, tremem sob os dentes. Ela se alimenta da carne e do sangue
negro destes desgraçados, que é um crime horrível de se ver e horrível de se relatar. Que
impiedade bárbara isto significa! O desprezo ao poder supremo! Em sua mão esquerda
você vê uma cabeça, mutilada pelo recente assassinato. Lá você também pode ver o arco
e as setas rápidas, com as quais, dobrando as pontas do arco ao puxar a corda, ela está
acostumada a infligir feridas e uma morte certa nos homens. Pouco tempo depois, cansada
da caça ao homem, ela deseja abandonar seu corpo para dormir. Ela monta uma cama,
tecida com uma malha da largura [...] como uma rede, que foi fixada em ambos os lados
a uma estaca; nesta textura, ela reclina sua cabeça e membros. Não muito longe daqui, a
última ninfa mostra sua cabeça brilhante. Seu rosto e olhares são como uma virgem, e ela
tem um peito encantador. Suas mãos e pés foram truncados [estão incompletos], porque ela
é pouco conhecida das pessoas. Dizem que o ibero Magalhães recentemente se apaixonou
por ela, enquanto ele se comprometeu com o vento Austral no Estreito, e de a ter chamado
a sua Magalânica a partir de seu próprio nome. Ele viu a virgem imprudente uma vez,
enquanto as chamas brilhavam em todos os lados e enquanto ela estava preparando festas
solenes. Portanto, a virgem que cora imediatamente escondeu o rosto e escondeu-se em
uma fumaça escura e nas sombras de um nevoeiro opaco. Mas, para não ser detectada de
surpresa novamente, ela fixou esta chama como uma memória em seu peito.
(TATSCH, 2011, pp. 227-228)

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Nesse mundo organizado como um teatro, o lugar ocupado pela América é inferior ao atribuído aos demais
continentes, já conhecidos e localizados nas narrativas da teologia judaico-cristã. Mais próxima da terra, a
América, identificada com uma ninfa misteriosa – ainda não completamente explorada –, tão sedutora e
exuberante quanto perigosa e selvagem, tem sua imagem associada à prática do canibalismo, às riquezas
de suas minas, mas também à fertilidade de suas terras e ao seu exotismo.

Podemos sugerir a hipótese de que a configuração teatral introduzida por Ortelius intensifica, no caso da
Alegoria da América, a dimensão espetacular de sua paisagem.

ESPETÁCULO NATURAL

No século XVIII, em uma biblioteca da Cracóvia, na Polônia, foi encontrado um conjunto de desenhos
intitulado Theatri rerum naturalium brasiliae. Esses desenhos são do século XVII e foram descobertos na
chamada Miscelanea Cleyeri, uma coleção de imagens e desenhos feitos por artistas.

SAIBA MAIS
Miscelanea Cleyeri

Veja o conteúdo da coletânea de imagens Miscelanea Cleyeri, com


ilustrações da flora do Brasil: https://jbc.bj.uj.edu.pl/dlibra/
doccontent?id=197455. Acesso em: 05 set.2022.

Theatri rerum naturalium brasiliae é um conjunto de estudos botânicos e zoológicos, de autoria não
identificada (embora a maioria seja atribuída a Albert Eckhout (1610-1666), classificados em quatro
categorias: Ícones Aqualitium, Volatilium, Animalium e Vegetabilium, organizados em sete volumes e
todos realizados por integrantes da comitiva de Maurício de Nassau, no âmbito da ocupação holandesa no
Nordeste brasileiro. Embora o título da compilação tenha sido dado posteriormente por Christian Mentzel
(1622-1701) - médico da corte prussiana de Frederico Guilherme (1688-1740) -, ele traduz o espírito de uma
obra contemporânea: a Historia naturalis brasiliae.

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Capa de Historia naturalis brasiliae, 1648. Willem Piso.
(Reprodução fotográfica autoria desconhecida).

Publicada em Amsterdã, em 1648, pelo físico Willem Piso (1611-1678) e pelo astrônomo Georg Marcgraf
(1610-1644), ambos membros da comitiva organizada por Maurício de Nassau durante o domínio holandês
em Pernambuco, a obra é reconhecida não somente pela forma sistemática com que descreve os elementos
da fauna, da flora e ambiente locais, pelos procedimentos científicos empregados nesse inventário e pelos
cuidados alimentares recomendados pelos autores; como também pela riqueza, volume e qualidade gráfica
das ilustrações, que se anunciam em seu exuberante frontispício.

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Sem entrar nas polêmicas que envolveram a edição do livro e os pormenores de sua concepção, o
frontispício elabora um modelo de compreensão da obra, em cujo centro aparecem duas figuras de
indígenas: um homem e uma mulher. O primeiro carrega nas mãos algumas flechas e um tacape; a segunda
carrega uma palma e um cacho de caju.

Quem está familiarizado com a iconografia judaico-cristã já terá percebido o jogo de substituições que
se articula na imagem da obra: o tacape se torna um porrete que replica o topos do Homo Sylvaticus,
enquanto o cacho de cajus substitui a maçã – o fruto proibido – dando forma, assim, a uma composição que
funde as imagens do Novo Mundo àquelas, muito difundidas nesse período, que representam os primeiros
habitantes da Terra após a criação do mundo, segundo o modelo das idades da Terra elaborado pelos
escritores da Antiguidade, como Hesíodo (800 a.C - ?) e Ovídio (43 a.C - 18 d.C).

