Você está na página 1de 18

Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio

Tema Integrador de Ciências Humanas: Relações de Poder


Unidades curriculares: Filosofia I e História I

O Nome da Rosa
Um estudo das relações de poder e das Tecnologias
de Informação e Comunicação do Medievo europeu

Existe uma grande distância nos separando da


Europa medieval. Além dos dez mil quilômetros de Oceano
Atlântico entre nós e o subcontinente europeu, o Medievo
se afasta entre quinhentos e mil e quinhentos anos no
tempo, considerando seu início e seu fim, respectivamente.
Porém, distanciamento maior que o tempo ou o espaço nos
são colocados pelos mitos a respeito deste período,
sobretudo, aquele que o interpreta como a “Idade das
Trevas” e que foi construído entre o Renascimento e o
Iluminismo. O Romantismo do século XIX criou o mito
oposto, nutrindo uma nostalgia e exaltação do período
medieval, que estiveram associadas à construção de
identidades nacionais à crítica ao racionalismo exaltado do
Império napoleônico.
Ainda assim, o mito das trevas e do obscurantismo
tendeu a prevalecer no senso comum, na memória coletiva,
e no ensino de História e Filosofia. Por outro lado, o estudo
do Medievo europeu avançou muito no último século,
sendo o carro-chefe na proposição de temas, métodos,
revisão de conceitos e diálogo interdisciplinar que
revolucionou a historiografia a partir dos estudos da Escola Torre e scriptorium de San Salvador de Tábara, na
Espanha. A imagem do século X mostra a influência
dos Annales. Além disso, como veremos, é nos séculos finais da cultura moura na arquitetura moçárabe. Na
do Medievo europeu que uma série de crises estruturais deu Espanha, foram feitas muitas traduções e cópias de
início à construção das bases do próprio Renascimento e da textos do árabe para o latim, incluindo obras de
Modernidade como um todo. Nosso objetivo neste texto é autores que escreveram em grego ou siríaco e que
contribuir para nos aproximarmos um pouco mais da Europa haviam sido traduzidos e preservados em árabe. O
trabalho de tradução e cópia de texto foi uma
medieval, tanto no sentido de conhecer e compreender o importante esforço de resgate, preservação e
pensamento e as visões de mundo específicas da época, transmissão dos conhecimentos durante o
como no sentido de observar características que nos Medievo.
identificam com aquele universo, sobretudo, no campo das Fonte da Imagem: Domínio público,
relações de poder entre os diversos atores políticos. https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=71118894
Para nos aproximarmos desse mundo hoje tão distante e conseguirmos compreender a visão de
mundo e o pensamento filosófico dos homens daquela época, a literatura pode ser uma ferramenta bastante
útil. Para este trabalho, foi selecionado o livro O Nome da Rosa, de Umberto Eco, que oferece uma rica
ambientação e boa base documental para a construção dos enredos. Também recomendamos a leitura de
O pêndulo de Foucault, do mesmo autor, que é citado aqui em menor medida. Nosso objetivo é estudar a
história e a filosofia da Europa medieval a partir do tema integrador “Relações de poder”, investigando a
produção do conhecimento a partir das relações políticas envolvendo a religião e a ciência, em especial, as
tecnologias de informação e comunicação. Para isto, é necessária uma apresentação geral dos atores
políticos e das disputas territoriais e fronteiriças que marcaram a Europa entre a desagregação do Império
Romano e as Grandes Navegações. Como estudo de caso mais específico, veremos de que forma o princípio
da pobreza de Cristo teve influência nas disputas políticas e teológicas dos séculos XIV a XVI na Europa.
Compreender a política medieval demanda relacionar o poder espiritual (clero) e o poder temporal
(nobreza), definindo suas atribuições no governo da Cristandade, seus conflitos e interdependências.
Estudar esses conflitos entre clero e nobreza pode lançar novas luzes sobre um obscuro período, ainda
considerado por muitos uma “Idade das Trevas”, e perceber que a Cristandade também pode ser entendida
como uma unidade política ameaçada de fragmentação. A Igreja Católica também influenciou a construção
das fronteiras entre reinos cristãos, a divisão de poder no feudalismo e a noção de território dos impérios
medievais.
De forma análoga à preocupação dos atuais governos e empresas com a segurança da informação
(confidencialidade, integridade, disponibilidade, autenticidade), alguns aspectos desses princípios já se
colocavam como questões para a sociedade medieval, em especial para o clero católico, que virtualmente
monopolizou o conhecimento científico no Medievo. Em O Pêndulo de Foucault, Umberto Eco analisa as
teorias conspiracionistas sobre a preservação e transmissão de segredos da cabala pela ordem guerreira dos
templários, entre os séculos XII e XIV, chegando ao século XX (o livro é de 1989). Já em O Nome da Rosa, o
autor nos convida a conhecer o universo das bibliotecas e a vida nas abadias da ordem beneditina do século
XIV, ao mesmo tempo em que descreve as disputas entre o papa e o imperador e nos apresenta, através do
protagonista, o pensamento de expoentes da ordem franciscana. O estudo em Filosofia e História a partir da
literatura procura apresentar novas perspectivas sobre questões contemporâneas ligadas à produção,
transmissão, acesso e armazenamento de informações e conhecimentos até a era dos sistemas cibernéticos
e informacionais contemporâneos.

Abadia de Monte Cassino, na Itália, fundada por Bento de Núrsia no ano de 529, berço da Regra e da Ordem Beneditina.
O livro O Nome da Rosa é ambientado numa abadia que seguia essa regra.

Fonte da imagem: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=29347


Já vimos que o romance O Pêndulo de Foucault se refere bastante ao cavaleiros templários medievais
e O Nome da Rosa está ambientado numa abadia da Europa medieval. Mas que período histórico é o
Medievo, ou Idade Média? Não há um consenso absoluto entre os historiadores sobre o início e o fim desse
período. A periodização pode ser bastante difícil ou vaga de sentido se considerarmos que ao longo de mais
de mil anos, grandes modificações ocorrem nas estruturas da sociedade europeia. Afinal, a Idade Média foi
um período dinâmico da História, como qualquer outro período pré-industrial. É bastante comum a divisão
em Alta Idade Média (séculos V a X) e Baixa Idade Média (séculos XI a XV), mas mesmo essa divisão não
parece suficiente quando se estuda de forma mais atenta a história europeia desta época. Atualmente, os
historiadores medievalistas identificam várias “idades médias” dentro desse período. Para não
reproduzirmos preconceitos de renascentistas e iluministas, que viram todo o período como uma “Idade das
Trevas”, ou do Romantismo, que idealizou o Medievo como uma época de “superioridade espiritual”,
autoridade e tradição em oposição à “decadência moral e materialista” do mundo contemporâneo,
procuraremos conhecer a Idade Média a partir da periodização mais detalhada proposta por Hilário Franco
Júnior (2001), tal como vemos no box abaixo.

Primeira Idade Média (princípios do século IV a meados do século VIII):


Período em que teve início a lenta interpenetração dos três elementos que são considerados os
“fundamentos da Idade Média” - herança romana clássica, herança germânica e cristianismo.

Alta Idade Média (meados do século VIII a finais do século X):


Período em que se atingiu, ilusoriamente, uma nova unidade política com Carlos Magno, sem
interromper as fortes tendências centrífugas que levariam à fragmentação política feudal.

Idade Média Central (séculos XI a XIII):


Essa é a época do feudalismo, período de expansão populacional e territorial europeia, marcado pelo
crescimento econômico e desenvolvimento da produção cultural.

Baixa Idade Média (século XIV a meados do XVI):


Período de crises estruturais e rearranjos que levariam ao nascimento da Modernidade, representada
pelo Renascimento, pelas Reformas Religiosas, pela Revolução Científica etc.

