Você está na página 1de 14

ISSN 1413-389X Trends in Psychology / Temas em Psicologia – 2015, Vol.

23, nº 3, 607-620
DOI: 10.9788/TP2015.3-07

Surdos e Homossexuais: A (Des)coberta


de Trajetórias Silenciadas

Fabrício Santos Dias de Abreu1


Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, Brasília, DF, Brasil
Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde
da Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil
Grupo de Pesquisa Pensamento e Cultura e Grupo de Estudo em Ecologia Sexual e Educação
da Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil
Daniele Nunes Henrique Silva
Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde
e Departamento de Psicologia Escolar e Desenvolvimento da Universidade de Brasília,
Brasília, DF, Brasil
Grupo de Pesquisa Pensamento e Linguagem da Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, SP, Brasil
Vice-Líder do Grupo de Pesquisa Pensamento e Cultura da Universidade de Brasília,
Brasília, DF, Brasil
José Zuchiwschi
Departamento de Teoria e Fundamentos da Faculdade de Educação da Universidade
de Brasília, Brasília, DF, Brasil
Líder do Grupo de Estudo em Ecologia Sexual e Educação da Universidade de Brasília,
Brasília, DF, Brasil

Resumo
Os estudos sobre a expressão da sexualidade das pessoas surdas são diminutos e muitas vezes não
problematizam assuntos voltados às orientações afetivo-sexuais destoantes do padrão heteronormativo.
A fim de preencher a carência de pesquisas nessa área, o presente trabalho investiga as narrativas de
sujeitos surdos sobre as suas primeiras experiências homossexuais e o enfrentamento do duplo precon-
ceito; ser surdo e homossexual. Esta pesquisa se insere em uma abordagem qualitativa, tendo como ins-
trumento metodológico a condução de entrevistas semiestruturadas. Os dados revelam que a condição
homossexual entre os surdos ainda é pouco compreendida, pois há dúvidas, preconceitos e mitos acerca
das experiências afetivo-eróticas. Além disso, as narrativas dos entrevistados evidenciam que a primeira
relação sexual com pares de mesmo sexo, ocorrida em um ambiente próximo e relacional (doméstico
e escolar) sem a anuência dos mesmos, é um marco que desencadeia os processos de constituição da
sexualidade. Tais questões apontam para a necessidade de ampliação de investigações que considerem
as relações entre emoção, linguagem e constituição da identidade sexual. Para além, sugere uma atenção

1
Endereço para correspondência: Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia, Campus Universitário Darcy
Ribeiro, Asa Norte, Brasília, DF, Brasil 70910-900. E-mail: fabra201@hotmail.com, daninunes74@gmail.
com e josez@terra.com.br
Partes das discussões suscitadas no manuscrito fazem parte das reflexões oriundas do Grupo de Trabalho em
Desenvolvimento Humano e Narrativas de Formação apresentadas na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Psicologia (ANPEPP/2012), no qual a segunda autora é membro.
A pesquisa contou com o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec).
608 Abreu, F. S. D., Silva, D. N. H., Zuchiwschi, J.

especial para os surdos, em razão de suas especificidades linguísticas e da sua vulnerabilidade social,
bem como a necessidade de desenvolvimento de políticas públicas voltadas para esse grupo.
Palavras-chave: Surdez, homossexualidade, narrativa, preconceito.

Deaf and Homosexuals: The Discovery of Silenced Trajectories

Abstract
The studies on the expression of deaf people sexuality are scarce (rare) and usually they do not emphasize
the issues concerning the sexual and love attachment out of the heteronormative main stream. In order
to fill the lack of research in this area, the present article investigates the deaf people narratives on
their primary homosexual experiences and their strugle against the double prejudice: on being deaf and
homosexual. This research is part of a qualitative approach, having as methodological instrument the
semi-structured interviews. The data reveal that the homosexual condition of the deaf people is still
little understood on account of many doubts, prejudices and myths about their sexual and emotional
attachment experiences. Moreover, the narratives of the interviewees showed that their first same
sexual relation, without their consent, occurred into their familiar and domestic environment (home and
school), fact that becomes the essencial basis for the constitutional process of their further sexuality.
These issues point to the need for an extension of the investigations considering the emotional aspects,
language and the construction of sexual identity interface. In addition, it suggests a special attention for
the deaf people, due to their specific language characteristics and their social vulnerability, as well as the
need for the development of effective public policies for this social group.
Keywords: Deafness, homosexuality, narrative, prejudice.

Sordos y los Homosexuales: El Descubrimiento


de las Trayectorias Silenciadas

Resumen
Los estudios sobre la sexualidad de las personas sordas son reducidos y no problematizan aquellas que
posuem orientaciones afectivas y sexuales divergentes de la norma heteronormativa. Buscando abordar
la falta de investigación en esta área, este trabajo investiga las narrativas de las personas sordas en sus
primeras experiências homosexuales, enfatizando el doble prejuicio; ser sordo y gay. Esta investigación
es parte de un enfoque cualitativo,con entrevistas semi estructuradas. Los datos revelan que la condición
homosexual entre los sordos aún es poco conocido, ya que hay dudas, prejuicios y mitos acerca de las
experiencias afectivas y eróticas. Los participantes indican que su primera relación sexual con parejas
del mismo sexo, que tuvo lugar en el entorno cercano y relacional (hogar y escuela) sin el consentimien-
to de la misma, es un hito que desencadena los procesos de formación de la sexualidad. Estas cuestiones
apuntan a la necesidad de ampliar las investigaciones que tengan en cuenta la relación entre la emoción,
el lenguaje y la constitución de la identidad sexual. Además, sugiere una especial atención a los sordos,
debido a sus especificidades lingüísticas y vulnerabilidad social, y la necesidad de desarrollo de políticas
públicaspara este grupo cultural.
Palabras clave: Sordera, homosexualidad, narrativa, preconcepto.

Os estudos acerca das vivências da sexua- sujeitos, principalmente, as manifestações que


lidade de pessoas com desenvolvimento atípi- estão fora da ordem heteronormativa (Abreu &
co são escassos e raramente investigam assun- Silva, 2012). De fato, a expressão da homos-
tos voltados à orientação afetivo-sexual desses sexualidade em pessoas com deficiência, por
Surdos e Homossexuais: A (Des)coberta de Trajetórias Silenciadas 609