Tacape: Arma construída com um pedaço de madeira, sendo uma de suas extremidades mais
grossa, usada entre os indígenas para combates próximos ou rituais.
Iconografia: A iconografia (do grego “εικών”, “eikon”, imagem, e “graphia”, escrita) é uma forma
de linguagem visual que usa imagens para representar algum tema, criando um repertório de
imagens próprio de uma obra, gênero de arte, artista ou período artístico. Também pode se referir
ao estudo descritivo da representação visual de símbolos e imagens, sem levar em conta o valor
estético que possam ter.

Essa analogia entre os indígenas brasileiros e Adão e Eva tem por finalidade
traduzir a imagem do Brasil, repleta de informações desconhecidas e jamais
descritas pelos autores antigos, nos códigos visuais já assimilados pelos
leitores do Velho Mundo.

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Entre esses códigos visuais, que situam os povos indígenas nos primórdios da Humanidade, impõe-se aqui a
estrutura do teatro organizado sobre um sistema ortogonal, de acordo com o esquema convencionado pela
perspectiva, no qual colunas clássicas dão lugar às árvores.

Juntas, as árvores criam uma boca de cena, enfatizada pelo tecido esticado pelos macacos – recurso
dramático que simula a abertura das cortinas do teatro – e decorada por uma guirlanda de frutas. Elas
conectam as espécimes de Adão e Eva a um grupo de indígenas ao fundo, que parece dançar em roda. Tudo
isso introduzido por uma Divindade Fluvial que ocupa a base da composição, em uma zona correspondente
à de um fosso de orquestra.

Boca de cena: É a frente do palco.


Fosso de orquestra: É o espaço de um teatro reservado para os músicos se apresentarem.

A ocupação holandesa em Pernambuco ocorre em um período que a historiografia da arte mais tradicional
convencionou chamar de Século de Ouro dos Países Baixos.

O Século de Ouro dos Países Baixos foi marcado pela prosperidade


econômica, científica e cultural dessa região, que se reflete nas artes visuais
sob a forma de uma pintura descritiva, caracterizada por temas laicos,
pelo interesse na pintura de paisagem e pelas formas da vida cotidiana do
homem comum.

Se na arte setentrional destaca-se “sua extraordinária exibição de habilidade”, que reforça a função visual do
olho, há também que ser observada a ênfase na dimensão humana da vida, que deixa de possuir o caráter
sagrado, evitando a produção de ícones.

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Então, como o frontispício da obra de Piso se relaciona com a produção
pictórica de seu tempo?

Svetlana Alpers (1936), importante historiadora da arte que se dedicou a estudar a pintura holandesa,
adverte que:

Na categoria do gosto microscópico pela exibição de múltiplas superfícies, devemos


considerar a prática holandesa de abrir os objetos apresentados em suas naturezas-mortas a
fim de revelar-nos suas estruturas internas.
(ALPERS, 1999, p.145)

Assim, o modelo do teatro a que recorre Willem Piso no frontispício da obra constitui uma ferramenta de
dissecação da História Natural apresentada como natureza-morta.

Por isso mesmo, é possível pensar o frontispício na chave da ênfase da natureza e das coisas naturais a
partir daquilo que de mais material e terreno os constitui: pensemos na presença de Adão e Eva indígenas,
símbolos de um estado de natureza, de uma humanidade primitiva, precedente ao pecado original, cujos
modos de vida se refletem nos frutos e animais abundantes e igualmente desconhecidos.

Pensemos também na presença da Divindade Fluvial que, com o corpo pousado sobre a terra, tal como
um fosso de orquestra, indica o seu percurso e simboliza a fertilidade da terra local, úmida e bem irrigada,
propiciando a diversidade de vegetais e de animais e o cultivo da cana de açúcar, principal produto de
exploração holandesa em Pernambuco, pois a grande quantidade de rios do Nordeste brasileiro favorecia a
moagem, produção e transporte de açúcar dos engenhos até os portos.

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Juntos, esses elementos trazem à tona a ideia de um descortinar da paisagem – análoga às pinturas
de Johannes Vermeer (1632-1675) e Jan Steen (1626-1679) –, combinando a observação passiva de
personagens em situações cotidianas à exibição de recursos naturais para a exploração, no quadro de um
proscênio em que a natureza é apresentada a um só tempo como um espetáculo e um recurso.

O MANTO TUPINAMBÁ

Os indígenas tupinambá tinham a tradição de confeccionar e utilizar o manto Tupinambá, conhecida peça
plumária de cor vermelho-vivo.

O manto era produzido com as plumas da ave íbis-escarlate por meio de uma complexa tecnologia de
trançagem e tingimento. Ao todo, atualmente, há seis mantos Tupinambá remanescentes preservados em
diversos países do mundo, no entanto, nenhum em acervo brasileiro.

O mais famoso, ou, ao menos, o mais íntegro, é aquele conservado no Nationalmuseet Etnografisk Samling,
em Copenhagen, na Dinamarca. A peça teria pertencido a Maurício de Nassau, que o teria incluído em seu
gabinete de curiosidades, junto de seu conjunto de pinturas de Frans Post (1612-1680) e de Albert Eckhout.

