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Índice

Uma introduçã o curta, mas muito importante


A primeira confusã o: “A Igreja Cató lica está em guerra com a ciência (e
a fé está em guerra com a razã o)”
A segunda confusã o: “A Idade Média foi uma época de trevas científicas”
A Terceira Confusã o: “A Igreja Cató lica Anticientífica Perseguiu
Copérnico e Galileu”
A Quarta Confusã o: “A Igreja Aceita o Darwinismo” ou “A Igreja Rejeita a
Evoluçã o”
A Quinta Confusã o: “O Big Bang é uma Alternativa Científica à Crença
num Deus Criador”
A sexta confusã o: “A origem da vida foi um grande e feliz acidente”
A Sétima Confusã o: “A vastidã o do Universo significa que a vida
extraterrestre deve existir”
Apêndice: Mais evidências contra uma visita de alienígenas
Conclusã o
Notas
A Igreja Cató lica e a Ciência
Respondendo às perguntas, expondo os mitos
Benjamin Wiker
Livros TAN
Charlotte, Carolina do Norte
© 2011 Benjamin Wiker
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ISBN: 978-0-89555-943-2
Design da capa por Tony Pro.
Conteú do
Uma introdução curta, mas muito importante
A primeira confusã o: “A Igreja Católica está em guerra com a
ciência (e a fé está em guerra com a razão)”
A segunda confusã o: “A Idade Média foi uma época de trevas
científicas”
A Terceira Confusã o: “A Igreja Católica Anticientífica Perseguiu
Copérnico e Galileu”
A Quarta Confusã o: “A Igreja Aceita o Darwinismo” ou “A Igreja
Rejeita a Evolução”
A Quinta Confusã o: “O Big Bang é uma Alternativa Científica à
Crença num Deus Criador”
A sexta confusã o: “A origem da vida foi um grande e feliz
acidente”
A Sétima Confusã o: “A vastidão do Universo significa que a vida
extraterrestre deve existir”
Apêndice: Mais evidências contra uma visita de alienígenas
Conclusã o
Notas
Introduçã o
Uma introduçã o curta, mas muito importante
GK Chesterton certa vez descreveu a Igreja como uma carruagem
cuidadosamente equilibrada que avança através da histó ria:

As pessoas adquiriram o há bito tolo de falar da ortodoxia como algo


pesado, monó tono e seguro. Nunca houve nada tã o perigoso ou tã o
excitante como a ortodoxia. Era sanidade: e ser sã o é mais dramá tico
do que ser louco. Era o equilíbrio de um homem atrá s de cavalos que
correm loucamente, parecendo curvar-se para um lado e balançar para
outro, mas tendo em cada atitude a graça da estatuá ria e a precisã o da
aritmé tica. A Igreja em seus primeiros dias foi feroz e rá pida com
qualquer cavalo de guerra... Ela desviou para a esquerda e para a
direita, exatamente para evitar enormes obstá culos. Ela deixou por um
lado a enorme massa do Arianismo, apoiado por todos os poderes
mundanos para tornar o Cristianismo demasiado mundano. No
instante seguinte, ela estava desviando para evitar um orientalismo, o
que teria tornado tudo muito pouco mundano. A Igreja Ortodoxa nunca
seguiu o caminho inofensivo ou aceitou as convençõ es; a Igreja
Ortodoxa nunca foi respeitável. Teria sido mais fá cil aceitar o poder
terreno dos arianos. Teria sido fá cil, no sé culo XVII calvinista, cair no
abismo sem fundo da predestinaçã o. É sempre fá cil deixar a idade
tomar conta; o difícil é manter o seu. É sempre fá cil ser modernista;
pois é fá cil ser esnobe. Ter caído em qualquer uma dessas armadilhas
abertas de erro e exagero que moda apó s moda e seita apó s seita
estabeleceram ao longo do caminho histó rico da cristandade — isso
teria sido de fato simples. É sempre simples cair; há uma infinidade de
â ngulos em que se cai, mas apenas um em que se fica de pé . Ter caído
em qualquer uma das modas, do Gnosticismo à Ciê ncia Cristã , teria de
fato sido ó bvio e inofensivo. Mas ter evitado todos eles foi uma
aventura turbulenta; e na minha visã o a carruagem celestial voa
trovejando atravé s dos tempos, as enfadonhas heresias espalhadas e
prostradas, a verdade selvagem cambaleando, mas ereta. 1
Nã o espero ser compreendido, neste ponto inicial do livro, quando
digo que Chesterton captou aqui, em alguns sentidos importantes, a
verdade sobre a relaçã o da Igreja Cató lica com a ciência. Pode parecer
uma sugestã o surpreendente, porque nã o pensamos na ciência como
algo que participa de alguma forma dos estranhos caprichos e
variedades de “moda” e “seita” que se encontram na histó ria do
cristianismo ou na histó ria da filosofia. E certamente nã o pensamos na
Igreja como um cocheiro balançando loucamente, para a esquerda e
para a direita, para evitar heresias científicas . Ao contrá rio da
carruagem celestial de Chesterton, que cambaleia e cambaleia ao longo
da histó ria, a ciência, dizem-nos, é um autocarro imponente e estável
que leva a humanidade num caminho recto das trevas para a luz, da
superstiçã o e da ignorâ ncia para a verdade. Ao passo que a Igreja,
também nos dizem, é algo como um velho enlameado montado num
burro - a princípio atrapalhando-se desajeitadamente e estupidamente
no caminho do ô nibus da ciência, e depois, uma vez que ele passou em
alta velocidade, ficou atrá s, amuado.
Contra todas as expectativas, entã o, defenderei que a visã o de
Chesterton da Igreja como uma carruagem que se desvia para a
esquerda e para a direita para evitar erros é também uma imagem
inteiramente apropriada da relaçã o da Igreja Cató lica com a ciência. A
diferença é que enquanto no que diz respeito à ortodoxia doutriná ria a
Igreja está imediatamente preocupada em eliminar a verdade da
heresia, no que diz respeito à ciência ela está imediatamente
preocupada em eliminar a falsidade da verdade.
Para evitar aqui um mal-entendido, afirmo claramente que a Igreja
nã o dita a substâ ncia e os detalhes das vá rias ciências. Mas, por falar
nisso, os cientistas também nã o. A realidade particular em
consideraçã o determina a substâ ncia e os detalhes de cada ciência e,
portanto, julga a verdade ou a falsidade das conjecturas científicas
humanas. O entomologista nã o ocupa a autoridade má xima; em vez
disso, os pró prios insetos têm a ú ltima palavra na separaçã o da verdade
da falsidade nas teorias do entomologista. As pró prias estrelas
declararã o quais astrô nomos sã o ortodoxos e quais sã o hereges. A
Terra tem a palavra final contra qualquer geó logo, nã o importa quã o
prestigioso seja. A pró pria natureza, em toda a sua profunda
complexidade e mistério, é a autoridade má xima sobre os cientistas.
Mas se a Igreja nã o dita a substâ ncia ou o detalhe de nenhuma das
ciências, ela observa com muito cuidado os parâ metros pró prios das
ciências e os pressupostos gerais (e por vezes particulares e peculiares)
dos cientistas. Aqui ele deve julgar, e a razã o é simples e profunda. Os
cientistas sã o humanos, e por vezes a Igreja deve intervir para lhes
lembrar os seus limites, especialmente aqueles limites que
salvaguardam a sua pró pria humanidade (tal como, no que diz respeito
à ortodoxia cristã , a Igreja interveio para salvaguardar tanto a
divindade de Cristo como a Sua humanidade).
Tomemos um caso importante para deixar o ponto mais claro. Como
observou Chesterton, a Igreja interveio contra a doutrina da
predestinaçã o de Joã o Calvino. Calvino estava tã o apaixonado pela
onisciência e onipotência de Deus que afirmou que Deus criou os seres
humanos já tendo determinado quem seria condenado. Como o destino
eterno de uma pessoa no Céu ou no Inferno foi traçado antes mesmo de
existir, nã o havia nada que pudesse ser feito para mudá -lo. As açõ es de
alguém nã o tinham, portanto, nenhuma consequência (eterna). Se isso
fosse verdade, o resultado seria tanto a ruína de nossa experiência
cotidiana de escolher fazer ou nã o açõ es boas e má s, quanto o descarte
de todo o corpus de admoestaçõ es de Jesus Cristo no Novo Testamento
para fazer certas coisas a fim de ganhar a vida eterna e nã o fazer certas
coisas para evitar a condenaçã o eterna. A predestinaçã o calvinista
confundiu a açã o humana, tanto no que diz respeito à nossa experiência
da vida natural cotidiana, quanto no que diz respeito à s verdades
sobrenaturais reveladas sobre a relaçã o de nossas açõ es com nosso
destino eterno. A Igreja, mesmo afirmando poderosamente a
onisciência e a onipotência de Deus, desviou-se de Calvino e seguiu em
frente.
Mas na modernidade surgiu um novo tipo de doutrina natural da
predestinaçã o, defendida pelos materialistas científicos e filosó ficos:
aqueles que argumentavam que toda a realidade poderia ser reduzida a
pedaços ou aglomerados de matéria inanimada, geralmente chamados
á tomos. Os materialistas negaram a existência da alma e proclamaram
que toda matéria estava sujeita a leis eternas que determinavam todo
movimento. A nossa experiência comum e quotidiana de escolher
livremente as nossas açõ es era ilusó ria, pois mesmo a nossa escolha era
o resultado do movimento ató mico interno microscó pico dos nossos
corpos que era, como todas as coisas materiais, predestinado pelas leis
da natureza.
Esta heresia ainda está entre nó s. Nega a nossa experiência de
escolha, de ter livre arbítrio e, portanto, exactamente como a heresia de
Calvino, transforma a acçã o humana em confusã o e a moralidade em
absurdo. E assim a Igreja desviou-se desta heresia “científica”, que
ainda está na moda mesmo depois de 500 anos, e condenou o
materialismo e o determinismo, ao mesmo tempo que afirma
veementemente o estudo das maravilhas da natureza na astronomia,
física, química e biologia. .
Da mesma forma, a Igreja sempre rejeitou o panteísmo – também
popular na modernidade, especialmente entre filó sofos e físicos – onde
Deus colapsa na natureza e a natureza em Deus. A Igreja fez isso pela
razã o doutriná ria que as Escrituras revelam no Gênesis, muito
claramente, que Deus e a natureza sã o inteiramente distintos como
Criador e criaçã o, e também pela razã o natural ó bvia de que a Terra e as
estrelas nã o sã o deuses (nã o importa o que os pagã os antigos ou
modernos sonham em contrá rio).
Assim, a Igreja, em aspectos importantes, julga as ciências, afastando
o seu rebanho das teorias científicas que, por mais atraentes e
populares que sejam, em ú ltima aná lise, minam as verdades naturais e
sobrenaturais.

A Igreja como Padroeira


Mas esta nã o é a ú nica relaçã o que a Igreja tem com as ciências.
Enquanto atuava como juíza, a Igreja também foi uma grande patrona
das ciências (e muitos cientistas proeminentes foram cató licos). Há
duas razõ es para isso e muitas vezes estã o interligadas.
A primeira pode ser um tanto surpreendente, tanto que citarei um
historiador secular como minha autoridade. Em The Sun in the Church ,
JL Heilbron começa: “A Igreja Cató lica Romana deu mais apoio
financeiro e social ao estudo da astronomia durante mais de seis
sé culos, desde a recuperaçã o do conhecimento antigo no final da Idade
Mé dia até o Iluminismo, do que qualquer outro e, provavelmente, todas
as outras instituiçõ es. Aqueles que inferem a atitude da Igreja a partir
da perseguiçã o a Galileu podem ficar tranquilos ao saber que a base da
sua generosidade para com a astronomia nã o foi um amor pela ciê ncia,
mas um problema de administraçã o. Os problemas foram estabelecer e
promulgar a data da Pá scoa.” 2 Cito a passagem inteira – farpa sobre
Galileu e tudo mais – para ajudar a esclarecer um ponto bastante difícil.
Temos a impressã o errada, dada a omnipresença de cientistas e
instituiçõ es científicas activas nos nossos dias, de que a ciê ncia
acontece naturalmente, como uma bola de neve que rola colina abaixo
ganha velocidade e volume.
A verdade é outra. A atividade da ciê ncia é mais como empurrar uma
grande pedra colina acima – é difícil, suja, tediosa e dolorosa. Mesmo o
menor dos avanços representa 99% de transpiraçã o. Aqui, do outro
lado da invençã o da lâ mpada, as coisas parecem bastante fá ceis. Nó s
apenas acendemos a luz e consideramos isso um dado adquirido. Mas
se tivé ssemos lutado durante todas as horas dolorosas, cansativas e
cansativas com Thomas Edison para fazer a primeira lâ mpada
funcionar, entenderíamos muito mais sobre a montanha mental e física
que ele teve que escalar apenas para definir um ú nico globo
luminescente no topo de seus esforços. 3
Da mesma forma, com todos os grandes avanços da ciência, eles
exigiram um imenso esforço físico e um enorme esforço mental. Eles
também eram caros e, em muitos casos, só foram possíveis devido a um
patrocínio significativo. O caso mencionado anteriormente do apoio da
Igreja à astronomia durante seis séculos é uma excelente ilustraçã o da
forma como o avanço da ciência e o avanço da Igreja andaram de mã os
dadas historicamente.
Outro exemplo importante de mecenato, como veremos num capítulo
posterior, foi o desenvolvimento das universidades pela Igreja na Idade
Média, que formaram os fundamentos intelectuais da ciência moderna.
É claro que temos as ó bvias contribuiçõ es contínuas feitas pelos vá rios
departamentos científicos das universidades cató licas em todo o
mundo. E podemos mencionar que um dos melhores observató rios
astronô micos do mundo é o Observató rio do Vaticano.
Mas voltemos ao ponto de Heilbron, pois ele nos permite
compreender uma forma interessante e importante pela qual a Igreja
fez avançar a ciência. O problema da Pá scoa é, na verdade, um problema
de compreensã o do tempo natural: se o Sol estivesse sempre
diretamente acima e nã o houvesse estrelas ou lua visíveis, nem
estaçõ es, o nosso sentido do tempo seria quase subdesenvolvido. Mas
do jeito que está , existem regularidades naturais maravilhosas que
servem para delimitar as coisas. O sol nasce e se põ e, marcando os dias;
a lua nasce e se põ e e passa por suas fases, marcando meses; as
estaçõ es mudam, marcando os anos. O problema, porém, é que a
divisã o natural de um mês marcada pelo ciclo lunar, a divisã o natural
do dia marcada pelo sol e a divisã o natural de um ano marcada pelas
estaçõ es nã o se alinham exatamente. juntos. As coisas ficam mais
difíceis se você escolher um dia especial – digamos, a Pá scoa Judaica – e
tentar defini-lo pelo mês lunar, e ainda mais difícil se você for uma
Igreja universal tentando definir a data da sua Pá scoa pela Pá scoa
Judaica.
O desejo profundo e sobrenaturalmente inspirado da Igreja de definir
a data exacta da Pá scoa levou-a a dedicar enormes recursos,
monetá rios e intelectuais, à realizaçã o de observaçõ es astronó micas
precisas que sondassem os detalhes mais estonteantes da matemá tica,
da física e da arquitectura. Este desejo levou-os a construir catedrais
que assinalassem a data exacta da Pá scoa, deixando entrar um raio de
sol que revelasse, no chã o cuidadosamente calibrado, a soluçã o para o
problema. As catedrais representam, concretamente, uma unidade de
beleza e verdade, tanto natural como sobrenatural, tudo isto destinado
à celebraçã o da Missa. A ciência, poderíamos dizer, tanto serviu ao culto
como beneficiou dele. É um facto histó rico, entã o, que a Igreja foi por
vezes uma grande patrona das ciências naturais para que pudesse ser
precisa sobre questõ es sobrenaturais.
Mas também descobrimos outra razã o para o seu patrocínio, e isto
também é uma questã o de ortodoxia. A Igreja, desde os primeiros dias,
afastou-se dos hereges proeminentes que declaravam que o mundo
físico foi feito por um deus maligno. O Antigo Testamento, em Gênesis,
declarou o contrá rio: que a Terra foi uma boa criaçã o de um bom
Criador. Além disso, os salmistas proclamaram que a criaçã o canta a
gló ria do seu Criador e resplandece a Sua sabedoria. Se isso nã o
bastasse, no Novo Testamento, o pró prio Jesus Cristo foi revelado como
sendo verdadeiramente homem (criado) e também verdadeiramente
(incriado) Deus, de modo que a Igreja teve duplamente de afirmar que
a ordem da natureza, a pró pria natureza, declara a sabedoria de Deus.
Investigar a sabedoria de Deus na natureza nã o era apenas permitido,
mas também bom. Saber mais sobre a natureza significava saber mais
sobre a sabedoria de Deus manifestada na criaçã o.
E assim, ao celebrar o mistério sobrenatural da Ressurreiçã o, a Igreja
celebrava ao mesmo tempo as gloriosas complexidades da natureza que
tinha conhecido com maior detalhe nos seus esforços para desvendar
os mistérios do tempo. Portanto, alegra-se com dois tipos de verdade:
as que revelam a sabedoria de Deus Criador e as que revelam o amor de
Deus Redentor. Nã o tem ansiedade em levantar uma ú nica voz no duplo
louvor, porque o Deus Criador e o Deus Redentor sã o o mesmo Deus.

A posição da Igreja em relação à ciência


A Igreja, entã o, tem uma relaçã o negativa e positiva com a ciência. É ao
mesmo tempo um juiz que protege a verdade e um patrono que apoia a
descoberta da verdade. Ambas as relaçõ es sã o essenciais e veremos
ambas ilustradas nos pró ximos capítulos.
Terminamos esta introduçã o com um resumo da relaçã o entre fé e
ciência tal como é oferecida no Catecismo da Igreja Católica (que é ele
pró prio uma compilaçã o de declaraçõ es anteriores dadas pela Igreja).

Embora a fé esteja acima da razã o, nunca poderá haver qualquer


discrepâ ncia real entre a fé e a razã o. Visto que o mesmo Deus que
revela mistérios e infunde fé concedeu a luz da razã o à mente humana,
Deus nã o pode negar a si mesmo, nem a verdade jamais pode
contradizer a verdade.
Conseqü entemente, a pesquisa metó dica em todos os ramos do
conhecimento, desde que seja realizada de maneira verdadeiramente
científica e nã o se sobreponha à s leis morais, nunca pode entrar em
conflito com a fé, porque as coisas do mundo e as coisas da fé derivam
do mesmo Deus. . O investigador humilde e perseverante dos segredos
da natureza está sendo conduzido, por assim dizer, pela mã o de Deus,
apesar de si mesmo, pois foi Deus, o conservador de todas as coisas,
quem as fez o que sã o. (pará grafo 159)
A ciência não pode entrar em conflito com a revelação porque o Deus
que cria é o mesmo Deus que redime. Contudo, podem surgir aparentes
contradiçõ es entre ciência e fé.
Como surgem as aparentes contradiçõ es? Do lado da ciência, temos
de compreender que os seres humanos sã o profundamente humanos e,
por isso, os cientistas humanos podem apresentar, e de facto o fazem,
muitas teorias equivocadas. Um investigador humilde é aquele que
conhece as suas pró prias limitaçõ es, aquele que compreende que o
esforço científico é muitas vezes distorcido pelo pecado humano, pelo
simples erro de cá lculo, pela confusã o, pelo erro filosó fico e pela
ideologia política; portanto, o investigador humilde é aquele que está
aberto à correçã o. A histó ria da ciência está repleta de teorias
descartadas, qualquer uma das quais defendida pelos cientistas mais
proeminentes da época. Isto por si só é motivo de humildade científica,
e também uma advertência contra aqueles que impacientemente e
imprudentemente pressionam a Igreja a conformar as suas verdades
com a ú ltima moda científica.
Do lado da fé, visto que o Deus da natureza e o Deus da revelaçã o sã o
o mesmo Deus, a Igreja sustenta que os segredos da natureza que a
ciência revela lenta e humildemente nã o podem contradizer a
revelaçã o. Portanto, se a nossa compreensã o da revelaçã o bíblica, por
exemplo, alguma vez parecesse fora de sintonia com o que a ciência
legitimamente revela – se fosse provado que a Terra tinha vá rios
milhares de milhõ es de anos de idade, em aparente contradiçã o com os
dados revelados no Génesis – entã o poderíamos ter a certeza de que
Deus, o Criador, nã o está tentando se contradizer na revelaçã o. Em vez
disso, estamos sendo felizmente pressionados a compreender essa
revelaçã o de uma forma mais profunda.
Claro, estas sã o declaraçõ es bastante bá sicas. Os capítulos seguintes
lhes darã o corpo à medida que classificamos as confusõ es mais
proeminentes e difundidas que surgiram em relaçã o à forma como a
Igreja se relaciona com a ciência e a ciência com a Igreja. Como nos
lembra a pequena farpa sobre Galileu citada anteriormente nesta
introduçã o, há muitos que sã o bastante céticos quanto ao fato de que o
que acabamos de esboçar representa como a Igreja realmente lidou
com a ciência ao longo dos séculos. Portanto, temos dois tipos de
confusã o (pelo menos!) para esclarecer: confusã o que resulta de nã o
termos informaçõ es suficientes (e, portanto, da necessidade de dar
corpo à s coisas) e confusã o que resulta da desinformaçã o (e, portanto,
da necessidade de esclarecer as coisas). ). Muitas vezes, encontraremos
os dois tipos de confusã o misturados, agravando assim os problemas
que enfrentamos para resolver as coisas.
Proponho, entã o, analisar sete á reas de confusã o comum, fornecer
informaçã o onde ela falta e corrigir a desinformaçã o onde ela está
presente, na esperança de proporcionar uma maior compreensã o sobre
a relaçã o verdadeira e adequada da Igreja Cató lica com a ciência.
A primeira confusã o
“A Igreja Católica está em guerra com a ciência (e a fé está em
guerra com a razão)”

O objetivo deste livro é deixar clara a relaçã o da Igreja Cató lica com a
ciência e, pelo que vimos na introduçã o, essa relaçã o deve ser
harmoniosa. Agora, para muitos, esta parece uma noçã o estranha e até
ridícula, como experimentei recentemente.
Um dia antes de escrever estas palavras, eu estava dando uma
entrevista para uma rá dio e no final o entrevistador perguntou: “Em
que livro você está trabalhando agora?” Respondi que estava
trabalhando num livro sobre a relaçã o da Igreja Cató lica com a ciência.
“Oh, isso deve ser interessante”, disse ele, apó s uma pausa embaraçosa
no ar, “eu sei que eles... uh... sempre estiveram envolvidos em conflitos”.
Ah, confusã o! — e obviamente aquela que precisamos fazer algum
esforço para esclarecer primeiro. Afinal de contas, se é verdade que a
Igreja e a ciência sempre estiveram em guerra, entã o,
independentemente do que eu ou o Catecismo digamos sobre a sua
potencial harmonia, os factos da histó ria dizem o contrá rio. Portanto,
neste capítulo examinaremos a origem do mito da grande e contínua
guerra entre a ciência e o cristianismo, o mito que colore a visã o de
muitas pessoas (incluindo alguns cató licos, sem dú vida). Este mito
também faz parte de uma crença confusa mais ampla: a de que a
pró pria razã o e a fé sã o fundamentalmente opostas. Isso também
iremos investigar.

O mito de que a ciência e o cristianismo estão em


guerra
Sem dú vida, o mito mais persistente sobre a relaçã o da ciência com a
religiã o em geral, e com o catolicismo em particular, é que elas sempre
estiveram, estã o agora e estarã o para sempre presas num antagonismo
fundamental. Este mito distorce a nossa compreensã o da histó ria,
especialmente quando orienta os historiadores. Uma das mais
distorcidas de todas as histó rias, e também uma das mais influentes, foi
a História do Conflito entre Religião e Ciência , de John William Draper,
publicada em 1874.
Draper nasceu na Inglaterra em 1811, mas imigrou para a América
em 1832. Ele foi um cientista extraordiná rio, fazendo contribuiçõ es
fundamentais para a química, astronomia, botâ nica, medicina e para o
desenvolvimento e uso científico da fotografia. Mas ele é mais lembrado
pela sua História do Conflito entre Religião e Ciência , e foi
extremamente influente na formaçã o das nossas versõ es académicas e
populares do “mito da guerra”.
Como o trabalho na histó ria da ciê ncia ao longo do ú ltimo quarto de
sé culo demonstrou claramente, embora Draper fosse certamente um
excelente cientista, como historiador da relaçã o da Igreja com a ciê ncia
ele era um mero propagandista anticató lico. 1 Parte da autoridade do
livro repousava nas consideráveis realizaçõ es científicas de Draper.
Como poderia um homem tã o inteligente e um cientista tã o bom nã o
estar certo sobre tudo o que disse? Deveríamos acrescentar que a outra
fonte da autoridade do seu livro era externa: o clima generalizado de
antagonismo em relaçã o à Igreja numa era cada vez mais secular. As
pessoas - pelo menos algumas pessoas - queriam ouvir exatamente o
que Draper queria dizer com tanto entusiasmo e, por isso, tratavam seu
trabalho como confiável.
Mas Draper nã o foi o primeiro a divulgar o mito da guerra. Pouco
antes dele, Andrew Dickson White, o fundador da Universidade Cornell,
havia proferido uma palestra pú blica agora famosa, “Os campos de
batalha da ciência”, publicada no New York Daily Tribune em 18 de
dezembro de 1869. Nã o satisfeito com esta primeira salva, White mais
tarde elaboraria um compêndio de dois volumes dos pecados do
Cristianismo contra a ciência, Uma História da Guerra da Ciência com a
Teologia na Cristandade (1896). Para ser justo com White, ele
acreditava que a ciência estava apenas em conflito com a “teologia
dogmá tica” e nã o com a religiã o em si (embora a noçã o de religiã o
“pura e imaculada” de White significasse simplesmente o cristianismo
despojado de todo conteú do dogmá tico, o que significava que nã o era
mais cristianismo). E nenhuma instituiçã o, aos olhos de White, poderia
ter sido mais dogmá tica do que a Igreja Cató lica.
Mas ainda nã o voltamos à origem do mito da guerra. A tese histó rica
geral de White, de que houve um conflito essencial “entre duas é pocas
na evoluçã o do pensamento humano – a teoló gica e a científica” 2 —foi
mais ou menos uma repetiçã o de um argumento filosó fico anterior
apresentado pelo filó sofo francê s Auguste Comte (1798-1857) de que a
histó ria se move necessá ria e inevitavelmente atravé s de trê s é pocas
distintas: a teoló gica, a metafísica e a científica (ou positivista). Ou,
dito de outra forma, a histó ria estava passando da superstiçã o religiosa
para a filosofia e, finalmente, para a ciê ncia exata. Em prol do
progresso, a ciê ncia deve substituir a religiã o.
Comte també m nã o era original, mas estava simplesmente
codificando a noçã o do Iluminismo Radical, que remonta ao sé culo
XVII, de que uma nova era da razã o havia despontado e era hora de se
livrar das correntes da religiã o e do catolicismo em particular. O ateu
mal enrustido Thomas Hobbes forneceu um ataque particularmente
animado à Igreja Cató lica em seu Leviatã (1651), chamando-a de fonte
da escuridã o intelectual porque sua crença na alma e nos espíritos
imateriais (apoiada pela “filosofia vã” de Aristó teles) era um obstá culo
à aceitaçã o do materialismo que Hobbes defendeu como o fundamento
adequado da nova ciê ncia. 3
À medida que crescia o nú mero de adeptos do materialismo
filosó fico, o antagonismo à religiã o (especialmente ao catolicismo)
crescia com ele. Este materialismo filosófico formou a base de um novo
materialismo científico : a visã o filosó fica duvidosa de que ser razoável
significa afirmar que a realidade material é a ú nica realidade passou a
definir a pró pria ciência. Ser científico significava ser materialista e,
uma vez que o materialismo nega as realidades espirituais, ser
científico significava negar que existe um Deus puramente espiritual,
que os seres humanos têm almas e que as almas vivem apó s a morte
num estado de bem-aventurança ou condenaçã o. Esta é a fonte ú ltima
da tendência secular e secularizante da ciência moderna, que alimentou
e alimentou o mito de que a Igreja está em guerra.
Quando chegamos ao século XVIII, a chamada Era do Iluminismo, o
mito estava difundido entre os agitadores e agitadores intelectuais.
Para observar um exemplo importante, Paul Henri Thierry Baron
d'Holbach (1723-1789) uniu o materialismo inabalável com o ateísmo
indisfarçável. D'Holbach incluiu em seu círculo iluminista radical
luminares como Jean-Jacques Rousseau, Benjamin Franklin, Adam
Smith e David Hume.
No seu famoso Sistema da Natureza (1770), d'Holbach afirmou uma
animosidade fundamental entre a religiã o e o bem natural do homem.
“A fonte da infelicidade do homem é a sua ignorâ ncia da Natureza”,
declarou d'Holbach logo na primeira pá gina. 4 O homem é apenas “obra
da natureza. — Ele existe na Natureza. — Ele está submetido à s leis da
Natureza. — Ele nã o pode livrar-se delas”, declarou ele entã o, a questã o
é que nã o há nada fora da natureza material. 5 A nossa alienaçã o do
nosso eu natural começou com o surgimento da religiã o, quando os
nossos olhos e esforços foram desviados deste mundo para algum
outro mundo imaginá rio. A ciê ncia materialista assinala um regresso
ao estudo da natureza como a ú nica arena da verdade, o que nos curará
da nossa alienaçã o do nosso bem natural.
A opiniã o de D'Holbach cria uma ó bvia antipatia histó rica: a ciência
leva-nos adiante em direçã o à felicidade e à salvaçã o; a religiã o nos
arrasta para trá s, para a alienaçã o, a ignorâ ncia e a superstiçã o. É fá cil
ver como o esquema de d'Holbach, inteiramente derivado dos seus
pressupostos materialistas, poderia fornecer a estrutura para histó rias
subsequentes da relaçã o da ciência com a religiã o no século XIX, como
vimos com Draper e White. Mas, novamente, essa ideia nã o era original
dele; ele apenas elaborou a noçã o bá sica e radical do Iluminismo de que
a religiã o e a razã o, o sobrenatural e o natural, estavam presos num
antagonismo fundamental.
Aqui voltamos a um ponto essencial sobre a narraçã o de histó ria: a
relaçã o entre as pró prias predileçõ es e a pró pria pesquisa. Se um
determinado historiador desdenha a religiã o e está convencido de que
a religiã o é infantil ou perniciosa, que a adoraçã o a Deus é uma
superstiçã o tola, que a religiã o nos torna infelizes, que todos os
sacerdotes sã o fraudes e que a religiã o é a causa de todas as guerras,
entã o ele naturalmente reunirá todos os exemplos possíveis. da religiã o
parecer infantil, ter consequências perniciosas, implicar superstiçõ es
tolas e causar miséria, e ele também examinará ocorrências de padres
fraudulentos e guerras religiosas. Muitas das evidências serã o bastante
reais – o pecado original é uma doutrina cristã essencial – mas muitas
delas serã o uma distorçã o, e muito do que contaria a favor da religiã o
será totalmente ignorado.
Podemos compreender como o antagonismo do Iluminismo em
relaçã o à religiã o produziria uma histó ria da ciência como a de Draper e
White, que parecia mostrar que a ciência e a religiã o sempre estiveram
em conflito essencial - sendo a ciência materialista o farol de luz e a
religiã o o poder imundo e resistente. da escuridã o. É em grande parte o
resultado de reunir apenas as evidências que se ajustam à suposiçã o e
argumentar em favor dessa suposiçã o como se fosse uma conclusã o.
Se, por outro lado, estes pressupostos forem abandonados e as
provas forem recolhidas sem preconceitos, emerge uma imagem muito
diferente da relaçã o entre a religiã o e a ciência. Sabemos disso graças
ao ú ltimo quarto de século de novas pesquisas sobre a histó ria da
ciência, em que os historiadores acumularam montes de evidências que
contradizem a tese da guerra Draper-White (e incorporaremos o novo
material em nossos capítulos subsequentes).
No entanto, tendo tudo isto sido dito, podemos também ver que há
alguma verdade na visã o de que existe um certo tipo de antagonismo
entre o Cristianismo e a ciência moderna. Na medida em que muitos
proponentes da ciência moderna têm sido materialistas doutriná rios,
tem havido conflito, pois o materialismo e o cristianismo estão em
conflito essencial, e devem sempre permanecer assim. Nã o deveríamos,
entã o, surpreender-nos com o facto de, à medida que a adesã o ao
materialismo cresceu e se espalhou, o antagonismo tanto em relaçã o ao
cristianismo como contra o cristianismo tenha aumentado. O
materialismo, por definiçã o, exclui qualquer realidade imaterial. O
Cristianismo, por definiçã o, nã o pode suportar esta exclusã o. Mas a
noçã o – que vai desde Thomas Hobbes, passando pelo Iluminismo
Radical até Draper e White e até aos dias de hoje – de que a histó ria
demonstra completa antipatia entre o Cristianismo e a ciência é um
mito tã o pernicioso quanto falso.