exemplo, tem sido pouco problematizada na li- viantes dos padrões estabelecidos pela sociedade
teratura cientifica especializada, principalmente, capitalista hegemônica (Bauman, 1998). Nessa
em âmbito nacional. Essa situação não deixa de configuração, nota-se a existência de subalterni-
ser uma repetição, no universo acadêmico, da dades de categorias de diferenciação, síntese da
marginalização que acontece mundialmente na junção de vários eixos de exclusão e exploração
esfera social e econômica (Bisol, 2008). social. Essa situação se agrava quando articulada
De acordo com Vigotski (1997), aqueles às práticas ideológicas e institucionais que privi-
considerados deficientes, por se desenvolverem legiam uma classe burguesa, masculina, branca,
a partir de padrões não convencionais, são con- ocidentalizada e sem deficiência. Afinal, é para
cebidos culturalmente como sujeitos incapazes eles e por meio deles que os direitos são cons-
de viver amplamente em sociedade. Aliada às tituídos.
limitações sociais impostas a essas pessoas, a Estudos, com maior ou menor ênfase, têm
expressão da sexualidade é uma temática pouco discutido essas sobreposições de exclusão e seu
problematizada, pois prevalece a ideia de que os impacto na constituição da pessoa, mostrando
sujeitos com desenvolvimento atípico são infan- que a vida de sujeitos situados fora do padrão
tis e inocentes (incompletos pelo déficit orgâni- se configura em diversos contextos de desigual-
co) e sem uma dinâmica afetivo-sexual (Maia, dade social; estruturados por meio de repressão,
2006, 2010; Maia & Ribeiro, 2010; Paula, Re- subalternização e opressão cotidiana. Pesquisa
gen, & Lopes, 2005; K. Ribeiro, 2011; Sànchez, com surdos negros (Buzar, 2012), surdos ho-
2013; entre outros). mossexuais (Abreu & Silva, 2012; Silva, 2011)
Apesar de a bibliografia científica recente e mulheres surdas (Costa, 2011; Moreira, 2008)
contestar a relação entre deficiências e proble- compõem esse interessante eixo investigativo,
mática/limitação sexual como sinônimos (Be- indicando que a condição de deficiência, em
che, 2005; Bisol, 2008; Maia, 2006; Moukarzel, consonância com outro marcador social margi-
2003; entre outros), prevalece a noção de que a nalizante, costura, dramaticamente, a subjetivi-
sexualidade ora inexiste, ora é deformada, assim dade.
como a pessoa que a expressa. O que predomina Percebe-se que a deficiência, muitas vezes,
nos discursos cotidianos a respeito da sexualida- é tomada como característica principal do su-
de de pessoas com deficiência é que ela se mani- jeito, não podendo coexistir atitudes e desejos
festa de forma atípica, infeliz (quase patológica), que fujam da normalidade imposta como regra.
sem expectativa de união afetivo-sexual, sendo Desconsidera-se que frente à condição da defi-
narrada de forma trágica e platônica que tende a ciência, amalgamam-se outros estigmas e pre-
se realizar de forma desajustada. conceitos como: a questão de gênero, orientação
A relação entre homossexualidade e defi- sexual, raça, classe, etc.
ciência anuncia discussões teóricas importantes A própria negação de que as pessoas com
sobre desenvolvimento e sexualidade. Estudos deficiência possam ter desejos de ordem homos-
realizados por Maia (2009a, 2009b, 2010) e sexual reflete a invisibilidade da sua sexualidade.
Maia e Ribeiro (2010) e revelam o caráter iné- Se entendermos que essas pessoas são sexuadas
dito da temática, abrindo vias, no contexto bra- como as demais, considerando que a sexualida-
sileiro, para investigações sobre a formação da de é uma característica humana independente da
pessoa deficiente, também, homossexual. Ou condição de deficiência, também assumimos que
seja, sujeitos que se constituem a partir de duas elas podem expressar desejos e afetos que fujam
(ou mais) características pessoais que são social- dos padrões hegemônicos. Porém, é muito inco-
mente construídas em um espaço de menor valia, mum nos estudos da área de educação especial
e, portanto, consideradas desvantajosas. e inclusiva (ou até mesmo nos de diversidade
No atual contexto de organização social sexual) a referência a pessoas deficientes como
existem estratégias de desqualificação e nor- sendo gays, lésbicas, transexuais, etc. Salienta-
matização para todos aqueles considerados des- mos, contudo, que tal temática já tem sido de-
610 Abreu, F. S. D., Silva, D. N. H., Zuchiwschi, J.

batida em algumas obras cinematográficas, tais al existe sem negociação ou construção. . . .


como: A Prova (House & Moorhouse, 1991); Toda identidade sexual é um constructo ins-
Tudo em Família (London & Bezucha, 2005); tável, mutável e volátil, uma relação social
Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (D. Ribeiro, contraditória e não finalizada. (p. 74)
2014) e em obras literárias internacionais: Ama- Segundo Weeks (2007), a sexualidade está
go, 2005; Luczak, 1993, 2013. relacionada com as nossas crenças, ideologias,
desejos, prazer, imaginação, entre outros, bem
Identidades Sexuais e de Gênero como com nosso corpo físico e simbólico. Ela
na Contemporaneidade está, portanto, articulada a um determinado
constructo social. Esse constructo é uma inven-
Atualmente, as questões relacionadas à se- ção histórica, tendo como base as possibilidades
xualidade estão sendo pautadas em diversas do corpo. Nessa linha, Foucault (2006) afirma
áreas do conhecimento, tais como psicologia, que “a sexualidade é o nome que se pode dar a
educação, antropologia social e saúde pública. um dispositivo histórico” (p. 100).
Tanto no campo acadêmico quanto nos espaços Não é possível fixar um momento dentro do
institucionais e sociais, esse tema faz parte da processo de desenvolvimento humano (seja esse
agenda cultural, no que se refere, principalmen- o nascimento, a adolescência ou a maturidade)
te, às novas configurações de modelo familiar e como marco para o estabelecimento ou a inter-
às relações afetivo-sexuais que transgridem as nalização da identidade sexual e/ou de gênero
fronteiras estabelecidas como convencionais. (Louro, 1997). Como dito anteriormente, essas
Para Madureira (2000), as identidades de identidades são negociadas e não estão predeter-
gênero (as múltiplas formas de tornar-se homem minadas por um momento específico da trajetó-
ou mulher) e as identidades sexuais (as variadas ria ontogênica.
configurações como são subjetivadas as orienta- Segundo Madureira (2000), ainda hoje há
ções sexuais), apesar de serem conceitos distin- uma tendência de procurar marcas genéticas, de
tos, apresentam interdependência coconstitutiva. ordem físico-biológica, para as manifestações
Tais identidades, além de funcionarem como sexuais, como a homossexualidade, por exem-
aportes culturais no processo de constituição da plo. No entanto, “. . . somos seres que podem
subjetividade, posicionam os sujeitos em suas atravessar as fronteiras discursivo-culturais da
relações com os diversos grupos sociais existen- sexualidade e se familiarizar com outros discur-
tes no contexto cultural em que estão inseridos. sos sobre quem podemos ser sexualmente” (Lo-
As identidades sexuais e de gênero se inter-re- pes, 2008, p. 138).
lacionam e estão sempre em constituição, sendo Os termos homossexualidade e heterosse-
passíveis de transformação ao longo do desen- xualidade, conceitual e linguisticamente, são
volvimento ontogênico, reconfigurando-se a par- relativamente novos, marcados pelo pensamen-
tir das experiências vivenciadas por cada pessoa. to moderno e contemporâneo. De acordo com
De fato, a ideia de permanência e unidade Weeks (2007), até meados do século XIX, a
identitária encontra-se frequentemente presa a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo
uma visão inata, natural, biológica e hereditária biológico era tratada sob a categoria geral e mal
da sexualidade, descontextualizada dos parâme- definida da sodomia.
tros culturais, políticos e históricos que configu- Os sodomitas seriam pessoas que apre-
ram as experiências sexuais, afetivas e eróticas sentavam um potencial de natureza pecadora e
da contemporaneidade. transitória, e não uma atividade própria de um
Sobre isso, afirma Britzman (1996): tipo específico de pessoas. Essa era uma catego-
Nenhuma identidade sexual – mesmo a mais ria bastante ampla, que incluía contatos sexuais
normativa – é automática, autêntica, facil- (não necessariamente anais) de homens com ho-
mente assumida; nenhuma identidade sexu- mens ou com animais. Em suma, tratava-se de
Surdos e Homossexuais: A (Des)coberta de Trajetórias Silenciadas 611

