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Introdução à Sagrada

Escritura e Bibliologia
Prof. André Gaulke
Prof. Jairo Demm Junkes
Prof. Rafael Garcia dos Santos

Indaial – 2021
2a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2021

Elaboração:
Prof. André Gaulke
Prof. Jairo Demm Junkes
Prof. Rafael Garcia dos Santos

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

G269i

Gaulke, André

Introdução à sagrada escritura e bibliologia. / André Gaulke; Jairo


Demm Junkes; Rafael Garcia dos Santos. – Indaial: UNIASSELVI, 2021.

186 p.; il.

ISBN 978-65-5663-560-6
ISBN Digital 978-65-5663-559-0

1. Texto bíblico. - Brasil. I. Gaulke, André. II. Junkes, Jairo Demm.


III. Santos, Rafael Garcia dos. IV. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 220

Impresso por:
Apresentação
Caro acadêmico, seja bem-vindo ao Livro Didático de Introdução
à Sagrada Escritura e Bibliologia, que trata da origem, da inspiração, da
revelação e da formação do Cânon Sagrado, além de temas como a história
do povo de Israel e a história geral da formação do cânon bíblico; o contexto
histórico e cultural na formação e na leitura do texto bíblico; as Escrituras
Sagradas como regra de fé prática cristã; e os fatos históricos e científicos que
comprovam a confiabilidade e a fidelidade das Escrituras Sagradas.

Na Unidade 1, abordaremos a organização que ficou conhecida


com Cânon, a forma como se acredita que foram escritos os livros, seja por
inspiração divina ou revelação. Assim, veremos a questão da inerrância e da
infalibilidade das mensagens contidas nas escrituras. No contexto bíblico,
ainda conheceremos a relação entre os textos oficiais, bem como a sua relação
com os livros apócrifos.

Na Unidade 2, trataremos de um elemento importantíssimo do


contexto bíblico, as Escrituras Sagradas, sendo possível perceber uma
vinculação das escrituras, como a relação social, através das línguas com
as quais as escrituras são expressadas através das mais diversas traduções,
recebendo diversas edições e versões, sempre preocupadas em manter a
revelação divina em seu núcleo de conteúdo.

Por fim, na Unidade 3, aprofundaremos melhor a realidade da


fidelidade das Escrituras, por meio da mensagem divina, tendo como
importante análise a forma como essa mensagem tem sido o foco da
manutenção e da organização de outras versões, mantendo o ideal de
confiabilidade atribuído às Escrituras.

Dessa forma, a leitura deste livro didático permitirá conhecer, de


maneira bastante interessante, a organização das Escrituras, compondo o
grande elemento de registro da mensagem divina para os seus fiéis ao longo
da história humana.

Bons estudos!

Prof. André Gaulke


Prof. Jairo Demm Junkes
Prof. Rafael Garcia dos Santos
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá
contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares,
entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


Sumário
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS.......................................... 1

TÓPICO 1 — INSPIRAÇÃO, REVELAÇÃO E SUA INERRÂNCIA E INFALIBILIDADE...... 3


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 3
2 INSPIRAÇÃO........................................................................................................................................ 4
2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE INSPIRAÇÃO BÍBLICA................................................................. 6
2.2 CARACTERÍSTICAS DISTINTAS................................................................................................. 8
3 REVELAÇÃO......................................................................................................................................... 9
3.1 REVELAÇÃO GERAL................................................................................................................... 11
3.2 REVELAÇÃO ESPECÍFICA ........................................................................................................ 12
4 AUTORIDADE DA BÍBLIA............................................................................................................. 13
4.1 O CÂNONE.................................................................................................................................... 14
4.2 AUTORIDADE CAUSATIVA E AUTORIDADE NORMATIVA............................................. 15
5 INERRÂNCIA E INFALIBILIDADE............................................................................................... 17
6 SOLA SCRIPTURA............................................................................................................................. 19
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 23
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 24

TÓPICO 2 — A CANONICIDADE DO ANTIGO E DO NOVO TESTAMENTO................... 27


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 27
2 CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO......................................................................................... 29
3 O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO......................................................................................... 31
3.1 A SELEÇÃO DO CÂNON............................................................................................................ 32
3.2 A VERSÃO CANÔNICA.............................................................................................................. 34
3.2.1 Elementos de autenticidade ............................................................................................... 34
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 37
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 39

TÓPICO 3 — OS LIVROS APÓCRIFOS........................................................................................... 41


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 41
2 O SIGNIFICADO DA PALAVRA APÓCRIFO............................................................................. 42
3 FORMAÇÃO DO CÂNONE DO SEGUNDO TESTAMENTO................................................. 42
4 RAZÕES PELAS QUAIS OS APÓCRIFOS NÃO SÃO ACEITOS PELOS EVANGÉLICOS...... 45
4.1 A DESCOBERTA E REDESCOBERTA DOS APÓCRIFOS....................................................... 47
5 OS APÓCRIFOS E SUA MÍSTICA CONTEXTUALIZADA AOS DIAS ATUAIS................ 48
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 49
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 52
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 53

REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 55
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS......................................................... 59

TÓPICO 1 — A ESTRUTURA DAS ESCRITURAS........................................................................ 61


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 61
2 A PLURALIDADE DAS ESCRITURAS......................................................................................... 61
3 ÉPOCAS DA HISTÓRIA BÍBLICA................................................................................................. 64
3.1 CRONOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO......................................................................... 65
3.2 CRONOLOGIA DO PERÍODO INTERTESTAMENTÁRIO.................................................... 66
3.3 CRONOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO............................................................................. 67
4 ESTILOS LITERÁRIOS..................................................................................................................... 68
5 A ESTRUTURA DAS ESCRITURAS.............................................................................................. 70
5.1 DETALHES DA ESTRUTURA BÍBLICA.................................................................................... 71
5.2 CAPÍTULOS E VERSÍCULOS...................................................................................................... 76
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 78
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 79

TÓPICO 2 — AS VERSÕES E EDIÇÕES DAS ESCRITURAS..................................................... 81


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 81
2 TRADUÇÕES BÍBLICAS ................................................................................................................. 82
2.1 A SEPTUAGINTA . ....................................................................................................................... 84
2.2 OUTRAS TRADUÇÕES GREGAS............................................................................................... 85
2.3 TRADUÇÕES A PARTIR DO GREGO........................................................................................ 86
2.4 A VULGATA LATINA.................................................................................................................. 87
2.5 OUTRAS TRADUÇÕES POSTERIORES DO LATIM............................................................... 89
2.6 A TRADUÇÃO PARA O INGLÊS............................................................................................... 90
2.7 AS TRADUÇÕES E VERSÕES JUDAICAS................................................................................ 93
2.8 AS TRADUÇÕES E VERSÕES PROTESTANTES..................................................................... 95
2.9 AS TRADUÇÕES E VERSÕES ECUMÊNICAS......................................................................... 95
2.10 TRADUÇÕES PARA O PORTUGUÊS...................................................................................... 96
2.10.1 João Ferreira de Almeida................................................................................................. 96
2.11 AS TRADUÇÕES E AS VERSÕES CATÓLICAS ROMANAS............................................... 97
3 A BÍBLIA NO BRASIL ...................................................................................................................... 98
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 100
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 102

TÓPICO 3 — AS LÍNGUAS E OS TEXTOS................................................................................... 105


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 105
2 MATERIAIS, INSTRUMENTOS DE ESCRITA E IDIOMAS USADOS............................... 105
2.1 A IMPORTÂNCIA DAS LÍNGUAS ESCRITAS...................................................................... 106
2.2 VANTAGENS DA LÍNGUA ESCRITA..................................................................................... 107
2.3 AS LÍNGUAS BÍBLICAS............................................................................................................. 107
3 OS MANUSCRITOS........................................................................................................................ 109
3.1 PREPARAÇÃO E PRESERVAÇÃO DOS MANUSCRITOS................................................... 109
3.1.1 Antigo Testamento.............................................................................................................. 109
3.1.2 Novo Testamento................................................................................................................ 110
3.2 TEXTOS E MANUSCRITOS DA BÍBLIA – VELHO TESTAMENTO................................... 110
3.2.1 Manuscritos básicos da Bíblia hebraica Moderna.......................................................... 111
3.2.2 O Texto Massorético........................................................................................................... 111
3.2.3 Os rolos do Mar Morto...................................................................................................... 112
3.2.4 O Pentateuco samaritano................................................................................................... 112
3.2.5 A Septuaginta...................................................................................................................... 112
3.2.6 Os Targuns aramaicos........................................................................................................ 112
3.2.7 Versão siríaca....................................................................................................................... 113
3.2.8 As versões latinas................................................................................................................ 113
3.3 MANUSCRITOS DO NOVO TESTAMENTO......................................................................... 113
3.3.1 Os manuscritos em papiro................................................................................................ 113
3.3.2 Os manuscritos em velino e pergaminho........................................................................ 113
4 AS REMISSÕES PATRÍSTICAS AO TEXTO BÍBLICO............................................................ 114
5 O CRITICISMO TEXTUAL............................................................................................................ 115
5.1 PAPEL DA CRÍTICA TEXTUAL E PRESSUPOSTOS BÁSICOS........................................... 116
5.2 O QUE FAZ A CRÍTICA TEXTUAL.......................................................................................... 116
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 118
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 119
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 120

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 123

UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS...... 125

TÓPICO 1 — AS ESCRITURAS COMO FUNDAMENTO TEOLÓGICO............................... 127


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 127
2 DE DEUS............................................................................................................................................ 128
2.1 O DEUS TRIÚNO........................................................................................................................ 132
3 DO SER HUMANO.......................................................................................................................... 135
3.1 IMAGO DEI................................................................................................................................... 136
3.2 O PECADO................................................................................................................................... 138
4 DE JESUS CRISTO........................................................................................................................... 140
4.1 A ENCARNAÇÃO....................................................................................................................... 141
4.2 O SACRIFÍCIO NA CRUZ.......................................................................................................... 143
4.3 A RESSURREIÇÃO...................................................................................................................... 144
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 147
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 148

TÓPICO 2 — A REFLEXÃO A PARTIR DAS ESCRITURAS..................................................... 149


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 149
2 BÍBLIA, FÉ E RAZÃO...................................................................................................................... 149
2.1 CRER É TAMBÉM PENSAR...................................................................................................... 151
3 A IMPORTÂNCIA DA BÍBLIA..................................................................................................... 153
4 COMO LER A BÍBLIA..................................................................................................................... 155
4.1 EXEGESE....................................................................................................................................... 157
4.2 HERMENÊUTICA....................................................................................................................... 158
5 DIFERENTES LEITURAS DA BÍBLIA......................................................................................... 159
5.1 LEITURA LITERAL..................................................................................................................... 159
5.2 LEITURA ALEGÓRICA.............................................................................................................. 159
5.3 LEITURA HISTÓRICO-CRÍTICA.............................................................................................. 159
5.4 LEITURA NEGRA ...................................................................................................................... 162
5.5 LEITURA FEMINISTA................................................................................................................ 160
5.6 LEITURA MATERIALISTA........................................................................................................ 161
5.7 LEITURA SOCIOLÓGICA......................................................................................................... 161
5.8 LEITURA PSICOLÓGICA.......................................................................................................... 162
6 A BÍBLIA NA CONTEMPORANEIDADE.................................................................................. 162
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 165
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 166
TÓPICO 3 — A VIVÊNCIA DAS ESCRITURAS.......................................................................... 169
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 169
2 A BÍBLIA E A FÉ................................................................................................................................ 169
3 A BÍBLIA E A IGREJA..................................................................................................................... 171
4 A BÍBLIA E A ÉTICA........................................................................................................................ 173
4.1 DECÁLOGO................................................................................................................................. 175
4.2 SERMÃO DO MONTE................................................................................................................ 175
5 A BÍBLIA E A CARIDADE.............................................................................................................. 176
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 178
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 183
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 184

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 185
UNIDADE 1 —

BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS


ESCRITURAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender as diferenças entre inspiração e revelação;


• conhecer as concepções de inerrância e infalibilidade;
• compreender em que contexto se atribuiu a canonicidade dos livros do
Antigo e do Novo Testamentos;
• compreender os significados de apócrifos e a sua relação com o Cânon.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – INSPIRAÇÃO, REVELAÇÃO E SUA INERRÂNCIA E


INFALIBILIDADE

TÓPICO 2 – A CANONICIDADE DO ANTIGO E DO NOVO


TESTAMENTO

TÓPICO 3 – OS LIVROS APÓCRIFOS

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

1
2
TÓPICO 1 —
UNIDADE 1

INSPIRAÇÃO, REVELAÇÃO E SUA INERRÂNCIA E


INFALIBILIDADE

1 INTRODUÇÃO
Para iniciarmos o assunto de Bibliologia, o estudo das Sagradas Escrituras,
qualquer pessoa que já tenha lido a Bíblia alguma vez, percebe que ela é um livro
complexo. Nem sempre tão fácil de entender, cheia de simbolismos, histórias
fantásticas, costumes estranhos a nós, relatos culturais, e uma linguagem, por
vezes, obscura, ainda assim, é o livro mais vendido e o mais traduzido do mundo.
Como pode um livro cultural e temporalmente tão distante ser tão popular?
Porque ele é o livro sagrado do cristianismo, a religião mais popular do mundo.
A Bíblia é usada todos os dias em todos os cantos do mundo para transmitir
a mensagem de salvação. Além disso, desperta a curiosidade de muitos não
cristãos, mas que a tratam como um documento histórico ou desejam conhecer a
sabedoria judaico-cristã presente nela.

Com o risco de soar óbvio, não é possível fazer teologia sem a bíblia.
A bíblia é o grande objeto de estudo da teologia. Teologia sem bíblia torna-se
falácia. Considerando a complexidade da bíblia, a teologia deve lidar com ela
com muito zelo. A teologia – do grego theo (Deus) e logos (discurso, lógica) –,
enquanto ciência humana, quer elucidar questões que não são tão claras a nós. Se
bibliologia é o estudo da bíblia, então devemos nos ater seriamente às questões
preliminares, a fim de não faltar base sólida para a nossa teologia nem para o
exercício do ministério eclesiástico. A bíblia é Palavra de Deus, mas nós somos
as testemunhas pelas quais outras pessoas terão ajuda para compreender o seu
sentido. Por isso, a necessidade de lê-la e estudá-la corretamente, para que ela não
seja vista apenas como um livro obscuro de religião.

Neste tópico, serão tratadas algumas questões (por exemplo, como e por
que a bíblia é sagrada, se ela possui erros, se veio diretamente de Deus e por que
ela é tão importante para o cristianismo) relacionadas com temas como inspiração
bíblica, revelação de Deus na bíblia, autoridade da bíblia, sua inerrância e
infalibilidade, e a bíblia como único fundamento das doutrinas cristãs. Esses
assuntos são indispensáveis para entendermos por que a bíblia é tão valorizada e
é o fundamento de todo o nosso estudo teológico. Começaremos com o conceito
de inspiração bíblica, para respondermos de onde veio a bíblia, se da mente de
homens ou da mente de Deus.

3
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

NTE
INTERESSA

Segundo o dicionário Michaelis, a palavra “sagrado” significa “digno de veneração


ou respeito religioso pela associação com Deus ou com as coisas divinas”; “divinizado”;
“que, pelas suas qualidades, merece respeito profundo e veneração absoluta”; “muito
estimado, em que não se deve mexer ou tocar”; “que não se deve infringir”; “inviolável”
(SAGRADO, c2021).

2 INSPIRAÇÃO
Sabemos que a bíblia é uma grande coleção de livros, ou seja, seu conteúdo
reúne vários outros livros (66 livros nas bíblias protestantes e 73 nas bíblias
católicas). Contudo, mesmo sendo um livro, consideramos a bíblia um livro
especial e, por isso, é chamada de Bíblia Sagrada. No entanto, o que a caracteriza
como sagrada é o fato de ela ser a Palavra de Deus.

A Palavra de Deus não pode ser entendida como simples palavra comum,
próxima em conceito do que significa palavra humana. Palavra de Deus faz relação
direta com a primeira sentença bíblica, “E Deus disse” (BÍBLIA SAGRADA,
Gn. 1.1). “Deus usou a sua palavra – do hebraico ‘bara’ – como ato criador que
fundamenta toda a existência. O termo hebraico para a palavra, ‘bara’, é mais
do que simplesmente falar, é palavra que emite comando, uma força criadora
que chama o que é dito à existência” (RAD, 2006, p. 141). É uma palavra ativa,
dinâmica, viva e transformadora; assim é a Palavra de Deus.

Nesse sentido, se a bíblia é Palavra de Deus, então expressa essa mesma


força ativa, dinâmica, transformadora e que emite comando; o que aparece para
nós como Palavra de Deus, essas Sagradas Escrituras, “são réplicas da sentença
criadora divina no princípio dos tempos” (RAD, 2006, p. 141). É por isso que
a bíblia é sagrada, pois ela se apresenta como muito mais do que mero escrito
humano, por mais que humanos a tivessem escrito. Todavia, como pode que
humanos, que são criaturas limitadas do Criador, pudessem produzir um escrito
que apresenta toda sacralidade e força divina que a Palavra de Deus expressa? Isso
é possível por causa do conceito de inspiração.

O conceito de inspiração tem seu fundamento na própria Escritura


Sagrada. A teologia protestante tem como princípio elementar que a bíblia
interpreta a si mesma, ou seja, a teologia tem a tarefa de tornar claro aquilo que
a bíblia fala sobre si mesma. Nesse sentido, a inspiração bíblica é uma concepção
que provém da própria bíblia, e podemos notar isso a partir de alguns versículos:

4
TÓPICO 1 — INSPIRAÇÃO, REVELAÇÃO E SUA INERRÂNCIA E INFALIBILIDADE

• “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão,
para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus
seja apto e plenamente preparado para toda boa obra” (BÍBLIA SAGRADA,
2Tm. 3.16-17).
• “Antes de mais nada, saibam que nenhuma profecia da Escritura provém de
interpretação pessoal, pois jamais a profecia teve origem na vontade humana,
mas homens falaram da vontade de Deus, impelidos pelo Espírito Santo”
(BÍBLIA SAGRADA, 2Pe. 1.20-21).

Assim, podemos ver como a própria Escritura fala que ela mesma – ou
elementos que estão presentes nela, como as profecias – são inspiradas por Deus,
por meio da ação do Espírito Santo. Portanto, é Deus que conduziu e motivou
a elaboração daquilo que, hoje, chamamos de bíblia. Não é obra exclusiva
proveniente do pensamento humano, mas o ser humano foi guiado pelo Espírito
Santo de Deus para realizar a sua obra. Por isso, “costuma-se dizer que a bíblia
não tem vários autores, mas apenas um verdadeiro autor: o Espírito Santo”
(BRAKEMEIER, 2007, p. 33, grifo nosso). No entanto, isso não exclui a ação da
mentalidade humana no processo de elaboração das Escrituras. Como afirmam
os autores Gordon D. Fee e Douglas Stuart: “a Bíblia é, ao mesmo tempo, humana
e divina” (FEE; STUART, 1997, p. 17). Isso significa que não devemos entender
a inspiração bíblica como uma espécie de psicografia, como se o homem fosse
mero instrumento sem participação ativa na escrita. Não é disso que se trata, pois
“Deus escolheu falar Sua Palavra através das palavras humanas na história, todo
livro na Bíblia também tem particularidade histórica” (FEE; STUART, 1997, p. 17,
grifo nosso). A inspiração bíblica não dispensa a participação do autor. Portanto,
por mais que a bíblia seja Palavra de Deus inspirada pelo Espírito Santo, logo,
tem relevância eterna, também é um documento condicionado pela linguagem,
história, local e cultura dos homens que a escreveram.

Em vista disso, algumas pessoas acreditam que a bíblia é um livro


meramente humano e que apresenta apenas ideias culturais e históricas. Nesse
sentido, podemos fazer uma diferenciação entre aqueles que acreditam que a
bíblia foi inspirada por Deus e aqueles que acreditam que a bíblia foi inspirada em
Deus. Os que fazem parte da segunda categoria consideram que os autores dos
livros bíblicos se inspiraram nas suas histórias, experiências e tradições religiosas
para compor os seus escritos, sem, porém, admitir a ação do Espírito Santo no
processo. Como afirmam Fee e Stuart, “para estas pessoas, a tarefa de interpretar
é limitada à pesquisa histórica” (FEE; STUART, 1997, p. 17), ou seja, toda a análise
bíblica de interpretação dos seus significados procura apenas o sentido histórico,
apenas o significado do texto para quem o escreveu, o que pensavam a respeito
de Deus, como era a cultura local etc.

5
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

Ainda, assim, considerando o que a bíblia fala sobre ela mesma, podemos
observar mais alguns versículos que corroboram com o conceito de inspiração:

• “Nós, porém, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito procedente


de Deus, para que entendamos as coisas que Deus nos tem dado gratuitamente.
Delas também falamos, não com palavras ensinadas pela sabedoria humana,
mas com palavras ensinadas pelo Espírito, interpretando verdades espirituais
para os que são espirituais” (BÍBLIA SAGRADA, 1Co. 2.12-13).
• “Pois a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais afiada que qualquer espada de
dois gumes; ela penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas,
e julga os pensamentos e intenções do coração” (BÍBLIA SAGRADA, Hb. 4.12).
• “E o anjo me disse: ‘Escreva: Felizes os convidados para o banquete do
casamento do Cordeiro!’ E acrescentou: ‘Estas são as palavras verdadeiras de
Deus’” (BÍBLIA SAGRADA, Ap. 19.9).

Assim, a Palavra de Deus assume sobre si mesma a sua veracidade.


Além disso, sendo a palavra de Deus viva e eficaz, como visto no livro de
Hebreus (BÍBLIA SAGRADA, Hebreus 4.12), notamos o paralelo com a palavra
transformadora, criadora, voz de comando, dinâmica como é o “bara” criador de
Deus, a palavra que chama a existência. Ainda, o apóstolo Paulo admite que não
fala segundo a sabedoria humana, mas a sabedoria passada pelo Espírito Santo,
sabedoria espiritual destinada às pessoas espirituais e que, portanto, conseguem
perceber que a palavra recebida é proveniente de Deus.

2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE INSPIRAÇÃO BÍBLICA


A palavra inspiração é originária da palavra latina inspiratio, que é a união
entre o prefixo in (em) e a palavra spiratio, que significa soprar. Logo, inspiratio
significa “soprar em”. Esse é o mesmo sopro que, em Gênesis 2, dá a vida ao ser
humano criado da argila do solo. O ser humano criado não possuía vida até que
Deus “insuflou (soprou) em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou
um ser vivente” (BÍBLIA SAGRADA, Gn. 2.7). É por isso que o grande teólogo do
século XX, Karl Barth, diz sobre a ação da palavra inspirada: “Tudo isso acontece
na esfera do ar que livremente se move e põe em movimento, do vento suave ou
impetuoso, da spiratio e da inspiratio que, conforme a Bíblia, é o poder atuante de
Deus, poder de revelar-se livremente aos seres humanos, penetrar em sua vida e,
assim, libertá-los para Ele” (BARTH, 1996, p. 37).

Além disso, inspiratio acabou ganhando o significado de insinuação,


como o soprar de uma ideia no ouvido de alguém. Desse modo, podemos afirmar
que inspiração bíblica é o soprar do poder de Deus para dentro do coração dos
autores bíblicos, capacitando-os a escrever a própria Palavra de Deus.

6
TÓPICO 1 — INSPIRAÇÃO, REVELAÇÃO E SUA INERRÂNCIA E INFALIBILIDADE

A ideia de inspiração bíblica é antiga dentro da igreja. O teólogo medieval


Tomás de Aquino já havia afirmado, no século XIII, que o autor principal das
Sagradas Escrituras é o Espírito Santo, mas a primeira vez que essa temática
apareceu em um documento oficial da igreja foi no Concílio de Basileia-Ferrara-
Florença, que data de 1431 a 1445 (FELIX, 2013, p. 86), em que consta: “A Igreja
confessa um só e mesmo Deus como autor do Antigo e Novo Testamento [...],
porque os santos do um e do outro Testamento falaram sob inspiração do mesmo
Espírito Santo” (SIQUEIRA, 2015). Posteriormente, o assunto da inspiração bíblica
tornou-se mais uma vez significativo na Constituição Dogmática Dei Verbum sobre a
revelação divina no Concílio Vaticano II, de 1962 a 1965. Destacamos o Art. 11 do
Capítulo III da Constituição, intitulado de A Inspiração Divina da Sagrada Escritura
e sua Interpretação, que inicialmente diz: “As coisas reveladas por Deus, contidas
e manifestadas na Sagrada Escritura, foram escritas por inspiração do Espírito
Santo” (CONSTITUIÇÃO..., 1965, s.p.).

Por mais que os documentos citados sejam oficiais da Igreja Católica


Apostólica Romana, nesse ponto, as teologias das mais diversas denominações
cristãs concordam. O conceito de inspiração bíblica não é tema específico
de determinada denominação cristã, mas é tema fundamental do próprio
cristianismo, uma vez que a bíblia é o objeto de estudo da teologia como um todo.

Assim, concorda-se que a bíblia possui natureza espiritual. Entretanto,


os textos bíblicos que afirmam a sua inspiração divina (por exemplo: BÍBLIA
SAGRADA, 2Tm. 3.16-17; 2Pe. 1.20-21) falam sobre o Antigo Testamento.
Todavia, como aponta Gottfried Brakemeier (2007, p. 34), é evidente que o que
vale para o Antigo também vale para o Novo Testamento, por isso ele diz “Que a
palavra de Deus é sempre palavra espiritual, isto é, convicção comum da primeira
cristandade”. Essa concepção permanece até hoje.

No pilar da doutrina da inspiração bíblica (BÍBLIA SAGRADA, 2Tm. 3.16),


o termo grego usado para inspiração é theopneustos, que significa “perpassado
pelo Espírito de Deus” (2007, p. 34) ou, de novo, “soprado por Deus” (AQUINO,
2013, p. 134). Theo tem sentido literal de Deus, enquanto pneustos provém de
pneuma, que traduzimos como “sopro” ou “espírito”. Em razão disso, “que
sentimos o sopro de Deus na Sagrada Escritura, disto a teologia cristã não
pode abrir mão. A afirmação da inspiração da Bíblia tem boa razão de ser. Ela é
teologicamente imprescindível” (BRAKEMEIER, 2007, p. 37).

7
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

FIGURA 1 – O EVANGELISTA MATEUS INSPIRADO POR UM ANJO, DE REMBRANDT

FONTE: <https://aindanemrosto.wordpress.com/2014/02/05/a-palavra-no-abismo/>.
Acesso em: 25 set. 2020.

2.2 CARACTERÍSTICAS DISTINTAS


• Inspiração indireta: entende que os autores dos textos bíblicos foram
orientados pelo Espírito Santo. Remete ao sentido da insinuação, como uma
influência indireta que não forçou a mão de nenhum autor. Há uma sugestão
do conteúdo.
• Inspiração direta ou verbal: entende que Deus direcionou e instrumentalizou
os autores dos textos bíblicos. Cada palavra teria sido diretamente direcionada
pelo Espírito Santo. Há a sugestão das palavras exatas. Essa posição é mais
polêmica por subtrair a subjetividade humana do processo.
• Inspiração total: compreende que toda a Escritura é igualmente inspirada e
nenhuma parte, por menor que seja, foge à inspiração divina.
• Inspiração inerrante: compreende que tudo o que Deus falou e soprou aos
diversos autores bíblicos é verdadeiro e isento de erros.

Essas características não são gerais, nem todos os teólogos concordam


com todos esses pontos, mas fica evidente que não podemos confundir inspiração
bíblica com inspiração poética. Inspiração bíblica compreende características
sobrenaturais e expressa a vontade de Deus de se comunicar com o ser humano.
Deus inspirou, soprou a sua mensagem, para que homens escrevessem os relatos
bíblicos, a fim de que fossem revelados ao ser humano. É essa a questão da
revelação de veremos a seguir.

8
TÓPICO 1 — INSPIRAÇÃO, REVELAÇÃO E SUA INERRÂNCIA E INFALIBILIDADE

DICAS

Para incrementar os seus conhecimentos, sugerimos a leitura do livro:

BRAKEMEIER, G. A autoridade da Bíblia: controvérsias – significado – fundamento. 2. ed.


São Leopoldo: Sinodal, Centro de Estudos Bíblicos, 2007.

3 REVELAÇÃO
A primeira questão a ser destacada é o princípio dogmático que afirma
que só podemos conhecer a Deus através da sua autorrevelação (HAARBECK,
1987, p. 25). Ele se autorrevela, é Ele próprio que revela que é Deus. Esse princípio
é importante dentro da teologia para evitar que o homem creia que é capaz de
perceber Deus com seu próprio esforço. Se isso fosse possível, o homem poderia
dizer também que Deus é uma criação da sua mente, ou que ele pode chegar
a Deus por mérito próprio. Nesse sentido, o princípio da autorrevelação coloca
Deus como o sujeito do seu próprio conhecimento. É Deus que vem a nós e se faz
conhecer; e se Deus não tivesse se revelado, tampouco teríamos conhecimento
Dele. Todavia, já na criação dos seres humanos, Deus se apresenta como seu
Criador. A revelação exclusiva de Deus na criação inclusive gerou comunhão
entre Criador e criaturas, entre Deus e os homens. Essa comunhão foi quebrada
no relato da Queda (BÍBLIA SAGRADA, Gn. 3). O pecado, portanto, dificulta
o acesso a Deus. Contudo, Deus se revela de muitas formas e, mesmo com a
introdução do pecado no mundo, podemos perceber Deus porque Ele continua
se revelando.

A inspiração bíblica tem como propósito a revelação de Deus para os seres


humanos a partir de um documento escrito, ou seja, a inspiração é o meio pelo
qual Deus revela a sua Palavra. Se a inspiração bíblica reivindica a verdade da
bíblia, “essa verdade tem a revelação de Deus por conteúdo” (BRAKEMEIER,
2007, p. 23). A revelação de Deus é verdade porque foi inspirada. A lógica é que
a bíblia, como Palavra revelada, é verdade porque foi inspirada. Nessa relação
entre inspiração e revelação, Brakemeier (2007, p. 23) afirma: “Escreveram
pessoas muito humanas sobre como Deus revela a sua vontade, o seu juízo, a
sua graça”. Os autores dos textos bíblicos eram pessoas comuns, mesmo assim,
a bíblia, por ser inspirada por Deus e apresentar a revelação de Deus, não perde
a sua premissa normativa, pois a revelação de Deus é autorrevelação, vem dele
mesmo e, por isso, é sagrada e divina.

9
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

Então, a Palavra de Deus é palavra que Deus escolheu revelar a nós para
revelar a Si mesmo e todos os seus desígnios, dando a nós tudo o que deveríamos
saber para participarmos da sua história, especialmente a história da redenção.
Nesse sentido, Karl Barth (1996, p. 19) diz que:

Em sua palavra Deus revela o seu agir no horizonte de sua aliança com
o ser humano; e na história da constituição, manutenção, realização e
conclusão desta aliança ele se revela a si mesmo. Revela sua santidade,
mas também sua misericórdia – misericórdia de pai, de irmão, de
amigo. Revela também seu poder e sua majestade como senhor e
juiz do ser humano; revela, portanto, a si mesmo como o primeiro
parceiro dessa aliança, a si mesmo como o Deus do ser humano. Mas
em sua palavra revela também o ser humano como criatura, como seu
devedor insolvente, como ser perdido sob o seu juízo. Mas também o
revela como criatura mantida e salva por sua graça, como ser humano
libertado para Deus, posto a seu serviço. Revela o ser humano como
seu filho e servo, como amado por ele e, portanto, como segundo
parceiro da aliança; em síntese: revela o ser humano como ser humano
de Deus.

Desse modo, percebe-se como a revelação divina inclui toda a história de


Deus com o ser humano; revela todas as características fundamentais de Deus
e como e o que somos para Deus. Na sua Palavra, Deus revela o conteúdo da
aliança. Lembrando que a palavra testamento denota aliança, ou seja, se a bíblia
é composta por Antigo Testamento (AT) e Novo Testamento (NT), isso significa
que é composta pela antiga aliança e pela nova aliança. Tanto a antiga – feita com
Abraão – e a nova – através de Jesus Cristo – são alianças que abarcam toda a
humanidade. Nenhuma aliança é feita com apenas um sujeito, mas são sempre
necessários dois sujeitos, nesse caso, Deus e o homem. A revelação divina,
portanto, revela a história da aliança entre Deus e os seres humanos e, por isso,
revela tanto sobre Deus e tanto sobre nós.

Em vista disso, Alexandre Milhoranza disse que:

Para entendermos a necessidade da restauração do relacionamento


entre Deus e sua criação é necessário admitirmos de antemão a
realidade de Deus. Em virtude da infinidade da realidade de Deus
só podemos conhecê-lo a partir do momento que ele mesmo se dá a
conhecer. Portanto, não seria possível ao ser humano o entendimento,
mesmo parcial, a respeito de Deus se ele mesmo não tivesse se
revelado de uma maneira compreensível, baseada em fatos históricos
e esclarecidos à luz da fé (AQUINO, 2013, p. 133).

Daí vem a questão de Deus não revelar tudo sobre si, mas apenas
o necessário. Mesmo que Deus revelasse tudo sobre si mesmo, jamais
compreenderíamos tudo, pois Deus é infinito e nossa capacidade de compreensão
não é. Somos seres limitados e é impossível para nós compreendermos todos os
infinitos atributos de Deus. Sabemos apenas o que ele revela, que é o suficiente
para nós.

10
TÓPICO 1 — INSPIRAÇÃO, REVELAÇÃO E SUA INERRÂNCIA E INFALIBILIDADE

3.1 REVELAÇÃO GERAL


Há mais de uma maneira pela qual Deus se revela a nós. A primeira é
a revelação geral, em que Deus se revela para toda a humanidade, inclusive ao
pagão, e, segundo Haarbeck (1987), compreende três aspectos: a natureza, a
história e a consciência.

A natureza, para muitos povos, sempre suscitou uma noção de


espiritualidade. Por mais que a ciência moderna esteja cada vez mais revelando
seus segredos, para muitos, permanecem dúvidas como “quem fez tudo isso?”,
“quem está ordenando todas as coisas?” e “será que é tudo mero acaso?” Assim,
o maravilhamento do homem diante da magnitude deslumbrante da natureza o
coloca a conjecturar a ideia de um criador e mantenedor da natureza e de tudo
aquilo que nela existe. O ser humano consegue refletir sobre a ideia de Deus, ao se
deparar com a natureza e refletir sobre o ato criador divino. Muitas culturas, ao se
depararem com a revelação de Deus a partir da natureza, criaram as suas próprias
ideias – teologias –, que teorizam a respeito de um deus ou vários deuses que
estão no controle dos eventos naturais. Nesse sentido, até os pagãos conseguem
ter uma noção de Deus, pois Deus se revelou na natureza, como diz o apóstolo
Paulo (BÍBLIA SAGRADA, Rm. 1.19-20):

Porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles,


porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus,
assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade,
claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo
percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são,
por isso, indesculpáveis.

A história também revela Deus, especialmente aos povos que mantiveram


contato com o povo de Israel, o povo escolhido de Deus, durante a sua trajetória.
Essa revelação histórica trata do testemunho de Deus através dos eventos
históricos protagonizados por personagens bíblicos, como José, Moisés, Davi,
Daniel, Ester e o próprio Jesus, mas esses são apenas poucos exemplos. A
história de Deus com seu povo é vasta e são muitos os protagonistas, homens
e mulheres, que puderam testemunhar Deus para outros povos. São diversos
eventos históricos guiados por Deus, como podemos ver em toda a bíblia. O
próprio chamado de Abraão e a promessa de fazer dele um grande povo tem
como objetivo o testemunho e a bênção para outros povos: “Abençoarei os que te
abençoarem, amaldiçoarei os que te amaldiçoarem. Por ti serão benditos todos os
clãs da terra” (BÍBLIA SAGRADA, Gn. 12.3).

Segundo Haarbeck, “A consciência é também palco da revelação geral


de Deus e não deve ser menosprezada” (1987, p. 25). Essa espécie de revelação
interna, que acontece no coração do homem, não produz conhecimento de Deus,
mas consciência de Deus. É por isso que, em toda a história humana, a maioria
absoluta de povos desenvolveu alguma espécie de religiosidade. Como se fosse
uma aproximação, não necessariamente à YHWH (Yahweh/Javé), mas a uma ideia
dele. Assim, até mesmo pagãos podem seguir a lei de Deus, uma ética circunscrita
no coração de forma natural, como diz o apóstolo Paulo (BÍBLIA SAGRADA, Rm.
2.13ss), pois a consciência deles lhes serve de testemunha.

11
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

3.2 REVELAÇÃO ESPECÍFICA


A segunda maneira pela qual Deus se manifesta é a revelação específica.
Essa espécie de revelação traz o conhecimento de Deus de forma singular e
concreta, e não deixa interrogações a respeito de si. É uma maneira bastante
particular de revelação em que Deus deixa bem claro que ele é YHWH (Yahweh/
Javé) revelado também em Jesus Cristo.

A revelação específica de Deus aconteceu já na criação do mundo, quando


Deus revelou a si e conversava presencialmente com Adão e Eva. Também
ocorreu com Abraão, ao fazer com ele a aliança, mas ganhou novas proporções
com Moisés, ao revelar para Moisés o seu nome. Ao enviar Moisés para a sua
missão de libertar o povo de Israel escravizado no Egito, Moisés pergunta:
“Quando eu for aos israelitas e disser: ‘O Deus de vossos pais me enviou até vós’;
e me perguntarem: ‘Qual é o seu nome?’, que direi? Disse Deus a Moisés: ‘Eu
sou aquele que é’. Disse mais: ‘Assim dirás aos israelitas: EU SOU me enviou até
vós’” (BÍBLIA SAGRADA, Êx. 3.13-14). EU SOU, representado pelo tetragrama
YHWH – daí vem o nome Javé ou Jeová –, é atributo fundamental e específico
de Deus revelado a nós. A partir daí o homem chamou Deus pelo seu nome,
além das outras formas pelas quais Deus é chamado, como Adonai (Senhor) e
Elohim (Deus).

A revelação específica inibiu que o povo de Israel e, mais tarde, toda a


cristandade, sucumbisse à idolatria, pois Deus deixa bem claro quem ele é.
Conforme a tradução da Bíblia de Jerusalém (BÍBLIA SAGRADA, Is. 42.8): “Eu
sou Iahweh; este é o meu nome! Não cederei a outrem a minha glória, nem a
minha honra aos ídolos”. Não cabe outros deuses ao lado de Javé. Ao dizer de
si mesmo EU SOU, sem expor nenhum atributo seguindo esta sentença, Deus
demonstra a sua magnitude, pois ELE É a própria realidade e a totalidade de
todas as coisas.

Outro elemento da revelação específica é a revelação divina em Jesus


Cristo. É Deus manifestado em carne. Por isso que Jesus pode dizer “Quem me vê
a mim, vê ao Pai” (BÍBLIA SAGRADA, Jo. 14.9). Nesse sentido, em Jesus Cristo,
Deus se manifestou de maneira tão específica que podemos vê-lo em carne e osso.
O Filho de Deus é, portanto, a imagem do próprio Deus, de forma que Haarbeck
diz: “Também no Novo Testamento somos confrontados poderosamente com
o ‘EU’ de Javé” (1987, p. 27). Isso é evidentemente percebido nos diversos “Eu
sou” de Jesus expressos (BÍBLIA SAGRADA, Jo. 10.7; 14; 11.25; 14.6; 15.1;
Ap. 1.17). Aquino (2013, p. 34) demonstra isso ao dizer que “o cristianismo não
se ampara na morte de um homem sábio, antes, está firmado na morte e na
ressurreição de um homem que era também Deus. Em Jesus de Nazaré, temos o
Verbo encarnado, o Deus conosco.

12
TÓPICO 1 — INSPIRAÇÃO, REVELAÇÃO E SUA INERRÂNCIA E INFALIBILIDADE

FIGURA 2 – TETRAGRAMA YHWH, JAVÉ EM HEBRAICO

FONTE: <pt.wikipedia.org/wiki/YHWH>. Acesso em: 24 set. 2020.

Portanto, se a bíblia é inspirada pelo Espírito de Deus e por revelação dele


para nós, sua sacralidade comunica sua autoridade, como veremos a seguir.

4 AUTORIDADE DA BÍBLIA
A bíblia é norma suprema da cristandade. As Escrituras Sagradas
estabelecem o fundamento base para a igreja e normatizam as suas ações. A bíblia
possui tal autoridade por causa da sua inspiração e pelo conteúdo gracioso da
sua revelação. Como podemos ver na Dogmática cristã:

As Sagradas Escrituras são fonte e norma do conhecimento da


revelação de Deus que diz respeito à fé cristã. A autoridade última
da teologia cristã não é o cânone bíblico como tal, mas o evangelho
de Jesus Cristo testemunhado pelas Escrituras – o “cânone dentro do
cânone”. O próprio Jesus Cristo é o Senhor das Escrituras, a fonte e o
alcance de sua autoridade (BRAATEN; JENSON, 2002, p. 78).

Como Jesus Cristo é tema central da bíblia, também é fundamento da sua


autoridade. A bíblia continua sendo um livro, e pode até ser visto apenas como
um documento histórico, mas o seu conteúdo, a boa nova, o evangelho em Jesus
Cristo, transforma esse livro em autoridade máxima para a igreja cristã. Assim,
é a própria bíblia que deve determinar a validade de todos os dogmas cristãos.
Como diz o Epítome da Fórmula de Concórdia: “A Sagrada Escritura fica como o
único juiz, regra e norma de acordo com que, como única pedra de toque, todas as
doutrinas devem e tem de ser discernidas e julgadas quanto a serem boas ou más,
corretas ou incorretas” (LC 500s. apud BRAATEN; JENSON, 2002, p. 79). Portanto,
para a teologia cristã, a bíblia é o documento que regula todas as doutrinas.

13
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

E
IMPORTANT

As doutrinas são muito importantes para as diferentes confessionalidades.


Por isso, deve-se considerar a diferença entre norma normans (norma que rege) e norma
normata (norma que é regida). A bíblia é norma normans, ela é a norma que rege todas as
outras, todas as doutrinas. Já a doutrina confessional, por sua vez, é norma normata, pois
é norma para sua confessionalidade, mas norma regida pela bíblia. Portanto, a doutrina
confessional também possui normatividade, embora derivada da norma original.

Para a vida de fé, a bíblia é a norma de conduta. Espera-se que toda a


ação cristã seja orientada pelos preceitos bíblicos. Isso vale para teólogos, padres,
pastores, missionários e outros líderes espirituais, mas nenhum desses está acima
das Escrituras Sagradas. Qualquer palavra proferida em um púlpito de igreja
deve estar minuciosamente de acordo com a bíblia. Assim, qualquer palavra
ensinada por um líder cristão não tem validade normativa se não está de acordo
com os conceitos bíblicos, daí a necessidade de se ter um conhecimento profundo
sobre bíblia e de submeter-se a sua autoridade.

4.1 O CÂNONE
Como diz Brakemeier, a bíblia é, provavelmente, “o livro de maior efeito
histórico de todos os tempos” (BRAKEMEIER, 2003, p. 7). Embora veremos o
cânone no tópico seguinte, mas é necessário destacar, desde já, ao falarmos sobre
a autoridade da bíblia, que, no início da cristandade, tanto do Antigo como do
Novo Testamento, foram constituídos e combinados para serem cânon. Cânon é
uma palavra derivada da língua hebraica que significa “vara”, “régua”, “medida”.
Ou seja, um cânone serve como norma, regulamento, regra, diretriz. Em vista
disso, a bíblia, enquanto Palavra de Deus, é princípio normativo em assuntos de fé
e conduta cristã.

A compilação feita com os livros originais do Antigo Testamento, em


conjunto com os livros originais do Novo Testamento, para formar a bíblia como
a conhecemos hoje, demorou séculos. Além disso, desde muito antes até a era
contemporânea, a bíblia foi traduzida para diversas línguas. Existe muito rigor
científico para que as traduções que recebemos tenham o máximo de aproximação
com o teor dos textos bíblicos originais. Hoje, temos um número alto de traduções
do cânone bíblico para o português.

No entanto, deve-se dizer que esse cânone bíblico, essa norma e


regulamento cristão, não caiu do céu, mas deu-se depois de um longo processo
em que pessoas tiveram que decidir o que seria ou não incluído no cânone. Por
causa disso, muitos questionam a autoridade bíblica, dizendo que a bíblia é mera

14
TÓPICO 1 — INSPIRAÇÃO, REVELAÇÃO E SUA INERRÂNCIA E INFALIBILIDADE

confecção humana. Mesmo assim, levando-se em conta o conceito de inspiração


e revelação, alega-se que Deus guiou e inspirou também essas pessoas que
confeccionaram o cânone bíblico como conhecemos hoje, de forma que tivéssemos
em mãos apenas o que é verdadeiramente Palavra de Deus.

FIGURA 3 – PAPIRO 46 (2CO. 11.33-12.9)

FONTE: <pt.wikipedia.org/>. Acesso em: 25 set. 2020.

TUROS
ESTUDOS FU

O Tópico 2 será inteiramente dedicado para o cânone bíblico, não perca!

4.2 AUTORIDADE CAUSATIVA E AUTORIDADE NORMATIVA


A autoridade da bíblia é constantemente posta em dúvida por meio dos
mais diversos questionamentos. Em tempos de globalização, o conhecimento de
outras culturas e de tantos outros textos sagrados nos coloca a pergunta: a bíblia
é realmente superior aos outros textos sagrados de outras religiões? Tal como
com o conhecimento da cultura islâmica, percebemos que o Alcorão, para os
muçulmanos, é tão sagrado quanto a bíblia é para os cristãos. Além disso, como
Brakemeier explicita, o uso fundamentalista da Sagrada Escritura, por parte
de vertentes cristãs, com o intuito de oprimir, julgar e conquistar a obediência

15
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

servil dos seus fiéis, gera, além de desconfiança, oposição à autoridade bíblica
(BRAKEMEIER, 2003). Ainda, outro elemento muito eficaz para produzir objeção
à autoridade das Escrituras são as esdrúxulas falsas notícias que, por exemplo,
supostamente afirmam ter “comprovado a existência da arca de Noé” e coisas
semelhantes. São incidentes que danificam a autoridade bíblica. Como, então,
podemos comprovar a autoridade bíblica?

Antes de respondermos a essa pergunta, devemos fazer a diferenciação


entre autoridade institucional e autoridade individual. Conforme Brakemeier,
a autoridade institucional é a autoridade conferida por uma instituição. Isto
é, uma instituição fornece a determinada pessoa uma autorização para agir
de determinada forma. A isso também chamamos de poder. Já a autoridade
individual é a autoridade reconhecida de forma espontânea e pública por
outras pessoas. Uma pessoa pode receber essa autoridade por sua competência,
integridade, força de caráter, confiabilidade etc. (BRAKEMEIER, 2003).

Jesus era alguém que tinha grande autoridade individual, como está
escrito: “Maravilhavam-se da sua doutrina, porque os ensinava como quem
tem autoridade e não como os escribas” (BÍBLIA SAGRADA, Mc. 1.22). Jesus
conquistava as pessoas por sua integridade moral, carisma e conhecimento
verdadeiro das causas divinas, mas os escribas detinham o poder do ensinamento
autorizado pela instituição religiosa. Essa diferenciação dava soberba aos
escribas, mas a Jesus dava autoridade conferida espontaneamente por aqueles
que o ouviam.

Em vista disso, conferimos à bíblia autoridade causativa e autoridade


normativa, ou seja, autoridade inerente a si mesma e autoridade institucional.

• Autoridade causativa – a bíblia fala ao coração humano por ser Palavra de


Deus. Ela é testemunho do Espírito Santo, o qual se manifesta através dela. Ela
é causadora da fé e desperta a fé naqueles que têm o coração tocado pela sua
Palavra. Os que aceitam a sua mensagem através da fé conferem a ela mesma
toda autoridade. Nas palavras de Brakemeier, “somente a fé vai descobrir e
aceitar também a autoridade da bíblia” (BRAKEMEIER, 2003, p. 79). Para os
que não têm fé, portanto, a bíblia não passa de um livro histórico, mas, para
os que têm fé, estes espontaneamente conferem autoridade à bíblia. Por isso, a
autoridade causativa possui semelhança com a autoridade individual.
• Autoridade normativa – “A autoridade normativa da Bíblia decorre de sua
autoridade causativa [...]. A autoridade causativa é o fundamento da autoridade
normativa” (BRAKEMEIER, 2003, p. 78-79). A autoridade normativa da
bíblia só é possível porque primeiro lhe foi conferida, de forma espontânea, a
autoridade causativa, porque a Igreja, enquanto instituição, reconhece a bíblia
como Palavra de Deus, como cânon, como Escritura Sagrada, e transforma ela
como base e princípio normativo de todas as suas doutrinas. É a igreja que
determina que a bíblia é norma para toda humanidade, pois decreta que ali
está contida a verdade celeste. Por isso, a bíblia possui autoridade eclesiástica,
que possui semelhança com a autoridade institucional.

16
TÓPICO 1 — INSPIRAÇÃO, REVELAÇÃO E SUA INERRÂNCIA E INFALIBILIDADE

5 INERRÂNCIA E INFALIBILIDADE
A seguir, trataremos, brevemente, da questão da inerrância bíblica e de
sua infalibilidade, ou seja, a doutrina de que a bíblia não erra e é absolutamente
infalível. Segundo Braaten e Jenson (2002, p. 83), os teólogos dogmáticos ortodoxos
do século XVII atribuíam a autoridade da bíblia a sua inspiração e sua inerrância.