Manto Tupinambá, 2020. Glicéria Tupinambá. (Registro fotográfico autoria desconhecida/


Projeto Um Outro Céu - UFPA)

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AULA 3
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EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
O manto, que nunca retornou aos seus produtores e usuários de origem, foi objeto de reivindicação por um
grupo de indígenas tupinambás, liderado por Glicéria Tupinambá (1982). A professora conduziu um processo
de retomada da técnica de fabricação do manto como forma de resgate de uma prática de uso perdida pela
expropriação colonial.

SAIBA MAIS
Veja a obra de Glicéria Tupinambá reproduzindo um manto
tupinambá com base em outro exemplar, que se encontra conservado
no Museu do Quai Branly. Para saber mais sobre a obra e o contexto
dessa produção, acesse o site da exposição: https://umoutroceu.
ufba.br/exposicao/manto-tupinamba/.
Acesso em: 01 set.2022.

Esse esforço de recuperar artes expropriadas do Brasil e acontecimentos do Período Colonial é objeto de
muitos artistas contemporâneos, vejamos mais uma delas.

TEATRO DAS HEROÍNAS DE TEJUCOPAPO

Uma obra de Jonatas de Andrade (1982) faz menção à reação das mulheres habitantes do distrito
pernambucano de Tejucopapo, na atual cidade de Goiana, à invasão holandesa ocorrida em 1646. Os
invasores foram recebidos com armadilhas domésticas, em um conflito conhecido como batalha de
Tejucopapo ou batalha do Monte das Trincheiras.

Jonatas de Andrade realizou um inventário desses objetos domésticos, encontrados nas casas de três
mulheres: Dona Luzia, Dona Elza e Dona Severina e no Teatro das Heroínas, grupo teatral que vem, há cerca
de três décadas, reencenando a batalha ao ar livre.

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Dessa colaboração surgiu não apenas a instalação, que ocupa largas superfícies de parede com imagens de
objetos domésticos contemporâneos, como também um vídeo com esse grupo de mulheres que enfatizam
a permanência de sua capacidade coletiva de enfrentamento de batalhas cotidianas.

SAIBA MAIS
Para ver o resultado da obra Teatro das Heroínas de Tejucopapo, de
Jonatas de Andrade, acesse o link: https://www.galleriacontinua.
com/artists/jonathas-de-andrade-20. Acesso em: 01 set. 2022.

Agora, veremos como as representações nas artes visuais se somaram às representações do teatro para
ilustrar as transformações do Brasil holandês.

PAISAGEM EM TRANSFORMAÇÃO

A dimensão espetacular da natureza, derivada do modelo teatral de Ortelius e ancorada na ideia da


revelação e classificação das coisas do mundo, revela também as transformações nas quais passam a
paisagem natural com a urbanização das cidades e o avanço da exploração colonial em direção ao interior
do país. Também mostram as diferenças da paisagem social, com a intensificação do tráfico negreiro para o
trabalho escravo nos canaviais.

Nesse quadro histórico, cujas formas assumem a moldura de um teatro no qual se encena um espetáculo
trágico de exploração e destruição da natureza pela monocultura canavieira, inscreve-se também um
importante mapa concebido pelo holandês Joan Blaeu (1596-1673), em 1647, intitulado Brasilia qua parte
paret Belgis.

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Brasilia qua parte paret Belgis, 1647. Joan Blaeu. (Reprodução fotográfica autoria
desconhecida/Fundação Estudar/Pinacoteca do Estado de São Paulo/Brasiliana Iconografia)

Essa obra, que antecede a Historia naturalis brasiliae em apenas um ano, é impressa no mesmo ano em que
o livro Rerum per octennium in Brasilia é editado, e demonstra a precisão dos conhecimentos produzidos
pelos holandeses a respeito do Nordeste brasileiro, particularmente de Pernambuco, tanto da costa quanto
do interior da região.

Não por acaso, o mapa situa as moendas de açúcar, reforça a presença indígena e indica a diversidade da
fauna e da flora locais, em uma combinação extraordinária de rigor cartográfico com capacidade descritiva
própria da História Natural.

A esses aspectos soma-se ainda a introdução do modelo da apresentação teatral, explicitada na obra de
Piso e Georg Marcgraf, e a organização do espaço evocando a pintura de paisagem, graças às vinhetas
criadas por Frans Post , pintor cuja obra contribuiu muito para a importância que tal gênero ganhou na
produção da narrativa colonial holandesa.

Moendas: Equipamentos usados pelas usinas para esmagar a cana e fazer a extração do seu caldo.

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
OUVINDO SOBRE A ARTE
Acompanhe o podcast com apoio de imagens Complexidades artísticas nos
séculos XVII e XVIII no Brasil, que fará uma abordagem sobre importantes artistas
desse período, como Aleijadinho (1738-1814), Antônio José Landi (1713-1791),
José Teófilo de Jesus (1758-1847), Frans Post, Albert Eckhout e Mestre Valentim
(1745-1813).

Com Elaine Dias

As paisagens de Frans Post, em sua maioria produzidas após seu regresso aos Países Baixos, isto é,
posteriores a 1645, documentam a expansão urbana e demográfica de Pernambuco, ao mesmo tempo em
que constroem uma imagem de Brasil marcado pela busca de uma “cor local”.