relações que desafiavam a reprodução. O que Madureira (2000) argumenta que, antes do
definia a sodomia eram os comportamentos e século XIX, as preocupações com a sexualidade
não as inclinações afetivas e sexuais. Assim, o estavam ligadas à religião ou à filosofia moral.
indivíduo que tivesse o desejo de praticá-la, mas Com o surgimento da sexologia, a sexualidade
não o fizesse, não era considerado um desvian- passou a ser objeto de estudo científico, o que
te. Aquele que, por sua vez, abandonasse o vício deu início a um esforço classificatório para
deixava de ser sodomita. A sodomia se definia cunhar categorias.
pela pelo ato, e não pela pessoa (Nunan, 2003). A medicina, na virada do século XIX para o
De pecado a crime, as relações afetivo-se- XX, propunha ações médico-corretivas para os
xuais entre pessoas do mesmo sexo passaram, homossexuais, e a homossexualidade passou a
a partir do surgimento do conceito de homosse- ser compreendida em termos biológicos. A me-
xualidade cunhado por Karl Kertbeny, em 1869, dicina assumiu para si, apoiada em um discur-
a ser considerada doença e desvio; passíveis de so da Igreja Católica, a obrigação de conduzir o
tratamento e normatização (Borrillo, 2010; Ma- homem ao caminho correto da sexualidade, em
dureira, 2000). Elas foram inseridas, assim, no que o sexo era justificado apenas para a reprodu-
discurso médico e patológico. Em tese, o sodo- ção da espécie e qualquer atividade sexual que
mita deixava de existir para dar lugar ao homos- se distanciasse desse preceito seria um pecado
sexual, que se transformava em uma espécie de contra a natureza humana (Ferrari, 2005).
pessoa. Conforme argumenta Foucault: Goffman (1998) aponta que, com a norma-
A homossexualidade apareceu como uma tização da identidade heterossexual, estabelece-
das figuras da sexualidade quando foi trans- -se um processo constante de estigmatização das
ferida, da prática de sodomia, para uma identidades homossexual e bissexual. Nesse pro-
espécie de androgenia interior, um herma- cesso, tais identidades passam a ser consideradas
froditismo da alma. O sodomita era um rein- deterioradas, como se escondessem uma falha
cidente, agora o homossexual é uma espécie fundamental.
(2006, pp. 50-51). Para Louro (2009), ao se entender sexo
O homossexual não era mais um sujeito como algo natural, imutável, a-histórico e biná-
qualquer que tinha caído em pecado, mas um rio, impõem-se limites à concepção de gênero e
sujeito de outra natureza. Para esse tipo de su- sexualidade, pois se equaciona a heterossexuali-
jeito, haveria de ser inventada e posta em prática dade como forma compulsória e normativa (he-
uma sequência de ações visando à reintegração terossexismo). Assim, os sujeitos que escapam
ao padrão de normalidade. Porém, ainda que à heteronormatividade são colocados à margem
se afirmasse a primazia da heterossexualidade, das preocupações dos espaços institucionaliza-
observa-se que ela apenas se constitui como “se- dos e da sociedade em geral. Vivem a experiên-
xualidade-referência” depois da instituição da cia de exclusão, compondo o quadro geral da-
homossexualidade (Louro, 2009, p. 89). queles considerados estranhos (Bauman, 1998),
No fim do século XIX e início do século XX, fora da norma(lidade).
os termos passaram a definir mais estreitamente Assim, a sexualidade se manifesta em um
os tipos de comportamento sexual e as identida- contexto cultural e histórico. Cada sociedade
des sexuais. A homossexualidade foi assumida estabelece conceitos de normalidade para com-
como um discurso médico-moral e a heteros- portamentos considerados adequados ou não,
sexualidade ficou estabelecida como descrição que devem ser incentivados ou reprimidos. Maia
da norma, ocorrendo uma dualidade opositora (2009b) esclarece que, da mesma forma como
entre os termos e uma valorização de um sobre existem padrões de normalidade em relação à se-
o outro. Assim, institucionalizou-se a heterosse- xualidade, existem padrões culturais em relação
xualidade, produzindo uma hierarquia na qual o ao desenvolvimento humano considerado sau-
anormal e o normal passaram a ser distinguidos dável ou normal. Tais padrões culturais incluem
e hierarquizados. expectativas voltadas ao desenvolvimento cog-
612 Abreu, F. S. D., Silva, D. N. H., Zuchiwschi, J.

nitivo, motor, linguístico etc., pautadas na ideia quem sanar dúvidas acerca da sexualidade e suas
de perfeição, em que a deficiência é compreen- diversas manifestações. Nessa linha, segundo
dida, por muitas pessoas, como um conjunto de Anderson e Kitchin (2000), a maior dificuldade
diferenças desvantajosas. encontrada na vida de uma pessoa com deficiên-
cia, no que tange às questões da sexualidade, é
Delimitação do Estudo: causada pelo fracasso dos recursos educacionais
A Homossexualidade e a Surdez (e de outros serviços) em oferecer-lhe esclareci-
como Desvio da Norma(lidade) mentos sobre o tema.
As pesquisas na área de sexualidade e sur-
É por meio do corpo que nos mostramos e dez (Abreu & Silva, 2012; Beche, 2005; Bisol,
nos relacionamos com o outro. Por ele, somos 2008; Lebedeff, 1993; K. Ribeiro, 2011; Silva,
percebidos, aprovados ou reprovados. Porém, 2011), apesar do distanciamento temporal, pare-
durante anos o corpo do sujeito deficiente foi cem convergir no sentido de revelarem que: (a)
(e tem sido) alvo de intervenções médicas, há uma desigualdade na qualidade informativa
fisioterápicas e corretivas que não contribuem do material pedagógico apresentado para ouvin-
para despertar o erotismo. Ao contrário, tais tes e surdos no ambiente escolar; (b) os conteú-
intervenções apontam o que há de errado, dos acerca da sexualidade são entendidos pelos
diferente, que precisa ser consertado, normali- surdos de forma deturpada, principalmente, pe-
zado; caso contrário, será um corpo doente (Pau- las suas peculiaridades linguísticas, ocasionando
la et al., 2005). acesso restrito aos bens culturais e as dinâmicas
Nesse contexto, o surdo é marcado pela sociais; (c) a temática da homossexualidade é
sua incapacidade natural de audição. Seu corpo negligenciada, sendo problematizada de forma
“... é representado e se institui como um órgão menor; e (d) os surdos homossexuais não en-
patológico [ênfase nosso] e esse corpo doente, contram suporte afetivo, informativo e comuni-
deficiente, incapacitado, não deve ser pensado, cativo nos ambientes educacionais e familiares
celebrado, antes de sua normalização” (Moreira, para sanarem suas dúvidas e serem aceitos pela
1998, p. 99). sua condição de expressão sexual. Desses estu-
Não ouvir é ser invisível, discriminado e dos, apenas alguns (Abreu & Silva, 2012; Silva,
excluído. Conforme salienta Skliar (2010), “ser 2011) tem como foco investigativo as vivências
ouvinte é ser falante e é também ser branco, ho- homossexuais de sujeitos surdos.
mem, profissional, letrado, civilizado. Ser surdo, Com o intuito de analisar como a família e
portanto, significa não falar – surdo mudo – e os movimentos sociais contribuem para o pro-
não ser humano” (p. 21). cesso educativo de surdos e surdas homossexu-
Moreira (1998) aponta que os estudos re- ais, Silva (2011) partiu do Grupo de lésbicas,
alizados com surdos partem do eixo central do gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgê-
déficit linguístico (visão patológica), sendo a neros (LGBT) Surdo, de Pernambuco, como ló-
sexualidade tratada apenas como sinônimo de cus para a construção da sua pesquisa empírica.
sexo, ato sexual, genitália ou reprodução de for- Por meio da observação dos encontros, o traba-
ma marginal, conforme discutiremos na análise lho revelou que tais sujeitos eram guetificados
dos dados. nos ambientes escolares e familiares, encontran-
Klein e Formozo (2007), por sua vez, afir- do na dinâmica grupal espaço propicio para sua
mam que a combinação das categorias de gêne- formação humana e acadêmica.
ro e surdez ainda é um assunto novo dentro das Abreu e Silva (2012), por exemplo, deti-
comunidades surdas, que têm como pauta maior veram-se às narrativas de surdos homossexuais
a divulgação da Língua Brasileira de Sinais (Li- adultos, alertando para as condições de vulnera-
bras), o acesso à informação, a educação etc. bilidade social e sexual (violência física e sim-
São escassos, por exemplo, os espaços inclusi- bólica) vivenciadas pelos entrevistados em suas
vos para surdos (com uso da Libras) que bus- primeiras experiências sexuais.
Surdos e Homossexuais: A (Des)coberta de Trajetórias Silenciadas 613

As investigações apresentadas acima2 de- nificativos (Souza, Branco, & Lopes de Oliveira,
marcam um espaço importante no campo inves- 2008). Esse tipo de vínculo permite significar e
tigativo que explora as expressões subjetivas ressignificar o vivido. Nela, o sujeito esforça-se,
minoritárias. Porém, torna-se importante refletir fazendo-se autor, para situar-se temporalmente e
acerca da herança que se estabelece nos discur- tecer a própria história, por meio da memória e
sos de poder, vinculados aos ambientes sociais de narrativas.
e culturais, que deslegitimam a construção de Assim, como sugere Duarte (2005), concor-
sexualidades destoantes dos padrões hegemôni- damos que o momento da entrevista se caracteri-
cos das pessoas surdas. Tais conclusões e apon- za pela troca, em que o pesquisador pode ofere-
tamentos tencionam para a indagação: como cer ao seu interlocutor a oportunidade de refletir
sujeitos surdos homossexuais narram suas expe- sobre si mesmo, de refazer seu percurso biográ-
riências sexuais? Ou ainda: como surdos homos- fico, de pensar sobre sua cultura, seus valores, a
sexuais agenciam a experiência de enfretamento/ história e as marcas que constituem o grupo so-
vivência do (duplo) preconceito? cial ao qual pertence. Assim, o espaço da entre-
vista consiste em um local dialógico, sendo per-
Metodologia3 passado pelos significados que são construídos
pelos participantes (pesquisador/entrevistado).
Este trabalho busca investigar as vivências
socioculturais de surdos homossexuais, tendo O Trabalho de Campo:
como foco para construção dos dados empíricos A Construção dos Dados
a composição de narrativas pelos sujeitos pes-
quisados. Para tanto, visando um melhor alinha- A seleção dos informantes desta pesquisa se
mento com os objetivos propostos, utilizamos caracterizou por ser do estilo conveniência, em
como recurso metodológico entrevistas indivi- que as fontes foram selecionadas pela proximi-
duais semiestruturadas. dade, disponibilidade e aceitação em participar
A opção por esse tipo de procedimento para do estudo. Participaram da pesquisa três homens
a construção de dados visou potencializar um surdos de classe média da região Centro-Oeste
roteiro de entrevista mais flexível, em que o en- do Brasil, na faixa etária entre 32 e 38 anos, que
trevistado é convidado a ter um papel ativo na assumem uma identidade bilíngue (fazem uso
interpretação das informações e o pesquisador da Língua de Sinais, como primeira língua, e do
(entrevistador) assume um papel menos diretivo. português, como segunda) e afirmam a homosse-
O pesquisador pode, assim, oferecer empatia e xualidade como fator constitutivo de suas vivên-
apoio, possibilitando um diálogo mais aberto e cias eróticas e afetivas. São eles:4
favorecendo a emergência de novos aspectos sig- • Mateus, 32 anos, branco: tem nível superior
e é militante da comunidade surda;
• Lucas, 38 anos, branco: possui o curso de
2
Além desses estudos, é importante destacar ma- Magistério e é militante da comunidade sur-
térias vinculadas em revistas impressas e digitais
que problematizam a surdez e a homossexualida-
da;
de (principalmente aquelas atreladas à questão do • Artur, 37 anos, negro: estudou até o nível
duplo preconceito e da acessibilidade). A entre- médio e é militante de um grupo LGBT.
vista com Tomaz Beche (surdo e gay) no Portal Nas entrevistas, além do pesquisador,
G (09/02/2011) e a reportagem na Revista G Ma- contou-se com a participação de uma intérpre-
gazine intitulada: Licença pra Ouvir: Surdos Gays
e Lésbicas Começam a se Organizar para Buscar te fluente em Libras, já conhecida e aprovada
seus Direitos, em 2004, são exemplos desses es- pelos sujeitos entrevistados. Posteriormente à
forços. realização das entrevistas, elas foram transcritas
3
A pesquisa aqui apresentada foi analisada e
aprovada pelo Conselho de Ética em Pesquisa do
Instituto de Ciências Humanas da Universidade 4
Os nomes dos sujeitos foram trocados, visando
de Brasília. resguardar suas identidades.
614 Abreu, F. S. D., Silva, D. N. H., Zuchiwschi, J.