Na organização acima, percebemos a importância dos conceitos de unidade e fragmentação


territorial, bem como de centralização e descentralização política, para a compreensão das transformações
pelas quais passou a sociedade europeia durante a Idade Média. Grosso modo, podemos associar unidade
ao Império Carolíngio e ao Santo Império Romano-Germânico e fragmentação ao feudalismo. No entanto, o
estudo das relações entre Império e Igreja durante a Idade Média nos mostra que essa simplificação é
bastante reducionista e deixa de considerar uma série de conflitos e jogos políticos envolvendo imperadores,
papas, reis, bispos, senhores feudais, comunas urbanas e aldeias camponesas. Hilário Franco Júnior (2001)
define o jogo político medieval a partir das relações entre aqueles que chama de poderes universalistas
(Igreja e Império), poderes nacionalistas (monarquias) e poderes particularistas (comunas e feudos).
No enredo de O Nome da Rosa, o
conflito que é central no enredo e que é melhor
caracterizado é aqueles entre os poderes
universalistas, isto é, os episódios do início do
século XIV que marcam as relações e disputas
de poder entre o papa João XXII e o imperador
Luís IV, “o Bávaro”. Por isso, é importante
conhecermos um pouco melhor o processo de
formação e desenvolvimento da Igreja Católica
Romana e do Santo Império Romano
Germânico ao longo da Primeira, da Alta e da
Idade Média Central, para que possamos
aproveitar melhor os ensinamentos deste livro
de Umberto Eco sobre a filosofia e a história da
Baixa Idade Média.
Antes mesmo de nos dedicarmos a
O escritor Umberto Eco (1932-2016) em fotografia de Rob
entender as transformações ocorridas na Bogaerts, em 1984, e a capa da edição original do livro O Nome da
Europa ao longo do período medieval, é Rosa, em 1980.
importante entendermos o que caracterizou a
Fonte das imagens:
passagem da Antiguidade para o Medievo. Eco - https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=47166028
Georges Duby (2002) destaca que nesse Livro - https://pt.wikipedia.org/w/index.php?curid=4255008
momento a própria ideia de Europa não existia.
Foi em torno do Mediterrâneo se organizou o Império Romano, ligando o que hoje chamamos de Sul da
Europa, Norte da África e Oriente Médio. Para Duby, houve entre o século V e o século VIII um duplo
movimento de desarticulação desse mundo mediterrâneo. Em primeiro lugar, deu-se o afastamento
progressivo entre a parte latina (Ocidente) e a parte grega (Oriente) do antigo Império Romano.

De fato, é a leste que se encontram toda a vitalidade, toda a riqueza, toda a força, e ali a civilização antiga
prossegue sem rupturas, ao passo que se desagrega a oeste (...), onde o desmoronamento é precipitado
pelas migrações dos povos germânicos. Deste lado, instala-se a desordem por três séculos, durante os
quais se misturam os ingredientes de uma nova civilização. (DUBY, 2002, p.19)

Enquanto o Império Romano do Oriente manteve sua integridade territorial e unidade política,
passando a ser também conhecido como Império Bizantino ao longo do Medievo, a lado Ocidental foi
fragmentado em diversos reinos pelos conquistadores germânicos. A capital bizantina, Constantinopla (ou
Bizâncio), tende a assumir o papel de grande metrópole antes ocupado por Roma. Somente em meados do
século VIII e início do século IX houve o ressurgimento de uma unidade política no Ocidente, com a formação
do Império Franco (ou Império Carolíngio), que renasce no século XII como Santo Império e adota o nome
de Santo Império Romano Germânico no século XIII.
O segundo sentido do movimento de desarticulação do Império Romano destacado por Duby é
interno ao Ocidente, marcado pela supremacia do Sul em relação ao Norte nos séculos V e VI e pela
tendência à inversão dos papéis entre as duas partes ao longo dos séculos VII e VIII. A parte ao sul, próxima
ao Mediterrâneo, era mais romanizada, principalmente nas cidades, que continuam ligadas por uma rede
de estradas e caminhos que estreitam os laços que as unem como comunidade cultural. Embora sejam um
pouco despovoadas por conta das invasões, “continuam vivas, imponentes, com suas muralhas, suas portas
solenes, seus monumentos de pedra, estátuas, fontes, termas, o anfiteatro, o fórum onde se discutem os
negócios públicos, as escolas onde se formam os oradores” (DUBY, 2002, p. 19). Ao norte, uma região de
pântanos e florestas onde as legiões romanas nunca penetraram, vivem os povos germânicos considerados
“bárbaros”, de estilo de vida seminômade, caçadores, criadores de porcos e guerreiros. Poucos desses povos
foram evangelizados nos primeiros séculos de expansão do cristianismo, tendo diferentes costumes e
crenças consideradas pagãs.
As duas culturas tinham um peso desigual. A do Sul, de longe a mais forte, foi ainda revigorada no século
VI pelas incursões que, a partir do Oriente, o imperador Justiniano chefiou. Ele conseguiu repelir por
algum tempo as monarquias germânicas e suas tropas ocuparam de novo a Itália. Em Roma, às margens
do Adriático, em Ravena, ergueram-se em sinal de vitória, como emblemas da reconquista cultural,
edifícios majestosos que ostentavam aquilo em que ia se transformando então a arte antiga sob a
influência do pensamento plotiniano e de uma espiritualidade que, ao recusar a sombra como uma das
manifestações da matéria, condenava a profundidade - e consequentemente o pleno relevo - e era um
convite a esmagar as imagens no espelhado dos mosaicos. (...)
No entanto, as guerras também causaram grandes estragos, e dois incidentes vieram a enfraquecer a
cultura do Sul faca à dos “bárbaros”. Primeiro a peste, que grassou brutalmente na segunda metade do
século VI, e prosseguiu com surtos esporádicos até meados do século VIII. (...) Por outro lado, uma vasta
porção dos territórios meridionais passou para a influência da civilização islâmica. (...) A peste e as
conquistas árabes conjugaram-se para traçar o formato da futura Europa, ao transferir para o centro do
continente os núcleos fortes do poder político e para as margens do mar do Norte os circuitos de troca
mais ativos. (DUBY, 2002, p. 21)

O imperador Justiniano I e a imperatriz Teodora, sua esposa, com seus respectivos séquitos, em murais de mosaicos da primeira
metade do século VI, na basílica de São Vital, em Ravena, Itália.
Fonte das imagens: Fotografias de Paul Williams (https://funkystock.photoshelter.com)

