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2) Mecanismos de resistência
Alves Souza Junior (2012) propõe que os indígenas na Amazônia viviam as
situações que lhes eram impostas (aldeamento missionário, Diretório dos índios,
catequização, trabalho compulsório) como sujeitos ativos, tomando decisões, fazendo
escolhas, usando a dissimulação como estratégia de resistência; recusando a disciplina
de tempo e de trabalho trazida pelas portugueses, numa tentativa de impedir a
destruição do seu modo de vida tradicional.
3) Legislações indigenistas
Desse modo, a legislação indigenista constituiu-se como um campo de luta
tanto na sua formulação quanto na sua execução na Colônia. Uma análise atenta da
legislação indigenista aplicada pela Coroa portuguesa no Brasil colonial permite
perceber o tratamento desigual dado por ela aos índios aldeados ou amigos (a quem
cabia a proteção da lei) e os “tapuias bravos” ou “índios de corso”, os quais restavam
os rigores da lei, que reconhecia aos moradores o direito de escravizá-los em guerras
justas.
Embora a lei tratasse de forma desigual os índios aldeados e índios inimigos, as
práticas dos moradores os unificava, mantendo índios amigos como escravos, ainda que
o tivessem recebido oficialmente como trabalhadores assalariados. Eram forjadas
guerras justas e resgates contra índios “inimigos” e atacavam os aldeamentos
missionários para aprisionar e tornar escravos “índios amigos”, práticas consideradas
ilegais (Alves de Souza Junior 2012).
A legislação que procurava proibir a escravização dos indígenas pelos colonos
favoreceu as ordens religiosas, apesar da “vista-grossa” dos portugueses quanto a esses
acontecimentos. Para os colonos, com o fim da União Ibérica (1640), transformar os
indígenas em trabalhadores assalariados, tornou-se a única maneira de utilizá-los em
seus empreendimentos de forma legal. Desse modo, o jogo de influências travado entre
missionários e colonos junto à corte demonstrava o conflitante embate político que
ocorria.
Tais circunstâncias que deram origem ao “Diretório dos índios” (1757), sob a
direção de Marquês de Pombal, foram preponderantes para o exercício da lei. Ou seja, a
tensão latente entre colonos e a administração colonial em torno da concessão da
liberdade dos índios, por conta da importância dessa mão de obra como força motriz da
colônia, teve grande impacto sobre a execução da lei (Mauro Coelho 2016).
Dessa forma, muito do que aconteceu não pode ser levado em conta como
transgressões à lei, pois já se esperava a intensa utilização dos indígenas, e as
reclamações efetuadas pela administração colonial se referem principalmente a
insatisfação pela parte que lhe coube dessa partilha do trabalho indígena.
A legislação indigenista foi elaborada em meados do século XVIII para os
índios do Estado do Maranhão e Grão-Pará, pelo primeiro-ministro de Portugal,
Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal. Em 1757, um decreto
libertou as aldeias indígenas do controle missionário, transferindo aos “diretores”
brancos essa responsabilidade. A medida visava atingir a Companhia de Jesus, a ordem
mais bem-sucedida da Colônia, e seus membros, que dispunham da mão de obra de
mais de sessenta aldeias disputada pelos colonos.
O sistema do Diretório visava integrar os índios à sociedade portuguesa,
mobilizando-os por meio do trabalho. Para isso, muitas medidas tornaram-se
obrigatórias, como a utilização da língua portuguesa, viver em casas separadas, o uso de
roupas sem ornamento decorativo e o incentivo de casamentos entre brancos e índios.
A retirada dos índios da tutela dos missionários, seguidos pela expulsão dos
jesuítas do estado do Grão Pará e Maranhão, e a implementação da política indigenista
pombalina produziram uma profunda reviravolta no modo de vida dos índios no
aldeamento e se mostrou como uma experiência trágica, levando-os a intensificar as
estratégias de resistência, materializadas numa quantidade e frequência maiores de
fuga, de suicídios, de rebeliões mais numerosas, de construção e solidificação de redes
de solidariedade com negros, mestiços e brancos pobres, perpassadas por conflitos e
contradições (Alves de Souza Junior 2012).
O Diretório suscitou novas relações sociais, com as populações indígenas
intervindo ativamente nas conformações das relações sociais vividas no Vale
Amazônico. Apesar de defender a inserção das populações indígenas na sociedade
colonial, o Diretório não o fez sem manter uma sociedade com diferenças e hierarquias.
Essa inclusão dos indígenas na sociedade colonial mantinha, e em certa medida
ampliava, a cadeia hierárquica da sociedade colonial. Como já foi dito anteriormente,
o índio era a força motriz da colônia, dessa maneira, o Diretório veio conformar os
interesses, tanto da metrópole, quanto dos colonos, com relação ao acesso ao braço
indígena.
Ao analisar o censo de 1778, o autor aponta que os índios continuaram sendo
aqueles que moviam a vida do Vale Amazônico através dos seus trabalhos, mas também
estavam inseridos em uma sociedade marcada por diferenças étnicas. Os ofícios que
eram ocupados pelos indígenas, conforme o censo, revelaram o lugar intermediário
ocupado por estes na sociedade colonial. Portanto, para Mauro Coelho (2016), o
Diretório demarcou a inclusão dos indígenas em uma ordem hierárquica.