na íntegra para análise e categorização pelo pró- a você? Esse tema foi trabalhado durante a
prio pesquisador. A transcrição visou garantir a sua formação escolar?”
fidelidade e o caráter confidencial do material Lucas: Quando eu era criança, eu tinha
coletado. um primo que ficava junto comigo e que
Na pesquisa qualitativa, a interpretação da acabou tendo relação sexual comigo e eu
entrevista requer do pesquisador uma atitude fui criado junto com ele, mas eu não enten-
mais flexível em relação à categorização das res- dia nada daquilo e desde criança esse meu
postas construídas pelo entrevistado. Isso vai de primo tinha relação sexual comigo. Eu fui
encontro com a pesquisa positivista, em que as entendendo... . . . Eu gostei da relação ho-
categorias devem ser fechadas e previamente de- mossexual, então, eu também tinha relação
finidas (Madureira & Branco, 2001). Para a dis- com ele . . . Desde o início eu gostei muito e
cussão dos objetivos propostos neste trabalho, eu fui percebendo o jeito feminino, e eu fui
as transcrições foram estudadas por meio do de- querendo tanto ser uma menina, eu sentia
talhamento interpretativo das entrevistas. Nessa esse desejo, esse sonho de ser mulher, sem-
fase, compomos eixos de análise destacados em pre eu tive esse desejo feminino. (Transcri-
dois elementos centrais considerados relevantes ção, entrevista 2)
para a exploração da problemática suscitada: Pesquisador: “Pra gente começar a conver-
• Primeiras incursões de ordem sexual; e, sa, eu pergunto pra você: o que é ser surdo?
• Estratégias de enfrentamento do duplo pre- Como é ser surdo?”
conceito. Artur: Aos 9 anos de idade aconteceu uma
Como poderá ser visto, essas problemáticas coisa comigo... é que meu primo teve uma
emergem na produção de discursos sinalizados relação comigo. Isso aconteceu aos 9 anos
pelos sujeitos, que serão discutidos e analisados de idade. Eu não tive culpa, eu não sabia de
a seguir. nada, meus pais não me aconselharam, não
me explicaram, eu dormia separado deles,
Unidade de Análise 1: Relatos Sobre eu dormia no chão, junto com meu primo.
as Primeiras Experiências Sexuais Daí, era muito cheio e acabou acontecen-
do que ele teve relação sexual comigo. Mas
No início de cada entrevista, o pesquisa- para mim isso foi normal, porque me deu
dor apresentava os objetivos da investigação e essa condição e eu vejo que em muitos sur-
oferecia uma breve problematização acerca do dos a história da homossexualidade começa
tema. Logo em seguida, eram feitas perguntas assim e ela vai se desenvolvendo com o tem-
aos sujeitos pesquisados que não tinham neces- po. (Transcrição, entrevista 3)
sariamente relação direta com o tema da surdez Lucas e Artur, desconsiderando a pergunta
e homossexualidade. A intenção era de propiciar do pesquisador, começaram a relatar suas pri-
um espaço para o despertar da narrativa; trata- meiras experiências sexuais com parceiros do
va-se de um modo de o sujeito começar a falar de mesmo sexo. Ambas ocorreram no ambiente fa-
si, de uma forma mais geral, para, em seguida, miliar, sem a compreensão dos sujeitos sobre o
poder narrar aspectos mais íntimos de sua vida. que estava ocorrendo. Artur comentou: “Eu não
Contudo, os sujeitos pesquisados, mesmo diante tive culpa, eu não sabia de nada . . .”. Lucas
de perguntas mais amplas e pouco específicas, também ressaltou: “. . . eu tinha um primo que
ignoravam a condução do pesquisador e imedia- ficava junto comigo e que acabou tendo relação
tamente contavam suas vivências sexuais, como sexual comigo e eu fui criado junto com ele, mas
pode ser observado nos fragmentos discursivos eu não entendia nada daquilo”.
de Lucas e Artur: Os relatos de Lucas e Artur apontam que
Pesquisador: “Durante a sua formação, ambos foram introduzidos à vida sexual ainda
principalmente na escola, esse tema, a menores de idade, sem consentimento e sem
questão da sexualidade, ela foi apresentada convite. É possível afirmar, diante dos relatos,
Surdos e Homossexuais: A (Des)coberta de Trajetórias Silenciadas 615

que os entrevistados viveram uma situação abu- No caso dos surdos, é importante ressaltar
siva, pois não sabiam o que estava ocorrendo. O que a condição de incompatibilidade linguística
contexto, contudo, não foi conduzido pela vio- com a comunidade ouvinte majoritária e a não
lência física, mas simbólica. Lucas afirmou: “Eu aquisição da língua de sinais favorecem a emer-
fui entendendo... . . . Eu gostei da relação ho- gência de contextos abusivos e geram situações
mossexual. Então, eu também tinha relação com complexas para a formação do surdo. Mateus
ele . . .”. Parece que Lucas, aos poucos, foi tendo declarou: “. . . eu não entendi nada do que esta-
prazer na relação sexual com o primo, estando va acontecendo, eu não sabia nada, eu na hora
de acordo com aquele tipo de envolvimento. não entendi, pensei que era uma simples brin-
Entretanto, é importante salientar que Lucas cadeira”.
e Artur viveram uma condição de vulnerabilida- A vulnerabilidade social e emocional con-
de social e sexual. Eles, em razão de sua condi- tribui para o abuso sexual de pessoas com de-
ção orgânica, não tinham com quem falar sobre ficiência. Wanderer (2012) pesquisou 10 casos
o que estavam vivenciando. Suas queixas não atendidos no contexto judicial de circunstâncias
tinham pauta para elaboração, pois não podiam de violência contra pessoas com deficiência, no
existir fora de uma plataforma de comunicação Distrito Federal. Dentre eles, o abuso sexual se
viável. Eles eram surdos em um ambiente de fez presente em 5 denúncias. Os principais agres-
maioria ouvinte inacessível. sores eram pessoas que faziam parte da rede de
Mateus, diferente dos demais, ao narrar sua apoio pessoal do sujeito (genitor, irmão, padras-
primeira experiência sexual, relata uma situação to, vizinho etc). A autora chama a atenção para o
traumática de estupro vivenciada dentro de uma fato de a escola e a família não fomentarem uma
instituição de educação de surdos: discussão eficaz sobre a sexualidade com esse
Mateus: Eu tinha 11 anos e o adulto surdo público, ocasionando um desempoderamento
me estuprou no banheiro. Eu não entendi para as vivências das práticas eróticas e afetivas
nada do que estava acontecendo, eu não e uma não agencialidade para as denúncias no
sabia nada, eu na hora não entendi, pensei caso de abusos.
que era uma simples brincadeira, eu não Ainda sobre isso, Bisol (2008) apresenta
tinha ideia do que estava acontecendo e o um estudo realizado por Kvan (2004) com 1.150
homem... . . . Eu acredito que a partir daí eu adultos surdos na Noruega. Nesse estudo, cons-
fui contagiado pela homossexualidade, me tatou-se que crianças surdas podem ter de duas a
tornando um homossexual. Por conta des- três vezes mais chances de serem vítimas de abu-
sa experiência de estupro e a partir desse so sexual. A questão da vulnerabilidade sexual
momento, eu acabei me acostumando a ter também foi destacada na pesquisa de K. Ribeiro
esse tipo de relação sexual. . . . Depois que (2011), ao analisar a fala de mães de adolescen-
eu sofri abuso, eu comecei a sentir vontade tes surdas. A pesquisa revelou que as mães iden-
de ter essas relações, de continuar, porque tificaram a surdez como um aspecto facilitador
eu já estava acostumado, pois começou aos de violência sexual. Para elas, a falta de audição
11 e foi até os 12 anos. (Transcrição, entre- (e o problema de comunicação decorrente) difi-
vista 1) culta a percepção da aproximação de um possí-
Ferreira (2008) argumenta que as pesso- vel agressor e o pedido de ajuda.
as com deficiência estão em risco de violência Em suas narrativas, Lucas, Artur e Mateus
sexual por dois fatores: primeiro, por serem su- estabeleceram ligações diretas entre o primeiro
jeitos invisíveis socialmente; e, segundo, pela ato sexual e a homossexualidade. Bisol (2008)
consciência do agressor de que o risco de de- constata que os jovens, tanto surdos quanto ou-
núncia do abuso é praticamente inexistente, pois vintes, tentam construir significados em torno da
com frequência a pessoa com deficiência estará sexualidade, centrando-se principalmente no pri-
isolada e sem apoio (familiar e escolar). meiro beijo e na primeira relação sexual:
616 Abreu, F. S. D., Silva, D. N. H., Zuchiwschi, J.