Plotino e o Neoplatonismo
“Tudo é Uno”, com esta ideia, Plotino (204/5 d.C - 270 d.C ) renovou as
ideias platônicas e trouxe novo fôlego ao ideal clássico grego, passados 600
anos da morte do mestre Platão. Plotino é considerado um dos fundadores
do neoplatonismo, conforme nos legou a tradição, algo visto hoje como
anacrônico. Plotino é também um dos mais influentes filósofos da
antiguidade, depois de Sócrates, Platão e Aristóteles e teve sua vida
recenseada pelo também filósofo e discípulo, Porfírio. Desta forma, Plotino
tornou-se o filósofo antigo que mais temos informação. Plotino é mais
conhecido por sua Magnum Opus intitulada Enéadas, que é um tratado que
abrange quase todas as áreas da filosofia, discutindo questões que vão da
ética, filosofia natural e cosmologia e tocam em questões de psicologia e
epistemologia. Cabe salientar que o termo 'Neoplatonismo' é uma
invenção do início do século XIX, por isso - como citado no início do texto -
é anacrônica, não fazendo sentido para os autores da época, pois
consideravam-se apenas continuadores das ideias de Platão.
Porfírio, filósofo e autor da
Plotino contribuiu de forma original de duas formas para a tradição
obra A Vida de Plotino, em
filosófica, e, mesmo que não fosse sua intenção dizer coisas
gravura do século XVI.
fundamentalmente novas (pois se considerava apenas um continuador de
Platão), ficou marcado por essas contribuições. A primeira foi tentar Fonte da imagem: Domínio público,
https://commons.wikimedia.org/w/ind
explicar o que Platão quis dizer com base no que ele escreveu ou disse ou ex.php?curid=638632
no que os outros relataram que ele havia dito (hermenêutica platônica).
Essa foi a tarefa de explorar a posição filosófica que chamamos de "platonismo". O segundo, foi defender
Platão contra aqueles que, pensou Plotino, o haviam entendido mal e, portanto, o criticaram injustamente.
Como citado no início, a ideia principal de Plotino é a sua tese sobre o “Uno”. Para ele “O Uno é o primeiro
princípio absolutamente simples de todos. É ao mesmo tempo 'auto causado' e a causa de ser para tudo o
mais no universo.” O “Uno”, pode ser entendido como um conceito tripartite, que contém a unidade, o Um, o
intelecto e a alma. Em suma, a sua tese se baseia no fato de que: “Um axioma central dessa tradição era a
conexão da explicação com o reducionismo ou a derivação do complexo do simples. Ou seja, explicações
definitivas dos fenômenos e das entidades contingentes só podem repousar naquilo que não exige explicação.
Se o que é realmente procurado é a explicação para algo que é de uma maneira ou de outra complexa, o que
justifica a explicação será simples em relação à complexidade observada. Portanto, por que uma explicação
deve ser diferente dos tipos de coisas explicados por ela? De acordo com essa linha de raciocínio, explicações
que são complexas, talvez de alguma forma diferentes do tipo de complexidade da explananda, precisam de
outros tipos de explicação.” Além disso, uma infinidade de princípios explicativos necessitará de explicação,
caindo no famoso “Trilema de Agripa”. Levado à sua conclusão lógica, o caminho explicativo deve finalmente
levar àquilo que é único e absolutamente complexo, o Uno.

Durante a Primeira Idade Média houve, no Ocidente, um progressivo enfraquecimento político da


região mediterrânea e o fortalecimento da Europa Central, ao mesmo tempo em que o centro comercial
marítimo era deslocado do Mediterrâneo para o mar do Norte, como consequência das invasões germânicas
e árabes dos séculos V a VIII. Esse é o momento de formação do Medievo, marcado pela integração entre
herança latina, cultura germânica e cristianismo e o surgimento de uma nova civilização.
Um conceito interessante para entendermos esse novo mundo que surgia é o conceito de “nação”,
que não tinha inicialmente conotação política, apenas étnica. No Império Romano, natione referia-se apenas
ao local de nascimento do indivíduo e havia a submissão de qualquer pessoa aos costumes locais,
independentemente de sua origem, através do princípio jurídico da territorialidade das leis. No entanto, o
princípio germânico da personalidade das leis prevaleceu até meados do século X, de maneira que cada
indivíduo era regido pelos costumes do seu povo em qualquer lugar em que se encontrasse. Com o decorrer
dos séculos foi-se modificando a ideia de “nação”, que passou a ter caráter geográfico e político, de modo
que o princípio jurídico romano começou realmente retomar força no século XII.
Não podemos exagerar a influência da Igreja católica durante quase toda o Medievo. Como
verdadeira herdeira do Império Romano procurou homogeneizar e controlar a fé dos povos evangelizados
até tornar a Cristandade uma unidade cultural que abrangia um território maior que o do próprio Império
Romano, além de se transformar numa instituição poderosa tanto economicamente (riquezas e terras)
quanto em termos de influência política. Uma característica que o livro A Idade Média: Nascimento do
Ocidente, de Hilário Franco Jr. (2001), destaca com relação a esse primeiro período é o fato de a Igreja
católica estar envolvida em uma contradição, enquanto herdeira e crítica da cultura romana, que acabaria
por embasar o seu poder durante toda a Idade Média.

Ao negar diversos aspectos da civilização romana, ela criava condições de aproximação com os germanos.
Ao preservar vários outros elementos da romanidade, consolidava seu papel no seio da massa
populacional do Império. Desta maneira, a Igreja pôde vir a ser o ponto de encontro entre aqueles povos.
(FRANCO JR., 2001, p. 67)

A partir do século IV a Igreja passa a ser herdeira natural do império, tendo organizado sua hierarquia
com base na hierarquia imperial. Muitos aspectos que consideramos tradicionais hoje até então não existiam
ou não estavam bem definidos, como os critérios para ingresso no clero e as regras da vida religiosa. Por
exemplo, o celibato não era obrigatório, mas era recomendado, sendo ao poucos imposto a todos os clérigos
sob pena de destituição. Foi ao longo do século IV que a Igreja também adquiriu privilégios para a instituição
e seus membros que perduraram durante toda a Idade Média (e mesmo na Idade Moderna, nos territórios
não protestantes): a isenção de impostos e um tribunal próprio. Assim, os membros do clero tinham foro
privilegiado, só podendo ser julgados por seus pares, ao passo que os leigos também estavam sujeitos a
esses tribunais eclesiásticos.
As Basílicas medievais e a herança romana

Antiga Basílica de São Pedro, em Roma, por volta do ano 1450. Gravura de H.W. Brewer
datada de 1891. Sua construção foi iniciada por Constantino I, no local do antigo Círculo
de Nero, que era o local do túmulo do Apóstolo Pedro. O edifício marcou a política
medieval, tanto eclesiástica como secular. A basílica foi placo das coroações papais e
também da famosa coroação de Carlos Magno como primeiro Imperador do período
medieval, no ano de 800. Sua planta (dir.) é similar às dos salões de audiência romanos,
como o Fórum de Trajano.

Fonte da imagem da gravura: Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=230951


Fonte da imagem da planta: Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=518134

“Com efeito, o que subsistia de mais vivo da cultura romana - e da arte antiga -
estava conservado no seio da Igreja cristã, da Igreja latina, esta que não
enveredara pelos desvios heréticos e que venerava o bispo de Roma como
sucessor de São Pedro. No limiar do século IV, quando por decisão do imperador
Constantino deixou de ser uma seita clandestina, suspeita e ocasionalmente
perseguida, e se tornou uma instituição oficial do Império, a Igreja se instalou de
imediato numa posição dominante dentro das estruturas do poder estabelecido,
criando sua hierarquia como um decalque da hierarquia da administração imperial. Em cada cidade o bispo
passou a assumir o essencial das responsabilidades cívicas, erguendo suas próprias armas, intelectuais e
espirituais, face às dos guerreiros. Triunfante, a Igreja apropriou-se de toda a herança cultural da antiga
Roma. Anexou a escola, que era núcleo do sistema de educação organizado (...). Tentou, mal ou bem,
proteger do contágio dos linguajares rústicos aquele bom latim que São Jerônimo utilizava para traduzir a
Bíblia. Assim como os magistrado evergetas cujos lugares ocuparam, os bispos, que por muito tempo foram
todos oriundos das grandes famílias romanas, dedicavam-se, graças à pompa das liturgias, da música e das
artes visuais, a realçar a glória de sua cidade e de seu magistério. (...) Ampliaram os edifícios já existente,
erigiram novos, às vezes no próprio fórum, onde outrora se erguiam templos dos falsos deuses, reutilizaram
elementos de suas estruturas, em absoluta fidelidade às tradições clássicas. Seguindo o modelo das salas
onde os magistrados faziam justiça em nome do soberano, construíram basílicas, longas naves com
corredores laterais que iam confluir na abside onde se erguia a cadeira episcopal” (DUBY, 2002, p. 23-24).
Um elemento importante para a formação e expansão da Igreja foi o sincretismo, isto é, a capacidade
de reunir e harmonizar componentes de diversas crenças. Essa predisposição ao sincretismo tornava a
religião cristã mais facilmente assimilável pelos vários povos que se pretendia converter, mas também abria
caminho a interpretações que discordavam da doutrina oficial dos “Pais da Igreja”, os filósofos do período
que ficou conhecido como Patrística. Assim, a Igreja enfrentava desde seu princípio o que considerava
desvios dogmáticos e que colocavam em perigo a unidade da fé cristã e a própria existência da Igreja: as
chamadas heresias.