Paisagem em Pernambuco com casa-grande, 1668. Frans Post. (Reprodução fotográfica


autoria desconhecida/Museu de Arte de São Paulo)

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Na Paisagem em Pernambuco com casa-grande, por exemplo, com a linha do horizonte rebaixada, dando
lugar a uma larga faixa de céu que se desenrola sobre o verde salpicado de construções que avançam
mata adentro, o tema da “cor local” resolve a articulação entre as escolhas cromáticas de Post, marcadas
pela combinação de verdes, azuis, amarelos e tons terrosos. É possível também perceber na obra, a
ênfase nos aspectos exóticos da paisagem, marcada pela flora exuberante, pelos animais desconhecidos
(especialmente o tatu, no canto inferior à direita) e pela população de trabalhadores escravizados.

Com essa articulação complexa, Frans Post elabora um sentimento de espaço que se organiza no controle
da perspectiva, fazendo eco inevitavelmente à estrutura do teatro que se impõe no frontispício da Historia
Naturalis e no Brasilia qua parte paret Belgis. No teatro da história natural que nos apresenta Post, o
espetáculo da natureza é atravessado pela tragédia da exploração, da escravidão negro-africana e da
redução drástica da população indígena.

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AULA 3
A NATUREZA COMO ESPETÁCULO - O BRASIL HOLANDÊS
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Constelação das Artes:
Modernismos - Um panorama
das Artes Brasileiras [1]

AULA 4
OS SEGREDOS DO MUNDO
SUBTERRÂNEO
EIXO I: Imagens da colonização
APRESENTAÇÃO
Ao percorrer esta aula, nos preparamos para…

• Abordar as especulações sobre o subsolo americano.

• Contextualizar a analogia presente, desde a Antiguidade, sobre o mundo subterrâneo e o inferno.

• Investigar a exploração de metais preciosos e a relação entre o esplendor barroco e o trabalho escravo
no Brasil Colônia.

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AULA 4
OS SEGREDOS DO MUNDO SUBTERRÂNEO
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
OS SEGREDOS DO MUNDO SUBTERRÂNEO

No Mundo Antigo, a terra é tão determinante para a constituição do indivíduo quanto o ar. Para bons
tratamentos de saúde, por exemplo, recomendava-se ao enfermo que evitasse “malaria”, isto é, “maus ares”.

Diferente do ar, que circula no mundo das coisas visíveis, a terra constitui, por outro lado, um lugar de
mistério: como geram-se os vegetais? Como cristalizam-se os minerais?

É também no mundo subterrâneo onde a mitologia clássica situa o reino dos mortos, e a iconografia cristã
localizará o inferno, sobretudo depois da contundente e envolvente classificação dos círculos do inferno
feito por Dante (1265-1321).

É do subsolo que se extraem os metais, “a riqueza por excelência e o signo do valor das coisas”, como
descreve Plínio, o Velho (23d.C - 79 d.C) no Livro 33 da História Natural. E ele escreve ainda:

A indústria, por motivos diversos, perfura o seio da terra. Ela cava aqui para satisfazer a
avareza e vai procurar ouro, prata, eléctron, cobre; lá, para satisfazer o luxo, ela procura
pedras preciosas empregadas na decoração de muralhas ou para adornar as mãos; em
outros lugares, ela serve furiosa coragem na extração de ferro, mais voluntariamente do que
o ouro, mesmo no meio da guerra e da carnificina. Nós percorremos todas as veias da terra e,
vivendo sobre as escavações que fizemos, nos impressionamos que às vezes ela se entreabra
ou que ela trema! Como se a indignação não bastasse para arrancar semelhantes castigos
dessa sagrada mãe! Nós penetramos suas entranhas e procuramos riquezas na morada dos
fantasmas: não parece que ela não esteja nem contente o suficiente nem fecunda o bastante
onde nossos pés pisam?
(PLÍNIO, O VELHO, 1850, n.p, tradução nossa)

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AULA 4
OS SEGREDOS DO MUNDO SUBTERRÂNEO
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
O lamento de Plínio, o Velho constitui um topos literário que ecoa diretamente na obra incontornável de
Eduardo Galeano (1940-2015), As veias abertas da América Latina, publicada originalmente em 1971.

Topos: Na literatura e na retórica grega, o topos (no plural, topoi) designa um motivo particular que
é encontrado em várias obras, um tópico ou tema. O termo tem origem no grego tópos, ou lugar.

Capa de As veias abertas da América Latina, s.d. (Reprodução


fotográfica L&PM/Divulgação)

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AULA 4
OS SEGREDOS DO MUNDO SUBTERRÂNEO
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Nela, Galeano elabora a hipótese segundo a qual as causas do subdesenvolvimento da América Latina se
devem à exploração do continente durante a colonização.

Vamos refletir sobre os aspectos da terra, do subterrâneo e relacioná-los à construção da imagem das
Américas na videoaula a seguir:

REFLEXÃO SOBRE A ARTE


Os segredos do mundo subterrâneo.
Nesta videoaula, lançaremos um olhar sobre a relação
desenvolvida entre o homem e a terra, fazendo uma
abordagem direcionada à exploração do subsolo
americano pelos europeus, em um conflito imagético
criado entre paraíso e inferno.

Renato Menezes

Agora, vamos desenvolver melhor a ideia de que o imaginário da perfuração do solo americano é
indissociável dos símbolos que a ele foram associados, desde a imagem alegórica do tatu até o trabalho
escravo nas minas de ouro, passando, naturalmente pela exploração do solo pelas monoculturas de cana-
de-açúcar e café.

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AULA 4
OS SEGREDOS DO MUNDO SUBTERRÂNEO
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
IMAGENS DA EXPLORAÇÃO DO SUBSOLO

Capa do livro Suma de Geographia, 1519. (Reprodução fotográfica


autoria desconhecida/Library.org/Australian National Library/
Wikimedia Commons)

Na Suma de Geografia, escrita por Martín Fernández de Enciso (1470-1528) e publicada em 1519, na Espanha,
o autor descreve uma criatura que teria aparência de um pequeno leitão, com patas e cabeça como as de
um cavalo e seria totalmente coberta por uma carapaça.

A descrição seria retomada mais tarde por Gonzalo Fernández de Oviedo (1478-1557), em sua Natural
historia de las Indias:

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AULA 4
OS SEGREDOS DO MUNDO SUBTERRÂNEO
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Os encobertados são animais numerosos, muito estranhos aos olhos dos cristãos e muito
diferentes de todos os que já foram descritos na Espanha ou em outros lugares. Esses animais
têm um metro e meio de comprimento, e cauda e todo o corpo é de uma mesma tez, a pele é
como couro ou pele de lagarto, de cor entre o branco e o pardo, ficando mais para o branco, e
é da feição e porte nem mais nem menos que a de um cavalo encouraçado, com suas saias e
cibório coberto por toda parte, e abaixo do que as saias e capas mostram, a cauda se projeta,
os braços em seu lugar, assim como o pescoço e orelhas também [...]. É do tamanho de um
cachorrinho ou de um desses cães comuns, não faz mal e é covarde; eles fazem sua morada
em tocas, e cavando com as mãos eles aprofundam suas cavernas e tocas como os coelhos
normalmente costumam fazer.
(OVIEDO, 1526, cap. XXII, tradução nossa)

O que explica o impacto exercido pelo tatu entre os viajantes e colonizadores ibéricos nas Américas é, por
certo, sua estranheza e seu exotismo. A ausência completa de parâmetros morfológicos que o enquadrasse
em qualquer categoria zoológica está no centro das perguntas que o animal suscitou, a começar pelo
questionamento da narrativa judaico-cristã a respeito da Arca de Noé, do repovoamento do mundo após o
Dilúvio Universal, e a inexistência de qualquer relato antigo em que constasse a presença de um ancestral
comum ao animal no Velho Mundo.

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AULA 4
OS SEGREDOS DO MUNDO SUBTERRÂNEO
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
AMPLIANDO REPERTÓRIO
Para ampliar seu repertório sobre as narrativas produzidas pelos colonizadores a respeito da América, faça
algumas leituras complementares que trarão uma visão mais aprofundada sobre esses relatos:

• LEÓN, Pedro Cieza de. Cómo se descubrieron las minas de Potosí donde se ha sacado riqueza nunca vista
ni oída en otros tiempos, de plata, y de cómo por no correr el metal sacan los indios con la invención de las
guairas. In: LEÓN, Pedro Cieza de. Crónicas del Peru. Sevilla: Compendio Real, 1540.

• OVIEDO, Gonzalo Fernández de. Sumario de la natural historia de Indias. Toledo (Espanha): Biblioteca
Nacional da Espanha, 1526. Disponível em: http://bdh-rd.bne.es/viewer.vm?id=0000050339. Acesso
em: 08 set. 2022.

• SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. Brasília: Edições do Senado Federal, 2010. 586 p. 131 v.
Edição revista por Capistrano de Abreu. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/
handle/id/575110/000970367_Historia_Brasil.pdf. Acesso em: 08 set. 2022.

Propomos aqui a hipótese inédita segundo a qual o tatu, por sua faculdade de perfurar o solo e acessar o
mundo subterrâneo, cumpre também uma função alegórica vinculada à exploração dos recursos naturais
americanos e ao conhecimento de seu subsolo. Isso é apresentado, por exemplo, na Alegoria da América
criada por Adriaen Collaert (1560-1618) a partir do desenho de Marten de Vos (1532-1603):

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AULA 4
OS SEGREDOS DO MUNDO SUBTERRÂNEO
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Alegoria da América, da série Os quatro continentes, c. 1580-1600. Adriaen Collaert a partir
de Maarten de Vos. (Reprodução fotográfica autoria desconhecida/ Metropolitan Museum
of Art/Wikimedia Commons)

Nessa gravura, em primeiro plano, vemos uma mulher com uma coroa de plumas estilizada na cabeça,
portando arco, flechas, um machado e um lenço que lhe cobre o sexo, deixando apenas os seios nus.

De maneira inusitada, ela se locomove sobre um imenso tatu, de tamanho muito maior do que o natural,
o que denota um desconhecimento a respeito da anatomia e do comportamento do animal, na mesma
medida em que denota a capacidade de síntese na sua associação com o continente americano.

Ao tatu somam-se outros animais conhecidos e/ou fantasiosos, tais como o periquito, à direita, outro tatu à
esquerda, além de outros de difícil identificação.

Em segundo plano, cenas de caça e guerra misturam-se a cenas de preparação do banquete canibal,
compondo a paisagem exuberante e selvagem que marca a descrição da América, desde os primeiros
relatos europeus no domínio colonial do continente.

Ao fundo, à direita, de maneira mais difusa, vemos um grupo de trabalhadores que fazem uma cavidade na
montanha, criando uma caverna de acesso ao mundo subterrâneo.

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AULA 4
OS SEGREDOS DO MUNDO SUBTERRÂNEO
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
O tema do extrativismo mineral (ou vegetal, no caso da exploração do pau-brasil, em terras brasileiras) será
uma constante nas representações do Novo Mundo, facilitada, em larga medida, pela função simbólica
exercida pelo tatu enquanto animal desbravador dos interiores da terra.