A crença de que a fé e a razão estão em antagonismo


essencial
A ideia de que a razã o e a fé sã o fundamentalmente antagó nicas
também é um mito, mas também tem alguma base na realidade. Tal
como tem havido alguns conflitos entre o Cristianismo e a ciência, tem
havido alguns cristã os (muitas vezes chamados de “fideístas”) que
declararam que a fé (latim, “ fides ”) é de facto irracional e alguns
cientistas que concordaram com prazer. Mas o catolicismo rejeita o
fideísmo e afirma os poderes da razã o humana, mesmo reconhecendo
que o nosso uso da razã o é limitado e contaminado pelo pecado.
Este ú ltimo ponto merece alguma ê nfase e explicaçã o. Supõ e-se
frequentemente que, uma vez que a Igreja coloca a fé acima da razã o e
afirma que a razã o humana é limitada e afetada pelo pecado, ela opõ e a
fé à razã o como se as duas estivessem em guerra. Nada poderia estar
mais longe da verdade, como deixou claro o Papa Joã o Paulo II na sua
saudaçã o inicial na encíclica Fides et Ratio ( Fé e Razão ): “A fé e a razã o
sã o como duas asas sobre as quais o espírito humano se eleva à
contemplaçã o da verdade ; e Deus colocou no coraçã o humano o desejo
de conhecer a verdade – numa palavra, de conhecer a si mesmo – para
que, conhecendo e amando a Deus, homens e mulheres possam
també m chegar à plenitude da verdade sobre si mesmos”. 6 Longe de
denegrir a razã o contra a fé , a Igreja afirma sinceramente que a razã o
nos ajuda a elevar-nos à contemplaçã o de Deus. A ciê ncia, devidamente
compreendida e exercida, pode revelar verdades sobre Deus atravé s da
sua obra de criaçã o. Mais uma vez, a actividade da ciê ncia é afirmada
pela insistê ncia da Igreja de que o Deus da Criaçã o e o Deus da
Revelaçã o sã o um só Deus.
A distinçã o entre fé e razã o, entã o, nã o é entre o irracional e o
racional, mas entre o humanamente incognoscível e o humanamente
cognoscível. Podemos compreender esta distinçã o mesmo no nível
natural. Para a maioria de nó s, existe uma grande lacuna entre o que
podemos compreender e o que aceitamos com base na autoridade de
alguém com mais conhecimento (pelo menos numa á rea específica).
Olho do meu computador para a parede do meu escritó rio, onde está
pendurado um pô ster da tabela perió dica dos elementos com todas as
suas lindas e organizadas fileiras de símbolos químicos, do hidrogênio
ao ununoctium. A ordem da tabela perió dica é realmente muito fá cil de
entender: cada elemento sucessivo tem mais um pró ton no nú cleo
(representando sua ordem horizontal), e os elétrons caem em padrõ es
estruturais definidos em “conchas” orbitando o nú cleo (representando
sua ordem horizontal). ordem vertical). A estrutura geral é fá cil o
suficiente para minha limitada mente científica e matemá tica entender
que até escrevi um livro sobre seu desenvolvimento histó rico -
destinado a crianças entre 12 e 16 anos ( O Mistério da Tabela Periódica
).
Mas há uma grande lacuna entre o meu entendimento e o de um
químico de classe mundial. Até que eu consiga compreender o mundo
químico a partir da experiência interna de um teó rico químico
especialista e compreender a matemá tica envolvida na mecâ nica
quâ ntica – o que é improvável que aconteça – meu conhecimento de
química, além de um certo e muito limitado ponto, deve vir de
informaçõ es. aceito pela fé. Devo confiar nas verdades que os cientistas
e os físicos matemá ticos me revelam, pois o que eles sabem está além
da minha capacidade natural e racional de compreender. Mas o que eles
revelam, embora acima da minha razã o, nã o contradiz o que aprendi
sobre a química pela minha pró pria razã o; antes, completa-o e corrige-
o, levando-o acima de onde poderia naturalmente chegar. Da mesma
forma, a Igreja diz que existem verdades que estã o além dos poderes de
toda a razã o humana, e que existe um ser, Deus, cujo intelecto
ultrapassa em muito o nosso, que as conhece , e cujo conhecimento,
revelado pela fé, corrige e completa o nosso ter.
Esta parece ser uma explicaçã o bastante razoável. Entã o, de onde
veio essa noçã o tã o comum de que fé e razã o estã o em conflito? Já
vimos uma fonte no mundo moderno. Pensadores materialistas
modernos como Hobbes presumiram que ser razoável significava
aceitar o materialismo, e uma vez que a Igreja rejeitou o materialismo,
entã o, segundo a ló gica, a fé deve ser irracional.
Mas há outra fonte: a Reforma, que desfez a unidade da cristandade e
culminou nas guerras religiosas do século XVII. Esses conflitos político-
religiosos levaram certas figuras influentes a assumir que a fé,
especialmente a fé cristã , é duplamente irracional porque os cristã os
nã o podem chegar a um acordo racional sobre a sua fé e porque o seu
desacordo leva a um derramamento de sangue irracional. Contra as
desordens e confusõ es da fé, estas figuras “iluminadas” estabelecem a
gloriosa harmonia da razã o: a fonte universal de luz e de acordo
pacífico e, portanto, o farol através do qual podemos progredir além da
confusã o e do conflito de base religiosa para uma nova e corajosa
mundo de paz racional e secular.
Ah, sim, a tese da guerra novamente! O problema com a tese da
guerra aplicada à relaçã o entre fé e razã o é que ela ainda é falsa. Para
começar, devemos notar que muitos dos que defendem a noçã o de que
a fé e a razã o estã o em guerra muitas vezes assumem que a razã o não
está em guerra consigo mesma. Nã o deveríamos ficar surpresos ao
descobrir que esta suposiçã o era particularmente forte no Iluminismo
do século XVIII. A razã o é universal, declararam com segurança os
filósofos do Iluminismo, e necessariamente produz um acordo universal. A
religiã o, que é irracional, gera confusã o e, portanto, diversidade
intratável e conflito político.
Assim foi a histó ria do Iluminismo. Mas a histó ria conta uma histó ria
diferente sobre o destino da razã o entregue a si mesma. No mundo
antigo, havia quase tantas seitas filosó ficas, com suas subdivisõ es rivais,
quanto havia filó sofos – os sofistas, os seguidores de Demó crito,
Pitá goras, Herá clito, Platã o, Aristó teles e Epicuro, os céticos
acadêmicos, os estó icos, os cínicos. e Ecléticos. A razã o, independente
da fé, nã o conduz facilmente à feliz uniformidade, mas, muitas vezes, à
divisã o.
Desde o seu início, a modernidade está ainda mais fraturada. Os
neopitagó ricos afirmavam que o mundo era inteiramente matemá tico e
os neo-epicuristas que era inteiramente material. Céticos como Pierre
Bayle atacaram o poder da razã o e racionalistas ingênuos como os
primeiros deístas o defenderam. Os cartesianos exaltaram uma ciência
teó rica matemá tico-dedutiva e os empiristas baconianos negaram a
validade dela. Idealistas como o bispo Berkeley pregavam que a mente
determinava o mundo e materialistas como Hobbes contestavam que a
mente é determinada pela matéria. Espíritas como Georg Hegel viam
Deus manifestando-se na histó ria e positivistas como Auguste Comte
viam a histó ria como uma manifestaçã o do fim da religiã o. Os
positivistas ló gicos pensavam que a razã o mais seca poderia resolver
todos os problemas e os existencialistas e niilistas pensavam que a fé na
pró pria razã o era o problema. Racionalistas sofisticados como
Immanuel Kant atraíram uma série de discípulos, mas o mesmo
aconteceu com antirracionalistas sofisticados como Friedrich
Nietzsche.
Existe, para dizer de forma gentil, um embaraço de riqueza entre os
filó sofos antigos e modernos que deveria deixar claro que a razã o por si
só nã o produz uma uniformidade fá cil. Assim, nã o é decisivo contra a fé
o facto de os cristã os terem demonstrado sérias divergências e terem
caído em seitas rivais. A mesma coisa acontece entre os filó sofos
seculares.
A conclusã o ó bvia a tirar desta diversidade histó rico-filosó fica é a
cató lica: embora seja maravilhosa, a razã o humana é meramente
humana. Nã o somos deuses oniscientes e nossa razã o é falível; quanto
mais profundamente pensamos sobre as coisas, mais difícil é resolvê-
las. Na verdade, o reconhecimento da falibilidade e das limitaçõ es da
razã o humana é em si bastante racional, pois a sua falibilidade e as suas
limitaçõ es estã o historicamente bem documentadas. Na verdade, na
modernidade, foi o reconhecimento da falibilidade e das limitaçõ es da
razã o que levou os filó sofos do otimismo infundado nos poderes da
razã o no Iluminismo do século XVIII ao completo pessimismo sobre a
razã o entre o final do século XX e o século XXI. existencialistas e
niilistas.
A Igreja Cató lica reconhece o valor da razã o e os seus limites e,
portanto, evita o optimismo infundado na razã o, por um lado, e o
cepticismo infundado contra a razã o, por outro. A Igreja, portanto,
protege-se contra os proponentes de ambos os extremos filosó ficos: o
racionalista inebriante que acredita tolamente que a razã o humana, de
fato, pode e sabe tudo, como se fô ssemos deuses, e o cético quase sem
cabeça que nega que a razã o possa saber qualquer coisa. , como se
fô ssemos bestas brutas.
Mas a compreensã o de que a razã o humana é falível e limitada é, de
uma forma importante, um reconhecimento da possibilidade e da
conveniência da fé, pois reconhece que seria muito ú til para a nossa
razã o (para dizer o mínimo) se uma crença infalível e ilimitada O ser
intelectual revelaria ou as verdades que nã o podemos alcançar pelos
nossos pró prios poderes (e portanto teríamos que mantê-las na
confiança, isto é, pela fé) ou verdades que estamos inclinados a perder
ou distorcer através da nossa pró pria tolice ou maldade (e entã o
devemos aceitar como um corretivo disciplinar). Também seria
bastante racional presumir que as verdades reveladas acima da razã o
teriam de ser protegidas de ataques e confusõ es vindos de baixo.
A Igreja como Padroeira e Protetora da Razão e da Fé
As palavras do Papa Joã o Paulo II na Fides et Ratio ajudam a resumir os
nossos pontos nesta secçã o, bem como a avançar ainda mais na nossa
compreensã o.

A Igreja nã o tem filosofia pró pria nem canoniza nenhuma filosofia


particular em preferência a outras... No nível mais profundo, a
autonomia de que a filosofia goza está enraizada no facto de a razã o ser,
por natureza, orientada para a verdade e, além disso, estar equipada
com os meios necessá rios para chegar à verdade.
No entanto, a histó ria mostra que a filosofia – especialmente a
filosofia moderna – tomou caminhos errados e caiu no erro. Nã o é
tarefa nem competê ncia do Magisté rio intervir para colmatar as
lacunas de um discurso filosó fico deficiente. Pelo contrá rio, é dever do
Magisté rio responder clara e vigorosamente quando opiniõ es
filosó ficas controversas ameaçam a recta compreensã o do que foi
revelado, e quando teorias parciais que semeiam erros graves,
confundindo a fé pura e simples do Povo de Deus, começam para se
espalhar mais amplamente. 7
Para evitar ser vago, o Papa nomeou entã o vá rios “pressupostos e
conclusõ es filosó ficas… incompatíveis com a verdade revelada”. 8 Mais
uma vez, a Igreja afastou-se dos extremos, posicionando-se contra
“todas as formas de racionalismo” que negavam as verdades reveladas
acima da razã o, e contra “as tentaçõ es do fideísmo” que negavam a
importâ ncia da razã o. Afastou-se do “tradicionalismo radical” por
desconfiar da razã o e do “ontologismo” por confiar demasiado nela.
Rejeitou o historicismo por tornar toda a verdade meramente
histó rica, o evolucionismo por tornar toda a verdade meramente
bioló gica e o existencialismo por negar que houvesse qualquer
fundamento metafísico para reivindicaçõ es de verdade; pois todos
estes, ao rejeitarem a capacidade da razã o de conhecer
verdadeiramente as coisas, estavam rejeitando até mesmo a
possibilidade da ciê ncia. A Igreja rejeitou o marxismo por reduzir os
seres humanos, incluindo os seus pró prios pensamentos, a meros
reflexos das condiçõ es econó micas, e proibiu o “biblicismo” porque
“tende a fazer da leitura e da exegese da Sagrada Escritura o ú nico
crité rio da verdade”. 9
Nã o precisamos entrar em detalhes de nenhum desses erros.
Devemos notar, contudo, que alguns deles sã o filosó ficos e alguns
teoló gicos; isto é, alguns têm a ver com razã o e outros com fé. Como
observamos anteriormente, a Igreja exerce a mesma postura crítica em
relaçã o a ambos. Nã o é “fé contra a razã o” ou “fé contra a ciência”, mas a
verdade contra a falsidade , onde quer que ela apareça. Tal como
acontece com a filosofia – se pudermos alterar ligeiramente as palavras
de Joã o Paulo II – nã o é “tarefa nem competência do Magistério intervir
para colmatar as lacunas do discurso científico deficiente” tentando
julgar ou corrigir experiências particulares ou aspectos de teorias. Mas,
tal como acontece com a filosofia, deve zelar pelos pressupostos mais
profundos, pelos contornos gerais e pelas conclusõ es mais amplas.
Este é o caso preeminentemente quando uma filosofia particular
informa profundamente os pressupostos e prá ticas de ciências
particulares, como tem sido o caso da filosofia materialista. Assim, por
exemplo, como veremos num capítulo posterior, a Igreja nã o se opõ e à
teoria da evoluçã o, mas apenas a uma compreensã o estritamente
materialista da evoluçã o. Nã o se opõ e à química, mas apenas à noçã o
materialista de que tudo pode ser reduzido a produtos químicos.

Um aviso adicional
Como afirma inteligentemente o historiador da ciê ncia Noah Efron:
“Para cada mito existe um mito igual e oposto”. 10 Embora nã o
queiramos chamar-lhe um “mito”, é verdade que um certo tipo de
reacçã o à tese da guerra tem ocorrido entre os cristã os que, cansados
da surra dada à Fé pelos secularistas, sã o zelosos em mostrar que O
Cristianismo foi na verdade a fonte, a causa da ciê ncia moderna. Nã o é
difícil entender como surgiu essa reaçã o. Quando os historiadores
examinaram o grande monte de evidê ncias, que remontam à Idade
Mé dia, e que tinham sido negligenciadas pelos Drapers e pelos White,
começaram a recuperar toda a extensã o com que os cristã os
contribuíram para a ascensã o da ciê ncia moderna. Para alguns deles
(especialmente para os cristã os irritados), era tã o natural exagerar as
provas como tinha sido para os materialistas seculares ignorá -las.
O argumento geral é mais ou menos assim: “A ciência moderna
nasceu numa cultura particular, uma cultura cristã , e podemos traçar os
seus antecedentes até ao início da Idade Média. Nenhuma outra cultura
– grega, romana, indiana, chinesa, egípcia, babiló nica, islâ mica, africana,
maia – alguma vez nos deu algo parecido com a ciência moderna.
Portanto, a causa do sucesso da ciência moderna deve residir, em
ú ltima aná lise, no Cristianismo, e quanto mais investigamos as origens
cristã s da ciência moderna, mais atrá s encontramos evidências
positivas dos desenvolvimentos sustentados e sofisticados que
sustentam a ciência moderna.”
No início do século XX, o cató lico francês Pierre Duhem (1861-1916),
físico, matemá tico, filó sofo e historiador da ciência, mostrou
decisivamente que a Idade Média cató lica nã o foi uma época sombria,
mas continha um depó sito essencial de riquezas que contribuíram para
o desenvolvimento da filosofia natural, matemá tica, ló gica e
experimentos, levando à ciência moderna. Os seus dez volumes , O
Sistema do Mundo: Uma História das Doutrinas Cosmológicas de Platão a
Copérnico, teriam sido mais do que suficientes para afundar a tese de
Draper, uma vez que demonstrou que a ciência moderna dependia de
desenvolvimentos anteriores tornados possíveis pela Igreja Cató lica na
Idade Média.
Houve outros que reconheceram as importantes contribuiçõ es do
Cristianismo para a ciê ncia. De uma forma mais geral, o filó sofo Alfred
North Whitehead (1861-1947) confirmou praticamente a mesma
afirmaçã o de Duhem, afirmando que “a maior contribuiçã o do
medievalismo para a formaçã o do movimento científico” foi “a crença
inexpugnável de que cada ocorrê ncia detalhada pode ser
correlacionado com seus antecedentes de maneira perfeitamente
definida, exemplificando princípios gerais.” O que tornou a ciê ncia
moderna possível foi “a insistê ncia medieval na racionalidade de Deus,
concebida com a energia pessoal de Jeová e com a racionalidade de um
filó sofo grego. Cada detalhe foi supervisionado e ordenado: a busca
pela natureza só poderia resultar na vindicaçã o da fé na racionalidade.”
11 Sem o Cristianismo, prossegue o argumento, a crença numa ordem
intrínseca da natureza nã o teria ocorrido, e esta crença foi necessá ria
para o advento da ciê ncia moderna.
Uma versã o mais restrita desta abordagem, hoje conhecida como
Tese de Merton, foi oferecida por Robert Merton (1910-2003), que
alegou que foram, na verdade, as peculiaridades do puritanismo inglês
no século XVII que deram o impulso decisivo à Ciência moderna.
Embora a tese de Merton fosse atraente para os protestantes, ela tem os
defeitos ó bvios que implicam ignorar ou subestimar severamente todas
as contribuiçõ es para a ciência moderna feitas por nã o-ingleses e
cató licos (especialmente os jesuítas) e a riqueza do desenvolvimento
científico que ocorreu desde o início da Idade Média. Idades até o
século XVII.
Muito tem sido feito desde a primeira metade do sé culo XX na
histó ria da ciê ncia para justificar as contribuiçõ es essenciais que o
Cristianismo lhe deu, ajudando a revelar, e portanto a mostrar, os
defeitos flagrantes do mito da guerra. 12 Mas, como també m sublinham
os estudos mais recentes, nã o podemos assumir o oposto como
verdadeiro – que o Cristianismo, ou apenas o Catolicismo ou o
Protestantismo, é responsável pelo advento da ciê ncia moderna – sem
distorcer o que realmente aconteceu.
Para começar, simplesmente nã o é verdade insistir que só o
Cristianismo deu origem à noçã o de um universo ordenado e
inteligível. Essa noçã o foi encontrada no pensamento pagã o grego e
romano, e é impossível traçar muito longe as origens da ciê ncia
moderna sem esbarrar na enorme influê ncia de Platã o, Pitá goras,
Aristó teles, dos estó icos, Euclides, Ptolomeu e Galeno. Devemos
també m incluir as contribuiçõ es significativas feitas atravé s do Islã o,
nã o apenas acidentalmente como mediador de textos gregos para o
Ocidente latino, mas essencialmente, acrescentando substâ ncia
definida. 13
Alé m disso, mesmo enquanto o Cristianismo desempenhava o seu
papel significativo, houve uma renovaçã o de ideias pagã s que
desafiavam directamente o Cristianismo, mas que foram utilizadas de
forma frutuosa para promover aspectos da ciê ncia moderna. Para citar
o ó bvio: formas revividas de materialismo pagã o, especialmente
aquelas oferecidas pelos antigos atomistas gregos Demó crito e
Epicuro, alimentaram o interesse no estudo dos detalhes materiais do
mundo natural. O materialismo, embora fundamentalmente erró neo,
conduziu a avanços genuínos nas ciê ncias, e alguns desses
contribuidores abraçaram sem dú vida o materialismo precisamente
porque a ciê ncia definida de forma materialista ajudaria a reivindicar
uma visã o do mundo anticristã . 14
També m nã o podemos deixar de lado a importâ ncia para a ciê ncia
moderna do interesse renovado pela magia durante a Renascença e
depois dela. Os “adeptos da magia” estavam apaixonadamente
interessados em controlar a natureza atravé s do conhecimento de seus
segredos. 15 A paixã o deles levou à descoberta. Pela mesma razã o, o
interesse de longa data pela alquimia, que remonta ao mundo antigo,
mas que ganhou força tanto na Renascença como no Iluminismo, foi
essencial para o avanço moderno da medicina, da química, da física, da
meteorologia, da metalurgia e da geologia. 16 També m nã o podemos
esquecer o enorme impulso na astronomia moderna que resultou do
desejo duvidoso de elaborar horó scopos astroló gicos cada vez mais
precisos. 17 Seria difícil classificá -los como essencialmente cristã os,
pois, na verdade, o espírito por trá s deles era muitas vezes bastante
heterodoxo.
Existem também causas bastante naturais para o avanço da ciência,
tais como as características ó bvias e muito humanas encontradas tanto
em cristã os como em nã o-cristã os. Por exemplo, a curiosidade humana
natural, o desejo de fama ou riqueza, os esquemas de império ou
conquista de uma naçã o, os encantos culiná rios do açú car, do café e das
especiarias, todos fizeram avançar a ciência da navegaçã o. E a lista
continua. Embora muitos cristã os, sendo humanos, tenham feito parte
destes avanços, é difícil defender que estas causas contribuintes sejam
especificamente cristã s. E assim, nã o podemos aceitar a noçã o de que o
Cristianismo é a causa da ciência moderna.

A Posição da Igreja
A Igreja Cató lica rejeita os dois mitos e a reacçã o demasiado zelosa a
eles e fá -lo por razõ es doutrinais centrais. No entanto, estas razõ es
doutriná rias ajudam-nos realmente a compreender a histó ria da
ciência. Para começar com o ú ltimo, uma vez que todos os seres
humanos sã o feitos à imagem de Deus, e a razã o é o nosso elemento
definidor, entã o faria sentido que todos os seres humanos – pagã os,
islâ micos, cató licos, protestantes e até ateus – pudessem usar a sua
natureza natural. razã o para investigar com sucesso a ordem da
natureza. E é isso que encontramos na pró pria histó ria da ciência: nã o é
apenas uma atividade cristã . Nem a Igreja Cató lica está em guerra com
a ciência ou com a razã o. Visto que a razã o humana é boa, e os seres
humanos como tais podem compreender pelos seus pró prios poderes
naturais que Deus existe, e apreciar cada vez mais profundamente a Sua
sabedoria manifestada na criaçã o ( Catecismo , par. 27-49), entã o a
actividade da ciência é intrinsecamente boa. e lícita para o cristã o. É por
isso que encontramos, desde o início da Idade Média, um interesse vivo
e sustentado pela filosofia e pela ciência (ou, como era chamada, pela
filosofia natural). Voltemo-nos agora para a Idade Média para ver quã o
importante ela foi para o desenvolvimento da ciência moderna.
A segunda confusã o
“A Idade Média foi uma época de escuridão científica”

Como observamos, os historiadores que assumem que o Cristianismo, e


em particular o Catolicismo, é fundamentalmente antitético à ciência,
tenderam a negligenciar as evidências em contrá rio da Idade Média,
levando à noçã o bastante absurda de que, de repente, a ciência
moderna surgiu do em lugar nenhum. Felizmente, essa velha visã o foi
desacreditada. A maioria dos historiadores reconhece agora que a
ciência moderna nã o começou na modernidade; em vez disso, está
sobre os ombros de homens antigos e medievais.
A nossa tarefa neste capítulo, contudo, nã o é fornecer uma histó ria
revista da ciência que remonta todos os detalhes até ao mundo antigo,
mas usar a histó ria profunda da ciência para compreender a relaçã o da
ciência com a Igreja Cató lica. Em particular, o nosso objectivo é dissipar
o mito de que durante toda a Idade Média, até por volta do século XVI, o
mundo ocidental esteve envolto em trevas intelectuais e científicas.
Para fazer isso de forma mais eficiente, nos concentraremos em
eventos, desenvolvimentos, temas e nú meros específicos que
desmascarem mais claramente essa falsidade e, ainda mais, iluminem
os princípios que definem como a Igreja Cató lica aborda a ciência –
aqueles que já mencionamos. e aqueles que ainda nã o descobrimos.
Vamos começar voltando à antiga Babilô nia para descobrir as origens
histó ricas mais antigas da ciência moderna. Aqui, talvez de forma
contraintuitiva para a mente moderna, encontraremos as origens da
ciência moderna nas superstiçõ es antigas. Também aqui descobriremos
a origem do mito predominante de que os antigos judeus e a sua Bíblia
eram anticientíficos e que o cristianismo herdou a antipatia judaica
pela ciência (daí a crença de que a escuridã o científica reinava na
cristandade medieval).

Ciência Astronômica no Mundo Antigo


Quase toda histó ria da ciência hoje começa com a grande e antiga
civilizaçã o babilô nica, a terra entre o Tigre e o Eufrates – curiosamente,
a terra onde a Bíblia começa, na Mesopotâ mia. O segundo relato da
criaçã o no livro de Gênesis coloca Adã o e Eva no É den, onde há um rio
que se divide em quatro rios: o Tigre, o Eufrates, o Pisom e o Gisom
(Gên. 2:10–14). Mas também ouvimos falar de Babiló nia, com a sua
infame Torre de Babel – uma estrutura de templo chamada zigurate –
que era a morada do deus da cidade de Babiló nia. A ideia por trá s da
construçã o do zigurate para cima, plataforma por plataforma, era
apontar o templo para os céus e, assim, fornecer uma conexã o entre a
Terra e os deuses.
Foi exatamente nessas torres que a ciência começou.
Havia um grande zigurate em Ur, a esplê ndida e antiga cidade
sumé ria que deu origem ao nome de Abrã o no sé culo XIX aC. O zigurate
de Ur foi dedicado a Nanna, o deus da lua (també m conhecido como
Sin, seu nome acadiano). Nanna era o maior dos deuses e o criador. De
acordo com a mitologia religiosa babilô nica, ele e sua esposa, a deusa
do junco Ningal, geraram descendentes, Utu (o sol, seu nome acadiano
é Shamash) e Inanna (ou Ishtar, o planeta Vê nus e deusa da fertilidade).
1
Mas há outra ligaçã o profunda entre os antigos judeus e os
babilô nios. No século VI aC, os judeus foram tirados da sua amada
pá tria e exilados entre os babilô nios. No exílio, eles teriam visto o
zigurate de sete andares na Babilô nia, Etemenanki, “Templo da
Fundaçã o do Céu e da Terra”. O mito da criaçã o babilô nico, o Enuma
Elish , manda construir este zigurate logo apó s a criaçã o do mundo. Seja
como for, certamente já existia na época de Abraã o, e houve uma versã o
restaurada no século VI a.C., construída pelo rei babilô nico
Nabucodonosor – o mesmo rei que conquistou a Terra Santa e arrastou
os judeus para o exílio. . O zigurate da Babilô nia foi dedicado a Marduk,
o deus supremo, posiçã o que ele alcançou ao derrotar outros deuses.
Marduk nã o foi o primeiro dos deuses. Estes eram Apsu, o deus da
á gua doce, e Tiamet, a deusa da á gua salgada, que deu à luz vá rias
divindades que causaram tanta confusã o que Apsu planejou destruí-las
- um plano frustrado por Tiamet, que trouxe Ea, o mais forte dos deuses
descendentes, para matar Apsu. Ea e sua esposa deram à luz Marduk,
que causou problemas ao provocar ventos que incomodavam Tiamet.
Tomando como marido um de seus filhos, Kingu, Tiamet decidiu reunir
os deuses contra Marduk, seu neto. Marduk matou Tiamet, formando a
Terra a partir de seu cadáver, e também matou Kingu, usando seu
sangue para criar seres humanos. Os deuses, que haviam sido
escravizados por Marduk como puniçã o por guerrearem contra ele,
foram dispensados de seus deveres pela formaçã o de seres humanos
para serem escravos dos deuses.
Uma das primeiras tarefas de Marduk, realizada antes da formaçã o
do homem, foi colocar os céus em ordem, posicionar os deuses como
estrelas e planetas, ordenar o ano e fazer com que o deus da lua
(Nanna) o dividisse em 12 meses, e fazer com que o deus do sol
(Shamash) divida em dias.
Nã o é difícil ver por que os babilô nios estariam interessados em
astrologia — o sol, a lua, os planetas e as estrelas eram divindades . E
quã o maravilhosa é a torre de observaçã o que é um zigurate para
observar a dança dos deuses nos céus! Esta grande atençã o aos céus foi
reforçada pela crença de que havia uma conexã o divinamente ordenada
entre o que estava acontecendo nos céus e o que estava acontecendo na
Terra. Se algo de bom acontecesse na Terra, poderíamos vasculhar os
céus e descobrir quais eram as posiçõ es dos corpos celestes; essas
posiçõ es, quando voltassem, significariam um bom pressá gio. O mesmo
acontecia com as coisas ruins: bastava ver em que posiçõ es o sol, a lua,
os planetas e as estrelas estavam quando ocorriam para saber no
futuro, quando os deuses reservavam o mal para a Terra mais uma vez.
Essa é a essência da astrologia. Observe que nã o se tratava de uma
empresa privada, mas sim de padres a mando do Estado. Os reis da
Babilô nia tinham grande interesse em descobrir o que os céus diziam, a
fim de executarem seus planos na Terra de acordo.
Encontramos a primeira catalogaçã o significativa dos céus na
Babiló nia por volta de 1500 a.C., e nessa altura foram identificados
cinco planetas, cada um associado a uma divindade: como já foi
mencionado, Vénus com Inanna ou Ishtar, Jú piter com Marduk, Saturno
com Ninurta (uma espécie agrícola). deus), Mercú rio com Nabu (deus
da sabedoria e da escrita) e Marte com Nergal (deus da guerra, da peste
e dos mortos).
A astronomia babilô nica continuou a se desenvolver mesmo depois
que o Império Babilô nico caiu nas mã os dos persas em 539 aC, e o
Império Grego surgiu com Alexandre, o Grande, no final do século IV aC.
Os registros astroló gicos meticulosamente mantidos pelos babilô nios
formaram a base da astronomia moderna, fornecendo aos antigos
gregos relatos imensamente detalhados do nascimento e do pô r do sol
e da lua e suas posiçõ es no céu, as posiçõ es exatas das estrelas e dos
planetas sobre muitos, muitos anos e dados brutos sobre a ocorrência
de eclipses. A vasta quantidade de dados foi necessá ria para iniciar o
processo de tentar separar os movimentos regulares dos corpos
celestes daqueles aparentemente irregulares, descobrir um modelo de
como o cosmos deveria ser e aplicar com sucesso a matemá tica a ele –
um longo processo. , processo difícil que culminou no trabalho do
grande astrô nomo-astró logo grego Ptolomeu no século II DC. Sem o
exaustivo relato astronô mico-matemá tico do Almagesto de Ptolomeu ,
Nicolau Copérnico (1473-1543) nunca teria tido uma imagem
detalhada o suficiente para identificar seus problemas. Sem Copérnico,
nã o teria havido Galileu, e assim por diante.

E quanto aos Judeus Antigos?


E agora reveja tudo isso e observe algo muito curioso. Os judeus
surgiram em uma cultura que praticava astrologia na Mesopotâ mia.
Durante o período formativo espiritualmente intenso no exílio
babilô nico, eles viveram entre os astró logos mais desenvolvidos do
mundo antigo. Dois fatos estranhos e relacionados aqui saltam à nossa
mente.
Primeiro, em Gênesis encontramos uma histó ria da criaçã o na qual
existe apenas um Deus, e o sol, a lua e as estrelas sã o apenas luzes.
Quando comparamos o relato de Gênesis com o relato da criaçã o na
Babilô nia, o Enuma Elish , o Gênesis parece intelectual e religiosamente
anos-luz à frente do mito primitivo da Babilô nia. A diferença é causada
pela rejeição dos judeus à noçã o comum – compartilhada pelos antigos
babilô nios, egípcios, cananeus e gregos – de que os corpos celestes
eram seres celestiais (bem como a noçã o paralela de que os animais
poderiam ser deuses).
Segundo, não encontramos nada astrológico no Antigo Testamento .
Os antigos judeus parecem nã o apenas desinteressados, mas
horrorizados com ela, e assim a Lei Judaica condena especificamente a
adivinhaçã o (Lev. 19:26; Deuteronô mio 18:9-11). É por isso que nã o
encontramos evidências no Antigo Testamento de nada que pareça um
precursor da ciência moderna. Em vez disso, encontramos Deus
dizendo a Abraã o: “Olha para o céu e conta as estrelas, se és capaz de
contá -las... assim será a tua descendência” (Gn 15:5). As estrelas nã o
sã o deuses que controlam o destino das pessoas; sã o luzes que indicam
a generosidade da bênçã o da aliança pretendida por Deus para o Seu
povo.
Há mais neste ponto. A crença dos judeus de que o mundo foi
colocado em ordem por um e apenas um Deus, que as coisas na
natureza (nos céus e na Terra) eram naturais e nã o divinas, e que boas
colheitas, vitó ria ou derrota na batalha, granizo, chuva , a fome, a peste
e a peste vieram diretamente de Deus como recompensas e puniçõ es
morais , impedindo os judeus de acreditar que os movimentos dos céus
determinavam sua fortuna. O seu fracasso em manter a Terra
Prometida foi um fracasso moral, nã o o resultado de conjunçõ es
infelizes de planetas ou constelaçõ es ou da incapacidade de calcular as
conjunçõ es propícias.
E assim, enquanto os babilô nios estavam em seus zigurates,
examinando a extensã o infinita dos céus e detalhando cada movimento
de seus habitantes divinos, os judeus, especialmente durante o exílio
babilô nico, voltaram-se para dentro, vasculhando as profundezas
espirituais e morais de suas almas. .
Isto teve um efeito decisivo na consequente relaçã o dos judeus com a
ciê ncia. Encontramos um interesse significativo na astronomia por
parte dos judeus apó s o exílio babilô nico (durante o que é chamado de
Período do Segundo Templo, 538 aC-70 dC), bem como durante o
período do Judaísmo rabínico clá ssico (70-600 dC), e em a idade
mé dia. 2 Mas també m descobrimos que eles quase invariavelmente
abordavam a astronomia como subordinada à s verdades e
interpretaçõ es bíblicas.
Por exemplo, o Livro de Enoque (1 Enoque) foi escrito em algum
momento durante o sé culo III aC. Descreve Enoque (de Gê nesis 5:21-
24) levado aos cé us pelo anjo Uriel e mostrado a ordem astronô mica –
nã o astroló gica – dos cé us. Nos capítulos 72-82, que os estudiosos
chamam de Livro Astronô mico, encontramos Enoque declarando: “O
livro dos cursos dos luminares do cé u, as relaçõ es de cada um, de
acordo com suas classes, seu domínio e suas estaçõ es, de acordo com
sua nomes e lugares de origem, e de acordo com seus meses, que Uriel,
o santo anjo, que estava comigo, que é seu guia, me mostrou; e ele me
mostrou todas as suas leis exatamente como sã o e como sã o em
relaçã o a todos os anos do mundo e até a eternidade, até que a nova
criaçã o seja realizada, a qual dura até a eternidade”. 3
Enoque está vendo a ordem dos cé us estabelecida por Deus. O sol, a
lua, os planetas e as estrelas obedecem à s leis de Deus — assim como
os bons judeus deveriam fazer; eles pró prios nã o sã o divinos, nem
decidem o destino dos assuntos humanos. Como observado
anteriormente no Livro de Enoque , em contraste com a obediê ncia
ordenada dos cé us aos mandamentos de Deus, os maus judeus “nã o
foram firmes, nem cumpriram os mandamentos do Senhor/Mas… se
afastaram e falaram palavras orgulhosas e duras. /Com… bocas
impuras contra Sua grandeza” (1 Enoque 5:4). Junto com esta
condenaçã o como contraste, o objetivo do Livro Astronô mico é tornar
manifesta a maravilhosa ordem da criaçã o de Deus e fixar o calendá rio
judaico com mais precisã o. A adivinhaçã o atravé s da astrologia, por
outro lado, é apresentada como uma arte perversa ensinada pelos
anjos rebeldes que se acasalaram com as mulheres da Terra e
produziram a raça dos gigantes (Gn 6:4; 1 Enoque 8:2). Mesmo na
literatura rabínica posterior, onde a noçã o de que as estrelas
determinam o destino humano é levada a sé rio, os judeus sã o
representados como uma excepçã o, afastados de tal determinismo pela
eleiçã o especial de Deus. 4
Descobrimos um princípio importante que rege a relaçã o da Igreja
Cató lica com a ciê ncia, pois a Igreja Cató lica herdou a antiga aversã o
judaica à adivinhaçã o astroló gica. Dito de forma mais ampla, a Igreja
rejeita todas as noçõ es de ciê ncia baseadas na crença de que forças
meramente materiais (nos cé us ou na Terra) sã o divinas, determinam
as açõ es humanas, ou ambas. Sã o Tomá s de Aquino resumiu
judiciosamente a posiçã o da Igreja na sua Summa Theologiae , onde nos
diz que a divinizaçã o – a alegada previsã o astroló gica de eventos
contingentes futuros – “é sempre um pecado”, uma posiçã o que Sã o
Tomá s enraíza tanto no Deuteronô mio como na Igreja. lei. 5 Embora as
forças físicas possam influenciar a escolha humana, elas “nã o impõ em
qualquer necessidade ao livre arbítrio, e o homem é capaz, pela sua
razã o, de agir contrariamente à inclinaçã o dos corpos celestes”.

Conseqü entemente, se algué m observa as estrelas para prever eventos


casuais ou fortuitos, ou para conhecer com certeza as açõ es humanas
futuras, sua conduta é baseada em uma opiniã o falsa e vã ; e assim a
operaçã o do demô nio se introduz ali, portanto será uma adivinhaçã o
supersticiosa e ilegal. Por outro lado, se algué m aplicasse a observaçã o
das estrelas para prever as coisas futuras que sã o causadas pelos
corpos celestes, por exemplo, seca ou chuva e assim por diante, nã o
seria uma adivinhaçã o ilegal nem supersticiosa. 6
Para a Igreja, as ciências teoló gicas e morais devem sempre
permanecer as ciências mais elevadas porque lidam com as verdades
mais elevadas e abrangentes sobre Deus, a relaçã o da criaçã o com Deus
e a vida moral dos seres humanos - as ú nicas criaturas feitas à imagem
de Deus e capaz tanto do bem quanto do mal. Estas sã o as verdades
primá rias reveladas na Bíblia. Comparadas a essas verdades, as
verdades astronô micas (por mais maravilhosas que sejam) sã o
secundá rias. Dito isto, as verdades astronô micas, uma vez despojadas
da astrologia, sã o verdades reais; os céus declaram a gló ria de Deus (Sl
19).
Voltemos ao zigurate para um ú ltimo ponto. O relato bíblico da Torre
de Babel apresenta o zigurate como o grande símbolo do orgulho, “uma
torre com o topo nos céus” que permite aos babiló nios “fazerem um
nome” para si pró prios (Génesis 11:1-9). O espírito deste esforço para
ler as estrelas é iluminado em Isaías (14:12-14), onde o grande profeta
troveja contra o rei da Babiló nia, prevendo a sua destruiçã o, nã o por
maus pressá gios astroló gicos, mas pela mã o do Deus vivo.

