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UNIDADE I: INDÍGENAS NO BRASIL (Período

Colonial)
 Contato entre portugueses e indígenas no período
colonial (São Paulo)
 Aldeamentos no Rio de Janeiro colonial
 Legislação Colonial - o Diretório
 Grupos indígenas de Mato Grosso no século XVIII
ÍNDIO TEM HISTÓRIA?

A versão de Varnhagen sobre os índios ficou incorporada na historiografia


brasileira por décadas, tendo como desdobramento o desconhecimento e
preconceito pela população brasileira em relação aos povos indígenas.
Para ele, o Brasil era a extensão de Portugal, por isso, português herói era
o desbravador das terras, o bandeirante paulista.

John Manuel Monteiro (2001) criticou essa historiografia, pois para ele,
“com exceção de poucos estudos, parece prevalecer, ainda hoje, a
sentença pronunciada pelo historiador Francisco Adolfo Varnhagen, na
década de 1850: para os índios, não há história, há apenas etnografia”
Durante muito tempo, os índios tiveram uma participação inexpressiva na
historiografia brasileira. Com as novas tendências teóricas e conceituais
da História e da Antropologia, já não é possível pensar esse processo de
intensas mudanças vivenciadas pelos povos indígenas de forma unilateral,
considerando apenas a ação dos colonizadores e vendo os índios como
massa passiva de manobra. (ALMEIDA, 2009)

Os indígenas são protagonistas na história do Brasil e, assim, é preciso


rever a sua importância e reconhecer a existência das culturas indígenas
e seu devido espaço no processo histórico do país.
QUAL O PROJETO COLONIAL PORTUGUÊS PARA OS INDÍGENAS?
A política indigenista de Portugal dividira os índios em dois grandes grupos
conforme as relações por eles estabelecidas com os colonizadores: os
aliados e os inimigos. Os primeiros reuniam-se nas aldeias coloniais criadas
com a finalidade de incorporá-los ao Império português como súditos
cristãos; enquanto os últimos deviam ser vencidos em guerras justas que
legitimavam sua escravização. (ALMEIDA, 2013)

Toda a legislação tinha por base diferenciar os indígenas, classificando-os


em índios aldeados e aliados dos portugueses e índios inimigos, livres,
soltos na mata, em função dos quais se trabalhou para convencer os
mesmos a se aldearem, para não serem perseguidos e mortos.
Pelo olhar do cronista as sociedades indígenas, dividindo-as em “Tupis” e
“Tapuias” (aliados/inimigos) de forma a consolidar os objetivos de
dominação do projeto colonial português no Brasil. (MONTEIRO, 2001)

Os indígenas que se tornavam aliados dos portugueses necessitavam ser


convertidos à fé cristã, enquanto os “índios bravos” deviam ser subjugados
de forma a garantir o seu processo de catequização. Os índios pacificados,
estariam sofrendo o processo de assimilação e logo estariam incorporados
a sociedade, homogeneizados e não mais diferentes. O “índio bravo”
precisaria ser tutelado pelo poder estatal para ser inserido no mundo
moderno. (OLIVEIRA E FREIRE 2006).
CONTATO ENTRE PORTUGUESES E INDÍGENAS NO PERÍODO COLONIAL
(SÃO PAULO)
Os portugueses em suas relações com os índios tentaram impor diversas
formas de organização do trabalho e defrontaram-se com atitudes
inconstantes que oscilaram entre a colaboração e a resistência. Todas
tiveram impacto negativo sobre as sociedades indígenas contribuindo
para seu declínio demográfico.
Ao chegar a São Vicente, os primeiros portugueses reconheceram de imediato a
importância fundamental da guerra nas relações intertribais. [...] Considerando
o estado de fragmentação política que imperava no Brasil indígena, as perspectivas de
conquista, dominação e exploração da população nativa dependiam
necessariamente do envolvimento dos portugueses nas guerras intestinas, através
de alianças esporádicas... (MONTEIRO, 1994, p.24)
O “ciclo de caça ao índio” teria constituído apenas uma fase preliminar
e de importância menor das atividades bandeirantes, na qual os
paulistas teriam fornecido escravos índios para os engenhos de açúcar
do nordeste. (MONTEIRO, 1994)