Mas, afinal, quem definia o que é uma heresia?


Em primeiro lugar, uma ideia que parecesse herética deveria ser submetida à apreciação do bispo
local, que levaria a questão para debate nas assembleias episcopais que foram realizadas desde o século II,
os sínodos da Igreja local. Após a conversão de Constantino e o reconhecimento oficial da Igreja católica, as
questões mais importantes com relação à doutrina passaram a ser debatidas nos chamados concílios
ecumênicos, nos quais se reuniam bispos de todas as regiões evangelizadas. O primeiro a ser realizado teve
lugar em Nicéia, em 325, para debater sobre o principalmente o arianismo, uma corrente que defendia que
Cristo, sendo criado pelo Pai, era de substância inferior a este. Essa visão foi considerada contrária ao dogma
da Trindade e, por isso, passou a ser
perseguida e condenada. Antes de ser
considerado um fundador de uma
doutrina herética, Ário foi diácono de
Alexandria, o que mostra que as
heresias nasciam de divergências do
interior da Igreja. Também foi em
Nicéia que deu-se a primeira
organização da hierarquia eclesiástica,
das leis canônicas, do dia da Páscoa,
entre outras decisões importantes. São
Jerônimo, Pai da Igreja e responsável
pela principal tradução latina da Bíblia,
considerava que os livros aceitos em
I Concílio de Niceia, c. 1590, afresco na Capela Sistina, Vaticano.
Nicéia como legítimos eram a base para
definir o cânone dos livros que Fonte da imagem: Domínio público,
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=30734368
comporiam os dois Testamentos.

Outro aspecto que é importante observar na formação da Igreja durante a passagem da Antiguidade
para a Primeira Idade Média é a tendência à constituição de uma “monarquia eclesiástica”, isto é a escolha
de um bispo sobre todos os demais bispos. Em Nicéia, o bispo de Roma estava no mesmo nível hierárquico
que os bispos de Alexandria e de Antioquia, sendo cada um a autoridade máxima nas dioceses da Itália, do
Egito e do Oriente, respectivamente. Como era comum haver conflitos e contradições entre os sínodos, a
constituição de um soberano da Igreja poderia evitar ameaças como o arianismo. O bispo de Roma acabou
sobrepondo sua autoridade sobre os demais pelo fato de Roma ser a capital do Império, reconhecida como
centro político e geográfico havia muitos séculos. O bispo de Roma recebeu o apoio do próprio imperador
para ser papa e buscou justificar essa reivindicação a partir da expressão “onde está a Igreja, está Roma”.
Para isso também foi muito importante o uso político de um documento forjado, conhecido como “Doação
de Constantino”, segundo o qual o imperador teria lhe transferido o poder imperial sobre o Ocidente.
Embora o documento fosse sabidamente uma falsificação, como argumenta Richard Southern, não o era no
sentido moderno do termo: “as falsificações constituíam provas documentais de reivindicações
perfeitamente justificadas para o espírito dos que as faziam. [Elas] introduziam a ordem nas confusões a
deficiências do presente” (Apud FRANCO JR., 2001, p. 70)
Para entender melhor a organização da Igreja e do clero é importante também diferenciarmos os
chamados clero secular e clero regular. Ligados ao poder temporal, isto é, submetidos à autoridade dos reis
e senhores feudais, o clero secular era composto por pessoas que queriam servir a Deus, algumas
escolhendo viver isoladas da sociedade e outras com funções públicas, exercendo serviços para o Estado
como ministrar sacramentos, orientar espiritualmente, ajudar os necessitados. Também havia o chamado
clero regular ou seja, composto por aqueles religiosos que seguiam uma regra. No livro O Nome da Rosa,
ganham bastante destaque as ordens religiosas beneditina (fundada na Primeira Idade Média) e franciscana
(fundada na Idade Média Central), que seguem as regras elaboradas por Bento de Núrcia e por Francisco de
Assis, respectivamente. A regra beneditina tem como princípio Orar e Trabalhar (Ora et Labora, em latim -
“orar é uma forma de trabalhar e trabalhar é uma forma de orar”). Assim, mesmo que o protagonista da
aventura, William de Baskerville, seja um monge franciscano, ele segue a regra beneditina enquanto vive na
abadia. A rotina dos beneditinos era rígida e marcada pelos horários das orações. Eles deveriam se levantar
entre as 2h30 e 3h00 da manhã, horário da matinas, ou vigiliae, para receber com seus cânticos o nascer do
sol. A Igreja acreditava contribuir assim o ciclo da Criação, garantindo a luz de cada dia com seus atos de fé.

Podemos entender a Alta Idade Média como a consolidação de uma política que podemos considerar
como característica do Medievo, marcada pelas tentativas de um rei se fazer reconhecido pela Igreja e pelos
outros rei e príncipes como o Imperador. Com Carlos Magno, uma nova unidade política, o Império Franco,
se constituiu no Ocidente, sem interromper as fortes tendências centrífugas que levariam à fragmentação
política feudal, resultado de muitos anos de tensão de conflito. Carlos Magno deu continuidade às obras de
fortalecimento do Reino Franco e aproximação à Igreja que seu pai Pepino, o Breve, havia começado. Pepino,
por sua vez, era filho de Carlos Martel, considerado um salvador da Cristandade por derrotar, em 732, os
muçulmanos na batalha de Poitiers, barrando seu avanço na Europa (já haviam conquista toda a Península
Ibérica). Após expulsar os lombardos das terras que hoje conhecemos como Itália, Pepino as entregou em
751 para a Igreja, além de instituir a cobrança do dízimo para a Igreja em seus territórios. Em troca, a igreja
concedeu a ele o título de rei. Carlos Magno expandiu o reino herdado de seu pai, convertendo os saxões e
ávaros conquistados para a Cristandade. Aproveitando-se do fato de que, por volta de 800, o trono de
Bizâncio (Império Romano do Oriente) foi considerado vago por haver uma mulher no poder, ele foi coroado
Imperador pelo papa na Basílica de São Pedro. Para os bizantinos sua coroação foi ilegítima, uma usurpação,
mas em 812 fizeram um acordo reconhecendo Carlos Magno como legítimo Imperador.

Usando o teu e-mail institucional


(@aluno.ifsc.edu.br) você pode
abrir através desse QR Code uma
animação (GIF) que mostra os
limites territoriais do Reino
Franco, desde seu surgimento
até sua maior expansão
territorial com Carlos Magno e
sua fragmentação posterior.

Mapa representando as diferentes fases de expansão territorial do Reino Franco, depois


Império Franco (ou Carolíngio) que daria origem ao Santo Império Romano Germânico e ao Reino da França.