Como você caiu do céu,


Ó Estrela da Manhã , filho da Aurora!
Como você é derrubado no chã o,
Você que derrubou as naçõ es!
Você disse em seu coraçã o,
“Eu subirei ao céu;
Acima das estrelas de Deus
Porei o meu trono nas alturas;
Vou sentar-me no monte da assembléia
No extremo norte;
Subirei acima das alturas das nuvens,
Eu me tornarei semelhante ao Altíssimo.”
A tentaçã o mais profunda e sombria da astrologia e, portanto, de
toda a ciência ruim, é acreditar que através da obtençã o do
conhecimento nos tornamos como Deus e assim definimos o bem e o
mal e controlamos nossos destinos como se fô ssemos senhores do
universo. Na teologia cristã posterior, a Estrela da Manhã nesta
passagem passou a ser associada a Lú cifer. Avançamos muito além da
astrologia babiló nica na nossa ciência, mas nunca ultrapassamos esta
tentaçã o, e essa é uma verdade mais profunda do que qualquer verdade
científica.

A Idade das Trevas e a Idade Média: uma ponte entre


a ciência antiga e a moderna
Como acabamos de ver, pelo menos muito brevemente, as origens
antigas da ciência moderna remontam aos babilô nios e depois aos
gregos. É claro que esse nã o foi o fim da histó ria. A cultura romana
tornou-se a portadora dessas riquezas antigas e, quando o Império
Romano desmoronou, primeiro o Islã e depois o Cristianismo tomaram
a sua vez.
Contudo, se confiá ssemos na propaganda dos historiadores
secularizadores, pensaríamos que o Cristianismo desperdiçou essas
riquezas, interrompeu o desenvolvimento da ciência e que a ciência só
foi retomada a sério no final da Renascença. A verdade é que o
Cristianismo foi ao mesmo tempo o portador da ciência antiga e um
contribuidor essencial e significativo para ela. Em nenhum lugar isso
fica mais claro do que na maior contribuiçã o do Cristianismo para a
ciência, a invençã o da universidade. “Dito de forma sucinta, o período
medieval deu origem à universidade, que se desenvolveu com o apoio
ativo do papado”, aponta o historiador da ciência Michael Shank.

Esta instituiçã o incomum surgiu espontaneamente em torno de


mestres famosos em cidades como Bolonha, Paris e Oxford antes de
1200. Em 1500, cerca de sessenta universidades estavam espalhadas
por toda a Europa… Cerca de trinta por cento do currículo universitá rio
medieval cobria assuntos e textos relacionados com o mundo natural. .
Este nã o foi um desenvolvimento trivial [para a histó ria da ciência]. A
proliferaçã o de universidades entre 1200 e 1500 significou que
centenas de milhares de estudantes – um quarto de milhã o nas
universidades alemã s a partir de 1350 – foram expostos à ciência na
tradiçã o greco-á rabe. À medida que as universidades amadureceram, o
currículo passou a incluir mais obras de mestres latinos [medievais]
que desenvolveram esta tradiçã o ao longo de linhas originais.
Se a igreja medieval pretendia desencorajar ou suprimir a ciê ncia,
certamente cometeu um erro colossal ao tolerar – para nã o falar de
apoiar – a universidade. Nesta nova instituiçã o, a ciê ncia e a medicina
greco-á rabe encontraram pela primeira vez um lar permanente, que –
com vá rios altos e baixos – a ciê ncia manteve até hoje. 7
A universidade medieval – que foi literalmente inventada pela
cristandade – foi também o canal do aprendizado islâ mico antigo e
medieval. Deu aos estudos uma estrutura definida para conduzir os
alunos através das sete artes liberais: o quadrivium (aritmética,
geometria, mú sica e astronomia) e o trivium (gramá tica, retó rica e
ló gica). Observe a forte ênfase na matemá tica no quadrivium – tanto a
mú sica quanto a astronomia sã o baseadas na matemá tica. A base
matemá tica da ciência moderna assenta na extraordiná ria difusã o do
conhecimento matemá tico nas universidades da Europa. Foi, na
verdade, o clérigo Adelard de Bath (c. 1080-1152) quem traduziu os
Elementos de Euclides para o latim, o tratado matemá tico mais influente
que fundamentou a ciência moderna. ( O Philosophiae Naturalis
Principia Mathematica de Isaac Newton deve muito a Euclides, como
atesta até mesmo um exame superficial de sua estrutura.)
Nas universidades, até mesmo a teologia só foi retomada apó s o
intenso estudo das sete artes liberais. Todos os teó logos foram
primeiros matemá ticos e filó sofos naturais. Alé m disso, como atestam
os nú meros fornecidos por Shank, as universidades da cristandade
garantiram que muito mais pessoas fossem alfabetizadas matemá tica
e cientificamente do que em qualquer é poca anterior. “Entre 1150 e
1500”, observa Shank, “mais europeus alfabetizados tiveram acesso a
materiais científicos do que qualquer um dos seus antecessores em
culturas anteriores, graças em grande parte ao surgimento, ao rá pido
crescimento e aos currículos de artes naturalistas das universidades
medievais”. 8 Isto refuta a ideia de que a Idade Mé dia foi uma é poca de
escuridã o científica.

Vários e diversos outros mitos


Muitos mitos devem ser descartados juntamente com esse – por
exemplo, que os medievais pensavam que a Terra era plana e que foi
apenas atravé s dos esforços de Cristó vã o Colombo que a sua redondeza
foi provada (contra os protestos dos monges). Que a Terra era uma
esfera era bem conhecido na antiguidade, atestado pelos pagã os
Aristó teles, Erató stenes, Ptolomeu, Plínio, o Velho, Macró bio e cristã os
como Santo Agostinho, Sã o Jerô nimo, Santo Ambró sio e Boé cio. Dado
que a universidade medieval foi o canal tanto para o antigo
aprendizado astronô mico quanto para o pensamento desses grandes
santos, a noçã o de que os medievais se apegavam obstinadamente a
uma Terra plana é ridícula. A esfericidade da Terra era conhecida pelo
“papa matemá tico”, Gerberto de Aurillac, coroado Papa Silvestre II em
999. 9 É atestado pelos clé rigos do sé culo XIII, Santo Alberto, o Grande,
Sã o Tomá s de Aquino, Michael Scot e Roger Bacon. O livro didá tico de
astronomia mais influente usado nas universidades, escrito pelo
clé rigo Jean de Sacrobosco do sé culo XIII, foi De Sphera , obviamente
nã o uma obra que apregoava uma Terra plana. Outra obra popular,
Imago Mundi (1410) – tã o popular que foi lida por ningué m menos que
Cristó vã o Colombo – també m defendeu a esfericidade da Terra. Foi
escrito por Pierre d'Ailly, arcebispo de Cambrai. 10 Eles até sabiam o
tamanho aproximado da circunferê ncia da Terra, fixando-a em 46.000
quilô metros 11 (o tamanho real é de cerca de 24.900 milhas no
equador).
Devemos també m abandonar a noçã o de que os filó sofos medievais
pensavam que o universo era uma esfera muito pequena que rodeava
uma Terra muito grande. Obtemos essa noçã o das representaçõ es do
cosmos, feitas durante a Idade Mé dia, que (como outras artes do
período) nã o colocam as coisas na perspectiva adequada. Estas
ilustraçõ es tentam invariavelmente comprimir tudo numa só imagem,
mostrando assim uma Terra relativamente grande no centro com o
resto do cosmos, incluindo os cé us exteriores, rodeando-a e ocupando
aproximadamente o mesmo tamanho da Terra. Mas nã o era assim que
os homens medievais instruídos viam o tamanho da Terra; na verdade,
foi exatamente o contrá rio, como deixa claro o grande filó sofo e
teó logo cristã o do início do sé culo VI, Boé cio. “É bem sabido e você já
viu demonstrado pelos astrô nomos”, observa Boé cio, em sua famosa
Consolação da Filosofia , “que alé m da extensã o dos cé us, a
circunferê ncia da Terra tem o tamanho de um ponto; isto é , comparado
à magnitude da esfera celeste, pode-se pensar que nã o tem extensã o
alguma.” 12 E quã o grande eles achavam que era a “esfera celeste” que
circundava a Terra? Cá lculos de astró nomos á rabes, que foram
transmitidos à Idade Mé dia, estimam a distâ ncia da Terra à s estrelas
em cerca de 145 milhõ es de quiló metros. 13 Na popular obra
hagiográ fica do sé culo XIV, South England Legendary , somos
informados de que um homem nã o poderia alcançar o Cé u mais
elevado se viajasse 40 milhas por dia durante 8.000 anos, ou seja, mais
de 116.800.000 milhas. 14
É claro que os medievais negaram que a Terra se movia e afirmaram
que a Terra, por mais insignificante que fosse, era o centro do universo.
No entanto, quando olhamos para o seu raciocínio, nã o encontramos
estupidez, obscurantismo ou orgulho, mas ló gica e humildade. O Papa
Silvestre II foi, novamente, matemá tico e astrô nomo. Ele sabia que,
dado o tamanho da Terra (o que, mais uma vez, ele acertou), se ela
girasse a cada 24 horas, ele estaria viajando a cerca de 1.600
quilô metros por hora na superfície. Se fosse assim, ele e outros
raciocinaram, entã o ele deveria ser levado pelo vento e os objetos
lançados ao ar cairiam bem atrá s dele. 15 Nã o havia argumentos
racionais na é poca contra tais objeçõ es racionais.
E como deveríamos explicar a ideia de a Terra ser o centro do
universo? Como veremos com mais detalhes no pró ximo capítulo, isso
nã o era uma questã o de orgulho teoló gico. Os medievais acreditavam,
com base em Aristó teles, que subir era melhor e, à medida que algué m
se afastava da Terra, subia em direçã o ao Cé u, em direçã o ao eté reo,
bem-aventurado e imperecível. A Terra estava no centro do universo
porque era o ponto mais baixo, em todos os sentidos do termo: era de
tamanho insignificante e era uma espé cie de buraco onde se reunia
tudo o que era pesado, efê mero e corruptível. A ú nica coisa mais baixa,
mais no centro, na verdade no centro da Terra, era o Inferno. 16

Uma série de cientistas medievais


Se você ler qualquer histó ria recente da ciência, que atenda aos fatos
reais, descobrirá que a lista de cientistas da Idade Média é quase
exclusivamente uma lista de padres, irmã os religiosos, bispos e
cardeais. Um cientista leigo era tã o raro quanto um dente de galinha até
os séculos XVI e XVII e, mesmo entã o, os clérigos cató licos (assim como
os leigos) continuaram a constituir uma grande percentagem daqueles
que faziam a ciência avançar. Sem estes homens medievais de Deus, nã o
teria havido ciência moderna. Sem esta causa histó rica, a histó ria da
ciência teria morrido com os antigos.
A importâ ncia marcante desta posiçã o, de ser o portador e
desenvolvedor da ciência, durante o período que vai de cerca de 1100 a
1500 dC, deve ser compreendida. Os seres humanos nã o sã o
conhecedores instantâ neos e, portanto, nã o sã o cientistas instantâ neos.
O caminho para a descoberta é lento e longo, e cada parte desse
caminho é necessá ria para cada parte que o sucede. A ciência moderna
depende essencialmente do avanço e do desenvolvimento da
astronomia, da matemá tica, da geometria, da ló gica, da alquimia, da
ó ptica, etc., realizados durante a Idade Média pelos clérigos. Embora
parte do trabalho que realizaram possa hoje parecer primitivo, isso
acontece apenas porque dependemos histó rica e intelectualmente das
suas realizaçõ es, mesmo – e especialmente – para a nossa capacidade
de as superar. Todas as partes posteriores da histó ria da ciência
dependem das anteriores, e é por isso que qualquer histó ria da ciência
hoje inclui as seguintes figuras.
O frade dominicano Albertus Magnus, ou Santo Alberto, o
Grande (c. 1193–1280), é o santo padroeiro das ciências,
ganhando seu título por ser um dos mais ferrenhos
defensores do direito do clérigo de explorar o mundo
natural. Santo Alberto reuniu tudo de melhor sobre
filosofia natural, astronomia, fisiologia, mineralogia,
alquimia, biologia, botâ nica, bem como ética, política,
matemá tica, metafísica e teologia, e tentou trazer ordem a
tudo. Colocar ordem na desordem, em relaçã o à s
pesquisas anteriores, é um passo essencial para o avanço
da ciência. Mas nã o devemos perder o ponto teoló gico
que Santo Alberto estava defendendo: o estudo da
natureza e o estudo de Deus andam de mã os dadas, pois a
gló ria, o amor e a sabedoria de Deus sã o mostrados em
Suas obras de criaçã o e em Sua obra de redençã o.
Robert Grosseteste (c. 1170–1253), o bispo de Lincoln, foi
um zeloso reformador da Igreja e um zeloso cientista, um
dos principais matemá ticos e filó sofos naturais de seu
tempo. Ele escreveu um livro sobre astronomia e a
estrutura do mundo e trabalha sobre a luz, o movimento
das marés, matemá tica, cometas e o arco-íris.
Roger Bacon (c. 1214-1294), um frade franciscano,
enfatizou (com o antigo filó sofo Aristó teles) que a
experiência – experimentum – era essencial para o
progresso da ciência e reuniu e tentou sintetizar as
teorias disponíveis sobre luz e ó ptica. Ele também
especulou sobre a possibilidade de criar veículos que se
moviam sem cavalos, em má quinas voadoras e muito
mais dentro de suas possibilidades, um espelho que faria
objetos muito distantes parecerem muito mais pró ximos.
O arcebispo franciscano de Canterbury John Peckham (c.
1230-1292) e seu contemporâ neo Erasmus Witelo, um
frade polonê s, també m avançaram na teoria ó ptica,
escrevendo tratados que formaram a base do currículo
universitá rio e, portanto, a base dos avanços da ó ptica
moderna. (E, a propó sito, os ó culos de leitura foram
inventados em algum momento no final do sé culo 13.) O
beneditino Ricardo de Wallingford (1292–1336), filho de
um ferreiro, foi o abade de St. Albans e inventou o Albion:
um astronô mico instrumento que permitiu muito
habilmente ao seu usuá rio determinar a posiçã o das
estrelas e planetas sem tabelas astronô micas
complicadas (e à s vezes, nã o copiadas com muita
precisã o). Mais ainda, ser um artesã o perspicaz e um
excelente matemá tico permitiu-lhe construir um reló gio
mecâ nico magistral, o melhor da sua é poca, para a igreja
da abadia. (Engenhosamente, sua face era um astrolá bio.)
Os reló gios nã o só eram interessantes por si só , mas
foram inicialmente construídos com um propó sito muito
teoló gico: ajudar os monges a estruturar seus dias de
oraçã o e trabalho, ora et labora . 17 Seria, naturalmente,
bastante difícil realizar mediçõ es precisas de velocidade
na ciê ncia moderna sem mediçõ es de tempo cada vez
mais precisas. Depois, houve os chamados Calculadores
Merton do Merton College de Oxford, como Thomas
Bradwardine (c. 1290–1349), que enfatizou a
importâ ncia do uso da matemá tica nas ciê ncias naturais
e tentou derivar uma fó rmula de movimento. Houve
també m Richard Swineshead, conhecido como A
Calculadora por causa de suas extraordiná rias
habilidades matemá ticas, que floresceu em meados do
sé culo XIV. O Liber Calculationum de Swineshead , Livro de
Cálculos , foi o principal livro de matemá tica de ponta da
é poca. E depois temos William Heytesbury (c. 1313-
1373), que formulou corretamente um teorema da
velocidade mé dia que tratava de cá lculos da distâ ncia
percorrida durante um período de tempo sob aceleraçã o
uniforme – mais uma vez, um marco importante na
histó ria da física. O dominicano alemã o Teodorico de
Freiburg (c. 1250–1310) deu ao mundo a primeira aná lise
geomé trica correta do arco-íris – um triunfo da uniã o da
ó ptica, da geometria e da filosofia natural.
O francês e clérigo John Buridan (c. 1300–1361) formulou
os fundamentos da moderna teoria do ímpeto usada na
previsã o do movimento de projéteis e na astronomia,
para o movimento contínuo das estrelas e planetas. Ele
também deu uma das respostas originais e racionais aos
problemas decorrentes da sugestã o de que a pró pria
Terra poderia estar girando (em vez de os céus girarem
em torno da Terra). Como mencionamos, anteriormente a
resposta racional a alguém que sugeria que estávamos
girando a mil milhas por hora era “Por que nã o sentimos
ou vemos os efeitos ó bvios deste movimento?” Buridan
ofereceu a soluçã o certa: o ar, ou atmosfera, que rodeia a
Terra pode estar a rodar com ela. Aluno de Buridan, que
se tornou bispo de Lisieux, Nicole Oresme (c. 1323–1382)
refinou a soluçã o de seu mestre para o problema do
movimento, bem como o teorema da velocidade média de
William Heytesbury.

A “Idade da Luz”
Devemos sublinhar as ligaçõ es ó bvias entre as universidades, a Igreja
universal e o trabalho dos cientistas clericais que mencionamos
brevemente. As universidades da cristandade forneceram o contexto de
ensino que permitiu conquistas significativas (uma vez que o currículo
de artes liberais exigia de todos os alunos um conhecimento tanto de
matemá tica como de filosofia natural), promoveram o avanço de cada
uma das ciências e, talvez o mais importante de tudo, , proporcionou
uma língua universal e uma cultura geograficamente fluida que
permitiu que estudantes e académicos de toda a Europa comunicassem
e colaborassem entre si. E nã o podemos deixar de mencionar
novamente o grande número de pessoas nas universidades; uma vez
que as ordens religiosas, especialmente as ordens mendicantes,
estavam abertas a todos os níveis da sociedade, isto representava a
maior extensã o de conhecimento científico na histó ria do mundo até
entã o.
Assim, longe de ser uma época sombria para a ciência, durante a
Idade Média a luz foi derramada como nunca antes. Mas isso nã o
significa que nã o houvesse manchas escuras, e as mais escuras
ocorreram em meados do século XIV com a Peste Negra. Nã o podemos
sobrestimar os efeitos horríveis de ter talvez metade da populaçã o
europeia exterminada por um contá gio desconhecido e, na altura,
incognoscível. A Peste Negra levou toda e qualquer pessoa, do nobre ao
camponês, do estudioso ao servo, e a cultura intelectual e científica que
se construiu no sistema universitá rio entre os séculos XI e XIV sofreu
um golpe muito severo. Este revés devastador explica o caos e a
confusã o verificados em meados do século XIV e nas décadas seguintes.
A ciência, num sentido muito real, é um luxo da civilizaçã o; quando a
pró pria civilizaçã o é ameaçada nas suas amarras, o luxo dá lugar ao
atendimento das necessidades.
O fio do progresso científico retomaria ainda com outro clérigo, um
certo Nicolau Copérnico, mas é melhor deixarmos a nossa consideraçã o
sobre ele para o pró ximo capítulo.
A terceira confusã o
“A Igreja Católica Anticiência Perseguiu Copérnico e Galileu”

Se você ouvisse os rumores que passaram para a histó ria, pensaria que
a verdade sobre Copérnico e Galileu era algo assim. Antes de Copérnico,
a ciência estava sob o domínio sombrio de monges ignorantes e clérigos
corruptos. Um dia, de repente, um homem chamado Copérnico ousou
salientar que a Terra nã o era plana, mas redonda, e que o Sol estava
parado e a Terra girava em torno dele. Por seus nobres esforços, ele foi
imediatamente queimado até a morte em uma pilha já fumegante de
hereges.
Pouco depois, porém, apareceu um físico italiano chamado Galileu
Galilei, que olhou através do seu telescó pio e viu claramente que o Sol
estava parado e a Terra se movia e destemidamente falou a favor da
verdade. Por seus nobres esforços, a Igreja o jogou na prisã o, torturou-o
impiedosamente durante anos e, em vá rios feriados especiais da Igreja,
enforcou-o ao amanhecer, arrastou-o e esquartejou-o ao meio-dia e
queimou-o na fogueira à noite (usando todos os seus livros). para
combustível).
É claro que esta montagem de episó dios absurdos nã o tem
fundamento histó rico. Como veremos, nem Copérnico nem Galileu
alguma vez foram para a prisã o, embora Galileu tenha passado algum
tempo sob uma muito confortável “prisã o domiciliá ria”. Nenhum deles
foi torturado, queimado ou executado de qualquer outra forma. Ambos
morreram em suas pró prias camas: Copérnico devido a um derrame e
Galileu por outras causas naturais.
No entanto, os velhos mitos nã o morrem facilmente, e mesmo entre
os mais eminentes cientistas dos nossos dias, que certamente
deveriam saber melhor, os rumores passam por verdades. Nosso físico
teó rico mais famoso, Stephen Hawking, embora provavelmente saiba
que Galileu nã o foi torturado ou queimado, ainda tinha o seguinte a
dizer: “O famoso conflito de Galileu com a Igreja Cató lica foi central
para sua filosofia. Ele foi um dos primeiros a argumentar que os seres
humanos poderiam esperar compreender como o mundo funciona e,
alé m disso, que poderíamos fazer isso observando o mundo real.
Galileu, talvez mais do que qualquer outra pessoa, foi responsável pelo
nascimento da ciê ncia moderna.” 1
Galileu nã o foi certamente “um dos primeiros a argumentar que os
seres humanos poderiam esperar compreender como o mundo
funciona… observando o mundo real”. Se alguém pudesse receber tal
crédito, seria o antigo filó sofo grego Aristó teles. Mas, como vimos, a
ênfase da Igreja no conhecimento de Deus através da natureza
fundamentou toda a preocupaçã o medieval com a ciência, em particular
com a astronomia. Hawking está deturpando totalmente o significado
de Galileu e simplesmente reaquecendo uma versã o do mito da guerra
de Draper e White.
Obviamente, Hawking nã o leu muito a histó ria da ciência, ou teria
sabido melhor. Vamos ver como fica o registro quando for corrigido.

O grande clichê copernicano


Comecemos com o significado do que Copérnico fez. Nicolau Copérnico
nasceu em fevereiro de 1473 na cidade de Toruń , no norte da Polô nia.
Seus pais faziam parte da classe mercantil e deviam ser devotos, pois
dois de seus três irmã os ingressaram na vida religiosa. Nicolaus era
extremamente bem-educado, falava cinco línguas e era um talentoso
beneficiá rio da herança matemá tica-astronô mica dos sistemas
universitá rios. Foi na Universidade de Cracó via que ele aprendeu a
fundo o sistema ptolomaico. Ele pode ter se tornado sacerdote ou ter
recebido apenas ordens menores, mas em ambos os casos foi um
homem da Igreja e obteve o doutorado em Direito Canô nico. Ele
também estudou medicina na Universidade de Pá dua. Apó s estes
estudos, Copérnico voltou para a Poló nia, e foi lá que viveu a sua vida
trabalhando na sua grande alternativa astronó mica a Ptolomeu. Em
1514, ele havia esboçado alguns aspectos de sua teoria e, no início da
década de 1530, já havia praticamente concluído seu famoso De
Revolutionibus orbium coelestium ( Sobre a revolução das esferas celestes
), mas adiou sua publicaçã o até estar em seu leito de morte, em 1543.
O que fazer com sua “revoluçã o”? Como quase todos sabem,
Copérnico defendeu um sistema astronô mico heliocêntrico (centrado
no Sol) contra um sistema astronô mico geocêntrico (centrado na
Terra). O significado disto tem sido popularmente apontado como uma
grande verificaçã o da realidade para a humanidade – um rebaixamento
do nosso alto pedestal auto-designado (e apoiado pela Bíblia) no
universo. Pela revoluçã o copernicana, segundo a histó ria, o homem foi
arrancado da sua posiçã o exaltada no centro da criaçã o e lançado para
fora como um humilde habitante de um entre vá rios outros planetas
que orbitam o Sol. A ciência destronou triunfantemente o homem e a
teologia! (Parece familiar? Faz parte da tese da guerra.)
O mesmo acontece com o “grande clichê copernicano”, que, como
observa Dennis Danielson, “durante um bom nú mero de anos, até
mesmo sé culos, vem confundindo nossa compreensã o da histó ria da
astronomia, e da histó ria em geral”, e “que tem sido repetido com tanta
frequê ncia, e por vozes tã o respeitáveis, que agora faz parte
virtualmente do mobiliá rio mental de todos. Isso, claro, é a natureza de
um clichê : é uma afirmaçã o cuja pró pria frequê ncia de repetiçã o
resulta, independentemente de sua verdade ou falsidade, em ser
repetida mais uma vez.” 2 Como mostra Danielson, o clichê é tã o falso
quanto influenciado pela repetiçã o.
Uma parte do clichê supõ e que o conflito entre as visõ es
heliocêntrica e geocêntrica é essencialmente um conflito entre a ciência
e a teologia, como se a única razã o pela qual alguém acreditaria que a
Terra era o centro estacioná rio do universo fosse o fato de ela ter sido
ordenada pela fé. (e rigorosamente aplicado pelas autoridades da
Igreja). Mas isso é manifestamente falso. A autoridade má xima foi a
experiência muito real e de bom senso de estar em uma Terra imó vel,
olhando para o céu e observando que o sol, a lua, as estrelas e os
planetas giram ao nosso redor. Tudo o que a Igreja e a Bíblia tinham a
dizer baseava-se neste fundamento aparentemente bastante só lido da
experiência de bom senso.
Além disso, foi com base nesta suposiçã o de bom senso que toda a
astronomia foi construída até entã o. No século II, Ptolomeu reuniu
todas as melhores observaçõ es astronó micas do mundo antigo e uniu-
as num relato sistemá tico, que por sua vez se tornou a base sobre a qual
os astró nomos cristã os islâ micos e medievais iriam construir. Tal como
acontece com todos os paradigmas científicos bem desenvolvidos, nã o
poderia (e nã o deveria) ser facilmente abandonado sem provas e
argumentos extraordiná rios em contrá rio.
Quando estabeleceu o seu novo sistema, entã o, o principal adversá rio
de Copérnico nã o era, de facto, a Igreja, mas o status quo da ciência .
Contrariamente ao cliché, nã o houve vantagens reconhecíveis na
adopçã o do sistema de Copérnico quando o seu agora famoso De
Revolutionibus foi publicado em 1543 e pouco tinha mudado na época
de Galileu, uma geraçã o mais tarde. Na verdade, o maior astrô nomo da
época, Tycho Brahe (1546-1601), propô s uma variaçã o do sistema
ptolomaico (em que a Terra mantinha sua posiçã o central, o Sol ainda
girava em torno dela, mas cinco dos planetas giravam em torno do sol).
As novas e detalhadas observaçõ es das estrelas e dos planetas feitas
por Brahe foram, sem dú vida, o avanço mais importante que tornou
possível a astronomia moderna, porque o seu olho aguçado - o
telescó pio ainda nã o tinha sido inventado - deu aos europeus tabelas
astronó micas muito melhoradas, sem as quais nã o há argumento real
sobre os céus, de uma forma ou de outra, poderiam efetivamente
acontecer.
Afirma-se frequentemente, como parte do clichê copernicano, que o
sistema de Ptolomeu foi confuso com o interminável aparelhamento de
círculos e epiciclos (círculos girando em círculos) para ajustá -lo à
maneira como os planetas realmente pareciam se mover e que
Copérnico ofereceu uma soluçã o mais simples, alternativa mais
“econó mica” sem todo o aparato geométrico ad hoc. A verdade é outra.
O De Revolutionibus de Copérnico era, na verdade, tã o
matematicamente difícil que apenas muito poucas pessoas da época
conseguiam penetrá -lo.
Como afirmou o historiador da ciê ncia Thomas Kuhn, a alegada
“economia do sistema copernicano… é em grande parte uma ilusã o”. O
sistema de sete círculos estabelecido por Copé rnico no primeiro livro
do De Revolutionibus “nã o irá prever a posiçã o dos planetas com uma
precisã o comparável à fornecida pelo sistema [de 12 círculos] de
Ptolomeu”. Ptolomeu tinha de facto “foi obrigado a complicar o sistema
fundamental de 12 círculos com epiciclos, excê ntricos e equantes
menores”, mas “para obter resultados comparáveis do seu sistema
bá sico de sete círculos, Copé rnico també m foi forçado a usar epiciclos
e excê ntricos menores. ” Kuhn conclui: “O sistema completo [de
Copé rnico] era pouco ou menos menos complicado do que o de
Ptolomeu. Ambos empregaram mais de 30 círculos; havia pouco para
escolher entre eles na economia. Nem os dois sistemas poderiam ser
distinguidos pela sua precisã o. Quando Copé rnico terminou de
adicionar círculos, seu complicado sistema centrado no Sol deu
resultados tã o precisos quanto os de Ptolomeu, mas nã o deu
resultados mais precisos. Copé rnico nã o resolveu o problema dos
planetas.” 3 Isto nã o quer dizer, claro, que o sistema de Copé rnico nã o
fosse, em ú ltima aná lise, melhor que o de Ptolomeu. Mas na época nã o
poderia ser considerado superior, com base na obra mais famosa de
Copé rnico. Assim, a resistê ncia ao sistema copernicano era
plenamente justificada na é poca apenas por motivos científicos , e é por
isso que a principal resistê ncia a ele veio de outros astrô nomos. Ao
opor-se a Copé rnico, entã o, a Igreja nã o agiu de forma nã o científica,
mas na verdade confiou na autoridade e competê ncia dos melhores
astró nomos da é poca.
Outro aspecto do cliché copernicano diz que manter a centralizaçã o
na Terra era uma questã o de orgulho teoló gico, da crença, extraída da
Bíblia, de que o nosso lugar central no plano da redençã o significa que a
Terra deve ser localizada no centro do universo. Mas isso é pura
invençã o.
Na compreensã o cosmoló gica de Aristó teles, que fundamentou a
visã o ptolomaica, havia quatro elementos: Terra, á gua, ar e fogo, em
uma escala ascendente do pesado para o leve e, mais importante, do
bá sico para o nobre, do terreno para o celestial. Jogue um pouco de
sujeira no ar. O que acontece? Ele cai. A sujeira é suja, pesada, nojenta.
Na visã o dos aristotélicos, é por isso que a Terra estava no centro —
nã o porque fosse exaltada, mas porque era o lugar mais ignó bil. Nas
palavras de Danielson,

A cosmologia pré -copernicana apontava nã o para a “centralidade”


metafísica ou axioló gica, mas sim para a grosseria da humanidade e da
sua morada. Nesta visã o, a Terra aparece como um poço universal,
tanto figurativa como literalmente o ponto mais baixo do mundo. Como
afirma CS Lewis, o modelo medieval nã o é , de facto, antropocê ntrico,
mas “antropoperifé rico”. Esta visã o negativa abrange, finalmente, nã o
apenas escritores á rabes, judeus e cristã os antigos e medievais, mas
també m muitas vozes proeminentes que normalmente associamos ao
humanismo renascentista, tanto antes como depois da é poca de
Copé rnico. Giovanni Pico (1463-1494), mesmo dentro de uma obra que
adquiriu o título Oração sobre a Dignidade do Homem (1486), refere-se
à nossa atual morada, a Terra, como “as partes excrementares e
imundas do mundo inferior”. E um quarto de sé culo depois da
publicaçã o de De Revolutionibus , em 1568, Michel de Montaigne
retoma o mesmo tema, declarando que estamos “alojados aqui na
sujeira e na imundície do mundo, pregados e rebitados na pior e mais
morta parte”. do universo, no andar mais baixo da casa e mais distante
do arco celeste.” 4
Esta opiniã o negativa da Terra també m existia, é claro, na é poca de
Galileu, e assim o pró prio Galileu poderia usá -la em nome do
copernicanismo, argumentando que ela eleva a Terra para participar do
“turbilhã o dançante de estrelas”. em vez de (com a astronomia
ptolomaica) permitir que a Terra seja “o sumidouro de todo o lixo
monó tono do universo”. 5 Tirá -lo da pia era, para Galileu, uma forma de
exaltar a Terra. Como diz Danielson: “Na cosmologia ptolomaica, o
lugar da Terra é ao mesmo tempo baixo e humilde. Mas, em contraste, a
cosmologia de Copé rnico e Galileu é , em mais de um sentido, arrogante
” 6 —exatamente o oposto do clichê .
Qual seria a causa do clichê virar a verdade de cabeça para baixo?
Nã o precisamos ir muito longe, segundo Danielson: a noçã o secularista
de que a ciência está em guerra com a religiã o e as forças da luz contra
as forças das trevas. Como sustenta Danielson, “o grande clichê
copernicano é, em alguns aspectos, mais do que apenas uma confusã o
inocente”.

Em vez disso, funciona como uma histó ria auto-congratulató ria que o
modernismo materialista recita para si mesmo como um meio de
deslocar a sua pró pria arrogâ ncia para o que gosta de chamar de “Idade
das Trevas”.
Mas o truque deste suposto destronamento é que, embora
supostamente torne o “Homem” menos importante cosmicamente e
metafisicamente, na verdade entroniza a nó s, humanos “científicos”
modernos, em toda a nossa superioridade esclarecida. Na verdade,
declara: “ Somos realmente muito especiais porque mostramos que não
somos tão especiais ”. 7
Por outras palavras, como uma espécie de força revolucioná ria, o
secularismo tem interesse na noçã o de que, com a Igreja, o orgulho e a
estupidez estavam cerimoniosamente casados. Na verdade, antes que o
novo paradigma oferecido por Copérnico pudesse ser aceite, este teve
de demonstrar a sua superioridade científica em relaçã o ao sistema
ptolomaico (o que os seus proponentes começaram a fazer apenas no
século XVII), e teve de ultrapassar as significativas objecçõ es filosó ficas
e de bom senso. apresentado contra ele.
E finalmente, as objeçõ es teoló gicas, baseadas nas Escrituras,
também tiveram que ser tratadas. Mais uma vez, porém, devemos
insistir no ó bvio: a razã o pela qual a Terra é descrita como estacioná ria
na Bíblia é precisamente porque ela é estacioná ria, para nó s, por uma
questã o de experiência. Que sentido a Bíblia teria feito para alguém se
começasse com a noçã o contra-intuitiva de que a Terra estava girando
em seu pró prio eixo e girando em torno do Sol a velocidades
alarmantes, sem qualquer explicaçã o científica densa e avançada,
baseada em matemá tica avançada e observaçõ es astronô micas?
indisponível para a raça humana até depois de muitos séculos de á rduo
desenvolvimento intelectual?
É verdade, no entanto, salientar que, para alguns, o fundamento
bíblico estava em primeiro lugar e é talvez por isso que, entre os
cristã os, os protestantes foram os primeiros a apresentar objecçõ es ao
copernicanismo baseadas na Bíblia. Mas mesmo aqui encontramos a
suposiçã o de que a pró pria ciê ncia da astronomia també m se
manifestou contra o heliocentrismo. Em 1539, mesmo antes de o
trabalho de Copé rnico ser publicado, Martinho Lutero percebeu isso e
disse sobre Copé rnico: “Este tolo deseja reverter toda a ciê ncia da
astronomia”, antes de acrescentar també m que “a Sagrada Escritura
nos diz que Josué ordenou ao sol que ficasse parado”. ainda, e nã o a
Terra. Outros protestantes apoiaram-se apenas nas Escrituras. Em
1549, Melanchthon, seguidor de Lutero, declarou, contra o “amor pela
novidade” de Copé rnico, que “faz parte de uma boa mente aceitar a
verdade revelada por Deus e aquiescer a ela”. Citando o Salmo 93, que
“o mundo está estabelecido; nunca será abalado”, Joã o Calvino, em seu
Comentário sobre Gênesis , perguntou entã o: “Quem se aventurará a
colocar a autoridade de Copé rnico acima da do Espírito Santo?” 8
Mas a Igreja Cató lica també m bateu o pé . Em março de 1616 – mais
de 70 anos apó s a publicaçã o do De Revolutionibus de Copérnico – a
Congregaçã o do Índice de Livros Proibidos da Igreja declarou
oficialmente que afirmar que a Terra girava em torno do Sol era
cientificamente “tolo e absurdo”, e também era contrá rio. à s Escrituras.
9 A Igreja nã o proibiu a obra de Copé rnico, mas suspendeu a sua
publicaçã o até que pudesse ser corrigida. Eles estavam bastante
dispostos a permitir isso como um meio ou mé todo matemá tico que
poderia facilitar cá lculos mais fá ceis das ó rbitas planetá rias, desde que
nã o afirmasse que o heliocentrismo era verdadeiro.
Isto pode nos parecer uma posiçã o absurda, mas baseava-se no
princípio bastante razoável – enunciado primeiro por Aristó teles,
elaborado mais detalhadamente por Sã o Tomá s de Aquino, 10 e ainda é
verdade hoje – que as construçõ es matemá ticas nã o dizem, por si
mesmas, sobre a natureza ou a realidade das coisas que descrevem. (É
por isso que mú ltiplas equaçõ es na ciê ncia podem descrever os
mesmos fenô menos, ou dados matemá ticos podem ser interpretados
de vá rias maneiras, até mesmo contraditó rias, por diferentes
cientistas.) Na astronomia, o aparato matemá tico e geomé trico
simplesmente permite dizer para onde os planetas ou estrelas estã o
indo. ocorrem em um determinado momento, nã o do que sã o feitos,
como e por que percorrem os caminhos que percorrem, ou ainda mais
misteriosamente, como e por que a pró pria ciê ncia humana da
matemá tica é tã o maravilhosamente aplicável aos movimentos nos
cé us. Por esta razã o, a astronomia era conhecida como uma “ciê ncia
intermediá ria” entre os medievais, uma ciê ncia que usava a
matemá tica para descrever o movimento físico, sem oferecer uma
explicaçã o teó rica da matemá tica ou do movimento físico. Dada a
tradiçã o intelectual de compreender a matemá tica aplicada aos
movimentos dos cé us desta forma, a aceitaçã o pela Igreja do sistema
de Copé rnico como meramente uma construçã o matemá tica ú til para
cá lculos faz todo o sentido. Foi assim que entendeu toda a astronomia
de base matemá tica.
Um mê s antes da proibiçã o oficial de ensinar ou defender a
proposiçã o de que o Sol era o centro do universo, a Igreja advertiu o
famoso astrô nomo Galileu “para abandonar completamente a opiniã o
acima mencionada de que o Sol permanece imó vel no centro do
mundo”. e a Terra se move, e doravante nã o deve mantê -la, ensiná -la ou
defendê -la de qualquer forma, seja oralmente ou por escrito; caso
contrá rio, o Santo Ofício iniciaria um processo contra ele”. 11 Em 1620,
a Congregaçã o publicou a sua versã o corrigida do De Revolutionibus de
Copérnico com um mero punhado de alteraçõ es, o suficiente para
reduzi-lo de uma declaraçã o sobre a realidade a uma hipó tese
matemá tica. 12 Poderíamos supor que a Terra se movia em torno do Sol
para fins de cá lculo, mas nã o afirmar que ela realmente se movia.
Galileu nã o ficou satisfeito e agora nos voltamos para Galileu.

E Galileu?
Tal como aconteceu com Copérnico, o nosso objectivo é separar o caso
Galileu da desinformaçã o que surgiu, em grande parte do mito da
guerra. Como já sabemos, a Igreja Cató lica nã o se opô s à ciência, mas foi
de facto o seu principal patrono até ao tempo de Galileu e, claro, até aos
dias de hoje. Portanto, temos de eliminar os mitos e reunir os factos
bastante complexos.
Galileu Galilei também nasceu em Pisa, Itá lia, em 1564. Era filho de
um mú sico famoso e o primeiro de seis filhos. Como revelaram seus
primeiros estudos, ele era um matemá tico obviamente talentoso, e
Galileu foi nomeado professor de matemá tica em Pisa em 1589 e logo
mudou-se para a Universidade de Pá dua. Em 1610, Galileu alcançou
fama em toda a Europa com a publicaçã o da sua descoberta das luas de
Jú piter através da sua versã o melhorada do telescó pio, e parte desta
apresentaçã o revelou a sua defesa do copernicanismo. Seis anos depois,
ele foi avisado, oficialmente, por um Cardeal Bellarmino, para nã o
defender ou ensinar o Copernicanismo.
Em 1623 Galileu publicou The Assayer , um tratado que parecia
defender abertamente uma espécie de atomismo democritano, isto é,
uma antiga doutrina materialista também associada ao ateísmo pagã o
de Epicuro e Lucrécio. Nesse mesmo ano, um dos amigos e admiradores
de Galileu, o cardeal Maffeo Barberini, foi eleito Papa Urbano VIII, e
Galileu sentiu-se encorajado a falar, ainda que de forma circunspecta,
em nome do copernicanismo. O resultado foi o seu Diálogo sobre os dois
principais sistemas mundiais (1632), que defendeu de forma bastante
inteligente, mas dissimulada, a superioridade da visã o copernicana,
embora nã o a sua verdade absoluta.
Galileu foi convocado a Roma para julgamento no ano seguinte e
considerado culpado de um determinado grau de heresia – nã o o mais
grave, mas també m nã o trivial. O documento da sentença incluía uma
nota que durante o interrogató rio “consideramos necessá rio proceder
contra você por meio de um exame rigoroso” e “Condenamos você à
prisã o formal neste Santo Ofício, conforme nossa vontade”. 13 A
primeira poderia levar à conclusã o de que Galileu foi realmente
torturado, e a segunda, obviamente, que ele foi preso. Ambas foram
inferê ncias plausíveis por muito tempo, até que surgissem outras
evidê ncias.
A noçã o de que Galileu foi efectivamente torturado revelou-se agora
falsa, embora tenha sido ameaçado de tortura. Quanto à prisã o, embora
Galileu possa ter estado numa prisã o durante cerca de trê s dias
(embora seja mais provável que tenha permanecido no apartamento do
procurador), na verdade ele passou o tempo durante o julgamento e
depois num luxo isolado, primeiro na embaixada da Toscana, depois,
no palá cio da Inquisiçã o, no apartamento de seis cô modos do pró prio
promotor (completo com um criado), e mais tarde, no luxuoso palá cio
dos Mé dici, em Roma; depois disso, ficou em prisã o domiciliar na
residê ncia de seu amigo arcebispo em Siena e, finalmente, em sua
pró pria casa em Arcetri, perto de Florença, onde permaneceu de 1633
até sua morte em 1642, um homem frá gil de 77 anos. 14
Dito tudo isto, ainda podemos estremecer ao pensar que Galileu foi
preso, que foi ameaçado, mesmo que remotamente, de tortura, e que
permaneceu preso, mesmo que na sua pró pria casa. Como isso pode ter
acontecido e por quê? Para compreender, devemos olhar para um
contexto histó rico muito mais amplo, começando pela filosofia.
Aqui, especialmente, aprenderemos uma liçã o sobre por que, ao
estudar a histó ria da ciência, nã o se pode estudar apenas a histó ria da
ciência. Como observado anteriormente, em 1623 Galileu publicou um
livro, The Assayer , no qual defendia abertamente a posiçã o materialista
do antigo filó sofo pagã o Demó crito (c. 460-370 a.C.) contra o
aristotelismo da sua época. Em perfeito acordo com Demó crito, Galileu
afirmou que “sempre que concebo qualquer substâ ncia material ou
corpó rea, penso imediatamente nela como limitada e como tendo esta
ou aquela forma”, mas

que deve [també m] ser branco ou vermelho, amargo ou doce,


barulhento ou silencioso, e de odor doce ou desagradável, minha mente
nã o se sente compelida a trazer acompanhamentos necessá rios...
Portanto, penso que sabores, odores, cores e assim por diante nã o sã o
mais do que meros nomes no que diz respeito ao objeto em que os
colocamos, e residem apenas na consciê ncia. Portanto, se a criatura
viva fosse removida, todas essas qualidades seriam eliminadas e
aniquiladas. Mas como lhes impusemos nomes especiais, distintos
daqueles das outras qualidades reais [de forma] mencionadas
anteriormente, desejamos acreditar que eles realmente existem como
realmente diferentes daqueles. 15
É difícil para nó s, tendo aceite os princípios bá sicos do materialismo
moderno, ver o atomismo materialista como alarmante ou estranho no
seu início. Mas isto devemos fazer, ou nã o compreenderemos o alarme
naquele momento.
Demó crito afirmou que havia apenas duas realidades no universo:
á tomos eternos e indestrutíveis e o vazio. Todo o resto foi feito dessas
duas coisas, e somente dessas duas coisas. Assim, tudo o que
experimentamos com os nossos sentidos – que as coisas têm cor, que
têm cheiro, que têm odor, que sã o quentes ou frias, e assim por diante –
é ilusó rio. Ou, mais exatamente, as formas, tamanhos e movimentos de
á tomos materiais invisíveis causam, em nó s, sensaçõ es específicas que
(falsamente) acreditamos que revelam algo real sobre aquilo que
estamos sentindo. A maçã nã o é realmente vermelha; vermelhidã o é o
que chamamos de sensaçã o de cor em nó s, causada pela forma dos
á tomos que atingem os á tomos de nosso corpo material. A vermelhidã o
nã o tem realidade; é um mero nome.
Ainda mais estranho, a maçã nã o é realmente uma maçã . Todas as
coisas sensíveis, das maçã s à s laranjas, das á rvores à s flores, dos cã es
aos gatos, sã o apenas aglomeraçõ es de á tomos. As formas que eles têm
e a maneira como agem sã o inteiramente redutíveis à sua estrutura
atô mica. Os á tomos sã o reais; suas formas microscó picas subsensíveis
sã o reais; mas a forma da aglomeraçã o que podemos ver, sentir e tocar
é um mero acidente de todas as partes atô micas terem sido reunidas de
uma determinada maneira. Como um dinossauro de menino feito de
blocos de Lego ou uma escultura de areia de uma baleia, a maçã em si
nã o é real, mas inteiramente redutível à s suas partes constituintes, os
á tomos. Portanto, as palavras “maçã”, “laranja”, “á rvore”, “flor”,
“cachorro”, “gato” sã o, como “vermelho”, apenas nomes que damos à s
diferentes e ú nicas coleçõ es de á tomos.
Meros nomes – que deveriam nos lembrar daquela persistente
aberraçã o filosó fica da Idade Média, o nominalismo, associada a
Guilherme de Ockham (c. 1288–1348). Ockham também era um
atomista e insistia que os nossos nomes para as coisas nã o tinham
qualquer ligaçã o com a realidade e, portanto, eram meros nomes (o
nominalismo vem do latim nomen , “nome”). Nosso agrupamento de
coisas por nome, tanto no nível mais geral quanto no mais específico –
gatos, cachorros, á rvores; Siamês, Beagle, carvalho – era uma mera
conveniência porque fazemos nossos julgamentos com base em meras
semelhanças superficiais. Na realidade, todas as coisas sã o puramente
individuais – uma teoria que faz sentido se acreditarmos que o que é
real sã o as coleçõ es individuais de á tomos.
Ao negar que os nomes tivessem qualquer ligaçã o real com as coisas
tal como as experienciamos – nã o experienciamos as coisas como
aglomeraçõ es de á tomos subsensíveis – Ockham destruiu a ligaçã o do
senso comum entre a nossa fala e o ser, entre a palavra e a criaçã o. Isso
teve implicaçõ es naturais e (embora Ockham nã o pretendesse)
sobrenaturais. O nominalismo corta a conexã o natural entre a maneira
como normalmente pensamos e falamos e a maneira como o mundo
realmente é e, ao fazê-lo, remove (entre outras coisas) a conexã o real
entre a revelaçã o através de palavras na Bíblia e a verdade do que Deus
é. tentando revelar. Uma vez que a sabedoria de Deus se torna evidente
através da Sua criaçã o, e os Judeus, como todos os outros, acreditavam
que as suas palavras estavam ligadas a coisas reais na criaçã o, o
nominalismo desfaz a nossa ligaçã o à sabedoria de Deus através da
nossa razã o natural comum. Mas ainda mais, uma vez que Jesus Cristo é
entendido como o Verbo através de quem todas as coisas foram feitas, o
pró prio Verbo feito carne e o cumprimento das palavras da Sagrada
Escritura, o nominalismo derruba a rica teologia baseada nas conexõ es
naturais-sobrenaturais entre a Palavra de Deus , as coisas do mundo
feitas através de Sua Palavra e de nossas palavras. Como a graça pode
ser construída sobre a natureza quando a natureza, tal como a
experimentamos, nã o tem nenhuma conexã o real com a realidade
atô mica que realmente define a natureza?
Ao combater tanto o atomismo como o nominalismo, a Igreja ficou do
lado de Aristó teles, o antigo filó sofo grego do bom senso, que insistia
que os nomes que usamos correspondem à s formas reais das coisas, de
modo que (por exemplo) este gato é uma unidade de forma (o que o
torna um gato vivo , unindo sua matéria em um complexo, ser vivo
membro de uma determinada espécie) e matéria (o que o torna esse
gato em particular). Nã o é de pouca importâ ncia notar que tanto
Ockham, no século XIV, como Galileu, no século XVII, usaram o
atomismo para derrubar Aristó teles.
Mas por que eles estavam fazendo isso? Para Ockham, a influência do
pagã o Aristó teles ameaçava eclipsar a autoridade da revelaçã o. Entã o
ele pensou que deveria arruinar Aristó teles por causa da fé, mesmo que
junto com isso arruinasse o bom senso (e, ironicamente, a fé também).
Para Galileu, Aristó teles representava tudo o que era antigo e nã o
esclarecido e, mais particularmente, o principal obstá culo à produçã o
de uma nova física baseada no atomismo, que ele considerava a
abordagem mais promissora da filosofia natural. Mas quaisquer que
sejam os seus motivos, devemos compreender isto para compreender o
caso Galileu: quando Galileu abraçou o atomismo e o nominalismo em
The Assayer , a Igreja viu-o como um portador de velhos erros
filosó ficos com os quais todos estavam familiarizados. Além disso, a
subversã o do bom senso que ocorre com o atomismo e o nominalismo
alarmou a Igreja ainda mais do que a subversã o do bom senso que foi
implicada no copernicanismo.
Mas há outras implicaçõ es do atomismo, que foram expostas muito
claramente pelo filó sofo pagã o grego Epicuro (341-270 a.C.) e pelo seu
discípulo romano do século I a.C., Lucrécio. Se os á tomos e o vazio sã o a
ú nica realidade, entã o nã o existem almas imateriais. Nó s, seres
humanos, somos meras aglomeraçõ es de á tomos, um acidente de sua
substâ ncia material.
Para Epicuro, isso é uma grande vantagem, pois ele considerava a
religiã o e o medo da puniçã o no Hades pelos deuses como a principal
fonte de ansiedade humana. O seu materialismo eliminou tanto a
religiã o como o medo do castigo dos deuses, pois na morte, como
somos apenas corpos materiais, os nossos á tomos dissociam-se e
deixamos de existir. Além disso, como sugere o sentido hedonista
atribuído hoje à palavra “epicurista”, uma vez que nã o havia almas, o
domínio moral do bem e do mal teve de ser transferido inteiramente
para o corpo. Epicuro, portanto, identificou o bem com o que é
fisicamente prazeroso (embora ele pró prio fosse asceta) e o mal com o
que é fisicamente doloroso, produzindo assim, em ú ltima aná lise, uma
ética onde a busca do prazer define o que é bom e a evitaçã o da dor, o
que é mau.
Lucré cio promoveu o desenvolvimento do materialismo epicurista,
empacotando-o em seu grande poema latino “De Rerum Natura”, que
defende elegantemente toda a teoria atomística materialista, incluindo
sua tendê ncia anti-religiosa, e acrescenta uma teoria da geraçã o de
todos os seres vivos pela associaçã o aleató ria de partículas atô micas
materiais – uma teoria evolucioná ria do tipo darwiniano cerca de
2.000 anos antes de Darwin. Tal como aconteceu com Epicuro, o
objetivo era eliminar a necessidade de Deus, o Criador. 16
Devemos enfatizar o ó bvio: os cristã os foram, desde o início,
totalmente antagó nicos à s doutrinas materialistas do atomismo
democritano, precisamente porque estavam tã o intimamente
associados ao ateísmo e ao hedonismo dos epicureus. Assim, durante
os primeiros quatro sé culos do cristianismo, observamos uma
tempestade de injú rias sagradas lançadas sobre os nomes de Epicuro e
de seu discípulo Lucré cio por luminares cristã os como Santo Ataná sio,
Sã o Gregó rio de Nissa, Sã o Basílio, Santo Ambró sio e muitos influentes
de tudo, Santo Agostinho. Esta animosidade tornou-se a base para a
suspeita cató lica de qualquer tentativa de basear uma física em á tomos
materiais, e estava firmemente estabelecida no início da Renascença,
quando as antigas obras de ou sobre Epicuro e Lucré cio foram
recuperadas e começaram a circular pela Europa. O efeito previsível
desta circulaçã o generalizada foi um novo interesse no atomismo –
especialmente como definido contra a filosofia natural de Aristó teles –
e ainda mais importante, um renascimento do ateísmo e do
hedonismo. Tudo isso aconteceu no período que antecedeu Galileu. 17
E devemos acrescentar que quando o atomismo epicurista saturou o
pensamento filosó fico europeu e graças a homens como Descartes
Locke e Hobbes se tornou firmemente enraizado como a base do novo
materialismo ele de facto provocou a secularizaçã o da sociedade que
Epicuro pretendia e a Igreja temia. Previsivelmente, uma vez que todos
os corpos, incluindo o nosso corpo, foram considerados efeitos
macroscó picos de causas materiais microscó picas, a alma tornou-se um
problema. Se o corpo funcionasse como uma espécie de mecanismo
acionado atomicamente, que necessidade teríamos de uma alma?
Vivemos hoje num mundo maioritariamente secularizado, em grande
parte porque aceitá mos esse materialismo como verdadeiro e,
portanto, concordando com Epicuro, já nã o acreditamos em almas
imateriais, mas consideramos até mesmo a nossa realidade corporal
como sendo apenas o efeito da nossa estrutura química subsensível. .
Ora, nada disto é oferecido para que possamos concluir que Galileu
deveria ter sido preso, torturado ou morto! A questã o, antes, é esta: é
completamente compreensível que a afirmaçã o do atomismo demó crito
por Galileu provocasse sérios alarmes entre filó sofos e teó logos do
século XVII. Eles estavam, por formaçã o intelectual, corretamente
habituados a associar tal atomismo ao ateísmo e ao hedonismo de
Epicuro e Lucrécio.
Digo “habituado” para nos tornar conscientes de que havia pelo
menos a possibilidade de que o atomismo democrata pudesse ser
reconcebido para que pudesse encaixar-se numa compreensã o cristã
do mundo. Na verdade, homens como o padre cató lico Pierre Gassendi
e o piedoso protestante Robert Boyle tentaram exatamente isso. Mas
nã o há dú vida, pela leitura das suas defesas do atomismo cristianizado,
que eles viviam numa cultura em que o atomismo era tã o fortemente
suspeito de irreligiã o que tiveram de rejeitar publicamente a ligaçã o e
mostrar detalhadamente como o cristianismo e o atomismo
materialista poderiam ser reconciliados. . E nã o há dú vida de que
viveram numa época em que a recuperaçã o e a propagaçã o do
atomismo materialista tinham de facto levado os homens a abraçar o
ateísmo.
Agora, apresento aqui uma conjectura interessante, que considero
bem fundamentada. Se Galileu tivesse apenas confessado o
copernicanismo (e o feito com um pouco mais de humildade e tato),
poderia ter evitado qualquer problema. Mas a combinaçã o dos dois –
atomismo e copernicanismo – tendia a fazer com que o seu
copernicanismo cheirasse a epicurismo. Por que? Que possível conexã o
poderia haver entre os dois?
Mais uma vez, o objetivo de Epicuro era destruir qualquer noçã o de
que tínhamos uma alma imortal que pudesse ser incomodada pelos
deuses na vida apó s a morte. O materialismo permitiu-lhe ser
inteiramente deste mundo e viver a sua breve vida na Terra em paz e
sem preocupaçõ es. A noçã o de que a associaçã o aleató ria de á tomos dá
origem a tudo o que conhecemos, incluindo a nó s mesmos, era uma
dupla garantia de que nã o existe nenhum criador que tenha quaisquer
direitos sobre nó s.
Mas havia ainda mais na cosmologia epicurista que a tornava à prova
de Deus: a afirmaçã o de Epicuro de um universo infinito, de um tempo
infinito e de uma multiplicidade de mundos. Para tornar plausível que a
mera associaçã o aleató ria de á tomos pudesse criar o nosso mundo,
Epicuro argumentou que, na verdade, a Terra nã o era nada especial,
porque a associaçã o aleató ria de á tomos infinitos se acotovelando por
um tempo infinito criou uma pluralidade de mundos, incontáveis
nú meros dos quais foram povoado por criaturas inteligentes. Se o
nosso mundo foi criado pela associaçã o aleató ria de á tomos, e somos
apenas um entre inú meros planetas (e provavelmente nem mesmo o
melhor), nã o temos nenhuma qualidade especial que possa nos levar a
acreditar que fomos especialmente criados por ou conectado a um
Deus Criador. 18 Ao tirar a Terra da posiçã o central (embora muito
humilde) e lançá -la nos cé us como um entre outros planetas, o
copernicanismo implicou uma ligaçã o à cosmologia de Epicuro,
mesmo que o pró prio Copé rnico nã o o pretendesse.
Se isso nã o fosse tudo, temos a dificuldade com o atomismo tã o
vigorosamente defendido por Pietro Redondi no seu Galileo Heretic :
que a verdadeira causa do animus da Igreja nã o era o copernicanismo
de Galileu, mas o seu atomismo, porque o atomismo era inconciliável
com a doutrina eucarística da transubstanciaçã o. . 19 Até agora tenho
resistido a trazer à tona a tese bem conhecida, mas controversa, de
Redondi para defender – alto, longo e claro – que havia objecçõ es
filosó ficas e morais importantes e de longa data ao atomismo,
independentemente de qualquer conflito com a doutrina eucarística.
Eu diria que Redondi vai longe demais ao afirmar que a causa do
conflito fatídico de Galileu com a Igreja foi que o atomismo de O
Ensaiador era impossível de conciliar com a linguagem aristoté lico-
tomista de transubstanciaçã o usada para resolver o que estava
acontecendo com o pã o e vinho na consagraçã o. Contudo, como deixam
claro a argumentaçã o certeira e a ampla documentaçã o de Redondi,
essa foi certamente uma das causas.
O argumento de Redondi merece, portanto, ser revisto. Esse
atomismo entra em conflito com o bom senso, já vimos. Mas pense na
dificuldade que isso representa para a compreensã o ortodoxa da
mudança que ocorre apó s a consagraçã o. Se todas as coisas sensíveis
sã o meros nomes – o efeito que a substâ ncia (literalmente, a forma) dos
á tomos tem sobre os nossos olhos, língua, nariz e dedos – entã o,
obviamente, dizer com a Igreja que o pã o e o vinho sã o transformados
em Cristo, mas os acidentes do pã o e do vinho (a cor, o sabor, o tato, o
cheiro) realmente permanecem sem sentido algum, uma vez que tais
qualidades sensíveis nã o têm realidade, mas sã o meros nomes. Além
disso, visto que os á tomos sã o a substâ ncia real, a ú nica substâ ncia,
entã o como pode Jesus Cristo estar realmente presente na Hó stia? A
substâ ncia do pã o (á tomos) permanece ao lado da substâ ncia de
Cristo?
Colocar em causa a doutrina da Eucaristia da Igreja era uma coisa
perigosa de se fazer nesta altura, mesmo que Galileu o tenha feito
acidentalmente. O Concílio de Trento tinha, em meados do século XVI,
definido cuidadosamente a Sagrada Eucaristia porque o novo anti-
sacramentalismo da maioria das denominaçõ es protestantes a tinha
posto em causa. Ao promover uma visã o da natureza – o atomismo
materialista – que minava a definiçã o de transubstanciaçã o de Trento e,
além disso, que nã o podia oferecer qualquer forma alternativa coerente
pela qual Cristo pudesse estar verdadeiramente presente na Sagrada
Eucaristia, Galileu estava inadvertidamente ajudando aqueles que já
estavam empenhados em a destruiçã o da Igreja.
O argumento de Redondi - baseado em grande parte na descoberta de
um documento que fazia um apelo formal a uma investigaçã o de Galileu
com base no efeito do seu atomismo na compreensã o da Igreja sobre a
Eucaristia 20 – é que, ao dar-lhe uma relativa palmada no pulso,
acusando-o de promover o copernicanismo depois de ter prometido
nã o o fazer, o Papa Urbano VIII protegeu o seu amigo Galileu da
acusaçã o mais devastadora de heresia contra a doutrina eucarística,
pela qual a puniçã o teria sido bastante grave. 21 Quer Redondi esteja ou
nã o certo sobre o intrincado funcionamento nos bastidores do caso
Galileu, ele está certamente certo ao enfatizar tã o forte e
completamente o antagonismo de longa data da Igreja ao atomismo
democritano-epicurista e à s lutas da Igreja na é poca em lidar com o
protestantismo como o importante contexto mais amplo de nosso
julgamento sobre ele.

Onde está a Igreja hoje?


Obviamente, a Igreja nã o manté m a sua condenaçã o original da teoria
copernicana (embora, claro, tenhamos ido muito alé m do
copernicanismo na ciê ncia). Em Julho de 1981, o Papa Joã o Paulo II
criou uma comissã o para estudar o caso Galileu, na qual trabalharam
historiadores, cientistas e teó logos durante mais de uma dé cada. Em
1992, utilizando as conclusõ es da comissã o, o Papa Joã o Paulo II
declarou que a Igreja nã o deveria ter condenado o copernicanismo e
que a Igreja tinha lidado mal com o caso Galileu. É claro que ele nã o
estava afirmando com isso que o materialismo do Ensaio de Galileu era
verdadeiro ou que os perigos do materialismo de alguma forma
passaram. Nem a Igreja estava agora a afirmar o copernicanismo –
sabemos que nem a Terra nem o nosso Sol sã o o centro do universo e
que as ó rbitas dos planetas nã o sã o perfeitamente circulares. 22
Mas as liçõ es da controvérsia devem permanecer, especialmente
porque o caso Galileu é icó nico para aqueles que defendem o mito da
guerra. Uma das principais liçõ es é esta: os assuntos copernicanos e
galileus eram muito mais complexos do que fomos levados a acreditar.
Os conflitos nã o foram causados pela animosidade da Igreja para com a
ciência, mas pelas temidas implicaçõ es do novo materialismo e das
novas possibilidades cosmoló gicas que levariam muito mais tempo
para serem resolvidas e digeridas. A Igreja estava, na verdade, ao lado
dos melhores proponentes da ciência da época, nã o atacando a razã o
em nome da fé obscurantista. Além disso, o puro absurdo da afirmaçã o
de que o que aconteceu com Galileu é de alguma forma icó nico da
forma como a Igreja se relaciona com a ciência deveria agora ser ó bvio,
dado o que cobrimos no capítulo anterior. A Igreja foi a grande
promotora da ciência no seu currículo universitá rio nos séculos
anteriores a Galileu, na época de Galileu, e assim permanece até ao
presente. Um ú nico conflito com Galileu nã o pesa contra todas estas
contra-evidências. O facto de o caso Galileu continuar a ser destacado
faz-nos suspeitar, com razã o, que a forte tendência subjacente de
preconceito anticató lico que determina a tese da guerra de Draper e
White ainda flui através da nossa cultura.
A Quarta Confusã o
“A Igreja Aceita o Darwinismo” ou “A Igreja Rejeita a Evolução”

Como você pode imaginar pelo título, aqui temos confusõ es


aparentemente opostas com as quais lidar: primeiro, que a Igreja aceita
acriticamente o darwinismo, e segundo, no outro extremo do espectro,
que a Igreja rejeita a evoluçã o. Se darwinismo e evoluçã o fossem a
mesma coisa, entã o obviamente o título do nosso capítulo nã o faria
sentido algum. Como poderia a posiçã o da Igreja ser, ao mesmo tempo,
a de rejeitar o darwinismo e aceitar a evoluçã o se o darwinismo e a
evoluçã o sã o meramente sinó nimos? Mas se essas duas palavras
expressam uma distinçã o real e importante, entã o talvez façam sentido,
afinal. E, de facto, argumentarei que a distinçã o nã o é apenas real, mas
também a chave para compreender a abordagem da Igreja à evoluçã o.
Pois é a distinçã o entre uma visã o particular da evoluçã o e a pró pria
evoluçã o, entre uma teoria particular e os factos.
Para chegar ao cerne da questã o, a Igreja Cató lica rejeita de facto o
darwinismo e aceita a evoluçã o, e até vermos muito claramente a
diferença entre os dois, nã o teremos compreensã o da forma
aparentemente contraditó ria como a Igreja trata a questã o.

Mas primeiro, um pouco de confusão…


Poderíamos esclarecer as coisas primeiro turvando-as um pouco,
colocando lado a lado algumas declaraçõ es da Igreja que parecem
contraditó rias. Voltamos a uma seçã o muito importante do Catecismo
que já vimos antes.

Embora a fé esteja acima da razã o, nunca poderá haver qualquer


discrepâ ncia real entre a fé e a razã o. Visto que o mesmo Deus que
revela mistérios e infunde fé concedeu a luz da razã o à mente humana,
Deus nã o pode negar a si mesmo, nem a verdade jamais pode
contradizer a verdade. Conseqü entemente, a pesquisa metó dica em
todos os ramos do conhecimento, desde que seja realizada de maneira
verdadeiramente científica e nã o se sobreponha à s leis morais, nunca
pode entrar em conflito com a fé, porque as coisas do mundo e as coisas
da fé derivam do mesmo Deus. . O investigador humilde e perseverante
dos segredos da natureza está sendo conduzido, por assim dizer, pela
mã o de Deus, apesar de si mesmo, pois foi Deus, o conservador de todas
as coisas, quem as fez o que sã o. (pará grafo 159)
Agora, para trazer as coisas para a evoluçã o, isto deveria significar que
a verdadeira ciência evolucionista nã o só nã o contradiz, mas nã o pode
contradizer a Fé, que as verdades reveladas na Bíblia e na doutrina da
Igreja nã o podem contradizer os factos da evoluçã o, e os factos da
evoluçã o nã o pode contradizer a revelaçã o. É claro que, se fosse esse o
caso, entã o nunca se encontraria a Igreja falando de outra forma.
Mas depois passo, no meu Catecismo , para outra passagem
interessante, onde a Igreja ensina enfaticamente: “Acreditamos que
Deus criou o mundo segundo a sua sabedoria. Nã o é o produto de
qualquer necessidade, nem do destino cego ou do acaso” (pará grafo
295). Esta nã o é uma mera questã o de filosofia, mas de verdade
revelada, como deixa claro uma seçã o anterior.

“No princípio era o Verbo… e o Verbo era Deus… todas as coisas foram
feitas por meio dele, e sem ele nada foi feito.” O Novo Testamento revela
que Deus criou tudo pelo Verbo eterno, seu Filho amado. Nele “todas as
coisas foram criadas, no céu e na terra… todas as coisas foram criadas
por meio dele e para ele. Ele existe antes de todas as coisas, e nele todas
as coisas subsistem.” (pará grafo 291)
A Escritura e a Tradiçã o nunca deixam de ensinar e celebrar esta
verdade fundamental: “O mundo foi feito para a gló ria de Deus”.
(pará grafo 293)
Como isso pode ser? Se a evoluçã o é uma ciência e se a sua suposiçã o
fundamental é que as criaturas sã o criadas por uma combinaçã o de
destino cego ou acaso, isto é, pelas leis cegas da natureza ou pelo
empurrã o aleató rio de matéria e energia, entã o, obviamente, as coisas
não são criadas de acordo com A sabedoria de Deus, muito menos pela
Palavra eterna, o Filho amado de Deus.
Há um sé culo e meio, o pró prio Charles Darwin parece ter deixado
bem claro que a produçã o de criaturas nã o era um ato divino. Em sua
Origem das Espécies, temos uma afirmaçã o muito sucinta sobre a
maneira como novas espé cies surgem da seleçã o natural: “Nascem
muito mais indivíduos de cada espé cie do que aqueles que podem
sobreviver; e como, conseqü entemente, há uma luta frequentemente
recorrente pela existê ncia, segue-se que qualquer ser, se variar, ainda
que ligeiramente, de qualquer maneira que lhe seja bené fica, sob as
condiçõ es complexas e à s vezes variáveis da vida, terá uma melhor
chance de sobreviver, e assim ser naturalmente selecionado . A partir do
forte princípio da herança, qualquer variedade selecionada tenderá a
propagar sua forma nova e modificada.” 1 Aqui nã o há necessidade de
um criador e nã o há sabedoria manifesta naquilo que a evoluçã o
produz. Como disse o mais famoso porta-voz da evoluçã o da
atualidade, Richard Dawkins: “A seleçã o natural, o processo cego,
inconsciente e automá tico que Darwin descobriu, e que agora sabemos
ser a explicaçã o para a existê ncia e a forma aparentemente intencional
de toda a vida, nã o tem nenhum propó sito em mente. Nã o tem mente
nem olho mental. Nã o planeja o futuro. Nã o tem visã o, nem previsã o,
nem visã o alguma. Se se pode dizer que desempenha o papel de
relojoeiro na natureza, é o relojoeiro cego .” 2 Ningué m, ao ler isto,
ficaria surpreendido ao descobrir que Dawkins també m é ateu e que,
na sua opiniã o, “Darwin tornou possível ser um ateu intelectualmente
realizado”. 3
Portanto, dado o que estabelecemos até agora, a Igreja teria de
rejeitar a evoluçã o. Mas entã o teria de renegar a sua noçã o inebriante
de que “nunca poderá haver qualquer discrepâ ncia real entre a fé e a
razã o” e, portanto, entre a fé e a ciência, pois a ciência da evoluçã o,
tomada como Darwin ou Dawkins a definem, certamente parece
contradizem diretamente a compreensã o da Igreja sobre a criaçã o com
propó sito.
Dawkins, o principal darwinista da atualidade, certamente pensa
assim. Ele define nã o apenas a evoluçã o, mas a pró pria ciê ncia da
biologia como “o estudo de coisas complicadas que dã o a impressão de
terem sido concebidas para um propó sito”. 4
Se Dawkins estiver certo, entã o pelo menos sabemos qual é a posiçã o
da Igreja nesta questã o! Deve rejeitar a evoluçã o. Mas será que é isso?
Porque agora vou um pouco mais longe no meu Catecismo e descubro
que a Igreja afirma que “a criaçã o tem a sua pró pria bondade e a sua
pró pria perfeiçã o, mas nã o nasceu completa das mã os do Criador. O
universo foi criado 'em estado de jornada' ( in statu viae ) em direçã o a
uma perfeiçã o ú ltima ainda a ser alcançada, para a qual Deus o
destinou” (pará grafo 302). E descendo um pouco mais, descubro que
“com infinita sabedoria e bondade, Deus quis livremente criar um
mundo 'em estado de caminhada' em direçã o à sua perfeiçã o ú ltima. No
plano de Deus, este processo de transformaçã o envolve o aparecimento
de certos seres e o desaparecimento de outros, a existência dos mais
perfeitos ao lado dos menos perfeitos, forças construtivas e destrutivas
da natureza” (pará grafo 310). Se isso nã o é evoluçã o, o que é? E se isso
nã o tornasse as coisas suficientemente confusas, volto para uma secçã o
do Catecismo que parece oferecer uma alegre admiraçã o pela ciência
que Dawkins assume que faz do Criador, na melhor das hipó teses, uma
redundâ ncia irritante e irrelevante: “A questã o sobre o origens do
mundo e do homem tem sido objeto de muitos estudos científicos que
enriqueceram esplendidamente o nosso conhecimento da idade e das
dimensõ es do cosmos, do desenvolvimento das formas de vida e da
aparência do homem. Estas descobertas convidam-nos a uma
admiraçã o ainda maior pela grandeza do Criador, levando-nos a
agradecer-lhe por todas as suas obras e pela compreensã o da sua
sabedoria que ele dá aos estudiosos e investigadores” (pará grafo 283).
Entã o descemos um pará grafo e descobrimos que essas ciências
(especialmente a ciência da evoluçã o bioló gica que presumimos) nos
levam a uma questã o mais fundamental: “O universo é governado pelo
acaso, pelo destino cego, pela necessidade anô nima, ou por uma lei
transcendente, inteligente e bom Ser chamado de 'Deus?'” (284).
Bem, se essa é a pergunta que devemos responder, entã o estamos
realmente em apuros, porque a pró pria ciência que nos leva a
perguntar já parece nos dizer a resposta, e nã o aquela que queremos
ouvir: o universo é governado pelo acaso, pelo destino cego, pela
necessidade anô nima.
Existe uma saída para essa confusã o aparentemente sem esperança?
Sim existe. O caminho começa primeiro por compreender que o
darwinismo é uma teoria da evoluçã o, uma filosofia da evoluçã o, uma
abordagem particular da evoluçã o que assume que a evoluçã o é o
resultado do acaso, do destino cego e da necessidade bruta, e explica a
evidência da evoluçã o em conformidade. Portanto, é perfeitamente
possível ter uma explicaçã o nã o-darwiniana das evidências da
evoluçã o; tal relato é a ú nica teoria evolucionista que a Igreja poderia
aceitar.