Para os Jesuítas, todos os índios trazidos à São Paulo deviam ser


integrados aos aldeamentos, sendo posteriormente repartidos entre os
colonos para serviços periódicos. Os colonos defendiam a posse e
administração direta destes índios, alegando que prestavam um
impagável serviço a Deus, ao rei e aos próprios índios.
Resistindo à opressão dos senhores os índios resistiam à ordem a
que estavam submetidos de todas as maneiras possíveis.

Nos últimos anos do século XVII, os índios alforriados contribuíram


para expansão de uma população de condição incerta, entre a
escravidão e a liberdade.

Os remanescentes dos milhares de índios escravizados pelos


paulistas ao longo dos anos, recompensados com a liberdade, não
conseguiram recuperar sua identidade indígena, antes passando a
engrossar as legiões de brancos e mestiços pobres que constituíam a
maioria da população rural no período.
ALDEAMENTOS NO RIO DE JANEIRO COLONIAL
Fundada em 1565, ligada à Capitania de São Vicente (SP), a cidade do
Rio de Janeiro tornou-se logo capitania real, incorporando sertões e
povos através da criação de aldeias indígenas. Região conquistada após
violenta guerra contra os franceses e os índios tamoios, a criação das
aldeias coloniais foi elemento essencial no processo de ocupação,
garantindo e expansão dos territórios administrados pela Coroa
portuguesa.

A política de aldear índios tinha por objetivo, na prática, transformá-los


em uma força de trabalho habilitada e espoliá-los de grandes
extensões de terras. (ALMEIDA, 2013)
No Rio de Janeiro, buscava-se concentrar e sedentarizar os índios,
torná-los produtivos, mão-de-obra de agentes do Estado, de
missionários e colonos que os instruiriam nos ofícios e os submeteriam
às leis, e constituíam a principal força militar para ocupar e defender os
territórios da Coroa Portuguesa, cumprindo o papel de instituições de
fronteira.
Ao analisar os aldeamentos no Rio de Janeiro, Maria Celestino (2013)
nos mostra em seu estudos que os índios não desapareceram, mas
integraram-se na colônia, transformaram e lutaram por seus direitos.
Um dos espaços por excelência de inserção dos índios na sociedade
colonial e, consequentemente, de redefinição de suas identidades e
culturas.
As aldeias indígenas do Rio de Janeiro foram extintas no decorrer do
século XIX, até esse período, os índios ainda lutavam para garantir o
mínimo de direitos que a legislação lhes permitia.

Ao contrário do que costumava ser sugerido pela historiografia


brasileira, as aldeias não foram efêmeras, nem tampouco simples
espaços cristãos e portugueses nos quais os índios ingressavam para
sofrer passivamente um processo de perdas culturais que os levariam à
perda da identidade indígena. Tal como em várias outras regiões do
Brasil e da América, os povos indígenas do Rio de Janeiro foram sujeitos
históricos dos processos históricos nos quais se inseriram. (ALMEIDA,
2013)
LEGISLAÇÃO COLONIAL – O DIRETÓRIO
A metade do século XVIII foi implantada uma política de rigorosa
laicização do Estado, implicando a expulsão de ordens religiosas, o
controle de agentes em contato com as populações indígenas e o
confisco de suas propriedades. A figura central foi o Marquês de Pombal.