Fonte da imagem: Shepherd, William. Historical Atlas. New York: Henry Holt and Company, 1911. CC BY-SA 3.0,
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4923893
O Império Franco, ou Carolíngio, era dividido em condados, cada um comandado por um conde
selecionado pelo imperador, todos jurando fidelidade a ele. Para ajudar a fiscalizar todos os condados eram
enviados um leigo e um clérigo, mas por vezes o clérigo que era enviado não cumpria com imparcialidade
suas tarefas. Ainda por cima nas regiões fronteiriças os representantes do imperador recebiam o título de
marquês, mantendo um contato mínimo com o império. Contudo, o imperador acabou ficando com o poder
total apenas com relação à cunhagem de moedas. Assim, buscando confirmar o poder sobre os nobres,
meninos de 12 anos eram obrigados a jurar fidelidade (vassalagem) ao imperador. Posteriormente, o império
acabou sendo dividido entre os três netos de Carlos Magno (Carlos, o calvo, Lotário e Luís, o Germânico) em
843 pelo Tratado de Verdun.

Mas essa prática revelou-se insuficiente para superar a fraqueza estrutural do Império Carolíngio, o que
levou em 843 à sua fragmentação por meio do Tratado de Verdun, assinado entre três netos de Carlos
Magno. Nele aparecia o primeiro esboço do futuro mapa político europeu. Corporificando tendências
anteriores, o tratado estabeleceu dois grandes blocos territoriais, étnicos e linguísticos (dos quais
surgiriam as futuras França e Alemanha) e uma longa faixa pluralista, composta de uma zona de
personalidade definida (Itália do norte), zonas multilinguistas que sofreriam o poder de atração daqueles
primeiros blocos (futuras Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo, Suíça), zonas intermediárias que seriam
objeto de longas disputas (Alsácia, Lorena,Trieste, Tirol). (FRANCO JR., 2001, p. 55)

Com essa primeira fragmentação podemos ter uma ideia de como seria o mapa político europeu,
dividido entre duas grandes zonas com diferenças linguísticas e étnico, que hoje conhecemos como França
e Alemanha, entre esses grandes blocos temos um faixa bem pluralista, onde hoje existem países como:
Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo, Suíça, além do Norte da Itália. Com isso podemos dizer que no séc. X,
de certa forma, “nascia a Europa”.

Mas por quais motivos houve essa fragmentação?

Um grande problema era a grande


diversidade étnica e a resistência cultural dos
povos pagãos, que dificultaram a imposição de
apenas uma religião no Império. Também não
havia consenso em relação a uma questão que
gerou muitas disputas internas: a Igreja
deveria se submeter ao Império ou o Império
deveria se submeter a Igreja? Outro fator foi a
difusão da vassalagem, que visava aproximar
os súditos importantes para perto do império
através da concessão de privilégios e terras,
mas que de forma paradoxal contribuía para
enfraquecer o poder do imperador sobre o
território e a população. Havia constante
necessidade de mais terras para doações e
para isto, de exércitos, dependendo do serviço
militar dos vassalos. Um terceiro problema foi
a dificuldade de conciliar a união do poder
temporal com o espiritual em apenas uma
pessoa. E para piorar o cenário, houve as
invasões de vikings, muçulmanos e eslavos, Divisão do Império Franco no Tratado de Verdun.
desestabilizando o poder do império. Fonte da imagem: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=25315268
Os Bispos por sua vez tinham uma suma importância para o império, pois estavam mais ligados ao
imperador do que à própria Igreja. Carlos Magno também incentivou os beneditinos a fazerem missões para
ajudar na catequização e consolidação das terras do Império. Terras essas que a Igreja, pouco a pouco, foi
conquistando. Como o celibato era estritamente proibido, suas terras não eram dispersas com filhos
bastardos. Com a invasões dos infiéis, a insegurança que se apresentava às pessoas levou muitas delas a
doarem suas terras para a Igreja. Por fim, Agostinho de Hipona (354-430) argumentou que a caso não
houvesse quem herdar as terras de um fiel, a igreja era sua herdeira oficial.
Em 817 Luís, o Pio, procurou organizar as atividades do clero. Os beneditinos dedicaram-se aos cultos
e o clero secular retornava suas atividades da cristianização. A partir do séc. IX, de acordo com o direito
canônico e o pensamento agostiniano, o rei que deveria ser orientado pelos bispos e submeter-se à Igreja,
pois, um monarca que não tivesse um bispo para lhe ajudar a guiar seu povo para o bem, poderia ser
considerado tirano. Isso ajudou a dar mais poder para os nobres e retirar do Império, o que ocorreu sem o
intuito da Igreja e acabou por lhe causar um problema também. Como os nobres passaram a construir suas
igrejas e controlar os padres, houve a generalização da ideia de “Igreja própria”. Camponeses seguiram este
exemplo e criaram suas igrejas, o que levou à disseminação de interpretações heréticas.

Idade Média Central é o nome dado por


Hilário Franco Jr. à época do renascimento do
Império Franco, que em 1157 tornou-se Santo
Império, um século depois em 1254 passou ser Santo
Império Romano Germânico. Após a fragmentação
do Império Franco de Carlos Magno somente um dos
três herdeiros poderia ser considerado Imperador, e
Lotário I manteve esse privilégio. Na impossibilidade
de um de reis impor seu reconhecimento como
imperador sobre os demais e contar com a chancela
da Igreja, o título deixou de ser utilizado entre os
anos de 924 e 962, quando ocorreu a segunda
renovação do império, com Oto I. Filho do duque da
Saxônia e rei germânico Henrique I, em 936 foi
coroado como seu sucessor. Ele fortaleceu o reino
germânico, “pacificando” (quer dizer, conquistando,
submetendo) e convertendo os magiares e eslavos,
o que lhe deu grande poder entre a cristandade.
Casou-se ainda com a herdeira do trono da Itália,
unificando os dois reinos. Quando o papa precisou
Coroa do Imperador Romano Germânico no século X.
Fonte da imagem: Domínio público, de ajuda na Itália central e buscou seu apoio, Oto I
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=7850521 conseguiu que o papa o proclamasse imperador.
Renascia assim o Império Franco.

Então existia um Império Franco e um Reino da França?