A Teoria da Evolução não começou com Darwin


Podemos começar a resolver as coisas recorrendo à histó ria. Como
mencionei no capítulo anterior, a noçã o de evoluçã o é muito mais
antiga, cerca de dois milé nios, do que Darwin. Surgiu primeiro como
um tipo particular de filosofia materialista. Seus primeiros defensores
foram Epicuro e Lucré cio, e sua doutrina particular da evoluçã o era que
o acaso cego e a necessidade material sã o plenamente suficientes para
explicar como surgiu toda a esplê ndida variedade de criaturas vivas -
nenhum Criador precisa ter existido ou ser imaginado, para o trabalho.
Como disse Lucré cio, no seu drama poé tico da criaçã o cega, o eterno
empurrã o dos á tomos pode fazer tudo: “Multitudiná rios á tomos,
arrastados em numerosos cursos atravé s do tempo infinito por
choques mú tuos e pelo seu pró prio peso, uniram-se de todas as
maneiras possíveis. e testei tudo o que poderia ser formado por suas
combinaçõ es. Aconteceu assim que uma viagem de imensa duraçã o, na
qual eles experimentaram toda variedade de movimentos e
conjunçõ es, reuniu finalmente aqueles cujo encontro repentino muitas
vezes constitui o ponto de partida de tecidos substanciais - a Terra e o
mar e o cé u e as raças de criaturas vivas.” 5 A combinaçã o casual de
á tomos explica tudo: como surgiu o nú mero infinito de mundos e
como, em nosso mundo, “mesmo agora, multidõ es de animais sã o
formadas a partir da Terra com a ajuda das chuvas e do calor genial do
Sol”. Claro, como o processo era cego, nos primó rdios do nosso mundo,

a Terra também tentou produzir uma série de monstros, de


constituiçã o e aspecto grotescos - hermafroditas, a meio caminho entre
os sexos, mas separados de ambos, criaturas desprovidas de pés ou de
mã os, brutos mudos e sem boca, ou cegos e sem olhos, ou deficientes
pela adesã o dos membros ao corpo, de modo que nã o pudessem fazer
nada, nem ir a lugar nenhum, nem ficar fora de perigo, nem levar o que
precisavam. Estes e outros nascimentos monstruosos e disformes
foram criados. Mas tudo em vã o. A natureza os impediu de aumentar.
Eles nã o poderiam obter a cobiçada flor da maturidade, nem obter
alimento, nem serem acoplados pelas artes de Vênus. Pois é evidente
que muitos fatores contributivos sã o essenciais para poder forjar a
cadeia de uma espécie na procriaçã o.
Naquela é poca, mais uma vez, muitas espé cies devem ter morrido
completamente e nã o conseguiram forjar a cadeia de descendê ncia.
Cada espé cie que você vê agora respirando vida foi protegida e
preservada desde o início do mundo, seja pela astú cia, pela coragem ou
pela velocidade…. Mas aqueles que nã o foram dotados de nenhum
destes recursos naturais... todos estes, presos nas labutas do seu
pró prio destino, eram presas fá ceis e presas fá ceis para outros, até que
a natureza levou a sua raça à extinçã o. 6
Parece mais do que darwinismo, nã o é? Cito Lucrécio extensamente
para reunir vá rios pontos importantes:
1. Darwin nã o poderia ter “descoberto” a evoluçã o porque
os principais fundamentos de sua teoria estã o todos aqui
neste epicurista romano do século I aC.
2. Este relato da evoluçã o foi, mais uma vez, apresentado
explicitamente por Lucrécio para convencer os leitores de
que os céus e a Terra, e todas as criaturas vivas na Terra,
incluindo os seres humanos, poderiam ser inteiramente
explicados pela associaçã o casual de á tomos materiais ao
longo do tempo e espaço infinitos. .
3. Este relato da evoluçã o puramente materialista era
conhecido dos primeiros cristã os e foi uma das razõ es
pelas quais rejeitaram tã o veementemente o atomismo
epicurista.
4. Foi em grande parte através da redescoberta e
disseminaçã o por toda a Europa do poema de Lucrécio,
entre os séculos XV e XVIII, que a doutrina da evoluçã o se
tornou conhecida pelos europeus - muito antes do
nascimento de Charles Darwin.
Tudo isto nos torna conscientes de uma verdade histó rica
extremamente importante: a Igreja encontrou uma filosofia particular
da evoluçã o muito antes de encontrar quaisquer factos científicos que
pudessem apoiar a evoluçã o, e a filosofia particular foi construída por
Epicuro e Lucré cio de modo que (se pudermos pedir emprestado de
Richard Dawkins), eles e seus seguidores podem ser todos ateus
intelectualmente realizados. 7
A Igreja na Época de Darwin
Qual foi, entã o, a reacçã o da Igreja ao aparecimento do famoso livro de
Darwin, A Origem das Espécies (1859) e a sua ainda mais provocadora
Descent of Man (1871)? Embora a Igreja tenha criteriosamente evitado
dizer qualquer coisa direta e oficialmente sobre a evoluçã o no século
XIX, no Concílio Vaticano I (1869-1870) ela tornou firme a sua oposiçã o
ao materialismo e a qualquer noçã o epicurista de que a criaçã o de seres
vivos pudesse ser entendida como um conjunto interminável de
acidentes.
Na Constituiçã o Dogmá tica da Fé Cató lica (Sessã o Trê s) declarou:
“Há um Deus verdadeiro e vivo, criador e senhor do cé u e da Terra”
(Cap. 1.1), 8 e que “este ú nico Deus verdadeiro, por sua bondade e
poder onipotente… trouxe à existê ncia do nada a dupla ordem criada,
que é a espiritual e a corporal, a angé lica e a terrena, e depois disso a
humana que é , de certa forma , comum a ambos, pois é composto de
espírito e corpo” (cap. 1.3). Deus como criador foi afirmado e o
materialismo foi rejeitado. Alé m disso, este Deus poderia “ser
conhecido com certeza a partir da consideraçã o das coisas criadas,
pelo poder natural da razã o humana”, incluindo, é claro, as coisas
bioló gicas (Cap. 2.1). As verdades que encontramos na natureza atravé s
da ciê ncia nã o podem contradizer as verdades que recebemos pela fé ,
pois “Deus nã o pode negar a si mesmo, nem pode a verdade alguma vez
estar em oposiçã o à verdade”. (Cap. 4.6). Mas isso significa que “toda
afirmaçã o contrá ria à verdade da fé esclarecida é totalmente falsa”
(Cap. 4.7) e, portanto, a Igreja, como protetora da Fé , tem “o direito e o
dever de condenar o que erroneamente passa por conhecimento, para
que ningué m deixe-se desviar pela filosofia e pelo engano vazio” (Cap.
4.8). Isto tem importâ ncia direta para a ciê ncia e os cientistas, pois
significa, por implicaçã o, que “todos os cristã os fié is estã o proibidos
de defender como conclusõ es legítimas da ciê ncia aquelas opiniõ es
que sã o conhecidas por serem contrá rias à doutrina da fé ,
especialmente se tiverem sido condenadas por a Igreja; e, alé m disso,
eles sã o absolutamente obrigados a considerá -los erros que
apresentam a aparê ncia enganosa da verdade” (Cap. 4.9). O Concílio
deixou claro que a Igreja nã o rejeita a ciê ncia, mas a promove
ativamente (cap. 4.11). Os cientistas sã o livres de usar os seus pró prios
princípios e mé todos, mas a Igreja «toma especial cuidado para que
nã o sejam infectados por erros, entrando em conflito com o
ensinamento divino, ou, indo alé m dos seus pró prios limites,
intrometam-se no que pertence à fé e gerem confusã o” (4.12). Pelo
contrá rio, foi declarado aná tema. 9
Assim, embora a Igreja nã o tenha dito nada diretamente sobre a
evoluçã o durante o florescimento inicial do darwinismo, ainda assim
repetiu o entendimento de que a verdade nã o pode
contradizer a verdade e, portanto, a revelaçã o nã o pode
contradizer as verdades da natureza descobertas pela
ciência;
opô s-se diretamente contra o materialismo e contra
qualquer visã o da ciência que alegadamente
contradissesse a sua doutrina da criaçã o; confirmou que
apoia plenamente a ciência, mas deve manter a sua
posiçã o crítica em relaçã o a qualquer filosofia da natureza
que oriente uma determinada ciência para conclusõ es
ilícitas;
proibiu os fiéis de defenderem como “conclusõ es
legítimas da ciência aquelas opiniõ es que se sabe serem
contrá rias à doutrina da fé, especialmente se tiverem sido
condenadas pela Igreja”;
afirmou que os fiéis – incluindo os cientistas – sã o
obrigados a sustentar que as conclusõ es da ciência
contrá rias à fé sã o “erros que apresentam a aparência
enganosa da verdade”.
Refiro-me à s conclusõ es deste concílio com tantos detalhes porque
foi o mesmo que declarou oficialmente que o papa e o concílio sob sua
orientaçã o nã o poderiam errar; portanto, essas declaraçõ es sã o
infalíveis. A declaraçã o da sua infalibilidade, poderíamos dizer, exige
que os cató licos façam uma distinçã o entre o darwinismo e a evoluçã o.
Portanto, temos de compreender ainda melhor essa distinçã o, e isso
significa que precisamos de olhar mais de perto para o pró prio Darwin.

Mas Charles Darwin era um darwinista?


Talvez estejamos colocando tudo de forma errada. Pode ser verdade
que a Igreja pode e deve rejeitar uma forma antiga e específica de teoria
evolucionista, aquela originalmente gerada por Epicuro e Lucrécio,
aquela que influenciou muitos outros pensadores europeus ao longo
dos séculos XV até ao século XVIII, mas isso significaria apenas que a
Igreja deve denunciar infalivelmente os epicureus, e nã o os darwinistas.
Se simplesmente equipararmos o darwinismo à versã o epicurista da
evoluçã o, entã o talvez o pró prio Darwin nã o fosse darwinista. Talvez
ele fosse simplesmente um cientista, descobrindo os duros factos da
evoluçã o, totalmente desligado de quaisquer fantasias filosó ficas
idealizadas por Epicuro ou Lucrécio, e toda a noçã o de distinçã o entre
darwinismo e evoluçã o seja mal concebida.
Argumentei longa e arduamente em outro lugar que o darwinismo é
de fato uma espé cie de epicurismo, 10 entã o aqui vou oferecer apenas
uma versã o condensada. Um dos factos mais interessantes para
começar é que Charles Darwin nem sequer foi o primeiro evolucionista
da sua família. Essa honra vai para seu avô Erasmus Darwin, que
escreveu trê s obras sobre “transmutacionismo” (como a evoluçã o foi
chamada pela primeira vez): os poemas em seu Jardim Botânico
(1791), o tratado de dois volumes Zoönomia (1794-96) e o poema O
Templo da Natureza (1803) - todos escritos antes do nascimento de
Charles. O pai de Darwin, Robert, també m era um evolucionista. E
embora Erasmo possa ter sido uma espé cie de deísta muito magro,
Robert era ateu. Erasmo foi um dos principais membros do Iluminismo
radical europeu, conhecido em toda a Europa e até na Amé rica (sendo
um amigo especial de Benjamin Franklin). Assim, Charles Darwin
nasceu e cresceu dentro de uma família muito secularizada: um
evolucionista de terceira geraçã o que absorveu o transmutacionismo
lucreciano do seu famoso avô muito antes de pôr os pés no HMS Beagle .
Por que esse ú ltimo ponto é tã o importante? A “noçã o” histó rica
comum da vida de Darwin – o que chamo de Mito de Darwin 11 —é que
Charles Darwin sempre foi muito religioso e, na verdade, uma espé cie
de literalista bíblico, até navegar ao redor do mundo em sua famosa
viagem no Beagle (1831-36), onde descobriu os antigos fó sseis de
dinossauros e todos os evidê ncia geoló gica de uma Terra antiga. Isto,
diz o mito, produziu nele uma crise religiosa. Mas ele simplesmente
nã o conseguia negar os factos ó bvios da evoluçã o e, assim, depois de
muita luta e agitaçã o interior, finalmente publicou a sua Origem das
Espécies em 1859, tendo-se tornado um agnó stico sá bio e só brio,
forçado a aceitar a verdade pela pró pria ciê ncia.
Esta imagem é manifestamente falsa. Charles nã o apenas leu a
Zoönomia de seu avô antes de embarcar no Beagle , mas também leu a
obra do famoso evolucionista francês Jean Baptiste Lamarck (que
estava em dívida intelectual com Erasmus Darwin) e trabalhou como
assistente do evolucionista radical Robert Conceder. Na verdade, ele
estava lendo ansiosamente um livro que discutia a evoluçã o a bordo do
Beagle , menos de um ano depois de ele ter partido. Ainda mais
interessante é que sabemos, pelos seus cadernos secretos, iniciados
quase imediatamente apó s o desembarque do Beagle em 1836, que
Charles Darwin estava a tentar elaborar uma explicaçã o da evoluçã o
inteiramente materialista, que nã o precisasse de criador, que reduzisse
os seres humanos a condiçõ es materialistas. animais determinados.
Obviamente ele já vinha pensando em evoluçã o há muito tempo antes
de partir.
De onde tiramos a falsa imagem de Darwin? Em grande parte, do
pró prio Darwin, especialmente da sua Autobiografia , onde apresenta a
noçã o de que, mais uma vez, era um homem inteiramente religioso até
que os factos da evoluçã o o levaram - depois de muita angú stia - a
encarar a verdade. A esta altura, espero, podemos ver por que Darwin
pode ter se apresentado erroneamente: ele também compartilhou o
“mito da guerra”, a ideia de que a histó ria deve ser entendida como um
grande conflito em que os fatos concretos da ciência forçam a
humanidade a sair de sua religiã o religiosa. infâ ncia e em direçã o ao
seu futuro secular e científico utó pico. Como deixei claro em O Mito de
Darwin , e como vimos no capítulo 1 , a tese da guerra já havia cativado
os principais intelectuais do Iluminismo do século XVIII (sendo
Erasmus Darwin um deles) e preparado o cená rio intelectual para o
século XIX. , Século de Darwin. A teoria de Darwin fazia parte desta
revoluçã o intelectual secular mais ampla, da qual a pró pria família de
Charles Darwin fazia parte há duas geraçõ es.
Observe a importâ ncia do que estou dizendo: a filosofia particular
veio primeiro . A abordagem de Darwin à evoluçã o foi guiada pelo
Iluminismo secular mais amplo, no qual a apresentaçã o epicurista da
evoluçã o já estava firmemente incorporada no momento em que ele
entrou em cena. A teoria da evolução de Darwin parece-se muito com a
teoria da evoluçã o de Lucrécio, nã o porque Lucrécio estivesse séculos à
frente do seu tempo, mas porque Darwin estava profundamente
imbuído da apresentaçã o epicurista da evoluçã o antes de reunir um
ú nico facto para a apoiar. É por isso que ele apresentou uma visã o
particular da evoluçã o que excluía Deus, substituindo-o por uma
combinaçã o de acaso e necessidade. Os fatos nã o o levaram a isso: foi
para lá que ele levou os fatos.

Evolucionistas contra o darwinismo


Se o que estou dizendo fosse verdade, durante a época de Darwin
teriam havido outras tentativas de compreender a mesma evidência
evolutiva, mas, em contraste direto com Darwin, tentativas que o
fizeram de maneira favorável a Deus. Acontece que houve tais tentativas
e, na verdade, elas vieram dos pró prios amigos e apoiadores de Darwin.
Por que nã o ouvimos sobre isso em nossos livros de histó ria e nã o
vemos isso nos intermináveis documentá rios científicos da PBS? A
resposta é bem simples. Ainda estamos largamente definidos, pelo
menos os elementos poderosos e influentes da nossa cultura intelectual
sã o largamente definidos, pelo mito da guerra, e por isso tais livros e
documentá rios insistem em apresentar Darwin como o ú nico
evolucionista, o descobridor da evoluçã o, o homem que ilustra a
“verdade” de que a ciência deve substituir as superstiçõ es da religiã o.
Quem eram entã o esses evolucionistas amigos de Deus? Vamos
começar com Alfred Russel Wallace. Como você deve saber, antes de
Darwin estar pronto para publicar sua teoria da evoluçã o, ele recebeu
pelo correio um ensaio fatídico de Alfred Russel Wallace que expunha
de forma tã o clara e sucinta todos os fundamentos do relato de Darwin
sobre a evoluçã o por seleçã o natural que Darwin foi ao mesmo tempo
chocado e desanimado por ter sido pego. Como era um homem de
honra, ele teve que dar crédito a Wallace, e assim, antes da publicaçã o
de A Origem das Espécies , Wallace ficou conhecido como o co-
descobridor da teoria da evoluçã o por variaçã o aleató ria e seleçã o
natural. Mas Wallace, que era exatamente o cientista que Darwin era e
havia feito um trabalho de campo muito mais exó tico e extenso,
começou a ter dú vidas à medida que a década de 1860 avançava e, em
1869, ele as publicou (para grande desgosto de Darwin). Em suma,
Wallace permaneceu um evolucionista mesmo quando questionava
diretamente a explicaçã o da evoluçã o de Darwin, especialmente a sua
explicaçã o da evoluçã o humana. Vale a pena citar suas palavras.

Nem a seleçã o natural nem a teoria mais geral da evoluçã o podem dar
qualquer explicaçã o sobre a origem da vida sensacional ou consciente.
Eles podem nos ensinar como, por meio de leis químicas, elé tricas ou
naturais superiores, o corpo organizado pode ser construído, pode
crescer, pode reproduzir o que lhe é semelhante; mas essas leis e esse
crescimento nã o podem sequer ser concebidos como dotando de
consciê ncia os á tomos recé m-arranjados. Mas a natureza moral e
intelectual superior do homem é um fenó meno tã o ú nico como o era a
vida consciente no seu primeiro aparecimento no mundo, e uma é
quase tã o difícil de conceber como originada por qualquer lei da
evoluçã o como a outra. Podemos ainda ir mais longe e sustentar que
existem certas características puramente físicas da raça humana que
nã o sã o explicáveis pela teoria da variaçã o e da sobrevivê ncia do mais
apto. 12
Em suma, o materialismo puro da teoria livre de Deus de Darwin nã o
conseguia explicar como surgiu a vida e era especialmente inadequado
para explicar como surgiu a natureza moral e intelectual dos seres
humanos.
Darwin ficou horrorizado com o facto de Wallace, o co-descobridor
da sua teoria, a considerar agora inadequada, e procurou conforto no
seu amigo, o geó logo Charles Lyell, que tanto fizera para promover a
explicaçã o de Darwin. Mas, infelizmente, Lyell concordou com Wallace.
Furioso e frustrado, Darwin decidiu mostrar que um relato da evoluçã o
totalmente ímpio poderia de fato explicar como os seres humanos
adquiriram sua natureza moral e intelectual, e o resultado foi seu livro
Descent of Man (1871). Chegaremos a isso em um momento.
Mas, primeiro, deveríamos acrescentar que o maior e mais
formidável oponente do darwinismo – o homem a quem o pró prio
Darwin despendeu mais esforço para tentar refutar nas ediçõ es
posteriores da Origem das Espécies do que qualquer outro crítico – era
ele pró prio um evolucionista (e um convertido ao Catolicismo), Sã o
George Jackson Mivart (o “Santo” faz parte de seu nome, nã o algo
adicionado posteriormente pela Igreja!). Mivart foi aluno do buldogue
secular e defensor do pú lpito de Darwin, Thomas Huxley. Mas, tal como
Wallace, ele passou a ver os problemas científicos com uma abordagem
puramente materialista da evoluçã o que tentava explicar tudo na
evoluçã o bioló gica apenas atravé s da variaçã o aleató ria e da selecçã o
natural. No mesmo ano em que Darwin publicou Descent of Man ,
Mivart publicou seu On the Genesis of Species , um relato teísta da
evoluçã o que submete o relato antiteísta de Darwin à dissecaçã o mais
completa feita durante a vida de Darwin. Wallace entã o ofereceu seu
pró prio relato amigo de Deus em 1910: The World of Life . 13
Portanto, se a histó ria fosse compreendida correctamente, sem as
vendas da tese da guerra, a nossa compreensã o do sé culo XIX, o sé culo
de Darwin, seria muito diferente. Em vez de ver Darwin como o
descobridor da evoluçã o e o darwinismo como a ú nica teoria da
evoluçã o, veríamos o darwinismo como uma espé cie de teoria
evolucionista que surgiu para explicar a crescente evidê ncia de uma
Terra antiga e a descoberta de uma sé rie de fó sseis exó ticos de
espé cies extintas. mas formas de vida relacionadas. Foram oferecidos
outros relatos — imediatamente — que aceitavam a evidê ncia da
evoluçã o, mas criticavam o relato específico de Darwin com base
científica e ofereciam alternativas teístas. 14 Esta histó ria nova e mais
precisa enquadrar-se-ia no silê ncio da Igreja do sé culo XIX sobre a
evoluçã o, ao mesmo tempo que condenava o ateísmo e o materialismo
subjacentes à explicaçã o de Darwin. També m se enquadraria bem na
posiçã o actual da Igreja de condenar uma explicaçã o da evoluçã o do
tipo darwinista, mas de uma forma muito geral e cautelosa, afirmando
a evidê ncia da evoluçã o. A teoria evolucionista nã o teve que seguir
Darwin até o sé culo XX; poderia ter seguido Wallace, Mivart e outros
evolucionistas como eles. Se assim fosse, teríamos uma teoria robusta
da evoluçã o teísta e teríamos evitado toda uma sé rie de horrores
morais que vieram embalados com o darwinismo. Para aqueles que nos
voltamos agora.

O custo moral do darwinismo


Outro problema do darwinismo, para além dos seus erros científicos e
filosó ficos, é que nã o é apenas uma teoria científica, mas também
moral. Recordamos as palavras do Catecismo citadas anteriormente que
“a pesquisa metó dica em todos os ramos do conhecimento, desde que
seja realizada de maneira verdadeiramente científica e nã o se
sobreponha à s leis morais, nunca pode entrar em conflito com a fé,
porque as coisas do mundo e as coisas da fé derivam do mesmo Deus”.
Visto que a nossa natureza moral é definida por Deus, nunca
deveríamos ter um conflito entre a nossa natureza moral e as
descobertas legítimas da ciência. E se a maneira científica de proceder
nã o fosse o ú nico problema; e se a pró pria ciência, aplicada ao homem,
atropelasse as leis morais? Foi o que aconteceu com Darwin.
Em A Origem das Espécies , Darwin evitou cuidadosamente o tema da
evoluçã o humana, acreditando acertadamente que se publicasse o
relato puramente materialista das origens humanas e da natureza
humana, toda a sua teoria seria imediatamente rejeitada. O que o levou
a mostrar toda a sua mã o foi, mais uma vez, o facto de os seus pró prios
amigos terem negado que a selecçã o natural por si só pudesse explicar
as capacidades morais e intelectuais encontradas nos seres humanos. E
assim, em seu livro A Descendência do Homem, Darwin decidiu aplicar
sua teoria diretamente ao homem, sem dar trégua a qualquer indício de
teísmo. O resultado foi chocante – ou pelo menos deveria ser.
Com Descent , Darwin ganhou o título de Pai do Movimento Eugênico
Moderno ao aplicar a seleçã o natural diretamente aos seres humanos
como a ú nica fonte de suas habilidades. A implicaçã o, audaciosamente
formulada pelo pró prio Darwin, era que, para que a humanidade
avançasse intelectual e moralmente, os menos aptos teriam de ser
eliminados. Dois resultados bastante desagradáveis se seguiram disso.
Primeiro, implicava a conclusã o eugénica de que preservar as vidas
dos “menos aptos” na verdade funcionava contra o progresso evolutivo
da humanidade. Segundo Darwin, os selvagens que “obedecessem” aos
ditames da seleçã o natural deveriam ser admirados. Pois, como
consequência, “os fracos no corpo ou na mente sã o logo eliminados; e
aqueles que sobrevivem geralmente exibem um vigoroso estado de
saú de.” Mas a civilizaçã o traz consigo uma espécie de caridade perversa
que mina as leis benéficas da seleçã o natural ao tentar salvar os fracos.
Nas pró prias palavras assustadoras de Darwin,

Nó s, homens civilizados, por outro lado, fazemos o possível para


impedir o processo de eliminaçã o; construímos asilos para imbecis,
mutilados e doentes; instituímos leis para os pobres; e nossos mé dicos
exercem toda a sua habilidade para salvar a vida de cada um até o
ú ltimo momento. Há razõ es para acreditar que a vacinaçã o preservou
milhares de pessoas que, devido a uma constituiçã o fraca, teriam
anteriormente sucumbido à varíola. Assim, os membros fracos das
sociedades civilizadas propagam a sua espé cie. Ningué m que tenha se
dedicado à criaçã o de animais domé sticos duvidará que isto deve ser
altamente prejudicial à raça humana. É surpreendente como a falta de
cuidados, ou os cuidados mal direcionados, levam rapidamente à
degeneraçã o de uma raça domé stica; mas, exceto no caso do pró prio
homem, dificilmente algué m é tã o ignorante a ponto de permitir que
seus piores animais se reproduzam. 15
A implicaçã o eugé nica ó bvia era que não deveríamos permitir que a
raça humana se degenerasse interferindo na eliminaçã o natural dos
fracos e, claro, por outro lado, que os melhores deveriam procriar mais.
Darwin evitou sugerir a eliminaçã o direta dos fracos, dizendo com um
suspiro que “devemos suportar sem reclamar os efeitos
indubitavelmente maus da sobrevivê ncia e propagaçã o da sua espé cie
pelos fracos”. Mas pelo menos os menos “aptos” poderiam ajudar
“abster-se de casar”. 16 Os darwinistas posteriores nã o seriam tã o
gentis.
Mas há outra implicaçã o importante em afirmar que a moralidade é o
resultado da selecçã o natural (e nã o do facto de termos sido feitos à
imagem de Deus): significa que a moralidade é redutível a tudo o que
contribui para a sobrevivência de um determinado indivíduo ou
sociedade. Ou, dito de outra forma, se uma sociedade sobrevivesse,
deveria, por definiçã o, ser mais adequada. Portanto, as leis, os costumes
ou as crenças específicas que contribuíram para a sua sobrevivência,
por mais bá rbaras ou brutais que sejam, devem ser consideradas
“morais” – uma reviravolta interessante em Epicuro, com Darwin a
substituir a identidade hedonista da identidade hedonista pela
identidade da bondade pela brutalidade. bondade com prazer físico. Na
verdade, a verdadeira fonte da moralidade para Darwin, a verdadeira
razã o da sua ascensã o e desenvolvimento, é a luta brutal pela
sobrevivência onde os indivíduos e raças menos aptos moralmente sã o
extintos pelos indivíduos e raças mais aptos moralmente. Veja como
funciona, de acordo com Darwin:

Quando duas tribos de homens primitivos, vivendo no mesmo país,


entraram em competiçã o, se uma tribo incluísse (…) um nú mero maior
de membros corajosos, solidá rios e fié is, que estavam sempre prontos
para alertar uns aos outros do perigo, para ajudar e defender entre si,
esta tribo sem dú vida teria melhor sucesso e conquistaria a outra...
Uma tribo que possuísse as qualidades acima em alto grau se
espalharia e seria vitoriosa sobre outras tribos; mas com o passar do
tempo, a julgar por toda a histó ria passada, seria, por sua vez, superada
por alguma outra tribo ainda mais dotada. Assim, as qualidades sociais
e morais tenderiam lentamente a avançar e a difundir-se por todo o
mundo. 17
O avanço moral ocorre através da destruiçã o e, portanto, da extinçã o
dos menos morais. O mesmo é verdade, argumenta Darwin, para o
avanço intelectual.
E este avanço atravé s da extinçã o das “raças menos favorecidas” nã o
é algo que deixamos para trá s no nosso passado sombrio, embora
tenhamos que agradecer pelo nosso progresso moral, social, cultural e
intelectual até agora, mas algo que é agora ocorrendo e continuará
indefinidamente no futuro. É por isso que Darwin pô de descrever
alegremente o seguinte, com a voz do maior distanciamento e
franqueza científica: “Em algum período futuro, nã o muito distante, se
medido pelos sé culos, as raças civilizadas do homem quase certamente
exterminarã o e substituirã o em todo o mundo as raças selvagens. . Ao
mesmo tempo, os macacos antropomorfos [como o gorila, o
orangotango ou o chimpanzé ]… serã o sem dú vida exterminados. A
ruptura tornar-se-á entã o mais ampla, pois intervirá entre o homem
num estado mais civilizado, como podemos esperar, do que o
caucasiano, e algum macaco tã o baixo como um babuíno, em vez de
como acontece actualmente entre o negro ou australiano e o gorila." 18
A civilizaçã o progride atravé s da extinçã o proposital das raças menos
aptas. Foi assim que a evoluçã o humana funcionou no passado. A
extinçã o de espé cies estreitamente aliadas foi a razã o pela qual o fosso
significativo entre os macacos existentes e os seres humanos
existentes se tornou tã o grande – as “espé cies intermé dias” foram
eliminadas. E é assim que a evoluçã o continuará a “progredir”.
Agora devemos salientar aqui, uma vez que isto é tã o monstruoso,
que o pró prio Charles Darwin nã o era um monstro. Na verdade, ele era
um homem muito amável, humilde e pessoalmente moral, um marido e
pai muito bom e um cavalheiro muito gentil com os menos
privilegiados. Ele també m era um abolicionista que odiava a
escravidã o com paixã o. 19 Mas todas estas coisas maravilhosas sobre
Charles Darwin, a pessoa, estã o em conflito directo e real com as
implicaçõ es da sua teoria, implicaçõ es que até ele extraiu, implicaçõ es
que se seguiram directamente à sua insistência de que a evolução
humana deve ser inteiramente explicada como resultado de
acontecimentos aleatórios. variação e seleção natural — isto é , sem Deus
. 20
Obviamente, a Igreja nã o pode endossar esta visã o particular da
evoluçã o, e nã o precisamos insistir no assunto citando texto apó s texto
do Catecismo para provar isso. O nosso ponto principal é que esta visã o
particular da evoluçã o é corretamente chamada de darwinismo (como
acabá mos de ver) e é corretamente rejeitada, mas nã o é a ú nica visã o
possível, como vimos mesmo na época de Darwin com Mivart e Wallace.
Juntamente com Mivart e Wallace, que rejeitaram a explicaçã o de
Darwin em parte porque nã o conseguia explicar as capacidades morais
e intelectuais dos seres humanos, também nó s podemos fazer a
distinçã o fundamental entre o darwinismo e a evoluçã o.

O que isso significa para a Igreja hoje?


Dada esta importante distinçã o entre darwinismo e evoluçã o, nã o
deveria surpreender-nos que o Papa Pio XII, na sua encíclica Humani
Generis de 1950 , pudesse alertar contra os perigos de uma visã o
materialista da evoluçã o, 21 , mas depois digo

a Autoridade Docente da Igreja nã o proíbe que, em conformidade com o


estado atual das ciências humanas e da teologia sagrada, pesquisas e
discussõ es, por parte de homens experientes em ambos os campos,
ocorram no que diz respeito à doutrina da evoluçã o, em como na
medida em que investiga a origem do corpo humano como proveniente
de matéria viva e pré-existente - pois a fé cató lica obriga-nos a
sustentar que as almas sã o imediatamente criadas por Deus. Contudo,
isto deve ser feito de tal forma que as razõ es de ambas as opiniõ es, isto
é, as favoráveis e as desfavoráveis à evoluçã o, sejam pesadas e julgadas
com a necessá ria seriedade, moderaçã o e medida, e desde que todos
estejam preparados para se submeterem à julgamento da Igreja, a
quem Cristo confiou a missã o de interpretar autenticamente as
Sagradas Escrituras e de defender os dogmas dos fiéis. Alguns, no
entanto, transgridem precipitadamente esta liberdade de discussã o,
quando agem como se a origem do corpo humano a partir de matéria
preexistente e viva já fosse completamente certa e provada pelos fatos
que foram descobertos até agora e pelo raciocínio sobre esses fatos, e
como se nã o houvesse nada nas fontes da revelaçã o divina que exigisse
a maior moderaçã o e cautela nesta questã o. (Seçã o 36)
Por outras palavras, a Igreja nã o proibiu a discussã o da evoluçã o, mas
pediu que todos os lados da questã o, incluindo os legitimamente
críticos, fossem postos em prá tica. O papa apenas proibiu a negaçã o da
alma pelo materialismo e, no pará grafo consequente (37), qualquer
noçã o de que a ancestralidade humana pudesse ser derivada de linhas
mú ltiplas (poligenismo).
Obviamente, muitas evidências da evoluçã o foram recolhidas no
período entre Darwin e o Papa Pio XII, e muito mais foram recolhidas
até aos dias de hoje. Sabemos que a Terra tem cerca de quatro mil
milhõ es e meio de anos; sabemos que as primeiras células vivas
(micró bios unicelulares, sem estruturas internas como o nú cleo,
chamadas (procariontes, micró bios unicelulares que nã o possuem
estruturas internas como o nú cleo) apareceram na Terra há quase
quatro bilhõ es de anos, incluindo o nú cleo ( chamados eucariotos),
apareceram mais tarde, talvez até há dois mil milhõ es de anos. Sabemos
que a vida permaneceu num nível relativamente simples até cerca de
550 milhõ es de anos atrá s, altura em que o registo fó ssil revela uma
diversificaçã o crescente de criaturas: desde o dos primeiros
organismos com casca aos vertebrados, à s plantas, aos insetos, aos
dinossauros, aos répteis, aos mamíferos. Finalmente, encontramos
figuras de pedra feitas por mã os humanas há cerca de 40.000 anos e
pintadas em cavernas há cerca de 32.000 anos. O aparecimento de tal
variedade e diversidade de criaturas extintas fornece ampla evidência
de que o desenvolvimento da vida tem sido um processo muito longo e
muito rico, que envolveu inú meras extinçõ es de espécies que, antes do
século XIX, nenhum ser humano sabia que existiam - e que parece
incluir raças de seres humanos ou criaturas semelhantes a humanos
que nã o existem mais, como os Neandertais. Mas, novamente, este
desenvolvimento gradual da vida nã o precisa ser explicado em termos
darwinianos.
Além disso, há aspectos dos efeitos da mudança evolutiva (sejam
quais forem as suas causas) que estã o firmemente estabelecidos, tais
como o aparecimento de novas espécies estreitamente relacionadas ao
longo do tempo em á reas geográ ficas específicas, por exemplo, as
mú ltiplas espécies de trepadeiras do Havai, todas desenvolvendo-se a
partir de um ancestral semelhante ao tentilhã o, ou das 500 espécies de
moscas-das-frutas que se desenvolveram ao longo de um período de
cerca de oito milhõ es de anos a partir de um ancestral comum no Havaí;
a correspondência comum na sucessã o de formas extintas e vivas em
determinadas á reas geográ ficas, como o tatu-pigmeu e o extinto
gliptodonte na Argentina, ou o extinto mamífero australiano Diprotodon
e o wombat; a existência de espécies distintas na mesma á rea ou em
á reas contíguas que diferem apenas ligeiramente, como as mú ltiplas
espécies de pardais; a evidência da lenta mudança de características
definidas em uma espécie ao longo de milhõ es de anos encontrada em
camadas geoló gicas sucessivas, como o nú mero de câ maras no
foraminífero marinho Globorotalia conidea ou o nú mero de costelas em
trilobitas; ou a existência dos chamados pseudogenes no có digo
genético que nã o funcionam mais, mas sã o rastreáveis a genes
funcionais em outras espécies, como o pseudogene GLO usado na
produçã o de vitamina C a partir da glicose, que a maioria dos
mamíferos possui na forma funcional, mas outros mamíferos (
primatas, morcegos frugívoros e porquinhos-da-índia) que obtêm
vitamina C de suas dietas, nã o.
Nã o é surpreendente, portanto, que os papas depois de Pio XII
tenham afirmado a evoluçã o, mesmo rejeitando teorias de tipo
darwinista. Quando o Papa Joã o Paulo II declarou, na sua Mensagem
aos Membros da Pontifícia Academia das Ciências (22 de outubro de
1996), que “novos conhecimentos levaram ao reconhecimento da teoria
da evoluçã o como mais do que uma hipó tese” (Secçã o 4 ), ele só pode
ser entendido como seguindo o Papa Pio e afirmando aqueles aspectos
da biologia evolutiva que eram legítimos e nã o-darwinistas. Como ele
deixou claro na mesma secçã o, existem realmente “vá rias teorias da
evoluçã o” em parte baseadas nas “vá rias filosofias” subjacentes a elas,
daí a existência de interpretaçõ es materialistas, reducionistas e
espiritualistas. Ele entã o rejeitou a versã o materialista e reducionista –
a mesma versã o que encontramos em Darwin – e todas as versõ es que
“consideram a mente como emergindo das forças da matéria viva, ou
como um mero epifenô meno da matéria”, pois estas sã o “incompatíveis
com o verdade sobre o homem” (Seçã o 5). Nã o creio que seja exagero
sugerir que o Papa Joã o Paulo II teria rejeitado a explicaçã o de Darwin
sobre a “moralidade”.
No discurso do Papa Bento XVI na inauguraçã o do seu pontificado,
em Abril de 2005, ele proclamou, em alto e bom som: “Nã o somos um
produto casual e sem sentido da evoluçã o”. 22 Na sua encíclica de 2007
sobre a virtude teoló gica da esperança, Spe Salvi , o papa (ao comentar
a Carta de Sã o Paulo aos Coríntios), escreveu: “Nã o sã o os espíritos
elementais do universo, as leis da maté ria, que em ú ltima aná lise
governa o mundo e a humanidade, mas um Deus pessoal governa as
estrelas, isto é , o universo; nã o sã o as leis da maté ria e da evoluçã o que
tê m a palavra final, mas a razã o, a vontade, o amor – uma Pessoa.” 23
Mas Bento XVI nã o está a rejeitar a evoluçã o por completo, como
també m deixou claro. Nã o se trata nem de evoluçã o nem de fé , como
muitos pretendem nos debates actuais.

