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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
TH522 – HISTÓRIA DO BRASIL I (2020.2)
DOCENTE MARGARETH DE ALMEIDA GONÇALVES
DISCENTE SULAMITA F. RANGEL LOPES 2016265548

Relatório 3

Ronaldo Vainfas

Capítulo VII: “Inquisição, moralidades e sociedade colonial”

Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil.

Rio de Janeiro, 1997.

VAINFAS, Ronaldo. Inquisição, moralidades e sociedade colonial. In: ________. Trópico


dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1997. p. 279-302.

Cassio Bruno de Araujo Rocha

Capitulo IV: Resistência de mulheres brancas, mulatas, mamelucas e negras como práticas de
liberdade.

Masculinidades e Inquisição: gênero e sexualidade na América Portuguesa.

São Paulo, 2016.

ROCHA, Cassio Bruno de Araujo. Resistência de mulheres brancas, mulatas, mamelucas e


negras como práticas de liberdade. In:_________. Masculinidades e Inquisição: gênero e
sexualidade na América Portuguesa. São Paulo: Paço Imperial, 2016. p. 189-236.
Embora não houvesse sido instalado um tribunal do Santo Ofício no Brasil, seu poder
não deixou de se fazer sentir pelos moradores da Colônia. No texto, Vainfas explica como a
máquina inquisitorial operava mesmo à distância, contando com um aparelho institucional
poderoso e determinante nesse processo: a Igreja. Esta utilizava seus dois principais
mecanismos para que se fizesse ressoar o poder inquisidor em toda a população, sabendo
serem estes as visitas diocesanas e, principalmente, as confissões sacramentais. Segundo o
autor, o primeiro tinha como objetivo coletar denúncias de crimes heréticos e, o segundo, era
uma prática usual, periódica e obrigatória, e reforçava a manutenção do poder da Inquisição
valendo-se do recurso da imposição da fé cristã.

A atuação formal do Santo Ofício no Brasil foi consolidada pelas visitas de Heitor
Furtado de Mendonça à Bahia e Pernambuco, em 1591-1595. Apesar de ter sido instruído a
executar funções limitadas à inspeção e julgamento de bigamia, blasfêmia e culpas menores, o
visitador agiu de forma arbitrária às ordens do Conselho Geral. Ainda mais, nos conta o autor,
fez uma espécie de esboço do autor da fé por meio das procissões, cujo objetivo era dar uma
lição aos ditos pecadores, fazendo com que o medo e o terror penetrassem o imaginário da
sociedade; Não obstante, essas breves reproduções dos autos realizadas na colônia cumpriram
plenamente seu papel de coagir e induzir a população a cooperar com o poder. Esses fatos
precederam, assim, a posterior atuação direta da Igreja, cujas atribuições se tornaram cada vez
mais abrangente em relação aos crimes de foro inquisitorial, para além de seu próprio ofício.
A organização eclesiástica ganhou mais força, uma melhor organização e forte influência
sobre a sociedade colonial, tratando cada vez mais de averiguar os crimes heréticos e
estabelecer uma ordem por meio da coerção. Além disso, o tempo da graça era um fator
aliado às práticas do Santo Ofício, uma vez que garantia certa indulgência aos que se
confessassem ou delatassem os crimes alheios.

Instaurada a atmosfera do medo, já não havia mais necessidade das visitas diretas,
sendo estas reduzidas em meados do século XVII e dispensadas posteriormente. A Igreja
desempenhava o papel inquisidor de tal modo, que sua diferença do Santo Ofício era quase
imperceptível, salvo por algumas questões teóricas esclarecidas pelo autor. Desse modo, o
poder eclesiástico desempenhava a função inquisidora de envolver a população nesse clima de
medo de punição. Isso favoreceu o rompimento das uniões entre as pessoas, que viviam à
espreita uns dos outros, a fim de delatar suas infrações para diminuir sua própria culpa. Vários
foram os relatos de acusações expostos pelo autor, tão desproporcionais às confissões,
segundo os registros disponíveis. Em suma, o que caracterizava a ação da Inquisição era
justamente a segregação da população, influenciada pelo medo da punição. Sendo assim, a
dissolução da solidariedade constituía um fator determinante para a expansão do poder
católico, permeando todos os aspectos da sociedade.

Em contraste com esse clima de desunião instaurado entre os moradores da colônia, há


um aspecto interessante apresentado por Cassio Bruno Araujo de Rocha em seu capítulo
“Resistências de mulheres brancas, mulatas, mamelucas e negras como práticas de
liberdade.”. Segundo o autor, os crimes delatados e confessados pelas mulheres da colônia
representavam justamente a execução da liberdade inerente aos preceitos patriarcais da
sociedade colonial. Relatos de sodomia entre mulheres configuravam, segundo o autor, uma
subversão de gênero, pois desestabilizava o sentido imposto pelos moldes sociais da Igreja à
população. Rocha perpassa o conceito de “performatividade de gênero” de Judith Butler para
explicar como as mulheres, ao se relacionarem sexualmente entre si, subvertiam os papel
social a elas imposto. Diversos relatos de mulheres bígamas mostram como estas conseguiam
burlar o sistema patriarcal em busca de seus objetivos. Essas práticas de liberdade eram
empreendidas dentro do próprio sistema. Práticas de sodomia e bigamia constituíam crimes
heréticos abomináveis aos olhos do Santo Ofício. Além disso, muitas mulheres que detinham
conhecimentos de propriedades curativas de plantas eram concebidas como bruxas. Essa
rotulação, embora pejorativa nesse contexto, garantia certo prestígio a essas mulheres, uma
vez que projetava nelas uma figura temível por conta de seus saberes “ocultos”. Muitas
mulheres eram auxiliadas por estas bruxas, seja para resolver casos de relacionamento
fracassado, seja para vingar-se de maus tratos por conta dos maridos. Isso representava, em
certa medida, estratégias revolucionárias que escapavam ao poder patriarcal. Em suma, o que
autor expõe no capítulo aqui tratado é a existência de uma rede de apoio mútuo entre as
mulheres. Nesse sentido, havia então, no período colonial, um universo feminino
impenetrável aos homens, configurando assim um conjunto de práticas de liberdade
alternativas ao modelo social vigente.

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