Exatamente. De meados do século X até meados do século XII, sim. Um pouco confuso, né? Em outras
palavras, Oto I unificou os territórios que no Tratado de Verdun foram entregues a Lotário e Luís - os reinos
da Itália e da Germânia - recriando o Império Franco, enquanto o território que pertencia a Carlos, o Calvo,
permaneceu como reino da França. Entretanto, por mais que tivesse sido refundado, o império possuía o
mesmo problema que o antigo, um monarca fraco em todo o seu território. A Alemanha, marcada por uma
feudalização tardia, tinha problemas com seus feudos e muitas oposições ao Estado. A Itália não tinha um
território contínuo, já que parte Norte pertencia ao império, ao Centro estavam as terras da Igreja (Estado
Pontifício), e o Sul era bizantino. Na Borgonha o poder da nobreza local era muito forte e, em 1033, tornou-
se um Estado autônomo no meio do império.
Além dos conflitos internos e disputas de poder entre a nobreza,
Usando o teu e-mail institucional
(@aluno.ifsc.edu.br) você pode também a Igreja ficou marcada nesse período por divisões intestinas que
abrir através desse QR Code uma não foram resolvidas até os dias de hoje. Em 1054, ocorreu o chamado
animação (GIF) que mostra os Grande Cisma Ocidente-Oriente: a separação entre as Igrejas de Roma e
limites territoriais do Santo de Constantinopla, ligadas, respectivamente, ao Império Bizantino e ao
Império Romano Germânico,
Império Franco. Esta ruptura se deveu tanto a fatores internos, como
desde sua refundação, com Oto I,
no ano de 962, até seu fim, em disputas teológicas e disputas pelo papado, como pelos conflitos entre
1806, durante o Império de Bizâncio e o Ocidente que vinham desde, pelo menos, a coroação de Carlos
Napoleão I. Magno e usurpação do título imperial. A Igreja católica, fundada no início
do século IV, havia se mantido unida, a despeito da divisão política do
Império entre as partes ocidental e oriental. A partir daí, a Igreja ortodoxa
grega e a Igreja católica romana seguiram caminhos separados.
Por outro lado, foi nessa época que iniciou-se um movimento na Igreja
romana e no Ocidente, de modo geral, que buscava a união da Cristandade
em prol de um objetivo comum: a guerra contra os infiéis. Foi assim que,
no ano de 1095, o papa Urbano II convocou a primeira das Cruzadas. A
Cruzada dos Pobres, que antecedeu a Primeira Cruzada oficial, foi um
movimento popular de deslocamento de massas camponesas e grupos
marginalizados do Ocidente em direção à Terra Santa. Sua chegada no
Império Bizantino causou tumultos, saques, ondas de violência e manifestações xenofóbicas contra os
“bárbaros” do Ocidente. Ao mesmo tempo, cronistas da época relatam o clima de tranquilidade que se
estabeleceu na França e na Germânia, com redução sensível do número de assaltos e assassinatos. Quando
os nobres europeus organizaram seus exércitos e o deslocamento das tropas por terra ou pelo
Mediterrâneo, também precisaram firmar acordos com Bizâncio para acampamento na fronteira com o
território de domínio muçulmano e organização das campanhas militares. Esse período foi usado por
Umberto Eco na construção do seu romance O Pêndulo de Foucault, cujo enredo está amarrado a partir de
desdobramentos das Cruzadas, quando supostamente a Ordem dos Cavaleiros do Templo de Salomão (os
Templários) entrou em contato com tradições de pensamento e ocultismo judaico e árabe, como a cabala.
Um aspecto interessante na periodização de Franco Jr. é a relação entre a Baixa Idade Média e a
origem da Modernidade. Isso remete a um aspecto central no estudo de História que é a temporalidade,
centrada na percepção de continuidades/permanências ou de transformações/rupturas, tanto pelos agentes
históricos da época, quanto pelos historiadores dedicados ao período. Assim, somos obrigados a ter em
mente que a divisão entre a Baixa Idade Média e Idade Moderna é representativa de mais rupturas do que
aquela entre a Idade Média Central e a Baixa Idade Média, ambas compreendidas dentro das estruturas do
Medievo. No entanto, é importante ter em mente a advertência do autor com relação ao fato de que a Baixa
Idade Média, “com suas crises e rearranjos, representou exatamente o parto daqueles novos tempo, a
Modernidade”, uma vez superada a crise do século XIV (FRANCO JR., 2001, p. 16).
Logo, a recuperação a partir de meados do século XV deu-se em novos moldes, estabeleceu novas
estruturas, porém ainda assentadas sobre elementos medievais: o Renascimento (baseado no
Renascimento [Carolíngio] do século XII), os Descobrimentos (continuadores das viagens dos normandos
e italianos), o Protestantismo (sucessor vitorioso das heresias), o Absolutismo (consumação da
centralização monárquica). (FRANCO JR., 2001, p. 16-17)

A Baixa Idade Média também assistiu as outras importantes divisões na Igreja. Entre os anos de 1309
e 1377, a Igreja ocidental teve sua sede transferida de Roma para Avignon. Essa transferência marcou o
fortalecimento do Reino da França frente ao Santo Império. Em grande parte, essa mudança no equilíbrio
político da Cristandade ocidental se deveu ao papel preponderante dos franceses nas Cruzadas. O enorme
enriquecimento da Ordem dos Templários, cuja sede passou a ser no Templo de Paris após a queda de
Jerusalém e São João Acre, também contribuiu para o poder francês. No entanto, os conflitos entre o
Imperador Luiz IV e o papa João XXII, apoiado pelo rei da França, levaram à coroação de um segundo papa
em Roma, em 1328. Este ficou conhecido como o antipapa Nicolau V, já que em 1330 aceitou submeter-se
à autoridade de Avignon. Em 1378, o papa Urbano VI decidiu transferir novamente a sede da Igreja para
Roma. O Colégio dos Cardeais da Igreja acabou dividido e decidiu anular a eleição de Urbano VI e realizar
novo conclave, no qual foi eleito Clemente VII como antipapa em Avignon. A partir de 1409, um segundo
antipapa foi coroado em Pisa, passando a igreja ocidental a ter três candidatos ao papado. Por isso, no
período entre 1378 e 1417, a Igreja viveu o chamado Grande Cisma do Ocidente, que foi solucionado pelo
Concílio de Constança.
Veja como Umberto Eco descreveu em O Nome da Rosa os conflitos entre Luiz IV e João XXII, durante
o primeiro cisma do Ocidente (1328-1330), nas palavras do narrador, Adso de Melk:
“Chegando novamente em Bobbio tomamos conhecimento de más notícias sobre o imperador. Chegado a
Roma tinha sido coroado pelo povo. Ao considerar impossível agora qualquer composição com João, elegera
um antipapa, Nicola V. Marsílio tinha sido nomeado vigário espiritual de Roma, mas por culpa sua, ou por
fraqueza, aconteciam naquela cidade coisas demasiado tristes para se contar. Sacerdotes fiéis ao papa que
não queriam dizer missa eram torturados, um prior dos agostinianos fora jogado na fossa dos leões, em
Capitólio. Marsílio e João de Jandun tinham declarado João [XXII] herege e Ludovico [Luiz IV] o condenara à
morte. Mas o imperador governava mal, estava se tornando inimigo dos senhores locais, dilapidava o erário
público. À medida que ouvíamos essas notícias, retardávamos nossa descida a Roma, e compreendi que
Guilherme [de Baskerville] não queria estar lá para ser testemunha de eventos que humilhavam suas
esperanças.
Chegados que fomos a Pomposa, soubemos que Roma se rebelara contra Ludovico, o qual voltara a
Pisa, enquanto na cidade papal reentravam triunfalmente os legados de João [XXII].
Nesse ínterim, Michele de Cesena
dera-se conta de que sua presença em
Avignon não levava a resultado algum,
aliás temia por sua vida, e fugira
reunindo-se a Ludovico em Pisa. O
imperador tinha, entrementes,
perdido também o apoio de
Castruccio, senhor de Lucca e Pistoia,
que morrera.
Em breve, prevendo os eventos, e
sabendo que o Bávaro seria condizido
a Munique, invertemos o caminho e
decidimos precede-lo acolá, mesmo
porque Guilherme percebia que a Itália
estava se tornando insegura para ele.
Nos meses que se seguiram, Ludovico
viu a aliança dos senhores guibelinos
se desfazer, o ano seguinte o antipapa O antipapa Nicolau V coroa o imperador Luiz IV em Roma, no dia 15 de
maio de 1328. Iluminura do Mestre Virgílio, c. 1410.
Nicola se renderia a João,
apresentando-se-lhe com uma corda Fonte da imagem: Domínio público,
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=9789433
no pescoço” (ECO, 2012, p. 550).

Agora que já apresentamos uma panorama geral do Medievo, com destaque para os conflitos
políticos e relações de poder envolvendo a Igreja e o Império, podemos nos dedicar um pouco ao estudo das
Tecnologias de Informação e Comunicação medievais. No romance O Nome da Rosa, Umberto Eco explora
o ambiente do scriptorium e da biblioteca da abadia fictícia como cenários para o desenrolar da trama do
suspense, oferecendo aos leitores a possibilidade de conhecermos as tecnologias de registro dos
conhecimentos no Medievo europeu e reflexão sobre os usos políticos da religião e da ciência, bem como
sobre a questão do acesso à informação.
Tecnologias de Comunicação e Informação no Medievo?