Atualmente, vejo na Alemanha, mas també m nos Estados Unidos, um


debate um tanto acirrado entre o chamado “criacionismo” e o
evolucionismo, apresentados como se fossem alternativas
mutuamente exclusivas: aqueles que acreditam no Criador nã o seriam
capazes de conceber da evoluçã o, e aqueles que, em vez disso, apoiam a
evoluçã o teriam de excluir Deus. Esta antítese é absurda porque, por
um lado, existem tantas provas científicas a favor da evoluçã o que
parece ser uma realidade que podemos ver e que enriquece o nosso
conhecimento da vida e do ser como tal. Mas, por outro lado, a doutrina
da evoluçã o nã o responde a todas as questõ es, especialmente à grande
questã o filosó fica: de onde vem tudo? E como começou tudo o que
levou ao homem? 24
No seu livro sobre o Gênesis, escrito antes de se tornar papa, o Cardeal
Ratzinger escreveu:

Nã o podemos dizer: criaçã o ou evoluçã o, na medida em que estas duas


coisas respondem a duas realidades diferentes. A histó ria do pó da
Terra e do sopro de Deus [retratada no Gê nesis]… nã o explica de fato
como as pessoas humanas surgiram, mas sim o que elas sã o. Explica a
sua origem mais íntima e ilumina o projeto que sã o. E, vice-versa, a
teoria da evoluçã o procura compreender e descrever os
desenvolvimentos bioló gicos. Mas ao fazê -lo nã o pode explicar de onde
vem o “projecto” da pessoa humana, nem a sua origem interior, nem a
sua natureza particular. Nessa medida, estamos aqui confrontados com
duas realidades complementares – um tanto mutuamente exclusivas. 25
O Papa Bento XVI afirmou este entendimento na conferê ncia especial
com os seus ex-alunos em 2006 que resultou na publicaçã o de Criação e
Evolução: Uma Conferência com o Papa Bento XVI em Castel Gondolfo .
Nele, o Papa Bento XVI confirmou o que havia dito antes, mas uma
distinçã o muitas vezes esquecida no seu entendimento foi trazida mais
claramente pelo Cardeal Christoph Schö nborn, Arcebispo de Viena: a
distinçã o entre o evolucionismo darwinista e a evoluçã o, entre a
abordagem ideoló gica, materialista e reducionista à evoluçã o e aos
pró prios fatos: “A possibilidade de o Criador també m fazer uso do
instrumento da evoluçã o é admissível para a fé cató lica. A questã o,
poré m, é se o evolucionismo (como conceito ideoló gico) é compatível
com a crença num Criador. A questã o pressupõ e, mais uma vez, que
seja feita uma distinçã o entre a teoria científica da evoluçã o e as suas
interpretaçõ es ideoló gicas ou filosó ficas.” 26 Esta conferê ncia foi
convocada como resultado do alvoroço mundial causado por um ensaio
do Cardeal Schö nborn, “Finding Design in Nature”, publicado no New
York Times em Julho de 2005. 27 Nele, o cardeal afirmou:

A Igreja Cató lica, embora deixe à ciência muitos detalhes sobre a


histó ria da vida na Terra, proclama que, à luz da razã o, o intelecto
humano pode discernir rá pida e claramente o propó sito e o desígnio do
mundo natural, incluindo o mundo das coisas vivas.
A evoluçã o no sentido de ancestralidade comum pode ser verdadeira,
mas a evoluçã o no sentido neodarwinista – um processo nã o guiado e
nã o planejado de variaçã o aleató ria e seleçã o natural – nã o é. Qualquer
sistema de pensamento que negue ou procure explicar as evidências
esmagadoras do design na biologia é ideologia, nã o ciência.
Mas, infelizmente, o mundo nã o conseguiu compreender a importante
distinçã o feita pelo Cardeal entre o evolucionismo (ou o
neodarwinismo, como ele o chama aqui) e os factos da evoluçã o,
compreendidos sem antolhos materialistas e reducionistas. Para
esclarecer estas breves declaraçõ es, o Cardeal Schö nborn dedicou as
suas palestras catequé ticas mensais do ano lectivo de 2005-2006 a
uma elaboraçã o profunda da posiçã o da Igreja, publicada em forma de
livro como Chance or Purpose? Criação, Evolução e uma Fé Racional . 28
Este livro continua a ser a reflexã o mais actualizada sobre a distinçã o
essencial entre o darwinismo, por um lado, e a ciê ncia legítima da
evoluçã o, por outro.

Então... O que é um bom católico para acreditar?


“Entã o”, o leitor pode muito bem ponderar, “e agora? O que exatamente
um bom cató lico deve acreditar sobre a evoluçã o?” Essa é uma
pergunta que sempre recebo. Mas a resposta nã o é nada simples.
Em primeiro lugar, um bom cató lico deve rejeitar o darwinismo e nã o
identificá -lo simplesmente com a evoluçã o. Identificar os dois leva a
dois resultados desagradáveis e opostos. Primeiro, aqueles que aceitam
a evoluçã o acreditam que devem entã o rejeitar Deus ou, de alguma
forma, unir de forma incongruente uma teoria da evoluçã o destinada a
substituir o Criador e um Criador sem nada para fazer. Em segundo
lugar, aqueles que rejeitam correctamente o darwinismo rejeitarã o,
muito erradamente, os factos da evoluçã o como parte do veneno. A
primeira leva ao ateísmo, a segunda ao fideísmo irracional. Nenhuma
das alternativas é cató lica.
Um bom cató lico deve ser muito paciente. Durante um século e meio,
a ciência evolucionista tem avançado em grande parte, quase
exclusivamente, o seu trabalho dentro da estrutura materialista e
reducionista do darwinismo. Isso significa que tentou reunir todas as
suas provas sob a suposiçã o de que a evoluçã o é um processo
totalmente cego governado por leis cegas. Assim como um historiador
marxista que apenas reú ne evidências que apoiam a sua tese de que
toda a atividade, pensamento e criaçã o humana sã o redutíveis aos
modos histó ricos de produçã o e ao conflito de classes que daí resulta,
também os darwinistas apenas procuraram o que queriam encontrar.
—evidência de que a evoluçã o é um processo totalmente sem direçã o e
sem Deus. Nã o nos deveria surpreender que a biologia evolutiva, tal
como existe agora, apenas ofereça provas do darwinismo. Para inverter
esta tendência de longa data, os cientistas terã o de se livrar das vendas
do materialismo filosó fico e permitir que a sua razã o olhe para as
evidências da evoluçã o sob uma luz nova, mais brilhante e mais
expansiva. Até que isso ocorra – e continue por algum tempo, digamos
meio século – nã o saberemos exatamente em que acreditar sobre a
evoluçã o. Precisamos pensar nos anos da Igreja e daí a necessidade de
paciência.
Um bom cató lico pode reconhecer o que delineá mos desde o início
sobre o lugar da Igreja. A Igreja afirmou a evoluçã o de uma forma muito
ampla, uma vez que a evidência da natureza se revelou esmagadora, e
fê-lo porque a evidência da actividade criadora de Deus na natureza
nã o pode contradizer a Fé. Disso devemos ter confiança, ou nos
tornaremos um novo tipo de maniqueísta, separando a salvaçã o no
reino espiritual da nossa compreensã o da criaçã o. Mas a Igreja também
leva a sério a sua tarefa de proteger a ciência da má filosofia, mesmo
quando nã o dita as particularidades de nenhuma ciência.
Existem abordagens promissoras para a evoluçã o por aí? Sim, eu
diria que o paleobió logo evolucionista Simon Conway Morris está , mais
ou menos, no caminho certo. Morris é um cientista de primeira classe
com o respeito de todos e, alé m disso, um cristã o crente (com um amor
profundo e incurável pela leitura de GK Chesterton). Alé m disso, ele nã o
tem paciê ncia com o raciocínio hipó crita e de má qualidade de
darwinistas raivosamente antiteístas como Richard Dawkins. A soluçã o
de sua vida é um bom lugar para começar. 29 É claro que todo cató lico
deveria ler o livro acima mencionado do Papa Bento XVI, “No
Princípio…”: Uma Compreensão Católica da História da Criação e da
Queda , Acaso ou Propósito do Cardeal Schönborn? Criação, Evolução e
uma Fé Racional , e os anais da conferê ncia sobre evoluçã o e criaçã o,
Criação e Evolução: Uma Conferência com o Papa Bento XVI em Castel
Gondolfo .
Os leitores interessados em entrar em mais detalhes sobre a evoluçã o
terã o de fazer algumas exploraçõ es em territó rio inimigo, por assim
dizer, e isso significa ter de resolver as afirmaçõ es razoáveis do
darwinismo ideoló gico. Entã o esteja preparado! Em primeiro lugar, e
mais ó bvio, tome cuidado com os cientistas (como Richard Dawkins e
Jerry Coyne) que parecem gravitar continuamente em torno de
declaraçõ es anti-religiosas no meio de argumentos evolucionistas. Eles
têm uma questã o a resolver com os teístas que influencia fortemente a
forma como eles coletam e apresentam evidências. Em segundo lugar, e
igualmente importante, tenhamos em mente a distinçã o entre uma
explicaçã o reducionista darwiniana e uma descriçã o só lida e só bria dos
factos. Uma explicaçã o reducionista tenta forçar a explicaçã o da
evoluçã o inteiramente como resultado de variaçõ es aleató rias, seleçã o
natural e alguns outros fatores, e o resultado é muitas vezes que quase
milagres sã o continuamente invocados para explicar por que existem
grandes lacunas no registro fó ssil. , como ó rgã os assustadoramente
complexos podem evoluir ou como certos tipos de evoluçã o ocorrem
com uma rapidez incrível. Se você encontrar continuamente o quase
milagroso em um relato evolutivo, entã o é um sinal de que o autor está
invocando o acaso como uma contra-divindade. Uma explicaçã o teísta,
pelo contrá rio, tem muito menos problemas porque assume que o
universo foi concebido para o desenvolvimento de vida complexa e, por
isso, nã o precisa de alterar os factos para os fazer enquadrar-se na
estrutura darwiniana. Nos pró ximos dois capítulos, examinaremos as
evidências de que o universo foi, de fato, estranha e maravilhosamente
projetado para a vida.
A Quinta Confusã o
“O Big Bang é uma alternativa científica à crença em um Deus
Criador”

A maioria das pessoas, durante a maior parte da histó ria humana,


acreditou que o universo teve um início definido no tempo – quando foi
criado por Deus ou pelos deuses. Portanto, pode parecer estranho que
tenha sido um grande choque, na primeira metade do século XX, para os
cientistas descobrirem que o universo teve um começo.
Para resumir demais uma histó ria muito longa e complicada, a causa
do choque foi que os cientistas tinham certeza de que o universo era de
fato eterno. Tinha que ser. Por que? Por duas razõ es relacionadas.
Em primeiro lugar, devemos regressar a Epicuro e Lucré cio, cuja
influê ncia no desenvolvimento inicial da ciê ncia moderna nã o pode ser
subestimada. Uma parte essencial da sua teoria era que tanto o
universo como os á tomos eram eternos – que sempre existiram e,
portanto, nã o precisavam de um criador. Chega de deuses incô modos!
“A totalidade [das coisas] sempre foi como é agora e sempre será”, os
á tomos sã o “imutáveis” e “se movem continuamente por todos os
tempos”, criando um universo infinito e eterno, mundo apó s mundo
por sua escolha aleató ria. empurrõ es, acoplamentos e
desacoplamentos. 1
Lucré cio també m era zeloso em remover o “peso morto da
superstiçã o” que ele també m acreditava ser a causa de toda a maldade
e misé ria humana. (As antigas raízes da tese da guerra!) Entã o ele
decidiu que o seu “ponto de partida” deveria ser este: “ Nada é criado
pelo poder divino a partir do nada. ” Como nã o existe um criador divino,
a pró pria natureza deve ser eterna, porque se nã o fosse eterna, entã o
teria que ter um começo no tempo e a natureza teria que criar á tomos
do nada. Mas isso é impossível, entã o… o universo e os á tomos sã o
eternos. 2
Observe o raciocínio circular: “Nã o queremos um deus criador, entã o
o universo e os á tomos devem ser eternos; se nã o fossem eternos,
teriam tido um começo; mas se tivessem um começo, teriam que ter
surgido do nada; mas nada nã o pode ser causa de alguma coisa;
portanto, o universo e os á tomos devem ser eternos;
consequentemente, nã o houve deus criador . ” A ú nica razã o pela qual o
universo e seus á tomos sã o “provados” como eternos é que, se nã o
fossem, teríamos que invocar um criador – a mesma conclusã o que
Epicuro e Lucrécio queriam evitar a todo custo, mesmo ao custo de
ló gica! Este raciocínio circular epicurista-lucreciano alimentou o fogo
do secularismo no século XIX e no início do século XX.
Mas há outra razã o, intimamente relacionada, pela qual o universo
“se tornou” eterno para a modernidade – as teorias espetacularmente
bem-sucedidas de Newton. Isaac Newton fez dos fundamentos do
atomismo epicurista o fundamento de sua teoria da natureza
encontrada em seu justamente famoso Philosophiae Naturalis Principia
Mathematica ( Princípios Matemáticos da Filosofia Natural , 1687), mas
o pró prio Newton era muito religioso (a seu pró prio estilo - ele parece
ter sido uma espé cie de ariano). Ele nã o permitiria que seus á tomos
epicuristas substituíssem a necessidade do Deus criador do Gê nesis.
Assim, em sua imensamente influente Óptica (1704), Newton propô s
que “parece provável para mim que Deus, no Princípio, formou a
Maté ria em Partículas só lidas, massivas, duras, impenetráveis e
mó veis, de tais Tamanhos e Figuras, e com tais outras propriedades, e
em tal proporçã o com o espaço, que mais conduzam ao fim para o qual
ele as formou; e que essas partículas primitivas, sendo só lidas, sã o
incomparavelmente mais duras do que quaisquer corpos porosos
compostos delas, mesmo tã o duras que nunca se desgastam ou
quebram em pedaços; nenhum Poder comum é capaz de dividir o que o
pró prio Deus uniu na primeira Criaçã o.” 3 Os á tomos de Newton eram
eternos, como os de Epicuro, mas Newton afirmou que foram criados
dessa forma, em vez de terem sempre existido. Alé m disso, contra o
epicurismo, estas partículas nã o se agitaram aleatoriamente, mas
foram “associadas de vá rias maneiras na primeira Criaçã o pelo
Conselho de um Agente inteligente. Pois foi Ele quem os criou para
colocá -los em ordem. E se Ele fez isso, nã o é filosó fico procurar
qualquer outra Origem do Mundo, ou fingir que ela possa surgir do
Caos pelas meras Leis da Natureza; embora uma vez formado, pode
continuar por essas Leis por muitas Eras.” 4
Seja qual for a nossa opiniã o sobre a sua explicaçã o da criaçã o dos
á tomos, a explicaçã o de Newton sobre a física do movimento foi
brilhante, e o newtonianismo definiu a ciência desde o seu início, no
final do século XVII, até ao início do século XX. No entanto, com o
advento do darwinismo no século XIX, tornou-se bastante “filosó fico”
acreditar que tudo poderia “surgir do Caos pelas meras Leis da
Natureza” através da associaçã o aleató ria de á tomos. Um
newtonianismo ímpio aliado ao darwinismo deu aos cientistas licença
para aceitar um universo eterno sem o Criador.
No início do século XX, começaram a aparecer fissuras no mundo de
Newton e surgiu uma nova ciência, definida pela teoria da relatividade
de Einstein. Uma das coisas estranhas que sua teoria implicava — algo
que Einstein nã o gostou nada — era que, se estivesse certo, o universo
estaria se expandindo, e se estivesse se expandindo, entã o, se alguém
retrocedesse a fita, por assim dizer , o espaço, o tempo e a matéria se
contrairiam em uma “singularidade” infinitamente densa. Esse “ponto”
metafó rico implicaria que o tempo, o espaço e a matéria, e que as leis
da natureza que os governam, surgiram do nada . Na verdade, foi em
1927 que um padre jesuíta belga chamado Georges Lemaître anunciou
que, se a teoria de Einstein estivesse certa, seria necessá rio concluir
que o universo estava em expansã o e que, portanto, nã o era eterno nem
infinito, mas tinha um início definido e calculável.
Para Lemaître, ao contrá rio de Einstein, estas implicaçõ es da ciê ncia
mais recente “tinham forte relevâ ncia teoló gica… Uma singularidade
inicial nã o era algo a ser evitado, mas um mé rito positivo, um sinal da
criaçã o do mundo por Deus”. 5 Entretanto, Edwin Hubble declarou em
1929 que as galá xias distantes pareciam, de facto, estar a afastar-se de
nó s e umas das outras a velocidades incríveis (como evidenciado no
chamado desvio para o vermelho, onde as ondas de luz que se afastam
de nó s aparecem vermelhas porque as ondas sã o “esticadas” para uma
frequê ncia mais baixa). À medida que o sé culo avançava, mais e mais
evidê ncias apontavam para a conclusã o: o universo nã o era eterno,
portanto deve ter tido um começo.
“Big Bang” nã o foi o nome originalmente dado a este evento. A
etiqueta foi aplicada, segundo a histó ria, em 1949 pelo astrô nomo Fred
Hoyle, um agnó stico. Isto é bastante interessante, porque Hoyle foi, tal
como Einstein, inicialmente desanimado pela noçã o de que o universo
teve um começo definido, e de facto desenvolveu a teoria do “estado
estacioná rio” em oposiçã o directa a ela. A teoria de Hoyle era uma
variaçã o elaborada do universo eterno epicurista, em que o pró prio
universo continua a criar nova matéria à medida que se expande. Mas
mesmo Hoyle acabou tendo que ceder. Todas as evidências apontavam
para o Big Bang.
Mais tarde, Hoyle descobriu algo ainda mais estranho sobre esse
“Bang”. Se foi realmente algo como uma explosã o, foi
extraordinariamente bem orquestrada e afinada. Simplesmente
seguindo as evidê ncias, Hoyle percebeu que, para que os á tomos de
carbono fossem produzidos atravé s de processos evolutivos estelares,
o que é chamado de “ressonâ ncia nuclear” do carbono teria que ser
inimaginavelmente exato. Como o carbono é o alicerce bioló gico
bá sico, a precisã o surpreendente teve implicaçõ es para a química e a
biologia, bem como para a física. Hoyle observou a famosa observaçã o:
“Uma interpretaçã o sensata dos fatos sugere que um superintelecto
mexeu com a física, bem como com a química e a biologia, e que nã o
existem forças cegas sobre as quais vale a pena falar na natureza”. 6
Se houvesse apenas um ú nico caso de tal ajuste fino, entã o
poderíamos descartá -lo; mas desde a ú ltima parte do século XX, os
cientistas encontraram exemplo apó s exemplo. O universo nã o é eterno,
e o Big Bang parece suspeitamente com um Big Bloom extremamente
bem planejado. Quã o bem planejado?

Ajuste fino e o grande florescimento


Enquanto os cientistas pudessem sustentar um universo eterno e
infinito, com á tomos eternos movendo-se aleatoriamente nele, a
cosmologia secularista epicurista bá sica poderia permanecer intacta.
Você nã o precisava de um criador. Você poderia simplesmente imaginar
que, com tempo e espaço infinitos e matéria infinita se movendo nele, a
criaçã o aleató ria de mú ltiplos mundos era nã o apenas possível, mas
inevitável. A descoberta do “Big Bang” pô s fim a esta especulaçã o fá cil,
pois calculando de trá s para frente, usando as velocidades a que as
galá xias se afastavam umas das outras, os cientistas puderam
determinar com bastante precisã o o início do espaço, da matéria e do
pró prio tempo. – cerca de 13 bilhõ es de anos atrá s.
O cá lculo de um ponto inicial para o universo introduziu outra
dificuldade mortalmente séria para os de mentalidade secular:
significava que o universo tinha de se desenvolver. Os á tomos nã o
surgiram simplesmente; em vez disso, todos os elementos químicos
distintos, desde o hidrogénio, o hélio, o lítio, o berílio, o boro, o carbono,
o azoto, o oxigénio, tiveram de se desenvolver ao longo do tempo, passo
a passo, através de um processo muito exato. E foi nesta acumulaçã o de
todos os elementos químicos necessá rios à vida que os cientistas
continuaram a encontrar exemplos cada vez mais fantá sticos de ajuste
fino.
Já mencionamos a extraordiná ria exatidã o da ressonâ ncia do
carbono. Mas devemos recuar ainda mais no tempo antes que os
elementos químicos possam sequer se desenvolver. Como sabemos
agora, os á tomos nã o sã o apenas bolhas epicuristas. Cada um dos
elementos atô micos tem uma estrutura subatô mica elaborada,
consistindo de elétrons, pró tons e nêutrons (e coisas ainda mais
estranhas além e abaixo). Os pró tons, como aprendemos na química do
ensino médio, sã o as partículas carregadas positivamente no nú cleo de
um á tomo. Cada elemento sucessivo, começando pelo hidrogênio,
possui mais um pró ton no nú cleo. Mas, como sabemos pelos ímã s, duas
cargas positivas se repelem. Entã o, como os pró tons se unem no
nú cleo? Pelo que é chamado de força nuclear forte. Se mudá ssemos a
força desta força nuclear apenas um pouquinho, o universo como o
conhecemos nã o existiria. Se a força fosse um pouco mais fraca, nã o
poderia superar a força repulsiva positiva dos pró tons, e á tomos
maiores que o hidrogênio nã o poderiam se formar. Teríamos um
universo sem vida e em grande parte sem forma, cheio de sopa de
hidrogênio.
O mesmo tipo de coisa acontece com as outras forças principais da
natureza: a força fraca, a gravidade e o eletromagnetismo. Cada um
deles deve ser designado e calibrado com muita precisã o para as outras
forças, ou os elementos químicos mais simples nã o poderã o ser
construídos. Como os elementos mais complexos sã o construídos a
partir dos mais simples, a complexidade química necessá ria para a vida
nunca se desenvolveria se alguma das forças fosse, mesmo que
minimamente, diferente. No entanto, nã o há razã o para que tenham os
valores precisos que possuem. Eles poderiam variar ao longo de uma
faixa enorme.
Existem outras “coincidê ncias” estranhas. O pró ton tem um pouco
menos de massa que o nê utron (já que seus quarks sã o um pouco mais
leves). Se fosse um pouco mais pesado, nã o teríamos nem hidrogê nio
porque os pró tons seriam instáveis. Embora possa ter havido
elementos mais pesados, sem hidrogé nio nã o haveria á gua e, portanto,
nã o haveria vida. Ou altere o valor de v (na física de partículas, o “valor
esperado do vá cuo do campo de Higgs”) e você arruinará qualquer
perspectiva de vida. Mexa com Λ (a “Constante Cosmoló gica”
representada pela letra grega lambda ), uma das constantes que
governam a gravidade, e ou toda a histó ria do universo seria colapsada
na menor fraçã o de tempo possível ou a expansã o do universo seria tã o
fantasticamente rá pido que nenhuma estrela, galá xia ou planeta
poderia se formar. Quase a mesma coisa acontece se tentarmos mudar
a curvatura espacial do universo. 7
A rede de ajustes finos interconectados é tã o incrivelmente precisa
que os cientistas muitas vezes ficam sem palavras para torná -la
compreensível para quem nã o é especialista. “A precisã o”, tentou
explicar o astrofísico Michael Turner, “é como se algué m pudesse
lançar um dardo atravé s de todo o universo e acertar um alvo com um
milímetro de diâ metro do outro lado”. 8 Está alé m do escopo deste livro
abordar a incrível variedade de descobertas científicas que confirmam
instâ ncia apó s instâ ncia de ajuste fino na origem e durante o
desenvolvimento do nosso universo, mas uma sé rie de livros
excelentes, escritos por uma sé rie de cientistas e leigos, nã o-teístas e
teístas, foram publicados ao longo do ú ltimo quarto de sé culo e valem a
pena ser lidos por aqueles interessados nos detalhes científicos. 9
Que o desenvolvimento do universo é marcado por um extraordiná rio
ajuste fino é agora incontestável, e mais evidências estã o sendo
reunidas o tempo todo. Nã o há nada de aleató rio no ajuste fino
superpreciso. Tal exatidã o é exatamente o oposto dos meandros pouco
inteligentes do acaso. Juntamente com o facto de sabermos que o
universo teve um começo definido, todas as coisas parecem apontar
para um criador inteligente.

Escapando de Deus em outros universos?


Mas uma reaçã o estranha se instalou. Surgiu, dentro da comunidade
física, a noçã o de que tanto a evidência do ajuste fino quanto o fato de
que nosso universo teve um começo definido podem ser contornadas
supondo que este universo é o ú nico sortudo. universo entre muitos – a
chamada teoria do multiverso. A noçã o é mais ou menos assim: “Claro,
parece que o universo está tã o afinado que deve ter um criador, mas
isso é porque vivemos no ú nico universo que deu certo. A maioria dos
outros universos, onde todos os parâ metros das forças físicas e das leis
da natureza variavam em uma enorme variedade, acabaram sendo um
fracasso. Mas dado o nú mero infinito de universos nascendo, nã o é
surpresa que pelo menos um deles (o nosso!) tenha apresentado a feliz
calibraçã o de forças e leis físicas. É claro que, se existem universos
infinitos, entã o certamente inú meros outros também devem ter tido a
mesma sorte.” Assim, chegamos novamente a algo como a visã o
epicurista de mundos mú ltiplos, só que desta vez sã o universos
mú ltiplos - infinitos, muitos dos quais repletos de vida, e chegamos lá
através de algo como a variaçã o aleató ria darwiniana e a sobrevivência
do mais apto, conforme aplicado para universos em vez de espécies
bioló gicas.
Um problema ó bvio O ponto 10 da teoria do multiverso, como muitos
apontaram, é que nã o há evidê ncias da existê ncia de outros universos
e, de fato, como só podemos observar o nosso pró prio universo, nã o há
maneira possível de obter qualquer evidência . Para os proponentes da
teoria do multiverso, isso significa, felizmente, que també m nã o temos
qualquer forma de obter provas contra eles (e alguns até afirmam que
todos os universos possíveis realmente existem, seja sucessivamente ou
todos de uma vez em universos paralelos). O má ximo que podemos
dizer é que mú ltiplos universos podem ser possíveis (por exemplo, se o
universo se expandisse muito rapidamente no início, poderia ser
possível que diferentes “bolhas” de expansã o se ramificassem, cada
uma criando o seu pró prio universo em expansã o), mas a existê ncia de
tais universos nã o é necessá ria para explicar nada sobre este universo
nem suscetível de qualquer prova. Sem assumir desnecessariamente
má -fé , a teoria do multiverso parece certamente uma criaçã o teó rica
feita especificamente para contornar o facto de que este universo, o
ú nico que podemos conhecer, teve um início definido e a sua
construçã o está intimamente afinada. Por outras palavras, a teoria do
multiverso dá toda a aparê ncia de ter sido inventada por aqueles que,
como Epicuro e Lucré cio, estã o desesperados para encontrar uma
forma de contornar Deus.

Ajuste fino até o fim


O ajuste fino que ocorreu na origem do universo deveria ser suficiente
para derrubar a noçã o de que o universo foi inventado aleatoriamente.
Mas, como os cientistas estã o a descobrir com cada vez mais detalhe, há
um ajuste fino em todo o percurso , isto é, desde o início até à fundaçã o
das condiçõ es para a vida bioló gica complexa na Terra. E a liçã o mais
importante da ciência aprendida nos ú ltimos 25 anos é que essas
condiçõ es sã o exigentes. A vida nã o é fá cil.
A biologia depende de uma química rica. Ao contrá rio do que você
pode ter visto ou lido na ficçã o científica, nã o é possível ter criaturas
feitas apenas de hidrogênio. A complexidade bioló gica do ser humano
requer pelo menos 27 elementos – nem sequer estamos a contar os
elementos de “suporte” necessá rios para um mundo viável em que se
possa viver. A nossa tabela perió dica de elementos, com o seu conjunto
de mais de 100 elementos químicos, é o resultado de muitos milhares
de milhõ es de anos de evoluçã o estelar, onde geraçõ es sucessivas de
estrelas “prepararam” lentamente o grande banquete de elementos
disponíveis na nossa tabela perió dica. Metade da idade do Universo –
cerca de sete mil milhõ es de anos – foi necessá ria para que a evoluçã o
estelar produzisse os elementos químicos necessá rios à vida. A
implicaçã o ó bvia é que a vida era impossível de antemã o, portanto a
vida nã o é possível em nenhum momento antigo da histó ria do
universo.
É verdade que a vida nã o pode surgir a qualquer momento — mas a
vida nã o pode acontecer em qualquer lugar do espaço? Existem bilhõ es
e bilhõ es de galá xias, cada uma com bilhõ es e bilhõ es de estrelas ou
“só is”, entã o certamente pareceria que o universo deveria estar repleto
de bons imó veis. Mas nã o é assim. As galá xias vê m em diferentes tipos
e uma grande proporçã o das galá xias sã o completamente inabitáveis.
Vivemos numa galá xia espiral, a Via Lá ctea, suficientemente rica em
elementos químicos e suficientemente ordenada para a existê ncia de
vida, mas o mesmo nã o se aplica a uma galá xia elíptica mais antiga,
pobre em elementos, ou a uma galá xia irregular. Mesmo dentro da
nossa pró pria galá xia, a maioria das estrelas nã o poderia hospedar um
planeta habitável. As coisas sã o demasiado perigosas nas partes
interiores da galá xia, onde as estrelas estã o densamente compactadas
e os níveis de radiaçã o sã o letais, e na extremidade exterior da galá xia
nã o existem elementos químicos suficientes. Existe apenas uma fina
zona de habitabilidade, chamada Zona Galá ctica Habitável, que está
suficientemente longe do centro, mas nã o muito longe. 11
E qualquer estrela servirá para um sol? Acontece que nã o. Existem
todos os tipos de estrelas e apenas um pequeno nú mero sã o candidatos
legítimos. A maioria é muito velha, muito jovem, muito pequena, muito
grande, muito pobre em elementos, muito rica em elementos, muito
pró xima de outras estrelas, no lugar errado em uma galá xia boa, em
uma galá xia ruim e assim por diante. Nosso sol é excepcional, e nã o
comum.
E a nossa Terra? A mesma coisa é verdade – ainda mais. Temos um
sistema solar de oito ou nove planetas (dependendo se você concorda
com o recente rebaixamento de Plutã o). Ao contrá rio dos devaneios
dos fictícios científicos, apenas a Terra é habitada, e apenas a Terra é
habitável por vida complexa (vida muito primitiva pode ter sido
possível em Marte). Há toda uma sé rie de condiçõ es muito rigorosas
necessá rias para a vida complexa: tal como acontece com um sistema
solar habitável, um planeta habitável tem de estar à distâ ncia certa do
seu sol; deve haver uma atmosfera e deve ter uma certa composiçã o
química; o planeta nã o pode ser muito grande ou muito pequeno; deve
ter um sistema tectô nico de placas ativo vulcanicamente impulsionado
para recircular continuamente os elementos necessá rios à vida perto
da superfície; deve ter quantidade e variedade suficientes de
compostos químicos em sua crosta; deve ter a inclinaçã o e o giro
corretos; deve haver á gua suficiente (mas nã o demais); e assim por
diante. 12
Mencionei apenas uma mera fraçã o das circunstâ ncias delicadas e
das condiçõ es necessá rias para uma vida complexa. Tal como acontece
com o ajuste fino do Big Bang, mais coisas estã o sendo descobertas o
tempo todo. Quanto mais sabemos sobre a vida, mais percebemos quã o
difíceis e exigentes sã o as condiçõ es que permitem que ela comece e,
mais ainda, a sustentem por tempo suficiente para se desenvolver. A
cada nova condiçã o descoberta, eliminamos cada vez mais épocas e
lugares do universo onde e onde a vida poderia existir. Além disso,
percebemos cada vez mais profundamente, através da ciência, o quã o
extraordiná ria é a Terra. A justiça do universo e a justiça da Terra
deveriam começar a nos deixar desconfiados – especialmente por causa
da maneira como elas se encaixam. A correçã o, ou o ajuste fino, da
condiçã o inicial do universo permitiu que existisse até mesmo um
universo – o que nã o é pouca coisa! Mas isso nã o significa que a vida
surgirá em todos os lugares. Quase todo o universo é inó spito à vida.
Nossa galá xia, nosso sistema solar e nossa Terra sã o a exceçã o, nã o a
regra.
Para tornar as coisas ainda mais surpreendentes, devemos lembrar
que as condiçõ es necessá rias nã o sã o condiçõ es suficientes . Imagine o
conjunto de condiçõ es que permitem a vida bioló gica complexa como
uma espécie de pirâ mide com uma base ampla subindo até um pico,
nível por nível. Só porque você tem o tipo certo de estrela nã o significa
que você terá automaticamente o tipo certo ou o nú mero certo de
planetas orbitando-a. Só porque temos um planeta do tamanho certo, à
distâ ncia certa do tipo certo de estrela, no tipo certo de galá xia, nã o
significa que ele terá o tipo certo de atmosfera. À medida que subimos
na pirâ mide de condiçõ es, cada novo nível necessita de um ajuste
adicional das condiçõ es que nã o é causado pelo nível abaixo dele. E,
portanto, quanto mais subimos na pirâ mide – isto é, quanto mais nos
aproximamos do conjunto complexo de condiçõ es inter-relacionadas
que desfrutamos na Terra – mais difícil é alcançar o nível seguinte. É
difícil conseguir o tipo certo de sol, mas é ainda mais difícil conseguir o
tipo certo de sol e o tamanho do planeta orbitando-o na distâ ncia certa
com o tipo certo de ó rbita; é difícil obter o tamanho e a posiçã o corretos
de um planeta a partir do tipo certo de sol, mas é ainda mais difícil
obter tudo isso mais o tipo certo de atmosfera; é difícil conseguir uma
atmosfera com oxigênio, mas é ainda mais difícil consegui-la com a
quantidade certa de oxigênio.
Agora, é claro, falamos apenas sobre as condiçõ es necessá rias para a
vida, nã o sobre o aparecimento da vida em si – sobre o qual falaremos
no pró ximo capítulo. Mas já dissemos o suficiente aqui para tirar
algumas conclusõ es gerais e muito importantes sobre o Big Bang e o
que a Igreja pode pensar dele.