O Diretório, para este autor, constituiu a origem do seu próprio mal, pois,
concedeu às populações indígenas a sua inserção no universo colonial português,
permitindo a ascensão de chefias indígenas que passaram a competir com as chefias
coloniais. Mesmo que mantivesse a maioria dos indígenas em uma condição subalterna,
o Diretório não evitou que se integrassem (o que era um dos seus objetivos); contudo, a
administração colonial não contava que essa integração possibilitasse o surgimento de
formas de subversão da lei.
O Diretório, abolido em 1798, aumentou ainda mais a opressão sobre as
comunidades nativas, deixando um legado de aldeias decadentes, em razão das revoltas
contra o regime de trabalho, das epidemias e das fugas dos Índios.
Conclusão
As projeções feitas a partir de documentos e de pesquisas arqueológicas
estimam a população indígena, por ocasião da conquista, entre três e cinco milhões de
pessoas, na Amazônia brasileira.
A perspectiva histórica desses povos foi interrompida de forma brusca e violenta
pelo projeto colonial que, valendo-se da guerra, da escravidão, da ideologia religiosa e
das doenças, provocou na Amazônia uma das maiores catástrofes demográficas da
história da humanidade, além de um etnocídio sem precedentes. A igreja, os colonos,
todos queriam transformar os indígenas e trazê-los supostamente para uma vida
mais civil, como se eles não tivessem suas próprias organizações políticas e sociais.
A resistência indígena assumiu diversas formas e estratégias, que iam desde o
confronto direto ou da guerra aberta até uma aceitação tácita da dominação,
quando o contexto assim o exigia. Inclusive, realizando alianças interétnicas e com os
setores marginalizados da sociedade brasileira.
A colonização do Estado do Maranhão e Pará ensejou inúmeros processos de
transformação do espaço. A guerra, a escravização e a coleta das drogas nos sertões do
Pará, o cultivo da mandioca, do cacau; enfim, a implementação de formas de uso
econômico da terra implicou profunda e permanente transformação do espaço. O
processo de colonização ensejou também a possibilidade de rearticulação de
práticas tradicionais dos indígenas, inclusive de uso da terra. Nas aldeias
missionárias e por meio das solicitações de terras em sesmaria – ou seja, através de
mecanismos coloniais de ocupação do espaço – grupos, conseguiram construir espaços
de autonomia por meio do trabalho da terra para si.
Assim, podemos afirmar que os índios se tornaram também construtores da
paisagem amazônica colonial, não só porque intervieram e modificaram o ambiente,
mas também porque o seu trabalho de transformação do espaço por meio da agricultura
foi percebido e reconhecido – ainda que em fragmentos – pelos próprios portugueses.
Desse modo, para além de trabalhadores e escravos, de guardiães das fronteiras,
de pilotos, de remeiros, de aliados nas tropas, de inimigos nas guerras, de fugitivos, os
índios coloniais que viviam na Amazônia foram igualmente lavradores – como tinham
sido, aliás, ao longo do tempo, os seus antepassados.
Não à toa, ainda hoje, uma das grandes questões ligadas aos povos originários
trata-se da questão da demarcação de suas terras. A luta consiste em poder permanecer
em seus territórios, com a devida segurança contra invasores. Além da busca pela
garantia de saúde, proteção ao meio ambiente e preservação de sua cultura.
Sujeitos:
Indígenas — sujeitos ativos, autonomia
Missionários (ordens religiosas, jesuítas)
Colonos
Temas:
catequização, mão de obra e usos da terra (extrativismo vs agricultura)
Políticas indigenistas:
Aldeias missionárias
provisão 1663 -
decreto 1680 - indígenas sob o domínio dos missionários novamente
Diretório dos índios 1757 - 1798 - indígenas sob o domínio dos diretores
processos civilizatórios > catequização (projeto colonial)
ARTICULAÇÃO PORTUGUESA: rivalidade entre missionários e colonos
Conceitos:
“índios cristãos”
“índios amigos e aldeados”
índios de corso ou tapuias bravos (índios inimigos)
agrossistemas
período e espaço: séculos XVII e XVII, período Colonial. Grão Pará e Maranhão
(Amazônia colonial)
início do diretório 1757, fim do diretório 1798.
resistência indígena:
fugas, rebeliões, dissimulação e recusa da disciplina de tempo e de trabalho trazida
pelos portugueses, numa tentativa de impedir a destruição do seu modo de vida
tradicional.
Referências:
A companhia de Jesus e a questão da escravidão de índios e negros. José Alves de
Souza Junior (2012).
Índios Cristãos no Cotidiano das Colônias do Norte. Almir Diniz de Carvalho Junior
(2013).
José Alves de Souza Junior (2010). “Jesuítas, colonos e índios: disputas pelo
controle e exploração do trabalho indígena”. In: CHAMBOULEYRON, Rafael;
RUIZ-PEINADO ALONSO, Jose Luis (orgs.). T(r)ópicos de história: gente, espaço e
tempo na Amazônia (séculos XVII a XXI). Belém: Açaí/PPHIST-UFPA/CMA-UFPA,
2010, pp. 47-64.