Embora a computação eletrônica, os sistemas cibernéticos e informacionais pareçam grandes


novidades e sejam constantemente apresentadas aos consumidores como tais – paradoxalmente,
contribuindo para acelerar o ritmo da obsolescência das próprias novidades – as sociedades humanas vêm
lidando há muito tempo com tecnologias que visam resolver problemas parecidos em diferente épocas.
Arquivo, documento, cópia, código, biblioteca. Este vocabulário técnico de informática, por exemplo, aponta
para a continuidade de práticas de registro de informações ao longo da história, a despeito das mudanças
de suportes.
Por isso, a leitura de O Nome da Rosa oferece uma oportunidade de formação humanística mais
ampla a respeito dessa área de conhecimento. Boa parte do romance está ambientada em dois andares do
torreão da abadia: o andar do scriptorium, a sala de leituras e de trabalho dos tradutores, copistas e
iluminadores; e o andar da biblioteca, construída em forma de labirinto, de tal forma que ela representa o
ideal de restrição no acesso ao conhecimento. Da mesma forma que em algumas bibliotecas dos dias de
hoje, apenas o bibliotecário tinha acesso aos livros. Alguns livros do catálogo da biblioteca ainda
necessitavam de autorização do abade para que fossem consultados pelos lentes. O mistério se estabelece
quando alguns destes estudiosos começam a morrer misteriosamente e William de Baskerville se põe a
investigar os crimes junto com Adso de Melk.

Planta geral da abadia do romance e do andar do torreão ocupado pela biblioteca, um labirinto cheio de armadilhas.
Fontes das imagens: ECO, 2012, p. 29 e p. 358.

A obra O Nome da Rosa é ficcional, mas Umberto Eco a construiu sob uma base factual sólida e
procurou torná-la o mais verossímil possível, tanto em termos históricos quanto filosóficos. Embora a abadia
descrita nunca tenha de fato existido, o autor procurou estudar plantas de abadias e mosteiros beneditinos
daquela região do Norte da Itália em que ambientou seu romance. Todos os títulos de livros citados (menos
o suposto “livro perdido de Aristóteles”) foram retirados de catálogos de bibliotecas italianas do século XIV.
Para que um romance solução de mistérios e de crimes – a referência clara a Sherlock Holmes está no fato
de o monge investigador ser inglês e se chamar Baskerville – fosse verossímil, o próprio Eco explicou que só
poderia ser ambientado no século XIV:
Já que eu ia escrever uma história medieval, teria devido fazê-la desenrolar-se no século XIII ou XII, pelo
fato de eu conhecê-los melhor do que o XIV. Mas eu precisava de um investigador, de preferência inglês
(citação intertextual), que tivesse um grande senso de observação e uma sensibilidade particular para a
interpretação dos indícios. Qualidades desse tipo só se encontrariam no âmbito dos franciscanos, e depois
de Roger Bacon. Além disso, uma teoria dos signos desenvolvida só seria encontrável entre os seguidores
de Ockham, ou melhor, não é que antes não existisse, mas antes ou era de tipo simbólico ou tendia a ler
nos signos as ideias e os universais. Apenas entre Bacon e Ockham usam signos para direcionar-se ao
conhecimento dos indivíduos. Logo, devia situar a história no século XIV, com muita irritação, pois lá me
movia com maior dificuldade. (ECO, 2012, p. 566)

Temos no texto acima algumas informações bastante interessantes para pensarmos a história e a
filosofia da ciência no Medievo europeu. Você pode estar pensando: “Existia ciência na Idade Média?”. O
mito da “Idade das Trevas” é tão presente que podemos pensar que entre o fim do Império Romano e a
Revolução Científica não houve qualquer avanço. É comum lermos ou ouvirmos que a Igreja católica
considerava qualquer discussão científica uma ameaça à fé, ou que gênios como Copérnico, Galileu e Newton
romperam com uma tradição filosófica aristotélica de mais de mil anos. O absurdo pode ser apontado já no
fato de que Copérnico mesmo foi um membro da Igreja e um filósofo natural, assim como Roger Bacon, mas
cabe aqui analisar de forma mais detida as distorções presentes nessa visão simplista.
Em primeiro lugar, a maioria dos livros de Aristóteles somente foi traduzido para o latim a partir do
século XII. No contexto da Cruzada no Ocidente, a Reconquista Ibérica, Gerardo de Cremona (1114-1187)
traduziu em Toledo diversos textos de Aristóteles que haviam sido preservados pelos comentaristas árabes,
além de outros livros de ciências vindos das culturas grega e árabe. Guilherme de Moerbeke (1215-1286)
também contribuiu para o acesso a diversos textos de Aristóteles e outros clássicos da cultura helênica,
traduzindo-os diretamente do grego para o latim. A redescoberta de Aristóteles na Idade Média Central
resultou num grande desenvolvimento filosófico, teológico e científico. Além disso, nem todos interpretaram
as ideias de Aristóteles da mesma forma. Roger Bacon, precursor da teoria dos signos e dos estudos de ótica,
discordava radicalmente de Alberto Magno e Tomás de Aquino. Em suma, havia discussões, proposição de
soluções para problemas práticos ou abstratos, avanços, retrocessos, como em todos os períodos. Além
disso, se não houve um grande avanço, como no século de Sócrates ou no de Galileu, houve, sem dúvida,
uma disseminação dos conhecimentos da Antiguidade Mediterrânea por toda a Europa.
Graças ao trabalho de monges
copistas e tradutores, as bibliotecas
de mosteiros, abadias e universidades
preservaram muitos conhecimentos,
disseminaram e registraram
informações. Edward Grant (1997),
historiador da ciência medieval,
afirma que as traduções, a criação das
universidades e o surgimento dos
teólogos-filósofos naturais foram as
três principais contribuições do
Medievo para o surgimento da ciência
moderna. Por isso, não podemos Copistas trabalhando em um scriptorium. Iluminura do Livro dos Jogos, de
considerar que houve uma completa 1283, por autor desconhecido.
ausência de desenvolvimento
científico nesse período. Ciência e fé Fonte da imagem: Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=71131968
foram tão bem desenvolvidas de
forma integrada uma à outra, que mesmo durante a Modernidade, na chamada Revolução Científica, os
filósofos naturais eram também teólogos, sendo muitos deles, inclusive, membros do clero, notadamente,
da Ordem Franciscana e da Companhia de Jesus.
A navalha de Ockham
Segundo a Enciclopédia de Filosofia da Internet, IEP, no verbete dedicado a
explicar a vida e obra de William de Ockham, A Navalha de Ockham é
comumente conhecido como o princípio da parcimônia ou simplicidade,
segundo o qual a teoria mais simples tem maior probabilidade de ser
verdadeira. Ockham não inventou esse princípio, sendo que o mesmo já é
encontrado em Aristóteles, Tomás de Aquino e outros filósofos que Ockham
leu. O próprio Ockham também não chamou este princípio de "navalha". De
fato, o primeiro uso conhecido do termo "navalha de Occam" ocorre em 1852
no trabalho do matemático britânico William Rowan Hamilton. Embora
Ockham nem sequer argumente sobre a validade do princípio, ele o usa de
muitas maneiras sendo que o aplica para as mais diversas finalidades, e foi
dessa maneira que se associa este princípio a sua figura.
Para muitos teóricos, o princípio da simplicidade implica que o mundo é
maximamente simples. Tomás de Aquino, por exemplo, argumenta que a William de Ockham, em vitral de
natureza não emprega dois instrumentos onde um é suficiente. Essa uma Igreja em Surrey, Inglaterra.
interpretação do princípio também é sugerida por sua formulação mais
Fonte da imagem: CC BY-SA 3.0,
popular, designado pela expressão latina Lex Parsimoniae (Lei da Parcimônia), https://commons.wikimedia.org/w/index.php
enunciada como: entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem (as ?curid=5523066
entidades não devem ser multiplicadas além da necessidade). No entanto, essa
é uma afirmação problemática. Hoje sabemos que a natureza é frequentemente redundante, tanto na forma como na
função. Embora os filósofos medievais ignorassem amplamente a biologia evolucionária, eles afirmaram a existência
de um Deus onipotente, que é o suficiente para dar a suposição de que um mundo extremamente simples é suspeito.
De qualquer forma, Ockham nunca faz essa suposição e ele não usa a formulação popular do princípio.
Para Ockham, o princípio da simplicidade limita a multiplicação de hipóteses, não necessariamente entidades.
Favorecendo a formulação “É inútil fazer com mais o que pode ser feito com menos”. Ockham implica que as teorias
são destinadas a fazer coisas, a saber, explicar e prever, e essas coisas podem ser realizadas de maneira mais eficaz
com menos suposições. De certa forma, a “navalha” deriva do senso comum. Suponha que seu carro pare
repentinamente de funcionar e seu medidor de combustível indique um tanque de gasolina vazio. Seria tolice supor
que você está sem combustível e sem óleo no motor. Você precisa de apenas uma hipótese para explicar o que
aconteceu, qual seja, que o combustível acabou.
Alguns argumentariam que o princípio da simplicidade não pode garantir a verdade. O medidor de gasolina no seu
carro pode estar quebrado ou o tanque de gasolina vazio pode ser apenas uma das várias coisas erradas no carro. Em
resposta a essa objeção, pode-se apontar que o princípio da simplicidade não nos diz qual teoria é verdadeira, mas
apenas qual teoria tem mais probabilidade de ser verdadeira. Além disso, se houver algum outro sinal de dano, como
um medidor de óleo piscando, há outro fato a ser explicado, justificando uma hipótese adicional.
Embora a navalha pareça senso comum em situações cotidianas, quando usada na ciência, pode ter efeitos
surpreendentes e poderosos. Por exemplo, em sua exposição clássica da física teórica, no livro Uma Breve História do
Tempo, Stephen Hawking atribui a descoberta da mecânica quântica à Navalha de Ockham. No entanto, nem todo
mundo aprova a navalha. O contemporâneo e colega franciscano de Ockham, Walter Chatton, propôs um "anti-
barbeador" em oposição a Ockham. Ele declara que, se três coisas não são suficientes para verificar uma proposição
afirmativa, é preciso acrescentar uma quarta, e assim por diante. Outros chamam a navalha de Ockham de "princípio
da mesquinharia", acusando-a de anular a criatividade e a imaginação. Outros ainda reclamam que não há uma
maneira objetiva de determinar qual das duas teorias é mais simples. Muitas vezes, uma teoria que é mais simples de
uma maneira é mais complicada de outra. Todas essas preocupações tornam a navalha de Ockham controversa.
No fundo, Ockham defende a simplicidade, a fim de reduzir o risco de erro. Toda hipótese traz a possibilidade de estar
errada. Quanto mais hipóteses você aceitar, mais você aumenta seu risco. Ockham se esforçou para evitar erros o
tempo todo, mesmo que isso significasse abandonar as crenças tradicionais bem-amadas. Essa abordagem ajudou a
ganhar sua reputação como destruidora da síntese medieval de fé e razão.
Hoje, vemos a expansão da internet no mundo e o surgimento e disseminação dos e-books modificar
radicalmente nosso acesso a bibliotecas. O historiador do livro Roger Chartier, chama a atenção que para o
fato de que já vivemos revoluções parecidas: as bibliotecas de pedras foram substituídas pelas bibliotecas
de placas de argila, depois pelas bibliotecas de rolos e pelas bibliotecas de códices. Os próprios códices
manuscritos foram substituídos pelos impressos a partir do século XV. Todas essas mudanças geraram novas
maneiras de ler e costumes: “A instauração obrigatória do silêncio nas bibliotecas universitárias na Idade
Média vai na mesma direção. Encontramos nas bibliotecas, esta mesma ideia de comportamento que deve
ser regulado e controlado” (CHARTIER, 1999, p. 78).