O que a Igreja faz disso tudo?


A Igreja Cató lica nã o assume uma posiçã o oficial sobre o Big Bang, tal
como nã o se apega à s particularidades de qualquer outra teoria em
desenvolvimento. As razõ es devem ser claras: como observamos no
primeiro capítulo, a tarefa da Igreja nã o é trabalhar nos detalhes de
nenhuma ciê ncia específica. Como vimos, talvez o cientista mais
importante no desenvolvimento inicial da teoria tenha sido um padre
cató lico, Georges Lemaître. O Papa Pio XII pensava que – em oposiçã o à
noçã o de um universo eterno tã o defendida pelos cientistas seculares
da é poca – o Big Bang afirmava a crença da Igreja de que a criaçã o teve
um início no tempo. 13 Obviamente, uma vez que a Igreja nã o tem
grandes problemas filosó ficos ou teoló gicos com a teoria, nã o tem
dificuldade em aceitar um universo com 13 mil milhõ es de anos e uma
Terra com cerca de quatro mil milhõ es e meio de anos. Nem considera
que o Big Bang esteja em conflito com as Escrituras, uma vez que a
Igreja Cató lica nã o adota uma abordagem estritamente literal na
interpretaçã o da Bíblia. E, finalmente, há muitas evidê ncias científicas
de uma Terra antiga e de um universo finito, mas antigo. Visto que a
Igreja acredita firmemente que o Deus das Escrituras e o Deus da
Criaçã o sã o o mesmo Deus, entã o ela deve aceitar a evidê ncia científica
como evidê ncia de Deus como Criador. O Cardeal Schö nborn deu-nos a
resposta mais direta sobre a posiçã o da Igreja.

Muitas vezes hoje em dia, nas polémicas, a crença na criaçã o é


confundida com o “criacionismo”. No entanto, acreditar em Deus, o
Criador, nã o é idêntico ao modo como, em alguns círculos cristã os, as
pessoas tentam compreender os seis dias da criaçã o mencionados no
primeiro capítulo do Livro do Gênesis, como se tivessem sido relatados
literalmente, como seis dias cronoló gicos. , e tentar com todos os
argumentos possíveis, mesmo os científicos, provar que a Terra tem
cerca de seis mil anos.
A posiçã o cató lica sobre o “criacionismo” é clara. Santo Tomá s de
Aquino diz que “nã o se deve tentar defender a fé cristã com
argumentos que a tornem ridícula, porque estã o em evidente
contradiçã o com a razã o”. Nã o faz sentido afirmar que o mundo tem
apenas seis mil anos. Tentar provar cientificamente tal noçã o significa
provocar o que Sã o Tomá s chama de irrisio infidelium , a zombaria dos
incré dulos. Expor a fé ao escá rnio com argumentos falsos deste tipo
nã o é correto; na verdade, deve ser explicitamente rejeitado. 14
Imediatamente depois de afirmar isto, o Cardeal Schö nborn retoma
as provas do Big Bang, e fá -lo da mesma forma que a Igreja Cató lica
aborda toda a ciência: de forma respeitosa mas crítica, protegendo-se
especialmente contra quaisquer tentativas de dar um toque
materialista e ateísta à s provas. , e colocando toda a discussã o no
contexto da Catequese da Igreja sobre a Criaçã o (Seçõ es 282-324 do
Catecismo ).
É de grande importâ ncia que o Cardeal Schö nborn coloque particular
ê nfase no ajuste fino das condiçõ es originais e nos primeiros
momentos do Big Bang como evidê ncia da inferê ncia ó bvia de que nã o
poderia ter acontecido por acaso, referindo-se em particular ao Cosmic
do físico Walter Thirring . Impressões: Traços de Deus nas Leis da
Natureza . 15 O cardeal prossegue afirmando, usando a autoridade do
Catecismo , que a evidê ncia para o ajuste fino é uma evidê ncia racional
e científica legítima que aponta para a existê ncia de Deus atravé s da
Sua criaçã o. É digno de nota o trecho do Catecismo que ele cita: “A
inteligê ncia humana certamente já é capaz de encontrar uma resposta
à questã o das origens. A existê ncia de Deus Criador pode ser conhecida
com certeza atravé s das suas obras, à luz da razã o humana, mesmo que
este conhecimento seja muitas vezes obscurecido e desfigurado pelo
erro. É por isso que a fé vem confirmar e iluminar a razã o na correta
compreensã o desta verdade”. 16 Na nota de rodapé , o Cardeal
Schö nborn també m se refere à declaraçã o doutrinal definitiva do
Concílio Vaticano I, que já citamos num capítulo anterior: “A mesma
Santa Mã e Igreja sustenta e ensina que Deus, fonte e fim de todas as
coisas, pode ser conhecido com certeza a partir da consideraçã o das
coisas criadas, pelo poder natural da razã o humana: desde a criaçã o do
mundo, sua natureza invisível foi claramente percebida nas coisas que
foram feitas.” Obviamente, entã o, ele considera a evidê ncia do ajuste
fino do cosmos desde o Big Bang como um campo maduro a partir do
qual os cientistas, filó sofos e teó logos cató licos devem reunir
argumentos baseados na ciê ncia mais recente, para que possam usá -
los para construir um argumento cada vez mais forte contra a noçã o de
que o universo é apenas um grande acidente. Como já vimos, a
tentativa de evitar isto atravé s da hipó tese do multiverso é , se nã o
falsa, completamente inverificável. Nã o impede uma verificaçã o mais
aprofundada do intrincado desenho do universo, mas antes, pelo seu
desespero, atesta a urgê ncia dos que tê m mentalidade ateísta em
evitar as implicaçõ es do ajuste fino.
É claro que a Igreja nã o actua como cientista, recolhendo ela pró pria
provas específicas, nem tem a funçã o de ditar os detalhes dos
programas de investigaçã o. Como já dissemos, a Igreja nã o atua apenas
como patrona da ciê ncia (daí a existê ncia do Observató rio do Vaticano
17 ), mas també m como guia geral e juiz em relaçã o a pressupostos
filosó ficos e implicaçõ es teoló gicas. Na Catequese sobre a Criaçã o do
Catecismo você nã o encontrará detalhes científicos, mas sim uma
estrutura doutriná ria geral que sustenta que o estudo científico das
origens “enriqueceu esplendidamente nosso conhecimento da idade e
das dimensõ es do cosmos” (283); que a “existê ncia de Deus Criador
pode ser conhecida com certeza atravé s das suas obras, pela luz da
razã o humana” (286); que a revelaçã o enriquece, em vez de
contradizer, a nossa compreensã o da criaçã o conhecida apenas pela
razã o humana (287); que a gló ria de Deus se manifesta na criaçã o
(293), mostrando claramente Sua sabedoria e amor, para que saibamos
que “nã o é o produto de qualquer necessidade, nem de destino ou
acaso cego” (295); que Deus cria do nada (296) e que a criaçã o é
evidentemente bem ordenada (299); que o Deus da revelaçã o nã o é um
deus relojoeiro do tipo deísta que dá corda ao mundo e o deixa
funcionar por conta pró pria, mas sim, um Deus que continuamente
defende e sustenta a criaçã o (301); e que as criaturas nã o sã o meros
autô matos, mas possuem “a dignidade de agir por conta pró pria, de
serem causas e princípios umas para as outras, e assim cooperar na
realizaçã o de seu plano” (306).
Estes sã o os parâ metros dentro dos quais os cientistas, filó sofos e
teó logos cató licos podem continuar a mergulhar nas ricas evidências de
que todo o universo é uma grande obra da sabedoria de Deus, em vez
de um efeito nã o inteligente do acaso cego e da necessidade - e isso nã o
é mais claro do que os detalhes da vida.
A Sexta Confusã o
“A origem da vida foi um grande e feliz acidente”

Relatos populares sobre o surgimento da vida na Terra fazem parecer


que a vida tem uma receita fá cil: misture alguns produtos químicos
escolhidos em algum lodo primordial, deixe ferver por alguns milhõ es
de anos, mexa ocasionalmente com relâ mpagos, e logo você terá um
lote de células vivas que lutam pelos seus pequenos pedaços para
evoluir para peixes que, dada a variaçã o aleató ria dos seus genes e
milhõ es de anos, marcharã o pela encosta evolutiva para se tornarem
seres humanos (e, presumivelmente, evoluirã o ainda mais).
Esta histó ria é , obviamente, apenas uma variaçã o complexa da
histó ria epicurista. Na verdade, encontramos o modelo para todas
essas histó rias “científicas” sobre a origem da vida e sua evoluçã o nos
escritos de Lucré cio. 1 Nada mudou na histó ria essencial, exceto a
adiçã o de muitos detalhes científicos conjecturais.
Obviamente esta histó ria contradiz directamente a compreensã o da
Igreja da criaçã o como sendo feita propositadamente por Deus. Para
compreender isto, nã o é necessá rio considerar o início do Gê nesis
como um tratado científico. “O objetivo deste texto”, lembra-nos o
Cardeal Schö nborn, “nã o é o objetivo de nos fornecer informaçõ es
sobre como este mundo se originou. Nã o é um texto sobre ciê ncias
naturais” e, portanto, a “Bíblia nã o oferece nenhuma teoria sobre a
origem do mundo e o desenvolvimento das espé cies”. 2 O Papa Bento
XVI disse quase exactamente as mesmas palavras. 3 Nã o, o problema
com a histó ria da evoluçã o epicurista nã o é que a ciê ncia nos diga que
o universo tem 13 mil milhõ es de anos, ou que a vida na Terra remonta
a quase quatro mil milhõ es de anos. O problema é a afirmaçã o
“científica” de que tudo pode ser explicado como resultado
inteiramente do acaso e do funcionamento de leis naturais cegas.
É uma questã o de doutrina que o surgimento da vida, por mais que
tenha ocorrido em detalhes, é o resultado de um Deus intencional,
sá bio e amoroso e pode ser conhecido como tal . Citando novamente o
Catecismo : “A inteligência humana certamente já é capaz de encontrar
uma resposta à questã o das origens. A existência de Deus Criador pode
ser conhecida com certeza através das suas obras, à luz da razã o
humana, mesmo que esse conhecimento seja muitas vezes obscurecido
e desfigurado pelo erro” (pará grafo 286). A rica evidência sobre as
origens da vida deveria apontar para a existência de Deus, e se nã o o
fizer, entã o o problema deve ser que a ciência foi obscurecida pelo erro.
Foi exactamente isso que aconteceu com o materialismo, e os cientistas,
filó sofos e teó logos cató licos devem fazer tudo o que puderem para
separar as evidências das deformaçõ es causadas pelo materialismo
ideoló gico. Vamos ver o que podemos fazer para começar bem.

O Universo Antrópico
Vimos como o secularismo moderno vem tentando dar um toque
epicurista à ciência há muito tempo, e nã o é diferente com a questã o da
origem da vida, especialmente da vida humana: o universo nã o nos
planejou; somos um acidente có smico produzido em um planeta de
baixa renda em um sistema solar comum em uma galá xia desconhecida.
Obviamente, esta histó ria é moldada contra o relato de Gênesis, que,
embora nã o nos forneça detalhes científicos, deixa teologicamente claro
que os seres humanos foram feitos propositalmente e amorosamente
por Deus como a coroa e o centro de Sua criaçã o física. A ciência
moderna nos destronou... assim continua a histó ria.
Em certo sentido, a histó ria é verdadeira. Percebemos que a Terra
nã o é o centro físico do universo (embora, como vimos no capítulo 3 ,
ser o centro do universo nã o fosse exatamente uma honra). Mas e se —
por mais estranho que possa parecer — quanto mais a ciência moderna
tentasse provar que a Terra e a vida humana nela nã o eram o centro do
universo, mais extraordinários nos torná ssemos? E se a nossa incrível
Terra fosse o centro de outra forma: o centro da vida bioló gica
complexa, o centro para o qual tudo está misteriosamente inclinado? E
se o ser humano – anthropos em grego – fosse realmente, de uma forma
essencialmente científica, o culminar da criaçã o? Poderia tal coisa ser
verdade?
Acontece que sim. Para entender, precisamos voltar ao material que
abordamos no capítulo anterior. Lembramos que, no século XX, a
ciência quis acreditar que o universo era eterno, mas descobriu que
(suspeitamente como o relato da criaçã o em Gênesis) o universo teve
um começo muito definido, “antes” do qual nã o havia tempo, espaço,
matéria, nem leis físicas. Ainda mais alarmante – se você nã o quer que
Deus exista – esse começo foi precisamente calibrado de uma forma
que parecia apontar para uma causa inteligente. Mas as coisas ficam
ainda mais interessantes: os cientistas começaram a entender o
universo como antrópico : isto é, os parâ metros dessa calibraçã o
parecem ter sido estabelecidos e culminam nos seres humanos.
Esta descoberta foi, por assim dizer, acidental. Os cientistas nã o
estavam procurando por isso. Mas ao investigarem o Big Bang,
perceberam que a calibraçã o precisa das leis e das forças fundamentais
nã o era necessá ria; eles simplesmente eram “perfeitos” para a vida
humana.
Isso levou Brandon Carter a formular o que veio a ser chamado de
“princípio antró pico”. Nas suas palavras, “o que podemos esperar
observar” como cientistas, especialmente astró nomos, físicos e
químicos, “deve ser restringido pelas condiçõ es necessá rias para a
nossa presença como observadores”. 4 Esta é uma forma bastante
paradoxal de dizer que, uma vez que os seres humanos obviamente
estão aqui, uma vez que sã o inteligentes, e uma vez que a sua
inteligê ncia se desenvolveu a um ponto em que sã o capazes de
desenvolver ciê ncia avançada, sejam quais forem as condiçõ es precisas
que tornam possível tudo o que fizeram e fazem, na verdade, existem.
Caso contrá rio, para nos aprofundarmos no ó bvio, nã o estaríamos
aqui. Quaisquer que sejam as condiçõ es, sejam elas as condiçõ es
iniciais do Big Bang, ou aquelas que ocorreram em qualquer momento
durante a formaçã o precisa de elementos químicos nos primeiros oito
mil milhõ es de anos de evoluçã o estelar, ou finalmente aquelas
condiçõ es exactas que tornam a vida e a ciê ncia possíveis na Terra. .
Para colocar o nosso argumento de forma condensada, uma vez que
os seres humanos sã o a forma mais complexa de vida bioló gica na
Terra, o auge das formas de vida, a ú nica forma capaz de inteligência
científica, e a Terra é o ú nico lugar que conhecemos com alguma vida. ,
a ciência deve usar os seres humanos como a forma de vida
paradigmá tica que define os parâ metros da vida bioló gica inteligente.
Nó s definimos o pró prio á pice da biologia e quaisquer pontos de ajuste
fino da biologia, em ú ltima aná lise, apontam para nó s. Como inferência
teoló gica, somos levados a concluir que o universo foi criado para os
seres humanos: isto é, foi criado antropicamente.
O que isso significa nos levará um pouco de tempo para desfazer as
malas; e, de fato, para descompactá -lo, precisamos construir seres
humanos do zero (ou do pó , se preferir). Nas pró ximas quatro seçõ es,
veremos quatro níveis da natureza, do mais baixo ao mais alto,
começando com os fundamentos químicos, passando para a origem das
formas de vida mais simples, depois para as mais complexas e,
finalmente, veremos no nível mais elaborado de todos onde
encontramos inteligência – todas elas necessá rias para “construir” um
ser humano. O estranho e maravilhoso é que os mais baixos sã o
construídos para os mais altos.

Fora da poeira: a base físico-química


Espero que nã o seja segredo que os corpos humanos sã o feitos de
elementos químicos organizados em moléculas complexas. Se nã o fosse
o carbono, o hidrogênio, o oxigênio, o nitrogênio e uma série de outros
elementos, nã o haveria vida na Terra, muito menos vida humana. Dito
de outra forma, os seres humanos partilham esta base química com a
poeira sob os seus pés ou a “poeira estelar”, se me permitem uma
pequena licença poética, da estrela mais distante, uma vez que as
estrelas sã o onde os elementos sã o cozinhados.
Mas, como já descobrimos, a presença de um universo existindo
durante um período de tempo significativo, tempo suficiente para as
estrelas cozinharem os elementos químicos, é uma conquista muito
precisa. Varie a quantidade de matéria no início, e a expansã o inicial
teria sido muito violenta (devido à pouca matéria e, portanto, à pouca
massa gravitacional para superar o ímpeto inicial) ou teria resultado na
queda do universo de volta para dentro de si mesmo (muito muita
matéria e, portanto, muita massa, causando um colapso gravitacional).
Varie a força nuclear forte ou fraca e á tomos maiores que o hidrogênio
nã o poderã o ser produzidos. Mexa na ressonâ ncia nuclear do carbono e
você nã o terá carbono nem oxigênio. O carbono nã o é apenas o alicerce
bioló gico fundamental, mas o oxigênio é construído a partir do carbono
e do hélio na fornalha das estrelas. E o oxigénio, como todos sabemos, é
um elemento absolutamente necessá rio à vida, tanto em si como como
constituinte fundamental do líquido da vida, a á gua.
Aí temos a primeira camada de “coincidências”, que discutimos no
capítulo anterior. Mas entã o as coisas ficam ainda mais estranhas.
Acontece que esses blocos químicos fundamentais sã o biocêntricos ;
isto é, sã o engenhosamente concebidos para a vida, como se a química
inicial do universo tivesse sido feita para o desenvolvimento posterior
da biologia. Este é um golpe importante para o materialismo. O
materialismo, como parte da sua inclinaçã o antiteísta inerente, quer ver
a biologia como um acidente da química; portanto, nada na química
deveria apontar para a biologia. Mas se o universo fosse criado para a
vida por uma causa inteligente, esperaríamos encontrar essa evidência
do plano, do objectivo, da vida ao nível pré-bioló gico. E foi isso que os
cientistas descobriram: a matéria sem vida é feita sob medida para a
vida, a química para a biologia.
A evidê ncia do biocentrismo foi apresentada pela primeira vez em
detalhes científicos por Lawrence Henderson em seu clá ssico de 1913,
The Fitness of the Environment . No início, Henderson nã o pretendia
defender uma posiçã o teísta. Ele ficou tã o impressionado com o
argumento de Darwin sobre a sobrevivê ncia do mais apto que quis
mostrar que nã o só os animais que sobreviveram eram os “mais aptos”,
mas que “o ambiente real é a morada de vida mais apta possível”. 5
Quando Henderson analisou os elementos e compostos químicos
necessá rios à vida, como o carbono e a á gua, descobriu que nã o eram
apenas adequados para a sua tarefa, mas extremamente adequados.
Os ficcionistas científicos estavam habituados a criar criaturas de
silício, homens de hidrogé nio e alienígenas de alumínio, como se a vida
pudesse ser construída a partir de quaisquer elementos químicos
antigos, como se um elemento fosse tã o adequado quanto outro para
criar criaturas. Mas quanto mais a ciê ncia aprendia sobre o carbono, o
verdadeiro alicerce da vida, mais percebia que o carbono ultrapassa em
muito qualquer outro elemento como espinha dorsal bioló gica. O
carbono é excelente para a vida, e a sua aptidã o depende, em parte, da
capacidade incomparável do carbono para formar as longas “cadeias”
necessá rias para construir as molé culas complexas necessá rias à vida.
O carbono nã o é apenas um pouco mais adequado do que os seus
ú nicos possíveis concorrentes químicos – enxofre, estanho, silício e
fó sforo – mas també m se adapta ao má ximo, deixando os outros bem
atrá s, na poeira có smica. 6
O mesmo se aplica à á gua. A á gua nã o é apenas um possível líquido de
vida, marginalmente superior a outras possibilidades, como, digamos,
a amô nia - ela é espetacular, com uma sé rie do que os cientistas
chamam de propriedades anô malas (propriedades encontradas apenas
na á gua ou na á gua em um nível profundamente profundo). grau mais
alto do que qualquer outro líquido). Estudos subsequentes nos ú ltimos
100 anos nã o apenas confirmaram Henderson, mas ampliaram sua
aná lise muito mais profundamente na química e na biologia. 7
Se olharmos cuidadosamente para todos os elementos mais bá sicos
necessá rios à biologia – carbono, hidrogé nio, oxigé nio e azoto –
descobriremos, nas palavras adequadas de Michael Denton, que “é
como se desde o momento da criaçã o a bioquímica da vida fosse já pré -
ordenado no processo de construçã o atô mica, como se a Natureza
fosse tendenciosa para esse fim desde o início.” 8
Mas aqui está o problema que os darwinistas como Henderson
enfrentaram. Darwin tentou explicar Deus atribuindo a produçã o de
espécies à variaçã o aleató ria e à sobrevivência do mais apto na luta
competitiva de um ser vivo contra outro, prevalecendo o ligeiramente
mais apto. Mas aqui estamos falando de superaptidã o pré-bioló gica.
Nã o há luta. Nã o há aleatoriedade. Nã o há cadeia de melhoria. Há
apenas uma super-aptidã o para a biologia embutida na química . Os
elementos químicos dã o todas as indicaçõ es de terem sido feitos apenas
para a vida.

E então houve vida…


Segundo a histó ria secular, as primeiras cé lulas vivas surgiram como
um feliz acidente da química, graças a reaçõ es fortuitas entre
substâ ncias químicas cozidas numa sopa prebió tica. Lucré cio achava
que era muito fá cil, e Darwin achava que o processo poderia ser
duplicado num “pequeno lago quente, com todo tipo de amô nia e sais
fosfó ricos, luz, calor, eletricidade, etc.” 9 Tal era o pensamento da
maioria dos cientistas até que, à medida que o sé culo XX avançava,
descobriram quã o complexa era realmente a cé lula viva e, portanto,
quã o improvável seria produzir ao acaso os seus componentes
integrados.
Este, por si só , é um ponto importante, que merece uma pausa para
reflexã o. De acordo com a tese da guerra, supõ e-se que o avanço da
ciência deixe a religiã o para trá s, substituindo o conhecimento pela
ignorâ ncia. Acontece que aconteceu exatamente o oposto. Quanto mais
a ciência aprende sobre o universo e a vida, menos plausíveis se tornam
os relatos materialistas simplistas. Histó rias seculares sobre a fá cil
criaçã o química da vida eram coisas da imaginaçã o; os factos reais e
complexos da biologia, tal como nos foram revelados, obrigam-nos a
admitir que tais histó rias sã o fantasias materialistas. A religiã o nã o tem
nada a temer do avanço da ciência.
Isto se torna surpreendentemente claro no que diz respeito aos
relatos darwinianos sobre a origem da vida. Veja, para que a evoluçã o
darwiniana prossiga, você precisa ter algo já vivo que possa replicar e
transmitir características desejáveis. Mas nada antes da célula pode
fazer isso, e mesmo a célula mais simples é em si maravilhosamente
complexa. Imagine alguém pensando que pode dirigir um carro
enquanto tenta construí-lo do zero: o problema ó bvio é que o carro tem
uma certa quantidade de peças precisamente integradas que já devem
estar instaladas e funcionando em conjunto umas com as outras. antes
que possa chegar a algum lugar. Assim é com a célula. Para “funcionar”,
é necessá rio um grande nú mero de proteínas, cada uma composta por
estruturas complexas de aminoá cidos, que fornecem a estrutura e as
partes funcionais da célula. Também necessita dos á cidos nucleicos que
constituem o ADN, que funciona como um sistema de informaçã o para a
sua actividade contínua e permite que a célula se replique. Ambos sã o
necessá rios e precisariam estar presentes para que qualquer célula seja
minimamente funcional (na verdade, é preciso muito mais do que isso
para ser minimamente funcional, mas vamos dar uma folga ao
materialista por um momento).
O problema é que mesmo as estruturas químicas mais simples
desses tipos sã o complexas demais para serem obtidas por meio de
uma mera mistura aleató ria de produtos químicos. Por exemplo,
estimativas da probabilidade de obter aleatoriamente uma cadeia
muito curta de aminoá cidos alinhada para uma cadeia proteica
modesta e funcional giram em torno de uma probabilidade em 10 74 de
atingir a sequê ncia da sorte que realmente poderia servir numa cé lula.
(Para lhe dar uma ideia do que isso significa, é mais provável que você
encontre um ú nico á tomo especialmente marcado entre todos os
á tomos da Via Lá ctea. 10 ) E uma cé lula funcional precisa de muitas
proteínas distintas – a cé lula viva mais simples precisa de quase 500 – e
isso torna a probabilidade de montar aleatoriamente um conjunto de
proteínas, mesmo para a cé lula mais simples, ainda mais estranha
(algo da ordem de 1 em 10). 41.000 chances). 11 Quã o sortudo é isso? Se,
por alguma magia, eu tivesse “escondido” um ú nico á tomo em algum
lugar, em qualquer lugar, em todo o universo e você , por mero acaso, o
encontrasse na primeira tentativa – isso é na verdade muito, muito,
muito mais provável do que produzir o proteínas necessá rias para uma
cé lula funcional por acaso.
Se isso nã o bastasse, as cé lulas sã o mais do que o tipo certo de
proteína; eles precisam, ao mesmo tempo , da sequê ncia correta de
á cidos nuclé icos que constituem seu DNA. Isso cria um problema do
ovo e da galinha para os darwinistas. Você precisa de á cidos nuclé icos
para construir o DNA como có digo informativo para construir as
proteínas certas; você precisa de proteínas para continuar a atividade
da cé lula de acordo com o có digo. Eles devem agir juntos como parte de
um processo integralmente complexo. Aí está o problema ó bvio. Como
afirma tã o acertadamente a historiadora e filó sofa da biologia Iris Fry:
“As proteínas e os á cidos nucleicos sã o molé culas extremamente
complexas, um facto que torna difícil imaginar a sua síntese simultâ nea
na Terra primordial. E, no entanto, como poderia um ser produzido
sem o outro? Este problema do ovo e da galinha constitui um dos
maiores obstá culos na investigaçã o sobre a origem da vida.” 12
Todas as tentativas de contornar esta dificuldade, postulando uma
lenta acumulaçã o de á cidos nucleicos ou de proteínas, falharam – as
falhas foram profundamente verificadas porque, felizmente, os
cientistas dividiram-se em partidos concorrentes, os pró -DNA e os pró -
ADN. proteinizadores, cada um mostrando avidamente os defeitos
implicados nos esquemas e cená rios do outro. 13 No entanto, nã o pode
realmente haver um “o que vem primeiro?” concurso. Ambos tê m que
estar presentes simultaneamente e devem estar estrutural e
integralmente relacionados entre si.
Por que? Aqui está uma analogia. Finja que você nã o sabe nada sobre
carros. Você quer construir um à s cegas; ou seja, você nem sabe de
quais peças vai precisar. Sem ter ideia do que os carros deveriam ser
feitos, você começa a juntar aleatoriamente pedaços de madeira,
borracha, pedra, vidro, plá stico, metal – é assim que é gerar
aleatoriamente cadeias de proteínas e á cidos nucléicos. Agora suponha
que, apó s vá rios bilhõ es de anos desse processo aleató rio, você tenha
conseguido acumular um grande estoque de peças automotivas reais:
rodas, cabeçotes de cilindro, discos de freio, tubos de escapamento.
Como eles andam juntos? E quais se encaixarã o nos outros da maneira
certa para fazer um carro funcional? As coisas estã o ainda piores do
que podemos imaginar. Cada peça caberia, exceto uma , e o carro ainda
nã o funcionaria. O filtro de ó leo de diâ metro errado, ou tamanhos de
vá lvulas com alguns milímetros de diferença, ou parafusos de roda com
um oitavo de polegada, irã o atrapalhar todo o projeto. A adequaçã o de
muitas peças está interligada com a adequaçã o de outras peças. Nã o é
como se você pudesse ter um carro funcionando e depois “desenvolver”
o tamanho correto do parafuso da roda ou a proporçã o ar-combustível.
Tudo tem que funcionar junto como um todo desde o início, ou o carro
nã o anda. (É por isso que – como experimentamos
enlouquecedoramente – seu carro pode quebrar ou nã o dar partida
quando até mesmo uma ú nica peça apresenta defeito.) E como nã o há
inteligência, nã o há método para tentativa e erro, e cada quase acidente
é tã o bom quanto um milha - chegar “perto” de montar um carro
aleatoriamente nã o aumenta a probabilidade de você chegar lá em
breve.
Entã o, para afirmar o ó bvio, nada nas pró prias peças fará com que
elas sejam escolhidas ou se encaixem adequadamente, e nã o há
inteligência orientando a escolha. Até que os corretos sejam — por
algum milagre do acaso — reunidos em um todo funcional, você nã o
terá um carro. Um evento tã o feliz é tã o improvável que dar-lhe mais
alguns bilhõ es de anos nã o ajudaria.
Mas quando as células mais simples apareceram na Terra, há cerca de
3,8 mil milhõ es de anos, isso aconteceu muito rapidamente –
literalmente, assim que as condiçõ es do arrefecimento da Terra
permitiram que elas existissem. Visto do ponto de vista materialista,
isto nã o faz sentido. Dá toda a aparência de ser uma “configuraçã o”.

O milagre da vida complexa na Terra


Mas nã o estamos realmente interessados na célula mais simples.
Procuramos uma cornucó pia de vida, a espantosa diversidade bioló gica
que encontramos na nossa Terra. A presença de células simples, por si
só , nã o garante que teremos todo esse esplendor edênico. Uma
condiçã o necessá ria nã o é uma condiçã o suficiente , e a complexidade
bioló gica, aumentando, exige muito mais, mesmo se olharmos apenas
para as condiçõ es da pró pria Terra.
A biologia complexa precisa de um rico conjunto de elementos
químicos. Já vimos que a vida nã o pode ocorrer em qualquer planeta
pró ximo de qualquer estrela, em qualquer galá xia, em qualquer
momento durante os mais de 13 mil milhõ es de anos do Universo. A
complexidade bioló gica exige complexidade química, e isso significa
obter um planeta com uma gama suficiente de elementos químicos.
Dado que tais elementos sã o o resultado de milhares de milhõ es de
anos de evoluçã o estelar, e que estã o disponíveis em concentraçã o e
variedade suficientes apenas numa fracçã o do Universo (na parte
direita das galá xias do tipo certo), podemos ver porque é que a a
riqueza elementar da Terra é uma raridade e nã o um lugar-comum.
Mas isso nã o é suficiente. Um planeta habitável deve estar à distâ ncia
certa do tipo certo de estrela. Ele deve ter a inclinaçã o axial e a taxa de
rotaçã o corretas e nã o pode ter uma ó rbita errá tica que causaria
enormes oscilaçõ es de temperatura. Como mencionei no capítulo 5 ,
deve haver vulcõ es, atividade de placas tectô nicas e um ciclo da á gua
para manter os elementos em circulaçã o e disponíveis para a biologia.
Deve ter á gua suficiente, nem de menos nem de mais. Deve ter o tipo
certo de atmosfera com a quantidade certa de oxigênio (muito pouco e
nã o pode haver vida; muito pouco e as coisas pegam fogo
continuamente); essa atmosfera também deve permitir a entrada de luz
visível para a fotossíntese, mas bloquear outros comprimentos de onda
prejudiciais no espectro eletromagnético que destruiriam a vida vegetal
e animal. O planeta também deve ter um sistema termostá tico
integrado, incluindo nuvens, um ciclo de dió xido de carbono e de
desgaste das rochas, e á gua superficial suficiente para absorver calor e
correntes de á gua para dispersá -lo.
Listei apenas uma pequena percentagem das condiçõ es necessá rias
para um planeta se tornar uma Terra viva. 14 Mas a questã o deveria ser
ó bvia. Vivemos num “ponto ideal”, um sistema solar do tipo certo, num
planeta que cumpre a hierarquia rigorosa de condiçõ es delicadas
exigidas para uma vida complexa.
Já mencionamos que as células vivas mais simples apareceram rá pido
demais para uma explicaçã o materialista. Mas entã o as coisas entraram
em uma longa calmaria. Passaram-se um pouco menos de dois bilhõ es
de anos antes que células complexas o suficiente para uma biologia
significativa, os eucariotos, entrassem em cena. E entã o relativamente
pouco aconteceu durante cerca de outro bilhã o e meio de anos.
Até agora, na linha do tempo bioló gico, já “gastá mos” quatro mil
milhõ es dos 4,5 mil milhõ es de anos da Terra – quase 90% – com muito
pouco para mostrar. Ao contrá rio do sú bito aparecimento de células
simples, isto enquadra-se na teoria materialista das origens: de acordo
com Darwin, a variaçã o aleató ria e a selecçã o natural deveriam —
devem — funcionar muito lentamente, num ritmo imperceptivelmente
gradual. Os primeiros três mil milhõ es de anos de desenvolvimento
lento a partir da célula mais simples sã o, portanto, exactamente o que
Darwin (ou Epicuro) teria previsto.
Agora o problema: se sã o necessá rios três bilhõ es de anos para ir da
célula mais simples até uma célula adequada para a biologia complexa,
quanto tempo – dada a distâ ncia bioló gica que ainda temos que
percorrer – deve levar para chegar, digamos, a uma iguana, a uma
iguana? tartaruga, um cisne, um boi ou um ser humano pelo mesmo
processo cego de variaçã o aleató ria e seleçã o natural? Só nos restam
dez por cento do nosso tempo. Se tivéssemos mais 500 mil milhõ es de
anos, as coisas poderiam ser diferentes (embora ainda exista a difícil
questã o de saber por que a evoluçã o aleató ria aumentaria em
complexidade em vez de simplesmente se espalhar no equilíbrio
bioló gico mais simples). Mas nó s nã o. A velocidade da diversificaçã o e
do desenvolvimento, tal como realmente ocorreu apó s a “calmaria”,
assemelha-se mais a uma explosã o bioló gica ou a um florescimento
frenético. Na verdade, a ciência diz que houve uma explosã o, chamada
Explosã o Cambriana, há cerca de 530 milhõ es de anos, onde de repente
e sem precedentes bioló gicos (isto é, sem evidência de precursores
evolutivos) apareceram todos os planos corporais bá sicos de todos os
filos modernos de animais. . A partir desta explosã o, as criaturas
desenvolveram-se e diversificaram-se a um ritmo extraordiná rio,
deixando nos registos fó sseis vestígios das idas e vindas das suas
formas de vida, muitas vezes bizarras. A partir da Explosã o Cambriana,
as coisas acontecem demasiado rapidamente (pelo menos para o
darwinismo), e começamos, com razã o, a suspeitar que o universo e
especialmente a Terra foram extremamente bem concebidos para o
desenvolvimento da vida. Poderíamos até dizer que a evoluçã o funciona
demasiado bem para ser por acaso.
Isso nos leva a outro problema para os materialistas. Dado que
Darwin definiu a evoluçã o por processos cegos como necessariamente
lenta e gradual, o registo fó ssil deveria reflectir essa mudança gradual,
passo a minuto. Em vez disso, mostra criaturas que permanecem
teimosamente as mesmas durante milhõ es de anos e, de repente,
mudam de forma pronunciada e nã o gradual. No que diz respeito ao
registo fó ssil, as espécies parecem surgir do nada.
O maior salto na escala ascendente e em desenvolvimento dos seres
é, obviamente, o salto para os seres humanos. Somos o á pice da
complexidade bioló gica: um animal no qual todos os níveis inferiores
do ser – a matéria inanimada da física e da química, as capacidades
celulares para absorver nutriçã o, crescer e reproduzir; os poderes
animais de sensaçã o, mobilidade e julgamento – sã o incorporados a um
ser que pode raciocinar e pensar abstratamente, um ser que pode fazer
a pergunta: “De onde vim e do que sou feito?”