DICAS

Veja como um assunto está conectado com o outro.

A questão da inerrância é tanto mais enfatizada, na medida em que se


assume o conceito de inspiração verbal das Sagradas Escrituras, ou seja, se o
Espírito Santo é o único autor e é subtraída a participação dos autores pessoais,
então toda a responsabilidade do texto bíblico recai sobre o Espírito de Deus.
Nesse sentido, é incoerente afirmar que a bíblia pode conter erros e imperfeições,
mas, como vimos, essa concepção não é estimulada, também pelos seus efeitos: a
“afirmação de que se deve crer nelas (as escrituras) não por causa do que dizem,
mas puramente porque o dizem” (BRAATEN; JENSON, 2002, p. 84, grifo nosso).
Não podemos, como já ficou evidente, tirar o ser humano do argumento em
torno das Escrituras, o que significa assumir que pessoas falhas fizeram parte
do processo de confecção da bíblia.

Haarbeck menciona que os próprios apóstolos não queriam ser


considerados pessoas infalíveis, mas que seu testemunho e ensino, sim, deveriam
ser infalíveis (HAARBECK, 1987, p. 19.). Como Paulo diz (BÍBLIA SAGRADA, 1
Ts. 2.13): “[...] tendo vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus,
acolhestes não como palavras de homens, e sim com, em verdade é, a palavra
de Deus”. Também Jesus diz, em relação ao Antigo Testamento, que “a Escritura
não pode falhar” (BÍBLIA SAGRADA, Jo. 10.34-35). Esse é o argumento pelo
qual Jesus se defendeu de acusações de blasfêmia, sendo que ele agia e falava em
conformidade com as Escrituras. Mas quando Jesus radicaliza os mandamentos, a
exemplo de sua posição diante da lei do sábado? Também nesses momentos Jesus
aponta para a infalibilidade das razões espirituais das Escrituras, ou seja, Jesus
não pretende provar que letra por letra era isenta de erros, mas que o conteúdo
espiritual das Escrituras era isento de erros.

Em relação a isso, Brakemeier (2003, p. 36) diz algo interessante: “A palavra


inerrância confunde. É inadequada. Mistura a exatidão formal com a veracidade
de conteúdo. Em sentido formal há erros na Bíblia, sim. Dizem respeito a citações,
indicações geográficas e outros dados” – o que é verdade, pois, se analisarmos
atentamente, encontraremos uma série de incongruências na bíblia. Vejamos
alguns exemplos:

17
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

• Deus cria as plantas e as árvores no terceiro dia (BÍBLIA SAGRADA, Gn. 1.11-12),
enquanto os homens são criados no sexto dia (BÍBLIA SAGRADA, Gn. 1.26-27).
Contudo, ao mesmo tempo podemos encontrar a informação de que o homem é
criado antes das plantas e árvores (BÍBLIA SAGRADA, Gn. 2.5-9).
• Deus incitou o rei Davi a levantar o censo de Israel e de Judá, o que se tornaria
pecado (BÍBLIA SAGRADA, 2Sm. 24.1). Num segundo relato do mesmo caso,
está escrito que foi Satanás que incitou o rei Davi a levantar o censo (BÍBLIA
SAGRADA, 1Cr. 21.1).
• No evangelho, há uma citação profética falsamente atribuída a Isaías (BÍBLIA
SAGRADA, Mc. 1.2). Na verdade, esse versículo trata-se de uma palavra do
profeta Malaquias (BÍBLIA SAGRADA, Ml. 3.1). Apenas no versículo seguinte
consta a palavra do profeta Isaías.
• Jesus diz que o sumo sacerdote Abiatar deu os pães sagrados para Davi comer
(BÍBLIA SAGRADA, Mc. 2.26), mas foi o sacerdote Aimeleque que fez isso
(BÍBLIA SAGRADA, 1Sm. 21.1-6).

Esses são apenas alguns exemplos, embora podemos encontrar várias


outras contradições bíblicas, também de natureza moral. Isso tudo significa que
devemos atribuir essas falhas a Deus? Devemos descartar todo o conteúdo da
bíblia por causa dessas contradições formais?

Em relação a isso, Brakemeier diz:

A negação de tais falhas prejudicaria a qualidade “humana” da


Bíblia e de seus autores. A verdade que a Bíblia comunica é de outra
natureza, é a “verdade da salvação”. Nesta a Bíblia não erra. Ela
contém tudo o que precisamos saber para obter a vida eterna. É como
no caso daquele sapateiro que colocou uma placa à frente de sua
oficina, na qual dizia: “Conserta-se calçados”. Em termos gramaticais
ele errou, pois a redação correta é: “Consertam-se calçados”. Mesmo
assim, a afirmação está certa. Ali, de fato, calçados são consertados.
A Bíblia apresentar defeitos formais. Mas estes de modo algum
prejudicam a verdade de sua mensagem (BRAKEMEIER, 2003, p. 36).

Então, não recomendamos despir a bíblia de sua natureza histórica,


o que significa admitir que a bíblia contém erros formais, sim, mas que essas
contradições não significam que devemos desconsiderar a verdade do conteúdo
bíblico. Os textos bíblicos contêm uma intenção teológica, uma mensagem, a
mensagem de salvação, e esta mensagem é infalível.

Em vista disso, Alexandre Milhoranza diz:

Não devemos esperar uma exatidão precisa dos acontecimentos


históricos nem uma linguagem científica formal, uma vez que os
escritores não tinham à sua disposição o mesmo conhecimento obtido
até os dias de hoje. Logo, se Jesus não ressuscitou, se não acalmou a
tempestade no mar, se os muros de Jericó não caíram, se as Escrituras
não apontam a justificação pela fé, o arrependimento dos pecados
ou a vida eterna, a Bíblia estaria errada e seria falível (AQUINO,
2013, p. 136).

18
TÓPICO 1 — INSPIRAÇÃO, REVELAÇÃO E SUA INERRÂNCIA E INFALIBILIDADE

Logo, vemos que as Sagradas Escrituras possuem duas naturezas, a bíblia


é ao mesmo tempo divina e humana. “A Bíblia é um livro divino, em razão da
revelação dada por Deus aos seus profetas; mas também é um livro humano,
em virtude das características socioliterárias dos homens que a escreveram”
(AQUINO, 2013, p. 137).

6 SOLA SCRIPTURA
Sola scriptura é uma expressão latina que representa um dos cinco
princípios fundamentais que sustentam a doutrina reformista de Martinho
Lutero. Chamamos os cinco princípios de cinco solas, que são: sola fide (somente
a fé), sola scriptura (somente a Escritura), solus Christus (somente Cristo), sola
gratia (somente a graça) e soli Deo gloria (glória somente a Deus).

O princípio sola scriptura encaixa-se perfeitamente com o que vimos até


aqui e é uma herança da Reforma Protestante do século XVI. Para entendermos
melhor a importância desse princípio, devemos considerar a importância da
bíblia para Lutero. Sobre isso Martin Dreher (2006, p. 45) diz:

Para Lutero, a Bíblia é a única autoridade na igreja. Tudo o mais que


existe na igreja deve ser deduzido dessa autoridade e só vale se estiver
em concordância com ela. A causa dessa autoridade vem do fato de
que a Escritura é uma fixação da pregação apostólica a respeito de
Jesus Cristo. É nela que encontramos a pregação viva dos apóstolos.

Assim, para Lutero, a bíblia era o mais direto testemunho acerca da Jesus
Cristo e da história da salvação. Esse testemunho é vivo e quer provocar a fé
naqueles que entram em contato com ela. O testemunho do evangelho, a redenção
do ser humano, é primordial ao lidar com as Escrituras; e o grande sujeito pelo
qual essa história é possível é Jesus. Sobre a importância de Jesus na bíblia para
Lutero, Dreher (2006, p. 45-46) diz:

Ele também é o centro da Escritura, e nele ela encontra a sua unidade.


Caso tirarmos Cristo da Escritura, nada mais sobra nela. Como Jesus
Cristo é o verbo divino encarnado, ele é o único conteúdo da Escritura
enquanto palavra de Deus. Com esse acento, Lutero quis assegurar
que a Escritura só tem um sentido: Jesus Cristo. É ele quem confere
credibilidade ao texto e, ao mesmo tempo, quem o interpreta.

Não existe, portanto, Sagrada Escritura sem Jesus Cristo. Daí surge o
outro sola, o solus Christus. A Igreja de Cristo é serva da bíblia, e não dona dela.
Mesmo para interpretar a mensagem bíblica, é necessário que a interpretação vá
em direção a Cristo. Em vista disso, se a bíblia é testemunho de Jesus Cristo e
sua interpretação deve sempre buscar a ele, então, a bíblia é o fundamento da
sua própria interpretação. Por isso, Lutero expressa que “a bíblia interpreta a
si mesma” (DREHER, 2006, p. 46). A bíblia é a sua principal e única chave
hermenêutica, e essa concepção foi muito importante para Lutero por causa

19
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

do contexto eclesiástico no qual ele estava inserido, visto que a Igreja Católica
Apostólica Romana fundamentava sua doutrina não apenas da bíblia, mas
na tradição apostólica e no magistério, dando autoridade última ao papa na
interpretação. Portanto, as palavras do papa tinham tanto poder quanto as
Escrituras. Lutero queria deixar claro que, até mesmo, o papa deveria se submeter
à autoridade da bíblia. Inclusive, num debate com João Eck, em 1519, Lutero teria
dito que um simples leigo armado com as Escrituras é maior que o mais poderoso
papa sem elas.

Suas afirmações o levaram à Dieta de Worms, um conselho deliberativo


imperial que ocorreu em 1521, quando foi exigido que Martinho Lutero
renunciasse a suas “heresias”. Lutero recusou-se a renunciar a suas ideias, a
menos que fosse convencido pelo testemunho das Sagradas Escrituras. Por isso,
ele foi sentenciado à prisão e à punição como herege, mas, antes que o conselho
promulgasse a sentença, Lutero fugiu e foi levado ao castelo de Wartburg.

FIGURA 4 – LUTERO NA DIETA DE WORMS DIANTE DE CARLOS V

FONTE: <www.abim.inf.br/heroica-resistencia-a-heresia-luterana/>. Acesso em: 26 set. 2020.

Refugiado em Wartburg por dois anos, Lutero dedicou-se a traduzir o


Novo Testamento do grego para o alemão. Devemos lembrar que o povo comum
não tinha acesso à bíblia na sua própria língua. A tradução de Lutero foi um
marco dentro da Reforma, pois finalmente o povo alemão pôde ter acesso à bíblia
– a imprensa de Gutenberg foi fundamental nesse processo. Isso posto, se sola
scriptura significa que a bíblia deve ser a única norma para a vida de fé, então o
povo deve ter acesso a ela de forma pessoal.

20
TÓPICO 1 — INSPIRAÇÃO, REVELAÇÃO E SUA INERRÂNCIA E INFALIBILIDADE

FIGURA 5 – O QUARTO ONDE LUTERO TRADUZIU O NOVO TESTAMENTO NO


CASTELO DE WARTBURG

FONTE: <https://brasilescola.uol.com.br/historiag/martinho-lutero.htm>. Acesso em: 26 set. 2020.

DICAS

Uma dica de filme é Lutero (2003), de Eric Till.

Assim, “onde encontramos o meio fidedigno da autocomunicação de


Deus? A resposta a esta pergunta foi dada no século XVI pelo princípio
reformatório do sola scriptura” (BRAATEN; JENSON, 2002, p. 79). Com a bíblia
em mãos, podemos nos comunicar diretamente com Deus, recebendo a sua
Palavra e a revelação do seu Verbo, Jesus Cristo. Por mais que haja sabedoria
nos demais escritos e tradições eclesiásticas, a doutrina evangélica determina
que todos os textos e tradições da igreja devem estar submetidas à sabedoria
bíblica. A Reforma Protestante deixou claro que toda autoridade em questão de fé
se conserva firmada na boa-nova das Escrituras Sagradas, e “não nos credos e
concílios da Igreja ou nos ofícios hierárquicos, papado e episcopado” (BRAATEN;
JENSON, 2002, p. 82). Apenas a bíblia detém toda a autoridade em questões de fé e
salvação, e apenas ela deve ser aceita como tal.

O conceito de sola scriptura é fundamental para a teologia. Nas palavras


de Karl Barth (1996, p. 26):

Assim, a teologia terá o seu definitivo abaixo dos escritos bíblicos. Ela
sabe e leva em conta que eles são os escritos humanos e humanamente
condicionados, mas escritos santos, i. é, escritos apartados, que
merecem e pedem respeito e atenção extraordinários em razão de sua
relação imediata com a obra e a palavra de Deus.

21
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

É possível perceber que todos os assuntos abordados neste tópico estão


em perfeita concordância e simetria; tudo aponta para o valor da bíblia como
documento normativo e orientador, no qual todo estudo teológico deve estar
subordinado, uma vez que essas Escrituras Sagradas são Palavras de Deus,
inspiradas pelo seu Espírito, que manifestam a sua vontade e, especialmente, a si
mesmo revelado, encarnado em Jesus Cristo para redimir a humanidade.

No Tópico 2, entenderemos com mais detalhes o processo de formação


dessa norma, o cânone bíblico.

22
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A bíblia é inspirada por Deus através do seu Espírito, que soprou o conteúdo
sagrado aos autores para que eles relatassem o que lhes foi revelado. Mesmo
assim, a inspiração não foi um ditado verbal que instrumentalizou os autores,
mas uma influência que levou em conta as particularidades culturais e pessoais
de cada autor.

• Só podemos conhecer a Deus através da sua autorrevelação. É Deus que revela


a si mesmo. A bíblia tem como conteúdo a revelação de Deus e unicamente
aquilo que Ele quis revelar de si.

• Há duas maneiras pelas quais Deus se revela: a revelação geral e a revelação


específica. A revelação geral acontece por meio da natureza, da história e da
consciência. Já a revelação específica é quando Deus deixa claro quem Ele é
exatamente, que é Javé, também encarnado em Jesus Cristo.

• A bíblia possui autoridade e é o único documento que regula todas as doutrinas


eclesiásticas. Essa autoridade pode ser causativa, conferida espontaneamente
pelos que têm fé, e normativa, conferida pela Igreja.

• A bíblia contém situações que remetem à falhabilidade dos escritos formais,


pois pessoas falhas fizeram parte da sua redação e confecção. Mas ela contém uma
intenção teológica, a história da salvação, e esse conteúdo salvífico é infalível.

• O conceito reformista de sola scriptura determina que apenas a bíblia deve ser
norma para a vida de fé e que somente ela detém autoridade em questões de fé
e salvação.

23
AUTOATIVIDADE

1 O contexto da Sagradas Escrituras demonstra uma divisão bastante


preocupada com o acesso do fiel a sua leitura. É importante ressaltar que,
apesar de ter sido transcrito por pessoas normais, todos os estudiosos
remetem as escrituras ao processo de inspiração divina na escrita dos
textos. Quais são os dois principais versículos que fundamentam o conceito
de inspiração bíblica?

2 A única forma pela qual podemos ter conhecimento de Deus é por sua
autorrevelação, mas Deus se revela de mais de uma forma. Existem duas
maneiras bem particulares de como Deus se revela a nós. Cite quais são
essas duas formas.

3 “As Sagradas Escrituras são fonte e norma do conhecimento da revelação


de Deus que diz respeito à fé cristã” (BRAATEN; JENSON, 2002, p. 78),
ou seja, a bíblia é norma suprema da cristandade e documento que regula
todas as doutrinas. Com base no conceito de autoridade bíblica, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) A bíblia não determina os dogmas cristãos.


b) ( ) As palavras de ministros religiosos, como padres e pastores, têm tanta
autoridade quanto a bíblia.
c) ( ) O evangelho de Jesus Cristo não caracteriza a autoridade da bíblia.
d) ( ) Jesus Cristo é o grande fundamento da autoridade bíblica.
e) ( ) A autoridade bíblica é conferida unicamente por instituições religiosas.

4 O conceito de inerrância e infalibilidade bíblica é a doutrina de que a bíblia


não possui erros e é completamente infalível. Essa doutrina tornou-se
famosa na teologia ortodoxa. Analisando a doutrina da inerrância bíblica,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as sentenças falsas:

( ) Até mesmo os apóstolos assumiam-se infalíveis e, portanto, seus escritos


também eram infalíveis.
( ) A bíblia não possui erros nem mesmo no seu sentido formal.
( ) A bíblia foi escrita por homens que cometeram erros, mas a mensagem da
bíblia é infalível.

Assinale a alternativa que apresenta a alternativa CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) F – V – V.
c) ( ) F – F – V.
d) ( ) V – V – F.

24
5 Sola scriptura significa somente a Escritura. Trata-se de um princípio da
Reforma Protestante que diz que a bíblia deve ser a única norma para a
vida de fé e que apenas ela detém a autoridade em questão de salvação e
conduta cristã. Considerando o princípio reformista sola scriptura, assinale
a alternativa CORRETA:

a) ( ) A bíblia é testemunho direto da história da salvação em Jesus Cristo.


b) ( ) Lutero acreditava que o Papa era o único que interpretava a bíblia
corretamente.
c) ( ) O povo leigo não deve ter acesso direto ao conteúdo das Escrituras.
d) ( ) Documentos normativos da igreja também são infalíveis.

25
26
TÓPICO 2 —
UNIDADE 1

A CANONICIDADE DO ANTIGO E DO NOVO TESTAMENTO

1 INTRODUÇÃO
A formação do teólogo tem por objetivo fornecer uma compreensão
mais ampla do horizonte da crença, o que torna, através dos estudos, realizados
de maneira séria, e seguindo todos os procedimentos acadêmicos, possível
compreender o contexto do sagrado, não somente através da fé, mas dando a ela
um sustentáculo da racionalidade científica.

Neste tópico, seguindo essa direção, será possível lançar um olhar mais
atento sobre a formação do Cânon – essa régua de medida do sagrado, foi durante
séculos, compilada para repassar para as gerações seguintes todo o conteúdo
e a verdade das determinações e das mensagens de Deus. Seja pela transcrição
de uma oralidade, dos séculos de tradição religiosa hebraica, contida no Antigo
Testamento, seja por conta da preocupação em repassar a verdade de Deus, em
meio a tantas interpretações da fé cristã, por volta dos séculos I a III, o compromisso
do teólogo, como estudioso, aparece de maneira a tornar mais rica a interpretação
do que se conhece como Sagradas Escrituras.

Assim como na contemporaneidade, nos primeiros séculos do


cristianismo, bem como durante toda a caminhada do povo hebreu, o contexto
do sagrado, do religioso, nunca esteve separado de todo o contexto social em
que os fiéis estão inseridos quanto sujeitos históricos. Essa inserção do sujeito em
seu tempo faz com que, além de todo o contexto espiritualizante das escrituras,
ainda se percebam elementos históricos, que não necessariamente dizem respeito
somente a datas, mas principalmente a contextos, tendo como intuito dar um
direcionamento moral, junto ao espiritual, ao povo de Deus.

Nessa situação, figuras como os chamados Doutores, ou Pais da Igreja,


têm um grande protagonismo, pois muitos desses dedicados teólogos estudaram
profundamente as Escrituras, bem como a História e a Filosofia. Com esses
estudos, eles puderam compreender tanto as escrituras quanto os contextos
políticos e sociais em que estavam inseridos, permitindo reflexões que tornaram
possíveis uma interpretação mais abstrata do sagrado, cujos pensadores desse
período, a exemplo de Agostinho de Hipona, relacionaram suas reflexões com as
ideias platônicas.

27
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

A intenção desses estudos não era promover uma nova interpretação, ou


alteração do prisma interpretativo, mas usar os recursos filosóficos constituídos,
principalmente, na Filosofia Grega Clássica. Tomás de Aquino é outro exemplo
de pensador da teologia que vincula suas reflexões com as gregas clássicas, porém
ampara suas reflexões no filósofo Aristóteles.

Durante toda a caminhada da Igreja, foi constante o aparecimento de


mensagens das mais diversas, rogando-se como sagradas. Nesse sentido, os
sacerdotes precisaram ser muito cuidadosos, para manterem viva a mensagem
dos textos sagrados, evitando que alguma falsa mensagem fosse posta como
verdadeira. Assim, a preservação dos livros do Antigo Testamento, bem como a
análise cuidadosa dos livros do Novo Testamento, para garantir a confiabilidade
das escrituras. A expressão cânon vem do grego Kanon e está relacionada com
uma cana, uma vara de medida – em termos contemporâneos, com uma forma de
régua, que permite não somente ter a medida de algo, mas também perceber sua
retidão. Na contemporaneidade, o cânon pode ser definido como livro sagrado e
reconhecido como tal, por parte dos cristãos.

FIGURA 6 – IMAGEM COM CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

FONTE: <https://alexandremilhoranza.files.wordpress.com/2009/09/canon-antigo-testamento.jpg>.
Acesso em: 8 set. 2020.

A análise cuidadosa dos livros sagrados e inspirados tornou possível


realizar a devida classificação de suas tipologias:

• Livro Autorizado – que vem de Deus.


• Livro Profético – que foi escrito por um servo de Deus.
• Livro Confiável – que apresenta a verdade sobre Deus.
• Livro Dinâmico – que o poder de Deus e sua força estão na transformação da vida.
• Livro Aceito – reconhecido pelos fiéis, sendo atribuído a Deus.

Dessa maneira, então, pode-se compreender que o conjunto dos livros


que compõe o cânon representa um importante elo entre Deus e seu povo, o qual
tem como intenção não somente mostrar aos fiéis o poder divino, mas também
orientações ao povo de Deus, demonstrando a ele o caminho certo a ser seguido.

28
TÓPICO 2 — A CANONICIDADE DO ANTIGO E DO NOVO TESTAMENTO

2 CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO


O Antigo Testamento, advindo das Escrituras Hebraicas, representa uma
parte importante da Bíblia, no conjunto de livros que é conhecido. Contudo,
muitas vezes, não recebe muita atenção o fato de que, por mais que o cânon
seja uma versão sagrada para os cristãos do mundo todo, isso não significa
necessariamente que não existam discordâncias em alguns aspectos, fazendo com
que algumas versões possam ter algumas diferenças que lhes são próprias.

Enquanto o cânon do Novo Testamento coincide na maioria das


Igrejas cristãs, o mesmo não ocorre com relação ao Antigo Testamento.
Essa questão está relacionada com a Septuaginta, uma tradução das
Escrituras hebraicas para o grego, realizada antes de Cristo.
A tradução começou a ser realizada por judeus em Alexandria sob
Ptolomeu II – Filadelfo (c. 285-246/7 a.C.), sendo nessa época traduzido
o Pentateuco. Essa Versão é denominada também LXX, pois teria sido
elaborada por setenta (ou setenta e dois) eruditos judeus. Ao Pentateuco,
foram acrescentados os demais livros, cuja tradução foi feita por um
grande número de pessoas diferentes [...] por volta do final do segundo
século a.C. todo o Antigo Testamento, pelo menos o seu conteúdo
principal havia sido traduzido ao grego (KLEIN, 2012, p. 164).

Nessa direção, podemos perceber uma diferenciação nas igrejas cristãs


ocidentais:

A Igreja, principalmente no Ocidente, adotou, além dos livros


das Escrituras hebraicas, sete livros chamados eclesiásticos ou
deuterocanônicos, da Septuaginta, a saber: Tobias, Judite, Baruque, 1
Macabeus, 2 Macabeus, Sabedoria e Eclesiástico, bem como adições
em grego aos livros de Ester e Daniel. A Igreja Católica Romana
confirmou esse cânon do Antigo Testamento no Concílio de Florença
(1441/2) e no Concílio de Trento (1546).
Quanto ao cânon do Antigo Testamento, a Igreja Ortodoxa Grega tem
enumerado também III Macabeus ou mesmo IV Macabeus e I Esdras
(além de Esdras e Neemias). A Igreja Ortodoxa Etíope, monofisita,
possui um cânon geral da Bíblia, incluindo o Novo Testamento,
bem mais amplo que o das outras Igrejas cristãs. Inclui I Esdras, III
Macabeus, Salmo 151, Enoque, Jubileus, Clemente, Didascália, além
de livros dos Sínodos e dos Pactos (KLEIN, 2012, p. 165).

Essa interpretação diferenciada não é apenas definida pela questão


geograficamente distinta entre a concepção Ocidental e a versão Oriental; ela também
se relaciona com uma questão própria do cristianismo europeu, que se tornou a
maior influência do cristianismo mundial. Essa influência das versões cristãs de
tendência europeia não quer dizer necessariamente que se trata de uma visão única,
pois também terá as suas especificidades, principalmente após a Reforma.

As Igrejas da Reforma, em geral, reconheceram a autoridade canônica


do cânon restrito palestinense (correspondentes aos 22 das Escrituras
hebraicas), mas mantiveram durante séculos os sete livros do cânon
grego (deuterocanônicos ou apócrifos) no final do Antigo Testamento.
Na realidade, Lutero cogitou a possibilidade de exclusão também de
alguns livros do Novo Testamento, a exemplo da Carta de Tiago.

29
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

A partir de inícios do século XIX a Sociedade Bíblica Britânica e


Estrangeira e a Sociedade Bíblica Americana excluíram os livros
deuterocanônicos do Antigo Testamento (KLEIN, 2012, p. 165).

Desse modo, é possível perceber que, apesar de ser chamada de A Palavra,


ou As Escrituras, esses textos passaram por algumas compilações, compreendendo
as realidades das denominações às quais norteiam.

A respeito de uma compreensão sobre a divisão racional do Antigo


Testamento, é possível imaginar uma divisão conceitual, na qual se pode:

salientar a diferença que existe entre o estudo da composição ou da


formação dos livros do Antigo Testamento e o estudo da formação do
cânone do Antigo Testamento. O primeiro universo de estudo aborda
o desenvolvimento físico do Antigo Testamento.
Questiona, investiga e posiciona‑se diante de cada livro,
individualmente e consequentemente no seu coletivo, no seu contexto
sociocultural imediato. O segundo universo de pesquisa abre a porta
para a análise das diferentes atitudes e posturas diante da compreensão
da materialização do conceito de “inspiração divina” (COIMBRA,
2012, p. 209).

No estudo da Teologia, é importante compreender que, quando se faz


referência aos textos antigos, significa compreender que esses textos, em sua
maioria, se encontravam escritos em grego, uma vez que era o idioma que os
estudiosos da época utilizavam como um equivalente do que se conhece na
contemporaneidade como idioma acadêmico. Nesse contexto, pode-se citar
Flávio Josefo (37-100 d.C.), um historiador e grande estudioso judaico-romano
que se dedicou ao estudo das escrituras e que afirmou que os livros apócrifos não
faziam parte das escrituras hebraicas sagradas.

FIGURA 7 – FLÁVIO JOSEFO (37-100 D.C.)

FONTE: <https://umsocorpo.com.br/historia-dos-hebreus/admin/wp-content/uploads/2018/08/
busto-romano-flavio-josefo.jpg>. Acesso em: 8 set. 2020.

30
TÓPICO 2 — A CANONICIDADE DO ANTIGO E DO NOVO TESTAMENTO

Foi somente depois de muito tempo, após a Reforma, que o cristianismo,


a partir dos católicos, inseriu os livros apócrifos no conjunto das escrituras.
Muito embora Jerônimo (que, para os católicos, é santo) já tivesse realizado essa
inclusão na versão latina das escrituras, que é conhecido como Vulgata Latina,
essa versão é uma tradução, para o latim, de um dos textos mais reconhecidos
entre os cristãos, a Septuaginta (LXX), que, por sua vez, é uma tradução do idioma
hebraico para o grego.

FIGURA 8 – SÃO JERÔNIMO DE CARAVAGIO

FONTE: <https://miro.medium.com/max/1037/0*VUrjX8fnG8IbRAfJ>. Acesso em: 8 set. 2020.

3 O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO


Os estudiosos afirmam que a formação do Novo Testamento é muito mais
fácil de ser estudada. Isso acontece por conta do fato de os textos que compõem o
Novo Testamento serem muito mais recentes (se é possível dizer dessa maneira),
visto que esses livros foram escritos a partir do século I d.C. Se for levado em
consideração o fato de que poucas pessoas conheciam a escrita desse período,
isso torna mais razoável a compreensão dos estudos históricos desses textos,
considerando, ainda, que os livros do Antigo Testamento tinham a difícil missão
de registrar séculos de ensinamentos repassados através da oralidade.

Esses livros, componentes do Novo Testamento, referem-se aos


apóstolos, portanto, já possuem uma grande autoridade, bem como suas cartas, e
obviamente também, os ensinamentos de Jesus Cristo. Em grande parte, os livros que
compõem o Novo Testamento refletem os séculos de estudos. Nesse período,
temos os chamados Pais da Igreja (ou Doutores da Igreja), que eram filósofos,
estudiosos religiosos que se dedicaram ao estudo das mensagens pregadas por
Jesus Cristo, bem como à continuidade dessas pregações através dos apóstolos.

Esses doutores da Igreja, ao executarem a difícil missão de estudar as


escrituras, fazendo uma análise aprofundada, conheceram diversas traduções
e versões das escrituras, estudando, inclusive, os livros que ficaram de fora do

31
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

cânon. Os estudos desses livros, bem como a interpretação sobre sua validade,
além do caráter de revelação e/ou relevância espiritual, são tema de estudos de
muitos teólogos até a contemporaneidade.

Observemos que o evangelho de João, o último dos quatro a ser escrito,


é muito diferente dos outros três evangelhos e há inúmeros episódios
que não estão contidos em nenhum dos outros três.
Podemos citar, ainda, ditos que estão no Novo Testamento, mas que
não fazem parte de nenhum evangelho canônico.
Algumas narrativas “alternativas” possuíam muita estima por parte
dos cristãos antes da formação do cânon. Muitas delas, no início do
cristianismo, não eram vistas como heréticas, falsas etc., mas, serviam
de catequese cristã primitiva. Por outro lado, nem todos os livros do
Novo Testamento eram bem aceitos por todo cristão. Alguns deles até
hoje são considerados apócrifos e sem inspiração divina (MOURA,
2013, p. 13).

A canonicidade é considerada uma coleção de livros, uma biblioteca para


o povo de Deus. Nesse sentido, é compreensível que se tenha uma diversidade
de gêneros e estilos literários diferentes. A intenção nessa coleção literária busca,
através de seus textos, conectar o fiel, seu leitor, a Deus, demonstrando sua santidade.

3.1 A SELEÇÃO DO CÂNON


No que tange à seleção dos livros do cânon, foi necessário que, como já dito, a
mensagem de Jesus fosse repassada, mantendo o cuidado com sua assertividade. Os
doutores da Igreja tiveram que tomar muito cuidado na compilação dos livros que,
hoje, estruturam o Novo Testamento, para não incorrerem nos mesmos incidentes
de tentativas anteriores. Uma exemplificação dessas tentativas é o Cânon de Marcion
(84-160), ou Marcião de Sinope, também chamado de “o herege”.

Esse influente teólogo do início do cristianismo foi um grande estudioso


das escrituras, e resolveu organizar o cânon segundo as suas percepções. Para ele, o
cristianismo deveria se preocupar com uma mensagem própria, tendo uma identidade
original, buscando se desvincular totalmente de qualquer relação com o judaísmo.

FIGURA 9 – MARCIÃO DE SINOPE (84-160)

FONTE: <https://mega.ibxk.com.br/2014/02/26/26194327706407.jpg>. Acesso em: 8 set. 2020.

32
TÓPICO 2 — A CANONICIDADE DO ANTIGO E DO NOVO TESTAMENTO

No contexto em que Marcião está inserido, ele não é o único a propor uma
leitura interpretativa diferenciada das escrituras. Havia os Escritos de Inspiração
duvidosa, que muitos líderes religiosos consideravam legítimos. Logo, foi um
grande desafio para os Doutores da Igreja não somente compilar os livros mais
adequados, mas também demonstrar essa verdade aos fiéis.

Nesse complexo cenário, havia grupos que não pertenciam ao contexto


oficial, como os gnósticos, que tinham como grande característica a negação da
concepção de encarnação de Cristo; os céticos, que, por outro lado, negavam a
humanidade real da figura de Jesus; e os monofisistas, que, em suas pregações,
negavam a dualidade relacionada à figura do Salvador.

Em todo esse complexo cenário, ainda havia as outras crenças religiosas,


que não possuíam, em suas convicções, nenhuma relação com as doutrinas
estabelecidas pelas pregações tradicionais de Cristo, como é o caso do
maniqueísmo. O maniqueísmo é uma vertente gnóstica, uma crença dualista,
semicristã, que se desenvolveu principalmente na Pérsia. Houve um seguidor
dessa crença que, após a sua conversão, se tornou um dos grandes Doutores da
Igreja, Agostinho de Hipona (354-430).

FIGURA 10 – AGOSTINHO DE HIPONA (354-430)

FONTE: <https://4.bp.blogspot.com/-YbqKbyy_MKU/U-07fTZGKYI/AAAAAAAAF34/MepwNtalK2o/
s1600/Alexandre%2BCabanel%2B-%2BSanto%2BAgostinho%2Bem%2Bseu%2Bestudo.jpg>.
Acesso em: 9 set. 2020

Com todas essas coisas acontecendo, os Doutores da Igreja, em seu início,


ainda tiveram que se preocupar com as perseguições que eram realizadas pelo
governo romano. Uma excelente demonstração é o Edito de Diocleciano, que foi
uma determinação desse governante que estabelecia a não perseguição dos
movimentos cristãos, mas a destruição de todos os livros que fossem encontrados.

33
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

3.2 A VERSÃO CANÔNICA


Em 397, foi realizado o Concílio de Cartago, que definiu a estrutura do
Novo Testamento, com 27 livros, sendo essa divisão/seleção, ou até agrupamento
de textos, evidentemente, um processo bastante complexo. Por isso, a cidade de
Cartago, no norte da África, foi local desse sínodo (realização de alguns concílios)
durante os séculos III, IV e V.

FIGURA 11 – OS LIVROS DO NOVO TESTAMENTO, A PARTIR DO CONCÍLIO DE CARTAGO,


NOS SÉCULOS III, IV E V

FONTE: <https://apologia21.files.wordpress.com/2017/01/formacic3b3n-del-canon-bc3adblico.
jpg?w=584>. Acesso em: 12 set. 2020.

3.2.1 Elementos de autenticidade


Evidentemente que, por conta das Escrituras do Cânon, ou seja, de um
elemento importantíssimo da estrutura de crenças, existem elementos de
autenticidade canônica, de canonicidade, que têm como finalidade dar ao povo
de Deus uma segurança da autenticidade dos livros que estão contidos no Novo
Testamento. Nesse sentido, citamos a apostolicidade, a exatidão doutrinária, o
conteúdo espiritual, a universidade e a inspiração do Espírito Santo.

• Apostolicidade – elemento que se relaciona diretamente com a autoria de


muitos dos livros que compõem o Novo Testamento. Por exemplo, figuras como
Marcos e Lucas têm relação direta com a autoria de livros do Novo Testamento.
Desse modo, essa apostolicidade está relacionada com os apóstolos, sendo a
eles atribuída a autoria de um livro, ou diretamente ligada aos apóstolos.

34
TÓPICO 2 — A CANONICIDADE DO ANTIGO E DO NOVO TESTAMENTO

FIGURA 12 – SÃO MARCOS, O EVANGELISTA

FONTE: <https://i.pinimg.com/originals/ce/a0/15/cea0156bcbd7a4b9e6b374c26eabc455.jpg>.
Acesso em: 12 set. 2020.

• Exatidão doutrinária – nesse elemento, há algumas situações interessantes a se


ter em mente. Vale reafirmar que, no período que esses livros foram compilados,
o cristianismo estava em estruturação, logo, é necessária uma organização
adequada do Cânon. Essa estruturação levava em conta a ausência de qualquer
conteúdo considerado herético, além de uma relação que permitisse certa
coerência no contexto total do Novo Testamento.
• Conteúdo espiritual – é um elemento de grande importância, por conta não
somente do contexto dos primeiros cristãos, mas como forma de amparo
emocional e espiritual posterior. Com isso, percebe-se uma função de ligação
entre as escrituras, e seus autores, e os fiéis, o que significa que, ao serem feitas
as leituras dos livros bíblicos, seja por um indivíduo, para si mesmo, ou por
um sacerdote ou fiel, para uma comunidade, há a necessidade de se promover
uma reflexão nessa conexão bíblica, fazendo com que o fiel se sinta acolhido,
protegido e orientado pela leitura das escrituras.
• Universidade – tem muita relação com o conteúdo espiritual, porém apresentando
um aspecto que, com o passar do tempo, teve uma grande ampliação, por conta
de, tendo sido percebido que havia diversas correntes cristãs que, no futuro,
poderiam, inclusive, ser representadas pelas diferentes igrejas das escrituras, o
elemento de vínculo literário com sua fé foi fundamental, para os compiladores
das escrituras, no sentido de que a mensagem de Deus pudesse chegar a todos os
seus fiéis, independentemente da denominação seguida.
• Inspiração do Espírito Santo – a inspiração é outro aspecto indispensável para
que se possa considerar um livro como componente do Novo Testamento, sendo,
nesse compilado, abordada a formação da Igreja, foi importante relacionar
a presença da inspiração divina com os relatos acerca de Jesus Cristo, que,
historicamente, ocorreram no século I, demonstrando sua grandeza espiritual,
a ponto de se sacrificar para redimir os filhos de Deus de seus pecados,
demonstrando o caminho correto a ser seguido.

35
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

FIGURA 13 – INSPIRAÇÃO DIVINA DAS ESCRITURAS

FONTE: <http://lounge.obviousmag.org/poetica_do_desassossego/2015/05/de-onde-vem-a-
inspiracao.html>. Acesso em: 12 set. 2020.

36
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A expressão cânon vem do grego Kanon e está relacionada com uma cana,
uma vara de medida – em termos contemporâneos, uma forma de régua, que
permite não somente ter a medida de algo, mas também perceber sua retidão.

• Quando se fala sobre o Cânon, faz-se referência ao conjunto de livros que é


considerado sagrado para a cristandade em toda a extensão do globo.

• O Cânon do Antigo Testamento pode ser compreendido em:


◦ Livro Autorizado – que vem de Deus.
◦ Livro Profético – que foi escrito por um servo de Deus.
◦ Livro Confiável – que apresenta a verdade sobre Deus.

• A Palavra, ou As Escrituras, são textos passaram por algumas compilações,


compreendendo as realidades das denominações as quais norteiam.

• A formação dos livros do Antigo Testamento refere-se ao universo de estudo que


aborda o desenvolvimento físico de tal Testamento, questionando, investigando
e posicionando‑se diante de cada livro, individualmente e consequentemente no
seu coletivo, no seu contexto sociocultural imediato. Já com relação ao estudo
da formação do cânone do Antigo Testamento, esse universo de pesquisa
está relacionado com a análise das diferentes atitudes e posturas diante da
compreensão da materialização do conceito de “inspiração divina”.

• Flávio Josefo (37-100 d.C.) foi um historiador e grande estudioso judaico-


romano que se dedicou ao estudo das escrituras, afirmando que os livros
apócrifos não faziam parte das escrituras hebraicas sagradas.

• Jerônimo (que, para os católicos, é santo) já havia realizado essa inclusão na


versão latina das escrituras, conhecida com Vulgata Latina, que é uma tradução,
para o latim, de um dos textos mais reconhecidos entre os cristãos, a Septuaginta
(LXX), que, por sua vez, é uma tradução do idioma hebraico para o grego.

• Os textos que compõem o Novo Testamento são muito mais recentes (se
podemos dizer dessa maneira), visto que esses livros foram escritos a partir
do século I d.C. Se for considerado o fato de que poucas pessoas conheciam
a escrita desse período, torna-se mais razoável a compreensão dos estudos
históricos desses textos, levando-se em conta ainda, que os livros do Antigo
Testamento tinham a difícil missão de registrar séculos de ensinamentos
repassados através da oralidade.

37
• Os Doutores da Igreja tiveram que tomar muito cuidado na compilação
dos livros que, hoje, estruturam o Novo Testamento, para não incorrerem
nos mesmos incidentes de tentativas anteriores. Uma exemplificação dessas
tentativas é o Cânon de Marcion (84-160), ou Marcião de Sinope, também
chamado de “o herege”.

• Em todo esse complexo cenário, ainda havia as outras crenças religiosas,


que não possuíam, em suas convicções, nenhuma relação com as doutrinas
estabelecidas pelas pregações tradicionais de Cristo, como é o caso do
maniqueísmo. O maniqueísmo é uma vertente gnóstica, uma crença
dualista, semicristã, que se desenvolveu principalmente na Pérsia. Houve
um seguidor dessa crença que, após a sua conversão, se tornou um dos
grandes Doutores da Igreja, Agostinho de Hipona (354-430).

• A Canonicidade tem como finalidade dar ao povo de Deus uma segurança


da autenticidade dos livros que estão contidos no Novo Testamento. Nesse
sentido, citamos a apostolicidade, a exatidão doutrinária, o conteúdo
espiritual, a universidade e a inspiração do Espírito Santo.

38
AUTOATIVIDADE

1 O processo de construção do Cânon foi longo e levou alguns séculos. Nesse


contexto, é compreensível perceber algumas diferenças de estilos literários,
por exemplo. Muitos pensadores escreveram sobre diversas áreas de
conhecimento, como Filosofia e História, baseando-se nas escrituras e
também reafirmando a sua validade. Analise as sentenças a seguir:

I- Agostinho de Hipona foi um pensador bastante destacado não somente


na Teologia, mas também na Historiografia. Isto ocorre por conta dos
estudos históricos por ele realizados, que tinham uma grande vinculação
com o contexto religioso.
II- Jerônimo foi um estudioso do período medievo, que se dedicou à
vinculação das escrituras, através de uma interpretação filosófico/
teológica das escrituras a partir de Aristóteles.
III- Agostinho de Hipona foi um destacado teólogo e filósofo, que vinculou
suas visões teológicas e filosóficas aos textos do filósofo grego Platão.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Apenas a sentença I está correta.
b) ( ) Apenas a sentença II está correta.
c) ( ) Apenas a sentença III está correta.
d) ( ) Todas as sentenças estão corretas.

2 A construção do Cânon foi um ato de afirmação espiritual, que permitiu a


estruturação organizada das escrituras que servem de base para a crença
de milhões de pessoas ao redor do globo. Essa estrutura das Sagradas
Escrituras foi um processo que levou muito tempo para conseguir êxito.
Nesse contexto, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Em 397, o Concílio de Cartago definiu a estrutura do Novo Testamento,


com 27 livros.
b) ( ) Os concílios levaram tanto tempo para organizar uma estrutura do
Cânon, por conta das diversas correntes cristãs que participaram de
maneira opinativa dos concílios e queriam impor seus preceitos.
c) ( ) Os Doutores da Igreja, como o próprio termo demonstra, foram
pessoas com uma formação acadêmica mais aprofundada, que foram
contratadas para ordenar as escrituras.
d) ( ) Marcião de Sinope foi um dos grandes Doutores da Igreja, tendo sido
responsável direto por muito da organização que se conhece hoje do
Cânon.

39
3 Os livros apócrifos são textos que não fazem parte do Cânon. Existe
uma grande quantidade de textos apócrifos, que podem, ainda na
contemporaneidade, serem lidos, pois resistiram ao tempo. No interesse
de preservar a mensagem de Deus em todos os textos bíblicos, bem como
divulgar os ensinamentos de Cristo, no Novo Testamento, os organizadores
do Cânon tiveram muito trabalho no estudo desses textos. Nesse cenário,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A seleção dos livros que compõe o Cânon tinha como interesse reunir os
textos mais populares do cristianismo medieval.
b) ( ) Uma das grandes preocupações dos compiladores dos livros que
compõem a Bíblia atual foi não inserir textos que tivessem ensinamentos
inadequados, como as heresias.
c) ( ) Os livros apócrifos recebem esse nome por terem uma grande
importância no contexto das escrituras, sendo de presença inconteste
no Cânon.
d) ( ) A canonicidade é um elemento que está diretamente relacionado com
os livros apócrifos.

4 O Cânon do Antigo Testamento, no contexto cristão, apesar de ser citado


como uma obra só, possui algumas variações dentro das várias linhas de
cristianismo, as quais usam essas variações como elementos importantes de
suas convicções. Sabendo disso, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A Igreja, principalmente no Ocidente, adotou, além dos livros


das Escrituras hebraicas, seis livros chamados eclesiásticos ou
deuterocanônicos da Septuaginta: Tobias, Judite, Baruque, 1 Macabeus,
2 Macabeus, Sabedoria e Eclesiástico, bem como adições em grego aos
livros de Ester e Daniel.
b) ( ) A Igreja Católica Romana confirmou esse Cânon do Antigo Testamento
no Concílio de Trento, em 1732.
c) ( ) Quanto ao Cânon do Antigo Testamento, a Igreja Ortodoxa Grega não
tem enumerado também 3 Macabeus ou mesmo 4 Macabeus e 1 Esdras
(além de Esdras e Neemias).
d) ( ) A Igreja Ortodoxa Etíope, monofisita, possui um Cânon geral da Bíblia,
incluindo o Novo Testamento, bem mais amplo que o das outras Igrejas
cristãs. Inclui 1 Esdras, 3 Macabeus, Salmo 151, Enoque, Jubileus,
Clemente, Didascália, além de livros dos Sínodos e dos Pactos.

40
TÓPICO 3 —
UNIDADE 1

OS LIVROS APÓCRIFOS

1 INTRODUÇÃO
Sabemos que todas as grandes religiões do mundo possuem seus livros
sagrados. O Corão (ou Alcorão) dos islâmicos, os Vedas e o Bhagavad-Gita dos
hindus, a Tanakh dos judeus e a Bíblia dos cristãos são os principais exemplos.
Consideradas obras de inspiração divina e escritas por pessoas tidas por inspiradas
ou iluminadas, esses livros sagrados constituem a base de orientação da prática
espiritual e do comportamento e moral dos fiéis dessas religiões, meio pelo qual
a divindade fala aos crentes.

A Bíblia cristã, que é do nosso interesse neste tópico, é dividida em duas


partes, o Primeiro ou Antigo Testamento, que compreende os livros da bíblia
judaica, e o Segundo ou Novo Testamento, composto de vinte e sete livros
considerados inspirados: quatro Evangelhos, o livro dos Atos dos Apóstolos,
quatorze Cartas atribuídas a São Paulo, sete cartas conhecidas como católicas ou
universais e o Apocalipse de São João.

No entanto, até que as primeiras autoridades intelectuais do Cristianismo


primitivo chegassem ao Cânone do Segundo Testamento, isto é, decidissem quais
livros deveriam compor as Sagradas Escrituras cristãs, o caminho percorrido
foi longo. Muitos livros redigidos durante os primeiros séculos da Era Cristã
foram considerados não inspirados e excluídos. Esses textos ficaram conhecidos
como livros apócrifos e, por séculos, foram mantidos longe do alcance dos fiéis,
principalmente, a partir do momento em que o Cristianismo se tornou a religião
oficial do Império Romano, por decreto do Imperador Teodósio, no ano de 380.

NOTA

O impacto desses textos na cultura não acadêmica foi intensificado por


produções artísticas polêmicas e de sucesso, como o filme A Última Tentação de Cristo
(1988) e o livro O Código Da Vinci (2003), que também foi adaptado para o cinema. Esses
produtos culturais trouxeram a temática dos livros “proscritos” da Bíblia para além do dia
a dia dos teólogos e estudiosos das religiões, tornando-os próximos das pessoas comuns,
muitas delas fiéis ao cristianismo.

41
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

2 O SIGNIFICADO DA PALAVRA APÓCRIFO


O termo apócrifo, segundo Tricca (1992a), vem do grego apokryphos e do
latim apokryphu e significa, em tradução literal, “oculto, secreto”. Já Faria (2003)
destaca que a compreensão total do termo requer que se considere a complexidade
de definição advinda de tal terminologia.

Assim, apócrifo pode ter surgido como tradução grega da palavra


hebraica ganûz, que designa os livros não usados da liturgia judaica (FARIA,
2003); ainda, pode remeter a algo precioso, mantido em segredo, a um texto de
origem desconhecida ou a um texto falso ou falsificado no conteúdo ou no título
(FARIA, 2003).

Para os protestantes, o termo apócrifo designa os sete livros


deuterocanônicos do Primeiro Testamento católico romano e que não são aceitos
pelos judeus e pelos protestantes (livros de Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico,
Baruc, 1 e 2 Macabeus). Dessa forma, o termo apócrifo conserva uma infinidade de
significados possíveis, o que torna a compreensão do termo ligada ao contexto
que se encontra.

Não é consenso entre os pesquisadores a data em que os apócrifos foram


escritos. Faria (2003) afirma que as datações variam de 50 a 600 d.C. Para o autor,
é pouco provável que se chegue, algum dia, a uma datação rigorosamente precisa,
porém, a maioria dos livros apócrifos do Segundo Testamento foi produzida
entre os séculos II e IV da nossa Era.

Alguns motivos podem ser elencados para a redação dos livros apócrifos.
Para Faria (2003), destacam-se a necessidade de se sanar curiosidades e ampliar
informações dos cristãos acerca de Jesus, Maria, José e os apóstolos, e de fornecer
novas possibilidades de interpretação da vida de Cristo e seus discípulos,
sobretudo por parte de grupos que discordavam do cristianismo oficial.

Graças aos apócrifos, a devoção popular às figuras de Maria e José, dos


apóstolos e demais santos do cristianismo primitivo puderam se espalhar e
ganhar a importância que hoje gozam nas Igrejas Católica e Ortodoxa.

3 FORMAÇÃO DO CÂNONE DO SEGUNDO TESTAMENTO


O Cristianismo, em seus primórdios, estava longe de ser um movimento
unitário; ao contrário, uma série de vertentes e de visões acerca da figura Jesus e
das formas de interpretar sua mensagem surgiu nos primeiros anos da Era Cristã.
Muitos movimentos (considerados heréticos pela Igreja Romana) propuseram
visões diferentes acerca de Jesus Cristo e de sua missão.