Poder pensar o peso que essas vivências têm eles, é representada em sua dimensão biológica,
para a compreensão de si e do outro, a ne- tendo como foco principal a genitalidade. Nessa
cessidade de narrá-la indica a necessidade representação, não se estabelecem significações
de organizá-la, em suma, de compreendê-la socioculturais, voltando-se a atenção para o cor-
em sua imensa gama de sentimentos e con- po reprodutivo.
flitos (Bisol, 2008, p. 110).
Para os surdos pesquisados, as relações se- Unidade de Análise 2: Estratégias de
xuais ocorridas na infância tardia são entendidas Enfrentamento do Duplo Preconceito
como um marco da sua condição homossexual,
transversalizada pela experiência física e sim- Por meio da análise do material construído
bólica. Lucas afirma: “Desde o início, eu gostei no campo, podemos identificar que o ocultamen-
muito e eu fui percebendo o jeito feminino, e eu to é a estratégia prevalente de enfrentamento do
fui querendo tanto ser uma menina, eu sentia preconceito referente à condição homossexual.
esse desejo, esse sonho de ser mulher, sempre eu Para os entrevistados, o estigma da surdez os
tive esse desejo feminino”. coloca em um local de subalternidade marcado
Ou seja, por meio dos relatos, podemos de- pelo preconceito e pela exclusão social. Soma-se
preender que o ato sexual foi estabelecido como a isso outro fator para sua possível desqualifica-
essencial no processo de construção da identida- ção: sua orientação homossexual.
de sexual desses sujeitos, constituindo-se como Dessa forma, a omissão da condição homos-
marco subjetivo. Assim, para os surdos entrevis- sexual é elencada como um fator de proteção
tados, existe uma relação direta entre o primeiro contra o duplo preconceito, fazendo com que os
ato sexual e a vivência (atual) da homossexuali- sujeitos assumam uma identidade heterossexu-
dade. Mateus comenta: “Eu acredito que a par- al na esfera pública (como fator preponderante
tir daí eu fui contagiado pela homossexualidade, para sua aceitação dentro do seu grupo social).
me tornando um homossexual. Por conta dessa O segredo torna-se seu principal aliado, e a vigi-
experiência de estupro e a partir desse momen- lância do corpo, algo corriqueiro. Tais elementos
to, eu acabei me acostumando a ter esse tipo de podem ser observados abaixo:
relação sexual”. Mateus: “Eu sei que eu sou homossexual,
Nos fragmentos discursivos, percebemos eu tenho relações homossexuais, mas eu
que os entrevistados remeteram-se à sexualida- não gosto de ter um comportamento que
de tendo como fundamento um conceito biolo- denuncie isso, mas ligado às questões de
gizante/naturalizante que a reduz ao ato sexual. trejeito, eu não gosto” (Transcrição, entre-
Porém, conforme salienta Maia (2006), a sexua- vista 1).
lidade não se restringe ao sexo, sendo impossível Lucas: “Não, eu nunca encontrei com sur-
dissociar o aspecto biológico das dimensões psi- dos homossexuais. Eu escondo que eu sou
cossocial e histórica. A sexualidade traz em sua homossexual. . . . Os surdos não sabem que
essência uma amplitude de condutas humanas, eu sou homossexual. Então, eu não convivo
que vão além da genitalidade; não deve, por- com eles. Eu finjo que sou hétero, enten-
tanto, ser entendida exclusivamente como sinô- deu?” (Transcrição, entrevista 2).
nimo de sexo, orgasmo ou órgãos sexuais, mas Ou ainda em outro trecho:
sim como uma dimensão ampla e cultural que Lucas: Mas eu gostei muito de me relacio-
abrange diferentes aspectos, como amor, relacio- nar com héteros [referindo-se aos homens
namentos afetivos e sexuais, prazer etc (Maia & que transam com homens mas não assumem
Aranha, 2005). uma identidade homossexual] se, só que
Os dados corroboram a constatação da pes- eles não contam nada pra ninguém que eles
quisa de Moukarzel (2003), que, ao analisar a se relacionam com a gente. Agora, homos-
fala de alunos com desenvolvimento peculiar so- sexual fica contando pra todo mundo: “Eu
bre sexualidade, percebe que a sexualidade, para sou gay, eu sou gay, eu sou gay”. Espalham
Surdos e Homossexuais: A (Des)coberta de Trajetórias Silenciadas 617