No contexto dos conflitos territoriais entre os impérios espanhol e


português, emergiu o Diretório dos Índios, uma política que pretendia
incorporar as populações indígenas nas ações de ocupação e defesa dos
territórios coloniais lusitanos, através de um programa de transformação
dos nativos em verdadeiros católicos fieis e súditos leais ao rei de
Portugal. (OLIVEIRA E FREIRE, 2006)
O Diretório foi Implantado no Brasil pelo governador do Maranhão e
Grão-Pará Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Ao impor as condições
para a liberdade indígena, o Diretório dos Índios traduziu uma síntese de
rupturas e continuidades com a política indigenista até então aplicada na
América portuguesa.

O Diretório foi homologado em 1758 pelo Marquês de Pombal em toda


América Portuguesa, que determinou a extinção dos aldeamentos,
transformando estes em vilas e freguesias, acabou com o privilégio
religioso no trato dos indígenas, que seriam engajados como
trabalhadores sob os cuidados de um diretor, até estarem incorporados e
miscigenados com a sociedade colonial luso-brasileira. (OLIVEIRA e
FREIRE, 2006)
Conforme Celestino Almeida (2013):
A política básica do Diretório era assimilacionista:
Visava transformar os índios em vassalos do rei, acabando com os
costumes indígenas ainda existentes nas aldeias e com as discriminações
contra os índios; Transformava as aldeias em vilas e lugares portugueses,
para acabar com os costumes nas aldeias, incentivando a presença de
brancos em seu interior e os casamentos mistos; Proibia a discriminação
contra os índios, a partir de então habilitados para todos os cargos,
mantendo-os, contudo, nas condições de aldeados, sujeitos ao trabalho
compulsório e subordinados à tutela do diretor.
As leis se fizeram inicialmente para o estado do Grão-Pará e
Maranhão, tendo sido depois estendidas ao resto do Brasil: a Lei das
Liberdades de 1755 (sobre a escravidão de índios, declarando todos os
índios livres, exceto aqueles sujeitos à “Guerra Justa”), a dos
Casamentos e a do Diretório, entre outras, se complementavam.
(ALMEIDA 2013).

A implantação do Diretório enfrentou grandes problemas. No Pará,


entre 1779 e 1781, as epidemias de varíola e sarampo mataram mais
de 15.000 índios.
O Diretório vigorou no Brasil por 40 anos, como um artifício
jurídico-político para possibilitar a aplicação das leis de liberdade
formuladas pela coroa portuguesa, e foi revogada em 1798,
trazendo uma desorientação legislativa que abria o espaço para a
livre utilização dos indígenas pelos colonizadores.

A ausência de uma política indigenista de caráter geral que só seria


estabelecida em 1845, com o Regulamento das Missões, não
impediu que a política assimilacionista fosse mantida e incentivada,
dando sequência às propostas de Pombal.
GRUPOS INDÍGENAS DE MATO GROSSO NO SÉCULO XVIII
Mato Grosso teve seu espaço colonizado na primeira metade do século
XVIII tendo à frente os bandeirantes de São Paulo, que visavam a
expansão de suas fronteiras, riquezas minerais e preação indígena.

Apoiados por um contingente de índios Tupi aliados e submissos, os


bandeirantes paulistas chegaram a oeste até Mato Grosso, atacando
cidades espanholas e preando milhares de índios. (MONTEIRO, 1992)

“O apresamento dos indígenas só era possível através dos ataques e


lutas” (VOLPATO, 1985, p. 46).
As bandeiras paulistas, no início do século XVIII, atingiram as minas de
Cuiabá; a descoberta do ouro transformou os rios pantaneiros em
caminhos das Monções. (COSTA, 1999)

Em 1719 foi fundada Cuiabá, vinculada à capitania de São Paulo, criando


a Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá em 1727. Desmembrada de
São Paulo, a Capitania de Mato Grosso e Cuiabá foi criada em 1748, com
a nomeação do primeiro governador Antônio Rolim de Moura. Vila Bela
da Santíssima Trindade, na margem do Rio Guaporé, foi sede de governo
em 1752 (ponto estratégico contra os avanços dos espanhóis). Tradado
de Madrid de 1750 – ocorreu para definir os limites das colônias da
Espanha e Portugal.
O “marco fundador” de Mato Grosso foi a “escravização” indígena, por
meio das “guerras justas”. Os primeiros contatos dos indígenas em Mato
Grosso com as Bandeiras, apareceu como o uso do trabalho indígena,
como a preação de índios para suprimento da necessidade de mão de
obra escrava nas lavouras de São Paulo.