42
TÓPICO 3 — OS LIVROS APÓCRIFOS

Faria (2003) destaca alguns desses movimentos considerados heréticos


pela Igreja Romana, como o gnosticismo, surgido no século I d.C. e que se
caracterizava por uma forte resistência ao cristianismo, organizada em torno de
uma instituição eclesial. Sendo os seres humanos divinos, a intermediação de
uma instituição eclesiástica para o contato com Deus se torna desnecessária. O
primado de Pedro foi contestado pelos gnósticos e o movimento foi considerado
herético pelo Primeiro Concílio de Constantinopla, no ano de 381.

Outro movimento considerado herético foi o denominado docetismo,


um desdobramento do gnosticismo e que surgiu no século II da Era Cristã.
Esse movimento defendia que o corpo de Jesus não era real, mas somente a sua
aparência, e que Cristo não nascera de Maria nem havia morrido ou padecido.
Segundo Faria (2003), muitos dos escritos apócrifos, bem como os Evangelhos
canônicos, surgiram como resposta aos atos dos docetas, considerando inspirados
os quatro Evangelhos canônicos, na busca por mostrar a historicidade de Jesus e
sua vida terrena, fornecendo a Igreja Romana uma resposta aos docetas.

E
IMPORTANT

A aplicação do termo cânon ao conjunto dos livros que constituem as


Escrituras do Antigo e do Novo Testamento somente se fez pelo fim do século IV, quando
todo o Novo Testamento foi reconhecido pelas igrejas. No entanto, a ideia derivou da
coleção das Sagradas Escrituras judaicas, já fixadas e completas no princípio da era cristã.
A Cânon do Antigo Testamento, os livros que encerram o Antigo Testamento, contém 39
livros, agrupados segundo o assunto. Há os cinco livros da Lei – doze de História, cinco
de Poesia – e os dezessete de Profecia. Essa disposição provém da Vulgata Latina, que,
por sua vez, se baseia na versão grega dos Setenta, assim chamada por terem sido setenta
tradutores – quando nos referimos a essa tradução grega, podemos dizer ser a versão dos
LXX. Todavia, as Escrituras hebraicas compreendem somente 24 livros, porque se considera
como um só livro cada grupo dos seguintes: os dois de Samuel, os dois dos Reis, os dois
das Crônicas, Esdras e Neemias, os doze profetas menores. Por uma classificação posterior,
ficou reduzido o número a 22 livros, para corresponder, certamente, ao número de letras
do alfabeto hebraico, aparecendo o livro de Rute ligado ao dos Juízes, e as Lamentações ao
livro de Jeremias. O agrupamento das Escrituras hebraicas é, provavelmente, significativo
da história do Cânon do Antigo Testamento.

FONTE: CÂNON. In: DICIO, Dicionário Bíblico. São Paulo: Rede Novo Tempo, c2016.
Disponível em: https://biblia.com.br/dicionario-biblico/c/canon-das-santas-escrituras/. Acesso
em: 30 jan. 2021.

Por fim, Faria (2003) destaca o cinismo (do grego kinikos, que significa
“próprio do cão”), movimento gestado por Diógenes de Sínope (413-323 a.C.) e
Antístenes de Atenas (444-365 a.C.), que basicamente defendia que o ser humano
deveria viver livre de convenções morais e culturais e que a salvação consistia em
viver segundo a natureza.

43
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

Tricca (1992) destaca, ainda, o ebionismo, crença segundo a qual Cristo


teria nascido de forma natural entre José e Maria e apenas no momento do
batismo teria sido adotado por Deus. Liderados por Ebion, os ebionistas negavam
a divindade de Cristo, bem como todos os Evangelhos canônicos, exceto Mateus,
ao qual deram o nome de Evangelho Segundo os Hebreus (ainda que suprimidas
muitas passagens ao longo do texto). Cristo continuava sendo o Messias, porém
deixara, na visão dos ebionitas, de ser Deus.

Há ainda que se destacar os maniqueístas, seita fundada por Manes no


século III e que calcava sua fé na dualidade entre o Bem e o Mal, Luz e Trevas.
Negava a divindade de Cristo, porém, via-o como Espírito de Luz. Não batizava
com água, mas, sim, com azeite. Santo Agostinho de Hipona, um dos mais
importantes pensadores do Cristianismo nos primeiros séculos, teria pertencido
a essa seita antes de sua conversão.

Tricca (1992) também cita os ofitas, seita que parece ter derivado dos
maniqueístas, apresentava membros que cultuavam a serpente do Gênesis e Caim.
Eles defendiam que a morte de Jesus Cristo, o Deus-Homem, fora o maior crime
do Universo, mas que tinha sido algo necessário. Nesse sentido, Judas Iscariotes
teria alcançado, segundo os ofitas, a verdadeira gnose, por ter provocado a
necessária morte de Jesus. Os demais cristãos os viam como satanistas.

A fé da Igreja Romana foi embasada nos quatro Evangelhos canônicos,


Mateus, Marcos, Lucas e João. Entretanto, é difícil atribuir a esses quatro
discípulos de Cristo a verdadeira autoria dos textos que recebem seus nomes.
Tricca (1992) afirma ser provável que esses textos tenham sido escritos pelas
comunidades por eles fundadas e que, ao colocar os nomes dos evangelistas,
estavam os homenageando.

O processo de formação do Cânone das Escrituras não foi simples, uma


vez que, no início da Igreja, os livros que, hoje, consideramos apócrifos foram
aceitos pelos Pais da Igreja:

Outro ponto a destacar é que nos dois primeiros séculos da nossa


Era os doutores da Igreja aceitaram perfeitamente os Apócrifos e não
os consideravam como tais. Mais tarde é que os quatro Evangelhos
acabaram por preponderar e por banir os demais. Acontece que
nenhuma Igreja estabelecida, instituída, consolidada, existia na época.
Havia, sim, seitas variadas, a mais forte das quais, a dos gnósticos, que
representava a totalidade do cristianismo primevo, ainda incipiente
(TRICCA, 1992, p. 11).

Logo, os Evangelhos canônicos ganharam esse status à medida que se


consolidava a Igreja Oficial. O critério para determinar se um Evangelho era ou
não inspirado foi o ponto de vista de quem o julgava. Conforme questiona Tricca
(1992), a reconstituição de um corpo em avançado estado de decomposição, célula
por célula, foi considerado plausível, como a ressurreição de Lázaro (BÍBLIA
SAGRADA, Jo. 11.1-44), enquanto os milagres atribuídos a Jesus quando criança
foram considerados exagerados.

44
TÓPICO 3 — OS LIVROS APÓCRIFOS

Ao defender os quatro Evangelhos canônicos, Irineu afirmou que:

O Evangelho é a coluna da Igreja, a Igreja está espalhada por todo o


mundo, o mundo tem quatro regiões, e convém, portanto, que haja
também quatro Evangelhos... O Evangelho é o sopro do vento divino
da vida para os homens, e, pois, como há quatro ventos cardiais, daí
a necessidade de quatro Evangelhos... O Verbo criador do Universo
reina e brilha sobre os querubins, os querubins têm quatro formas, e
eis porque o Verbo nos obsequiou com quatro Evangelhos (IRINEU
apud TRICCA, 2005, p. 13).

Tricca (2004) afirma que existe uma série de supostos milagres atribuídos
à forma como os Evangelhos canônicos foram separados dos apócrifos, durante o
Concílio de Niceia, no ano de 325. Numa dessas versões milagrosas, os Evangelhos
inspirados foram, por si só, colocados num altar; em outra, os Evangelhos foram
todos colocados num altar e os apócrifos caíram, enquanto que os inspirados
permaneceram no altar.

Outro exemplo do processo complexo que foi a formação do Cânone do


Segundo Testamento é dado pelo Evangelho de João. Segundo Faria (2003), o
Evangelho de João (ou cristianismo de João) teve dificuldades para ser inserido
no Cânone, pois é muito próximo, em conteúdo, do Evangelho apócrifo de Maria
Madalena, e tal proximidade representou um entrave que quase retirou João da
lista dos evangelistas canônicos.

Para Faria (2003), no século IV da Era Cristã, o Cânon do Segundo


Testamento era reconhecido por todos, porém, apenas no Concílio de Trento de
1546 é que os livros da Bíblia, tal qual os conhecemos hoje, foram definitivamente
considerados inspirados pela Igreja Católica.

4 RAZÕES PELAS QUAIS OS APÓCRIFOS NÃO SÃO


ACEITOS PELOS EVANGÉLICOS
Há uma corrente de pensadores que assegura que os reformadores são,
em grande parte, responsáveis por eliminar os apócrifos da Bíblia, pois, nesses
livros, há elementos inconsistentes com a doutrina protestante, como doutrinas
de oração pelos mortos e intercessão dos santos.

As razões pelas quais os evangélicos não aceitam os apócrifos são:

• Os livros apócrifos foram escritos no intervalo entre o livro de Malaquias e


o Evangelho de Mateus, ou seja, durante os 400 anos de silêncio, período no
qual Deus não levantou profetas, mas preparou o mundo para o advento do
Messias. Os 400 anos de silêncio são também chamados de período interbíblico,
ou seja, intervalo bíblico.
• A Inspiração desses livros foi negada pelos judeus e protestantes e eles nunca
foram incluídos em qualquer coleção das Escrituras (Bíblia Hebraica).

45
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

• Nem Cristo nem seus apóstolos citaram os livros apócrifos. O Novo Testamento
cita partes de quase todo o Antigo Testamento, mas não faz nenhuma citação
sobre os apócrifos.
• Flávio Josefo (37-100 d.C.), o célebre historiador judaico-romano, declarou que
os apócrifos não foram incluídos nas Escrituras Sagradas dos judeus.
• A Igreja Católica Apostólica Romana esperou mais de mil anos (1546) para
incluir os apócrifos à Sagrada Escritura. Foi no Concílio Tridentino (pós-
Reforma) que a Igreja Ocidental passou a creditar-lhes autoridade como reação
à Reforma, ou seja, uma atitude contrarreforma, porém, Jerônimo os havia
incluído na Vulgata Latina, uma versão para o latim da Septuaginta (LXX),
que é uma tradução do Antigo Testamento hebraico para o grego, feita entre
280 e 180 a.C.

Segundo Philip Schaff, a proclamação do Concílio de Trento declarando


os livros apócrifos como canônicos é a seguinte:

O sínodo [...] recebe e venera [...] todos os livros do Antigo Testamento


como do Novo [incluindo-se os apócrifos] – entendendo que um único
Deus é o Autor de ambos os testamentos [...] como se houvessem sido
ditados pela boca do próprio Cristo, ou pelo Espírito Santo [...] se
alguém não receber tais livros como sagrados e canônicos, em todas as
suas partes, da forma em que têm sido usados e lidos na Igreja Católica
[...] seja anátema (SCHAFF apud GEISLER; NIX, 1997, p. 93).

A ação desse concílio foi polêmica e prejudicial. Essa decisão de


Trento não foi de anuência universal e sem disputas dentro da Igreja Católica
e na Reforma. Nessa época, o cardeal Cajetan, que se opusera a Lutero em
Habsburgo (1518), publicou o Comentário sobre todos os livros históricos
fidedignos do Antigo Testamento (1532) omitindo os apócrifos. O cardeal
Ximenes fez distinção entre os apócrifos e o Cânon do Antigo Testamento na
sua obra Poliglota Complutense (1514-1517). Desta feita, os protestantes, em
geral, rejeitaram a decisão do Concílio de Trento, que não tivera base sólida.
Tais aspectos podem ser observados no fato de:

• Até os próprios autores dos apócrifos, algumas vezes, declararam que não
foram inspirados por Deus ao escrever. Os apócrifos não reivindicam serem
proféticos.
• A arte cristã primitiva, em suas representações artísticas, não oferece base para
apurar a canonicidade dos apócrifos.
• Os primeiros pais da Igreja, Mileto, Orígenes, Cirilo de Jerusalém e Atanásio,
depuseram contra os apócrifos.
• Jerônimo, que fora também um grande estudioso hebreu, argumentou contra
Agostinho que, às vezes, fez supor que os apócrifos eram deuterocanônicos.
Jerônimo argumentou fortemente contra Agostinho, ao rejeitar essa
canonicidade, chegando a se recusar a fazer a tradução dos apócrifos para o
latim, ou mesmo incluí-los na versão Vulgata Latina. Só depois da morte de
Jerônimo é que os livros foram incorporados à Vulgata, transgredindo o seu
próprio autor.

46
TÓPICO 3 — OS LIVROS APÓCRIFOS

• Os apócrifos não trazem acréscimos ao conhecimento das verdades messiânicas,


e o povo de Deus, a quem os apócrifos teriam sido originalmente apresentados,
recusou-os terminantemente.

4.1 A DESCOBERTA E REDESCOBERTA DOS APÓCRIFOS


O cristianismo oficial procurou afastar a literatura apócrifa do contato
com os fiéis, como fez o bispo Atanásio de Alexandria que, em 367 d.C., ordenou
que “textos heréticos” fossem queimados. No entanto, monges de Nag Hammadi
não seguiram tais ordens e conservaram em uma urna de argila papiros contendo
livros apócrifos de caráter gnóstico, considerados heréticos pelo Concílio de
Niceia (325 d.C.).

Faria (2003) destaca duas grandes descobertas de livros apócrifos que,


porém, são de caráter diferente. Em 1945, foram descobertos os apócrifos em Nag
Hammadi, em que se descobriram evangelhos apócrifos de cunho gnóstico, como
os evangelhos de Maria Madalena e de Tomé.

Por outro lado, em 1947, em Qumran (próximo ao mar Morto), um jovem


pastor, ao procurar uma cabra perdida, encontrou, numa colina, sete jarros de
cerâmica com manuscritos dos livros de Isaías, Habacuc e Gênesis. Novas buscas
no local encontraram, até 1956, 813 pergaminhos com cópias dos livros da Bíblia
(menos o de Ester), livros apócrifos, tratados de liturgia e regras da comunidade
essênia que vivia no local. No entanto, nas descobertas de Qumran, não há
referências diretas a João Batista, a Jesus ou aos primeiros cristãos. Portanto,
a descoberta que trouxe para o mundo a literatura apócrifa cristã é a de Nag
Hammadi (1945), e não a de Qumran (1947).

Valendo-se da literatura apócrifa cristã, nas últimas décadas, algumas


produções artístico-culturais de sucesso foram feitas. Destacam-se romances
como O Código Da Vinci (estima-se que, no mundo, foram vendidas 80 milhões de
cópias do livro) e filmes como A Última Tentação de Cristo (produzido em 1988).

Essas novas produções, pelo seu vulto, representam uma nova descoberta
dos apócrifos, porém, num período em que cresce a liberdade de pensamento e
de comunicação, à medida que avançam os meios de comunicação.

No entanto, não é apenas através de produções culturais, como citadas,


que as pessoas podem ter contato com a literatura apócrifa. Existem muitos
livros que trazem esses textos na íntegra (muitos com comentários e análises
dos especialistas mencionados). Além disso, a internet igualmente disponibiliza,
muitas vezes gratuitamente, o acesso a esses textos, tornando o contato com a
literatura apócrifa mais fácil do que nunca.

47
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

5 OS APÓCRIFOS E SUA MÍSTICA CONTEXTUALIZADA


AOS DIAS ATUAIS
Podemos apontar, com base no exposto neste tópico, que os livros apócrifos
estão, como nunca, em evidência, uma vez que há cada vez mais produções que se
baseiam neles (romances, filmes, documentários). Além disso, a internet oferece
muitos textos integrais dos apócrifos, aumentando as possibilidades de contato
com eles.

Embora essa maior exposição dos apócrifos não aparente apresentar


influência significativa na fé da maioria das pessoas, tal informação precisa ser
relativizada.

Por mais que as pessoas não percebam, há significativa influência da


literatura apócrifa na fé dos cristãos. Por exemplo, entre os católicos romanos
e os cristãos ortodoxos, uma das festas mais celebradas é a de Santa Ana e São
Joaquim, os pais da Virgem Maria, avós de Jesus. Ora, a vida e os nomes de Santa
Ana e São Joaquim não são citados em nenhum dos evangelhos canônicos, mas
apenas no protoevangelho de São Tiago, que narra, inclusive, a anunciação do
nascimento da Virgem Maria.

Outro exemplo é a descida de Jesus ao inferno após sua morte (algo que
faz parte da crença dos cristãos de todas as vertentes). Essa suposta descida não
é descrita em nenhum evangelho canônico, mas a encontramos no evangelho
apócrifo de Bartolomeu, que apresenta diálogos entre Jesus e o demônio.

Logo, a grande exposição dos apócrifos na mídia e as novas interpretações


sugeridas para a vida de Jesus não apresentam grande influência na fé dos
entrevistados, porém, na fé cristã é possível encontrarmos muitas referências aos
livros apócrifos.

48
TÓPICO 3 — OS LIVROS APÓCRIFOS

LEITURA COMPLEMENTAR

BÍBLIA: PALAVRA DE DEUS EM LINGUAGEM HUMANA – SUA


INTERPRETAÇÃO NO PASSADO E NA CONTEMPORANEIDADE

Christian Santiago Lo Iacono

As origens da Bíblia

A Bíblia das primeiras comunidades cristãs era o Antigo Testamento, que,


porém, ainda não estava definitivamente canonizado, ou seja, os primeiros cristãos
mais possuíam Escrituras Sagradas do que necessariamente um cânone. Eles se
guiaram, ao menos parcialmente, com base em determinados escritos que já eram
lidos em suas comunidades, como a lei de Moisés, os profetas e os salmos, e que
eram reconhecidos como normativos antes que se tomasse uma decisão oficial pela
fixação de um cânone. Tanto foi assim que o Novo Testamento se refere ao Antigo
Testamento com diferentes termos: “as escrituras” (Mt. 21.42); “lei” (Rm. 3.19);
“lei e os profetas” (Mt. 7.12); “a lei de Moisés, os profetas e os salmos” (Lc. 24.44).
O mesmo pode ser dito também a respeito do Novo Testamento – que, nunca é
demais lembrar, nem existia quando do surgimento do cristianismo, sendo que
os seus textos somente foram se fazendo necessários com o decurso do tempo,
com a morte das primeiras testemunhas de Jesus Cristo e com o surgimento das
primeiras heresias. Na verdade, o termo cânone “foi aplicado ao conjunto das
duas partes da Bíblia somente no século IV d.C.”, muito embora o NT não tenha
tido sua canonização definitivamente concluída nem mesmo em 367 d.C., com a
carta de Atanásio, já que essa discussão se estendeu por mais algum tempo.

Assim, é possível afirmar que a Bíblia funciona como um arquivo, pois ela
reúne tradição, originalmente passada adiante via oral (1Co. 15.3). A formulação
escrita geralmente é um segundo passo, que visa preservar essa tradição. Por isso,
é importante “distinguir entre a redação dos escritos, sua coleção e finalmente
sua canonização”, pois “a maioria dos escritos bíblicos não foi redigida com
o propósito de serem ‘canônicos’”. Na origem desses textos, costumam estar
necessidades bem circunstanciais, que eram, então, atendidas por textos escritos.
Estes, adquirindo importância abrangente, eram colecionados para usos diversos.
A canonização dessas coleções já é um terceiro passo, sendo a Bíblia o seu
resultado. “Isto significa que, ao falar do cânon, se está falando de uma decisão
posterior e independente da composição dos próprios escritos e da intenção de
seus autores”.

Cânone “é palavra derivada do hebraico e significa ‘vara’, ‘régua’, ‘medida’.


Serve como norma, regra. E isto é o que a Bíblia pretende ser: Palavra normativa
em assuntos de fé e conduta”. A importância do cânone é significativa quando se
considera, por exemplo, que Marcião (140 d.C.) tentou criar o seu próprio cânone

49
UNIDADE 1 — BIBLIOLOGIA, A DOUTRINA DAS ESCRITURAS

ao rejeitar o Antigo Testamento e filtrar do Evangelho de Lucas e de dez cartas de


Paulo tudo aquilo que no seu entender era judaizante. Ou seja, não pode haver
verdade cristã contrária aos dizeres da Bíblia, pois o cânone reúne os escritos
constituintes da fé cristã. A decisão de se fixar um cânone surgiu da necessidade
de se verificar, de todos os escritos existentes, aqueles que “verdadeiramente
representam a fé da comunidade [...]. Tratava-se de uma questão de identidade
religiosa – de ortodoxia, diríamos hoje”. Arens complementa:

A decisão de precisar a coleção (cânon) de escritos reconhecidos e


admitidos como normativos deveu-se a razões históricas, de conflitos
e de crise de identidade, tanto no judaísmo como, em seguida, no
cristianismo. A razão principal pela qual se decidiu delimitar o cânon
era que circulavam escritos de diversa índole que ofereciam tanto o
que era produto da imaginação piedosa como uma visão equívoca
da fé judaica ou cristã. Por conseguinte, impôs-se a necessidade de
separar claramente os escritos que, sem dúvida, eram testemunhos
fidedignos da revelação histórica, daqueles que tergiversavam a
autêntica fé judaica (ou cristã).

No princípio, a explicitação de um cânone teve como finalidade delimitar a


lista de escritos tidos por normativos. Mas como continuavam circulando versões
diferentes de um mesmo texto, a canonicidade acabou incluindo a canonização
dos próprios textos. No final do séc. II d.C., no judaísmo, “a Bíblia como tal
(Antigo Testamento) havia sido ‘estabilizada’ e adquiriu aura de santidade: já não
se admitiam alterações a nenhum texto. O mesmo aconteceu com o cristianismo
por volta do final do séc. IV”. É bom dizer, no entanto, que essa limitação quanto
a qualquer alteração nos textos canônicos foi observada mais no judaísmo do que
no cristianismo. Assim, “qualquer comentário só podia ser feito à margem do
texto ou em outros livros. No judaísmo constitui uma espécie de segundo cânon
(Mishnah, Talmud)”. É claro que a designação da Bíblia como Sagrada Escritura
provém da ideia de que o texto, de certo modo, vem de Deus, sendo, portanto,
diferente de outras escrituras.

Portanto, o critério fundamental observado na decisão sobre o cânone foi


o da identidade entre a fé vivida pela comunidade e a fé que se expressava nos
escritos em questão. Ora, era natural que um escrito que tinha sido lido, meditado,
comentado e até observado em termos práticos durante muito tempo na maioria
das comunidades locais como Palavra de Deus (ou pelo menos como altamente
venerável) fosse reconhecido como canônico. Esse foi o caso dos escritos que
constituem o Pentateuco na comunidade judaica, e dos Evangelhos e das cartas
de Paulo no cristianismo. Além disso, todo escrito precisava ser coerente com os
escritos que desde algum tempo já haviam sido considerados sagrados, como é
o caso do Pentateuco, que, então, não podia ser contrariado por nenhum outro.

No judaísmo, o critério da inspiração divina exerceu papel importante


desde cedo, pois o Pentateuco e os escritos proféticos, assim como os atribuídos
a Davi e a Salomão, foram considerados produtos de inspiração, até mesmo
de ditado divino, sendo, por isso, lidos nas sinagogas e citados por Jesus e os

50
TÓPICO 3 — OS LIVROS APÓCRIFOS

autores do Novo Testamento. Segundo Arens, no cristianismo, em contrapartida,


“uma suposta inspiração divina não foi considerada para canonizar escritos
cristãos. Foi ao contrário: uma vez canonizados, foram considerados inspirados”.
Ele prossegue:

Não conhecemos nenhuma menção da inspiração como critério de


seleção no cristianismo, exceto para distinguir os escritos ortodoxos
dos heterodoxos ou heréticos, mas não para distinguir entre os escritos
ortodoxos nem para distinguir os canônicos dos não canônicos. Por
isso mesmo, temos no Novo Testamento diversidade de enfoques
teológicos e, no entanto, há unidade [...]. No cristianismo, os apocalipses
também se apresentavam como produtos de revelação, mas somente
foi admitido como canônico o de João, embora tardiamente e depois
de muitas dúvidas e discussões.

Assim, para o judaísmo era importante que os escritos que fizessem parte
do cânone fossem testemunhos fidedignos e confiáveis da revelação histórica
como palavra inspirada de Deus. Para o cristianismo, parece que era decisivo que
os escritos fossem próximos do acontecimento Jesus Cristo. Por isso, o cânone “é
a carta de identidade – a identidade tem suas raízes em suas origens e define-se
em sua etapa formativa”.

A formação do cânone envolveu longos e complexos processos


interpretativos, tanto dos escritos individuais como de sua inter-relação e de
sua pertença à comunidade. A ordem dos escritos canônicos – começando pelo
Pentateuco e pelos Evangelhos, no Antigo Testamento e no Novo Testamento
respectivamente – revela a importância que lhes foi concedida e a maneira como
se valorizou a relação de uns com os outros. O sentido canônico, assim, não é o
que cada autor viu em seu escrito, “mas o que nasce do fato de ser agora parte
integrante de um todo, de um cânon. E isso é o produto de uma interpretação
posterior: a da comunidade que estabeleceu o cânon”.

FONTE: LO IACONO, C. S. Bíblia: palavra de Deus em linguagem humana sua interpretação


no passado e na contemporaneidade. Dissertação (Mestrado em Teologia) – Programa de
Pós-Graduação, Escola Superior de Teologia, São Leopoldo, 2014, p. 47-50. Disponível em:
http://dspace.est.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/BR-SlFE/456/loiacono_cs_tm273.
pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 21 maio 2021.

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RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Muitos livros redigidos durante os primeiros séculos da Era Cristã foram


considerados não inspirados e excluídos do cânone cristão. Esses textos
ficaram conhecidos como livros apócrifos e, por séculos, foram mantidos longe
do alcance dos fiéis.

• O termo apócrifo, segundo Tricca (1992), vem do grego apokryphos e do latim


apokryphu e significa, em tradução literal, “oculto, secreto”.

• O Cristianismo, em seus primórdios, estava longe de ser um movimento


unitário; ao contrário, uma série de vertentes e de visões acerca da figura Jesus
e das formas de interpretar sua mensagem surgiram nos primeiros anos da
Era Cristã. Muitos movimentos (considerados heréticos pela Igreja Romana)
propuseram visões diferentes acerca de Jesus Cristo e de sua missão.

• Os Evangelhos canônicos ganharam esse status à medida que se consolidava a


Igreja Oficial. O critério para determinar se um Evangelho era ou não inspirado
foi o ponto de vista de quem o julgava.

• Os reformadores são, em grande parte, responsáveis por eliminar os apócrifos


da Bíblia, pois, nesses livros, há elementos inconsistentes com a doutrina
protestante, como doutrinas de oração pelos mortos e intercessão dos santos.

• Recentemente, produções artísticas de diversos matizes foram criadas com


base nos apócrifos. Essas novas produções, pelo seu vulto, representam uma
nova descoberta dos apócrifos, porém, num período em que cresce a liberdade
de pensamento e de comunicação, à medida que avançam os meios de
comunicação.

CHAMADA

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pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

52
AUTOATIVIDADE

1 Durante o processo de organização dos livros que conhecemos atualmente


como Bíblia, houve textos que foram acrescentados ao conjunto que se
conhece atualmente, outros, por sua vez, outros, foram excluídos, como os
chamados livros apócrifos. O que significa a palavra “apócrifos” e a que
se refere?

2 O processo de organização cânon levou bastante tempo para ser organizado,


em grande parte por conta da responsabilidade de se organizar os textos que
orientam a fé de milhões de pessoas, mas também pela complexidade desses
escritos. Em que contexto histórico, mas, principalmente, interpretativo, o
cânon cristão precisou ser estabelecido?

3 A literatura cristã é bastante ampla, visto o tempo de existência do


Cristianismo e o interesse que sempre houve nos livros oficiais da Bíblia,
bem como a curiosidade que sempre houve com relação aos chamados
livros apócrifos. Quais sinais e elementos destacam o interesse gerado pelos
apócrifos na cultura atual?

53
54
REFERÊNCIAS
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TRICCA, M. H. O.; BÁRÁNY, J. Apócrifos IV: os proscritos da Bíblia. São Paulo:


Mercuryo; 2001.

57
58
UNIDADE 2 —

AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender quão diverso é o universo das Escrituras;


• entender os períodos históricos de realização das escritas dos textos
sagrados;
• conhecer as diversas traduções dos textos bíblicos;
• aprender sobre a presença bíblica no Brasil;
• conhecer as línguas bíblicas;
• saber sobre a participação da Filosofia Patrística.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – A ESTRUTURA DAS ESCRITURAS

TÓPICO 2 – AS VERSÕES E EDIÇÕES DAS ESCRITURAS

TÓPICO 3 – AS LÍNGUAS E OS TEXTOS

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

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TÓPICO 1 —
UNIDADE 2

A ESTRUTURA DAS ESCRITURAS

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, nós abordaremos questões concernentes à estrutura bíblia,
pois, ao conhecermos a estrutura de um objeto de estudo, passamos a entendê-
lo melhor em essência. Além disso, temos que considerar a complexidade das
Escrituras, visto que não se trata de um livro qualquer. Por isso, inicialmente,
destacaremos a pluralidade das Escrituras, já que ela não foi escrita apenas por
uma pessoa em apenas uma época e num lugar só.

Em seguida, em uma rápida análise, vemos que a Bíblia possui muitas


divisões e muitos estilos diferentes. Durante a leitura, muitas perguntas podem
surgir. Por exemplo: em que época essa história se passa? Será que a Bíblia está
em ordem cronológica? Por que esse livro foi posto aqui? Conhecer a estrutura
bíblica permite responder a várias dessas perguntas.

É comum ouvirmos a frase “abram as suas bíblias em” e, logo, em seguida,


recitarem uma passagem bíblica. Explorar a bíblia e percorrer pelas passagens,
mesmo que superficialmente, impõe a necessidade de conhecermos sua estrutura –
que também tem a ver com a sua história.

2 A PLURALIDADE DAS ESCRITURAS


Como já vimos, a Bíblia é uma verdadeira biblioteca, um compêndio de
vários livros, e o próprio nome nos demonstra isso. A Bíblia Sagrada é, portanto,
plural em sua própria natureza. O processo de canonicidade foi a busca por
unidade em meio à pluralidade de relatos acerca de Deus.

Precisamos lembrar que a Bíblia contém vários livros, os quais não foram
obras de um único autor (ignorando o fato de, tradicionalmente, dizermos que o
Espírito Santo é o autor de toda Escritura). Com efeito, foi escrita por mais de 40
autores, numa variedade de circunstâncias e locais, por um período que abrange
cerca de 1.600 anos. Desse modo, a maioria dos autores não eram contemporâneos,
nunca se conheceram, e cada um teve sua própria experiência com Deus, sua
própria vida particular, sua própria ocupação. Alguns exemplos da ocupação de
alguns autores bíblicos são:

• Davi foi um rei.


• Ezequiel foi um sacerdote.

61
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

• Lucas foi um médico.


• Pedro foi um pescador.
• Amós foi um pastor de ovelhas.
• Paulo era fariseu e fabricante de tendas.
• Daniel foi um político.
• Mateus foi um cobrador de impostos.
• Josué foi um soldado.
• Esdras foi um escriba.
• Neemias foi um mordomo.

Existem muitos outros autores com suas próprias ocupações e vidas


particulares. Cada um viveu numa época e local diferente. Muitos dos autores
nem sabemos quem são. Essa pluralidade de pessoas inspiradas por Deus para a
elaboração dos seus relatos e experiências com Deus infere para dentro da Bíblia
como temos hoje.

A exegese tem sido muito útil no processo interpretativo da mensagem


bíblica que leva em conta seu aspecto plural. Mas o que é exegese? Nas palavras
de Fee e Stuart (1997, p. 19): “A exegese é o estudo cuidadoso e sistemático da
Escritura para descobrir o significado original que foi pretendido”. A tarefa
exegética, portanto, é perceber e identificar a pluralidade bíblica para entender
a intenção de determinado texto bíblico, levando em conta o autor, a época, os
costumes, o local etc., para, assim, chegar à interpretação mais fidedigna possível
do seu sentido original. A exegese é uma tarefa histórica.

Foi a exegese que ajudou a perceber que a bíblia é muito mais plural do
que imaginávamos. Um exemplo disso é a problemática acerca do Pentateuco
(os cinco primeiros livros da Bíblia), referente à autoria de Moisés e à hipótese
das fontes e dos fragmentos. A tradição judaico-cristã considera Moisés autor
de todo o Pentateuco, embora a própria Bíblia – no Antigo Testamento (AT) –
atribua apenas partes a Moisés, como determinadas leis, especialmente os 10
mandamentos, e o livro de Deuteronômio (BÍBLIA SAGRADA, Dt. 31.9, 22s). A
principal dúvida que moveu essa problemática foi questão da morte de Moisés
(BÍBLIA SAGRADA, Dt. 34). Como poderia Moisés ter escrito a respeito da sua
própria morte? Devemos assumir que outra pessoa escreveu sobre a morte de
Moisés e esse relato foi posteriormente incluído no texto final.

Toda essa discussão a respeito da autoria do Pentateuco coincidiu com


o descobrimento de suas fontes distintas. Henning B. Witter foi o primeiro
a perceber a diferença de estilos literários a partir dos nomes de Deus, Javé e
Elohim. Relatos que utilizam o nome Javé são consideravelmente diferentes em
estilo dos que utilizam o nome Elohim. Mais tarde, Johann G. Eichhorn “retomou
a divisão das fontes e a impôs, comprovando a diversidade em estilo e conteúdo
das fontes principais” (SCHMIDT, 1994, p. 50).

62
TÓPICO 1 — A ESTRUTURA DAS ESCRITURAS

Além disso, há a hipótese dos fragmentos, que são:

coleções mais ou menos autônomas e coesas em si mesmas, originárias


de épocas diferentes e que não podem ser enquadradas em fontes
contínuas, pelo menos não de forma inequívoca. Assim se pressupôs
por volta de 1800 que em vez dos documentos havia também partes
distintas, muito diferenciadas, independentes entre si e de extensão
variada, ou seja, “fragmentos”, que só mais tarde teriam sido juntadas
para formarem uma história contínua (SCHMIDT, 1994, p. 50).

As principais fontes e o período em que escreveram podem ser observadas


no Quadro 1.

QUADRO 1 – FONTES DO PENTATEUCO

Javista Cerca de 950 a.C. (época de Salomão, antes da divisão do reino em 926 a.C.)
Eloísta Cerca de 800 a.C. (antes do profetismo escrito, a exemplo de Oseias)
Aproximadamente no século VII a.C. (por volta da reforma de Josias em
Deuteronomista
622 a.C.)
Escrito sacerdotal Cerca de 550 a.C. (na época do exílio com complementações pós-exílicas)

FONTE: Os autores

Além dessas fontes, vários fragmentos foram incluídos nos textos por um
suposto redator final, que agrupou os relatos das fontes e de outros fragmentos
a fim de criar uma história harmoniosa que resultou no Pentateuco como o
conhecemos hoje.

Já no final do século XX, essa teoria das fontes perdeu força nos meios
teológicos, não por se tratar de uma falácia, mas simplesmente por ser impossível
definir os limites entre as fontes e identificar os fragmentos presentes no texto
final. Mesmo assim, todo o trabalho da crítica textual e da crítica literária e toda a
discussão a respeito do tema lançou uma luz no tocante à pluralidade da Bíblia,
uma vez que foram muitos os autores, os relatos e os fragmentos de relatos que
deram corpo ao texto bíblico final.

FIGURA 1 – DIFERENTES BÍBLIAS

FONTE: <https://www.jw.org>. Acesso em: 6 nov. 2020.

63
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

Ademais, temos que levar em conta a ação dos copistas (pessoas que
copiavam os textos a mão, antes da invenção da imprensa) e dos milhares de
manuscritos que deram origem às mais diversas versões e traduções da Bíblia –
como veremos mais à frente. Conforme a Bíblia do Semeador:

A Bíblia tem sido importante para muitas pessoas no decorrer de mais


de vinte séculos. Ainda temos mais de quatro mil manuscritos do Antigo
Testamento e mais de cinco mil manuscritos do Novo Testamento
copiados cuidadosamente por pessoas quando ainda não existia a
imprensa. Era um trabalho muito lento, mas era importante preservar
o texto original desse livro. Além disso, foram feitas traduções para
muitas outras línguas, para que outras culturas também pudessem ter
acesso a esse livro. Vemos, portanto, que, mesmo antes da invenção
da imprensa, a Bíblia era o livro mais lido no mundo (BÍBLIA DO
SEMEADOR, 2014, p. XI).

Com isso, vemos que a Bíblia chega a nós das mais diversas maneiras. A
Palavra de Deus não caiu do céu de forma estática. Inúmeras características e
circunstâncias levaram ao formato que a Bíblia possui e é, nesse sentido, que
falamos que as Escrituras Sagradas possuem natureza plural, pois a estrutura da
bíblia reflete sua pluralidade.

A seguir, estudaremos mais sobre a história da Bíblia.

DICAS

Assista ao vídeo Bíblia: a pluralidade de palavra, do professor Ricardo Lemgruber,


disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UMcQuj-NgJ8.

3 ÉPOCAS DA HISTÓRIA BÍBLICA


Antes de analisarmos com detalhes a estrutura geral das Escrituras
Sagradas, devemos entender que a Bíblia não foi compilada de forma cronológica.
Ou seja, a estrutura da bíblia não reflete a cronologia das histórias bíblicas. Existe
uma preocupação cronológica, mas ela é leve. Um exemplo são os livros Esdras,
Neemias e Ester, que são listados logo antes do livro de Jó, mas que refletem
os últimos períodos da história do Antigo Testamento, anos subsequentes aos
eventos narrados em Jeremias ou Daniel.

Assim, nos quadros apresentados mais adiante, veremos mais atentamente


para a cronologia bíblica – lembrando que as abreviações “a.C.” e “d.C.” significam
“antes de Cristo” e “depois de Cristo”, respectivamente. Também é importante
ressaltar que as datas, especialmente as do Antigo Testamento, são aproximadas,
sendo que vários eventos são difíceis de datar com precisão.

64
TÓPICO 1 — A ESTRUTURA DAS ESCRITURAS

3.1 CRONOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO


De início, trataremos da cronologia do Antigo Testamento, conforme
mostra o Quadro 2.

QUADRO 2 – CRONOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO


DATA ACONTECIMENTO
A Criação
Adão e Eva no jardim do Éden
Pré-história Caim e Abel
Noé e o dilúvio
A torre de Babel
O chamado de Abraão
Nascimento de Isaque
ca. 2200 a.C.
Nascimento de Jacó e Esaú
Nascimento de José
José no Egito
Migração dos filhos de Jacó com suas famílias para o Egito
ca. 1900 a.C. Os israelitas são escravizados no Egito
Nascimento de Moisés
Saída dos israelitas do Egito e sua peregrinação pelo deserto
A conquista da terra de Canaã sob o comando de Josué
O período dos Juízes
Débora e Baraque
ca. 1400 a.C.
Gideão
Sansão
Rute e Noemi
Samuel, o primeiro profeta de Israel
Reinado de Saul
ca. 1100 a.C.
Reinado de Davi
Reinado de Salomão
DATA ACONTECIMENTO PROFETAS
950 a.C. A divisão do reino de Israel e o reinado de Elias
Jeroboão e Roboão
874-853 a.C. Reinado de Acabe Eliseu
800 a.C. Jonas
Amós
A queda de Samaria do Reino do Norte
Isaías
722 a.C. Oseias
Obadias?
650 a.C. Jeremias
Reinado de Josias e a reforma religiosa
640-609 a.C. Naum
Sofonias
Daniel
587 a.C. A queda de Jerusalém e do Reino do Sul
Ezequiel
586-539 a.C. Judá no exílio
Habacuque
539 a.C. Ageu
O domínio persa
538 a.C. Zacarias
Ciro, imperador da Pérsia, permite que os judeus
Obadias?
retornem e reconstruam o Templo de Jerusalém
Malaquias
Reconstrução das muralhas de Jerusalém
445-443 a.C. Joel?
FONTE: Adaptado de Bíblia Sagrada (1993, p. 25-26)

65
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

Resumidamente, podemos dividir a história de Israel, de acordo com


Schmidt (1994, p. 17), da seguinte forma:

1. Pré-história nômade: século XV?-XIII.


2. Época pré-estatal: século XII-XI.
3. Época da monarquia: ca. 1000-587.
4. Exílio: 587-539.
5. Época pós-exílica: a partir de 539.
6. Era do helenismo: a partir de 333.

3.2 CRONOLOGIA DO PERÍODO INTERTESTAMENTÁRIO


Desde a época de Neemias – quando o livro de Malaquias foi escrito – até
o nascimento de Jesus, passaram-se cerca de 400 anos. Esse período é chamado
de período interbíblico ou intertestamentário, ou ainda de “anos de silêncio”.
Apenas os livros Apócrifos, 1 Macabeus e 2 Macabeus narram eventos que
ocorreram durante esse período.

QUADRO 3 – CRONOLOGIA INTERTESTAMENTÁRIA

DATA ACONTECIMENTO
333-323 a.C. Alexandre, o Grande, governa a Palestina
323-198 a.C. Domínio dos ptolomeus sobre a Palestina
198-166 a.C. Domínio dos selêucidas sobre a Palestina
166-63 a.C. Revolução de Judas Macabeus e domínio dos seus descendentes sobre a Palestina
A conquista de Jerusalém pelo general romano Pompeu, anexando a Palestina ao
63 a.C.
Império Romano
37-4 a.C. Reinado de Herodes, o Grande, sobre a Palestina por nomeação de Roma

FONTE: Adaptado de Bíblia Sagrada (1993, p. 27)

FIGURA 2 – BUSTO DE ALEXANDRE, O GRANDE

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandre,_o_Grande>. Acesso em: 7 nov. 2020.

66
TÓPICO 1 — A ESTRUTURA DAS ESCRITURAS

3.3 CRONOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO


Segundo o anexo da Bíblia Sagrada (1993) da Sociedade Bíblica do Brasil,
devemos considerar que:

As referências cronológicas no Novo Testamento podem ser dadas


apenas como aproximadas, tanto para as referências à vida de Jesus,
como para o período dos apóstolos. A respeito do nascimento de
Jesus, por exemplo, só se pode afirmar, com base em Mt 2.1 (ver
Lc. 1.5), que ele ocorreu durante o reinado de Herodes, o Grande,
que morreu em 4 a.C., enquanto que a respeito de sua crucificação
pode-se afirmar que ela ocorreu durante uma celebração da Páscoa
no governo de Pôncio Pilatos (26-30 d.C.) Quanto ao período dos
Apóstolos, pode-se precisar com alguma certeza o ano da morte de
Herodes Agripa I como sendo 44 d.C. (At. 12.20-23), enquanto que
as demais datas são aproximadas (BÍBLIA SAGRADA, 1993, p. 27).

Tendo isso em vista, a cronologia do Novo Testamento é apresentada no


Quadro 4.

QUADRO 4 – CRONOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO

DATAS ACONTECIMENTOS
6 a.C. Nascimento de Jesus
26 d.C. Batismo de Jesus
30 d.C. Morte, ressurreição e ascensão de Jesus
Pentecostes
37 d.C. Conversão de Paulo
41 d.C. Início do ministério de Paulo
48-49 d.C. Primeira viagem missionária de Paulo
50 d.C. Conferência de Jerusalém
Segunda viagem missionária de Paulo
54 d.C. Terceira viagem missionária de Paulo
58 d.C. Paulo preso em Jerusalém
58-60 d.C. Paulo na prisão em Cesareia
61-63 d.C. Paulo na prisão em Roma
65 d.C. Morte de Pedro em Roma
66 d.C. Segunda prisão de Paulo em Roma
67 d.C.? Morte de Paulo em Roma
60 d.C. Destruição de Jerusalém e a destruição definitiva do Templo
99 d.C.? Morte de João

FONTE: Adaptado de Bíblia Sagrada (1993, p. 27-28)

67
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

NTE
INTERESSA

O calendário gregoriano – oficializado pelo papa Gregório XIII em 1582 d.C. –


foi criado por um monge chamado Dionísio por volta do ano 500 d.C. A ideia era que o ano
1 fosse marcado pelo nascimento de Jesus, mas como a criação deste calendário ocorreu
séculos após os eventos do Novo Testamento, houve a necessidade de calcular quando
Jesus havia nascido. Mas estudos recentes mostram que Dionísio errou o cálculo e esqueceu
de contar cerca de 4 a 6 anos. Como Herodes, o Grande, morreu no ano 4 a.C., e Jesus
nasceu enquanto ele estava vivo (BÍBLIA SAGRADA, Mt. 2.1s), supõem-se que Jesus nasceu
por volta do ano 6 a.C.

Embora as épocas bíblicas sejam bem distintas, ao mesmo tempo, possuem


nuances históricas que dificultam o estabelecimento definitivo de muitas datas.
Mesmo assim, estudar as épocas das histórias da Bíblia é importante, visto que a
Bíblia também é um relato histórico. Isso significa que a ação de Deus acontece na
história humana. Conhecer essa história é conhecer a história de Deus conosco.

Tendo uma noção da cronologia bíblica, podemos analisar com mais


atenção a sua estrutura e como o conteúdo bíblico é refletido por tal estrutura.
Faremos isso a seguir.

4 ESTILOS LITERÁRIOS
Por se tratar de uma coleção de livros, podemos encontrar na Bíblia
diferentes estilos literários. Se a Bíblia não segue uma ordem cronológica, ela
certamente segue uma ordem de estilos literários. Podemos dizer que a concepção
de estilos ou gêneros tem fundamento:

Na percepção de que em cada gênero literário, enquanto este tiver


vida própria, determinados conteúdos se vinculam estreitamente a
determinadas formas de expressão e na percepção de que estes vínculos
característicos não foram sobrepostos ao material posteriormente e
de modo arbitrário por autores; pelo contrário, eles constituíam uma
unidade essencial desde sempre, portanto, também já no período
de formação e transmissão oral e popular, antes que se tornassem
literatura, visto que correspondiam aos eventos e necessidades vitais
recorrentes a partir dos quais cada um dos gêneros literários se
desenvolveu (Kleine Schriften zur Geschichte des Volkes Israel, I, p.
284 apud SCHMIDT, 1994, p. 62).

68
TÓPICO 1 — A ESTRUTURA DAS ESCRITURAS

Entre os principais estilos literários da Bíblia estão:

• Leis: diversas culturas do Antigo Oriente desenvolveram seu próprio código de


leis. O Código de Hamurábi (ca. 1750 a.C.) é um exemplo famoso. O Pentateuco
é constituído majoritariamente por leis, ao ponto de ser chamado Torá ou a
Lei. A coleção mais famosa de leis da Bíblia é chamada de Dez Mandamentos
(BÍBLIA SAGRADA, Ex. 20.1-17).
• Genealogias: fornecem consciência da origem e descendência de personagens
bíblicos. Elas também esclarecem como tais personagens podem estar ligados
a famílias e tribos distintas.
• Narrativas: são prosas históricas que contam a história do povo de Deus.
As narrativas incluem acontecimentos, personagens, locais, datas, eventos
conflituosos com um certo nível de detalhes. Livros históricos como Josué, 1
e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas no AT e o livro de Atos dos Apóstolos no
NT, narram eventos e atividades de personagens importantes.
• Salmos e cânticos: o livro de Salmos era o antigo hinário do povo de Israel. Cada
Salmo é um cântico ou um poema, mas também existem poemas e cânticos em
outros livros da Bíblia, como Jeremias, Oseias, Cântico dos Cânticos, além de
poemas espalhados por toda a Bíblia também.
• Sabedoria: enquanto gênero literário, está concentrada nos livros de Jó,
Provérbios e Eclesiastes. São concelhos práticos para uma vida boa. No NT, o
Sermão do Monte é um exemplo de literatura sapiencial neotestamentária.
• Evangelhos: o termo evangelhos significa “boa nova”, “boa notícia”. É um
estilo literário que narra exclusivamente a vida e obra de Jesus Cristo.
• Orações: representam um estilo literário distinto, uma vez que expressam uma
comunicação entre homens e Deus. Elas podem aparecer na Bíblia tanto como
prosa quanto como poesia.
• Parábolas: são estórias fictícias que utilizam elementos do cotidiano e da
experiência comum para trazer um ensinamento sobre Deus. Normalmente
são histórias simples, mas com verdades importantes. Apesar de ser um estilo
muito usado por Jesus, algumas parábolas também aparecem no AT.
• Profecia: os discursos proféticos têm o diferencial de serem, a princípio,
mensagens de Deus através de um arauto. Utilizam-se largamente de metáforas,
figuras de linguagem, simbologia e linguagem elevada.
• Cartas: são específicas do NT e apresentam uma estrutura normal de cartas,
com saudação, remetente, corpo etc., que expressam uma mensagem de uma
pessoa destinada a outra pessoa ou comunidade.
• Apocalíptico: o termo apocalipse significa “revelação”. De certa forma, a
apocalíptica aproxima-se do discurso profético por ser uma mensagem vindo
diretamente de Deus. Esta literatura contém visões surpreendentes sobre o
futuro com instruções tanto para o futuro quanto para o presente. Apocalipse
e Daniel são exemplos de apocalíptica.

A partir de tudo o que foi exposto até aqui, faz-se necessário analisarmos a
estrutura geral das Escrituras Sagradas.

69
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

5 A ESTRUTURA DAS ESCRITURAS


Como já vimos, a Bíblia é uma coleção de livros que reúne os escritos
sagrados. É o cânone fechado. O termo Bíblia provém da palavra grega biblos, que
significa livros – daí também surge o termo biblioteca. A Bíblia contém 66 livros
e está dividida em duas grandes seções, o Antigo Testamento (AT) – também
chamado de Velho Testamento – e o Novo Testamento (NT).