para todo mundo . . . Eu não gosto disso. consequente, do déficit de comunicação. A con-
(Transcrição, entrevista 2) dição social do surdo é marcada pelo lugar da
Observa-se que os sujeitos da pesquisa es- incapacidade, limitação e inferioridade. O não
condem sua condição homossexual como forma pertencimento à sociedade majoritária (ouvin-
de evitar um duplo preconceito. Os métodos mais te) trouxe estigmatização e exclusão, e a situa-
relevantes apontados dizem respeito ao controle ção da surdez ficou, tradicionalmente, relegada
do corpo, evitando os trejeitos estabelecidos so- à problemática da deficiência. Não diferente, o
cialmente como femininos, bem como omissão homossexual, após sua invenção conceitual, foi
da orientação sexual nos diversos ambientes em marcado socialmente pela sua sexualidade in-
que os sujeitos transitam. completa, acidental e perversa – na pior das hi-
Artur aponta que muitas informações não póteses, patológica, criminosa, imoral e destrui-
chegam aos surdos de forma satisfatória, prin- dora da civilização (Borrillo, 2010).
cipalmente aquelas relacionadas à educação em Para os sujeitos surdos e homossexuais, ter-
sexualidade: -se-ia de inventar e executar uma série de ações
Artur: “Os surdos homossexuais sofrem visando à sua reintegração à normalidade: prá-
muito preconceito, também, por essa falta ticas oralistas e de deslegitimação linguística,
de informação. Eles não vivem em paz. É para os surdos, e criminalização e ações médico-
uma vida muito difícil. Eu, por exemplo, te- -corretivas, para os homossexuais. De fato, em
nho problema na minha família até hoje por ambas as categorias, há sujeitos demarcados e
conta disso” (Transcrição, entrevista 3). reconhecidos socialmente como desviantes da
Por isso, torna-se urgente a necessidade de norma, sendo seu destino a experiência de segre-
desenvolver programas de educação sexual para gação e/ou reabilitação.
as pessoas com deficiência, que possam atender Em que pesem todas as transformações his-
as suas necessidades informacionais com mate- tóricas correntes, os preconceitos e o cerceamen-
riais didáticos adequados as suas peculiaridades. to de direitos desses grupos persistem. Embora
Percebe-se que seus conhecimentos sobre assun- não sejam mais jogados ao mar ou lançados nas
tos relacionados à sexualidade, no sentido am- fogueiras, como no passado, continuam sendo
plo, são incorretos ou superficiais. duplamente silenciados pela sua situação orgâni-
Beche (2005) alerta que, em geral, os sur- ca (surdez) e pela expressão sexual considerada
dos não recebem orientação sexual em casa, desviante (homossexualidade).
pois seus familiares utilizam a repressão como Os dados apresentados nesta pesquisa par-
instrumento castrador de curiosidades e desejos. tem das narrativas de sujeitos surdos e homos-
Devido a suas peculiaridades linguísticas, tais sexuais, que enfrentam cotidianamente as mais
sujeitos possuem dificuldades em entender as diversas situações de preconceito. Para eles, o
informações veiculadas pelos meios de comuni- momento (ponto de transição) definidor do reco-
cação acerca dessa temática. Isso alerta para a nhecimento da sua condição homossexual foi a
necessidade de proporcionar espaços que pres- primeira relação sexual, ocorrida na infância tar-
tem informações qualitativas para esse público, dia, e a condição homossexual se define pela/na
oportunizando ao deficiente um desenvolvimen- genitalidade e pelo/no sexo, pautada na relação
to maduro e saudável de sua sexualidade (Glat, corpórea. Em linhas gerais, pode-se sinalizar que
2004). os entrevistados identificam a sexualidade como
algo relacionado à ação, não necessariamente
Apontamentos Finais vinculado à dimensão do afeto, da comunica-
ção, da gratificação libidinosa ou da construção
Durante muitos anos, a problemática da de vínculos. Há uma dificuldade em estabelecer
surdez ficou relegada à esfera patológica e aos associações diretas entre relações físicas e emo-
processos de medicalização orientados pela in- cionais, o que pode estar ligado à problemática
completude decorrente da perda da audição e, linguística e simbólica que circunscreve o surdo.
618 Abreu, F. S. D., Silva, D. N. H., Zuchiwschi, J.

Os surdos homossexuais vivem a condição Britzman, D. (1996, jan./jun.). O que é esta coisa cha-
de (dupla) subalternidade social, preferindo es- mada amor: Identidade homossexual, educação
conder a orientação sexual como forma de man- e currículo. Educação e Realidade, 21, 71-96.
ter sua segurança e resguardar-se perante o olhar Buzar, F. J. R. (2012). Interseccionalidade entre raça
da comunidade surda. Há um temor confesso de e surdez: A situação de surdos(as) negros(as)
que a sua homossexualidade seja descoberta, o em São Luís - MA (Dissertação de mestrado em
que traz prejuízos sociais e psicológicos. Educação, Universidade de Brasília, DF, Brasil).
As questões levantadas ao longo deste tra- Costa, P. R. (2011). “Surda mulher ser eu”: A cons-
balho apontam para a necessidade de ampliação trução das identidades do sujeito feminino (Dis-
das investigações sobre a temática da homosse- sertação de mestrado em Educação, Centro Uni-
xualidade interseccionada à surdez, bem como versitário La Salle, Canoas, RS, Brasil).
sua interface com as políticas públicas de assis- Duarte, J. (2005). Entrevista em profundidade. In J.
tência e formação, tendo como pano de fundo a Duarte & A. Barros (Eds.), Métodos e técnicas
especificidade linguística dos sujeitos. É urgente de pesquisa em comunicação (pp. 62-83). São
o esforço conceitual e analítico para compreen- Paulo, SP: Atlas.
der a condição existencial ao longo do proces- Ferrari, A. (2005). Quem sou eu? Que lugar ocupo?
so de desenvolvimento ontogenético de sujeitos Grupos gays, educação e a construção do su-
surdos homossexuais. jeito homossexual (Tese de doutorado em Edu-
cação, Universidade Estadual de Campinas, SP,
Brasil).
Referências
Ferreira, W. B. (2008). Vulnerabilidade à violência
Abreu, F. S. D., & Silva, D. N. H. (2012, set.). Ho- sexual no contexto da escola inclusiva: Reflexão
mossexualidade e surdez: Um estudo sobre as sobre a invisibilidade da pessoa como deficiên-
experiências sexuais em surdos. Trabalho apre- cia. Revista Iberoamericana sobre Calidad, Efi-
sentado na XXI Jornada de Educação Especial cacia y Cambio en Educación, 6(2), 120-136.
da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes-
Foucault, M. (2006). História da sexualidade I: A
quita Filho, Marília, SP, Brasil.
vontade de saber. Rio de Janeiro, RJ: Graal.
Amago, J. G. (2005). Re-invertase. La doble exclu-
Glat, R. (2004). Saúde sexual, deficiência e juventude
sión: vivir siendo homossexual y discapacitado.
em risco. Rio de Janeiro, RJ: Universidade do
Madrid, Espanã: Comité Español de Represen-
Estado do Rio de Janeiro.
tantes de Personas con Discapacidad.
Goffman, E. (1998). Estigma: Notas sobre a manipu-
Anderson, P., & Kitchin, R. (2000). Disability, space
lação da identidade deteriorada (4. ed.). Rio de
and sexuality: Access to family planning ser-
Janeiro, RJ: Guanabara.
vices. Social Science & Medicine, 51(8), 1163-
1173. doi:10.1016/S0277-9536(00)00019-8 House, L. (Produtora), & Moorhouse, J. (Diretora).
(1991). A Prova [Filme]. Melbourne, Austrália:
Bauman, Z. (1998). O mal-estar da pós-modernida-
House & Moorhouse Films Pty.
de. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar.
Klein, M., & Formozo, D. (2007). Gênero e surdez.
Beche, R. C. E. (2005). A sexualidade do surdo: Re-
Reflexão e Ação, 15, 100-112.
talhos silenciosos na constituição da sua iden-
tidade (Dissertação de mestrado em Educação, Kvan, M. H. (2004). Sexual abuse of deaf children.
Universidade Federal de Santa Catarina, Floria- A retrospective analysis of the prevalence
nópolis, SC, Brasil). and characteristics of childhood sexual abuse
Bisol, C. A. (2008). Adolescer no contexto da surdez: among deaf adults in Norway. Child Abuse &
Questões sobre a sexualidade (Tese de douto- Neglect, 28(3), 241-251. doi:10.1016/j.chia-
rado em Psicologia do Desenvolvimento, Uni- bu.2003.09.017
versidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Lebedeff, T. B. (1993). Percepção de jovens surdos
Alegre, RS, Brasil). sobre sua sexualidade (Dissertação de mestrado
Borrillo, D. (2010). Homofobia: História e crítica de em Educação, Universidade Estadual do Rio de
um preconceito. Belo Horizonte, MG: Autêntica. Janeiro, RJ, Brasil).
Surdos e Homossexuais: A (Des)coberta de Trajetórias Silenciadas 619