QUEM ENCONTRA O INFERNO?

As associações entre a terra americana, ora com o paraíso, ora com o inferno, são uma constante na
literatura colonial, definida, na maior parte dos casos, pelas relações estabelecidas entre a experiência do
colonizador e a forma com que os recursos oferecidos pela natureza local são explorados.

Relatos sobre o frescor dos ares e a fertilidade da terra encontram-se presentes desde a carta de Pero Vaz
de Caminha (1451-1500) e de Américo Vespúcio (1454-1512), na mesma medida em que abundam relatos
sobre o mistério que paira sobre a natureza exótica, com animais desconhecidos e indígenas canibais.

O paralelo com as descrições da América, que fundamentam a criação da Alegoria do continente, é


inevitável: uma mulher sensual, capaz de amansar onças, mas cujo rosto, terrível, não engana seu real
objetivo, que é o de devorar o inimigo.

Entre outros elementos, essa visão estereotipada das populações indígenas americanas, em geral, e
brasileiras, em particular (por meio dos relatos sobre os Tupinambá, dizimados pela costa atlântica),
produziu uma série de relatos que as identificam como manifestações de possessão demoníaca, situando o
inferno no Brasil, cujo nome, evocando o vermelho incandescente da madeira, endossava a hipótese.

Essas visões, veiculadas em cartas e diários de bordo, rapidamente integram-se à narrativa das primeiras
iniciativas de se redigir uma história geral do Brasil, empreendimento fundamental para a consolidação do
projeto colonial português.

Muitos dos nossos primeiros historiadores, entre os quais João de Barros (1496-1570), Pero de Magalhães
Gândavo (1540-1579) e Frei Vicente do Salvador (1564-1635) vão sugerir a hipótese segundo a qual, no Brasil,
convergem visões de paraíso e de inferno, que se manifestam na natureza natural e na natureza das coisas
(natura naturata e natura naturans).

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AULA 4
OS SEGREDOS DO MUNDO SUBTERRÂNEO
EIXO I: Imagens da colonização ÍNDICE
Frontispício de Historia do Brazil, livro de Frei Vicente do Salvador,
1889. (Reprodução fotográfica autoria desconhecida/Wikimedia
Commons)

Frei Vicente do Salvador, autor da História do Brasil, redigida por volta de 1627, mas publicada integralmente
apenas em 1889 sob organização de Capistrano de Abreu (1853-1927), dedica o livro primeiro da obra,
“descobrimento do Brasil, costumes dos naturais, aves, peixes, animais e do mesmo Brasil”, conciliando
a narrativa da “descoberta”, já aclimatada aos relatos coloniais, com a descrição da variedade dos
aspectos naturais das novas terras. Nesse contexto, ele observa as atividades extrativistas, a relação entre
colonizadores e colonizados e o comportamento das populações locais, descritos nos seguintes termos:

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O dia em que o capitão-mor Pedro Álvares Cabral levantou a cruz, que no capítulo atrás
dissemos, era 3 de maio, quando se celebra a invenção da Santa Cruz, em que Cristo Nosso
Redentor morreu por nós, e por esta causa pôs nome à terra, que havia descoberta, de Santa
Cruz, e por este nome foi conhecida muitos anos: porém como o demônio com o sinal da cruz
perdeu todo o domínio, que tinha sobre os homens, receando perder também o muito que
tinha nos desta terra, trabalhou que se esquecesse o primeiro nome, e lhe ficasse o de Brasil,
por causa de um pau assim chamado, de cor abrasada e vermelha, com que tingem panos,
que o daquele divino pau que deu tinta e virtude a todos os sacramentos da igreja.

(SALVADOR, 2010 [1527])

Não há nenhuma dúvida de que a razão para o encontro de tantos demônios no Novo Mundo se explica
no desejo de conversão dos povos do Novo Mundo ao cristianismo, compromisso primeiro do Ato Colonial
enquanto empreendimento de expansão da fé cristã, firmado desde a bula Inter cætera, de 4 de maio de
1493, passando, naturalmente, pela doutrina jesuítica, no seio da qual Frei Vicente Salvador foi educado.

SAIBA MAIS
Bula Inter cætera

Entenda melhor o que foi essa bula, emitida pelo Papa Alexandre
VI (1339-1410), tratando da colonização do então chamado “Novo
Mundo”: http://info.lncc.br/bula.html.
Acesso em: 08 set. 2022.

Certo é, também, que essa dicotomia paraíso/inferno ressoa na relação homem/natureza e, mais
frequentemente ainda, na relação entre a natureza visível e domesticável e a natureza invisível e misteriosa
(na qual se inscrevem os segredos do subsolo), em que o trabalho na terra se torna um meio de purgação
dos pecados, similar ao inferno.

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Essa percepção fica patente na fala de Maurício de Nassau (1604-1679), quando ele afirma:

Eu gostaria que abríssemos todas as cadeias de Amsterdam para trazer a esta terra os
prisioneiros a fim de que eles trabalhassem a terra com a enxada e, desse modo, corrigem sua
improbidade, lavassem a infâmia precedente com um suor honesto e não fossem mais nocivos
à Republica, mas úteis a ela.