NTE
INTERESSA

O termo Bíblia foi usado pela primeira vez pelo arcebispo de Constantinopla
Crisóstomo no século IV d.C.

O Antigo Testamento é a primeira seção da Bíblia cristã e possui 39 livros.


Já o Novo Testamento é a seção que foi escrita após o nascimento de Jesus e possui
27 livros, totalizando 66 livros da Bíblia – sem contar os apócrifos.

Segundo Schmidt: “o Antigo Testamento tornou-se ‘antigo’ devido ao


Novo Testamento” (SCHMIDT, 1994, p. 12). Com isso, a nomenclatura “Antigo
Testamento” é decorrente da inclusão de um “Novo” Testamento ao cânone.
Diante disso, devemos considerar o significado da palavra testamento, cujo termo
provém da palavra latina testamentum, que significa “aliança” – uma nova aliança
surgiria para substituir a aliança rompida pelo povo de Israel (BÍBLIA SAGRADA,
Jr. 31.31s). Ainda assim, o termo Antigo Testamento, ou antiga aliança ou apenas
“testamento” não aparece no NT para identificar os livros do AT. Isso porque:

Embora os livros do NT só tenham chegado até nós como parte de


uma coleção aprovada pela Igreja, nenhum deles foi escrito com
o objetivo de ser incorporado a tal coleção. Mesmo que já houvesse
uma coleção das epístolas paulinas no fim do século I, ela não era
encarada como “Sagrada Escritura”. Mas Jesus e o cristianismo
primitivo nunca dispensaram a Sagrada Escritura: eles consideram o
AT como “as escrituras” (Mc 12.24), que provinham do judaísmo e
que eram citadas em todas as três partes do antigo cânone do AT. A
revelação de Deus fora conservada de forma escrita, como se mostrava
evidente para a Igreja primitiva bem no princípio de sua existência
(KÜMMEL, 2004, p. 628).

Ou seja, o NT não foi escrito para ser NT. Embora o cânone do AT ainda
não estivesse completamente fechado ao final do século I, a Igreja primitiva –
e Jesus inclusive – já considerava o AT como as Escrituras Sagradas completas.
Apenas tardiamente que a Igreja decidiu criar um cânone neotestamentário que
representasse a fé a partir da nova aliança feita por intermédio de Jesus Cristo.

70
TÓPICO 1 — A ESTRUTURA DAS ESCRITURAS

É importante destacar que AT e NT são igualmente Palavra de Deus.


Ambos os testamentos possuem sacralidade e são norma de fé. Portanto, não são
duas Bíblias, mas uma Bíblia com duas grandes divisões históricas. É importante
destacarmos isso devido ao perigo de negarmos a validade de uma das partes,
como fez Marcião de Sinope, no século II, sendo uma das primeiras pessoas
acusadas de heresia dentro do Cristianismo.

Marcião de Sinope negava a validade do Antigo Testamento por enxergar


deuses diferentes na Bíblia – ainda em processo de canonização –, um no AT e
outro no NT. O Deus do AT era o Deus da lei e inferior ao segundo, na pessoa de
Jesus Cristo. Marcião propôs seu próprio cânone, com apenas 11 livros, excluindo
completamente o AT. Sua teologia é chamada de marcionismo. Para não seguirmos
caminhos semelhantes, devemos admitir a unidade estrutural da Bíblia, pois,
mesmo que ela seja plural nos seus mais diversos aspectos, existe uma unidade
temática e espiritual que a faz una e completamente sagrada e Palavra de Deus.

5.1 DETALHES DA ESTRUTURA BÍBLICA


A primeira divisão das Escrituras provém da Bíblia Hebraica, usada
largamente entre os judeus desde os tempos antigos. A Bíblia Hebraica também
pode ser chamada de TNK (pronuncia-se tenak – Quadro 5), que é uma composição
das consoantes iniciais das três seções do AT hebraico.

QUADRO 5 – DIVISÃO DA TNK

Torá Nebiim Kethubim


(Instrução) (Profetas) (Escritos)
Pentateuco – 5 livros (a Lei ou Profetas – 8 livros Escritos – 11 livros
Cinco Livros de Moisés)
Profetas anteriores Livros poéticos
• Gênesis
• Êxodo • Josué • Jó
• Levíticos • Juízes • Salmos
• Números • 1 e 2 Samuel • Provérbios
• Deuteronômio • 1 e 2 Reis
Cinco rolos (Megillot)
Profetas posteriores
• Rute
• Isaías • Cântico dos Cânticos
• Jeremias • Eclesiastes
• Ezequiel • Lamentações
• Livro dos Doze Profetas • Ester
(Oseias, Joel, Amós, Obadias,
Jonas, Miqueias, Naum, Livros históricos
Habacuque, Sofonias, Ageu,
Zacarias, Malaquias) • Daniel
• Esdras/Neemias
• 1 e 2 Crônicas

FONTE: Adaptado de Schmidt (1994, p. 16)

71
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

Diferentemente da estrutura da TNK, a tradução grega do AT – a


Septuaginta (LXX) – possui quatro seções, conforme Schmidt (1994, p. 13):

• Livro da Lei (Pentateuco).


• Livros históricos.
• Livros poéticos.
• Livros proféticos.

A estrutura da Septuaginta serviu de base para inúmeras traduções do


AT. Mais tarde, o NT foi unido a ela, formando o cânone cristão, a Bíblia Sagrada
como temos hoje. O Quadro 6, portanto, apresenta a estrutura completa da Bíblia
cristã, a começar pelo AT.

72
TÓPICO 1 — A ESTRUTURA DAS ESCRITURAS

QUADRO 6 – ESTRUTURA DO ANTIGO TESTAMENTO

ANTIGO TESTAMENTO
• Gênesis (Gn.)
• Êxodo (Êx.)
Pentateuco
• Levíticos (Lv.)
(5 livros)
• Números (Nm.)
• Deuteronômio (Dt.)
• Josué (Js.)
• Juízes (Jz.)
• Rute (Rt.)
• 1 Samuel (1Sm.)
• 2 Samuel (2Sm.)
Livros Históricos • 1 Reis (1Rs.)
(12 livros) • 2 Reis (2Rs.)
• 1 Crônicas (1Cr.)
• 2 Crônicas (2Cr.)
• Esdras (Ed.)
• Neemias (Ne.)
• Ester (Et.)
• Jó (Jó.)
Livros Poéticos • Salmos (Sl.)
ou Sapienciais • Provérbios (Pv.)
(5 livros) • Eclesiastes (Ec.)
• Cântico dos Cânticos (Ct.)
Profetas Maiores

• Isaías (Is.)
• Jeremias (Jr.)
• Lamentações (Lm.)
• Ezequiel (Ez.)
• Daniel (Dn.)

Profetas Menores

Livros Proféticos • Oseias (Os)


(17 livros) • Joel (Jl.)
• Amós (Am.)
• Obadias (Ob.)
• Jonas (Jn.)
• Miqueias (Mq.)
• Naum (Na.)
• Habacuque (Hc.)
• Sofonias (Sf.)
• Ageu (Ag.)
• Zacarias (Zc.)
• Malaquias (Ml.)

FONTE: Os autores

73
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

Já o Quadro 7 mostra a estrutura do NT.

QUADRO 7 – ESTRUTURA DO NOVO TESTAMENTO

NOVO TESTAMENTO

}
• Mateus (Mt.)
Evangelhos • Marcos (Mc.) Sinóticos
(4 livros) • Lucas (Lc.)
• João (Jo.)
Histórico
• Atos dos apóstolos (At.)
(1 livro)
Epístolas Paulinas

• Romanos (Rm.)
• 1 Coríntios (1Co.)
• 2 Coríntios (2Co.)
• Gálatas (Gl.)
• Efésios (Ef.)
• Filipenses (Fp.)
• Colossenses (Cl.)
• 1 Tessalonicenses (1Ts.)
• 2 Tessalonicenses (2Ts.)
• 1 Timóteo (1Tm.)
Epístolas • 2 Timóteo (2Tm.)
(21 livros) • Tito (Tt.)
• Filemon (Fm.)

Epístolas Gerais

• Hebreus (Hb.)
• Tiago (Tg.)
• 1 Pedro (1Pe.)
• 2 Pedro (2Pe.)
• 1 João (1Jo.)
• 2 João (2Jo.)
• 3 João (3Jo.)
• Judas (Jd.)
Profético
• Apocalipse (Ap.)
(1 livro)

FONTE: Os autores

A Figura 3 ilustra como seria se dispuséssemos a Bíblia de acordo com os


livros que a compõe em uma estante.

74
TÓPICO 1 — A ESTRUTURA DAS ESCRITURAS

FIGURA 3 – VISÃO GERAL DOS LIVROS DA BÍBLIA

FONTE: <https://i.pinimg.com/564x/d8/9d/73/d89d73a4de95aa14a9a9c645f7e49c30.jpg>.
Acesso em: 9 nov. 2020.

De acordo com a figura, é possível perceber que os livros da Bíblia seguem


uma ordem de estilos literários. Alguns teólogos consideram Lamentações um livro
poético, por causa do seu estilo, mas, na maior das estruturas, ele segue o seu autor,
Jeremias. Diante da estrutura exposta, aqui cabem algumas observações:

• Livros Sapienciais: também podemos chamar os Livros Poéticos de Livros


Sapienciais ou Livros da Sabedoria, que são: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes
e Cântico dos Cânticos. Nas palavras de von Rad: “Israel também entendia por
‘sabedoria’ um conhecimento prático das leis da vida e do mundo, baseado na
experiência. A palavra hebraica que se traduz por ‘sábio’, ‘sabedoria’, significa,
incialmente, ser experiente” (RAD, 2006, p. 405). Essa sabedoria prática é
manifesta nos Livros Sapienciais, que faz referência à sabedoria intelectual e
erudita, unindo conselhos morais à fé em Javé.

75
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

• Profetas Maiores e Profetas Menores: essa classificação diz respeito apenas ao


tamanho dos livros, nada mais.
• Evangelhos Sinóticos: dos quatro evangelhos, os três primeiros possuem uma
particularidade especial – Mateus, Marcos e Lucas. Como diz a introdução de
Evangelhos Sinóticos: “Dos quatro livros canônicos que relatam a ‘Boa Nova’
(sentido do termo ‘evangelho’) trazida por Jesus Cristo, os três primeiros
apresentam entre si tais semelhanças que podem ser colocados em colunas
paralelas e abarcados ‘com um só olhar’, de onde seu nome de ‘Sinóticos’”
(BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2002, p. 1689). A semelhança entre eles se deve,
possivelmente, ao fato de que Mateus e Lucas usaram o evangelho de Marcos –
mais antigo – como base para os seus próprios relatos. De acordo com Kümmel,
“Mateus e Lucas têm material mais rico do que Marcos. Mesmo assim, os três
coincidem na descrição da atividade de Jesus” (KÜMMEL, 2004, p. 41).
• Epístolas Paulinas e Epístolas Gerais: essa divisão entre as Cartas de Paulo e as
demais Cartas se deve apenas à quantidade de cartas elaboradas por Paulo. Tal
divisão não significa que as Epístolas Paulinas têm mais valor que as Gerais.

NTE
INTERESSA

Por mais que Daniel esteja listado como um dos Profetas Maiores e que
Oseias e Zacarias estejam na lista dos Profetas Menores, estes possuem 14 capítulos cada,
enquanto Daniel possui 12.

5.2 CAPÍTULOS E VERSÍCULOS


Como podemos facilmente observar, cada livro bíblico é dividido em
capítulos, e estes em versículos. Capítulos são unidades maiores, enquanto os
versículos são pequenas unidades, normalmente formadas por algumas frases.
Os capítulos e os versículos são numerados.

Originalmente, os textos bíblicos eram formados de texto corrido, ou seja,


sem nenhuma divisão, alguns não continham nem mesmo parágrafos. Tanto no
hebraico quanto no grego, o texto seguia sem nenhuma divisão. As divisões em
capítulos e versículos foram feitas posteriormente, na Idade Média, pois sentiu-
se a necessidade de facilitar a leitura e a procura por textos bíblicos específicos –
podemos imaginar que, antes dessa divisão, quão difícil era se localizar na leitura.

A primeira divisão da Bíblia em capítulos ocorreu por volta do ano 1226


d.C. pelo arcebispo da Cantuária, Stephen Langton, a partir da Vulgata, a tradução
latina da Bíblia – sua versão acabou se tornando bastante popular. Já a primeira

76
TÓPICO 1 — A ESTRUTURA DAS ESCRITURAS

divisão da Bíblia em versículos aconteceu em 1527 pelo italiano Pagnino de Luca.


Alguns anos mais tarde, em 1551, o erudito e famoso impressor Robert Stephanus
elaborou a versão definitiva da Bíblia que temos hoje, a partir do trabalho de
Lagton e de Pagnino.

A primeira Bíblia impressa completamente dividida em capítulos e


versículos foi a Bíblia de Genebra, publicada em 1560. Nos anos seguintes, essa
versão ganhou gradativa aceitação, ao ponto de ser aceita universalmente. Não
consideramos tal divisão inspirada pelo Espírito Santo, mas, sem dúvida, foi muito
útil no estudo da Palavra de Deus, pois se tornou muito mais fácil memorizar
textos bíblicos, localizá-los e fazer toda espécie de comparação (Figura 4).

FIGURA 4 – REFERÊNCIA BÍBLICA

FONTE: Os autores

NOTA

Mesmo com todo o trabalho de divisão da Bíblia em capítulos e versículos, o


conteúdo do texto bíblico não foi alterado.

Então, tendo um conhecimento geral da estrutura da Bíblia, no tópico


seguinte, poderemos conhecer mais das diferentes versões e edições das Escrituras
Sagradas.

77
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A Bíblia foi escrita por mais de 40 autores num período que abrange cerca de
1.600 anos.

• Mesmo que tenha uma unidade de conteúdo, o estudo da Bíblia demonstra sua
pluralidade, cujas inúmeras características e circunstâncias levaram ao formato
que possui hoje.

• A estrutura da Bíblia não reflete a cronologia das suas histórias. Estudar a


cronologia das histórias bíblicas permite perceber que a ação de Deus acontece
dentro da história humana.

• A estrutura bíblica segue uma ordem de estilos literários, sendo composta por
vários estilos diferentes.

• A Bíblia contém um total de 66 livros e está dividida em duas grandes seções,


o Antigo Testamento, com 39 livros, e o Novo Testamento, com 27 livros.

• O Antigo Testamento está divido em: Pentateuco, 12 Livros Históricos, 5 Livros


Poéticos e 17 Livros Proféticos; enquanto o Novo Testamento está divido em: 4
Evangelhos, 1 Livro Histórico, 21 Epístolas e 1 Livro Profético.

• Dos quatro Evangelhos, Mateus, Marcos e Lucas são chamados de Evangelhos


Sinóticos, por conterem muitas semelhanças.

• Originalmente, os textos bíblicos eram formados por texto corrido. As divisões


em capítulos e versículos foram feitas posteriormente, na Idade Média.

78
AUTOATIVIDADE

1 A Bíblia é diversificada em vários aspectos. Considerando a pluralidade


das Escrituras, disserte sobre a expressão “a Bíblia é uma verdadeira
biblioteca”.

2 Entre os diversos estilos literários que encontramos na Bíblia, há um


específico que narra a história de Jesus e que compõe a primeira parte da
estrutura do Novo Testamento. De qual gênero literário se trata?

3 A Bíblia também é um grande relato histórico. A cronologia das histórias


bíblicas é composta por várias etapas que narram a ação de Deus
para dentro da história humana. Um período específico é chamado de
“período intertestamentário”, ou ainda de “anos do silêncio”. Levando em
consideração a cronologia bíblica e o período intertestamentário, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) O período intertestamentário corresponde aos 400 anos de escravidão


no Egito.
b) ( ) O período intertestamentário corresponde aos anos de monarquia
antes do rei Davi.
c) ( ) O período intertestamentário corresponde aos 400 anos de silêncio
entre o AT e o NT.
d) ( ) O período intertestamentário corresponde aos anos que sucederam
os eventos no NT.

4 Também podemos chamar os Livros Poéticos de Livros Sapienciais ou


Livros da Sabedoria. Israel entendia por sabedoria os conhecimentos
práticos que permitiam uma vida ética baseada na experiência. Sobre os
livros que compõem os Livros Poéticos, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Rute, Jó, Salmos, Provérbios e Eclesiástico.


b) ( ) Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos e Lamentações.
c) ( ) Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cântico dos Cânticos.
d) ( ) Rute, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cântico dos Cânticos.

5 O fato de a Bíblia ser dividida em capítulos e versículos é muito útil para


facilitar a sua leitura. Tal divisão torna muito mais fácil memorizar textos
bíblicos, localizá-los e fazer toda espécie de comparação. Sobre a estrutura
de capítulos e versículos, assinale a alternativa CORRETA:

79
a) ( ) Essa divisão foi inspirada por Deus e os autores originais já escreveram
o texto numerado, tanto no hebraico quanto no grego.
b) ( ) Essa divisão não foi inspirada por Deus, mas foi feita posteriormente
pela escola de copistas dos Massoretas.
c) ( ) Essa divisão foi inspirada por Deus e realizada pelos pais da igreja
durante o fechamento do cânone.
d) ( ) Essa divisão não foi inspirada por Deus, mas feita posteriormente, na
Idade Média, para auxiliar a sua leitura.

80
TÓPICO 2 —
UNIDADE 2

AS VERSÕES E EDIÇÕES DAS ESCRITURAS

1 INTRODUÇÃO
As versões e as traduções das Sagradas Escrituras são uma temática que
deve receber grande atenção do teólogo, tanto durante o período de estudos
quanto após formado, quando responsável por uma comunidade. Para um
bom profissional, o processo formativo é incessante, ou seja, os estudos devem
fazer parte da vida do teólogo durante toda a sua caminhada. Nessa direção, é
importante conhecer o processo que levou à produção de cada um dos textos, nos
quais o profissional da Teologia irá se amparar. Por isso, na escrita de um artigo,
por exemplo, é necessário que se utilizem fontes seguras, confiáveis, relacionadas
a instituições e profissionais sérios, o que, em alguns momentos, pode inclusive
contrariar o leitor, mas o exercício teológico também é uma atividade acadêmico-
científica e, portanto, deve se pautar em informações verdadeira e de procedência.

O trato com as Escrituras segue o mesmo caminho acerca da atividade


acadêmica. Existem centenas, para dizer o mínimo, de traduções e versões das
Sagradas Escrituras disponíveis na contemporaneidade – desde impressões
elaboradas e de estética “refinada e elegante” até versões digitais etc., –, porém,
a principal qualidade que o teólogo deve buscar, quando se trata das escrituras, é a
procedência de sua tradução e organização.

Neste tópico, conheceremos um pouco sobre esse universo editorial que


gerou o que se tem atualmente como as Sagradas Escrituras. Como será possível
perceber, em muitos momentos da história e da relação humana com as Escrituras,
a tradução, a organização e a publicação dos livros que compõem a Bíblia foram
ações bastante arriscadas e perseguidas, ou seja, verdadeiros atos de heroísmo.
Esse é mais um motivo que reforça a responsabilidade na utilização de fontes
adequadas e confiáveis, não só como qualidade do profissional que está exercendo
a Teologia, mas como respeito aos seus fiéis e à memória daqueles que tornaram
possível a sobrevivência da Palavra ao longo do tempo.

Atualmente, em uma livraria comum, podem-se há versões de Bíblias, de


diversos tipos, tamanhos e valores – é importante ter em mente que nem sempre
foi dessa maneira. Além da perseguição aos tradutores e demais envolvidos,
durante muito tempo, a possibilidade de aquisição de uma edição das Escrituras
era bastante difícil, por conta do seu alto custo. Ter uma versão bíblica era como

81
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

ser possuidor de um tesouro – e é exatamente esse o sentimento que deve ser


incorporado com a possibilidade de se possuir uma versão bíblica não de valor
estético (decorar estante), mas de valor pelo seu conteúdo, pela mensagem que
contém em seu interior.

2 TRADUÇÕES BÍBLICAS
Quando se fala das Sagradas Escrituras, é necessário ter em mente uma
alusão a uma biblioteca, que compreende desde as tradições e as revelações de
Deus para o povo hebreu até os relatos das pregações e das mensagens de Jesus
Cristo e dos Apóstolos.

A primeira tradução dos livros do Antigo Testamento pode ser relacionada


ainda ao povo hebreu.

A tradição de preservar os escritos sagrados do judaísmo na língua


original foi mantida durante vários séculos. Porém, à medida que o
tempo passava, mudanças culturais e históricas fizeram com que a
fidelidade ao costume de estudar o Tanakh na língua hebraica fosse
substituída pela necessidade de torná-lo compreensível aos judeus
que não falavam mais o hebraico. A própria Bíblia registra uma das
primeiras ocasiões em que a Torá (Formalmente, o termo Torá designa
apenas os cinco primeiros livros do Tanakh. Habitualmente, é uma
metonímia usada para se referir a todo o Tanakh) teve de ser traduzida
para os judeus que desconheciam a língua em que o texto havia sido
originalmente escrito (RAUPP, 2010, p. 19).

É possível de perceber que houve, então, uma tentativa, já em tempos


bastantes primitivos, de oferecer aos fiéis uma versão mais acessível da palavra
de Deus. O contexto citado remete a um período que pode ser datado de maneira
superficial entre 456 e 443 a.C. É importante ter em mente a informação de que
essa tradução mais primitiva tinha de fazer alguns tipos de compilações dos
registros já disponíveis nesse período. Sobre esse tipo de tradução, podem-se citar:
tabuinhas de barro (3500 a.C.); pedras (Mesopotâmia, Egito e Palestina); papiro
(2100 a.C.); vellum ou velino, pergaminho e couro (século IV ao X), desconhecido
até 200 a.C. (BÍBLIA SAGRADA, 2Tm. 4:13); metal (BÍBLIA SAGRADA, Êx. 28:36;
Jó 19:24; Mt. 22:19,20); cera (BÍBLIA SAGRADA, Is. 8:1; 30:8; Hb. 2:2; Lc. 1:63);
pedras preciosas (BÍBLIA SAGRADA, Êx. 39:6-14); cacos de louça (óstracos).

Os registros citados são, em grande parte, artefatos que sobreviveram


à contemporaneidade, de modo que é possível supor que esses materiais
existiam em maior quantidade e diversidade na Antiguidade. Essa diversidade,
evidentemente, oferecia, por um lado, a possibilidade de uma interpretação mais
ampla das fontes disponíveis, por outro, depositava sob os ombros dos redatores
uma grande responsabilidade no exercício dessa ação.

82
TÓPICO 2 — AS VERSÕES E EDIÇÕES DAS ESCRITURAS

FIGURA 5 – PAPIRO HEBREU

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/3/38/Papyrus_Bodmer_VIII.
jpg/1200px-Papyrus_Bodmer_VIII.jpg>. Acesso em: 6 dez. 2020.

A Figura 5 mostra o papiro de maneira bem didática, que era um dos tipos
de materiais utilizados como registro da Palavra, na Antiguidade. Apesar de ser
um material de grande resistência, o papiro era muito caro para ser produzido,
da mesma maneira que as outras fontes, havendo a necessidade de um grande
investimento para a realização desses registros. Soma-se ainda o fato de que poucas
pessoas tinham o conhecimento da leitura e da escrita, de modo que, apesar das
primeiras traduções, cuja intenção era se aproximar mais do povo de Deus, essa
aproximação ainda era restrita, por conta desses desafiadores elementos.

Nessa direção, pode-se imaginar que, apesar da resistência maior dos


materiais, em comparação com o papel contemporâneo, infelizmente, por conta
da grande distância cronológica, bem como diversos eventos, como perseguições e
guerras, os exemplares nesse momento eram cópias de cópias dos escritos originais.

Sobre a atividade de tradução, ainda se cita que:

Neemias relata um caso de tradução oral. Sobre a tradução da Bíblia


por escrito, feita na antiguidade, Nida postula que o único registro
confiável que se tem é o que consta no prólogo do Eclesiástico, um
livro cujo original hebraico se perdeu, mas que é conhecido hoje
em dia graças às traduções que dele foram feitas na antiguidade.
O Eclesiástico, apesar de ser considerado apócrifo no cristianismo
protestante e no judaísmo ortodoxo contemporâneo, era inicialmente
visto como canônico, pois, até o século IV d.C., a Bíblia de Jerusalém
registra que era citado pelos rabinos, no Talmud. Por volta de 132 a.C.,
o livro foi traduzido para o grego, e nele há um breve prefácio, em
que encontramos um comentário crítico e reflexivo sobre a atividade
tradutória (RAUPP, 2010, p. 20).

Ao fazer referência a aproximadamente 132 a.C., isso demonstra grande


parte do contexto das traduções que se preocupavam não somente com o
contexto dos textos em si, em formas escritas, mas também dos textos decorados e
passados geração após geração, de maneira oral. Essa tradução tem como grande
responsabilidade receber termos, muitas vezes, não mais utilizados, e transformá-
los em um conteúdo que possa ser repassado às futuras gerações.

83
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

2.1 A SEPTUAGINTA
Essa tradução é muito importante no contexto da exegese bíblica. Para
estudiosos como a francesa Marguerite Harl (1919-2020), a Septuaginta tem um
valor muito maior do que apenas de tradução. Nessa direção, esses estudiosos
dizem que a Septuaginta representa um movimento de interpretação teológica
que tem por interesse tornar mais presente para os fiéis as mensagens sagradas
das Escrituras.

Harl foi se convencendo, assim como aos seus alunos, sobre


Alexandria (Setenta). Para Harl, a Septuaginta não foi apenas uma
tradução. A partir da história dessa obra de tradução e interpretação
helênico-judaica da Torá, constata-se, na verdade, a plataforma, ou
melhor, o start de múltiplos processos exegéticos (leituras) específicos
e sucessivos a LXX, tanto do Judaísmo antigo e helenista quanto do
Cristianismo antigo (SANTOS, 2008, p. 2).

A Septuaginta é um bom exemplo dos esforços de tornar a palavra mais


acessível – pode ser representada pelo numeral latino LXX, referindo-se a uma
história tida como fictícia, sobre 72 eruditos judeus, que realizaram a tradução
das escrituras em 72 dias.

FIGURA 6 – FRAGMENTO DA SEPTUAGINTA

FONTE: <https://2.bp.blogspot.com/_vBQVD3n59mo/ShWpRrgI4aI/AAAAAAAABrU/F_
ApJ63natA/s200/LXX.jpg>. Acesso em: 7 dez. 2020.

É importante observar que esse conjunto de traduções das escrituras em


grego, que é a Septuaginta, tem variações na adoção de seu conteúdo entre as
igrejas cristãs. Nessa direção, pode-se perceber que, em versão judaica, há livros
da Septuaginta que não foram adotados – versão que é a mais aplicada em
grande parte das Igrejas adeptas ao Protestantismo. Já o Catolicismo Romano,
por sua vez, adotou uma inclusão parcial, optando por alguns livros, enquanto as
Igrejas Ortodoxas fizeram uma adoção total da Septuaginta e as Igrejas Orientais,
juntamente com a Anglicana, optaram por excetuar apenas o Salmo 151.

84
TÓPICO 2 — AS VERSÕES E EDIÇÕES DAS ESCRITURAS

2.2 OUTRAS TRADUÇÕES GREGAS


É possível encontrar uma grande quantidade de traduções das escrituras
para o idioma grego, porém serão abordadas apenas algumas traduções, as mais
conhecidas:

• Uma dessas traduções foi realizada por Áquila. Ao que se sabe, esse tradutor
tinha um parentesco com o imperador Adriano. De origem pagã, Áquila se
converteu ao judaísmo, realizando uma tradução que buscava ser literal das
escrituras, por volta do século II.
• Da cidade grega de Éfeso, surge outro tradutor das Escrituras. Teodócio foi
um estudioso greco-judaico que realizou a tradução dos textos sagrados para
o grego clássico. Há debates que supõem que ele teria realizado essa tradução
amparado pela Septuaginta, mas, a esse respeito, não há comprovações. Essa
tradução é datada de aproximadamente 150 d.C.
• Outro autor responsável por uma versão que traduziu as Escrituras para o
grego foi Símaco (Symmachus). Esse trabalho recebeu grande reconhecimento,
sendo incluído nos Hexapla e na Tetrapla, de Orígenes. Das traduções de Símaco,
alguns fragmentos chegaram à contemporaneidade. Ele também é chamado de
Ebionita, termo que diz respeito a uma linha judaico-cristã que conseguiu certa
popularidade entre os séculos II e IV e que realizava celebrações aos sábados,
inclusive sendo adepto da circuncisão.
• Orígenes foi outro importante tradutor das Escrituras para o idioma grego.
Conhecido como Orígenes, O Cristão ou Orígenes da Cesareia, ou ainda Orígenes
de Alexandria, foi considerado um grande teólogo do cristianismo, sendo grande
influência de teólogos formados na chamada Escola de Alexandria.

FIGURA 7 – TRADUÇÃO DE ORÍGENES

FONTE: <http://bibliateca.com.br/site/images/img/Biblia-Corpo/_corpo-Biblia-
TraducaoHexapla2.jpg>. Acesso em: 7 dez. 2020.

85
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

A Figura 7 mostra a tradução que foi considerada uma versão de grande


importância, pois esclareceu, através de correções, alguns pontos que não ficaram
muito claros ou fragmentados entre as versões hebraica e grega. Orígenes, como
grande representante da Escola de Alexandria, foi um dos preceptores de Amônio
Sacas, que, por sua vez, foi mestre do filósofo e teólogo Plotino, considerado um
dos grandes pensadores a relacionar as concepções cristãs como a Filosofia Grega
Clássica de Platão.

2.3 TRADUÇÕES A PARTIR DO GREGO


• A Tradução Copta: datada de aproximadamente século IV. Sendo a cidade de
Alexandria considerada um grande centro acadêmico e cultural, foi realizada,
então, a tradução para o copta, que era o idioma mais falado na região nesse
período. Nessa direção, buscou-se contemplar os dialetos Boaírico, da região
de Alexandria, sendo o dialeto básico da igreja egípcia, e o dialeto Saídico, da
região mais ao sul do Egito, na região de Tebas.
• A Tradução Etíope: tomando por base o grande avanço do Cristianismo no
continente africano, a partir do território egípcio, percebeu-se uma necessidade
da tradução bíblica para contemplar outros idiomas próximos. Dessa maneira,
foi realizada uma tradução etíope que tem sua autoria provável atribuída a
monges sírios, entre os séculos IV e V.
• A Tradução Gótica: a grande ação de Ùlfílas (311-381), foi responsável por grande
parte do êxito na cristianização dos povos germânicos. Assim como aconteceu
nas traduções Copta e Etíope, a versão gótica das escrituras também foi uma
aplicação escrita da necessidade de acesso às Escrituras. Ùlfílas foi um destacado
nome dessa ação (Figura 8). A escrita no copta e no gótico teve um grande
impulso em sua utilização, incentivada pela tradução das Escrituras. O gótico
é o estilo de escrita que deu origem ao alemão e ao inglês contemporâneo.
• A Tradução Armênia: tradução que, muitas vezes, recebe um caráter secundário, o
que não está relacionado com a sua importância, mas com o fato de que é uma
continuação, uma compilação que foi traduzida, buscando semear a palavra
para outros povos.

86
TÓPICO 2 — AS VERSÕES E EDIÇÕES DAS ESCRITURAS

FIGURA 8 – ÙLFÍLAS

FONTE: <https://www.akg-images.co.uk/Docs/AKG/Media/TR5/a/4/9/a/AKG1821037.jpg>.
Acesso em: 7 dez. 2020.

2.4 A VULGATA LATINA


O Império Romano foi responsável pela capilarização do grego em todo
o território sob seu domínio. Nessa direção, Tertuliano e seus contemporâneos
fizeram uso da Septuaginta, como base para sua ação teológica e pastoral. Assim,
a Septuaginta tornou-se uma das bases para a compilação da Vulgata Latina
(também chamada de Vulgata de Jerônimo, em grande parte pela ativa participação
deste nessa edição), sendo a versão que recebeu a autorização da Igreja Católica
sediada em Roma.

Tertuliano utilizou também uma edição chamada Antiga Latina, tanto


para o Antigo quanto para o Novo Testamentos, a qual foi utilizada por bastante
tempo, sendo precedente da Vulgata, que a substituiu. A Antiga Latina foi também
utilizada por Cipriano e chegou a ser tão popular que foi mencionada pelo filósofo
Agostinho de Hipona.

87
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

FIGURA 9 – SOFRÔNIO EUSÉBIO JERÔNIMO

FONTE: <https://juventudeconservadoraufma.files.wordpress.com/2016/07/sao_jeronimo_
domenico-ghirlandaio.jpg?w=640>. Acesso em: 7 dez. 2020.

Sofrônio Eusébio Jerônimo (também conhecido como Jerônimo e aclamado


por São Jerônimo pela Igreja) foi convidado pelo bispo Damasus de Roma, de
quem era secretário, para realizar uma compilação melhorada da Bíblia Latina. Ao
aceitar o convite, Jerônimo dedicou-se à atividade com base no Codice Veronese,
como uma de suas importantes fontes. O concílio de Trento, que aconteceu entre
1545 e 1547, declarou a Vulgata, compilada por Jerônimo, como autêntica. Sua
versão foi a adotada pelo catolicismo romano durante mais de mil anos. O Papa
Clemente VII ordenou algumas pequenas mudanças, como os livros 3 e 4 Esdras,
3 Macabeus e a Oração de Manassés.

A Septuaginta, escrita principalmente em grego koiné (isto é, comum)


de cunho alexandrino, quando foi adotada pelo cristianismo do
Mediterrâneo oriental já não apresentava mais o grego que o povo
falava pela rua. O mesmo deve ter acontecido com a Vulgata de
Jerônimo (Vg), que usa um latim mais ou menos culto, enquanto
nas periferias do Império o baixo latim ia gerando as futuras línguas
neolatinas (KONINGS; SILVA, 2020, p. 30).

Dessa maneira, tanto a Vulgata quanto a Septuaginta, por mais que


fossem tentativas de fazer com que a mensagem de Deus fosse mais facilmente
compreendida pelos seus filhos, não eram escritas na linguagem usual dos fiéis.
A forma e a língua das escrituras têm a intenção de compor a mensagem séria
de Deus e temporal, de modo que o uso de uma linguagem mais informal não
só descaracterizaria muito do tom dessa mensagem, como perderia muito de seu
significado, pois se aproximaria do vulgar.

88
TÓPICO 2 — AS VERSÕES E EDIÇÕES DAS ESCRITURAS

NTE
INTERESSA

O Papa Clemente VII também é lembrado por ter excomungado o rei


Henrique VIII, da Inglaterra, entre outras coisas, por conta da anulação de seu casamento
com Catarina de Aragão, para se casar com Ana Bolena. O rei Henrique VIII foi o criador da
Igreja Anglicana.

HENRIQUE VIII

FONTE: <https://lh4.googleusercontent.com/-LWOXTEqiVxg/U8BEd3yldWI/
AAAAAAAAEM4/PrenwLCHJ58/w588-h577-no/henrique-viii.jpg>. Acesso em: 7 dez. 2020.

2.5 OUTRAS TRADUÇÕES POSTERIORES DO LATIM


Os irmãos Metódio e Constantino (Cirilo), em grande parte, foram figuras
importantes da cristianização do Centro-Oriental do continente europeu, cujos
esforços em promover uma tradução para o povo eslavo, em grande parte, tornou
possível o desenvolvimento do alfabeto cirílico, que é a base da escrita de idiomas
como russo, búlgaro, croata, sérvio e ucraniano.

A contribuição e a influência de Cirilo para o idioma podem ser descritas


através do que foi pesquisado por Vladimir Pliassov:

A Vida de S. Cirilo, o Filósofo, autor do primeiro alfabeto eslavo que


servia as necessidades da Igreja Cristã, conta-se que, enquanto esteve na
Crimeia, na cidade de Korsun (Chersonesus), por volta do ano de 860,
encontrou um Evangelho e um Livro dos Salmos escritos em caracteres
russos antigos. Cirilo conheceu ali um homem, um russino, que sabia ler
esses livros e ele próprio aprendeu rapidamente a ler e a entendê-los.
Uma das mais antigas crónicas russas do século XII, a Narração dos
Anos Passados, confirma também, repetidas vezes, a existência de
tratados comerciais e outros que o autor dessas crónicas leu no original,

89
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

escritos e compostos muitos anos antes do baptismo da Rússia. Por


exemplo, no Acordo celebrado pelo Príncipe de Kiev, Oleg, com
Bizâncio, no ano de 911, relata-se que a Rússia e Bizâncio tentaram,
por mais de uma vez, verbalmente, mas também por escrito, resolver
as questões entre eles. Nesse mesmo Acordo, fala-se de testamentos
escritos, feitos pelos comerciantes russos que visitaram a capital do
Império Bizantino.
Mais um pormenor importante: a datação dos acontecimentos nas
crónicas começa a partir do ano 852... É evidente que, pelo facto de
ser impossível reconstruir os acontecimentos exatos dos dois séculos
anteriores mediante o simples recurso a lendas, o seu autor recorreu às
anotações históricas mais antigas. Por isso, supõe-se que a escrita russa
já existia na segunda metade do século IX. Porém, não há qualquer
informação sobre a época em que surgiu ou que tipo de caracteres
utilizava. O alfabeto comum (Cirílico) estabeleceu-se na Rússia no
final do século X (PLIASSOV, c2021).

Da mesma forma que já foi afirmado sobre o gótico, entre outros exemplos,
a busca de uma forma de registro da palavra se tornou algo tão íntimo com o
povo que ajudou a construir o dialeto, a escrita e o idioma de muitos lugares ao
redor do mundo.

2.6 A TRADUÇÃO PARA O INGLÊS


A tradução das Escrituras para o inglês representa um passo muito
importante para a disseminação da Palavra. Na contemporaneidade, esse é o
idioma que mais versões da Bíblia. O período contemporâneo ainda possui outro
elemento importante para as versões da Bíblia em inglês que é o fato desse idioma
ser o mais difundido no mundo, o que, junto a esse idioma, as pregações também
possam se espalhar pelo mundo.

FIGURA 10 – ERASMO DE ROTERDÃ

FONTE: <http://twixar.me/jFRm>. Acesso em: 8 dez. 2020.

90
TÓPICO 2 — AS VERSÕES E EDIÇÕES DAS ESCRITURAS

Nessa direção, pode-se destacar a tradução realizada por Erasmo de


Roterdã (no latim Desiderius Erasmus Roterodamus), filósofo e teólogo que
viajou por todas as partes do continente europeu, e passou a desenvolver um
grande desejo de fazer uma versão das escrituras para o inglês. Sua intenção era
manter certa formalidade da escrita dos textos, além de tornar sua compreensão
mais acessível ao cidadão comum.

A Vulgata e a Antiga Latina passaram por algumas traduções para o


inglês primitivo. Essa tradução se relacionou, em grande medida, também com
dialetos alemães para a realização de sua tradução. Geofrey Chaucer e Wycliffe
são dois nomes importantes desse período.

Nessa direção, há traduções parciais do inglês mais primitivo que


ocorreram nesse momento, como de:

• Bispo Aldhelm, que traduziu os Salmos para o inglês e foi a primeira tradução
direta da Bíblia.
• Em seguida, Egberto, Arcebispo de Iorque, que traduziu os Evangelhos.
• Beda, o Venerável, que foi o maior estudioso inglês e europeu de sua época e
realizou a tradução do evangelho de João, terminada na hora de sua morte.
• Alfredo, o Grande, que foi estudioso e rei da Inglaterra e fez a tradução dos Dez
Mandamentos, tendo sido um monarca de grande estímulo ao cristianismo.
• Aldred realiza a introdução da história da Bíblia a cópia latina.
• A obra de Eadfrid, bispo de Lindisfarne, que produziu os Evangelhos de
Lindisfarne; a obra de MacRegol, os Evangelhos de Rushworth – Aldred
escreveu um comentário entre as linhas de uma cópia dos evangelhos, em
latim, a princípio.
• Em Wessex, Aelfric, Bispo de Eysham, traduziu partes dos sete primeiros livros
do AT, baseadas no texto latino.

O período chamado de inglês médio teve nomes como Ormin, que


desenvolveu uma versão poética dos Evangelhos e Salmos, adicionando
comentário. Guilherme de Shoreham fez uma tradução parcial da Bíblia,
recorrendo à prosa. Por fim, Ricardo Rolle encerra os autores desse período com
a tradução literal dos textos bíblicos.

No tocante à versão moderna e contemporânea das versões em língua


inglesa, não se pode deixar de citar John Wycliffe, tradutor que foi um reformador,
tendo uma relação bastante conflituosa com Igreja Católica, o que o fez ser
excomungado e sua tradução foi proibida, em grande parte, por tornar a Palavra
mais acessível aos fiéis. João Purvey, que foi auxiliar de Wyclif, promoveu uma
simplificação ainda maior da tradução, substituindo termos em latim pelo inglês.
Também influenciado por Wyclif (e por Lutero), William Tyndale foi perseguido
por conta de sua popularização das escrituras – nesse caso, valendo-se da
invenção de Gutenberg, a impressão. Miles Coverdale foi assistente de Tyndale e
foi responsável por incrementos advindos de versões alemãs.

91
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

Nesse contexto das traduções modernas, era um ofício bastante arriscado


ser tradutor da Bíblia, principalmente se esta tradução tivesse por interesse
uma maior proximidade dos fiéis. Essa situação se tornou tão complicada que
John Rogers, precisou usar o pseudônimo de Thomas Matthew, por conta da
perseguição da monarquia britânica, através da Rainha Mary Tudor.

O cenário complicado, no contexto inglês, fez com que o próprio Rei


Henrique VIII fosse pressionado, pois, mesmo com todas as perseguições, as
Escrituras se tornavam populares, fazendo com que esse monarca determinasse a
escrita da Grande Bíblia – tal escrita, em grande parte, se deveu também ao fato de,
nesse período, muitos dos bispos britânicos serem leais a Igreja Católica de Roma.
Em seguida, o Arcebispo Cranmer realizou algumas revisões na Grande Bíblia,
passando também a ser perseguido pela Rainha Mary, que fez com que teólogos
como Miles Coverdale e John Knox tivessem que refugiar, por produzirem a
chamada Bíblia de Genebra, a qual se tornou muito popular entre os ingleses.

FIGURA 8 – MARY TUDOR

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/6e/Maria_Tudor1.jpg>.
Acesso em: 8 dez. 2020.

Posteriormente, surgiu a Bíblia dos Bispos, que trouxe uma tradução do


grego, publicada com um material mais elaborado e, mesmo assim (com estes
elementos que poderiam aumentar seu custo), foi uma das edições que se tornou
presente em grande parte dos lares e das igrejas inglesas, tornando-se a base da
Bíblia do Rei Tiago (King James). A versão desse monarca selecionou alguns dos
melhores tradutores ingleses, advindos de Cambridge, Oxford e Westminster,
com a dura tarefa de realizar uma compilação das versões existentes, para
construir uma versão melhorada.

92
TÓPICO 2 — AS VERSÕES E EDIÇÕES DAS ESCRITURAS

2.7 AS TRADUÇÕES E VERSÕES JUDAICAS


O contexto das traduções judaicas se acentuou após a tradução da
Septuaginta. Após a morte de Cristo, até o fim da Idade Média, o povo judeu
sofreu uma série de perseguições, em muitos lugares. Essa perseguição e
desconfiança, em grande parte, deu-se pelo fato de o povo judeu ser considerado
detentor de grande responsabilidade pela crucificação de Jesus Cristo. Nesse
contexto, a manutenção de uma quantidade de estudiosos das escrituras, que
tivessem tempo e condições de realizar uma tradução de qualidade, era bastante
difícil. Além do custo relacionado à manutenção dos tradutores, havia ainda o
problema do acesso aos textos das Escrituras, visto que o povo judeu, por conta
das perseguições, não tinha facilmente acesso a algumas comodidades.

FIGURA 9 – POVO JUDEU

FONTE: <https://cleofas.com.br/wp-content/uploads/2014/09/Arch_of_Titus_Menorah.jpg>.
Acesso em: 2 nov. 2020.

Em 1789, foi publicada uma versão judaica das Escrituras, que,


inicialmente, surgiu como uma contribuição da tradução do Pentateuco,
produzida para integrar a Bíblia do Rei Tiago – já explicada anteriormente. Essa
tradução, em grande parte, foi possível por conta do período em que o continente
europeu se encontrava. Com uma série de eventos sociais acontecendo, que
geravam maior liberdade a segmentos antes subvalorizados da sociedade,
houve uma possibilidade maior de expressar uma diversidade cultural. Um dos
eventos mais marcantes desse período, e que tem até a contemporaneidade um
valor emblemático, é a Revolução Francesa. Essa redução do poder absoluto do
monarca fez com que categorias como a burguesia, em grande parte composta
por comerciantes (muitos deles judeus), tivessem mais liberdade cultural.

Pode-se perceber, de maneira bem forte, esse avanço social nas relações
europeias, no que diz respeito à diversidade cultural, bem como a maior liberdade
dos judeus, pelo fato de poucos anos depois, em 1839, Salid Neuman ter publicado
outra tradução do Pentateuco. Logo em seguida, entre 1851 e 1856, foi a vez do
Rabino Benisch realizar uma tradução completa para a língua inglesa.

93
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

FIGURA 10 – ISAAC LEESER (1806-1868)

FONTE: <https://1.bp.blogspot.com/-NMaNSHzYW08/VkIy5D2vpHI/AAAAAAAACr0/
LWPeAgqUc30/s1600/leeser1.png>. Acesso em 2 out. 2020.

Em seguida, o editor estadunidense Isaac Leeser, mais precisamente


em 1845, publicou uma versão da Bíblia Hebraica, sendo que, três anos depois,
elaborou uma versão da Tanakh, em parceria com Joseph Jaquett. É importante
salientar que Isaac Leeser teve uma significativa importância no contexto judeu
dos Estados Unidos. A sua tradução, de 1845, foi a primeira disponibilizada no
país norte-americano. A edição de Leeser foi publicada, de modo revisado, em
1892, e outra nova versão, contendo ainda mais revisões, em 1917. Ainda, em 1892,
destaca-se uma última revisão do anexo que havia sido feita para a Bíblia do Rei
Tiago. Também é digna de menção a publicação do Toráh, através da Sociedade
de Publicações Judaicas, em 1962, e, em 1969, o Megiloth, ambos baseados em
textos massoréticos.

NTE
INTERESSA

Massorético eram comentadores (e textos de comentadores) das escrituras.


Essa expressão pode fazer alusão a escribas judeus, que se dedicaram a preservar os textos
que hoje são conhecidos como Antigo Testamento.

94
TÓPICO 2 — AS VERSÕES E EDIÇÕES DAS ESCRITURAS

2.8 AS TRADUÇÕES E VERSÕES PROTESTANTES


Em 1534, foi lançada a tradução protestante que, além de ser uma
representação simbólica de todo o contexto protestante que se desenvolvia no
continente europeu, é considerada o primeiro sucesso de vendas de livros da
história. Essa tradução, que ficou conhecida como Bíblia de Lutero, foi também um
marco de impulso da língua alemã moderna. Martin Luther (1483-1542) foi o seu
autor, e seu nome, assim como a sua tradução, tornou-se uma figura emblemática
do surgimento do protestantismo. Sua tradução utilizou a Vulgata de Jerônimo
como uma de suas principais fontes, além da grande preocupação em traduzir o
texto para a versão alemã, de forma mais palatável para fiéis, usando termos de
mais fácil compreensão.

A Bíblia do Rei Tiago foi realmente um grande paradigma, no que diz


respeito à disseminação das Escrituras. É evidente que, sendo uma obra tão
emblemática, foram necessárias publicações posteriores, de edições revisadas,
principalmente a partir do século XIX. Cabe citar a revisão de 1870, na qual os
bispos Wilberforce propuseram uma tradução do Novo Testamento, ao passo
que foi proposta uma revisão do Antigo Testamento pelos bispos de Ollivant.
Em 1901, foi feita uma versão estadunidense, também revisada. Em 1937, após
um Concílio Internacional, foi editada outra versão revisada, em 1952, sendo
publicada uma versão que era para ter vindo à público em 1946, porém sofreu
um atraso por conta da Segunda Guerra Mundial. Em 1957, foi publicada, ainda,
uma edição dos Livros Apócrifos.

2.9 AS TRADUÇÕES E VERSÕES ECUMÊNICAS


Conforme a mensagem das escrituras se disseminaram pelo mundo,
começaram a surgir novas denominações confessionais, ou seja, igrejas, com visões
que possuíam e, ainda, algumas concepções específicas mais enfatizadas em suas
práticas. Apesar de muitas linhas do Cristianismo terem práticas distintas em
alguns aspectos, o eixo central na mensagem de Deus, através das Escrituras, era
a mensagem de amor do Salvador. Nessa direção, surgiram as práticas religiosas
cristãs ecumênicas, que deram origem a versões ecumênicas da Palavra. Assim,
destacam-se três versões:

• O Novo Testamento: edição da versão padrão revisada (1965).


• A Bíblia Âncora (1964).
• A Versão Padrão Revisada (1973).
• A Bíblia Comum (1973).

Ao citar essas versões ecumênicas, é importantíssimo realizar o destaque


da relevância do estudo por parte do teólogo, visto que, após a invenção da
imprensa e a grande difusão durante o século XX, houve diversas traduções,
edições e versões das escrituras. Nesse sentido, é um ato de responsabilidade do
teólogo selecionar e utilizar textos confiáveis e adequados.

95
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

2.10 TRADUÇÕES PARA O PORTUGUÊS


As traduções das palavras de Deus, expressas através das escrituras,
publicadas em língua portuguesa, já circulam há bastante tempo. Como já
mencionado, as versões e as traduções dos textos das Escrituras são diversas
não somente em quantidade, mas também em qualidade. Nessa direção, nesse
momento, serão citadas apenas duas versões:

• Venturoso ou Bem-Aventurado (1279-1325): há quem diga que Dom Diniz, o


rei, tenha sido o primeiro a traduzir um trecho da Bíblia para o português,
realizada com base na Vulgata Latina, antecedendo a tradução inglesa de
Wycliffe. Esse rei foi um grande incentivador das Letras e das Artes, e ficou
conhecido como Rei Trovador, ou Rei Lavrador. Havia um grande interesse de
tornar as escrituras mais acessíveis à população, mas, mesmo com a invenção
da imprensa de Gutenberg, ainda era muito caro realizar a publicação, ainda
mais em uma escala maior. Em 1693, uma grande quantidade de cópias fora
entregue como material para a Companhia das Índias Orientais, que precisava
das escrituras como forma de buscar não somente pregar a palavra, mas
como instrumento de conversão. Essa versão foi revisada por João Ferreira de
Almeida (1628-1691), que foi clérigo, anteriormente membro do catolicismo,
mas que, ainda bem jovem, se converteu ao protestantismo (calvinista), na
Igreja Reformada da Holandesa. A sua tradução é base para muitas versões
utilizadas no Brasil.
• Os Quatro Evangelhos (início do século XIX): versão que chama a atenção pelo
fato de haverem sobrevivido poucos exemplares, não só por conta do tempo,
mas, em grande parte, pela perseguição realizada pela Inquisição. O curioso
é que, apesar de ser perseguida, essa tradução foi feita por dois sacerdotes: os
Padres Luiz Brandão e Antonio Ribeiro dos Santos.

2.10.1 João Ferreira de Almeida


Um tradutor que merece uma especial menção é João Ferreira de Almeida,
por conta da projeção que sua versão alcançou, pois é a versão das escrituras mais
utilizada (aproximadamente 60% dos protestantes, das mais diversas denominações,
distribuídos pelo vasto território brasileiro). Apesar de toda a popularidade de
sua tradução, esse autor se tornou tão famoso (pelo menos até o momento) quanto
outros tradutores das escrituras. Apesar do nascimento em território português,
aos 16 anos, ele estava na Malásia, onde realizou o início de sua atividade de
tradução dos Evangelhos e das Cartas do Novo Testamento – embora essa tradução
não tenha sido publicada, foi feita a partir do idioma espanhol.

João Ferreira de Almeida teve uma vida bastante agitada em sua ação
pastoral, o que comprometeu, em algumas ocasiões, a sua atividade enquanto
tradutor. Sua tradução do Novo Testamento foi concluída em 1676 e, apesar disso,

96
TÓPICO 2 — AS VERSÕES E EDIÇÕES DAS ESCRITURAS

questões morosas, muito provavelmente intencionalmente morosas, fizeram com


que, por conta de revisões e outras questões, a publicação ocorresse somente
em 1681. A edição intitulada O Novo Testamento Isto he o Novo Concerto de Nosso
Fiel Senhor e Redemptor Iesu Christo traduzido na Língua Portuguesa apesar de toda
morosidade, continha diversos erros que não foram corrigidos durante a revisão
e a correção.

Enquanto aguardava a publicação da nova edição, ele iniciou a tradução


do Antigo Testamento. Em 1683, concluiu a tradução do Pentateuco, mas, por
conta da debilidade de sua condição de saúde, faleceu em 1691, enquanto
traduzia o livro de Ezequiel 48.21. Essa tradução foi finalizada por seu colega,
um pastor holandês chamado Jacobus op den Akker, em 1694. A segunda edição
do Novo Testamento, de maneira completa, que Almeida tanto aguardara,
finalmente foi publicada em 1751 e, muitos anos após a sua morte, em 1898,
surgiu a versão que ficou conhecida como revista e corrigida, e, no século XX,
no Brasil, houve uma atualização denominada de revista e atualizada.

2.11 AS TRADUÇÕES E AS VERSÕES CATÓLICAS


ROMANAS
Durante muitos séculos, a Igreja Católica teve uma espécie de monopólio
de divulgação das Escrituras, devido a uma grande quantidade de fatores, desde
a sua antiguidade institucional até por ter uma relação política e econômica
bastante robusta. Nesse sentido, é evidente que o Catolicismo dispõe de diversas
traduções, organizadas para as diversas variações de possibilidades de pregação.
Esse controle é muito bem representado pelo Index, que foi uma lista em que
constavam os nomes das obras que deveriam ser evitados a todo custo, e outras
que eram perseguidas pela Igreja. O Index foi, em grande parte, compilado
durante o papado de Papa Benedito XVI, em 1757. Diante do posto, para fins
didáticos, serão citadas duas versões:

• A Bíblia de Rahmeyer (século XVIII): é uma tradução feita pelo comerciante


alemão, da região de Hamburgo, Pedro Rahmeyer. Essa tradução teve os seus
manuscritos originais preservados e, no momento, estão armazenados na
Biblioteca do Senado, em Hamburgo, Alemanha.
• A tradução de Figueiredo – baseada na Vulgata, tem duas datas de edição,
sendo a primeira entre 1778 e 1781, quando foi publicado o Novo Testamento, e
entre 1790 e 1882, o Antigo Testamento. Em 1819, sua compilação era composta
por sete volumes, que foram unificados em 1820, incluindo os livros Apócrifos.

97
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

3 A BÍBLIA NO BRASIL
Por mais que houvesse uma grande quantidade de versões bíblicas
circulando pelo território brasileiro, por conta das ordens religiosas que eram
presentes em muitas das regiões do país, há uma data oficial para uma “grande
edição” bíblica no Brasil, que é 1879, compilada pela Sociedade de Literatura
Religiosa e Moral do Rio de Janeiro, a qual foi responsável por uma versão bíblica
publicada entre 1902 e 1917, sendo a primeira a ser lançada contendo apenas o
Novo Testamento, e a posterior contendo o Antigo Testamento. Essa tradução teve por
base a versão grega das escrituras. Mesmo com essa data de publicação, há algumas
versões (inclusive anteriores a 1879) que marcaram presença nas escrituras traduzidas
no Brasil, como as traduções de Livros ou Trechos, por exemplo:

• Traduzida a partir da Vulgata, a Bíblia do Frei Joaquim de Nossa Senhora de


Nazaré, de 1847, foi realizada pelo Frei, na cidade de São Luiz do Maranhão.
• Em 1898, Santos Saraiva, um estudioso do hebraico, traduziu uma versão dos
Salmos que ficou conhecida como Harpa de Israel.
• Em 1909, o Padre Santana realizou uma tradução do Evangelho de Mateus, a
partir do grego.
• Basílio Teles, em 1912, traduziu o Livro de Jó.
• A partir da Vulgata Latina, em 1917, o Novo Testamento recebeu uma tradução
de J. L. Assunção.
• No mesmo ano de 1917, o livro de Amós foi traduzido a partir do etíope, por
Esteves Pereira.
• Basílio Pereira, em 1923, traduziu os Salmos e o Novo Testamento.
• Também em 1923, foi feita uma tradução do Pentateuco, pelo Rabino Meir
Masiah Melamed.
• Em 1930, o Padre Rohden realizou uma tradução do Novo Testamento, a partir
do grego.

Por sua vez, as versões completas foram:

• Em 1927, com gramático Eduardo Carlos Pereira.


• Em 1930, uma tradução feita pelo Padre Matos Soares, que foi muito popular
entre os católicos, por conter dogmas aprovados pela Igreja, recebendo,
inclusive, um apoio especial do Papa, por conter os referidos dogmas.
• Em 1943, as Sociedade Bíblicas Unidas lançaram a Revisão de Almeida.
• Em 1948, a mesma Sociedade Bíblica lançou uma edição revisada.
• Em 1967, a Imprensa Bíblica Brasileira lançou a sua versão da Revisão de Almeida.
• A Revisão de Almeida ainda serviu de base para uma edição em 1969, da
Sociedade Bíblica Trinitariana.
• Em 1959, os monges de Maredsous, da Escola Bíblica de Jerusalém, lançaram
uma versão chamada de Edição Integral da Bíblia.
• Em 1988, a Sociedade Bíblica do Brasil lançou a versão Bíblia na Linguagem de
Hoje, com o intuito de tornar os textos bíblicos mais palatáveis aos fiéis.

98
TÓPICO 2 — AS VERSÕES E EDIÇÕES DAS ESCRITURAS

• Em 1990, foi lançada a Versão Contemporânea da Revisão de Almeida (ou Bíblia


de Almeida).
• Em 1993, foi lançada a Nova Versão Internacional da Bíblia, pela Sociedade Bíblica
Internacional.

Como visto, existem diversas traduções e versões das Escrituras


disponíveis na contemporaneidade. Certamente, novas versões e traduções
ainda devem surgir. Nessa direção, cabe novamente reafirmar a necessidade de o
acadêmico, e até mesmo de o teólogo formado, sempre usar por base edições que
sejam respeitáveis, pois há grande responsabilidade envolvida no uso dos Livros
Sagrados para passar a mensagem do Salvador.

99
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• As versões e as traduções das Sagradas Escrituras são uma temática que deve
receber grande atenção do teólogo, tanto durante o período de estudos quanto
após formado, como responsável por uma comunidade. É importante que, para
um bom profissional, o processo formativo é incessante, ou seja, os estudos
devem fazer parte da vida do teólogo durante toda a sua caminhada. Nessa
direção é importante conhecer o processo que levou à produção de cada um
dos textos, nos quais o profissional da Teologia irá se amparar.

• Houve uma tentativa, já em tempos bastante primitivos, de oferecer aos fiéis


uma versão mais acessível da Palavra de Deus, durante um período que pode ser
datado, de maneira superficial, entre 456 e 443 a.C. Nesse horizonte, é importante
ter em mente a informação de que essa tradução mais primitiva tinha de fazer
alguns tipos de compilações dos registros já disponíveis nesse período.

• O conjunto de traduções das escrituras para o grego, que é a Septuaginta, tem


variações na adoção de seu conteúdo entre as igrejas cristãs. Pode-se perceber
que, na versão judaica, há livros da Septuaginta que não foram adotados –
essa versão judaica é a mais aplicada em grande parte das igrejas adeptas ao
Protestantismo. Já o Catolicismo Romano, por sua vez, adotou uma inclusão
parcial, optando por alguns livros, enquanto as Igrejas Ortodoxas fizeram
uma adoção total da Septuaginta e as Igrejas Orientais, juntamente com a
Anglicana, optaram por excetuar apenas o Salmo 151.

• O Império Romano foi responsável pela capilarização do grego em todo o


território sob seu domínio. Nessa direção, Tertuliano e seus contemporâneos
fizeram uso da Septuaginta como base para sua ação teológica e pastoral.
Assim, a Septuaginta tornou-se uma das bases para a compilação da Vulgata
Latina (também chamada de Vulgata de Jerônimo, em grande parte pela ativa
participação deste nessa edição), sendo a versão que recebeu a autorização
da Igreja Católica sediada em Roma. Tertuliano utilizou também uma edição
chamada Antiga Latina, tanto para o Antigo quanto para o Novo Testamentos,
a qual foi utilizada por bastante tempo, sendo precedente da Vulgata, que a
substituiu. A Antiga Latina foi também utilizada por Cipriano e chegou a ser
tão popular que foi mencionada pelo filósofo Agostinho de Hipona.

• Os irmãos Metódio e Constantino (Cirilo), em grande parte, foram figuras


importantes da cristianização do Centro-Oriental do continente europeu, cujos
esforços em promover uma tradução para o povo eslavo, em grande parte,
tornou possível o desenvolvimento do alfabeto cirílico, que é a base da escrita
de idiomas como russo, búlgaro, croata, sérvio e ucraniano.

• A tradução das Escrituras para o inglês representa um passo muito importante


100
para a disseminação da Palavra. Na contemporaneidade, esse é o idioma que
mais versões da Bíblia. O período contemporâneo ainda possui outro elemento
importante para as versões da Bíblia em inglês que é o fato desse idioma ser o
mais difundido no mundo, o que, junto a esse idioma, as pregações também
possam se espalhar pelo mundo.

• O cenário complicado, no contexto inglês, fez com que o próprio Rei Henrique
VIII fosse pressionado, pois, mesmo com todas as perseguições, as Escrituras
se tornavam populares, fazendo com que esse monarca determinasse a escrita
da Grande Bíblia – tal escrita, em grande parte, se deveu também ao fato de,
nesse período, muitos dos bispos britânicos serem leais a Igreja Católica de
Roma. Em seguida, o Arcebispo Cranmer realizou algumas revisões na Grande
Bíblia, passando também a ser perseguido pela Rainha Mary.

• Apesar de muitas linhas do Cristianismo terem práticas distintas em alguns


aspectos, o eixo central na mensagem de Deus, através das Escrituras, era a
mensagem de amor do Salvador. Nessa direção, surgiram as práticas religiosas
cristãs ecumênicas, que derem origem a versões ecumênicas da Palavra. Assim,
destacam-se três versões: O Novo Testamento: edição da versão padrão revisada
(1965); A Bíblia Âncora (1964); A Versão Padrão Revisada; e A Bíblia Comum (1973).

• As traduções das palavras de Deus, expressas através das escrituras, publicadas


em língua portuguesa, já circulam há bastante tempo. Como já mencionado, as
versões e as traduções dos textos das Escrituras são diversas não somente em
quantidade, mas também em qualidade.

• O Catolicismo dispõe de diversas traduções, organizadas para as diversas


variações de possibilidades de pregação. Esse controle é muito bem
representado pelo Index, que foi uma lista em que constavam os nomes das
obras que deveriam ser evitados a todo custo, e outras que eram perseguidas
pela Igreja. O Index foi, em grande parte, compilado durante o papado de Papa
Benedito XVI, em 1757.

• Por mais que houvesse uma grande quantidade de versões bíblicas circulando
pelo território brasileiro, por conta das ordens religiosas, que eram presentes
em muitas das regiões do país, há uma data oficial para uma “grande edição”
bíblica no Brasil, que é 1879, compilada pela Sociedade de Literatura Religiosa
e Moral do Rio de Janeiro.

101
AUTOATIVIDADE

1 É possível perceber que houve uma tentativa, já em tempos bastante


primitivos, de oferecer aos fiéis uma versão mais acessível da Palavra
de Deus. Mesmo com todos os esforços, a obtenção de cópias de livros,
inclusive das Escrituras, durante muito tempo, foi bastante difícil. Sobre
esse contexto, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Os livros, de todo tipo, foram perseguidos até o século XX.


b) ( ) As escrituras eram consideradas como literatura, sendo encaradas
como um luxo desnecessário.
c) ( ) O custo de obras impressas, principalmente antes de Gutenberg, era
bastante elevado.
d) ( ) As versões das escrituras eram combatidas como forma de retenção
de seu conteúdo. Para esse fim, eram, inclusive, chamadas por alguns
sacerdotes como “obras do Diabo”.

2 Na contemporaneidade, as escrituras podem ser encontradas em quase


qualquer parte do globo. Essa ampla distribuição faz com que os fiéis, nas
mais diversas regiões, tenham acesso ao conteúdo da Palavra, bem como
ao conforto de sua mensagem. Considerando o idioma que foi importante
nesse processo de expansão internacional da presença das Escrituras,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Alemão.
b) ( ) Inglês.
c) ( ) Português.
d) ( ) Hebraico.

3 Apesar de muitos monarcas terem se preocupado em disseminar a


mensagem de Deus e de seu filho, o Salvador, houve muitos governantes
que perseguiram os tradutores das escrituras em seus países. Sobre o
governante que perseguiu os tradutores da Bíblia em seu território, assinale
a alternativa CORRETA:

a) ( ) Rei Henrique VIII.


b) ( ) Rei Tiago.
c) ( ) Dom Diniz.
d) ( ) Rainha Mary Thudor.

102
4 A circulação das Escrituras no Brasil aconteceu durante todo o período de
presença de imigrantes europeus em terras tupiniquins. Essa circulação
aconteceu, em grande parte, com versões nos idiomas dos que passavam pelo
país. Conforme o governo brasileiro se estruturava, houve a preocupação
de se ter uma versão traduzida para o dialeto local. Com relação ao ano de
publicação da primeira tradução completa das escrituras no Brasil, assinale
a alternativa CORRETA:

a) ( ) 1927.
b) ( ) 1930.
c) ( ) 1943.
d) ( ) 1948.

103
104
TÓPICO 3 —
UNIDADE 2

AS LÍNGUAS E OS TEXTOS

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, nós trataremos da transmissão do texto sagrado a partir da
invenção da escrita (3000 a.C.), do papel, do método e do desenvolvimento da
crítica textual, que visam à preservação do texto e à transmissão dos documentos
originais da Bíblia.

Ao analisarmos cuidadosamente, sem incluir o Antigo Testamento, a Bíblia


vem passando por quase 2.000 anos de transmissão. Deve-se considerar ainda que,
antes da invenção da imprensa há 550 anos, cada exemplar da Bíblia tinha que
ser escrito individualmente à mão. O processo era vagaroso e dispendioso nem
sempre de muita precisão. A Bíblia em português que dispomos hoje é resultado
de uma longa história de tradição e transmissão das escrituras.

Nesse momento, é possível surgir a dúvida: “a Bíblia sofreu danos no


processo de transmissão?”. A ciência da crítica textual, que compreende as línguas
e os materiais, bem como as evidências documentais dos próprios manuscritos,
respondem a essa questão.

2 MATERIAIS, INSTRUMENTOS DE ESCRITA E IDIOMAS USADOS


Os escritores bíblicos usaram o mesmo material, comum no mundo antigo,
para escrever os textos bíblicos, por exemplo:

• tabuinhas de barro (3500 a.C.);


◦ pedras (Mesopotâmia, Egito e Palestina);
◦ papiro (2100 a.C.);
◦ vellum ou velino, pergaminho e couro (séculos IV a X), desconhecido até 200
a.C. (BÍBLIA SAGRADA, 2Tm. 4:13);
◦ metal (BÍBLIA SAGRADA, Êx. 28:36; Jó 19:24; Mt. 22:19,20);
◦ cera (BÍBLIA SAGRADA, Is. 8:1; 30:8; Hb. 2:2; Lc. 1:63);
◦ pedras preciosas (BÍBLIA SAGRADA, Êx. 39:6-14);
◦ cacos de louça (óstracos).

105
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

Quanto às “tabuinhas de barro”, há registros na escrita cuneiforme pelos


sumérios, datados de 3500 a.C. e, em 3100 a.C., havia escritos no Egito em materiais
com hieróglifos. Há registros escritos anteriores à época de Moisés, oriundos de
Cnosso e Atchana, o que deixa claro que tanto Moisés como os demais escritores da
Bíblia escreveram numa era alfabetizada.

O papiro era um tipo de junco ou cana que crescia às margens do Rio Nilo,
no Egito, e suas folhas finas e delgadas eram prensadas, coladas transversalmente
para formarem folhas ou rolos de folhas de até dez metros de cumprimento. O
papiro era barato.

O vellum ou velino, pergaminho e couro, era feito de pele de carneiro,


ovelha ou cordeiro e se apresentava no formato de rolo ou Códex (códices). Um
Códex era um livro feito de peles.

Segundo Geisler e Nix (1997), o papel foi inventado na China no século


II d.C. e introduzido no Turquestão Oriental no começo do século IV.
Posteriormente, foi manufaturado na Arábia, no século VIII, introduzido na
Europa no século X e ali manufaturado, também sendo comumente usado a
partir do século XIII (GEISLER; NIX, 1997).

É interessante registrar que, antes da transmissão ocorrer de forma escrita,


Deus se manifestou utilizando outros meios e instrumentos limitados:

• anjos;
• lançar sorte, além do Urim e do Tumim, para saber a vontade de Deus;
• a voz da consciência;
• através da natureza;
• vozes audíveis;
• milagres;
• visões;
• sonhos.

Os instrumentos que se seguiram a partir da era da escrita foram de


maior amplitude e eficiência em relação ao subjetivismo, às distorções culturais,
à corrupção dos textos e ao surgimento dos escritos apócrifos.

2.1 A IMPORTÂNCIA DAS LÍNGUAS ESCRITAS


Todas as formas de transcrição da Palavra sofreram algum tipo de
limitação ou deficiência. Enviar um anjo para entregar cada mensagem de Deus
a cada ser humano, em cada situação, ou empregar vozes audíveis e milagres
diretos tudo isso seria difícil de administrar e repetitivo. Lançar sorte ou a simples
resposta negativa ou positiva através do Urim e do Tumim eram formas limitadas
demais, em comparação com outros vínculos de comunicação de massa com

106
TÓPICO 3 — AS LÍNGUAS E OS TEXTOS

maior amplitude e melhores recursos, capazes de prover discussões minuciosas.


Outros meios de comunicação como visões, sonhos, vozes da consciência ou da
emoção, em certas ocasiões, poderiam se tornar subjetivos e sofrer as influências
da distorção cultural e até da corrupção – aqui, é que se sobressaíram as vantagens
da comunicação escrita.

2.2 VANTAGENS DA LÍNGUA ESCRITA


• Comunicação precisa: para que um pensamento seja captado e expresso por
escrito, é preciso que ele tenha sido claramente entendido pelo autor. O leitor,
por sua vez, pode entender com mais precisão um pensamento comunicado
mediante à palavra escrita. Uma vez que os conhecimentos entesourados pelo
ser humano, até o presente, têm sido preservados na forma de registros escritos
e de livros, pode-se compreender porque Deus escolheu esse processo, a fim de
nos comunicar a sua verdade.
• Permanência dos escritos: a linguagem escrita constitui um meio pelo qual
se pode preservar o pensamento ou a expressão, sem que seja perdido por
esquecimento, vacilação ou intrusão em outras áreas. Além disso, o registro
escrito estimula a memória do leitor e instiga sua imaginação.
• Objetividade: a transmissão de uma mensagem por escrito também tende a
torná-la mais objetiva, tem um caráter definitivo, que transcende a subjetividade
de cada leitor, o que complementa a precisão e a permanência da mensagem
transmitida. Além disso, a palavra escrita combate às más interpretações, as
versões e a má transmissão das mensagens.
• Disseminação: a linguagem escrita tem uma capacidade de disseminação e
propagação que é uma vantagem sobre os demais meios de comunicação.
Independentemente do cuidado com que se processa uma transmissão oral,
sempre existe uma probabilidade maior de corrupção e alteração das palavras
utilizadas em relação à comunicação escrita. Em resumo, a tradição oral tende
a sofrer corrupção, em vez de preservar uma mensagem. Na disseminação de
sua revelação à humanidade, de maneira especial, às gerações futuras, Deus
escolheu um modo mais exato de transmitir sua palavra.

2.3 AS LÍNGUAS BÍBLICAS


A Bíblia não foi escrita numa única língua, mas em três línguas diferentes.
A maior parte do Antigo Testamento foi escrita em hebraico, pois era a língua
falada na Palestina antes do cativeiro. Depois do cativeiro, o povo começou a
falar o aramaico.

No entanto, a Bíblia continuou a ser escrita, copiada e lida em hebraico.


Para que o povo pudesse ter acesso, foram criadas escolinhas em toda a parte –
inclusive Jesus deve ter frequentado a escolinha de Nazaré para aprender o hebraico.
Só uma parte bem pequena do Antigo Testamento foi escrita em aramaico.

107
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

Um único livro do Antigo Testamento, o livro deuterocanônico da


Sabedoria, e todo o Novo Testamento foram escritos em grego, que era a nova
língua do comércio e que invadiu o mundo daquele tempo, depois das conquistas
de Alexandre Magno, no século IV antes de Cristo.

Assim, no tempo de Jesus, o povo da Palestina falava o aramaico em casa,


usava o hebraico na leitura da Bíblia, e o grego no comércio e na política. Quando
os apóstolos saíram da Palestina para pregar o Evangelho para outros povos, eles
adotaram uma tradução grega do Antigo Testamento, feita no Egito no século
III a.C. para os judeus imigrantes, que já não entendiam mais o hebraico nem
o aramaico.

Essa tradução grega é chamada Septuaginta ou Setenta. Na época em que


foi feita, a lista (cânon) dos livros sagrados ainda não estava concluída. Assim, a
lista dos livros dessa tradução grega ficou mais comprida do que a lista dos livros
da Bíblia hebraica, sendo essa a diferença entre a Bíblia hebraica da Palestina e a
Bíblia grega do Egito, que trouxe a diferença entre a Bíblia dos protestantes e a
dos católicos.

Há sete livros a mais na Bíblia dos católicos: Tobias, Judite, Baruc,


Eclesiástico, Sabedoria, os dois livros dos Macabeus, além de algumas partes
de Daniel e de Ester. São chamados “deuterocanônicos”, isto é, são da segunda
(deutero) lista (cânon).

De forma sintética, temos, portanto, o seguinte:

• A família de línguas semíticas: o “hebraico” e o “aramaico” (siríaco).


• A família de línguas indo-europeias: o “grego”.

A língua do AT é o hebraico, uma língua pessoal. Trata-se de uma


linguagem pictórica, expressa através de metáforas vividas e audaciosas, capazes
de desafiar e dramatizar a narrativa dos acontecimentos.

Com suas características, o hebraico apresentou adequadamente a


história da ligação e do relacionamento de Deus com o Seu povo. É uma língua
que apela diretamente ao coração e às emoções, e não apenas à mente e à razão.
No hebraico, não somente se pensa, sente-se a mensagem (GEISLER; NIX, 1997).
Tal fato desperta o interesse pelo estudo da língua e o aprofundamento exegético
para melhor interpretação, mensagem e ensino.

O aramaico era a língua dos sírios, usada durante o século VI a.C. em todo
o Oriente Próximo. Os textos bíblicos do AT em aramaico são: Esdras (BÍBLIA
SAGRADA, Ed. 4:7-6:18; 7:12-26) e Daniel (BÍBLIA SAGRADA, Dn. 2:4-7:28).

A língua utilizada para escrever o NT é o grego koiné, isto é, o grego


popular, e não o clássico. Esse fato foi providencial para que todos pudessem
entender a mensagem irrestritamente e com toda a clareza necessária – interessante
ressaltar que até os escravos podiam ler em mais que uma língua.

108
TÓPICO 3 — AS LÍNGUAS E OS TEXTOS

A língua falada entre os judeus, na época de Jesus, era provavelmente o


aramaico, o que permite concluir que os judeus dominavam o seu próprio idioma,
mais o aramaico e o grego.

NOTA

A reflexão e observação quanto à pessoalidade do texto hebraico e à


“acessibilidade” do texto grego é que nos revelam a intenção contínua de Deus em
revelar-se, comunicar-se e fazer-se conhecido ao homem em todo o seu esplendor, poder
e glória, mas de maneira a fazê-lo sem complicações.

3 OS MANUSCRITOS
Os manuscritos são documentos escritos à mão. Atualmente, não existem
mais manuscritos originais da Bíblia, apenas fragmentos ou cópias. Os estudiosos
da ciência denominada “crítica textual” são os responsáveis por descobrir e
atestar quais são os manuscritos e cópias dos textos originais. Esse trabalho é
identificado como “recuperação do texto original”. Há milhares de cópias dos
manuscritos do NT e centenas de cópias dos manuscritos do AT. Esse número
é muito superior ao número de manuscritos de outras obras antigas de grande
valor cultural ou religioso existentes no mundo hoje. Juridicamente, para que um
documento seja considerado legal, bastam apenas quatro cópias idênticas – e a
Bíblia tem milhares.

3.1 PREPARAÇÃO E PRESERVAÇÃO DOS MANUSCRITOS


Os escritos originais autênticos, saídos das mãos de um profeta ou
apóstolo, ou de um secretário ou amanuense, sempre sob a direção do homem de
Deus, eram chamados de autógrafos, porém eles não existem mais. Dessa forma,
precisaram ser reconstituídos a partir de manuscritos e versões primitivas do
texto da Bíblia, que oferecem evidências tangíveis e importantes da transmissão
da Bíblia para nós por parte de Deus.

3.1.1 Antigo Testamento


As partes mais velhas do Antigo Testamento provavelmente foram escritas
no sistema hebraico de origem fenícia, forma que foi a primeira a empregar um
alfabeto em que a escrita ficou reduzida à combinação de 20 símbolos. Conforme
o decorrer desse período, surgiram dois tipos de cópias: rolos das sinagogas e

109
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

cópias particulares – os primeiros eram considerados cópias sagradas do texto do


Antigo Testamento, por causa das regras rigorosas que cercavam sua extensão.
Tais cópias eram usadas em cultos, reuniões públicas e nas festas anuais. Um rolo
separado continha o Torah (lei), parte dos Nebhiim (profetas) vinham em outro
rolo; os Kethubhim (escritos) em outros dois rolos e os megilloth (cinco rolos) em
cinco rolos separados.

Os megilloth, sem dúvida, eram escritos em rolos separados, a fim de


facilitar a leitura nas festas anuais. As cópias particulares eram consideradas
comuns do texto do Antigo Testamento, não usadas em reuniões públicas. Esses
rolos eram preparados com grande cuidado, ainda que não fossem controlados
pelas regras que regiam a confecção das cópias das sinagogas.

3.1.2 Novo Testamento


Os autógrafos do Novo Testamento desapareceram há muito tempo, mas
ainda existem muitas evidências que garantem a suposição de que tais documentos
teriam sido escritos em rolos e em livros feitos de papiro. Paulo mostrou que o
Antigo Testamento havia sido copiado em livros e em pergaminhos (BÍBLIA
SAGRADA, 2Tm. 4.13), mas é provável que o Novo Testamento tenha sido escrito
em rolos de papiro entre os anos 50 e 100 d.C. Por volta do começo do século II,
introduziram-se códices de papiro, mas estes também eram perecíveis.

Com a chegada das perseguições dentro do Império Romano, as escrituras


passaram a correr perigo de extinção, já não sendo copiadas sistematicamente
até a época de Constantino. Com a carta de Constantino a Eusébio de Cesárea,
as cópias do Novo Testamento tiveram início no Ocidente e, a partir de então, o
velino e o pergaminho também foram empregados nas cópias de manuscritos do
Novo Testamento. Só na era da reforma é que as primeiras cópias impressas da
Bíblia se tornaram disponíveis.

3.2 TEXTOS E MANUSCRITOS DA BÍBLIA – VELHO


TESTAMENTO
O Antigo Testamento é formado pela literatura escrita ao longo do período
de 1.000 anos, sendo que as partes mais antigas datam do século XII a.C., ou até
possivelmente antes. Até recentemente, só uns poucos manuscritos hebraicos do
Antigo Testamento eram conhecidos.

A seguir, veremos os textos e manuscritos do Velho Testamento.

110
TÓPICO 3 — AS LÍNGUAS E OS TEXTOS

3.2.1 Manuscritos básicos da Bíblia hebraica Moderna


A mais respeitada edição, que se tem hoje, da Bíblia Hebraica é a editada
por R. Kittel, que tem como base os seguintes manuscritos:

• Manuscrito códice do Cairo, códice Cairota (895 d.C.): é o mais antigo


manuscrito dos profetas que se conhece.
• O códice de Leningrado dos profetas ou códice Babilônico dos profetas
posteriores, também conhecidos como códice de São Petersburgo (916 d.C.).
• Códice Aleppo (930 d.C.): um manuscrito inteiro de todo o Antigo Testamento,
que foi parcialmente queimado numa sinagoga em 1948.
• O códice de Leningrado de todo o Antigo Testamento (108 d.C.): é o maior e
mais completo manuscrito do Antigo Testamento.
• Os fragmentos de Geniza: durante a reconstrução da Velha Sinagoga do Cairo
(Egito), em 1890, cerca de 200.000 fragmentos de escritos bíblicos e outros foram
desenterrados para evitar o uso indevido de um manuscrito que continha
o nome sagrado – os judeus colocavam os manuscritos estragados em uma
Geniza (esconderijo) até que fossem destruídos pelo aterramento. Essa prática
explica porque muitos dos manuscritos não sobreviveram. Os fragmentos de
Geniza do Cairo são datados dos séculos VI a IX d.C.
• O papiro de Nash: W. L. Nash, em 1902, comprovou, no Egito, numa folha
de papiro que continha uma cópia dos 10 Mandamentos (BÍBLIA SAGRADA,
Ex. 20.2ss.; Rt. 6.4ss). A coleção breve dos textos foi provavelmente usada
com propósitos litúrgicos ou educacionais. Albrigh datou-a no período dos
Macabeus, enquanto outros eruditos como sendo de um período posterior.

3.2.2 O Texto Massorético


A história do texto Massorético é um relato em si mesmo significativo.
Esse texto da Bíblia inteira é o mais completo que existe. Forma a base para as
nossas modernas Bíblias Hebraicas e é o protótipo pelo qual todas as comparações
são feitas no Estudo Textual do Antigo Testamento. É chamado Massorético
porque sua presente forma foi baseada na Massora, tradução textual dos eruditos
judeus conhecidos como massoretas de Tiberíades (local dessa comunidade no
mar morto). Os massoretas, cuja escola da erudição prosperou entre 500 a.C. a
70 d.C., padronizaram o texto consonantal, adicionando pontos vocálicos e notas
marginais (o antigo alfabeto hebraico não tinha vogais). O manuscrito data do
ano 100 d.C., aproximadamente, e todas as comunidades judaicas o adotaram
como a forma textual definitiva e oficial das Sagradas Escrituras hebraicas.

111
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

3.2.3 Os rolos do Mar Morto


Essa grande descoberta ocorreu em março de 1947, quando um jovenzinho
árabe (Muhammad Edh-Dhib) perseguia uma cabra perdida nas grutas, a 12
quilômetros ao sul de Jericó e 1,5 quilômetro a oeste do mar Morto. Numa das
grutas, ele descobriu umas jarras que continham vários rolos de couro, por isso,
até fevereiro de 1956, onze grutas, que continham rolos e fragmentos de rolos,
foram escavadas próximas a Qumram. Nessas grutas, os essênios, seita religiosa
judaica que existiu por volta da época de Cristo, haviam guardado sua biblioteca.
Somando tudo, os milhares de fragmentos de manuscritos constituíram os restos
de 600 manuscritos.

Estimulados por essas descobertas originais, os beduínos insistiram


nas buscas e descobriram outras grutas a sudoeste de Belém. Em Murabba’at,
descobriram alguns manuscritos que traziam a data e alguns documentos
da segunda revolta judaica (132-135 d.C.). Esses dois documentos ajudaram a
confirmar a antiguidade dos rolos do Mar Morto. Descobriu-se, também, outro
rolo dos profetas menores (de Joel e Ageu), cujo texto se aproxima muito do
Texto Massorético. A natureza e o número dessas descobertas do Mar Morto
produziram conclusões gerais a respeito da integridade do Texto Massorético.
Os rolos fornecem espantosa confirmação da fidelidade do texto Massorético.
O período geral no qual os manuscritos do Mar Morto podem ser datados com
toda segurança é o compreendido entre 150 a.C. a 68 d.C.

3.2.4 O Pentateuco samaritano


O Pentateuco samaritano não é uma tradução ou versão do Antigo
Testamento, mas um manuscrito hebraico antigo contendo cinco livros da lei. O
Pentateuco Samaritano resultou noutra tradução textual da lei, e sua comparação
com o Texto Massorético é valiosa. Ele contém aproximadamente 6.000 variações
do Texto Massorético, embora insignificantes.

3.2.5 A Septuaginta
É a tradução grega do Antigo Testamento, feita por 72 eruditos judeus –
daí a origem do nome Septuaginta (LXX ou 70) –, completada no ano 150 a.C. A
Septuaginta, aparentemente, foi usada por Jesus e pelos apóstolos. A maioria das
citações do Antigo Testamento é extraída dessa tradução.

3.2.6 Os Targuns aramaicos


Eram traduções do Antigo Testamento em hebraico para o culto nas
sinagogas. O velho Targum palestino do Pentateuco é conhecido no 9º século. O
Targum Onkelos, do Pentateuco, e o Targum Jonathan, dos profetas, tornaram-se
oficiais por volta do século V d.C.
112
TÓPICO 3 — AS LÍNGUAS E OS TEXTOS

3.2.7 Versão siríaca


A igreja Síria requereu uma tradução simples do Antigo Testamento
em aramaico sírio, que é um dialeto do aramaico na palestina. A Bíblia Síria é
conhecida pelo nome de Peschitta, que significa "tradução simples", a qual foi
feita provavelmente na metade do século I d.C.

3.2.8 As versões latinas


O latim era o idioma dominante nas regiões ocidentais do império Romano
desde muito antes dos dias de Jesus. Foram nas regiões do sul da Gália e na África
do Norte que surgiram as primeiras traduções da Bíblia em latim. Em cerca de
160 d.C., Tertuliano usou uma das versões das escrituras em latim, uma vez que
o latim antigo era uma tradução da Septuaginta. Depois que a versão latina da
Vulgata foi completada por Jerônimo, o texto mais primitivo caiu em desuso.
A tradução de Jerônimo da Vulgata ocorreu no período entre 390 e 405 d.C.

3.3 MANUSCRITOS DO NOVO TESTAMENTO


A integridade do Antigo Testamento foi confirmada, em primeiro lugar,
pela fidelidade do processo de transmissão e, posteriormente, confirmada pelos
rolos do Mar Morto. De outra sorte, a fidelidade do texto do Novo Testamento
baseia-se na multiplicidade de manuscritos existentes.

É fato que, do Antigo Testamento, restaram alguns manuscritos completos,


todos muito bons, mas, do Novo Testamento, possuímos muito mais cópias, em
geral de qualidade precária.

3.3.1 Os manuscritos em papiro


Os manuscritos em papiro datam dos séculos II e III, quando o
Cristianismo ainda era ilegal e as escrituras sagradas eram copiadas em materiais
os mais baratos possíveis. Existem cerca de 26 manuscritos do Novo Testamento
em papiro. O testemunho desses manuscritos é valiosíssimo, visto que surgiram
no alvorecer do século II. Apenas uma geração dos autógrafos originais contém a
maior parte do Novo Testamento.

3.3.2 Os manuscritos em velino e pergaminho


Os mais importantes manuscritos do Novo Testamento são considerados,
em geral, os grandes unciais. O grego era escrito em letras maiúsculas. Escritos
em velino e em pergaminho, nos séculos IV e V d.C. Existem cerca de 297 desses
manuscritos unciais.

113
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

4 AS REMISSÕES PATRÍSTICAS AO TEXTO BÍBLICO


O período em que viveram os Pais da Igreja e a assim chamada patrística
pode ser definido, com propriedade, como um tempo áureo da era cristã, que
sucede ao tempo dos apóstolos e tem características singulares e marcantes. A
palavra “Padres” – ou “Pais” (que seria o melhor vocábulo em português) – tem
raízes no Antigo Testamento e traduz a relação que tais personagens tiveram
com a Igreja: deram enorme contribuição na sua organização e na elaboração
da doutrina cristã justamente nos seus primeiros tempos – vale dizer, na sua
“infância”. Como “pais” devotados, cuidaram da Igreja nos seus primeiros
passos, ajudando-a a se firmar nos diversos contextos em que ela se difundiu.

Como se trata de um período relativamente longo, os estudiosos da


patrística dividem-na em algumas fases:

• a dos Pais apostólicos (Clemente Romano, Inácio de Antioquia, Policarpo de


Esmirna);
• a dos Pais apologistas (Justino, Ireneu de Lião, Clemente de Alexandria, Orígenes);
• por fim, a fase de “maturidade” da patrística (no Oriente, Basílio, Teodoreto
de Ciro; no Ocidente, no fim do século IV e início do século V, Agostinho,
Jerônimo).

Costuma-se classificar as personagens desses tempos iniciais da Igreja


em dois grandes grupos: os “Pais da Igreja” propriamente ditos e os “escritores
eclesiásticos”.

Os Pais da Igreja se distinguem por três características: ortodoxia da


doutrina, santidade pessoal e comunhão com a Igreja. Segundo essa diferenciação,
figuras importantes como Tertuliano e Orígenes, por exemplo, muito embora
tenham composto obras de valor, referências para a reflexão teológica e para a
vida da Igreja, são reconhecidas apenas como “escritores eclesiásticos”.

Há controvérsias quanto ao término do período patrístico. Comumente,


admite-se que o tempo dos Pais se conclui no Ocidente, com Isidoro de Sevilha
(560-636) e, no Oriente, com João Damasceno (675-749), mas há quem estenda o
tempo dos Pais, no Ocidente, até Bernardo de Claraval (1090-1153).

Grande parte da literatura patrística foi composta em grego e latim, porém


há textos patrísticos também em siríaco (por exemplo, Efrém de Nísibe, do século
IV), copta (é o caso de Pacômio, do século IV) e armênio.

As remissões patrísticas são as inúmeras citações bíblicas do Novo


Testamento, feitas pelos pais da igreja primitiva, entre os séculos II e IV. Essas
remissões foram importantes, pois, se as tomássemos isoladamente como
parâmetro único de canonicidade para o Novo Testamento, bastariam para que
este fosse de todo preservado.

114
TÓPICO 3 — AS LÍNGUAS E OS TEXTOS

A crítica textual serve-se também dessas remissões para estudar e atestar


o verdadeiro texto sagrado. Os pais da igreja foram discípulos dos apóstolos e
estiveram ao lado deles fornecendo informações seguras para a Alta Crítica.

O testemunho dos pais da igreja às remissões se refere ao Novo Testamento.


O Cânon do Antigo Testamento, na era patrística, já havia sido encerrado e
reconhecido.

A respeito desse assunto, segundo B. F. Westcott (1887, p. 134):

Continuaram a considerar o Antigo Testamento um registro completo


e duradouro da revelação de Deus. Num ponto notável eles levaram
essa crença mais longe do que antes. Com eles, a individualidade de
vários escritores entra em segundo plano. Praticamente consideravam
o livro todo uma declaração divina só.

Vale ressaltar que, na primeira metade do século I da era cristã, os livros


do Novo Testamento já haviam sido escritos, em sua maioria, e, na segunda
metade, deu-se início aos processos de seleção, leitura, circulação, compilação e
citação da literatura apostólica.

Durante o século III, surgiram escritos apócrifos referentes ao Novo


Testamento e a outros escritos de natureza religiosa, que forçaram o processo
de seleção e de definição canônica da Igreja para o Novo Testamento, com o
objetivo de eliminar quaisquer dúvidas e objeções à inspiração divina dos 27
livros. A partir do século IV, a literatura apostólica foi ampliada e reconhecida
como Escritura Sagrada e, no início do século IV, o Novo Testamento já estava
confirmado e reconhecido.

Alguns nomes dos valorosos e valiosos pais da Igreja são: Papias,


Herácleon, Taciano, Irineu, Eusébio e Orígenes.

5 O CRITICISMO TEXTUAL
De maneira sintética, a crítica textual é a ciência que tem como objeto de
estudo os textos bíblicos e sua veracidade. Em outras palavras, a crítica textual
dedica-se a verificar se o texto bíblico é dotado de veracidade sacra.

O processo utilizado para verificar a sacralidade do texto bíblico se dá


por meio da análise dos manuscritos, os quais são cópias, em um processo de
identificação daqueles que contêm o texto verdadeiro.

115
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

5.1 PAPEL DA CRÍTICA TEXTUAL E PRESSUPOSTOS BÁSICOS


Se partimos do pressuposto de que não temos nenhum texto original
(autógrafo) da Bíblia, por outro lado, existem milhares de textos manuscritos,
alguns muito antigos, outros menos antigos, que reproduzem textos dos livros
bíblicos. Esses manuscritos representam a base a partir da qual nasceram as
edições em português atuais. A maioria dos manuscritos existentes não concorda
com os outros nos mínimos detalhes, por isso a crítica textual é necessária para
resolver as dúvidas diante dos textos variantes, tentando descobrir por que eles
diferem e qual é o mais próximo ao original.

É necessário saber que o processo de transmissão do texto bíblico passou


por inúmeras etapas. O Antigo Testamento teve um processo mais complexo do
que o Novo. Entretanto, ambos não gozaram das características de transmissão de
textos a partir do momento que foi criada a imprensa, no século XV. Assim, os textos
bíblicos não eram impressos, mas copiados, às vezes por copistas profissionais e
outras por pessoas menos capazes, simples fiéis desejosos de possuir um tipo
de relíquia, como podia ser, por exemplo, uma carta de um apóstolo. A ação de
copiar o texto incorreu em muitos erros involuntários e modificações conscientes
do texto bíblico. A crítica textual desmascara esses erros, propondo aos tradutores
aquele que possa ser o texto mais próximo ao original.

5.2 O QUE FAZ A CRÍTICA TEXTUAL


A crítica textual tem como seus dois principais fundamentos a razão e o
bom senso. A razão determina as bases norteadoras da forma de se interpretar e
denominar as várias transcrições, com a finalidade estabelecer o que é verdadeiro
e o que é falso entre os autores relativos ao texto bíblico.

Entretanto, é verdade que a complexidade dos manuscritos relativos


ao texto bíblico, em função do contexto histórico e dos idiomas envolvidos,
muitas vezes, impossibilita o uso de regras específicas acerca da verificação dos
manuscritos. Desta feita, faz-se necessário o uso do bom senso para identificar, de
forma equilibrada, o tipo usual de escrita dos chamados copistas.

DICAS

Uma forma de facilitar o entendimento sobre o significado da crítica textual é


imaginá-la como um detetive: diante de um crime, ele faz de tudo para encontrar os indícios
que levem a descobrir o culpado pelo crime. Diante de um texto problemático, ele faz de tudo,
servindo-se de eventuais indícios presentes em manuscritos e outros materiais antigos, para
descobrir o texto original, aquele texto que foi escrito pelo autor inspirado por Deus.

116
TÓPICO 3 — AS LÍNGUAS E OS TEXTOS

Para contemplar tais requisitos, a crítica textual dividiu-se em duas


atitudes ou dois grupos: a baixa crítica (crítica textual) e a alta crítica (crítica
histórica) da Bíblia.

A baixa crítica dedica-se ao trabalho de verificação da forma do texto e, na


antiguidade, fazia-se a sua conferência e a sua correção, com base na questão da
confiabilidade do texto sagrado, debruçando-se sob a sua forma para restaurar o
texto original.

A baixa crítica não se dedica ao valor documental do texto, porém aplica


os critérios e os padrões de qualidade. Em geral, esse trabalho é construtivo e
positivo, pois há os que tentam destruir o texto, fazendo um trabalho destrutivo
e negativo. A questão fundamental não é se a crítica é alta ou baixa, mas se ela é
sadia e baseada em evidências e argumentações corretas.

A alta crítica estuda as questões de julgamento quanto à autoria, à data do


texto, a sua estrutura, à historicidade dos livros da Bíblia e também à genuinidade
das obras dos pais da Igreja e dos anciãos durante os primeiros séculos, pois
estes citaram muitos textos das Escrituras. A alta crítica é a própria essência da
introdução à Bíblia e do próprio estudo da Escritura.

Esse rigor e formalismo massorético foi responsável pelo extremo cuidado


aplicado no trabalho de copiar as Sagradas Escrituras.

A arqueologia e a história, através de suas numerosas descobertas, têm


confirmado a exatidão dos documentos bíblicos, até mesmo, em relação aos
nomes obsoletos dos reis estrangeiros. Outras ciências, como a Antropologia, a
Astronomia, a Biologia, a Física, entre outras, através de suas descobertas, também
têm confirmado a exatidão dos escritos inspirados por Deus, constituindo-se a
área do conhecimento denominada como evidências cristãs.

A melhor evidência de apoio à integridade do texto massorético é a


tradução do AT hebraico para o grego, conhecida como Septuaginta (ou LXX).

Os princípios gerais da crítica textual são:

• Evidência externa – trata da cronologia, geografia e genealogia.


• Evidência interna – trata da questão transcripcional (dos hábitos dos escribas)
e da questão intrínseca (dos hábitos dos autores).

Graças à crítica textual, podemos afirmar que não houve dano à Bíblia,
no processo de transmissão do texto, constituindo-se uma reprodução exata dos
textos originais.

As bases científicas da crítica textual são: a compreensão das línguas


originais, dos materiais e das evidências documentais dos manuscritos bíblicos.

117
UNIDADE 2 — AS ESCRITURAS SAGRADAS E PRÁXIS

LEITURA COMPLEMENTAR

A BÍBLIA FOI ESCRITA EM TRÊS LÍNGUAS

Bíblia Sagrada

A Bíblia não foi escrita numa única língua, mas em três línguas diferentes.
A maior parte do Antigo Testamento foi escrita em hebraico. Era a língua que se
falava na Palestina antes do cativeiro. Depois do cativeiro, o povo de lá começou
a falar o aramaico.

No entanto, a Bíblia continuou a ser escrita, copiada e lida em hebraico.


Para que o povo pudesse ter acesso à Bíblia, foram criadas escolinhas em toda a
parte. Jesus deve ter frequentado a escolinha de Nazaré para aprender o hebraico.
Só uma parte bem pequena do Antigo Testamento foi escrita em aramaico.

Um único livro do Antigo Testamento, o livro da Sabedoria, e todo o Novo


Testamento foram escritos em grego. O grego era a nova língua do comércio que
invadiu o mundo daquele tempo, depois das conquistas de Alexandre Magno, no
século IV a.C.

Assim, no tempo de Jesus, o povo da Palestina falava o aramaico em casa,


usava o hebraico na leitura da Bíblia, e o grego no comércio e na política. Quando
os apóstolos saíram da Palestina para pregar o Evangelho aos outros povos, eles
adotaram uma tradução grega do Antigo Testamento, feita no Egito no século
III a.C. para os judeus imigrantes que já não entendiam mais o hebraico nem
o aramaico.

Essa tradução grega é chamada Septuaginta ou Setenta. Na época em


que ela foi feita, a lista (cânon) dos livros sagrados ainda não estava concluída.
Assim, aconteceu que a lista dos livros dessa tradução grega ficou mais comprida
do que a lista dos livros da Bíblia hebraica.

É dessa diferença entre a Bíblia hebraica da Palestina e a Bíblia grega do


Egito que veio a diferença entre a Bíblia dos protestantes e a Bíblia dos católicos.

Os protestantes preferiram a lista mais curta e mais antiga da Bíblia


hebraica, e os católicos, seguindo o exemplo dos apóstolos, ficaram com a lista
mais comprida da tradução grega dos Setenta.

Há sete livros a mais na Bíblia dos católicos: Tobias, Judite, Baruc,


Eclesiástico, Sabedoria, os dois livros dos Macabeus, além de algumas partes
de Daniel e de Ester. São chamados “deuterocanônicos”, isto é, são da segunda
(deutero) lista (cânon).

FONTE: Adaptado de <https://www.franciscanas.org.br/noticias/a-biblia-foi-escrita-em-tres-


linguas/>. Acesso em: 13 jun. 2021.

118
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• As línguas escritas foram o meio que Deus utilizou para transmitir Sua Palavra
de maneira a remover as formas menos eficientes de comunicação aos homens.
As línguas utilizadas por Deus para o registro do texto sagrado foram o
hebraico, o aramaico e o grego.

• A Bíblia passou por quase 2.000 anos de transmissão, devendo-se considerar,


ainda, que, antes da invenção da imprensa, há 550 anos, cada exemplar da
Bíblia tinha que ser escrito individualmente à mão – processo vagaroso e
dispendioso nem sempre de muita precisão.

• Os materiais utilizados para o registro da Escritura Sagrada foram desde as


tabuinhas de barro até o papel, passando pelo papiro e, anteriormente a este,
pelos pergaminhos de pele.

• A preparação, a preservação e a disseminação dos manuscritos feitos


pelos escribas, desde a Antiguidade, foram realizadas de maneira zelosa,
extremamente cuidadosa e responsável, mediante a qual se garantiu a apuração
do texto original. O conhecimento e o reconhecimento padronizado desses
textos foram encontrados nos livros, bem como a autorização, a utilização do
AT por Jesus Cristo e a definição do Cânon do NT pela Igreja.

• Os materiais utilizados para a escrita e a transmissão das Escrituras foram


diversos e sempre aperfeiçoados. Esses manuscritos são a base da crítica textual
em seus dois segmentos, a baixa crítica, que trata do formato e da composição
dos livros, e a alta crítica, que trata das questões de historicidade e inspiração
apoiadas, inclusive, pelas remissões patrísticas ao texto bíblico.

CHAMADA

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119
AUTOATIVIDADE

1 Sobre as formas de registros das escrituras, é evidente que, na antiguidade,


não havia o papel e todos os recursos que se conhecem atualmente, por isso foi
necessária a utilização dos materiais disponíveis. Infelizmente, essa utilização
de recursos existentes não era necessariamente mais barata. Por exemplo, o
vellum era um desses materiais, que corresponde à qual das alternativas a
seguir?

a) ( ) Cera.
b) ( ) Pedras.
c) ( ) Pergaminho e couro.
d) ( ) Louça.
e) ( ) Metal.

2 Todas as formas de transcrição da Palavra sofreram algum tipo de limitação


ou deficiência. Enviar um anjo para entregar cada mensagem de Deus a
cada ser humano, em cada situação, ou empregar vozes audíveis e milagres
diretos, tudo isso seria difícil de administrar e repetitivo. Lançar sorte
ou a simples resposta negativa ou positiva através do Urim e do Tumim
eram formas limitadas demais, em comparação com outros vínculos de
comunicação de massa com maior amplitude e melhores recursos, capazes
de prover discussões minuciosas. Com base nas vantagens das línguas
escritas, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Senso estético.
b) ( ) Precisão na comunicação.
c) ( ) Alegorização da realidade.
d) ( ) Combate a cópias desautorizadas.

3 Os escritos originais autênticos, saídos das mãos de um profeta ou


apóstolo, ou de um secretário ou amanuense, sempre sob a direção
do homem de Deus, eram chamados autógrafos, porém eles não
existem mais. Dessa forma, precisaram ser reconstituídos a partir de
manuscritos e versões primitivas do texto da Bíblia, que oferecem
evidências tangíveis e importantes da transmissão da Bíblia para nós por
parte de Deus. Segundo o nome da divisão biparte da Bíblia, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) Antigo e Novo Testamento.


b) ( ) Salmos e Cânticos.
c) ( ) Pentateuco e Apocalipse.
d) ( ) Gêneses e Apocalipse.

120
4 Na primeira metade do século I da era cristã, os livros do Novo Testamento
já haviam sido escritos, em sua maioria, e, na segunda metade, deu-se
início aos processos de seleção, leitura, circulação, compilação e citação
da literatura apostólica. Contudo, o processo de seleção precisou ser
intensificado e muita coisa passou por um processo de análise e, até mesmo,
de descarte. Explique por qual razão isso precisou ser feito.

5 De forma sucinta, a crítica textual dedica-se ao estudo do material de escrita,


a forma de escrita, as fontes documentais, a história da transmissão,
a autenticidade, a preservação do texto e as diferentes versões do texto. 
Para contemplar tais objetivos, a crítica textual está dividida em duas
atitudes: alta crítica e baixa crítica. Discorra sobre essas duas modalidades
da crítica textual.

121
122
REFERÊNCIAS
APOLINÁRIO, P. Explicação de textos difíceis da Bíblia. SALT – Seminário Latino-
americano de Teologia, São Paulo, 1990.

BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus; 2002.

BÍBLIA DO SEMEADOR. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil; 2014.

BÍBLIA SAGRADA. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida.


Revista e Atualizada no Brasil. 2. ed. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil; 2008.

BITTENCOURT, B. P. O Novo Testamento: Cânon, língua, texto. São Paulo:


Aste; 1984.

DE SILVA, C. M. D. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas; 2000.

FEE, G. D.; STUART, D. Entendes o que lês? Um guia para entender a Bíblia
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GEISLER, N.; NIX, W. Introdução bíblica: como a Bíblia chegou até nós. São
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KONINGS, J. Raízes e intenção da tradução oficial da Bíblia da CNBB. Perspect.


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KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento. 3. ed. São Paulo: Paulus; 2004.

LAHAYE, TIM. Como estudar a bíblia sozinho. Venda Nova: Betânia; 1976.

MEARS, H. Estudo panorâmico da bíblia. Vida Acadêmica: São Paulo; 2006. 

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PLIASSOV, V. A escrita entre os eslavos orientais antes da cristianização.


Centro de Estudos Russos. Universidade de Coimbra. c2021. Disponível em:
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RAD, G. Teologia do Antigo Testamento. 2. ed. São Paulo: ASTE/TARGUMIM,


2006.

123
RAUPP, M. Uma análise descritiva de três traduções brasileiras da
bíblia a partir de alterações introduzidas nos manuscritos em língua
original. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução) – Centro de
Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2010. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/
handle/123456789/94236/276638.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 28
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SANTOS, P. P. A. A Septuaginta (LXX): a Torá na diáspora judaico-helenista.


Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG, Belo Horizonte, 2008.

SCHAFF, P. The Creeds of Christendom. In: GEISLER, N.; NIX, W. Introdução


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SCHMIDT, W. H. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal; 1994.

WESTCOTT, B. F. The bible in the church. 2. ed. New York: MacMillan; 1887.

124
UNIDADE 3 —

CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS


SAGRADAS ESCRITURAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar as principais características encontradas nas Escrituras sobre


Deus, sobre o ser humano, enquanto criatura de Deus, e sobre Jesus
Cristo, enquanto segunda pessoa da Trindade;
• compreender a importância do estudo exegético e hermenêutico da
Bíblia, que se apresenta como documento histórico da fé cristã;
• analisar a influência da Bíblia na vida cotidiana daquele que recebe a
Palavra de Deus e na igreja que se fundamenta nela;
• relacionar a vida de estudo teológico com a vida cristã laica e distinguir
suas especificidades.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – AS ESCRITURAS COMO FUNDAMENTO TEOLÓGICO

TÓPICO 2 – A REFLEXÃO A PARTIR DAS ESCRITURAS

TÓPICO 3 – A VIVÊNCIA DAS ESCRITURAS

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

125
126
TÓPICO 1 —
UNIDADE 3

AS ESCRITURAS COMO FUNDAMENTO TEOLÓGICO

1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, nós veremos o que a Bíblia diz sobre Deus, sobre o ser
humano e sobre Jesus Cristo, uma vez que todos esses assuntos estão altamente
entrelaçados. A relação entre Deus, o homem e Jesus é apresentada na Bíblia
como uma história coesa de providência e redenção. Tudo culminou no ato
salvífico que dá ao homem a razão da sua fé. Por isso, a leitura bíblica deve ter
como chave hermenêutica essa relação.

Deus é pressuposto nas Sagradas Escrituras. De fato, sem Deus, a fé cristã


e a Bíblia não existiriam – e não estudaríamos bibliologia se não fosse por Ele. No
entanto, a realidade de Deus é muito complexa, por se tratar de um ser infinito,
que nos revela apenas algumas coisas, alguns atributos e conceitos, mas que estão
longe de ser a totalidade de Deus. Ainda assim, Deus oferece na Bíblia o que nos é
necessário saber.

Na Bíblia, o ser humano é apresentado como uma criatura não muito


diferente de todas as outras coisas criadas, embora seja possível ver claramente que
ele possui qualidades distintas. Ele é a coroa da criação, com a qualidade funcional
de ser imagem de Deus; é, portanto, especial. Todavia, ainda assim, possui natureza
pecaminosa, o que é acentuado pela Bíblia, uma vez que a realidade do pecado faz
parte da compreensão do homem apresentado nas Escrituras.

Jesus Cristo é o centro da Bíblia. A obra de Jesus Cristo é a chave


hermenêutica pela qual devemos ler todas as passagens bíblicas. Jesus não é
mero humano, mas possui uma qualidade distinta e divina; é o Filho de Deus
encarnado, que possui uma missão especial, pois veio para salvar o ser humano
do pecado, dando a sua vida por isso. No entanto, o sacrifício de Jesus não é o
evento final – por isso, é importante conhecermos mais dessa história especial
apresentada nas Escrituras Sagradas.

127
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

2 DE DEUS
A existência de Deus é um pressuposto na Bíblia, pois revela Deus
e nos dá o conhecimento de características distintas Dele, ou seja, não oferece
apenas o conhecimento da existência de Deus, mas também de quem é esse Deus.
Segundo Paul Gardner: “O Deus da Bíblia revela-se em sua criação e, acima de
tudo, por meio de sua Palavra, as Escrituras Sagradas” (GARDNER, 1999, p. 136).
Como vimos, Deus se autorrevela, e a teologia cristã assume que a Bíblia oferece
o melhor fundamento e a melhor fonte de informação para dar clareza sobre a
natureza de Deus.

Entretanto, Gardner (1999, p. 136) também explicita que “é importante


lembrar que as Escrituras mostram que o conhecimento que podemos ter de Deus
é limitado e finito, enquanto o Senhor é infinito, puro e um Espírito vivo e pessoal,
ao qual ninguém jamais viu”. Por isso, assumir que se conhece tudo sobre Deus e
seus intentos é presunção, mesmo para o maior teólogo, pois isso seria assumir
que se conhece o infinito, o que não é possível para criaturas limitadas como nós.
A revelação de Deus nas Escrituras Sagradas oferece aquilo que precisamos saber
Dele, mas não oferece a totalidade do conhecimento de Deus. Nesse sentido,
Brakemeier (2010, p. 31) afirma que “Deus designa um poder, sagrado, misterioso,
do qual o ser humano se sabe dependente”. O Deus absoluto é inimaginável,
tanto quanto a medida do infinito é inimaginável. Ainda assim, a teologia cristã
ocupa-se do estudo daquilo que se pode conhecer de Deus, ou seja, do Deus
autorrevelado na Bíblia.

Apesar disso, lidamos constantemente com a ideia sobre Deus que não
parte do pressuposto bíblico, porque, no meio popular, Ele é visto como uma
expressão muito ambígua e multifacetada. Nas palavras de Brakemeier (2010, p.
31), “Não há uma só ‘teologia’ entre as religiões, mas uma infinidade. O mesmo
se observa na filosofia. Não existe em absoluto unanimidade na conceituação
de Deus” e, justamente por isso, dispomos de tantos termos como “teísmo”,
“ateísmo”, “politeísmo”, “monoteísmo”, “panteísmo” etc., pois várias são as
concepções de Deus diferentes. A teologia cristã, portanto, deve justificar sua
legitimidade em meio a tantas outras visões – foi, precisamente, na defesa de
Deus que a teologia cristã costumeiramente se empregou desde a Idade Média.
As provas da existência de Deus eram amplamente discutidas e representavam a
legitimidade da própria teologia enquanto estudo de Deus.

Como visto, a própria Bíblia não se preocupa em provar a existência de


Deus, uma vez que ela já é pressuposta em cada página das Escrituras. De acordo
com Gardner (1999, p. 137), “A Bíblia subentende a existência de Deus. Não há
discussão alguma sobre isso suas páginas, pois se trata de um livro em que o
Senhor revela a si mesmo”. Um versículo é categórico ao afirmar que apenas o
insensato duvida da existência de Deus: “Diz o insensato no seu coração: Não há
Deus” (BÍBLIA SAGRADA, Sl. 14.1); trata-se de uma constatação, assim como
é possível constatar naturalmente a preexistência e autossubsistência de Deus.
Alguns versículos a seguir podem demonstrar isso:

128
TÓPICO 1 — AS ESCRITURAS COMO FUNDAMENTO TEOLÓGICO

• “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Deus” (BÍBLIA SAGRADA, Dt. 6.4).
• “Vede, agora, que Eu Sou, Eu somente, e mais nenhum deus além de mim”
(BÍBLIA SAGRADA, Dt. 32.39a).
• “Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de
eternidade a eternidade, tu és Deus” (BÍBLIA SAGRADA, Sl. 90.2).
• “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio
dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. A vida estava nele e a vida era a
luz dos homens” (BÍBLIA SAGRADA, Jo. 1.1-4).
• “Pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (BÍBLIA SAGRADA, At. 17.28a).
• “Eu sou o Alga e o Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que há
de vir, o Todo-Poderoso” (BÍBLIA SAGRADA, Ap. 1.8).

Essas são afirmações concluintes, e não argumentos nem provas. A


conveniência das provas de Deus perdeu bastante força. Segundo Brakemeier
(2010, p. 33), “na própria teologia se encontra oposição. Para Lutero, o Deus de
Jesus Cristo não consegue ser apreendido com as faculdades naturais do ser
humano, nem pode haver demonstrações racionais de sua existência”. A realidade
de Deus é apreendida por meio da fé e do conhecimento de Deus mediante o
testemunho das Sagradas Escrituras. “Não há como provar a existência de Deus,
assim como inversamente também o ‘ateísmo’ não tem provas à mão. Deus pode
ser conhecido unicamente mediante sua autorrevelação” (BRAKEMEIER, 2010,
p. 33). Tal revelação é suficiente e a realidade de Deus é afirmada pela fé. A fé
é a verdadeira prova: “A fé é a garantia dos bens que se esperam, a prova das
realidades que não se veem” (BÍBLIA SAGRADA, Hb. 11.1). Nesse sentido, a
fé é a prova da existência do Deus revelado, mesmo que não se revele em sua
totalidade, mesmo que não possamos obter conhecimento absoluto de Deus.
Por isso:

Talvez seja aconselhável falar em “percepção” em lugar de


“conhecimento de Deus”, pois o encontro com ele não se dá somente
no nível do intelecto e da razão. Deus não é assunto apenas cognitivo.
Diz respeito ao ser humano todo: seu corpo, sua psique, seus sentidos,
suas emoções. A limitação da revelação de Deus à razão implica
imperdoável reducionismo. O ser humano experimenta Deus “em,
com e sob” as coisas deste mundo. A magnitude do cosmo, a maravilha
de um bebê, a beleza de uma flor, o amor e a sexualidade, a gratuidade,
mas também o sofrimento de uma pessoa, tudo isso e muito mais
pode oportunizar a experiência do divino. Leonardo Boff falou na
“transparência do mundo como via para a experiência do Deus vivo”
(BOFF apud FREI BETTO et al., 1974, p. 131). Há um mistério por trás
dos fenômenos, uma maravilha a ser descoberta. São as pegadas de
Deus, cuja desconsideração é culposa. Não se deve perguntar se Deus
existe ou não, e sim se nós temos antenas para sintonizar seus sinais,
olhos para ver seus milagres e ouvidos para captar suas mensagens
(BRAKEMEIER, 2010, p. 34).

129
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

Assim, a teologia, enquanto ciência, visa ao estudo do principal objeto


de revelação específica, o testemunho das escrituras que demonstra a história da
redenção. A maneira como Deus é apresentado nas Escrituras Sagradas é a base
que sustenta toda ideia sobre Deus que a cristandade prega. Um olhar atento para
o Deus revelado na Bíblia pode desvelar muito sobre Ele, mesmo que não tudo.

É pelo relato e pela doutrina da criação que se assevera a autoexistência


de Deus (BÍBLIA SAGRADA, Gn. 1,1ss; Rm. 4.17; Hb. 11.3). A criação foi feita ex
nihilo, ou seja, a partir do nada. Deus não dividia a existência, mas aquilo que além
Dele veio a existir foi criado por Ele a partir da sua Palavra. Por isso, conforme
Gardner (1999, p. 138), “O Todo-poderoso sempre existiu e sempre existirá; Ele
é o Criador. O que existe traz outras coisas à existência”. Isso significa que é
apenas porque Deus existe que outras coisas, nossa vida inclusive, vieram a
existir. A Bíblia deixa claro que Deus já existia antes da criação. São diversos os
relatos bíblicos que testemunham a obra criadora de Deus:

• “Os céus por sua palavra se fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército deles.
Ele ajunta em montão as águas do mar; e em reservatório encerra as grandes
vagas. Tema o Senhor toda a terra, temam-no todos os habitantes do mundo.
Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir” (BÍBLIA
SAGRADA, Sl. 33.5-9).
• “Não é semelhante a estas Aquele que é a Porção de Jacó; porque ele é o Criador de
todas as coisas, e Israel é a tribo da sua herança; Senhor do Exércitos é o seu nome”
(BÍBLIA SAGRADA, Jr. 10.16).
• “Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais,
pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu
herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo” (BÍBLIA
SAGRADA, Hb. 1.1-2).

A obra criadora atesta a soberania de Deus sobre tudo. Ele criou, mantém
e é senhor de todas as coisas. Não pode haver outro deus senão aquele que é o
criador de tudo. Toda a vastidão do universo é fruto da obra divina, o que nos dá
uma boa percepção da magnitude infinita daquele que criou o universo infinito.

Como exemplo, podemos observar a Figura 1, que mostra um aglomerado


de galáxias, em que cada galáxia contém milhares de estrelas. Essa imagem foi
registrada pelo telescópio Hubble sobre apenas uma parte ínfima do universo
conhecido. Nossa mente mal consegue compreender as distâncias entre uma
galáxia e outra, ou entre uma estrela e outra. Portanto, se não conseguimos
compreender o tamanho de uma pequena parte da criação, menos ainda
poderemos compreender a magnitude do Criador de todo o universo.

130
TÓPICO 1 — AS ESCRITURAS COMO FUNDAMENTO TEOLÓGICO

FIGURA 1 – AGLOMERADO DE GALÁXIAS

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Between_Local_and_Laniakea_
(27476466787).jpg>. Acesso em: 5 dez. 2020.

É importante destacar que, por mais excepcional que seja a magnitude


conceitual de Deus, Ele ainda se apresenta de forma bastante pessoal. Assim,
“qualidades que indicam um ser pessoal podem ser atribuídas a Deus. Ele é
apresentado como possuidor de liberdade, vontade e propósitos” (GARDNER,
1999, p. 139). Percebemos também a expectativa de um relacionamento pessoal
com Deus, pois Ele está vivo, presente e não distante. A impessoalidade de Deus
só é anunciada por aqueles que visam a declarar um Deus desinteressado por
suas criaturas, mas não é isso que vemos nas Escrituras.

Essa pessoalidade é bastante perceptível na visão providencial de Deus. A


providência divina é tema recorrente nos relatos bíblicos. Gardner (1999, p. 140)
diz que: “Os escritores da Bíblia demonstram com convicção que Deus governa
sobre toda a criação; assim, os conceitos do destino e do acaso são banidos”. A
visão dos escritores bíblicos era a de que nada acontecia sem que Deus estivesse
no controle.

NOTA

Providência divina significa a condução, o comando e o controle de Deus


sobre todos os eventos que ocorrem no mundo.

131
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

Deus possui vontade e utiliza o seu poder, trabalha incansavelmente,


para realizar a sua vontade. Segundo Gardner (1999, p. 140):

As Escrituras declaram que Deus tem o controle total sobre tudo,


ou seja, sobre as pessoas, governos etc. Ele é chamado de Rei, pois
estabelece reinos sobre a Terra e destrói-os, de acordo com seu desejo.
Sua soberania é tão grande, bem como sua providência, em garantir
que sua vontade seja realizada, que mesmo o mal pode ser revertido e
usado pelo Senhor, para realizar seus bons propósitos.

Os bons propósitos revelam sua justiça. Reconhecer que Deus é justo é


também reconhecer que sua vontade é justa e que devemos confiar nos seus
desígnios. Isso implica aceitar a providência de Deus, sabendo que tudo está
sob o seu comando. “Eis a Rocha! Suas obras são perfeitas, porque todos os seus
caminhos são juízo; Deus é fidelidade, e não há nele injustiça; é justo e reto”
(BÍBLIA SAGRADA, Dt. 32.4).

2.1 O DEUS TRIÚNO


É impossível falar do Deus revelado na Bíblia sem mencionar a questão da
trindade, ou seja, o Deus triúno, que se manifesta pelas pessoas do Pai, do Filho e
do Espírito Santo. O termo triúno designa seu conceito fundamental, que são três,
mas estes três são apenas um. Quando falamos em Deus, pressupomos a perfeita
união entre as três pessoas da trindade.

Dessa forma, há duas ocorrências da fórmula trinitária no Novo


Testamento:

• “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do


Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (BÍBLIA SAGRADA, Mt. 28.19).
• “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito
Santo sejam com todos vós” (BÍBLIA SAGRADA, 2Co. 13.13).

Trata-se da Grande Comissão batismal de Jesus e da benção conclusiva


de Paulo na segunda carta para a igreja em Corinto. Na Grande Comissão, é o
próprio Jesus que utiliza a fórmula trinitária, a qual é empregada num sentido
litúrgico; os novos discípulos deveriam ser batizados em nome do Pai, do Filho
e do Espírito Santo. Ora, o batismo é um rito de passagem de uma vida antiga
para uma vida nova. A vida nova deve estar profundamente relacionada com
o ser completo de Deus, ou seja, seu ser triúno. Na bênção conclusiva de Paulo
aos corintos, vemos que esta assim como outras bênçãos ao final das cartas
apostólicas, refletem um estilo litúrgico. A preocupação litúrgica está relacionada
com o conteúdo teológico. Nesse sentido, dentro da liturgia cristã, a fórmula
trinitária pretende apresentar o ser completo de Deus, este que se apresenta
fundamentalmente como Pai, como Filho e como Espírito Santo.

132
TÓPICO 1 — AS ESCRITURAS COMO FUNDAMENTO TEOLÓGICO

Pai, Filho e Espírito Santo são, portanto, as chamadas pessoas da trindade.


No entanto, como ressalta Haarbeck (1987, p. 32), “o termo ‘trindade’ não
aparece na Bíblia, nem tampouco a palavra ‘pessoa’”. Contudo, a teologia usa tais
termos a fim de interpretar aquilo que se percebe nas Escrituras. São as palavras
encontradas para sistematizar o dogma do trinitarianismo. Ainda assim, devemos
lembrar que Deus é infinito, e dogma algum consegue apreender a infinitude
divina. Não à toa a doutrina da trindade, mesmo com todos os seus conceitos,
ainda é mistério – entretanto, tratamos daquilo que conseguimos perceber.

Haarbeck (1987, p. 32, grifo nosso) diz que “a natureza da Trindade reside
nas seguintes definições: 1) Cada pessoa da Divindade é em si mesma Deus; 2)
cada pessoa da Divindade encontra-se ligada de modo indissolúvel às outras
duas”. Logo, vemos que não se trata de três deuses, mas um só Deus, que se
manifesta de três formas distintas, as quais chamamos de pessoas da trindade,
mas nenhuma delas pode ser separada uma da outra. De forma mais extensa,
Haarbeck (1987, p. 33) afirma que:

De modo igualmente claro, porém, ensinam as Escrituras que


nenhuma das pessoas da Divindade pode nem quer ser separada
uma outra. Não se pode honrar ao Pai sem crer no Filho (João 8.49).
Não se pode crer no Filho se o separarmos do Espírito Santo (João
6.63). Quem quer apropriar-se Espírito ou dos dons do Espírito sem
estar em comunhão pessoal com Jesus não terá reconhecimento da
parte de Deus (Mateus 7.22ss; Atos 8.18ss; 1 Coríntios 13.2). Quando
alguém se atreve a separar as três pessoas da Divindade ou despojá-
las de sua divina majestade, em breve descobrirá que só tem um Deus
imaginário, e não um Deus verdadeiro, pessoal e vivo.

Assim, separar as pessoas da trindade e tratá-las como divindades


distintas é esvaziar o conteúdo do Deus revelado nas Escrituras. O Deus cristão
é uno, sendo apenas uma única substância, mas que se revela a partir de três
pessoas, e cada uma delas é o ser Deus completo. Segundo Braaten e Jenson (2002,
p. 149): “A dialética trinitária plenamente desenvolvida, tal como a proposição de
que Deus é ‘três pessoas de uma única substância’, é uma análise metafísica da
identificação triúna de Deus pelo evangelho”. Portanto, o evangelho propõe este
Deus triúno. E aqui reiteramos, a doutrina de trindade propõe que Deus é três
pessoas de uma única substância.

Brakemeier (2010, p. 130) reforça que “o dogma da Trindade foi formulado


somente no ano de 325 d.C., no Concílio de Niceia. Durante trezentos anos, a
igreja cristã viveu sem o dogma, embora não sem a Trindade”. Em 381 d.C., o
Credo Niceno-Constantinopolitano aprofundou a questão trinitária, acentuando
que Jesus é o verdadeiro Deus. No entanto, entre os credos, é fundamental atentar
para um com data incerta e considerado longo para um credo, mas que consta
no acervo confessional do luteranismo e estabelece uma das mais conceituadas
explicações para a doutrina trinitária, o Credo Atanasiano.

133
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

NOTA

Credo Atanasiano

Todo aquele que quer ser salvo, antes de tudo, deve professar a fé católica.

Quem quer que não a conservar íntegra e inviolada, sem dúvida perecerá eternamente.

E a fé católica consiste em venerar um só Deus na Trindade e a Trindade na unidade, sem


confundir as pessoas e sem dividir a substância. Pois uma é a pessoa do Pai, a outra a do
Filho, outra a do Espírito Santo; mas uma só é a divindade do Pai e do Filho e do Espírito
Santo, igual à glória, coeterna a majestade.

Qual o Pai, tal o Filho, tal também o Espírito Santo.


Incriado é o Pai, incriado é o Filho, incriado o Espírito Santo.
Imenso é o Pai, imenso o Filho, imenso o Espírito Santo.
Eterno o Pai, eterno o Filho, eterno o Espírito Santo;
contudo, não são três eternos, mas um único eterno;
como não há três incriados, nem três imensos, porém um só incriado e um só imenso.

Da mesma forma, o Pai é onipotente, o Filho é onipotente, o Espírito Santo é onipotente;


contudo, não há três onipotentes, mas um só onipotente.

Assim, o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus;


e, todavia, não há três deuses, porém um único Deus.

Como o Pai é Senhor, assim o Filho é Senhor, o Espírito Santo é Senhor;


entretanto, não são três senhores, porém um só Senhor.

Porque, assim como pela verdade cristã somos obrigados a confessar que cada pessoa,
tomada em separado, é Deus e Senhor, assim também estamos proibidos pela religião
católica de dizer que são três deuses ou três senhores.

O Pai por ninguém foi feito, nem criado, nem gerado.


O Filho é só do Pai; não feito, nem criado, mas gerado.
O Espírito Santo é do Pai e do Filho; não feito, nem criado, nem gerado, mas procedente.

Há, portanto, um único Pai, não três Pais; um único Filho, não três Filhos; um único Espírito
Santo, não três Espíritos Santos.

E nesta Trindade nada é anterior ou posterior, nada maior ou menor; porém todas as
três pessoas são coeternas e iguais entre si; de modo que em tudo, conforme já ficou
dito acima, deve ser venerada a Trindade na unidade e a unidade na Trindade. Portanto,
quem quer salvar-se, deve pensar assim a respeito da Trindade, mas para a salvação eterna
também é necessário crer fielmente na encarnação de nosso Senhor Jesus Cristo.

A fé verdadeira, por conseguinte, é crermos e confessarmos que nosso Senhor Jesus Cristo,
Filho de Deus, é Deus e homem.

É Deus, gerado da substância do Pai antes dos séculos, e é homem, nascido, no mundo, da
substância da mãe.

134
TÓPICO 1 — AS ESCRITURAS COMO FUNDAMENTO TEOLÓGICO

Deus perfeito, homem perfeito, subsistindo de alma racional e carne humana.


Igual ao Pai segundo a divindade, menor que o Pai segundo a humanidade.
Ainda que é Deus e homem, todavia não há dois, porém um só Cristo.

Um só, entretanto, não por conversão da divindade em carne, mas pela assunção da
humanidade em Deus. De todo um só, não por confusão de substância, mas por unidade e
pessoa. Pois, assim como a alma racional e a carne é um só homem, assim Deus e homem
é um só Cristo; o qual padeceu pela nossa salvação, desceu aos infernos, ressuscitou dos
mortos, subiu aos céus, está sentado à destra do Pai, donde há de vir para julgar os vivos e
os mortos.
À sua chegada todos os homens devem ressuscitar com seus corpos e vão prestar contas
de seus próprios atos; e aqueles que tiverem praticado o bem irão para vida eterna; aqueles
que tiverem praticado o mal irão para o fogo eterno.
Esta é a fé católica. Quem não crer com fidelidade e firmeza, não poderá salvar-se.

FONTE: <https://www.luteranos.com.br/textos/credo-atanasiano>. Acesso em: 12 nov. 2020.

Ele é, de fato, um tanto longo para um credo. Todavia, dedica-se a explicar


a questão trinitária, como afirma o seguinte trecho: “O Pai por ninguém foi feito,
nem criado, nem gerado. O Filho é só do Pai; não feito, nem criado, mas gerado.
O Espírito Santo é do Pai e do Filho; não feito, nem criado, nem gerado, mas
procedente” (PORTAL LUTERANOS, c2021) – uma forma de tentar explicar
a relação entre as pessoas da Trindade, sem nunca deixar de explicitar que os
três são um único Deus, porque “a fé cristã não abre mão da visão monoteísta.
Deus é um só, ainda que atue como Pai, Filho e Espírito Santo” (BRAKEMEIER,
2010, p. 133).

3 DO SER HUMANO
Visto a grandeza e a complexidade de Deus, surge a dúvida sobre qual
a relação de Deus com o ser humano. Preliminarmente, a resposta é óbvia: o ser
humano é criatura de Deus. Somos a coroa da criação. “Quando contemplo os teus
céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrelas que estabeleceste, que é o homem,
que dele te lembres? E o filho do homem, que o visites? Fizeste-o, no entanto, por
um pouco, menor do que Deus e de glória e honra o coroaste” (BÍBLIA SAGRADA,
Sl. 8.3-5). De fato, comparando com o universo, o homem é um grão de poeira,
ínfimo e irrelevante. Ainda assim, Deus, com toda a sua majestade e magnificência,
estabelece uma relação próxima com o ser humano, a ponto de o visitar e gerir
com sua providência a nossa vida, dando a nossa espécie uma honra especial.

Nossa estrutura biológica nos coloca no patamar de animais; na escola,


aprendemos que somos mamíferos e que, como todos os seres vivos, sofremos
alterações e adaptações com o passar do tempo. O Darwinismo oferece explicações
biológicas para o que somos enquanto espécie animal. Nesse sentido, as

135
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

proposições de Charles Darwin – muito incompreendidas por fundamentalistas


cristãos – ofereceram pistas importantes a respeito do homem natural, pois
tal conhecimento ajuda a compreendermos melhor nossa relação com o nosso
Criador – e, como criaturas, estamos inseridos “no conjunto dos demais seres da
natureza” (BRAKEMEIER, 2010, p. 51). Mesmo assim, somos mais do que meros
animais. Contudo, o Darwinismo não trata, nem tem a intenção de tratar, da
nobreza e da singularidade do ser humano, a partir da sua qualidade de pessoa.
É aqui que a teologia, perante a Bíblia, oferecerá uma maior elaboração do que
constitui o ser humano enquanto criatura de Deus.

3.1 IMAGO DEI


A dignidade e a singularidade humana consistem, segundo a Bíblia
Sagrada (Gn. 1.27-28):

Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança;


tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus,
sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis
que rastejam pela terra. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à
imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.

O ser humano é imagem de Deus. Este conceito de imagem de Deus,


ou em latim, imago dei, é fundamental para entendermos a relação Deus/homem
sob o ponto de vista teológico. Apesar do texto não definir exatamente no que
consiste a imago dei, podemos explicitar algumas coisas. O comentário da Bíblia de
Jerusalém indica que imagem e semelhança podem significar que, por ser dotado
de inteligência e racionalidade, o ser humano pode relacionar-se com Deus; ou
também pode significar que a imagem e semelhança implica o poder recebido
por Deus para dominar sobre outros seres vivos (BÍBLIA DE JERUSALÉM,
2002, p. 34).

No entanto, não devemos entender a imago dei como semelhança física


para com Deus. Não reside aqui o sentido da imagem e semelhança. Deus é
espírito e, portanto, não possui forma corpórea – mesmo que, em vários textos,
haja uma antropoformização de Deus, isso acontece para que o ser humano
entenda sua relação de Deus conforme seus próprios meios e limitações. A única
forma corpórea que Deus assume é na pessoa de Jesus Cristo, quando o Deus
encarnado se faz como nós para se relacionar conosco de maneira ímpar.

136
TÓPICO 1 — AS ESCRITURAS COMO FUNDAMENTO TEOLÓGICO

FIGURA 2 – A CRIAÇÃO DE ADÃO, DE MICHELANGELO

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Cria%C3%A7%C3%A3o_de_Ad%C3%A3o>.
Acesso em: 14 dez. 2020.

Haarbeck (1987, p. 52) considera que a imagem de Deus consiste no fato


de Deus ter soprado no homem o seu espírito, o sopro de vida, “ou seja, a imagem
de Deus no homem consiste na natureza interior, espiritual, correspondente à
natureza de Deus; pois Deus é espírito”. A imagem de Deus não é, pois, uma
qualidade externa de semelhança física, mas uma qualidade interna, espiritual.
Tal qualidade faz uma conexão especial para com Deus e o transforma na coroa
da criação. Nesse sentido, Brakemeier (2010, p. 53) afirma que:

Conforme a Bíblia, a nobreza do ser humano consiste essencialmente


em ter sido criado à imagem e semelhança de Deus (Gn. 1.26s). Está aí
o que o transforma de um simples animal num ser humano. Homem e
mulher compartilham esse distintivo, valendo o mesmo para as raças
e as culturas. A imagem de Deus foi gravada no ser humano antes de
qualquer diferenciação da espécie. Ela não quebra a solidariedade com
as demais criaturas. O ser humano permanece inserido na biosfera
como uma das muitas espécies que povoam o planeta. A Bíblia não o
diviniza, pois como imagem ele não é igual a Deus. E, todavia, foi-lhe
reservada a honra de uma singular proximidade a ele. Em que consiste
a característica da imagem? Certamente pode-se pensar na capacidade
criativa do ser humano, em sua liberdade, na autoconsciência. Mas há
que se tomar cuidado com isso. Não se permite identificar qualidades
tipicamente divinas no ser humano, para daí tirar conclusões sobre o
ser do próprio Deus. O ser humano não é Deus e Deus não é um ser
humano. Há, isto sim, uma relação estreita de parte a parte.

Tanto Haarbeck (1987) quanto Brakemeier (2010) concordam que a imagem


de Deus designa uma qualidade interna do ser humano, mas que isso não o
diviniza. O ser humano ainda é criatura, ainda é mamífero, ainda está vinculado
à natureza, mas é especial, singular, mais que um mero animal, possuidor de uma
racionalidade distinta, capaz de produzir história e cultura, capaz de se relacionar
com o divino, detentor do espírito de Deus dentro de si. Como imagem divina,
ele é distinto dos demais seres vivos.

137
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

É por isso que o homem é pessoa. Não chamamos animais de pessoas,


pois tal designação remete a um ser singular, com capacidades distintas, traços de
personalidade, um ser político e moral, que tem consciência de si no mundo, ou
seja, é autoconsciente – essas são qualidade do sopro divino que deu vida ao ser
humano. São qualidades inerentes ao ser que é imagem de Deus.

As palavras hebraicas para imagem e semelhança são, respectivamente,


tselem e demut. O termo tselem significa “imagem”, “estátua”, a representação
de algo externo. Uma possível tradução para imagem e semelhança é também
“estátua semelhante”. Em tempos antigos, era comum um rei distribuir, pelo
reino, estátuas suas como sinal de soberania, para que os moradores, ao verem
a estátua, lembrassem quem era o senhor daquele lugar. O ser humano, nesse
sentido, como imagem de Deus, como estátua semelhante a Deus posta na terra,
tem a essa função representativa. Sobre estes termos originais, Schwambach diz:

Eles não significam só as capacidades espirituais e intelectuais do


ser humano, não se referem primeiramente só ao corpo das pessoas,
mas têm sempre o ser humano como um todo à frente enquanto
corpo, alma e espírito. Eles apresentam o ser humano, por um lado,
como interlocutor de Deus, isto é, como alguém que está numa
relação mútua com Deus. Por outro lado, enfatizam também que o
ser humano é o representante de Deus sobre a terra. O ser humano
é o representante visível e corpóreo do Deus invisível e incorpóreo,
ou seja, um representante adequado do Deus invisível na terra
(SCHWAMBACH, 2008, p. 16, grifo nosso).

Assim, imago dei possui uma função representativa; a imago dei designa uma
missão, que, de acordo com Schwambach (2008, p. 16-17), “consiste em exercer
o domínio de Deus sobre as demais criaturas – o ser humano deve dominar (v.
26b)”. Isso não significa explorar a natureza, segundo nossa própria vontade, mas
cultivar e guardar a criação (BÍBLIA SAGRADA, Gn. 2. 15), ou seja, o ser humano
deve administrar a criação como um embaixador de Deus na terra, sabendo que
todas as suas atitudes representam a Deus e, portanto, o ser humano é chamado a
representar Deus da melhor forma possível. Por isso, mesmo após a queda, como
o ser humano mantém sua posição de representante de Deus na terra, a imagem
de Deus não se perdeu em nós por causa do pecado. A imagem de Deus faz
parte da natureza humana pela criação e não perde a sua funcionalidade, assim,
também, o homem não perdeu a qualidade de imagem de Deus.

3.2 O PECADO
Não podemos falar sobre o ser humano a partir das Escrituras e não
mencionar a questão do pecado. A partir dos eventos narrados na Bíblia Sagrada
sobre a queda do homem (BÍBLIA SAGRADA, Gn. 3), o pecado constitui-se como
parte integrante na natureza humana. A história da queda (BÍBLIA SAGRADA,
Gn. 3) é de desobediência e serve para mostrar que todos os seres humanos
nascem com a condição do pecado.

138
TÓPICO 1 — AS ESCRITURAS COMO FUNDAMENTO TEOLÓGICO

Pecado é a transgressão do mandamento divino, portanto


desobediência. E mais. É usurpação de autoridade divina, resultante
do egocentrismo e do mau desejo (concupiscência), é a falta de fé.
Jesus, no Pai-Nosso, fala em dívidas. Pecador é quem nega a Deus os
legítimos direitos e quem fica em débito com o seu próximo. O pecado
priva Deus e as pessoas daquilo a que têm direito, seja honra, posses,
vida ou qualquer outra coisa. Ele causa estragos que somente o perdão
consegue reparar (BRAKEMEIER, 2010, p. 54).

A partir do relato da queda, a ideia de pecado está presente em todos os


outros relatos bíblicos. A história da Bíblia é a história da luta contra o pecado e
da redenção humana diante de uma realidade que continuadamente o afasta de
Deus. A realidade do pecado pode ser percebida de forma natural no ser humano,
embora possa receber outro nome em círculos não cristãos, mas é pelo testemunho
das Escrituras que nos é revelada a possibilidade de salvação, quitação da dívida
humana e perdão dos pecados, especialmente em Jesus Cristo.

Brakemeier (2010, p. 55) afirma que não devemos entender o relato da


queda como um evento histórico extraordinário. Adão e Eva seriam personagens
corporativos que significam, em hebraico, respectivamente, “humanidade” e
“fertilidade”, ou seja, eles representam toda a humanidade no relato. Ainda assim,
a queda é um evento real que teve seu lugar na história. Em outras palavras, “O
pecado surgiu no exato momento em que o ser humano descobriu a diferença
entre o bem e o mal e se flagrou como culpado. Essa é uma sensação tipicamente
humana, desconhecida do animal, que não possui consciência” (BRAKEMEIER,
2010, p. 55). Nossa própria consciência nos acusa do pecado. Entretanto, a vida
regida pelo pecado pode cauterizar nossa consciência, de maneira que pecamos
e mal percebemos. É por isso que não conseguimos nos livrar dessa natureza, e a
Bíblia aponta para uma salvação externa.

A desobediência se deu pela tentação de ser igual a Deus (BÍBLIA


SAGRADA, Gn. 3.5). No entanto, a consequência da desobediência resultou na
perda da inocência (BÍBLIA SAGRADA, Gn. 3.7) e na morte. Podemos observar
alguns versículos que atestam o pecado humano:

• “Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida


eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (BÍBLIA SAGRADA, Rm. 6.23).
• “Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados
gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus
(BÍBLIA SAGRADA, Rm. 3.23-24).
• “Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas injustiças, como trapo
da imundícia; todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniquidades,
como um vento, nos arrebatam” (BÍBLIA SAGRADA, Is. 64.6).
• “Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mau perante os teus olhos, de
maneira que serás tido por justo no teu falar e puro no teu julgar. Eu nasci da
iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (BÍBLIA SAGRADA, Sl. 51.4-5).
• “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos,
e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e
justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (BÍBLIA
SAGRADA, 1Jo. 1.8-9).
139
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

São inúmeros os textos que falam sobre o pecado humano. Ao olharmos


para o ser humano na Bíblia, vemos a sua condição de criatura, de imagem de
Deus, mas também de pecador. A grande mensagem bíblica é o evangelho, que
é a boa-nova da salvação do pecado e a redenção da humanidade caída – e as
Sagradas Escrituras têm aí o seu fundamento.

4 DE JESUS CRISTO
Jesus é personagem central nas Escrituras Sagradas. Sem Cristo, não há
fé cristã e a teologia cristã perde o seu sentido. A Bíblia deve ser interpretada
com vistas ao evangelho em Jesus Cristo. Conforme Aquino (2013, p. 31), “Falar
de Jesus Cristo é falar do centro das Escrituras. É falar de encarnação, morte e
ressurreição. É trazer à mente o que possibilitou vida, e vida plena. A centralidade
da fé evangélica está na cruz de Cristo”. Aqui, resgatamos um pouco daquilo que
já falamos sobre a Trindade.

Jesus é Filho de Deus. O Credo Niceno-Constantinopolitano, assim como


o Credo Atanasiano, afirma a filiação de Cristo. Jesus Cristo é gerado do Pai e,
por isso, possui os mesmos atributos do Pai. Nesse sentido, Jesus Cristo é Deus,
assim como o Pai é Deus. Alguns afirmam que Jesus tornou-se Filho de Deus por
ocasião do seu batismo, mas isso não é uma verdade, pois Cristo é Filho de Deus
desde a eternidade. Segundo Aquino (2013, p. 32), “O que lemos no credo nada
mais é do que a preservação do que já lemos nas Escrituras. Nelas, Jesus Cristo
é reconhecido como Filho de Deus pelos homens, pelos demônios/Diabo e pelo
próprio Deus”. Como exemplos, podemos destacar os seguintes versículos:

• “Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o
Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre ele. E eis uma voz dos
céus, que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (BÍBLIA
SAGRADA, Mt. 3.16-17).
• “Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou? Respondendo Simão Pedro,
disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (BÍBLIA SAGRADA, Mt. 16.15-16).
• “Exclamando em alta voz: Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo.
Conjuro-te por Deus que não me atormentes” (BÍBLIA SAGRADA, Mc. 5.7).

Gardner (1999) demonstra que Jesus era o único que conhecia


verdadeiramente a vontade do Pai e o único que cumpriu perfeitamente essa
vontade (BÍBLIA SAGRADA, Mt. 11.25-27). Isso só era possível porque os dois
são um. “Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que
eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, faz
as suas obras” (BÍBLIA SAGRADA, Jo. 14.10), ou seja, há uma completa interação
entre o Pai e o Filho, dos quais o Espírito Santo é procedente. No caso da Trindade,
Pai e Filho não devem ser entendidos como uma hierarquia tradicional, mas uma
relação especial de quem divide a mesma substância.

140
TÓPICO 1 — AS ESCRITURAS COMO FUNDAMENTO TEOLÓGICO

4.1 A ENCARNAÇÃO
Conforme Haarbeck (1987, p. 79, grifo nosso), “A natureza divina de
Cristo se mostra já em sua encarnação. Pois esta é, à diferença de todos os outros
nascimentos que normalmente ocorrem na terra, sua livre decisão”. Logo, Deus
assumiu a figura humana, nasceu e viveu entre nós, como parte da sua história
de redenção.

Jesus é o Verbo encarnado: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava


com Deus, e o Verbo era Deus” (BÍBLIA SAGRADA, Jo. 1.1). Outra passagem
da Bíblia atesta que: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça
e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (BÍBLIA
SAGRADA, Jo. 1.14). Ao dizer que Jesus é o verbo que se fez carne, o apóstolo
João quer dizer que Jesus é a própria Palavra de Deus, o logos, a ação criadora
divina, aquele por meio do qual tudo foi feito, o próprio Deus que assumiu a
natureza humana, a fim de permitir que seres humanos pudessem ver a glória de
Deus através de Jesus, como o Filho encarnado. Por isso Jesus diz com segurança:
“quem me vê a mim, vê ao Pai” (BÍBLIA SAGRADA, Jo. 14.9), pois, nesse sentido,
Jesus Cristo é o próprio Deus em figura humana.

Todavia, sendo Deus, isso não significa que Jesus não compartilhava
a nossa natureza humana. Pelo contrário, ele é a perfeita união entre as duas
naturezas, a natureza divina e a natureza humana. Ao falar sobre o evento do
nascimento de Cristo e o anúncio do anjo de Deus, Gardner (1999, p. 328) afirma
que: “O anjo também indicou a divindade de Jesus, quando disse que Ele seria
chamado ‘Emanuel’ – que significa ‘Deus conosco’ (Mt. 1.21). João 1.1-4, 14 mostra
que Jesus era verdadeiramente humano e, ainda assim, preexistente e divino”.
Dessa maneira, a Bíblia é clara ao afirmar as duas naturezas de Cristo.

Afirmar que o Verbo, a segunda pessoa da Trindade, se fez carne,


significa dizer que Jesus foi totalmente humano e totalmente divino,
verdadeiro homem e verdadeiro Deus, mas não 50% humano e 50%
divino, e sim, 100% de cada natureza. Atualmente, isso pode parecer
óbvio para nós, mas saiba que na história da igreja isso gerou muitos
debates (AQUINO, 2013, p. 34).

Os debates em torno disso acontecem pelas expressões da dogmática


cristã, uma vez que a própria Bíblia não utiliza os termos aqui usados. Além
disso, muitas pessoas têm dificuldade em assumir que Deus tenha se tornado
carne, visto que tais pessoas acreditam, erroneamente, que tudo o que é material
é imperfeito e ruim, e que o corpo humano é necessariamente mau e pecaminoso.
Contudo, a Bíblia oferece todo o material para uma interpretação que corrobore
com o que aqui se diz. Por isso, dizemos com segurança que Jesus é 100% Deus e
100% homem – qualidade que apenas ele, entre toda a criação, possui.

141
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

NTE
INTERESSA

Algumas heresias que não enxergam Jesus como Deus ou corpóreo:

• Arianismo: negava que o Filho e o Pai dividiam a mesma substância. Jesus não era visto
como Deus.
• Decetismo: negava a corporeidade de Jesus, que só tinha aparência de corpo, mas era
puro espírito, não possuindo carne ou sangue.
• Apolinarianismo: entende que Jesus tinha apenas um corpo humano, mas uma mente
totalmente divina.

Para Braaten e Jenson (2002, p. 500), “a crítica ao dogma da encarnação é


volumosa e interminável”, mas o que está em jogo nessas críticas não é apenas
o conteúdo das Sagradas Escrituras, mas da própria confissão de fé daquele que
está diante das Escrituras e afirma que a salvação ocorre através de Jesus Cristo,
pois ele une a realidade de Deus com a realidade humana. Por isso, a encarnação
de Cristo apresenta o conteúdo do evangelho, e “a fórmula ‘uma pessoa em duas
naturezas’ preservou a mensagem bíblica central na igreja de que a salvação
vem do encontro com o verdadeiro Deus no homem Jesus Cristo” (BRAATEN;
JENSON, 2002, p. 483).

A pessoa central nas Escrituras, Jesus Cristo, é, pois, Deus encarnado,


e daí resulta o evangelho. “Ao afirmar as naturezas divina e humana, bem
como atributos divinos e humanos, a respeito do Senhor único Jesus Cristo,
estamos dando expressão ao conhecimento da fé de que Deus entrou na história
como o poder de salvação final da humanidade e do cosmo” (BRAATEN;
JENSON, 2002, p. 500).

A verdade da encarnação é que Deus assumiu uma realidade


verdadeiramente humana, de modo que, em Jesus Cristo, ele está em
ambos os lados do limite que separa o Criador da criação. A confissão
de que Jesus, em sua pessoa, é verdadeiramente Deus significa que
a palavra decisiva e final de Deus para o mundo foi comunicada
uma vez por todas em sua Palavra feita carne (BRAATEN; JENSON,
2002, p. 512).

Portanto, o Messias, apresentado pelas escrituras, não é mero homem, e


a salvação da humanidade não se deu pelo sacrifício meramente humano, mas
o Messias, Jesus Cristo, é também homem, enquanto permanece, ao mesmo
tempo, sendo Deus. A redenção humana deriva dessa união de naturezas.
Esse é um pressuposto hermenêutico que deve estar presente na leitura e na
interpretação bíblica.

142
TÓPICO 1 — AS ESCRITURAS COMO FUNDAMENTO TEOLÓGICO

4.2 O SACRIFÍCIO NA CRUZ


A cruz é o maior símbolo do Cristianismo, pois adorna o altar de quase
todas as igrejas cristãs. Aquino (2013) demonstra que, de todos os possíveis
instrumentos e objetos que poderiam ser usados para representar a fé cristã como
símbolo, a cruz foi a escolhida. A cruz era um instrumento comum de tortura e
execução – lembrar disso pode fazer com que a escolha da cruz como símbolo soe
demasiadamente mórbida, mas, a partir de Jesus Cristo, a cruz foi ressignificada,
pois, para a igreja, o sacrifício nela realizado trouxe vida e salvação para a
humanidade. Mesmo que seja um símbolo da fé cristã, a crucificação de Jesus foi
um evento histórico:

A crucificação de Jesus foi um acontecimento histórico, o resultado


de um julgamento político em que todos os poderes do establishment
conspiraram para levar um homem inocente à morte. No entanto, ela
foi mais do que um acontecimento da história passada com efeitos
de ondulações sobre o curso subsequente da história do mundo. A
historicidade da cruz de Jesus tem que ser mantida contra toda e
qualquer possível tendência de dissolver seu caráter definitivo numa
interpretação existencialista que acentue sua qualidade intemporal
como possibilidade sempre presente de autocompreensão (BRAATEN;
JENSON, 2002, p. 530-531).

A crucificação de Jesus não é, pois, uma metáfora, mas um evento


factual, cujo resultado é definitivo – não à morte de Jesus, mas aquilo que ela
representou: a salvação. Por isso, a crucificação aconteceu apenas uma vez, não
sendo necessário novo sacrifício. Foi um evento passado real e definitivo para
todas as eras, a verdadeira expiação dos pecados da humanidade.

FIGURA 3 – CRUZES DA IGREJA DE ALDACHILDO

FONTE: <https://viramundoemundovirado.com.br/chiloe-e-a-graca-singular-de-suas-
igrejas-de-madeira/>. Acesso em: 16 dez. 2020.

143
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

A crucificação de Jesus é, portanto, peça central do evangelho. Todos os


evangelhos relatam o ocorrido, assim como o que se segue. Foi um espetáculo e
muitos se reuniram para assistir. No entanto, segundo a Bíblia, o sacrifício de
Jesus não foi um evento aleatório, mas o plano de Deus para a redenção da
humanidade: “Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, ali o crucificaram,
bem como aos malfeitores, um à direita, outro à esquerda. Contudo, Jesus dizia:
Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (BÍBLIA SAGRADA, Lc. 23.33-
34a). Ora, se Jesus é capaz de perdoar aqueles que cometiam tal barbárie contra o
próprio Deus, quanto mais perdoará a humanidade de forma geral.

Assim, na cruz, Jesus tomou toda a nossa culpa sobre si, identificado
sobremaneira com a humanidade. Em vista disso, Haarbeck (1987, p. 91) afirma que:

Ao identificar-se, em obediência e amor, com a humanidade culpada,


Jesus passou a ser, ao mesmo tempo, objeto tanto do agrado quanto do
castigo de Deus. Objeto do agrado divino por causa de sua obediência,
pois “se entregou a si mesmo por nós como oferta e sacrifício a Deus,
em aroma suave” (Efésios 5.2). Objeto de castigo divino por causa de
seu papel como substituto da humanidade; pois o juízo caía agora,
não sobre os milhões de pecadores, mas sobre aquele que se colocara
no lugar deles.

Pode parecer estranho ter uma fé na qual o próprio Deus é torturado,


pregado numa cruz e morto. No entanto, Aquino (2013) lembra muito bem
que o apóstolo Paulo não via nisso nenhuma vergonha: “Mas nós pregamos a
Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios” (BÍBLIA
SAGRADA, 1Co. 1.23). Para os cristãos, a crucificação tem o sentido de sacrifício
para a expiação dos pecados, a fim de compreendermos o perdão e a graça de
Deus. Para o Cristianismo, a crucificação não é escândalo nem loucura, mas
parte da história redentora de Deus. “Contudo, apesar de ser o centro, não é a
totalidade dessa obra” (AQUINO, 2013, p. 47). A obra redentora só se certifica
pela ressurreição que segue a crucificação.

4.3 A RESSURREIÇÃO
A ressurreição testifica a obra de Jesus como absolutamente verdadeira.
Apesar de muitos duvidarem de tal feito milagroso, a Bíblia afirma que houve
várias testemunhas oculares de Jesus vivo após ter sido sepultado. Sem a
ressurreição, a fé cristã é vã. Logo, a Páscoa é a maior festa cristã e, por isso, não
podemos olhar para a obra de Cristo sem um olhar geral para a sua obra. Não é
possível falar do nascimento de Jesus sem falar da morte, da mesma forma que
não é possível falar da morte sem falar da ressurreição. O apóstolo Paulo faz uma
longa explicação sobre a ressurreição na primeira carta à igreja em Corinto, da
qual podemos destacar dois textos:

144
TÓPICO 1 — AS ESCRITURAS COMO FUNDAMENTO TEOLÓGICO

• “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos
pecados. E ainda mais: os que dormiram em Cristo pereceram. Se a nossa
esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de
todos os homens” (BÍBLIA SAGRADA, 2Co. 15.17-19).
• “Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que
dormem. Visto que a morte veio por um homem, também por um homem veio
a ressurreição dos mortos. Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim
também todos serão vivificados em Cristo” (BÍBLIA SAGRADA, 2Co. 15.20-22).

Pela ressurreição, Jesus atesta que era verdadeiramente Deus e nos dá


a segurança de que o perdão dos pecados é real. Além disso, a ressurreição de
Cristo abre a possibilidade da ressurreição humana, ou seja, Jesus demonstra que
existe, sim, vida após a morte – e essa vida nos estará disponível também. Nas
palavras de Aquino (2013, p. 49), “Ao aniquilar o poder da morte, a vida eterna se
torna possível àqueles que renascerem em Cristo”.

Sem a ressurreição, tampouco a igreja despertaria. Foi pela ressurreição


que toda a ação da igreja primitiva iniciou. Se, hoje, a igreja permanece é porque
Cristo ressuscitou dos mortos. Nesse sentido:

Além de ser a mola propulsora da missão da igreja, a ressurreição


de Cristo é um fato importante, pois, dentre muitos motivos, destaco
três: primeiro, Ele não voltou simplesmente dos mortos, como outros
antes d’Ele. Lázaro foi trazido dos mortos, mas envelheceu e morreu.
Cristo ressuscitou e não morreu mais, vive sentado à destra de Deus;
segundo, Sua morte seguida da ressurreição foi a derrota do poder
da morte, ela não dá mais a palavra final; e, terceiro, Sua ressurreição
livra da morte eterna aqueles que n’Ele creem, ou seja, os fiéis viverão
para sempre na presença manifesta de Deus (AQUINO, 2013, p. 48).

Assim, se a ressurreição de Jesus Cristo aponta para eventos futuros no


pós-vida, podemos dizer que a ressurreição tem um sentido escatológico. Cristo
não derrotou o poder da morte só para ele, mas nos agraciou com o mesmo
conceito de que a morte não é o evento final; algo nos espera depois disso. Braaten
e Jenson (2002, p. 535) afirmam que “o cristianismo está baseado no evangelho da
ressurreição de Jesus de Nazaré, porque, nesse acontecimento, Deus vindicou a
reivindicação de Jesus de ser o representante primordial de seu reino vindouro”.
Tal reino tem os humanos atingidos por seu amor como súditos. É, pois, a
possibilidade de vida eterna. A igreja tem a missão de anunciar exatamente isso.
As Sagradas Escrituras apresentam essa história completa da salvação humana,
que inicia na criação do mundo e termina na eternidade. A veracidade da obra
salvífica, encontrada na Bíblia, é testificada pela ressurreição.

145
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

No entanto, a Bíblia não explica como a ressurreição se deu de fato. Não


sabemos o que aconteceu dentro do túmulo depois do sepultamento. Sabemos
apenas que um anjo se apresentou no túmulo para Maria Madalena e para a mãe
de Jesus dizendo: “Não temais; porque sei que buscais Jesus, que foi crucificado.
Ele não está aqui; ressuscitou, como tinha dito. Vinde ver onde ele jazia” (BÍBLIA
SAGRADA, Mt. 28.5b-6). Esse poder de Deus é um grande mistério. Todavia, é
fato que Jesus se apresentou depois para todos os seus discípulos e muitas outras
pessoas, tendo permanecido na terra por mais 40 dias, ascendeu aos céus para
ficar no seu lugar de direito: junto ao Pai.

Assim, tendo essa visão geral do conteúdo bíblico a partir de Deus, do


homem e de Jesus Cristo, podemos avançar para uma reflexão teológica mais
profunda das Sagradas Escrituras.

146
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Deus é pressuposto na Bíblia e sua existência não tenta ser provada. Ainda
assim, a total compreensão do Deus absoluto é impossível, pois Deus é infinito,
com infinitos atributos.

• Teologicamente, os principais argumentos a favor da existência de Deus são:


argumento ontológico, argumento cosmológico, argumento teleológico e
argumento moral.

• Deus possui diversos atributos, como eternidade, onipotência, onipresença,


onisciência, autossuficiência, amor, misericórdia, fidelidade, justiça e santidade.

• Deus é triúno, ou seja, manifesta-se em três pessoas que compõem um só Deus


indivisível, a saber: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Todos dividem a mesma
substância – não são três deuses, mas um só Deus.

• O ser humano é a coroa da criação. Ele é a imagem de Deus, distinguindo-se


dos outros animais. Como imagem de Deus, o ser humano tem a missão de
guardar a terra e representar a Deus perante toda a criação.

• O pecado constitui-se como parte integrante da natureza humana; é a


desobediência humana que se deu pela tentação humana de ser igual a Deus.

• Jesus Cristo é figura central nas Sagradas Escrituras. Ele é o Filho de Deus, o
verbo encarnado, sendo totalmente homem e totalmente Deus.

• Jesus Cristo sacrificou a si mesmo na cruz como expiação pelos pecados


humanos. Ele morreu, mas ressuscitou no terceiro dia, atestando seu poder
contra a morte e dando, aos seres humanos, a possibilidade de vida eterna.

147
AUTOATIVIDADE

1 Tudo aquilo que sabemos de Deus foi Ele mesmo que revelou. Além disso,
não há provas da sua existência. Disserte sobre o que podemos conhecer de
Deus mediante as Escrituras.

2 A ressurreição é o maior evento dentro da história da redenção do ser


humano. Qual é a real importância da ressurreição de Cristo apresentada
na Bíblia?

3 Apesar de não conseguirmos conhecer Deus na sua totalidade, a sua


autorrevelação permite conhecermos alguns dos seus atributos. A Bíblia
revela uma série de atributos divinos, que são qualidades inerentes ao caráter
de Deus – além de serem absolutas, assim como Deus é absoluto. Sobre
alguns dos atributos que Deus possui, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Eternidade, beleza, onipresença e amor.


b) ( ) Misericórdia, onipotência, fidelidade e pobreza.
c) ( ) Amor, santidade, eternidade e onisciência.
d) ( ) Paixão, autossuficiência, justiça e fidelidade.

4 A doutrina da Trindade afirma que Deus se apresenta como Pai, Filho e


Espírito Santo. Assim, entende que Deus é composto por três pessoas em
uma única substância. O Credo Atanasiano destaca-se pela sua explicação
sobre o conceito de Trindade. Considerando o Credo Atanasiano, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) O Pai por ninguém foi feito. O Filho é criado pelo Pai. O Espírito Santo
é procedente do Pai e do Filho.
b) ( ) O Pai por ninguém foi feito. O Filho é gerado pelo Pai. O Espírito Santo
é procedente do Pai e do Filho.
c) ( ) O Pai é feito pelo Filho e pelo Espírito. O Filho é criado pelo Pai. O
Espírito Santo é gerado pelo Filho.
d) ( ) O Pai não é feito pelo Filho e pelo Espírito. Mas o Filho é criado pelo
Pai. E o Espírito Santo é gerado pelo Filho.

5 Um versículo muito importante para entendermos o conceito de encarnação


é “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”
(BÍBLIA SAGRADA, Jo. 1.1). Esse conceito diz respeito a pessoa de Jesus, como
o Deus encarnado, que teria duas naturezas, uma humana e outra divina.
Sobre a encarnação de Jesus, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Jesus é 50% Deus e 50% homem.


b) ( ) Jesus é um espectro, não possuindo carne ou sangue.
c) ( ) Jesus é o verbo que se fez carne e abandonou a divindade.
d) ( ) Jesus é 100% homem e 100% Deus.

148
TÓPICO 2 —
UNIDADE 3

A REFLEXÃO A PARTIR DAS ESCRITURAS

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, abordaremos algumas questões estimuladas pelo
aprendizado das Sagradas Escrituras, a fim de refletirmos sobre assuntos que
surgem no contato com a Palavra de Deus. A Bíblia é um livro distinto de
qualquer outro, é um documento histórico, mas que, acima de tudo, é revelação
de Deus para nós e fala ativamente e guia a cristandade no caminho que se deve
seguir. A Bíblia oferece reflexões quase intermináveis – e, neste tópico, a ideia é
discutirmos tais reflexões.

Ao lermos a Bíblia, podemos nos deparar com perguntas acerca da


veracidade de certos eventos e questionar a respeito do uso da razão na prática da
fé cristã. Bíblia, fé e razão são assuntos correlacionados que devem ser discutidos.
Além disso, devemos constantemente reforçar a necessidade de reconhecermos
a importância da Bíblia para o cristão hoje. Muitos ainda pensam que a Bíblia é
irrelevante, mas uma séria reflexão sobre esse assunto mostrará que o contrário
é verdadeiro.

Também devemos refletir sobre a melhor forma de leitura desse livro


tão singular. Existem várias possibilidades diferentes de leitura da Bíblia,
com enfoques distintos. Por isso, devemos considerar a importância da tarefa
exegética e hermenêutica para interpretarmos corretamente as Escrituras. Por
fim, abordaremos como a Bíblia é vista no mundo contemporâneo e globalizado
e se ela ainda sustenta a sua relevância.

2 BÍBLIA, FÉ E RAZÃO
Ao ler a Bíblia, não se trata da leitura de mera mitologia ou algum livro
de fantasia, mas de um documento histórico que apresenta a fé no Deus que se
autorrevela, pois Ele mesmo o inspira. Por apresentar a história da salvação da
humanidade, acabou por se tornar fundamento da religião cristã. Há quem diga
que a Bíblia contém mitos, uma vez que mitos são histórias de deuses, nas quais
estes são os protagonistas. Contudo, como Schmidt (1994) deixa claro, o Antigo
Testamento – assim como o Novo Testamento – ou seja, a Bíblia, não desenvolve
os mitos. Ainda assim, isso pouco importa nesse momento, visto que, nesse caso,
o termo mito é usado para destacar um estilo literário. Não significa, portanto,
que a história bíblica seja uma ficção fantasiosa.

149
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

No entanto, muitas pessoas têm dificuldade com a Bíblia justamente por


ela parecer fantasiosa em muitos momentos. No mundo moderno positivista e
mecanicista, que exige provas científicas e funcionalidade para tudo, é difícil, por
exemplo, lidar com os milagres apresentados nas Escrituras. Milagre significa
um acontecimento extraordinário, que não pode ser explicado pelas leis naturais.
Deus, por seus atributos divinos, mostra-se acima das leis naturais, criadas por Ele
e, por isso, milagres são aspectos da sua autorrevelação. Há diversos milagres na
Bíblia e ela atesta isso com certa frequência, como podemos observar em alguns
versículos:

• “Disse o Senhor a Moisés: “Vai ter com Faraó, porque lhe endureci o coração
e o coração de seus oficiais, para que eu faça estes meus sinais no meio deles,
e para que contes a teus filhos e aos filhos de teus filhos como zombei dos
egípcios e quantos prodígios fiz no meio deles, e para saibais que eu sou o
Senhor” (BÍBLIA SAGRADA, Êx. 10.1-2).
• “Tu és o Deus que realiza milagres; mostras o teu poder entre os povos”
(BÍBLIA SAGRADA, Sl. 77.14).
• “Jesus realizou na presença dos seus discípulos muitos outros sinais milagrosos,
que não estão registrados neste livro. Mas estes foram escritos para que vocês
creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e, crendo, tenham vida em seu
nome” (BÍBLIA SAGRADA, Jo. 20.30-31).
• “Varões israelitas, atendei a estas palavras: Jesus, o Nazareno, varão aprovado
por Deus diante de vós com milagres, prodígios e sinais, os quais o próprio
Deus realizou por intermédio dele entre vós, como vós mesmos sabeis” (BÍBLIA
SAGRADA, At. 2.22).

Se um milagre não for sobrenatural, ele deixa de ser milagre. Como


explicar, pois, a divisão do mar quando os israelitas fugiram do Egito? Como
explicar a fala da jumenta de Balaão ou o caso dos três hebreus sobreviventes na
fornalha de fogo? Como explicar a cura do paralítico no poço ou a multiplicação
dos pães? Para os céticos, esses casos são meras invenções. A fé é vista como piada,
por não estar de acordo com a razão, porém não é bem assim. Como veremos, a
fé e a razão não se excluem.

Para compreendermos isso, é importante atentarmos para o pensamento


da filosofia patrística, especialmente nas pessoas de Agostinho de Hipona e Tomás
de Aquino, pois ambos foram largamente responsáveis por difundir o pensamento
cristão na Europa e por dar robustez à teologia medieval. Agostinho de Hipona
(354-430) é conhecido por sua célebre frase “é preciso crer para compreender
e compreender para crer”. Com isso, Agostinho expunha a necessidade de
aproximarmos fé e razão. Conforme Costa (2019), essa necessidade se deu pela
dificuldade de conciliação dos pensamentos judaico-cristãos e greco-romanos.
No entanto, a reflexão patrística buscou aproximar as noções de logos filosófico,
enquanto lógica reflexiva, e o logos divino, enquanto Palavra de Deus encarnada
no verbo expresso na Bíblia. Ao expor o pensamento de Agostinho de Hipona,
Costa (2019, p. 30) diz:

150
TÓPICO 2 — A REFLEXÃO A PARTIR DAS ESCRITURAS

A razão é o meio ou a mediadora entre o nosso sentido interior


(alma) e as Verdades eternas, imutáveis e universais, pois sendo os
seres humanos mutáveis não podem conhecer por um contato direto
as Verdades eternas, mas só por mediações, por “leis” ou “normas”
racionais. A estas Verdades imutáveis, universais e eternas, Agostinho
dá o nome de species, que são as ideias, formas, exemplares ou
arquétipos presentes na Mente divina, ou em Deus, a partir das quais
foram e serão formados todos os seres.

Portanto, a racionalidade humana é o instrumento pelo qual


compreendemos a verdade divina revelada. Sem a razão, não seríamos capazes
de entender a Bíblia nem de ter fé. Por isso, fé e razão andam juntas e não são
antagônicas, pois ambas são necessárias no exercício da leitura bíblica.

Já em Tomás de Aquino (1224-1274), Rossatto (2019, p. 125) afirma que


a harmonia entre razão e fé não ocorre sem que a razão esteja subordinada à fé.
“A filosofia é serva da teologia” é o dito medieval que corrobora com a visão de
Tomás de Aquino, um renomado teólogo que procurava provar a existência de
Deus e atestar a fé católica como a única verdadeira religião. Ele usou a filosofia
– especialmente Aristóteles – para, com o testemunho bíblico, determinar a
veracidade dos seus pensamentos, pois promover a harmonia entre fé e razão
era deveras importante, para ser possível chegar a um conhecimento de Deus
mais elevado.

Tomás entende que o conhecimento humano está hierarquizado por


três graus. O primeiro é o conhecimento racional que, como vimos,
parte das criaturas (por ex.: as cinco vias) e chega à demonstração da
primeira causa identificada com Deus. Por meio deste procedimento,
partimos da compreensão e chegamos às verdades reveladas. O
segundo grau sobrepassa o conhecimento racional. Trata-se do
conhecimento revelado, o qual toma como ponto de partida a crença
e daí se chega a uma maior clareza mediante o uso da razão. Por fim,
o terceiro grau do conhecimento, não tratado até aqui, diz respeito à
perfeita contemplação das coisas do mundo e das verdades reveladas,
em que haveria plena circularidade entre crer e compreender
(ROSSATTO, 2019, p. 146).

Assim, no estudo das Sagradas Escrituras e do conteúdo revelado,


devemos procurar essa circularidade plena entre crer e compreender, fé e razão.
O conhecimento humano não deve ser posto de lado diante dos assuntos da fé,
pelo contrário, deve ser entendido como um presente de Deus, para que possamos
estudar a sua Palavra e contemplar as verdades divinas.

2.1 CRER É TAMBÉM PENSAR


John Stott (1921-2011), no seu célebre livro Crer é Também Pensar, expõe, de
maneira acusatória, uma espécie de anti-intelectualismo por parte da cristandade,
como forma de evitar uma fé fria e apática, mas que, como resultado, traz um

151
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

cristianismo tolo. No entanto, Stott aponta para uma realidade básica descrita
nas Sagradas Escrituras: a que o ser humano foi criado por Deus como um ser
racional. “Esta racionalidade básica do homem, por criação, é admitida em toda
a Escritura” (STOTT, 1997, p. 9).

Quando Deus se revelou à humanidade, ele o fez usando artifícios que


pudessem ser percebidos por nós. Utilizou palavras, imagens e sinais. Essa
percepção aconteceu por meio da nossa mente. Ainda assim, pela infinitude divina,
a revelação de Deus está coberta de mistérios. A mente humana naturalmente
procura compreender os mistérios de Deus. A revelação de Deus expressa nas
Escrituras é retida pelo uso do pensamento, da mente, da racionalidade que
transforma a leitura bíblica em conhecimento de Deus.

Deus se revelou por intermédio de palavras às mentes humanas. Sua


revelação é uma revelação racional a criaturas racionais. Nosso dever
é receber a sua mensagem, submetermo-nos a ela, esforçarmo-nos
por compreendê-la e relacionarmo-la com o mundo em que vivemos.
O fato de que Deus precisa tomar a iniciativa para revelar-se a nós
mostra-nos que nossas mentes são finitas e decaídas; por Ele preferir
revelar-se às criancinhas, vemos que temos de nos humilhar para
recebermos sua Palavra; o mero fato de que se revelou, por meio
de palavras, mostra-nos que nossas mentes são capacitadas para
o entendimento. Uma das mais elevadas e mais nobres funções da
mente humana é ouvir a Palavra de Deus, e assim ler a mente de Deus
e pensar conforme os seus pensamentos, tanto pela natureza como
pela Escritura. Atrevo-me a dizer que quando falhamos no uso das
nossas mentes e descemos ao nível dos animais, Deus se dirige a nós,
como fez a Jó quando o encontrou enchafurdado em autopiedade,
insensatez e lamentações amargas: “Cinge agora os teus lombos como
homem; eu te perguntarei e tu me responderás” (STOTT, 1997, p. 13).

Assim, Stott demonstra que a revelação de Deus, seja a revelação geral


pela natureza, seja a revelação específica da sua Palavra expressa nas Escrituras,
é percebida por nós por meio da mente humana, do pensamento racional criado
por Deus e dado a nós como um presente que possibilita o relacionamento como
o Deus assim revelado. Logo, “Subestimar a mente é soterrar doutrinas cristãs
fundamentais. Deus nos criou seres racionais; será justo negarmos a humanidade
que Ele nos deu?” (STOTT, 1997, p. 17). Nesse sentido, bibliologia é o estudo
das Escrituras Sagradas por meio dos artifícios intelectuais dados por Deus a
nós. Não é possível estudar a Bíblia de forma impensada. Cada linha deve ser
perscrutada pela nossa mente.

Desse modo, destacamos alguns versículos que incentivam a racionalidade:

• “Deveras o meu povo está louco, já não me conhece; são filhos néscios, e não
entendidos” (BÍBLIA SAGRADA, Jr. 4.22).
• “O meu povo foi destruído, porque lhe falta conhecimento; porque tu rejeitaste
o conhecimento, também eu te rejeitarei” (BÍBLIA SAGRADA, Os. 4.6a).

152
TÓPICO 2 — A REFLEXÃO A PARTIR DAS ESCRITURAS

• “Se buscares a sabedoria como a prata e como a tesouros escondidos a


procurares, então, entenderás o temor do Senhor e acharás o conhecimento de
Deus” (BÍBLIA SAGRADA, Pv. 2.4-5).
• “Por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé
a virtude; com a virtude, o conhecimento” (BÍBLIA SAGRADA, 2Pe. 1.5).
• “Por esta razão, também nós, desde o dia em que o ouvimos, não cessamos
de orar por vós e de pedir que transbordeis de pleno conhecimento da sua
vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual; a fim de viverdes
de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado, frutificando em toda
boa obra e crescendo no pleno conhecimento de Deus” (BÍBLIA SAGRADA,
Cl. 1.9-10).

Dessa maneira, a razão humana serve a fé e promove o verdadeiro


conhecimento de Deus. A própria Palavra de Deus manifesta a importância de
buscarmos o entendimento, a sabedoria, a instrução, por isso Stott (1997, p. 17)
afirma que “Em vista destas doutrinas, não é de se surpreender a descoberta de
quantas ênfases a Escritura – tanto no Velho como no Novo Testamento – coloca
na obtenção de conhecimento e sabedoria”.

DICAS

Vale a pena ler o livro Crer É Também Pensar, de John Stott, pois ainda é muito
atual e está disponível em várias livrarias cristãs.

3 A IMPORTÂNCIA DA BÍBLIA
A Bíblia é o livro mais vendido, mais lido e mais traduzido da história. Isso
só acontece devido ao valor que as pessoas dão às Sagradas Escrituras. Contudo,
ela não contém apenas valor histórico – motivo pelo qual muitos não cristãos
também valorizam e leem a Bíblia –, mas contém um valor que deriva da sua
sacralidade. A Bíblia é vista como Palavra de Deus, ou seja, a forma como Deus
se comunica conosco. Isso coloca a Bíblia como documento base da igreja cristã.
Como diz Jochen Eber (1995, p. 179), “a Bíblia é a Palavra de Deus, e como Palavra
de Deus ela é a base e norma para a doutrina e a vida da igreja”.

É a Bíblia que regulamenta a vida eclesiástica, bem como todas as


doutrinas e tradições da igreja. Tendo em vista que há muitas doutrinas e tradições,
em decorrência da diversidade de denominações cristãs, é a Bíblia que surge
como norma regulamentadora das doutrinas e das tradições, pois, se as Sagradas
Escrituras são norma de fé, nenhuma doutrina ou tradição deve ultrapassar o
que a Bíblia ensina. Essas normas subsequentes da igreja devem ser examinadas
criticamente com base nas Escrituras.

153
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

De forma geral, podemos dizer que a Bíblia é importante porque:

• é voz de Deus para a humanidade;


• revela a Jesus Cristo e a história da redenção;
• regulamenta a fé cristã;
• auxilia o ser humano na vida cotidiana com sua sabedoria.

Em função de tudo isso, a Bíblia tem desempenhado um papel fundamental


na história humana. Sua influência alcança diversas culturas e ela tem sido, muitas
vezes, apresentada não apenas como um documento de normas eclesiásticas, mas
como um manual da vida.

Assim, no Quadro 1, podemos observar alguns enfoques que a Bíblia traz


sobre si mesma para determinarmos especificamente sua importância para nós.

QUADRO 1 – A IMPORTÂNCIA DA BÍBLIA

Em primeiro lugar, a Bíblia ilumina a vida do


homem, mostrando-lhe a direção em que deve “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e
caminhar na vida. A Palavra de Deus é, portanto, luz para os meus caminhos” (Sl. 119.105).
um guia eficaz.
A Bíblia é o alimento para a alma. Ela nos
faz crescer espiritualmente e nos fortalece “Não só de pão viverá o homem, mas de toda
interiormente. Assim como o pão é alimento palavra que procede da boca de Deus”
para o corpo, a Palavra de Deus é alimento para (Mt. 4.4).
a alma.
Para ministro, obreiro e atuantes no serviço do
“Procura apresentar-te a Deus aprovado,
Reino de Deus, a Bíblia é o único manual. Ela
como obreiro que não tem de que se
serve para apresentar a verdade e o seu correto
envergonhar, que maneja bem a palavra da
manejo é fundamental para o testemunho
verdade” (2Tm 2.15).
cristão.
As Sagradas Escrituras fornecem uma armadura
de proteção e armas para o ataque contra os “Tomai também o capacete da salvação e a
males do mundo. Aquele que está em posse da espada do Espírito, que é a palavra de Deus”
Palavra de Deus e a usa corretamente nunca (Ef. 6.17).
estará desprotegido.
A Bíblia oferece a verdadeira riqueza, que
“Para mim vale mais a lei que procede de tua
tesouro nenhum se iguala. Ao oferecer a verdade
boca do que milhares de ouro ou de prata”
e o conhecimento de Deus, a Bíblia concede uma
(Sm. 119.72).
riqueza que não é jamais corrompida.

FONTE: Os autores

Além disso, deve-se destacar o valor inestimável para a cristandade que


é a história da redenção. O Cristianismo acredita que essa história, da morte e
ressurreição de Jesus como expiação pelos nossos pecados, é uma história universal,
ou seja, vale para todo o mundo. Sem isso, não haveria esforço missionário e, sem a
Bíblia, o testemunho dessa história correria sério risco de se perder.

154
TÓPICO 2 — A REFLEXÃO A PARTIR DAS ESCRITURAS

Para o fiel, a Bíblia proporciona fortalecimento da fé: “Buscai no livro


do Senhor e lede: Nenhuma destas criaturas falhará, nem uma nem outra
faltará; porque a boca do Senhor ordenou, e o seu Espírito mesmo as ajuntará”
(BÍBLIA SAGRADA, Is. 34.16). Estar, pois, em contato com as Escrituras é, além
de ordem divina, uma forma de fazer crescer a fé diante da sua volatilidade.
Além disso, a Palavra de Deus fornece alento para a alma. Como diz o profeta
Jeremias: “Achadas as tuas palavras, logo as comi; as tuas palavras me foram
gozo e alegria para o coração, pois pelo teu nome sou chamado, ó Senhor, Deus
dos Exércitos” (BÍBLIA SAGRADA, Jr. 15.16). Dessa forma, examinar a Bíblia
implica relacionar-se com Deus. Ler a Bíblia é uma forma de comunicar-se, de
estar em contato com ele. O profeta Isaías utiliza a figura do “alimentar-se”
da Palavra. Esta Palavra lhe proporcionou uma alegria anímica, pois ele tinha,
então, um relacionamento com Deus, que lhe chamava pelo seu nome. Portanto,
a Bíblia oferece comunhão com Deus.

A Bíblia é, em vista disso, um instrumento na mão de Deus para


chegar mais perto de nós. Ela é expressão da fé cristã e, por isso, não deve ser
negligenciada pelo cristão. Especialmente para o ministro ou para o teólogo, as
Sagradas Escrituras são imprescindíveis, sem as quais eles não podem trabalhar.

DICAS

Em 2015, a rádio IPB entrevistou o pastor Augustos Nicodemus sobre o que é e


qual a importância da Bíblia. Essa entrevista está disponível em vídeo, no canal Em Poucas
Palavras. Acesse: https://youtu.be/qay7S01STYc.

4 COMO LER A BÍBLIA


Por se tratar de uma compilação de livros antigos e distantes, a Bíblia exige
uma leitura diferenciada. Não podemos lê-la como fazemos com um romance,
uma biografia ou um livro didático contemporâneo. Se lermos a Bíblia como
se lê um livro qualquer, ela pode se transformar num livro obscuro e de difícil
compreensão. Entretanto, isso só acontecerá se a lermos levianamente. De acordo
com Fee e Stuart (1997, p. 13), “Concordamos que os cristãos devam aprender a
ler a Bíblia, crer nela, e obedecê-la. E concordamos especialmente que a Bíblia não
precisa ser um livro obscuro, se for corretamente estudada e lida”. Por isso, como
se diz, de forma popular, a Bíblia não deve ser lida, ela deve ser estudada. A
leitura bíblica, portanto, deve ser atenta e perscrutadora, como uma investigação
em busca da verdade. Para Fee e Stuart (1997, p. 11, grifo nosso):

155
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

O estudioso crente insiste que os textos bíblicos primeiramente


significam aquilo que significaram. Ou seja, cremos que a Palavra de
Deus para nós hoje é primeiramente aquilo que Sua Palavra era para
eles. Temos, portanto, duas tarefas: Primeiramente, descobrir o que o
texto significava originalmente, esta tarefa é chamada exegese. Sem
segundo lugar, devemos aprender a escutar esse mesmo significado
na variedade de contextos novos ou diferentes dos nossos próprios
dias; chamamos a esta segunda tarefa de hermenêutica.

Hermenêutica é a teoria da interpretação. Ela abrange a exegese, mas


busca a relevância contemporânea dos textos antigos. Assim, a hermenêutica é a
ferramenta que nos ajuda a compreender o que antigo texto bíblico significa para
nós hoje, levando em conta as particularidades e os desafios contemporâneos.
Logo, não basta ler a Bíblia levianamente, pois as Sagradas Escrituras exigem uma
leitura interpretativa constante. Fee e Stuart (1997) demonstram que, ao olhar
ao nosso redor, nas igrejas, vemos que nem sempre aquilo que deveria ter um
significado claro é realmente claro para todos. Muitos dizem muitas coisas sobre
a Bíblia, e há diversas interpretações, muitas vezes dentro da mesma igreja. Daí,
surge a necessidade de uma correta leitura e de uma boa interpretação, uma vez
que “O alvo da boa interpretação é simples: chegar ao ‘sentido claro do texto’”
(FEE; STUART, 1997, p. 14).

FIGURA 4 – LEITURA BÍBLICA

FONTE: <https://www.provinciadorio.org.br/conteudo/userfiles/homem-lendo-a-biblia.jpg>.
Acesso em: 10 jan. 2021.

A insistência na interpretação bíblica se dá pelo fato de que a Bíblia,


muitas vezes, não oferece seu sentido numa simples leitura. É preciso levar em
conta duas coisas: a natureza humana e a natureza das Escrituras. A natureza
humana é volátil, basta notarmos a constância com a qual mudamos de opinião,
especialmente em assuntos que não examinamos com rigor. Por isso, cada leitura
simplória pode levar a opiniões distintas. Já a natureza da Bíblia reside no fato de
ser Palavra de Deus e possuir relevância atemporal, mas também na sua história,
em que cada livro é um documento histórico condicionado pela cultura e pela
linguagem em que foi escrito. É por esses motivos que a interpretação, a exegese e
a hermenêutica, são tão importantes, pois, como dizem Fee e Stuart (1997, p. 17,
grifo nosso), “A interpretação da Bíblia é exigida pela ‘tensão’ que existe entre sua
relevância eterna e sua particularidade histórica”.

156
TÓPICO 2 — A REFLEXÃO A PARTIR DAS ESCRITURAS

DICAS

Um grande auxílio durante o estudo teológico e do ministério eclesiástico é a


leitura do livro:

FEE, G. D.; STUART, D. Entendes o que lês? Um guia para entender a Bíblia com auxílio da
exegese e da hermenêutica. 2. ed. São Paulo: Vida Nova; 1997.

4.1 EXEGESE
A exegese, como já visto, é o estudo cuidadoso e sistemático das Escrituras.
Seu objetivo é buscar o sentido original do texto bíblico. Segundo Fee e Stuart
(1997, p. 19), a exegese “é a tentativa de escutar a Palavra conforme os destinatários
originais devem tê-la ouvido; descobrir qual era a intenção original das palavras
da Bíblia”. Para isso, um estudo aprofundado é necessário, para buscar conhecer
as particularidades culturais da época e local em que o texto foi escrito. Portanto,
devemos olhar para o contexto histórico e o contexto literário do texto bíblico.

• Contexto histórico: significa atentar para a época em que o texto foi escrito,
ou seja, deve-se investigar a cultura, a política, a geografia e a economia; tudo
aquilo que auxilia o exegeta a compreender como era a vida para o autor
bíblico e para os que receberam seu texto, pois faz uma grande diferença saber
detalhes, como o de Amós ter profetizado depois do exílio, a diferença entre as
cidades de Corinto e Filipos, e como a igreja era afetada por essas diferenças,
saber sobre os costumes nos dias de Jesus para compreender melhor suas
parábolas, saber qual era o real valor de um denário, ou saber quais eram os
povos vizinhos de Israel e quais eram as suas particularidades (FEE; STUART,
1997). Uma boa análise histórica pode trazer luz para muitas questões bíblicas.
• Contexto literário: significa estar atento ao que circunda o texto, ou seja, o texto
em volta do texto. Por exemplo: um versículo tem o seu significado isolado
dos versículos anteriores e posteriores. Na maioria das vezes, os versículos
encontram-se dentro de uma perícope, um texto maior que manifesta a linha
de pensamento do autor. Essa perícope está cercada de outras perícopes e estas
formam um capítulo. Nas Bíblias modernas, as perícopes vêm acompanhadas
de pequenos títulos. Assim, o contexto literário é a análise de todo o texto
que circunda os versículos principais estudados para buscar entender a linha
de pensamento do autor original. Devemos lembrar que, originalmente, não
havia a divisão da Bíblia em capítulos e versículos, por isso cada versículo está
interconectado com os demais.

Essa análise dos contextos é muito importante. Negligenciar esse estudo


é dar chance ao erro, e, no contexto da Palavra de Deus, devemos evitar o erro
com pleno rigor. Não nos cabe usar a Palavra para justificar nossas próprias
opiniões. Por isso, devemos estar atentos à seguinte máxima: texto fora de
contexto é pretexto.
157
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

4.2 HERMENÊUTICA
A hermenêutica, como já visto, procurará a relevância contemporânea do
conteúdo Bíblico, o que ela significa para nós hoje. Ler a Bíblia com esse viés é
dedicar-se a aprender e compreender seu significado, ou seja, um estudar que
segue a exegese. Saber o que a Bíblia significou para os antigos que a receberam
é muito importante, mas, como não vivemos no passado, devemos também nos
empenhar para descobrir o que ela significa aqui e agora. A hermenêutica é uma
forma de atualizar a mesma mensagem antiga para o nosso próprio contexto.
Doutra forma, seria muito difícil para a igreja atual ter a Bíblia como seu guia.

Uma boa tarefa hermenêutica previne que a interpretação bíblica seja


puramente subjetiva, tendo significados diferentes para cada pessoa. Portanto,
a hermenêutica é uma grande forma de combater heresias, em função da sua
preocupação em manter-se fiel ao significado original do texto. Segundo Fee e
Stuart (1997, p. 25), “Insistimos que o significado original do texto – dentro dos
limites da nossa capacidade para discerni-lo – é o ponto objetivo de controle”.
Assim, não interpretaremos a Bíblia conforme o significado que nos agrada, mas
segundo a verdade percebida pelo correto estudo do texto.

É difícil estabelecer regras específicas para a hermenêutica. Dependerá


muito do bom senso e do real estudo do ávido leitor bíblico. No entanto, podemos
introduzir uma chave hermenêutica que abre o texto para uma interpretação
segundo o plano de salvação. A principal chave hermenêutica é Jesus Cristo,
cujo princípio interpretativo é um dos pontos centrais da teologia do reformador
Martinho Lutero. Conforme Enio Mueller (2005, p. 53):

Uma das percepções fundamentais de Lutero foi justamente a


radicalidade com que amarrou o princípio da exclusividade da Bíblia
com Jesus Cristo. Cristo se torna, para ele, princípio, centro e fim
das Escrituras, como aliás de tudo o mais (cf. Romanos 11.36). Isto
certamente tem graves implicações para o modo como se compreende
o papel da Bíblia na igreja e na teologia, e especialmente a maneira
correta de interpretá-la. Cristo é a chave. Desde o começo, tudo tem
sua fonte nele.

Sola scriptura nunca ficará desassociado dos outros solas, especialmente


o sola Christus. Lutero percebe que Jesus Cristo é a razão pela qual as Escrituras
se fazem presentes. Assim, a verdadeira forma de interpretar a Bíblia, de fazer
hermenêutica, é sob a luz de Cristo nas Escrituras. De acordo com Lutero, para
procurar compreender corretamente um texto bíblico, é necessário procurar
na intenção do texto aquilo que promove a Cristo (was Christum treibet). Caso
alguma interpretação não promova a Cristo, então essa interpretação não é
válida. Portanto, Cristo como chave hermenêutica permite olhar para as Sagradas
Escrituras sob a perspectiva histórica da salvação que tem no Deus encarnado sua
principal personagem.

158
TÓPICO 2 — A REFLEXÃO A PARTIR DAS ESCRITURAS

5 DIFERENTES LEITURAS DA BÍBLIA


Segundo Brakemeier (2007, p. 58), “toda interpretação de textos é
‘perspectiva’. Aplica-se isto também à leitura da Bíblia”. Por mais que haja
um esforço por tornar a interpretação da Bíblia o mais objetiva possível,
jamais conseguiremos afastar a subjetividade humana, pois são humanos
que a interpretam. Diferentes pessoas ou diferentes grupos podem olhar para
a Bíblia com olhos diferentes, percebendo características que outras pessoas
não perceberiam. Por isso, podem existir diferentes acessos à Bíblia – a seguir,
apresentaremos oito diferentes acessos, cada qual com suas perspectivas.

5.1 LEITURA LITERAL


A leitura literal, também chamada de literalismo bíblico, entende que o
texto bíblico é claro e que Deus fala para ser entendido. O literalismo bíblico é
uma das formas mais antigas de interpretação bíblica, largamente defendida pela
escola de Antioquia, nos séculos IV e V. Segundo Fee e Stuart (1997, p. 240), durante
esse período, “o sentido literal tinha primazia, e era dele que deviam ser tiradas
lições morais”. Até mesmo Tomás de Aquino, na Idade Média, defendia que o
sentido literal do texto devia ser a base de qualquer outra leitura interpretativa.
Assim, o literalismo bíblico lida com a interpretação da mensagem dos textos
sagrados, buscando, antes de tudo, seu sentido literal e explícito. Muitos adeptos
dessa leitura bíblica adotam o conceito de inerrância das Sagradas Escrituras. De
qualquer maneira, a leitura literal pesquisa o sentido mais óbvio do texto, não
dando margens para alegorizações. Possíveis sentidos simbólicos são deixados
de lado, a menos que sejam evidentes seus significados.

5.2 LEITURA ALEGÓRICA


A leitura alegórica foi bastante difundida na Idade Média, usada por
Jerônimo, Agostinho e outros (FEE; STUART, 1997). Esse método de interpretação
bíblica ultrapassa a literalidade e sugere que o autor quis significar algo além das
palavras escritas. Assim, a leitura alegórica procura, especialmente, uma conexão
entre os versículos e a realidade presente daquele que lê, como se o texto fosse
pensado nos eventos da contemporaneidade. Portanto, mesmo que o texto bíblico
seja um produto histórico do passado, com a alegoria busca-se um sentido para hoje.

5.3 LEITURA HISTÓRICO-CRÍTICA


A leitura histórico-crítica utiliza-se da exegese para a compreensão do
significado do texto bíblico. Sua razão é científica e acadêmica. Como o nome já
diz, essa leitura pretende fazer uma crítica histórica do texto sagrado. Tendo a

159
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

exegese como metodologia de leitura, seu objetivo é identificar o sentido histórico,


ou seja, o sentido original do texto. Para isso, a leitura deve ser sistemática,
metodológica, livre de pressupostos e com auxílio de outras ferramentas que
possam agregar à interpretação histórica do texto e compreender o seu sentido
original (FEE; STUART, 1997).

5.4 LEITURA NEGRA


A leitura negra da Bíblia inflou uma teologia própria dos negros que
entende o evangelho de Jesus como auxílio e libertação para os negros diante do
seu sofrimento específico. Como diz a Declaração do Comitê Nacional do Clero Negro:

A teologia Negra é uma teologia de libertação negra. Ela procura


sondar a condição negra à luz da revelação de Deus em Jesus Cristo,
de modo que a comunidade negra possa ver que o Evangelho é
coincidente com a realização da humanidade negra. A teologia Negra
é teologia da “negritude”. É a afirmação de humanidade negra que
emancipa os negros do racismo branco, proporcionando assim
autêntica liberdade, tanto para as pessoas brancas como para as
pessoas negras (WILMORE; CONE, 1986, p. 123).

Assim, a leitura negra da Bíblia lida diretamente com os assuntos da


opressão negra e do racismo, reconhecendo Jesus como libertador de toda a
opressão e a vivência do Evangelho como força de resistência e liberdade pela
fé. Essa visão reconhece que o Cristianismo foi imposto aos antigos escravos
negros, mas que estes se apropriaram do Evangelho pela fé e o usaram como
instrumento da sua causa para lutar contra o preconceito e o racismo que insiste
em não desaparecer do mundo.

5.5 LEITURA FEMINISTA


A leitura feminista da Bíblia é produto de uma teologia de libertação
feminista; é também uma forma de buscar nas Escrituras a força para promulgar
a libertação das mulheres de toda opressão recebida. Como diz Murray (1986,
p. 281): “A teologia feminista preocupa-se com a revolta das mulheres contra
as estruturas masculinas chauvinistas da sociedade”. O objetivo desse enfoque
bíblico é incentivar os cristãos a buscarem mudanças políticas e sociais para
transformar a sociedade visando a um mundo mais justo e humano. Apesar de
estar envolta em polêmicas, a leitura feminista das Escrituras exige que todas
as ideologias feministas devem estar sujeitas à autoridade do Evangelho. Assim,
não é o poder e a supremacia das mulheres que está em voga, mas o poder de
Cristo enquanto libertador dos oprimidos. As pessoas que buscam tal leitura
insistem que a história da salvação em Cristo inclui a salvação política e social,
não apenas espiritual. Nesse sentido, a leitura feminista se aproxima bastante da
leitura negra, uma vez que ambas as leituras buscam expressar a autenticidade e

160
TÓPICO 2 — A REFLEXÃO A PARTIR DAS ESCRITURAS

individualidade humana, que toda pessoa é detentora de dignidade, pois homens


e mulheres de todas as cores são imagem de Deus, e Deus é Deus de todos. Sobre
a leitura feminista, Brakemeier (2007, p. 61) afirma que: “A leitura feminista da Bíblia
persegue o objetivo de colocar a descoberto a história das mulheres entre o povo
de Deus. Pretende dar-lhes voz e fazê-las visíveis”. Apesar das polêmicas, a leitura
feminista busca uma causa verdadeiramente evangélica.

5.6 LEITURA MATERIALISTA


A leitura materialista parte da hipótese marxista de que o ser determina
a consciência, ou seja, a vida material determina a consciência social, política e
espiritual. Essa leitura deve ser compreendida sob os aspectos do materialismo
histórico.

A interpretação materialista da Bíblia se insere no horizonte da luta de


classes. A exegese deverá denunciar a opressão, a tirania do capital,
a exploração das massas, alcançando sua meta somente quando
conseguir alterar as bases materiais que produzem o clamor do povo
e respondem por dependência e miséria (BRAKEMEIER, 2007, p. 60).

Essa leitura procura dar luz às condições materiais e sociais presentes


na época em que o texto bíblico foi escrito. A pergunta é se o texto promove
a opressão e a exploração, ou a transformação social visando à justiça.
Brakemeier (2007) avalia essa leitura como válida, mas que corre o risco de ser
reducionista, caso seja o único enfoque. A validade decorre da exegese, que
deverá entender os aspectos sociais e materiais da época como parte do estudo
do contexto histórico.

5.7 LEITURA SOCIOLÓGICA


A leitura sociológica pode soar semelhante à leitura materialista, mas não
deve ser confundida por ser menos unilateral. A leitura sociológica é, antes,
quadrilateral, pois seu enfoque recai sobre quatro áreas na análise dos textos bíblicos:

• Sobre a economia, essa leitura se pergunta sobre as questões de produção,


propriedade, divisões de trabalho e renda.
• Sobre as relações sociais, verifica-se a hierarquia social, como é a relação entre
os grupos ou as classes sociais.
• Sobre política, a análise recai sobre quem exerce o poder e qual tipo de regime
vigora.
• Sobre a ideologia, pergunta-se a respeito dos valores de vida defendidos e
quais condutas são combatidas.

Nas palavras de Brakemeier (2007, p. 61), “A interpretação sociológica


da Bíblia se coloca a serviço do combate à injustiça na sociedade e às ameaças
implícitas”. A leitura sociológica tem, portanto, um viés de denúncia.

161
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

5.8 LEITURA PSICOLÓGICA


A leitura psicológica tem uma intenção pedagógica ao buscar conectar as
pessoas ao texto bíblico pela encenação. Isso acontece por meio do bibliodrama,
uma encenação dramática dos eventos bíblicos. Essa não é uma leitura
individual, mas pública, em que as pessoas se reúnem para realizar a encenação
do texto. Assim, as pessoas presentes nesse estudo não apenas ouvem o texto,
mas o experimentam. Segundo Brakemeier (2007, p. 63), “O bibliodrama tem-se
mostrado eficaz em redespertar o interesse das pessoas no mundo bíblico. Não
permite às pessoas a atitude de espectadores passivos. Engaja-os ativamente
e de modo integral”. Essa abordagem psicológica possibilita aos participantes
vivenciar e experimentar a história bíblica. Ainda assim, devemos alertar para o
fato de que essa é uma leitura absolutamente subjetivista.

Cada uma dessas leituras distintas da Bíblia não é ruim por si só, cada
uma apresenta um ponto de vista que pode contribuir para o conhecimento do
todo. No entanto, nenhuma dessas leituras deve ser considerada exclusivamente
correta. Fazer isso é reduzir o texto bíblico. Trata-se apenas de perspectivas que,
consideradas com as demais, podem nos fazer enxergar detalhes do texto que não
enxergaríamos. Não devemos confundir perspectivas com critério interpretativo,
pois se isso acontecer cada perspectiva irá defender a si mesma como única chave
hermenêutica. Isso representaria um grande perigo à teologia e um reducionismo
muito grande do evangelho.

6 A BÍBLIA NA CONTEMPORANEIDADE
O mundo contemporâneo oferece desafios particulares. É um mundo
líquido, conforme o sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Nada é sólido nem
mesmo a moral e a religião. Trata-se de um mundo subjetivo, sem forma e
relativo. Contudo, nem tudo é ruim, o mundo atual também é altamente criativo,
produtivo e conectado. Ainda assim, sendo a Bíblia um documento antigo, base
de uma fé histórica, são grandes os desafios que ela enfrenta. Quase tudo aquilo
que é histórico é visto meramente como conservador e, por isso, a necessidade de
entendermos o valor atual das Sagradas Escrituras, bem como trabalhar com ela.

Desde os anos 1980, fala-se de globalização. As facilidades de locomoção


e os meios de comunicação em massa aproximaram os cantos do mundo e
revelaram muito daquilo que antes era misterioso e oculto ao nosso conhecimento.
Em meados dos anos 1990, a eclosão da internet impulsionou ainda mais a
globalização. A integração econômica, política e cultural alcançou patamares
nunca imaginados desde então. Quanto mais o tempo passa, mais interconectados
estamos com o mundo todo. Diante desse cenário, o pluralismo religioso também
alcança patamares nunca conhecidos. Anteriormente, as experiências religiosas
antes estavam localizadas em seu próprio local e cultura, mas agora as mais
diversas espiritualidades batem a nossa porta constantemente por meio das

162
TÓPICO 2 — A REFLEXÃO A PARTIR DAS ESCRITURAS

mídias. É claro que, mesmo em tempos bíblicos, a fé judaico-cristã “competia”


com outras divindades e religiões. No entanto, a multiculturalidade, exposta
pela globalização, acentuou o contato entre as religiões.

Diante disso, a fé cristã é mais uma em meio às outras, e a Bíblia é apenas


mais um livro sagrado em meio a outros. Como convencer de que a Bíblia é
autoridade entre os demais? Como competir com a multiplicidade de opiniões
místicas e religiosas? Conforme Brakemeier (2007, p. 84), “A Bíblia entrou na disputa
inter-religiosa do mundo globalizado. Deixou de ser autoridade inquestionada,
natural. Deve ‘trabalhar’ para convencer, pois o mercado exige competividade,
argumento, ‘publicidade’”. A contemporaneidade desconfia abertamente das
verdades tradicionais; os princípios universais são constantemente rejeitados.
Assim, a fé cristã se vê diante de uma preocupação constante de manter-se fiel
aos Escritos Sagrados e aos princípios tradicionais e morais da fé em Jesus Cristo.

Entretanto, o esforço em manter a Bíblia relevante na atualidade é


recompensado pela própria validade das Escrituras. Ela é Palavra de Deus e Deus
fala em todo o tempo e em todo lugar.

A capacidade comunicativa da Bíblia através dos tempos sempre


surpreende. Ela continua desenvolvendo fabulosa força de persuasão.
Ultrapassa com facilidade também fronteiras culturais. Confirma-o
a experiência das diversas formas da “leitura popular”. Embora seja
proveniente de determinando contexto sociocultural, a mensagem
da Bíblia contém elementos que a revestem de relevância atemporal,
universal. É óbvio o abismo “histórico”, “científico” e “cultural” entre
a Bíblia e o mundo tecnológico do século XXI. Mas o fosso não se
confirma no nível “experimental” e “vivencial” das pessoas. Os temas
essenciais da Bíblia dizem respeito aos mistérios da existência humana
e do mundo, mistérios estes que a ciência, com seu instrumental
analítico, não tem condições de desvendar. A verdade religiosa se
situa em outro nível do que naquele dos puros fatos, da informação
histórica, dos bancos de dados. A história bíblica revela similaridades
de situações, de interrogantes, de anseios. Revela, sobretudo, o poder
da palavra divina que inspira, transforma, liberta, evangeliza. A Bíblia
não emudeceu na era tecnológica. Continua despertando interesse
religioso e “intercultural” (BRAKEMEIER, 2007, p. 86).

Por mais que a Bíblia cause estranheza pela distância histórica, ela
também promove um sentimento de familiaridade. Se não fosse isso, a Bíblia não
seria o livro mais lido do mundo ainda hoje. Apesar dos desafios, ela ainda é
absolutamente relevante em assuntos de fé. Mesmo com os desafios modernos
e o crescente secularismo que invade as igrejas atuais, as Sagradas Escrituras
permanecem sagradas e autoridade para a vida cristã. O mundo secular,
tecnicista, niilista, mercadológico, tão crente nos produtos factuais, não pode
condenar a Bíblia por não oferecer um conteúdo científico correto, pois a Bíblia,
enquanto Palavra de Deus, não pretende oferecer ciência, mas sabedoria. Assim,
com um olhar de bom senso, as Escrituras tornam-se companheiras até mesmo
de discursos a-religiosos.

163
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

Braaten e Jenson (2002) colocam o problema da Escritura hoje como um


problema de unificação das abordagens histórica e hermenêutica da Bíblia. O
mundo contemporâneo, em sua tecnicidade, gera um grande interesse histórico,
mas negligência a mensagem. É a secularização invadindo a teologia. Ainda
assim, alguns teólogos no século XX insistiram em buscar renovar a seriedade
com que se tratava a Bíblia. É por isso que muitos grupos cristãos permanecem
fiéis à mensagem do evangelho, mesmo com tanta pressão externa. Para Braaten
e Jenson (2002, p. 91):

A palavra de Deus não é uma palavra remota da Antiguidade.


É Palavra ouvida na proclamação da igreja hoje. Este motivo é um
retorno da ênfase dada por Lutero à pregação a partir da Bíblia. A igreja
prega a Palavra que é testemunha de Cristo, a Palavra revelada. Esta
Palavra revelada, proclamada na linguagem viva da igreja, é atestada
pela palavra da Escritura. Desta maneira, as três formas – pregação,
revelação e Escritura – convergem no nome único de Jesus Cristo, no
qual Deus se revela como Senhor da humanidade e do mundo.

Assim, mesmo com tantos desafios que a contemporaneidade nos impõe,


a Bíblia permanece atual e oferece um alto nível de sabedoria. Num mundo que
rejeita tão facilmente as verdades absolutas, as Sagradas Escrituras são um porto
seguro para o cristão. Por causa do seu conteúdo, a Bíblia permanece sendo capaz
de promover transformação social, justiça, além de mostrar a redenção obtida por
intermédio de Jesus Cristo. Além disso, podemos celebrar que, com o processo de
globalização, nunca foi tão fácil disseminar a Bíblia e seu conteúdo para o mundo
todo. Hoje, quase qualquer pessoa pode ter a Bíblia na palma da mão, a um clique
de distância. Nosso desafio permanece sendo a correta interpretação, em busca da
verdade, ajudando outras pessoas a encontrarem a verdade nas Escrituras.

164
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Milagres são aspectos da revelação de Deus.

• Fé e razão não se excluem, pelo contrário, a razão é fundamental para


compreendermos os assuntos da fé.

• A Bíblia é importante por ser voz de Deus para a humanidade, por revelar a
Jesus Cristo e a história da redenção, por regulamentar a fé cristã e por auxiliar
o ser humano na vida cotidiana com sua sabedoria.

• A Bíblia deve ser estudada com zelo, tendo como auxílios a exegese e a
hermenêutica.

• A principal chave hermenêutica é Jesus Cristo.

• Existem diferentes leituras e acessos à Bíblia, sendo as mais conhecidas a leitura


negra, a leitura feminista, a leitura materialista, a leitura psicológica, a leitura
sociológica, a leitura alegórica e a leitura histórico-crítica.

• Apesar dos desafios impostos pelo mundo contemporâneo e globalizado, a


Bíblia ainda é relevante em assuntos de fé.

165
AUTOATIVIDADE

1 A filosofia/teologia patrística, especialmente por meio de Agostinho de


Hipona e Tomás de Aquino, buscava intensamente uma harmonia entre fé
e razão. Por qual razão havia tanto empenho em buscar tal harmonia?

2 A globalização trouxe desafios específicos no lidar com a Bíblia e com


a fé cristã. A integração econômica, política e cultural alavancou um
cenário de pluralismo religioso nunca visto até então. Além disso, a
contemporaneidade é marcada por uma descrença e constante relativização
das verdades absolutas. Diante disso, disserte sobre o uso da Bíblia no
mundo contemporâneo.

3 A Bíblia é expressão da fé cristã e como diz Jochen Eber (1995, p. 179):


“ela é a base e norma para a doutrina e a vida da igreja”. Nisso reside a
importância da Bíblia para o cristão. Considerando a importância da Bíblia,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A Bíblia ensina como obter prosperidade e como ganhar dinheiro.


b) ( ) A Bíblia é a voz de Deus e apresenta a redenção em Jesus Cristo.
c) ( ) A Bíblia perdeu sua importância para a igreja nos últimos anos.
d) ( ) A Bíblia é fonte de poder para a igreja crescer em número de fiéis.

4 Por causa da distância histórica e cultural, a Bíblia necessita de cuidado na


interpretação. Diante dessa necessidade, surgem conceitos como a exegese
e a hermenêutica. A respeito da interpretação bíblica, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as sentenças falsas:

( ) A interpretação bíblica tem como alvo o sentido claro do texto.


( ) A exegese é menos importante que a hermenêutica no processo de
interpretação.
( ) Jesus Cristo é a principal chave hermenêutica para compreender a Bíblia.

Assinale a alternativa que apresenta a alternativa CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – F – V.
d) ( ) V – V – F.

166
5 Existem diferentes leituras da Bíblia. Pessoas diferentes podem olhar para a
Bíblia de maneiras diferentes, percebendo características que outras pessoas
não perceberiam. Por isso, podem existir diferentes acessos à Bíblia. Sobre
essas leituras, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A leitura negra não é uma forma de teologia de libertação.


b) ( ) A leitura feminista não é válida em nenhum sentido.
c) ( ) A leitura materialista é comunista por excelência.
d) ( ) A leitura sociológica é a única interpretação possível.
e) ( ) A leitura psicológica utiliza a técnica do bibliodrama.

167
168
TÓPICO 3 —
UNIDADE 3

A VIVÊNCIA DAS ESCRITURAS

1 INTRODUÇÃO
Sabemos da importância do estudo das Sagradas Escrituras. No entanto,
a Bíblia não é apenas um livro didático. Não apenas estudamos a Bíblia, mas
também vivemos a partir dela. As Escrituras exigem uma vivência a partir dos
seus ensinos. Por isso, neste tópico, refletiremos sobre o impacto da Bíblia no
nosso cotidiano e na nossa vida como um todo.

A Bíblia é um livro que promove a fé naquele que a lê. Ela é tanto um


produto da fé quanto produtora de fé. Essa fé também une a igreja, o corpo de
Cristo, da qual a Bíblia é documento normativo. Igreja sem Bíblia não combina.
A Bíblia fortalece a fé e fortalece a igreja. Tanto o fiel como a comunidade cristã,
seja qual denominação for, deve se submeter à Bíblia.

Também veremos como a Bíblia influencia a ética cristã e o exercício do


amor e da caridade. A ética é o ponto central na vida de qualquer pessoa que
compõe a sociedade. A ética cristã é o costume moral daquele que se orienta pelas
virtudes recomendadas na Bíblia, podendo-se destacar, como a mais importante, a
caridade, que é o amor incondicional.

2 A BÍBLIA E A FÉ
A Bíblia não é apenas base das doutrinas da igreja, mas norma de fé
individual – não apenas isso, mas a Bíblia também é produtora de fé. Como o
apóstolo Paulo diz: “E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra
de Cristo” (BÍBLIA SAGRADA, Rm. 10:17). Se Cristo é verdadeiramente Deus,
então a palavra de Cristo é, igualmente, Palavra de Deus. As Sagradas Escrituras
manifestam essa Palavra. A Bíblia, enquanto Palavra de Deus, impulsiona o
testemunho da sua revelação, e tal testemunho, ao encontrar terreno fértil, produz
fé naquele que ouve e aceita a Palavra.

A relação entre o testemunho da Palavra de Deus e a fé é muito bem


expressa pela parábola do semeador, muito bem conhecida, pode ser encontrada
nos três evangelhos sinóticos (BÍBLIA SAGRADA, Mt. 13.1-9; Mc. 4.1-9; Lc. 8.4-
8). Nela, um homem saiu para semear, mas uma parte das sementes caiu na
beira do caminho, na terra dura e não preparada, e as aves logo se alimentaram
delas. Outra parte das sementes caiu num solo rochoso, com pouca terra, e, o

169
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

que nasceu ali, logo foi queimado pelo sol, pois não desenvolveu raízes profundas.
Outra porção caiu, ainda, entre espinhos, cresceu e sufocou as plantas. Por fim, as
sementes que caíram em terra boa frutificaram abundantemente.

Essa parábola é tão notória que Gerhard Hörster (2009) afirmou que ela
representa uma das essências do reino de Deus, uma vez que Jesus nos oferece
uma explicação que, certamente, não se refere à agricultura, mas a como as
pessoas recebem a Palavra de Deus. As sementes representam as Palavras do
Reino, enquanto os diferentes terrenos representam os diferentes corações que
recebem a Palavra. Aqueles que ouvem a Palavra, mas não compreendem,
tendo logo a Palavra arrancada do coração, são como a beira do caminho; os que
ouvem a palavra e a recebem com muita alegria, mas logo desistem de seguir o
caminho da fé, são como o terreno rochoso; os que ouvem a Palavra e a seguem,
mas se perdem para as tentações do mundo são como o solo com espinhos; já
os que ouvem a Palavra e a recebem permanecendo firmemente na fé, e ainda
frutificam segundo as qualidades da vida cristã, são como um solo fértil (BÍBLIA
SAGRADA, Mt. 13.18-23).

FIGURA 5 – A PARÁBOLA DO SEMEADOR, DE HERRAD DE LANDSBERG

FONTE: <santocielos.com/c-cristianismo/parabola-del-sembrador>. Acesso em: 22 jan. 2021.

A Bíblia enquanto Palavra de Deus, mensagem revelada por Ele a nós, é


prenúncio da realidade do Reino de Deus que já se faz presente desde a vinda
de Jesus ao mundo e reclama para si a fé no amor redentor de Deus. A Bíblia
não é uma mera estória nem mesmo um livro de história, mas nos conclama à
escolha de seguir um caminho distinto. Se cremos na sua mensagem, seguimos
esse caminho; se não cremos, não seguimos. Dependerá se o nosso coração é
um terreno fértil ou não. A fé acolhe a Palavra e faz frutificar em nós as suas
virtudes. Para Goppelt (2003), a parábola do semeador é uma promissão que trata
do reino de Deus como uma realidade tão certa como a colheita depois do semear.
Ele diz: “O fruto não vem porque a atividade de Jesus é portadora de uma ideia
que paulatinamente vai transformando o mundo, mas – como corresponde ao
pensamento palestino – porque o próprio Deus está agindo absconditamente
nela” (GOOPELT, 2003, p. 99). A Bíblia, portanto, estimula a fé pela ação de Jesus
que prenuncia o reino de Deus experimentado também pela fé.

170
TÓPICO 3 — A VIVÊNCIA DAS ESCRITURAS

Segundo a Bíblia do Semeador (2014), a semeadura da Palavra de Deus


não começou com Jesus, mas acompanhou toda a história da humanidade. Desde
Gênesis, vemos o testemunho da Palavra de Deus pela criação – aqui, devemos
chamar a atenção para um detalhe importante: a Bíblia é uma das manifestações
da Palavra de Deus. Ela é, também, Palavra, mas Deus fala de diversas maneiras.
Contudo, na Bíblia, encontramos o testemunho de toda a forma de expressão
divina; a história da fé e seu fundamento, daí vem a sua importância. Como diz
o apóstolo João:

O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto
com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos
apalparam, com respeito ao Verbo da vida (e a vida se manifestou,
e nós a temos visto, e dela damos testemunho, e vo-la anunciamos,
a vida eterna, a qual estava com o Pai e nos foi manifestada), o que
temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós,
igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é
com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. Estas coisas, pois, escrevemos
para que a nossa alegria seja completa (BÍBLIA SAGRADA, Jo. 1.1-4).

A Bíblia, portanto, apresenta o testemunho de fé de outras pessoas que


experimentaram a fé a partir da vivência e da proximidade com Deus. É um
documento de fé e, por isso, estimula a fé. É uma das maneiras pelas quais
Deus fala conosco, propondo vida nova e justificação pela fé, conforme o dogma
evangélico. Como diz a Bíblia do Semeador (2014), “Ler e estudar a Bíblia Sagrada
sob esta perspectiva – a da semeadura da Palavra de Deus ao longo do tempo –
não é apenas possível, mas tem fundamentação nas próprias palavras de Deus na
parábola do semeador”.

A Bíblia oferece a compreensão do que a fé representa para o ser humano:


justificação – daí vem o princípio de Lutero “justificação por fé”. A história da
redenção nas Escrituras conta que é a fé a única coisa necessária para a justificação.
Essa justificação pela fé se dá diante do julgamento divino. Por isso, lemos em
Braaten e Jenson (2007, p. 413) que “O julgamento pode ser compreendido somente
pela fé. De fato, o julgamento cria e origina a fé que o ouve e compreende”. Assim,
o círculo se completa quando a Palavra – nesse caso específico, as Escrituras –
fomenta a fé necessária para discerni-la e aceitá-la.

3 A BÍBLIA E A IGREJA
Você já viu alguma igreja não usar a Bíblia? Apesar de algumas igrejas
insistirem em não usar a Bíblia como norma de fé, mas apenas, por exemplo, as
palavras de um líder religioso, essa prática é uma completa descaracterização
do que é uma igreja. A própria origem da palavra igreja é bíblica. O termo igreja
provém da palavra grega ekklesía, que significa assembleia, congregação, reunião
– em sentido básico. Desse modo, não existe igreja cristã sem que a Bíblia seja
a norma de fé que a sustenta. A igreja não pode prescindir da Bíblia para a sua
atuação, do contrário, perderá a sua identidade e se tornará outra coisa, qualquer
coisa, mas não uma igreja.
171
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

A igreja antiga, tendo o desejo de permanecer na verdadeira fé, já


conhecendo o Antigo Testamento e a lei judaica, fez um grande esforço por
elaborar o Novo Testamento a partir da tradição apostólica para que o conjunto
bíblico pudesse ser o guia, a luz que ilumina o caminho da igreja. Como diz
Martin Dreher (1993, p. 42), “Jesus criou a igreja, confiou suas revelações aos
apóstolos, os quais, então, levaram seu ensinamento a todo o mundo. Nessa
tradição apostólica está preservada a continuidade da revelação acontecida em
Cristo e a continuidade com a igreja Primitiva”. A tradição apostólica, pois, é a
tradição encontrada nas Escrituras. É ali que temos conhecimento da revelação
específica de Deus. Sem a Bíblia, portanto, a igreja não sustenta a verdadeira
fé, pois se distanciará da tradição apostólica e da revelação de Deus através da
sua Palavra.

No entanto, naquela época, as pessoas leigas, que não faziam parte


do clero, não podiam ler a Bíblia. Na medida em que a igreja Primitiva foi se
extinguindo e se tornou mais institucionalizada, a leitura bíblica passou a ser
proibida às “pessoas comuns”. Além disso, a Bíblia era usada unicamente em
grego e, principalmente, latim. Assim, a interpretação das Sagradas Escrituras
era responsabilidade única de uma pequena elite eclesiástica. Isso trouxe alguns
problemas para a igreja mais tarde, quando ela se desvirtuou do caminho da
verdade. Pessoas como John Wycliffe e Martinho Lutero contrariaram a vontade
da igreja medieval e traduziram a Bíblia, respectivamente, para o inglês e para
o alemão. Assim, a Bíblia podia ser lida pelo povo comum. Na visão deles, as
palavras dos Padres e do próprio Papa só deviam ser consideradas se estivessem
de acordo com as Escrituras. O esforço desses reformadores foi de grande
importância para a vida cristã posterior, quando a Bíblia foi tida como única
norma de fé e em que qualquer pessoa podia supervisionar os ensinamentos da
igreja com base na interpretação bíblica, preservando a tradição apostólica.

NTE
INTERESSA

William Tyndale (1484-1536) foi um teólogo que também traduziu a Bíblia


para a língua inglesa. Beneficiando-se da imprensa, ele contrabandeava suas Bíblias para
distribuir ao povo. Essa atitude era proibida pela igreja, mas ele desejava que até mesmo
o mais simples camponês pudesse conhecer a Bíblia. Ao ser descoberto, Tyndale foi
queimado vivo em 1536.

Confira o filme que conta a sua história: O fora da lei de Deus – William Tyndale
(1987), de Tony Tew.

172
TÓPICO 3 — A VIVÊNCIA DAS ESCRITURAS

O período da Reforma Protestante foi fundamental para reatribuir a Bíblia


como única autoridade sobre a igreja. Matinho Lutero foi enfático nessa questão –
como visto a partir do sola scriptura. Segundo Dreher (1996, p. 45), “a causa dessa
autoridade vem do fato de que a Escritura é uma fixação da pregação apostólica a
respeito de Jesus Cristo. É nela que encontramos a pregação viva dos apóstolos”.
A tradição apostólica é anterior à igreja, portanto, mesmo que a igreja tenha
formulado o cânone bíblico, a igreja não é dona da Bíblia, mas submete-se a ela.
Se a igreja é corpo de Cristo, então a igreja que não se submete às Escrituras deixa
de ser corpo de Cristo, ou seja, deixa de ser igreja cristã.

Para Lutero, a Bíblia, como Palavra de Deus e testemunho apostólico de


Jesus Cristo, é essencial para a sua eclesiologia – termo que é o campo da teologia
que trata das questões gerais relacionadas à igreja, como a doutrina, a história, a
origem etc. Para Lutero:

A igreja, ou comunidade, o “santo povo de Deus no mundo”, está


fundamentada na palavra de Deus. É a palavra de Deus que alimenta,
mantém e fortalece a igreja, como diz Lutero em Dos Concílios da igreja.
A palavra de Deus não pode subsistir sem o povo de Deus, o qual,
por seu turno, não pode subsistir sem a palavra de Deus. Igreja se
reconhece ali onde o evangelho é pregado, onde os sacramentos do
Batismo e da Eucaristia são administrados conforme a instituição de
Jesus Cristo, onde o perdão dos pecados é anunciado e vivido, onde
são vocacionados e ordenados servidores eclesiásticos e onde a oração
e o meio de santificação da santa cruz estão presentes: tentação e
perseguição (DREHER, 1996, p. 46).

Portanto, tudo aquilo que faz a igreja ser o que é provém do ensino baseado
nas Escrituras Sagradas. A igreja que não reconhece a autoridade da Bíblia está
fadada ao fracasso, pois é a Bíblia que mantém o testemunho apostólico e nos faz
conhecer a história da redenção em Jesus Cristo. Por isso, igreja e Bíblia sempre
deverão estar associadas.

4 A BÍBLIA E A ÉTICA
Como já citado, a Bíblia é um verdadeiro manual da vida. A preocupação
ética se dá justamente no como agir. A palavra ética provém do termo grego
ethos, que significa costume – assim como moral, que é sua variante latina (mos).
Portanto, a vida guiada pela Bíblia é levada a novos costumes. Segundo Wiese
(2008), a lei mosaica, que fundamenta o Antigo Testamento, propõe uma ordem,
uma norma social através do ensino e da instrução do melhor caminho a ser
seguido. Esse melhor caminho, ou seja, a melhor forma de agir, estaria em
conformidade com a vontade de Deus. O mesmo vale para o Novo Testamento a
partir das instruções de Jesus.

173
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

NOTA

Etimologicamente, não existe diferença entre ética e moral. Entretanto,


conceitualmente, podemos dizer que moral é o costume, enquanto fenômeno social, as
ações valoradas do dia a dia, ao passo que ética é a reflexão sistemática e filosófica sobre
a moral.

Esse é o ponto central da ética cristã, pois a ética cristã baseia-se na vontade
de Deus. Como conhecemos a vontade de Deus? Através das Escrituras Sagradas.
Todo o fundamento sobre a forma correta de como o cristão deve agir está expressa
na Bíblia. Dessa forma, a Bíblia é um manual de ética, sendo possível citar alguns
versículos que propõem atitudes éticas importantes:

• “Fazer o que é justo e certo é mais aceitável ao Senhor do que oferecer


sacrifícios” (BÍBLIA SAGRADA, Pv. 21.3).
• “Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não
para homens” (BÍBLIA SAGRADA, Cl. 3.23).
• “Melhor é o pobre íntegro em sua conduta do que o rico perverso em seus
caminhos” (BÍBLIA SAGRADA, Pv. 28.6).
• “Pois estamos tendo o cuidado de fazer o que é correto, não apenas aos olhos
do Senhor, mas também aos olhos dos homens” (BÍBLIA SAGRADA, 2Co. 8.21).
• “Ele te declarou, ó homem, o que é bom e o que é que o Senhor pede de ti: que
pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu
Deus” (BÍBLIA SAGRADA, Mq. 6.8).
• “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (BÍBLIA
SAGRADA, Mt. 5.48).
• “Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta” (BÍBLIA
SAGRADA, Tg. 2.17).

A Bíblia, portanto, deixa claro que Deus espera que seus filhos ajam sempre
da melhor forma possível, com integridade, justiça e amor, não apenas perante
ele, mas também perante toda a sociedade. Assim, aquele que crê na mensagem
das Escrituras Sagradas é chamado a ser nova criatura (BÍBLIA SAGRADA, 2Co.
5.17; Gl. 6.15; Rm. 8.1). Como diz Wiese (2008, p. 169): “O que melhor sintetiza o
que cristãos são ou um cristão é, encontramos na expressão nova criatura, pois
não os isola dos demais seres humanos e criaturas, mas os mantém na realidade da
presente criação com vista à futura ou nova criação definitiva de Deus”. O cristão,
portanto, é nova criatura, e isso implica um novo agir, um novo ethos.

A vida cristã não é mais orientada a partir do pecado, que nos aliena em
relação à vontade de Deus. A Bíblia ensina a respeito da nossa fragilidade. O
evangelho fortalece a nossa constituição anímica, de forma a podermos negar

174
TÓPICO 3 — A VIVÊNCIA DAS ESCRITURAS

nossa velha natureza. Assim, se fomos participantes da natureza do “velho


Adão”, como novas criaturas somos participantes da natureza do “novo Adão”,
ou seja, Jesus Cristo. Citando Wiese (2008):

Como novo homem (comum dos dois gêneros), o cristão tem vida nova
ou vida eterna não só como esperança futura maior, mas também
já agora, porque o futuro de Deus o alcança nesta vida e a marca
profundamente (Jo. 5.24; 6.47; 11.25; 20.31). Por conta disso, é possível
falar de “andar em novidade de vida” e “servir em novidade de
espírito” (Rm. 6.4c; 7.6) (WIESE, 2008, p. 171, grifo nosso).

Toda essa novidade de vida é atestada pelo processo de santificação, uma


constante busca pelo serviço do Reino de Deus por meio de ações bondosas e
justas que expressam a fé do convertido. Essa é a vida ética promovida pelas
Escrituras. Nesse sentido, podemos ver a importância dada à conduta aceitável
por Deus em duas passagens bíblicas: no decálogo e no sermão do monte.

4.1 DECÁLOGO
Os dez mandamentos (BÍBLIA SAGRADA, Ex. 20.1-17; Dt. 5.6-21) são
o centro da lei mosaica. Sua importância perpassa gerações. Seu conteúdo
apresenta, em linhas gerais, o que é mais importante que uma pessoa faça ou não
faça. O cumprimento do decálogo determina a relação que uma pessoa tem com
Deus e com os outros. Cumprir os dez mandamentos implicaria uma vida boa,
pois expressam a vontade de Deus. Nesse sentido, os dez mandamentos não são
leis mesquinhas que nada oferecem de bom, mas justamente se recomendam por
expressar exatamente aquilo que é bom para nós (WIESE, 2008). E a vida boa é a
grande preocupação da ética.

4.2 SERMÃO DO MONTE


O sermão do monte (BÍBLIA SAGRADA, Mt. 5-7) é a radicalização da lei
mosaica. Nesse discurso, Jesus confirma a importância da lei, mas a reinterpreta
buscando o cerne da instrução judaica. Jesus instrui seus seguidores a adotarem
uma moralidade expressa tanto externamente, pelas ações com base nas virtudes
mais excelentes, quanto internamente, a partir dos afetos mais excelentes.
Portanto, não adianta o cumprimento alienado da lei, mas também a intenção do
coração. Jesus manifesta a síntese do jeito mais correto de viver. Um verdadeiro
código de ética para o cristão.

Obviamente, a ética cristã não se baseia unicamente nessas duas passagens


bíblicas, mas elas representam sinteticamente o que se espera do fiel. A ética cristã
não se restringe aos dez mandamentos ou ao sermão do monte. A Bíblia, em sua
totalidade, nos orienta em relação a isso. Por isso, toda a Sagrada Escritura deve
ser levada em consideração ao se tratar da melhor conduta humana.

175
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

5 A BÍBLIA E A CARIDADE
A maior orientação bíblica a respeito da melhor conduta humana diz
respeito à questão do amor. Nesse sentido, listamos três textos bíblicos como
demonstração, dois de Jesus e um de Paulo:

• “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de
todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo,
semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (BÍBLIA
SAGRADA, Mt. 22.37-39).
• “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos
amei, que também vos ameis uns aos outros” (BÍBLIA SAGRADA, Jo. 13.34).
• “Porque toda a lei se cumpre em um só preceito, a saber: Amarás do teu
próximo como a ti mesmo” (BÍBLIA SAGRADA, Gl. 5.14).

Nesses versículos, o amor é colocado como o suprassumo da lei divina,


é a orientação máxima. De fato, o evangelho é manifestação do amor de Deus,
além de ser instrução para que amemos as outras pessoas. Esse é o fim da ética
cristã, a finalidade do evangelho é a virtude do amor, em que todas as coisas se
orientam, inclusive a salvação. Se o maior mandamento é amar a Deus, então o
segundo é amar as outras pessoas. No fundo, toda a lei mosaica se cumpre no
princípio do amor.

Entretanto, a dúvida que surge é que amor é esse que a Bíblia tanto
recomenda? O Novo Testamento, no original grego, utiliza três palavras para
amor: eros, que é a paixão ou desejo, philia, que é a amizade, e ágape, que é o
amor incondicional, o amor perfeito. Nos versículos citados anteriormente,
trata-se do amor ágape, que é o amor que Deus tem para conosco. Esse tipo de
amor não se orienta pelos sentimentos afetuosos, mas por livre escolha de fazer
o bem ao outro, mesmo que o outro não mereça. Por isso, é incondicional, não
coloca condições para existir. Essa espécie de amor é o elo perfeito entre as
pessoas (BÍBLIA SAGRADA, Cl. 3.14). De todas as orientações bíblicas, essa é a
mais excelente.

A variante latina da palavra grega ágape – encontrada, por exemplo,


na Vulgata – é o termo caritas, que significa caridade, por isso algumas
Bíblias traduzem ágape por caridade. Isso pode causar certa confusão, pois,
popularmente, se entende caridade como dar esmolas. No entanto, caridade
significa benevolência, compaixão, ação voluntária de bondade e auxílio; é uma
atitude que não depende de sentimentos, é uma escolha de agir em favor de outra
pessoa simplesmente porque é o certo a ser feito. Deus é caridoso conosco e nos
estimula a sermos caridosos para com os outros também.

176
TÓPICO 3 — A VIVÊNCIA DAS ESCRITURAS

E
IMPORTANT

Caridade não é mera esmola, mas qualquer atitude voluntária de benevolência


para outra pessoa. É sinônimo de amor perfeito.

É por isso que sem caridade nenhuma expressão religiosa é útil. A fé sem
obras é morta. A maior espiritualidade, os maiores sinais perdem o seu valor se a
caridade não se faz presente no coração do crente (BÍBLIA SAGRADA, 1Co. 13.1-3).
A caridade é tão altamente recomendada nas Escrituras, que o apóstolo Paulo pode
dizer com clareza que “agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estres
três; porém o maior destes é o amor (caridade)” (BÍBLIA SAGRADA, 1Co. 13.13).

Assim, a Bíblia possui ampla relação com o amor. O cristão que se orienta
pela Bíblia, mas não é caridoso com o próximo, não está cumprindo com o
ensinamento bíblico, pois “aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus
é amor” (BÍBLIA SAGRADA, 1Jo. 7.8). Ao contrário, todo aquele que ama, ou
seja, todo aquele que é caridoso, conhece a Deus e está com ele. Esse amor é o
cumprimento do chamado do cristão, é a missão dada a todos os fiéis. É uma
atitude consciente que se manifesta pelas boas obras; por isso, não se sente
caridade, mas se faz caridade.

177
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

LEITURA COMPLEMENTAR

PALAVRA DE DEUS – A SEMENTE

A Bíblia foi escrita há muitos séculos. Então, por que uma pessoa nos dias
de hoje deveria ler esse livro tão antigo? Que relevância pode ter a Bíblia para a
vida atual?

A Bíblia tem sido importante para muitas pessoas no decorrer de mais de


20 séculos. Ainda temos mais de quatro mil manuscritos do Antigo Testamento
e mais de cinco mil manuscritos do Novo Testamento copiados cuidadosamente
por pessoas quando ainda não existia a imprensa. Era um trabalho muito lento,
mas era importante preservar o texto original desse livro. Além disso, foram
feitas traduções para muitas outras línguas, para que outras culturas também
pudessem ter acesso a esse livro. Vemos, portanto, que, mesmo antes da invenção
da imprensa, a Bíblia era o livro mais lido no mundo.

Depois da invenção da imprensa, a Bíblia se tornou o livro mais


publicado do mundo e, ainda hoje, apesar da secularização e da diversificação
do conhecimento humano, a Bíblia continua sendo o livro mais lido no mundo.
Também os trabalhos de tradução da Bíblia continuam. Atualmente, há pelo
menos um trecho das Escrituras em mais de 2.500 línguas. Esse número aumenta
a cada ano que passa.

É claro, portanto, que a Bíblia, apesar das profundas mudanças que


aconteceram e estão acontecendo no mundo – como nas áreas de tecnologia,
comunicação, ciência, saúde, agricultura, transporte etc. – não perdeu sua
relevância. Por vezes, pessoas afirmam que a Bíblia perderia a sua importância
na vida das pessoas por causa da modernização, mas vemos que a Bíblia continua
tendo muita popularidade.

Isso se deve ao fato de que as coisas fundamentais da vida não mudaram.


Hoje, como ontem, as pessoas nascem, crescem, casam, têm filhos e morrem. As
dificuldades da vida humana aumentam em vez de diminuírem. Ainda sofremos
com guerras, fome, pobreza, violência, doenças, desastres naturais. Além disso,
há muita incerteza em nossa vida, como também há desesperança; muitas pessoas
sentem que estão num “beco sem saída”. Apesar do progresso material, muitas
pessoas não veem possibilidades para o futuro, e o progresso material de que
algumas desfrutam não traz uma verdadeira satisfação para elas. Por isso, acham
que têm um vazio dentro de si.

Voltamos, então, à pergunta inicial: “A Bíblia é relevante?”. A resposta é


sim, porque ela enche nossa vida de esperança de um futuro melhor.

178
TÓPICO 3 — A VIVÊNCIA DAS ESCRITURAS

Apenas a Bíblia responde às questões fundamentais da vida: “De onde eu


vim? Quem eu sou? Para onde vou? Qual é o propósito da minha vida?”. Por isso,
a Bíblia não é simplesmente um livro histórico, mas ela fala pessoalmente com
cada um de nós. Alguns dizem que a Bíblia é um convite pessoal. A Bíblia inclui
cartas escritas a pessoas que viveram em outros séculos, mas essas cartas também
foram escritas para nós. A Bíblia foi escrita para que tenhamos vida, e uma vida
que seja plena. Por isso, ela é tão relevante, porque todos nós, em qualquer época,
queremos viver e queremos ter uma vida boa.

Mas por que é que a Bíblia fala sobre a vida? É porque sabemos que um
dos problemas fundamentais do ser humano é a morte. Apesar do progresso
da ciência e da medicina, todos iremos morrer. Por isso, dizíamos que a Bíblia
providenciaria esperança para nós, porque fala sobre vida após a morte.

Outros livros religiosos também prometem vida após a morte. Alguns


acreditam na reencarnação como sendo essa vida. Outros dizem que se comunicam
com os mortos. Outros afirmam que a morte é uma libertação da prisão do corpo
e que nos tornamos deuses depois da morte. O que você pensa sobre essa vida
após a morte?

Outro desafio que enfrentamos na vida é saber como viver. Hoje, mais do
que nunca, há muitas maneiras de viver. Para alguns, o objetivo principal da vida
é se tornar rico. Outros querem se destacar em algum ramo da vida para serem
conhecidos como grandes esportistas, bons atores e atrizes, renomados políticos.
Outros procuram o prazer e a comodidade. Outros simplesmente querem
sobreviver neste mundo onde há violência, fome, desemprego, corrupção, drogas,
prostituição e muitos outros perigos. Alguns até escolhem uma vida de crime,
porque pensam que é a única maneira de sobreviver. Diante de tantos valores
diferentes, é difícil, por exemplo, para um jovem saber que caminho escolher.
Felizmente, a Bíblia nos orienta o caminho por onde andar, estabelecendo
a diferença entre o bem e o mal. Essa distinção, com frequência, é esquecida,
porque achamos que o que nós queremos fazer é bom, e os valores, hoje, são
muito egoístas. A Bíblia, porém, esclarece o que é bom e o que é ruim. Também
nos ensina a pensar não apenas em nós mesmos, mas também no próximo. Por
isso, lemos na Bíblia: “[...] ame os outros como você ama a você mesmo” (Mateus
19.19). Esse ensinamento nos ajuda a viver levando em conta as pessoas que
estão ao nosso redor, e nos oferece uma forma de agir que facilita muito o nosso
dia a dia. A nossa consciência confirma esses ensinamentos que a Bíblia traz. O
nosso coração concorda com a Bíblia quando ela fala que não devemos matar, não
devemos roubar, não devemos cobiçar, não devemos cometer pecados sexuais,
não devemos fofocar, e assim por diante.

A Bíblia também explica de onde viemos. Frequentemente, a ciência não


oferece uma resposta para essa pergunta. A anatomia, por exemplo, descreve os
órgãos do corpo e explica como funcionam. A antropologia fala sobre a cultura
do homem. A arqueologia e a história fornecem informações sobre o passado do

179
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

homem. A física moderna desenvolveu a teoria do big bang para explicar a origem
do universo. A partir dos escritos de Charles Darwin, surgiu também a teoria
da evolução, que tenta explicar de onde viemos. Só a Bíblia, porém, fornece uma
explicação tanto para a origem do universo como para a origem do ser humano,
ao afirmar que o universo foi criado do nada e que o ser humano é a parte mais
especial da criação.

Não é fácil saber que teoria tem ou não razão com relação à origem do ser
humano e do universo. Afinal, ninguém esteve lá no começo de todas as coisas. A
visão da Bíblia, porém, tem diferenciais diante das inúmeras teorias existentes. Em
vez de dizer que tudo aconteceu por acaso, a Bíblia ensina que um Ser Supremo,
Todo-Poderoso, sábio e bondoso, criou tanto o universo como o ser humano.

A Bíblia é a base de uma religião, o cristianismo. Não é o único livro


religioso que existe. O islamismo tem o Alcorão; o hinduísmo tem o Bhagavad
Gita e outros livros sagrados; o budismo tem escritos de Buda, e muitas outras
religiões têm livros sagrados. Geralmente, todas as religiões falam sobre um
deus, sobre muitos deuses ou sobre outra realidade. Se falam de um deus, qual é
esse deus?

Antes de falar sobre “Deus”, vamos comparar a Bíblia com as escrituras


sagradas de outras religiões muito importantes no mundo. Será, como alguns
dizem, que há muitos caminhos para chegarmos até Deus e que todas as religiões
e todas as escrituras sagradas são verdadeiras e têm a mesma validade? Ou será
que a Bíblia é, como ela afirma, a Palavra de Deus e, portanto, a única totalmente
verdadeira? Por que deveríamos crer mais na Bíblia do que nas escrituras sagradas
de outras religiões?

Uma razão seria porque a Bíblia é um livro baseado firmemente na


história, ao passo que outros livros sagrados parecem conter mitos e lendas que,
às vezes, não têm muito a ver com os dados históricos que conhecemos. É verdade
que alguns autores também afirmaram que a Bíblia contém mitos e lendas, mas os
novos descobrimentos da arqueologia do Oriente Médio provam a veracidade dos
relatos bíblicos.

A unidade dos livros da Bíblia também é um argumento em favor da


veracidade da Bíblia, porque tantos autores de diferentes épocas e culturas
concordam e proclamam a mesma mensagem.

A Bíblia também inspirou muitas pessoas a viverem vidas extraordinárias


e até a morrerem como mártires, preferindo isso a negar a mensagem bíblica. Isso
também indica que a Bíblia não é simplesmente um livro humano, mas é divino
também.

180
TÓPICO 3 — A VIVÊNCIA DAS ESCRITURAS

É interessante, também, que a Bíblia nos fala sobre pessoas como elas são,
e nunca como indivíduos perfeitos, como nós gostaríamos que elas fossem. Isso
também é um argumento em favor da veracidade da Bíblia. Podemos ver que
a Bíblia não é como um romance que nos apresenta pessoas fictícias, e, sim, um
relato sobre pessoas de carne e osso, como nós; pessoas autênticas e, ao vermos
como essas pessoas lidaram com as dificuldades que tiveram, aprendemos a lidar
com os nossos próprios problemas.

Já comentamos que há muitos problemas na vida, como o desemprego,


a pobreza, a violência, as drogas, a prostituição, e assim por diante. A Bíblia fala
sobre esses problemas, mas nos diz sobre um problema maior. Mas qual é esse
problema fundamental?

Vocês se lembram que já mencionamos a vida após a morte? Esse problema


é tão grave que faz com que morramos. Mas qual é esse problema? O problema
é não fazer a vontade de Deus. A Bíblia chama esse problema de pecado e diz
que “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6.23). A Bíblia também nos ensina
que todos, sem exceção, temos esse problema. É muito importante ficar sabendo
disso, porque, geralmente, pensamos que os problemas da vida estão fora de nós
e são causados por outras pessoas.

Ao falar sobre o pecado, porém, a Bíblia nos obriga a assumir a nossa


responsabilidade. Nós também somos culpáveis e contribuímos para os problemas
do mundo. Merecemos, na verdade, morrer.

Temos um grande problema a resolver, além de outros mais que são


consequência desse grande problema. Onde está a solução? Felizmente, além
da má notícia sobre o grande problema do pecado, a Bíblia focaliza uma notícia
muito boa, que tem a ver com um homem que também é Deus: Jesus Cristo.

Num certo sentido, Jesus foi uma pessoa muito comum. Não nasceu
nunca cidade importante, mas, sim, numa aldeia. Não foi filho de pais que tinham
muito prestígio na sociedade ou que eram muito ricos. Foi criado em Nazaré, na
província de Galileia, sobre a qual as pessoas perguntavam: “Será que pode sair
dali alguma coisa boa” (João 1.46). Seu pai era marceneiro, e o próprio Jesus se
dedicou a isso até a idade de 30 anos. Foi, então, que começou a ensinar, pregar e
ajudar doentes e pessoas necessitadas, em companhia de um grupo de discípulos
que o chamavam de “Rabi” (João 1.38). No entanto, ele não era o único que fazia
esse tipo de coisa; havia muitos outros rabis que circulavam pelas cidades da
Palestina com grupos de discípulos. Depois de três anos, Jesus foi executado
numa cruz pelas autoridades romanas, sofrendo, assim, uma morte vergonhosa,
reservada apenas aos piores criminosos.

181
UNIDADE 3 — CONFIABILIDADE E FIDELIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

Apesar de parecer um homem tão comum, na verdade, Jesus foi a pessoa


mais extraordinária que já viveu. Quando tinha 12 anos, já conhecia perfeitamente
a Lei de Moisés e podia discuti-la com as principais autoridades do Templo de
Jerusalém. Mais adiante, muitos comentaram que Jesus ensinava de uma maneira
singular, talvez porque ele não passava informação simplesmente, mas usava
ilustrações da vida diária e colocava em prática aquilo que ensinava. Além disso,
Jesus teve uma compaixão extraordinária pelas pessoas que estavam a sua volta.
Entendeu que tais pessoas tinham necessidades materiais e, por isso, numa
ocasião, alimentou mais de cinco mil pessoas. Mais importante: ele percebeu a
grande necessidade espiritual das pessoas, dizendo que a população da Palestina
era como um rebanho de ovelhas que não tinha um pastor.

Jesus foi extraordinário, porque ele não só analisou o problema, mas


também forneceu a solução. Jesus disse uma vez que tinha vindo não para ser
servido, e sim para servir e dar sua vida em resgate de muitos. E foi isso que ele
fez. Nesta vida, ele serviu ao seu próximo e, mediante sua morte na cruz, nos
resgatou da escravidão da morte, do pecado e do diabo. Sua ressurreição, no
terceiro dia, foi a prova de que o Pai Celestial tinha aceitado a obra perfeita de
Cristo para a salvação do mundo inteiro. Não encontramos em outra religião um
líder religioso que tenha feito semelhante façanha. Por isso, sem dúvida, Jesus foi
o homem mais extraordinário da história.

FONTE: Bíblia do Semeador. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2014.

182
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A Bíblia é norma de fé comunitária e individual, e produz fé naquele que aceita


a Palavra de Deus.

• A frutificação da fé dependerá se o coração daquele que ouve é terreno fértil


para a Palavra de Deus, conforme ensinado na parábola do semeador.

• A Bíblia sustenta a verdadeira fé da igreja.

• A igreja que não se submete à Bíblia está fadada ao fracasso e deixa de ser
igreja cristã.

• A ética cristã se baseia na vontade de Deus, expressa na Bíblia.

• Viver de forma ética a partir da Bíblia significa ser nova criatura.

• A Bíblia estimula a caridade como a principal virtude da vida cristã.

CHAMADA

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183
AUTOATIVIDADE

1 A parábola do semeador é uma das mais importantes sobre a fé e o reino


de Deus. Nela, um semeador sai para semear no campo e as sementes
encontram diferentes tipos de terreno. Quais são os tipos de terreno
descritos na parábola e o que eles representam?

2 A palavra ética provém do termo grego ethos, que significa costume. Os


costumes cristãos devem ser diferentes dos costumes mundanos, por se
basearem em algo mais sublime do que as pessoas que não creem em Deus.
Explique o que é a base para a ética cristã.

3 O termo igreja provém da palavra grega ekklesía, que significa assembleia,


congregação, reunião. Essa reunião de fiéis é a igreja, também chamada de
Corpo de Cristo, sendo que a Bíblia desempenha uma função importante.
Considerando a relação entre igreja e Bíblia, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A Bíblia só é importante para as igrejas católicas e protestantes.


b) ( ) Toda igreja que não se submete à Bíblia deixa de ser igreja cristã.
c) ( ) As igrejas podem prescindir da Bíblia, mas não é recomendado.
d) ( ) Todas as igrejas que não se submetem à Bíblia permanecem sendo
consideradas igrejas cristãs.

4 O amor incondicional, também chamado de ágape na Bíblia, é o amor


puramente divino e que Deus mantém pelos seus filhos. A Bíblia fala que Deus
é amor e que quem permanece no amor, permanece em Deus. Considerando
as ações de amor dos cristãos, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Amor incondicional também pode ser chamado de caridade.


b) ( ) Caridade é apenas o ato de dar esmola aos pobres e pedintes.
c) ( ) Nenhuma pessoa pode amar outras pessoas com amor ágape.
d) ( ) O amor eros é o amor incondicional, o amor perfeito.

184
REFERÊNCIAS
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