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[...] esse termo indicava um conjunto de indivíduos que desde o século anterior
(XIV) vinha se esforçando para modificar e renovar o padrão de estudos ministra-
do tradicionalmente nas Universidades medievais. Esses centros de formação
intelectual e profissional eram dominados pela cultura da Igreja e voltados para
as três carreiras tradicionais: direito, medicina e teologia. Estavam, portanto,
empenhados em transmitir aos seus alunos uma concepção estática, hierárquica
e dogmática da sociedade, da natureza e das coisas sagradas, de forma a preser-
var a ordem feudal (SEVCENKO, 1986, p. 14).
mana, para os filósofos iluministas, a herança medieval deveria ser radicalmente des-
prezada. Daí podemos assimilar a contraposição entre “idade das trevas”, em menção
ao medievo, e “século das luzes”, uma referência ao século XVIII, reconhecido como o
período em que o homem alcança o apogeu de sua maturidade intelectual e racional.
Tendo se difundido pela iniciativa do filósofo alemão Immanuel Kant, o Iluminismo
logo se consagrou por toda a Europa, em que pese não ter se concentrado à crítica
tão somente ou restritamente da Idade Média, mas pela forte oposição ao absolutis-
mo monárquico, ou Antigo Regime, sistema político centrado na figura do rei como
soberano, e ao mercantilismo.
Concernente aos tempos medievais, a ideologia professada pelos filósofos do sé-
culo XVIII só veio a reiterar o discurso propagado pelos humanistas dos séculos XVI e
XVII, de que a Idade Média seria uma “Idade das Trevas”, um período sombrio da his-
Agora é preciso mostrar que, nos campos econômico, político, social e cultural,
não há, no século XVI, e de fato até meados do século XVIII, mudanças funda-
mentais que justificassem a separação entre Idade Média e um período novo,
diferente, que seria o Renascimento (LE GOFF, 2015, p. 97).
Vista como época de fé, autoridade e tradição, a Idade Média oferecia um re-
médio à insegurança e aos problemas decorrentes de um culto exagerado ao ci -
entificismo. Vista como fase histórica das liberdades, das imunidades e dos pri-
vilégios, reforçava o liberalismo burguês vitorioso no século XIX. Dessa maneira,
o equilíbrio e a harmonia na literatura e nas artes, que o Renascimento e o
Classicismo do século XVII tinham buscado, cedia lugar à paixão, à exuberância
e à vitalidade encontráveis na Idade Média. A verdade procurada através do ra-
ciocínio, que guiara o Iluminismo do século XVIII, cedia lugar à valorização dos
sentidos, do instinto, dos sonhos, das recordações (JÚNIOR, 2006, p. 13).
A Idade Média para o século XX, explica o autor, ganha neste cenário, um outro
olhar, ensejando um salto qualitativo para a corrente medievalística, “carro-chefe da
historiografia contemporânea, ao propor temas, experimentar métodos, rever concei-
tos, dialogar intimamente com outras ciências humanas” (JÚNIOR, op.cit.). Em mea-
dos da década de 1920, o historiador belga Henri Pirenne (1862-1935), esteve em
evidência pela projeção de suas teses concernentes à Idade Média. Na obra Maomé e
Carlos Magno, Pirenne se incumbe de propor uma discussão dos limites entre à An-
tiguidade e a medievalidade, ciclo este cuja origem aponta para o elemento árabe.
Mormente, a interpelação versa sobre o prisma das atividades comerciais. As contes-
tações de Pirenne partem do pressuposto de que a queda do Império Romano, em
476, não exprime a gênese da era medieval. Os bárbaros, diz ele, jamais arruinaram o
império. Pelo contrário. Quando muito, se romanizaram. A unidade mediterrânea,
por isso, não foi desfeita, preservando os intercâmbios do comércio. Somente por
volta dos séculos VII e VIII, este cenário sofre uma conversão, dada a ocupação de parte
da Europa pelos muçulmanos.
10 A IDADE MÉDIA E SEUS SIGNIFICADOS
“O desprezo pela Idade Média é parente próximo da satisfação que temos diante das
fórmulas simplificadoras que dão conta do período, das quais ‘Idade das Trevas’ é apenas a
mais evidente. Estas se sustentam em parte na certeza de que aquilo que é pertinente ao
conhecimento deste período, nele se encerra, tendo pouca ou nenhuma influência nas zo -
nas de saber cronologicamente vizinhas. O desprezo pela Idade Média é antigo, mas sujei-
to tanto a nuances quanto à evolução. O epíteto ‘Idade das Trevas’ é poderoso. Não se tra -
ta de uma adjetivação simples, mas de uma verdadeira idéia-tese capaz de explicar mil anos
da história ocidental. Dessa forma, não surpreende que a popularização do conhecimento
da Idade Média seja tão pouco exigente. Na verdade, basta que se confirme ao infinito
aquilo que já se sabe: a Idade Média foi um período da história do Ocidente caracterizado
pelo controle da aristocracia sobre o campesinato, por meio da força das armas e com o
apoio do clero que, manipulando medos de fundamentação religiosa, garantiam o controle
ideológico e a submissão da sociedade. Essa síntese sumária de todo um período histórico,
absolutamente improvável de ser aplicada pelos historiadores a qualquer outra época, é re -
conhecida, sem remorsos, como válida e suficiente para a Idade Média. A auto-suficiência
dessa definição estrita oculta toda uma época sob algumas poucas palavras pretensamente
‘esclarecedoras’ e ‘verdadeiras’. Podemos dizer mesmo que neste ocultamento está encerra-
da a função histórica do período. Desde que respeitados os limites bem estabelecidos de
suas ‘Trevas’, a Idade Média pode prestar-se a todos os conteúdos”. (A LMEIDA, Néri, de
Barros. A Idade Média entre o “poder público” e a “centralização política”. Varia História,
Belo Horizonte, vol. 26, nº 43: p.49-70, jan/jun 2010).
desde pelos menos o princípio do século XX, as pesquisas acadêmicas sobre His-
tória Política, Social, Econômica e Cultural, as pesquisas no campo da Filolo-
gia10 e da Literatura, da Filosofia e das Artes, têm demonstrado inúmeros tra-
ços originais da Europa durante a Idade Média, e tais pesquisas contribuíram
decisivamente para reabilitar aquele período aos olhos dos estudiosos. Hoje ne-
nhum erudito defenderia com seriedade aqueles velhos chavões. Isso não quer
11 HISTÓRIA MEDIEVAL
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS