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Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Instituo de Ciências Humanas e Sociais

Departº de História e Relações Internacionais

TH509 – História Medieval I 2020.2

Docente Drª. Carolina Gual da Silva

Discente Sulamita Francelino R. Lopes 2016265548

3ª Avaliação

O Manual para meu filho, escrito por Dhuoda em Uzèz, em meados do século IX entre
841 e 843, é uma obra literária possivelmente enquadrada no gênero “espelho de príncipe”,
tendo em vista seus aspectos educacionais, submetidos aos moldes morais cristãos da época.
Entretanto, a peculiaridade desta obra consiste na pessoalidade com a qual é escrita,
estritamente preocupada com a formação ética, política, moral e religiosa de um único nobre,
o filho da autora. Além disso, é importante mencionar a não autoria clerical desta produção, o
que a diferencia das demais obras do gênero. Ademais, o fato de ser escrita por uma mulher já
merece grande destaque, uma vez que a imagem da mulher subserviente é constantemente
reforçada em produções referentes ao medievo. Filha de Sancho Lopez I, duque de Gasconha,
e Aznárez de Aragão, Dhuoda foi uma nobre franca nascida no início do século IX. Casou-se
com o marquês Bernardo de Gothia, primo de Carlos Magno, em junho de 824, com quem
teve dois filhos, Guilherme e Bernardo. Ao primeiro filho que a obra aqui referida é dedicada.

A obra é escrita pouco após a morte do imperador Luís, o Piedoso, filho de Carlos
Magno. Como é possível compreender, a partir das palavras da autora, o período foi de fortes
tensões e batalhas oriundas da disputa pela sucessão ao trono. É sabido, portanto, que estes
conflitos contribuíram para o enfraquecimento monárquico e sua consequente fragmentação
pelo Tratado de Verdun (843) assinado pelos netos de Carlos Magno. Esta medida dividiu o
Império Carolíngio em três partes, cada uma correspondendo a um dos herdeiros. Dhuoda
estava situada na terça parte carolíngia governada por Carlos, o Calvo, ao lado ocidental dos
francos, ou seja, o que corresponde à França, atualmente. Ao saber da futura nomeação de
Guilherme pelo rei Carlos, ela tratou de elaborar tal Manual para sua formação, com um
compilado de instruções pautadas nos preceitos cristãos, ainda que ela mesma não fosse uma
seguidora assídua e se considerasse errante, pecadora ou não digna, mas também continha
todo o conhecimento que ela detinha a respeito da conduta ideal de um nobre num contexto
feudal.

As orientações do Manual de Dhuoda estão assentadas no princípio de fidelidade,


tanto a Deus quanto – e principalmente – ao rei. Este princípio é característico do Sacro
Império Romano, cujo sistema feudal tem como elemento fundamental o “juramento de
fidelidade”, espécie de compromisso mútuo entre o vassalo e o senhor feudal, no qual o
primeiro promete fidelidade incondicional ao rei e este, lhe concede alguns recursos militares
e/ou feudos e proteção. Essa relação de vassalagem caracterizou o período medieval e, a partir
do conhecimento desta realidade, é possível apreender o sentido da preocupação da autora em
enfatizar a importância de tal elemento na conduta de seu filho. O contexto da realidade
feudal é brevemente refletido nas palavras de Dhuoda, nas quais pode ser atestada a forte
presença religiosa e a estrita ligação que esta tem com o Império, ou melhor, a sobreposição
deste último à primeira. A subordinação e devida reverência ao Rei é, sem dúvidas, o primeiro
princípio básico da conduta social do jovem nobre medieval, assim como se espera de toda a
sociedade num contexto de sistema monárquico. Somado a isso, a ferramenta legitimadora do
poder real faz-se presente também nas palavras de Dhuoda, ao demonstrar devoção ao seu
senhor, cujo poder fora divinamente abençoado e guiado. Nesse sentido, a associação entre
Igreja e poder monárquico fica evidente nestas linhas. Além disso, há uma imensa
preocupação em garantir o sucesso da conduta de seu filho não somente no plano social e na
vida pública, mas também em termos de vida eterna, segundo os ensinamentos cristãos. Dessa
forma, o Manual transcende a categoria de guia prático de conduta ética e moral, para tanger o
próprio caminho da salvação.

Além dos elementos políticos e religiosos que podem ser apreendidos da época por
meio das palavras de Dhuoda, é cabível conferir considerável prestígio à disposição da autora
em dedicar-se ao processo educativo de maneira ativa, com os recursos que lhe eram
possíveis. Ao escrever o Manual, Dhuoda institui um novo paradigma em termos de formação
moral, política e religiosa do sujeito. A atipicidade desta produção, como já mencionado
anteriormente, está no fato de ser escrito por uma mulher laica do período altomedieval. Sua
leitura, portanto, equivale não somente à uma apreciação literária, mas também à uma análise
historiográfica de uma espécie de tratado pedagógico.
A partir do que foi exposto, é possível compreender parte do que foi a organização da
sociedade feudal no período carolíngio, suas implicações na vida individual de cada pessoa
nela inserida, principalmente de um nobre, cuja individualidade refletia a configuração geral
do Império e era realizada em função deste. Pode-se concluir, portanto, que os trechos
destacados do Manual, referem-se a um conjunto de orientações éticas e políticas para a
formação de um nobre carolíngio, norteados pelos ensinamentos cristãos, absolutamente
influentes e até mesmo obrigatórios, num contexto fortemente marcado pelo desenvolvimento
da vassalagem e a transição das periodizações convencionais da Idade Média.

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