London, M. (Produtor), & Bezucha, T. (Diretor & Maia, A. C. B. (2010). Sociedade inclusiva e sexua-
Roteirista). (2005). Tudo em família [Filme]. lidade: Reflexões sobre deficiência e a diversi-
Los Angeles, CA: 20th Century Fox Home En- dade sexual. In E. G. Mendes & M. A. Almeida
tertainment. (Eds.), Das margens ao centro: Perspectivas
para as políticas e praticas educacionais no
Louro, G. L. (1997). Gênero, sexualidade e educa-
contexto da educação especial inclusiva (pp.
ção: Uma perspectiva pós-estruturalista. Petró-
433-442). Araraquara, SP: Junqueira e Marin.
polis, RJ: Vozes.
Maia, A. C. B., & Aranha, M. S. F. (2005). Relatos de
Louro, G. L. (2009). Heteronormatividade e homofo- professores sobre manifestações sexuais de alu-
bia. In R. D. Junqueira, Diversidade sexual na nos com deficiência no contexto escolar. Intera-
educação: Problematizações sobre homofobia ção em Psicologia, 9(1), 103-116. doi:10.5380/
nas escolas (pp. 85-94). Brasília, DF: Ministério psi.v9i1.3290
da Educação, Secretaria de Educação Continua-
da, Alfabetização e Diversidade. Maia, A. C. B., & Ribeiro, P. R. M. (2010, maio/
ago.). Desfazendo mitos para minimizar o pre-
Lopes, L. P. M. (2008). Sexualidade em sala de aula: conceito sobre a sexualidade de pessoas com
Discurso, desejo e teoria queer. In A. F. Moreira deficiências. Revista Brasileira de Educação
& V. M. Candau (Eds.), Multiculturalismo: Di- Especial, 16(2), 159-176. doi:10.1590/S1413-
ferenças culturais e práticas pedagógicas (pp. 65382010000200002
125-148). Petrópolis, RJ: Vozes.
Moreira, S. Z. (1998). A mulher surda e suas relações
Luczak, R. (1993). Eyes of desire: A dealf gay & les- de gênero e sexualidade. In C. Skliar (Ed.), A
bian. Boston, MA: Alyson Books. surdez: Um olhar sobre as diferenças (pp. 95-
103). Porto Alegre, RS: Mediação.
Luczak, R. (2013). Notes of a deaf gay writer: 20
years later. Boston, MA: Smashword. Moukarzel, M. G. M. (2003). Sexualidade e deficiên-
cia: Superando estigmas em busca da emanci-
Madureira, A. F. A. (2000). A construção das iden-
pação (Dissertação de mestrado em Educação,
tidades sexuais não-hegemônicas: Gênero,
Universidade Estadual de Campinas, SP, Brasil).
linguagem e constituição da subjetividade
(Dissertação de mestrado em Psicologia do De- Nunan, A. (2003). Homossexualidade: Do preconcei-
senvolvimento, Universidade de Brasília, DF, to aos padrões de consumo. Rio de Janeiro, RJ:
Brasil). Caravansarai.

Madureira, A. F. A., & Branco, Â. U. (2001). A pes- Paula, A. R., Regen, M., & Lopes, P. (2005). Sexua-
quisa qualitativa em Psicologia do Desenvolvi- lidade e deficiência: Rompendo o silêncio. São
mento: Questões epistemológicas e implicações Paulo, SP: Expressão e Arte.
metodológicas. Temas em Psicologia, 9(1), 63- Ribeiro, D. (Produtor, Diretor, & Roteirista). (2014).
75. Hoje eu quero voltar sozinho [Filme]. São Pau-
lo, SP: Lacuna Filmes.
Maia, A. C. B. (2006). Sexualidade e deficiência. São
Paulo, SP: Editora da Universidade Estadual Ribeiro, K. (2011). Sexualidade e gênero: Estudo das
Paulista Júlio de Mesquita Filho. relações afetivas de jovens surdas de uma esco-
la municipal de educação especial de São Paulo
Maia, A. C. B. (2009a). Deficiência mental e gênero:
(Tese de doutorado em Educação, Universidade
A heronormatividade como preconceito. In P. R.
de São Paulo, SP, Brasil).
M. Ribeiro, Gênero, sexualidade e educação se-
xual em debate (pp. 11-23). São Paulo, SP: Cul- Sànchez, F. L. (2013). Sexo y afecto em personas com
tura Acadêmica. discapacidad. Madrid, España: Biblioteca Nova.

Maia, A. C. B. (2009b). Sexualidade, deficiência e Skliar, C. (2010). Os estudos surdos em educação:


gênero: Reflexões sobre padrões definidores de Problematizando a normalidade. In C. Skliar
normalidade. In R. D. Junqueira (Ed.), Diver- (Ed.), A surdez: Um olhar sobre as diferenças
sidade sexual na educação: Problematizações (4. ed., pp. 7-32). Porto Alegre, RS: Mediação.
sobre homofobia nas escolas (pp. 265-291). Silva, J. G. (2011). Desejos e afetividades que não
Brasília, DF: Ministério da Educação, Secreta- querem calar: O grupo LGBT surdo de Pernam-
ria de Educação, Continuada, Alfabetização e buco [Monografia de Especialização]. Olinda,
Diversidade. PE: Fundação de Ensino Superior de Olinda.
620 Abreu, F. S. D., Silva, D. N. H., Zuchiwschi, J.

Souza, T. Y., Branco, A. M., & Lopes de Oliveira, Weeks, J. (2007). O corpo e a sexualidade. In G. L.
M. C. S. (2008, jul./dez.). Pesquisa qualitativa Louro (Ed.), O corpo educado: Pedagogias da
e desenvolvimento humano: Aspectos histó- sexualidade (2. ed., pp. 37-82). Belo Horizonte,
ricos e tendências atuais. Fractal, Revista de MG: Autêntica.
Psicologia, 20(2), 357-376. doi:10.1590/S1984-
02922008000200004
Vigotski, L. S. (1997). Fundamentos de defectologia:
Vol. 5. Obras escogidas. Madrid, España: Visor.
Wanderer, A. (2012). Violência intrafamiliar contra
pessoas com deficiência: Discutindo vulnera-
bilidade, exclusão social e as contribuições da Recebido: 03/06/2013
Psicologia (Dissertação de mestrado em Psi- 1ª revisão: 22/05/2014
cologia do Desenvolvimento, Universidade de 2ª revisão: 18/07/2014
Brasília, DF, Brasil). Aceite final: 21/07/2014

Você também pode gostar