(DE MELLO E SOUZA, p. 19)

A associação entre a natureza brasileira, a paisagem de Pernambuco e o Jardim do Éden, presente no


frontispício da obra de Willem Piso, dedicada a Nassau, cede espaço, rapidamente, a um eloquente e
estarrecedor apelo escravocrata, encontrando no trabalho forçado a solução para a remissão dos pecados e
pagamento da pena pelos crimes cometidos.

É no âmbito da ocupação holandesa de Pernambuco que surge o primeiro


registro substancial da diáspora africana no Brasil, que se intensifica à
medida que a colonização do país (e mesmo do continente) avança para o
interior atraída pela exploração do ouro.

A imagem paradisíaca do Brasil reveste-se de dourado, incrustada de


diamantes, apresentando também sua versão infernal para aqueles que,
cavando minas de ouro, especulam o subsolo em condições infernais de
trabalho.

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André João Antonil (1649-1716), em sua obra Cultura e opulência do Brasil (1711), escreve que:

[...] os escravos (sic) são as mãos e os pés do senhor do engenho, porque sem eles no Brasil não
é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente.

(ANTONIL, 1982, p. 89)

É possível traçar um livre paralelo entre essa afirmação e uma ilustração de Theodor de Bry (1528-1598) para
o relato da captura de centenas de africanos da Guiné submetidos ao trabalho escravo nas minas, relatado
por Girolamo Benzoni (1519-1570).

Nigritae in Scrutandis Venis Metallicis Ab Hispanis in Insulas


Ablegantur, gravura no livro Americae pars quinta nobilis
& admiratione, de Girolamo Benzoni, 1595. Theodor de Bry.
(Reprodução fotográfica Slavery Images/Library Company of
Philadelphia)

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De Bry enfatiza o contraste entre os trabalhadores escravizados operando nas minas e conquistadores:
enquanto vemos homens negros africanos seminus, cavando minas, extraindo metais e depositando-os aos
pés dos colonizadores, estes últimos estão completamente vestidos e imóveis. O contraste entre a nudez
dos primeiros e os hábitos dos últimos se impõe na mesma força que o contraste entre o movimento e a
imobilidade, deixando evidente quem movimenta as engrenagens da economia colonial.

ROTAS DA EXPLORAÇÃO

Nenhuma imagem da exploração do solo latino americano – nem a metáfora do tatu, nem as relações entre
o trabalho na terra e o inferno – superam o impacto exercido pelo extrativismo mineral na montanha de
Potosí.

Cerro de Potosí retratado no livro Crónica del Perú, de Pedro Cieza de León, 1552. Pedro Cieza de León.
(Reprodução fotográfica autoria desconhecida/Wikimedia Commons)

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Descoberta por volta de 1546-1547, a mina do Cerro Rico, como também foi chamada pelos conquistadores
espanhóis, gerou uma vasta iconografia e repercutiu por toda a América Latina, tema ao qual retornaremos
mais adiante. Por ora, fixemo-nos na narrativa da descoberta das minas de prata, conforme a passagem da
crônica histórica publicada pelo conquistador espanhol de Pedro Cieza de León (1520-1554). Ele escreve:

As minas do Porco, e outras que foram vistas nestes reinos, muitas delas desde o tempo
dos Incas, estão abertas e se descobrem os veios de onde extraíram o metal, mas os que
se encontraram nesta montanha de Potosí (sobre a qual agora quero escrever) nem foi a
riqueza que se viu, nem foi retirada do metal até o ano de mil quinhentos e quarenta e sete
anos. [...] Embora nesta época [o conquistador] Gonzalo Pizarro estivesse dando guerra ao
vice-rei, e o reino estivesse cheio de alterações causadas por essa rebelião, a encosta desta
colina foi povoada, e grandes e muitas casas foram construídas, e os espanhóis fizeram sua
sede principal nesta parte, fazendo-lhe justiça, tanto que a cidade ficou quase deserta e
despovoada. E assim eles depois pegaram minas, e descobriram cinco veios riquíssimos no
alto do morro [...]. E essa riqueza era tão notória que índios vinham de todas as regiões para
tirar prata desse morro, cujo local é frio, pois ao lado dele não há cidade. Pois bem, quando
os espanhóis tomaram posse, começaram a extrair prata dessa forma, que quem tinha uma
mina, os índios que entravam nela davam uma marca. E se ela fosse muito rica, duas por
semana. E se não tivessem uma mina, davam aos “encomendeiros” meio marco por semana.
Ele carregava tanta gente para conseguir dinheiro, que o lugar parecia uma grande cidade.
E o que vinha para a fundição era só metal dos cristãos e não tudo o que eles tinham, porque
muitos o tiravam em tijolos, para levar o que quisessem, e os índios realmente acreditam que
trouxeram grandes tesouros para suas terras.

(LEÓN, 1540, cap. CIX, tradução nossa)

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Mineração em Potosí, no livro Historia Americae sive Novi Orbi, 1596. Théodore de Bry. (Reprodução
fotográfica autoria desconhecida/Wikimedia Commons)

Nela, vemos a montanha de Potosí oca, tal como um funil invertido, sendo penetrada por uma multidão em
precárias condições de trabalho. A pouca ventilação, iluminação restrita e dificuldade de acesso deveria,
de fato, aproximar a experiência de frequentação do subsolo a um inferno, ratificando as especulações de
Plínio, o Velho, que ecoavam, em chave cristã, na Divina comédia, de Dante.