E-books e livros antigos


O futuro de Marshall McLuhan não aconteceu. A web, sim: a imersão global na televisão, certamente;
mídias e mensagens onipresentes, sem dúvida. Mas a era eletrônica não levou à extinção da palavra
escrita, como foi profetizado por McLuhan em 1962. Sua visão de um novo universo mental sustentado
pela tecnologia pós-impressão agora parece datada. Pode ter inflamado a imaginação durante várias
décadas do século XX, mas não fornece um mapa para o milênio em que estamos ingressando. A
“galáxia de Gutemberg” ainda existe, e o “homem tipográfico” continua lendo para atravessá-la.
Pense no livro. Sua resistência é extraordinária. Desde a invenção do códice, por volta do nascimento
de Cristo, provou-se uma máquina maravilhosa – excelente para transportar informação, cômodo para
ser folheado, confortável para ser lido na cama, soberbo para o armazenamento e incrivelmente
resistente a danos. Não precisa de upgrades, downloads ou boots, não precisa ser acessado, conectado
a circuitos ou extraído de redes. Seu design é um prazer para os olhos. Sua forma torna o ato de segurá-
lo nas mãos um deleite. E sua conveninência fez dele a ferramenta básica do saber por milhares de
anos, mesmo quando precisava ser desenrolado para ser lido (na forma de rolos de papiro,
diferentemente do códice, composto de folhas reunidas por encadernação) muito antes de Alexandre,
o Grande fundar a biblioteca de Alexandria em 332 a. C. [...]
Até Bill Gates, comandante da Microsoft, confessou numa palestra que prefere o material impresso às
telas de computador para leituras mais extensas. [...] Gates afirma que a tecnologia terá que melhorar
de forma “muito radical” antes que “tudo que hoje necessita de papel se transfira para um formato
digital”. Em outras palavras, o códice à moda antiga, impresso em caderno de folhas de papel, não está
prestes a sumir no ciberespaço. (DARNTON, 2010, p. 85-87).

O desafio dos e-readers ainda é desenvolver uma experiência de leitura tão agradável quanto a dos livros impressos.
Fonte da imagem: Reprodução/Paulo Alves. https://www.techtudo.com.br/
Referências:
CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Tradução Reginaldo de Moraes. São Paulo: Editora
UNESP/Imprensa Oficial do Estado, 1999.
DARNTON, Robert. A questão dos livros: Passado, presente e futuro. Tradução Daniel Pellizzari. São Paulo:
Companhia das letras, 2010.
DUBY, Georges. “Séculos V-X”. In DUBY, G. e LACLOTTE, M. História Artística da Europa - A Idade Média, Tomo I.
Tradução de Mário Dias Correia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002, p. 18-39.
ECO, Umberto. O nome da rosa. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade. Rio de
Janeiro: O Globo / São Paulo: Folha de S. Paulo, 2003.
__________. O pêndulo de Foucault. Tradução de Ivo Barroso. 16ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2016.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média: nascimento do Ocidente. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Brasiliense, 2001.
__________. As Cruzadas. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. (Coleção Tudo é História, v. 34)
GRANT, Edward. The Foundations of Modern Science in the Middle Ages: Their Religious, Institutional, and
Intellectual Contexts. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.

Material elaborado como produto dos projetos “Relações de poder: política, ciência e religião a partir de um tema
integrador” (aprovado no edital 17/2018 PROPPI/DAE - Pesquisa como princípio educativo) e “Tecnologias de
informação e comunicação no Medievo: pesquisa em Filosofia e História como compreensão do presente”
(aprovado no edital 05/2020 PROPPI - Didático Pedagógico Xanxerê).

Discente bolsista:
Leonardo de Oliveira Jaques – Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio

Docentes orientadores:
Guilherme Babo Sedlacek – Professor de História do Câmpus Xanxerê
Rodolfo Denk Neto – Professor de Filosofia do Câmpus Xanxerê

Você também pode gostar