“A capitania de Mato Grosso e Cuiabá se formou à custa da conquista dos


territórios indígenas das diversas nações que a ocupavam à época das
bandeiras e expedições colonizadoras...ocasionando a
desterritorialização de inúmeras populações indígenas”. (ROCHA, 2016,
p.84,105)
Monteiro (1994, p.89) evidencia a participação dos indígenas
nas “fileiras das expedições, executando serviços essenciais nas
funções de guias, carregadores, cozinheiros e guerreiros”.

Nas brechas existentes ou mesmo forçadas, os indígenas


também educaram a sociedade local, conhecedores da
hidrografia, fauna, flora do sertão oeste expressaram a força dos
saberes não colonizados e que foram base para toda a
empreitada da colonização ocidental.
A RESISTÊNCIA INDÍGENA NO MATO GROSSO COLONIAL
As relações estabelecidas entre os colonizadores e os povos indígenas,
estavam extremamente ligadas a políticas mantidas por ambos, sejam
elas de ataques, fugas, ou de alianças. Esse processo percorreu
décadas no século XVIII e atingiu diversos grupos indígenas em Mato
Grosso.

Segundo Volpato, “ora os índios conseguiam várias vitórias sucessivas


e expulsavam os brancos de suas terras, ora os colonos conseguiam
impor sua superioridade bélica e empurravam os indígenas para o
interior” (1985, p. 48).
Da mesma forma que em outras regiões do país, o aldeamento de
indígenas na Capitania de Mato Grosso teve por objetivo a realização do
projeto colonial, pois garantia a conversão, a ocupação do território, sua
defesa e uma constante reserva de mão-de-obra para o
desenvolvimento econômico da frente colonizadora.

Os conquistadores investiram com interesse de aprisionar e cativar


indígenas, devastando de forma violenta os seus aldeamentos
reduzindo a menos da metade a sua população. (ROCHA, 2016)
Dentre os indígenas que bravamente lutaram em defesa do seu
território, estão aquelas etnias que habitavam as margens dos rios, como
os Caiapós, os Paiaguás, os Guaicurús e os Bororos, devido à sua valentia
e altivez, uma vez que possuíam organização e agilidades em suas táticas
de guerrear.

A defesa indígena em Mato Grosso era do povo Paiaguá, senhores do rio


Paraguai, ofereciam uma valente resistência a todos os que
ultrapassassem suas fronteiras, umas das nações mais determinadas na
defesa do seu território. O Pantanal talvez seja um dos poucos lugares
onde uma nação indígena pode reconquistar e dominar, por quase dois
séculos, uma região já possuída pelo conquistador europeu. (COSTA,
1999)
Os Pareci resistiram ao processo colonizador ao seu modo: “a memória
refaz a identidade do grupo e mobiliza as técnicas de sobrevivência com
esta sociedade de brancos. No decorrer da sua história, feito escravos e
extorquidos por séculos, os Pareci ressignificam uma nova existência,
afirmando a sua identidade indígena”. (CANOVA, 2003)

Em Mato Grosso, a certeza do progresso permitiu a Rolim de Moura


(governou Mato Grosso entre 1751 a 1764) pensar o futuro dos índios
com otimismo. Para o governador, os índios deveriam passar do estado
da natureza ao estado da cultura, aquela que se assemelhasse à sua, ou
seja, a cultura europeia erudita e posta no maior degrau da evolução
humana (Diretório dos Índios - 1757 a 1798).

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