A imagem produzida por de Bry repercute longamente em outras obras, reaparecendo, por exemplo, no
Mundus subterraneus (1678), do jesuíta alemão Athanasius Kircher (1602-1680) e, mais tarde, no relato de
viagem de Giovanni Francesco Gemelli Careri (1651-1725), Voyage du tour du monde, publicado em Paris,
em 1719.

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Outro aspecto que chama atenção no relato de Pedro Cieza de León diz respeito aos movimentos
migratórios estimulados ou intensificados pela exploração mineral.

O caso brasileiro difere significativamente do ocorrido em Potosí. A


descoberta do ouro em Minas Gerais, em princípios do século XVIII,
acontece quando a exploração da prata já era uma realidade nos Andes,
quando a paisagem boliviana e peruana ao redor de Potosí, já estava
devastada e a extração significativamente desacelerada.

No entanto, a relação entre a exploração da prata nos Andes e o Brasil é mais estreita do que se imagina. Um
exemplo se encontra em um dos mais famosos cartões postais do Brasil: a praia de Copacabana, no Rio de
Janeiro.

DICAS E CURIOSIDADES
Você sabia que o nome “Copacabana” rebatizou o que antes era a praia
de Sacopenapã, no Rio de Janeiro? A origem do nome da Copacabana
brasileira está relacionada à imagem de Nossa Senhora de Copacabana,
manifestação cristianizada de uma divindade cultuada pelos indígenas
do então Vice-Reino do Peru e pelos comerciantes de prata de mesma
origem que estavam instalados na região da praia de Sacopenapã, no Rio de
Janeiro. A cidade de Copacabana hoje fica na divisa entre o Peru e a Bolívia,
às margens do lago Titicaca.

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Praia de Copacabana, 2012. (Registro fotográfico Bisonlux/Wikimedia Commons)

Vista aérea da cidade de Copacabana, na Bolívia, 2003. (Registro fotográfico Gerd Breitenbach//
Wikimedia Commons)

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No século XVIII, no lugar onde hoje se encontra o Forte de Copacabana, uma ermida dedicada à Virgem foi
construída por comerciantes de prata, que lá depositaram uma réplica de sua imagem, provavelmente nos
moldes da que foi entalhada em 1583 pelo escultor inca Tito Yupanki (1550-1616).

Ermida: Pequena igreja ou capela em lugar ermo ou fora de uma povoação.

Data também do século XVIII uma pintura representando Nossa Senhora de Copacabana, conservada
no Museu de Arte de São Paulo e atribuída à chamada “Escola do Collao”, caracterizada por introduzir
elementos das culturas indígenas e absorver traços da pintura flamenga no tratamento de temáticas do
cristianismo.

Virgem de Copacabana (Escola do Collao), c. 1730-50.


Autoria desconhecida. (Registro fotográfico autoria
desconhecida/Museu de Arte de São Paulo)

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Nessa obra, vemos a Virgem com o menino Jesus, São Sebastião e Santo Antônio, ladeada por dois anjos
que parecem abrir as portas de uma capela de gosto neoclássico, que organiza o espaço cênico da imagem.
Essa pintura atesta a relação íntima entre o Brasil e a cultura andina e enfatiza que esse elo se constrói, em
larga medida, por meio da exploração e trânsito de suas riquezas minerais.

AS JOIAS E O OURO DO BRASIL

As chamadas “joias de crioula” utilizadas por mulheres negras escravizadas ou alforriadas ao longo dos
séculos XVIII e XIX acrescentam uma camada de complexidade à narrativa do trabalho escravo na extração
de ouro no Brasil Colonial.

Utilizadas por mulheres escravizadas ocupadas no trabalho doméstico, como forma de demonstração da
riqueza de seu senhor, ou por mulheres negras livres, como forma de demonstração de poder adquirido nas
atividades do ganho, essas joias testemunham uma outra relação estabelecida entre a população negra e o
trabalho e o poder.

Baiana, c. 1860. Autor desconhecido. (Reprodução fotográfica


autoria desconhecida/Acervo Pinacoteca do Estado de São Paulo)

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No retrato da Pinacoteca do Estado de São Paulo, essa camada de complexidade se adensa, posto que o
poder que emana da mulher portando grande número de joias de ouro e pedras preciosas se contrapõe à
ausência de identidade, tanto da retratada quanto do próprio pintor.

Atualmente, há performances que nos mostram a violência desses processos coloniais.

Ventura Profana (1993) é uma artista travesti, que também se declara pastora missionária e cantora
evangelista, e cuja pesquisa gira em torno das relações entre cristianismo e poder.

Nesta fotografia de Shai Andrade (1996), Ventura questiona as origens do uso do ouro como elemento
persuasivo presente de maneira constante na retórica visual barroca, que marca a arquitetura colonial
brasileira em Minas Gerais e na Bahia:

Dona do ouro e da prata é Jesus, o prêmio da guerra é viver como trava, fotoperformance na Igreja de São Francisco, 2020.
Ventura Profana. (Registro fotográfico Shai Andrade)

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Na frase “Ladra que rouba ladrão”, bordada na túnica usada pela artista, o roubo, aludido pelo dito popular
“ladrão que rouba ladrão”, é menos uma denúncia do que uma convocação (ou uma pregação) pela
restituição das violências efetivas e simbólicas sofridas pelos submetidos à autoridade colonial.

Nesta aula, pudemos entender como a riqueza que vem das terras americanas, de todo o continente,
contribuiu para a construção das identidades e representações do continente.

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