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Relatório
GUERRAS do Brasil. Direção de Luiz Bolognesi, 2019. 1 vídeo (26 min). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=VeMlSgnVDZ4. Acesso em: 17 jun. 2021.
Se por um lado o amparo legal da guerra justa servia como aliado dos colonos, por
outro, o número desproporcional de cativos ilegais contribuía para um dilema jurídico. Para
resolver tal problema, os colonos logo trataram de institucionalizar seu aporte ideológico que
dava contorno à escravidão indígena na capitania paulista, resultando numa administração
particular que mantinha e regulamentava as relações de escravidão vigentes. Essa
administração tinha um caráter tutelar que lhes garantia o direito de exercer total domínio
sobre os indígenas, considerados incapazes de administrar a si mesmos, sem que isso fosse
compreendido como escravidão em termos jurídicos. Outro fator contribuinte na manutenção
dessas relações de escravidão era a tradição histórica do “uso e costume”, muito utilizada nos
testamentos para justificar a posse e herança dos cativos. Isto configurava um paradoxo diante
das leis régias que determinavam a alforria de todos os indígenas, e era muitas vezes
reconhecido em testamentos do século XVII. A manutenção desta ordem paralela à legislação
da Coroa se dava principalmente a partir da justificativa de que os paulistas prestavam um
grande serviço a Deus e aos reis, até mesmo aos próprios indígenas. Ao longo do século, a
predominância do apelo ao “uso e costume” se tornou tradicional.
Monteiro observa que as razões dos conflitos entre colonos e jesuítas transcendiam a
questão da liberdade indígena, baseando-se essencialmente na disputa política entre essas
potências poderosas. Mais do que acesso à mão de obra indígena, os colonos almejavam
dissipar a organização jesuítica que adquiria cada vez mais poder, expandindo seu domínio
sobre os aldeamentos, como grandes proprietários de terras. Os aldeamentos, por sua vez,
eram passíveis de contestação que fomentavam as investidas dos colonos contra os jesuítas.
Mais precisamente o caso de Barueri, cuja condição jurídica não se mostrava absolutamente
clara. Visto que os conflitos entre essas duas forças eram norteados pelo interesse nos
crescimentos político e econômico, as fortes tensões são devidamente justificadas. A começar
por Barueri, cuja administração foi tomada pela Câmara após forte pressão por parte dos
colonos em 1632, servindo como o que o autor considerou, junto à disseminação do breve de
1639, um dos precedentes do ocorrido em 1640. Nove anos após a expulsão dos jesuítas, a
justiça colonial recebeu uma relação que enumerava as causas pelas quais eles haviam sido
expulsos. Apesar disso, os jesuítas foram readmitidos treze anos mais tarde, mediante acordo
que consistia na abdicação do litígio sobre o ocorrido em 1640 e, também, do breve de 1639,
dissolvendo assim a ferramenta jurídica sobre a qual os jesuítas se amparavam contra os
colonos. Em troca, estes últimos restituíram o Colégio de São Paulo. Embora tivessem seu
acesso restringido pelas condições impostas para seu restabelecimento na capitania, os
jesuítas seguiram como grandes proprietários de terra, contando ainda com os aldeamentos de
Embu e Carapicuíba, acrescentando-se as doações da Fazenda Santana e de Araçariguana.
Em suma, o que o autor esclareceu no texto foi o esforço imensurável que colonos e
jesuítas, cada qual no seu viés ideológico, empreenderam para institucionalizar a escravidão
dos indígenas, de modo a contemplar as práticas já assentadas na sociedade paulista. Com
isso, a carta régia foi nada menos que uma mera distinção formal do que até então era
entendido como escravidão e expressamente proibido por lei, tornando-se, assim, um aparelho
institucional legítimo.