A criatura mais estranha de todas: Homo sapiens


A sabedoria, sapientia em latim, é a nossa característica definidora.
Qualquer teoria das origens humanas que nã o consiga explicar esta
característica singular, ou, pior ainda, que a explique, é, na melhor das
hipó teses, inú til e, na pior, perniciosa. Qualquer ciência de origem
humana que nã o consiga explicar o advento dos cientistas humanos nã o
é ciência alguma.
Conforme observado na introduçã o, a Igreja se afasta das teorias
específicas de qualquer ciência oferecida em qualquer época e, no caso
das origens humanas, isso é realmente muito prudente. A ciência das
origens humanas tem sido, ao longo do ú ltimo século e meio, dominada
por darwinistas que pretendem demonstrar a evoluçã o do homem a
partir de algum ancestral simiesco, a fim de desferir um golpe contra a
compreensã o judaico-cristã da humanidade. Esse objectivo definiu os
seus pressupostos, e os pressupostos orientaram a sua procura de
provas – o que procuram, o que insistem e o que ignoram. Assim, tal
como acontece com algumas outras ciências, o estado da investigaçã o
foi deformado por uma tendência materialista.
Deixe-me dar um exemplo particularmente esclarecedor. A suposiçã o
aceita, que remonta à Descendência do Homem de Darwin , é que
mostrar qualquer semelhança entre seres humanos e outros animais
(especialmente macacos), no que diz respeito à estrutura física,
composiçã o emocional ou capacidade mental, é suficiente para
estabelecer que existe é uma subida evolutiva suave, em vez de um
salto qualitativo, dos animais para os seres humanos. Assim, um
chimpanzé usando uma vara para desenterrar cupins, ou um
orangotango colocando uma folha na cabeça para protegê-la do sol ou
da chuva, é suficiente para consolidar a suave conexã o darwiniana
entre o macaco e o homem. O objectivo da investigaçã o, sob este ponto
de vista, é obviamente concentrar-se intensamente em todas as
semelhanças, por mais pequenas ou gerais que sejam, e desconsiderar
as diferenças qualitativas como inconsequentes . O resultado é uma
metodologia científica que enfatiza a continuidade e ignora a
embaraçosa descontinuidade.
Como essa distorçã o está tã o arraigada, fiquei felizmente chocado ao
pegar uma ediçã o recente da Scientific American e encontrar um artigo
de Marc Hauser, professor de psicologia, biologia evolutiva humana e
biologia organísmica e evolutiva na Universidade de Harvard, dizendo
exatamente a mesma coisa. – e criticando seus colegas por ignorarem o
ó bvio. 15 Nas palavras de Hauser,

Charles Darwin argumentou em seu livro de 1871, The Descent of Man ,


que a diferença entre as mentes humanas e nã o-humanas é “de grau e
nã o de espé cie”. Os estudiosos há muito que defendem essa opiniã o,
apontando nos ú ltimos anos para evidê ncias gené ticas que mostram
que partilhamos cerca de noventa e oito por cento dos nossos genes
com os chimpanzé s. Mas se a nossa herança gené tica partilhada pode
explicar a origem evolutiva da mente humana, entã o porque é que um
chimpanzé nã o escreve este ensaio, ou canta para os Rolling Stones ou
faz um suflê ? Na verdade, cada vez mais evidê ncias indicam que, em
contraste com a teoria de Darwin de uma continuidade mental entre os
humanos e as outras espé cies, existe um fosso profundo que separa o
nosso intelecto da espé cie animal. 16
A lacuna é demasiado profunda para continuar a ser ignorada, e isso
significa que os cientistas devem mudar a forma como encaram as
origens humanas. Para Hauser, reunir provas significa reunir todas as
provas, e isso inclui as provas das profundas diferenças qualitativas
entre os seres humanos e quaisquer outros animais. Enfatizo que ele
nã o estava de forma alguma tentando apresentar qualquer argumento
teísta. Ele estava apenas a incitar os seus colegas da biologia evolutiva
humana a uma avaliaçã o honesta e realista das evidências e a
programas de investigaçã o futuros que sublinhassem as enormes
diferenças entre as capacidades intelectuais dos seres humanos e dos
animais.
Um chimpanzé pode usar uma vara, mas o salto daí para fazer furos
num osso para fazer uma flauta é imenso, envolvendo um nível de
abstraçã o que permite a criaçã o de um instrumento que é uma
extensã o da mente criativa e nã o apenas uma extensã o. da mã o
questionadora. Sob condiçõ es artificiais, alguns animais, como os
corvos, podem usar um ú nico item como instrumento para conseguir o
que desejam: por exemplo, dobrar um pedaço de arame para usar como
uma espécie de anzol para pescar um item desejado em uma jarra de
vidro. . Mas os seres humanos combinam mú ltiplos materiais de acordo
com o conhecimento detalhado dos materiais constitutivos e do mundo
exterior para criar coisas como telescó pios para observar os céus que
desejam conhecer. Um chapéu de folhas para uma cabana de folhas
pode nã o ser um grande salto, mas o salto de uma cabana de folhas para
uma catedral é, e qualquer relato das origens da inteligência humana
deve fornecer uma explicaçã o para o desenvolvimento da capacidade
para ambos os saltos. Embora haja obviamente comunicaçã o entre
animais da mesma espécie, nada entre os animais chega perto do uso
abstrato, obscuro, multifacetado e complexo da fala pelos seres
humanos. Certos animais apresentam capacidades rudimentares para
distinguir pequenas quantidades, mas nenhum outro animal consegue
elaborar uma série intensamente detalhada de equaçõ es matemá ticas e
confundir-se sobre como podem ajudar a explicar a ordem do universo.
Se olhá ssemos apenas para os nossos corpos, como faria o
materialista, poderíamos muito bem concordar que os seres humanos
poderiam ter-se desenvolvido, juntamente com os chimpanzés, a partir
de uma espécie simiesca comum (sendo as espécies as menos distintas
na taxonomia da biologia). Mas se olhá ssemos apenas para as nossas
mentes, poderíamos corretamente declarar que viemos de um reino
totalmente diferente (a maior diferença taxonó mica na biologia).

A diferença que uma alma faz


Chegamos agora ao que a Igreja pode dizer, em termos mais gerais,
sobre o desenvolvimento dos seres humanos. Como observamos antes ,
na encíclica Humani Generis (1950), o Papa Pio XII criticou o
materialismo (juntamente com outros erros), mas disse sobre a
evoluçã o que “a Autoridade Docente da Igreja nã o proíbe que, em
conformidade com o estado atual da ciê ncias humanas e da teologia
sagrada, pesquisas e discussõ es, por parte de homens experientes em
ambos os campos, ocorrem no que diz respeito à doutrina da evoluçã o,
na medida em que investiga a origem do corpo humano como
proveniente de origens pré -existentes e maté ria viva – pois a fé cató lica
nos obriga a sustentar que as almas sã o imediatamente criadas por
Deus” (pará grafo 36). 17 Esta ú ltima frase é fundamental, pois é a alma
racional e imaterial que faz toda a diferença, a grande diferença
qualitativa nas capacidades da mente humana. Embora os físicos, os
químicos e os bió logos evolucionistas nã o possam demonstrar a
existê ncia da alma diretamente usando os mé todos particulares das
suas ciê ncias, os bió logos evolucionistas demonstram-na
indiretamente, atravé s dos seus efeitos inegáveis e mensuráveis na
criaçã o das enormes diferenças intelectuais qualitativas que marcam a
singularidade dos seres humanos. .
Mas estaríamos deturpando a posiçã o da Igreja se demos a
impressã o – para sermos um pouco caprichosos – de que os cató licos
deveriam imaginar um cená rio evolutivo onde Deus, meditando sobre
um grande grupo de alguns macacos bastante avançados, subitamente
coloca um par de almas racionais numa situaçã o difícil. par promissor.
A descontinuidade da mente implica a descontinuidade do corpo. Visto
que fomos feitos à imagem de Deus, e somos feitos para ser criaturas
corporificadas, entã o nossos corpos devem, em algum sentido real,
apresentar essa imagem. Ser um macaco bonito e certo nã o é suficiente.
Cito extensivamente o Catecismo para esclarecer este ponto
negligenciado.

O corpo humano participa da dignidade de “imagem de Deus”: é corpo


humano precisamente porque é animado por uma alma espiritual, e é
toda a pessoa humana que se destina a tornar-se, no corpo de Cristo,
templo do Espírito:
O homem, embora feito de corpo e alma, é uma unidade. Através da sua
pró pria condiçã o corporal ele resume em si os elementos do mundo
material. Através dele, eles sã o levados à sua mais alta perfeiçã o e
podem levantar a voz em louvor dado gratuitamente ao Criador. Por
esta razã o o homem nã o pode desprezar a sua vida corporal. Pelo
contrá rio, ele é obrigado a considerar o seu corpo como bom e a honrá -
lo, uma vez que Deus o criou e o ressuscitará no ú ltimo dia.
A unidade da alma e do corpo é tã o profunda que se deve considerar
a alma como a “forma” do corpo: isto é, é por causa da sua alma
espiritual que o corpo feito de matéria se torna um corpo humano vivo;
espírito e matéria, no homem, nã o sã o duas naturezas unidas, mas
antes a sua uniã o forma uma ú nica natureza. (pará grafos 364–65)
Conseqü entemente, a Igreja nos proíbe de nos considerarmos como
macacos com cérebros realmente grandes ou como meros macacos nos
quais Deus injetou almas imateriais - isto é, como se houvesse apenas
uma diferença material quantitativa, e nã o uma diferença espiritual e
formal essencial. , ou como se houvesse uma diferença formal sem
qualquer diferença física correspondente, entre nó s e o reino animal.
Infelizmente, há demasiados cató licos, especialmente cientistas, que
defendem algo como a visã o das origens humanas da alma injectada
num macaco. Isto é compreensível, dado que as abordagens da evoluçã o
definidas por Darwin reinaram ao longo do ú ltimo século e meio, mas
nã o é aceitável.
A visã o do macaco com alma é inaceitável em outro nível. No nível da
revelaçã o, a Encarnaçã o, a uniã o de Deus e do homem, torna
duplamente importante que a carne do Verbo feito carne nã o se una a
qualquer animal velho ou mesmo a um macaco promissor. Somos
feitos à imagem de Deus e o Verbo se torna carne para salvar e
restaurar essa imagem. Na Encarnaçã o, Jesus Cristo restaurou aquela
imagem à sua condiçã o original. Ainda mais (como o Cardeal
Schö nborn, apoiando-se nos Padres da Igreja, argumentou
elegantemente) Jesus na carne brilha diretamente, atravé s da
divindade do Filho, a imagem do Pai, manifestando uma conexã o ainda
mais profunda entre o rosto humano de Jesus Cristo e o corpo corporal
de Jesus Cristo. forma e o Deus invisível. 18

A surpreendente inteligibilidade do universo


Há algo ainda mais surpreendente sobre a nossa humanidade e o nosso
mundo, algo que, se pensarmos por muito tempo e com honestidade,
deveria levar todos os ateus e agnó sticos à crença. É bastante estranho
insistir nos enormes saltos no desenvolvimento que tornam possível a
mente indagadora dos cientistas, mas é ainda mais estranho perceber
que o universo é tã o suspeitosamente adequado à investigaçã o. Por que
deveria haver uma coincidência tã o feliz entre a nossa mente e o
mundo? Por que o universo deveria ser inteligível? Por que deveríamos
nó s, criaturas, ser capazes de percorrer suas profundezas, camada por
camada? Por que existe qualquer conexã o entre a arte abstrata da
matemá tica inventada pelos seres humanos e as leis e parâ metros do
universo que certamente nã o foram criados por nó s? Se nã o fosse esse
o caso, a ciência seria impossível.
Esta estranha “coincidê ncia” tem sido notada por cada vez mais
cientistas. 19 É algo que precisa de ser explicado porque dificilmente
pode ser uma coincidê ncia – a ciê ncia é maravilhosamente eficaz em
demasiadas á reas. Assim como as condiçõ es originais do universo nã o
precisaram ser ajustadas, també m nã o há razã o para que o universo
seja inteligível. A sua pró pria inteligibilidade é uma das coisas que
devemos compreender com a nossa inteligê ncia. O Papa Bento XVI
sustentou esta ligaçã o tã o importante no seu discurso em Regensburg
em 2006, colocando-a no contexto teoló gico adequado da relaçã o entre
fé e razã o.

A razã o científica moderna tem simplesmente de aceitar a estrutura


racional da maté ria e a correspondê ncia entre o nosso espírito e as
estruturas racionais predominantes da natureza como um dado, no
qual a sua metodologia tem de se basear. No entanto, a questã o de
saber por que isto tem de ser assim é uma questã o real, e uma questã o
que tem de ser reencaminhada pelas ciê ncias naturais para outros
modos e planos de pensamento – para a filosofia e a teologia…. O
Ocidente tem sido ameaçado há muito tempo por esta aversã o à s
questõ es que fundamentam a sua racionalidade, e só pode sofrer
grandes danos por isso. A coragem de envolver toda a amplitude da
razã o, e nã o a negaçã o da sua grandeza – este é o programa com o qual
uma teologia baseada na fé bíblica entra nos debates do nosso tempo.
20
Para o Papa Bento XVI, a pró pria ciência aponta para a profunda
ligaçã o entre a razã o – a Palavra, o Logos – do Deus Criador e o logos
dos seres humanos feitos à Sua imagem. Essa conexã o nã o é algo
acidental. Como poderia um universo acidentalmente inventado
desenvolver uma inteligibilidade profunda para o raciocínio
matemá tico milhares de milhõ es de anos antes de existirem seres
humanos que desenvolvessem a capacidade para o raciocínio
matemá tico abstrato? Pelo contrá rio, devemos seguir a nossa razã o e
reconhecer que a profunda inteligibilidade da natureza é uma dá diva de
um Criador sá bio para criaturas feitas à Sua imagem e que sã o,
portanto, capazes de fazer ciência, de conhecer a gló ria da criaçã o.
Nesse sentido, a pró pria existência da ciência funciona como uma
demonstraçã o da existência de Deus.
Chegamos agora ao auge do antropismo. Nos seres humanos, todos
os elementos da criaçã o material sã o transformados em uma gloriosa
criatura pensante, a ú nica de sua espécie. Repetindo as palavras do
Catecismo : “O homem, embora feito de corpo e alma, é uma unidade.
Através da sua pró pria condiçã o corporal ele resume em si os
elementos do mundo material. Através dele, eles sã o levados à sua mais
alta perfeiçã o e podem levantar a voz em louvor dado gratuitamente ao
Criador” (pará grafo 364). Parte do nosso louvor vem do nosso
sentimento natural de admiraçã o, de admiraçã o, pela complexidade da
nossa pró pria biologia e de todas as criaturas, grandes e pequenas,
abaixo de nó s. Este reconhecimento da ordem profunda da natureza é a
maior maravilha natural de todas – que podemos conhecer o universo e
que o universo pode ser conhecido por criaturas como nó s.
Claro, a réplica ó bvia é esta: “Bem, podemos ser os líderes da Terra,
mas e todos aqueles alienígenas?” Agora nos voltamos para questõ es
sobre vida extraterrestre.
A Sétima Confusã o
“A vastidão do universo significa que a vida extraterrestre deve
existir”

Sabemos apenas que os alienígenas tê m que existir, nã o é ? 1 O universo


tem milhares de milhõ es de quiló metros de diâ metro e milhares de
milhõ es de anos de idade. Existem bilhõ es de galá xias no universo,
bilhõ es de estrelas em cada galá xia, e quem sabe quantos bilhõ es de
planetas orbitam esses bilhõ es de estrelas. Como sabemos que a vida
surgiu e se desenvolveu no nosso pró prio planeta atravé s de processos
materiais aleató rios, é inconcebível que nã o existisse vida em algum
outro lugar do cosmos. Na verdade, deve haver quase certeza de que
existe vida – e nã o apenas vida, mas vida inteligente. Extraterrestres
reais (ETs) de todos os tamanhos, formas e constituiçõ es imagináveis!
Portanto, nó s, humanos, nã o somos nada de especial.
O floreio “nã o há nada de especial” deveria nos mostrar que esta
histó ria remonta aos antigos epicuristas. Como veremos, a crença na
inevitabilidade dos ETs tem raízes muito antigas. Mas os epicuristas
nã o foram os ú nicos convencidos disso. Uma fonte paralela de
especulaçã o surgiu dentro do Cristianismo e ainda existe hoje. O
raciocínio é mais ou menos assim: Deus é todo-poderoso. O universo é
realmente grande. Existem incontáveis estrelas por aí que devem ter
incontáveis planetas. É inconcebível que Deus Todo-poderoso fizesse
um universo tã o grandioso e nã o preenchesse cada canto e recanto com
vida de todo tipo. Como sabemos que Ele criou vida abundantemente
em nosso planeta, Ele certamente nã o poderia ter deixado o universo
vazio! Portanto, deve haver infinitos planetas por aí, sejam iguais à
Terra ou totalmente diferentes dela, e neles, ETs de todos os tipos
imagináveis, manifestando o infinito poder criativo, sabedoria e
bondade de Deus.
Note-se que, embora ambos os argumentos apontem para a mesma
conclusã o, fazem-no por razõ es opostas: uma para pô r fim à crença
religiosa, retirando a nossa posiçã o especial no cosmos e a outra para
expandir a crença religiosa para além dos confins da Terra. Mas aqui
está a coisa realmente incrível. Não temos exatamente nenhuma
evidência científica real de que existem alienígenas. Nenhum. Zero. Nada.
Nã o há pequenos visitantes verdes. Nenhuma mensagem de texto do
espaço. Nenhum cadáver alienígena ou dispositivos recuperados pela
NASA. Escrevemos livros sobre ETs, produzimos filmes sobre eles,
conjecturamos noite adentro sobre eles, discutimos sobre como
deveriam ser e onde deveriam estar. Mas a verdade simples, dura e real
cientificamente verificada é que temos exatamente tantas evidências de
que existem alienígenas quanto de que existem duendes. As pessoas
afirmam ter visto ambos, até mesmo conversado com eles, mas quando
você pressiona quaisquer fatos concretos restantes para verificar a
experiência deles, tudo se dissolve em névoa.
Esse é um fato muito importante que devemos ter em mente, e nunca
será demais enfatizar isso no que diz respeito ao efeito sobre a fé.
Conjecturar sobre alienígenas como se já tivesse sido provado que eles
existem, ou que sua existência é uma inevitabilidade racional ou
estatística, tende a destruir ou distorcer a fé. Do lado dos secularistas, a
certeza de que existem permite-lhes rejeitar a noçã o de que algum tipo
de ser divino criou os seres humanos à Sua imagem. Pois se os
alienígenas estã o saindo de todas as fendas do universo, entã o a criaçã o
humana é apenas mais um acidente có smico. Do lado religioso, a quase
certeza de vida extraterrestre inteligente obriga-nos a reconstruir as
doutrinas cristã s centrais para abrir espaço para ETs na Igreja có smica.
Nenhuma evidência parece ser um ponto de partida bastante instável
para tal projeto.
Poderíamos até dizer, tendo em conta o que abordá mos no ú ltimo
capítulo, que temos menos de zero provas, se assim podemos dizer,
porque todas as provas científicas mais recentes apontam noutra
direcçã o: os parâ metros complexos e delicados que tornar possível a
vida inteligente na Terra sã o tã o rigorosas que a possibilidade de
existência de vida em outros lugares se aproxima de zero. Nã o pode ser
exatamente zero – sabemos que estamos aqui – mas quanto mais
descobrimos, mais a possibilidade se reduz ao ú nico exemplo real, nó s.
Portanto, nã o só temos zero provas de ETs reais, como temos muitas
provas de que a sua existência é altamente improvável.
Se nã o temos provas, e uma possibilidade desaparece, entã o porque
temos uma crença tã o forte e insaciável de que os ETs devem existir?
Essa é uma pergunta muito boa, e precisaremos começar dando um
grande passo para trá s historicamente.

Atomismo Epicurista e Alienígenas Epicuristas


Os cristã os inclinados a acreditar na existê ncia de extraterrestres
deveriam estar cientes de que tal crença cria companheiros estranhos.
Já conhecemos Demó crito, Epicuro e Lucré cio, e agora sabemos que o
seu argumento evolucionista foi empreendido para eliminar a religiã o.
Parte desse argumento era a evoluçã o da vida extraterrestre. É assim.
Á tomos eternos girando durante o tempo infinito criam, quase por
acidente, uma pluralidade infinita de mundos. Foi assim que, sem
qualquer evidê ncia real, Demó crito declarou pela primeira vez que
existem “inumeráveis mundos”. 2 E Epicuro, a seguir, afirmou com
confiança que simplesmente deve haver “um nú mero ilimitado de
cosmoi [isto é , mundos], e alguns sã o semelhantes a este e alguns sã o
diferentes…. Pois os á tomos do tipo a partir dos quais um mundo pode
surgir ou pelos quais ele pode ser feito nã o se esgotam [na produçã o]
de um mundo ou de qualquer nú mero finito deles, nem de mundos
como este, nem de mundos diferentes deles. Consequentemente, nã o
há obstá culo à ilimitaçã o dos mundos.” 3 E Lucré cio, em seu Sobre a
Natureza do Universo , atreveu-se a assegurar aos seus leitores: “Tantos
á tomos, colidindo entre si de tantas maneiras enquanto sã o arrastados
atravé s do tempo infinito pelo seu pró prio peso, juntaram-se de todas
as maneiras possíveis. caminho e percebi tudo o que poderia ser
formado por suas combinaçõ es.” 4 Ele entã o tirou a inferê ncia com uma
conclusã o teoló gica:

Admitindo-se, entã o, que o espaço vazio se estende sem limites em


todas as direçõ es e que sementes [isto é, á tomos] em nú mero
incontável estã o correndo em incontáveis cursos através de um
universo insondável sob o impulso do movimento perpétuo, é no mais
alto grau improvável que esta Terra e o céu é o único que foi criado e que
todas aquelas partículas de matéria lá fora nã o estã o realizando nada.
Quando há bastante matéria pronta, quando há espaço disponível e
nenhuma causa ou circunstâ ncia impede, entã o certamente as coisas
devem ser forjadas e efetuadas. Você tem um estoque de á tomos [no
universo] que nã o poderia ser contado por toda a populaçã o de
criaturas vivas ao longo da histó ria. Você tem a mesma força natural
para reuni-los em qualquer lugar [em todo o universo] precisamente
como eles foram reunidos aqui [na Terra]. Você é obrigado, portanto, a
reconhecer que em outras regiõ es existem outras Terras e vá rias tribos
de homens e raças de animais….
Tenha isso bem em mente e você perceberá imediatamente que a
natureza é livre e não controlada por mestres orgulhosos e governa o
universo sozinha, sem a ajuda dos deuses. 5
Devemos enfatizar o ponto ó bvio, dado que Demó crito, Epicuro e
Lucrécio viveram há mais de 2.000 anos, que as suas especulaçõ es nã o
poderiam basear-se em qualquer evidência científica, seja astronó mica
(uma vez que nã o tinham telescó pios) ou terrestre (uma vez que
tinham nenhuma maneira de detectar se seus á tomos hipotéticos
realmente existiram, ou qualquer evidência de que o mero empurrã o
atô mico tenha produzido alguma coisa). Eles nã o formaram sua
filosofia com base em fatos científicos. Em vez disso, o desejo de
estarmos livres da “tirania” da crença religiosa levou-os a imaginar uma
filosofia natural em que mú ltiplos mundos com mú ltiplos tipos de vida
inteligente fossem produzidos por acaso.
Portanto, descobrimos uma razã o muito importante pela qual pelo
menos certos tipos de pessoas desejam que os alienígenas existam: o
mesmo velho desejo que impulsiona o materialismo científico em
outras á reas – o desejo de matar Deus, deixando a natureza, e
especialmente os seres humanos, “livres e descontrolado por mestres
orgulhosos.”

E os primeiros cristãos?
Já sabemos, a partir da nossa discussã o no capítulo sobre o darwinismo
e a evoluçã o, que os cristã os rejeitaram veementemente o epicurismo, e
isso incluiria especialmente a noçã o de que meros processos naturais
aleató rios poderiam criar o mundo, e muito menos uma pluralidade de
mundos habitados.
Além de uma forte aversã o ao epicurismo, havia razõ es cosmoló gicas
e teoló gicas pelas quais os primeiros cristã os nã o acreditavam em
extraterrestres ou se recusavam a especular sobre eles. Os primeiros
cristã os defendiam um universo geocêntrico: a Terra era o lugar onde
todas as coisas materiais e pesadas se reuniam e, portanto, o ú nico local
possível para seres encarnados inteligentes . Tudo acima da Terra deve
ser habitado por algo sobrenatural e sobrenatural (ou seja, imaterial ou
etéreo). Nem os cristã os tiveram qualquer necessidade de inventar vida
alienígena para lhes fazer companhia. De acordo com as Escrituras, o
universo lá fora já está bastante povoado com extraterrestres
inteligentes de todos os graus e classes imagináveis – eles sã o
chamados de Anjos.
Mas muito mais importante para os primeiros cristã os, os seres
humanos eram o centro do drama có smico da redençã o. A Encarnaçã o
foi a uniã o da divindade de Deus com a nossa humanidade, e fomos
feitos, corpo e alma, à imagem de Deus. A fonte de revelaçã o da Igreja
remonta diretamente ao pró prio Jesus Cristo e aos Seus apó stolos. Esta
tradiçã o nã o incluía qualquer noçã o de redençã o de outras criaturas
inteligentes e corporificadas que existiam em outros lugares, nem
qualquer sugestã o, de Jesus, de que existiam outros mundos com os
quais Ele estava igualmente casado por outros modos de encarnaçã o
para salvar outras raças pecadoras.
Por todas estas razõ es, nã o encontramos nenhuma evidência de
especulaçã o sobre extraterrestres entre os primeiros cristã os. Essa
especulaçã o nã o apenas ia diretamente contra as reivindicaçõ es
doutriná rias centrais do Cristianismo, mas também cheirava ao
epicurismo (que implicava, entre outras coisas que mencionamos, a
negaçã o da alma imortal e imaterial, do Céu e do Inferno). Nã o é de
admirar que os primeiros cristã os tenham lançado o pacote epicurista,
com extraterrestres e tudo, no abismo dos erros doutriná rios. E lá
permaneceu por quase mil anos.

A Idade Média e a Especulação Extraterrestre


É aqui que as coisas ficam complicadas. O que causou o aumento da
especulaçã o sobre ET na Idade Média é, à primeira vista (e mesmo à
segunda), bastante obscuro. Surgiu acidentalmente, por assim dizer,
como uma reaçã o ao que é chamado de aristotelismo radical, e para
entender o que aconteceu será preciso um pouco de explicaçã o.
Começando por volta de 1100 dC, texto apó s texto do grande filó sofo
grego Aristó teles chegou ao Ocidente, e os cristã os foram subitamente
confrontados com um relato unificado e bem construído do universo,
um relato escrito por um pagã o para pagã os. É importante ressaltar
que Aristó teles negou que pudesse haver uma pluralidade de mundos,
embora defendesse a eternidade do mundo. 6 A sua cosmologia foi a
que, unida a Ptolomeu, proporcionou aos medievais a sua
compreensã o do cosmos. Como observamos, a noçã o da centralidade
da Terra na visã o aristoté lico-ptolemaica estava enraizada na
“grossura” da Terra, isto é , no fato de que a Terra era onde todas as
coisas pesadas do universo se reuniam e, novamente, poderia haver
seria apenas um mundo físico e um lugar onde a vida encarnada
pudesse ser encontrada.
Embora normalmente lemos nos livros de histó ria que todos na
Igreja medieval aceitavam Aristó teles com alegria, a situaçã o era muito
mais complexa. Na verdade, houve três reaçõ es ao relato filosó fico
puramente natural e nã o-cristã o de Aristó teles: rejeiçã o veemente (os
agostinianos radicais), abraço cuidadoso (Sã o Tomá s) e abraço
apaixonado (os aristotélicos radicais, principalmente Siger de
Brabante). Aqueles que abraçaram Aristó teles apaixonadamente
tendiam a olhar com desprezo para meros teó logos e consideravam os
textos de Aristó teles como a verdadeira fonte de sabedoria em
comparaçã o com o fio que se podia encontrar na Bíblia. Por volta de
1265, um conflito entre as duas alas radicais começou a esquentar,
resultando nas famosas (ou, para os tomistas, infames) 219
Proposiçõ es em 1277, emitidas pelo bispo de Paris, Etienne Tempier,
uma das quais condenou todos aqueles que defendem a posiçã o
aristotélica de que a causa primeira nã o pode criar mais de um mundo.
Deve-se sublinhar que o objectivo da condenaçã o dos Bispos Tempier
não era afirmar uma pluralidade de mundos, mas afirmar a
omnipotência de Deus contra qualquer explicaçã o da natureza que
parecesse restringir os poderes de Deus. A insistência de Aristó teles de
que só poderia haver um mundo estava de acordo com o relato da
criaçã o em Gênesis, mas parecia aos agostinianos radicais que ela fazia
de Deus o servo da necessidade natural, em vez de seu senhor. A
soluçã o, assim pensavam o Bispo Tempier e os seus seguidores, era
afirmar que a causa primeira poderia de facto criar uma pluralidade de
mundos (mesmo que soubéssemos por revelação que Ele criou apenas
um).
Mas a condenaçã o teve um efeito imprevisto. Assim que a tinta
penetrou no pergaminho, a especulaçã o entre os cristã os sobre uma
pluralidade de mundos começou a sério. No início do século XV, essa
especulaçã o levou alguns pensadores cristã os a afirmar a existência de
vida extraterrestre. Em seu On Learned Ignorance (1440), Nicolau de
Cusa argumentou:

A vida, tal como existe na Terra na forma de homens, animais e plantas,


pode ser encontrada, suponhamos, numa forma superior nas regiõ es
solares e estelares. Em vez de pensar que tantas estrelas e partes dos
cé us sã o desabitadas e que só esta nossa Terra está povoada - e isso
com seres, talvez de um tipo inferior - vamos supor que em cada regiã o
há habitantes, diferindo em natureza por posiçã o e todos devem sua
origem a Deus, que é o centro e a circunferê ncia de todas as regiõ es
estelares. 7
E entã o Nicholas prossegue oferecendo uma zoologia admiravelmente
inventada, mesmo admitindo que tudo é inteiramente especulativo.

Dos habitantes de mundos que nã o o nosso, podemos saber ainda


menos, pois nã o temos padrõ es pelos quais possamos avaliá -los. Pode-
se conjecturar que na á rea do Sol existam seres solares, habitantes
brilhantes e esclarecidos, e por natureza mais espirituais do que
aqueles que podem habitar a Lua – que sã o possivelmente luná ticos –
enquanto aqueles na Terra sã o mais grosseiros e materiais…. E
podemos fazer suposiçõ es paralelas de outras á reas estelares de que
nenhuma delas carece de habitantes, pois cada uma delas, como o
mundo em que vivemos, é uma á rea particular de um universo que
conté m tantas á reas quantas sã o as incontáveis estrelas. 8
Foi assim que a especulaçã o cristã sobre luná ticos e solarianos
passou da periferia luná tica para mais perto do centro aceitável. Mas
em que se baseiam tais suposiçõ es e conjecturas? Evidência?
Revelaçã o? Razã o? Nã o. Na verdade, resultou de uma uniã o infeliz de
ló gica desleixada e imaginaçã o desenfreada. Afirmar a onipotência de
Deus (condenando a proposiçã o de que “a causa primeira nã o pode
criar mais de um mundo”) nã o implica que Deus realmente teve que
criar mú ltiplos mundos (e, além disso, povoá -los com hostes de
alienígenas). Quanto à imaginaçã o desenfreada, a afirmaçã o
embaraçosa sobre solarianos e luná ticos fala por si. O título “ignorâ ncia
aprendida” assume um novo significado, uma vez que tais especulaçõ es
selvagens e seguras só foram possíveis devido à completa ignorâ ncia
das condiçõ es reais do Sol e da Lua, juntamente com a ignorâ ncia quase
completa do que é biologicamente e quimicamente possível.
Nã o demorou muito para que a especulaçã o se transformasse em
dogma. Cerca de 30 anos apó s o aparecimento de On Learned Ignorance
, de Nicolau de Cusa, um teó logo francê s, William Vorilong, no meio de
um devaneio especulativo sobre outro mundo, assegurou aos seus
leitores que “se for perguntado se existem homens naquele [outro
mundo especulativo] mundo, e se eles pecaram como Adã o pecou, eu
respondo que nã o, pois eles nã o existiriam em pecado e nã o surgiram
de Adã o... Quanto à questã o de saber se Cristo, ao morrer nesta Terra,
poderia redimir os habitantes de outro mundo, eu respondo que ele é
capaz de fazer isso mesmo que os mundos fossem infinitos, mas nã o
seria apropriado para Ele ir para outro mundo e morrer novamente.” 9

Especulação no mundo moderno


À medida que o mundo medieval se transformava no moderno, o
ressurgimento do atomismo Democritano-Epicurista-Lucreciano,
combinado com o fluxo constante de ruminaçõ es cristã s sobre ET, levou
a um fluxo cada vez mais forte de especulaçõ es sobre ET – ou
poderíamos dizer um fluxo duplo, uma vez que o fluxo pagã o
entrelaçados dentro e fora da corrente cristã , à s vezes usando a certeza
dos ETs para atacar o Cristianismo e à s vezes acompanhando o fluxo da
especulaçã o cristã para inundar e diluir o dogma cristã o a partir de
dentro.
Encontramos a paixã o por alienígenas no herético Sobre o universo e
os mundos infinitos (1584), de Giordano Bruno, e como Bruno era um
defensor tanto do atomismo epicurista quanto do copernicanismo
(para seus pró prios propó sitos), a especulaçã o epicurista sobre ETs e o
desenraizamento da Terra por Copérnico pareciam andar juntos,
tornando o ú ltimo suspeito por associaçã o com o primeiro. O grande
astrô nomo Johannes Kepler (1571-1630) pensava que a vida em Jú piter
e na nossa lua era provável. Galileu, já nadando em á guas aquecidas,
mostrou-se reservado, mas um de seus grandes defensores e também
discípulo de Bruno, Tommaso Campanella (1568-1634), nã o teve tais
escrú pulos. Campanella, cuja ortodoxia era bastante suspeita, escreveu
um pedido de desculpas a Galileu antes mesmo de ser preso,
defendendo-o e defendendo a necessidade de ETs no sistema
Copernicano-Galileu. O teó logo anglicano John Wilkins publicou
anonimamente uma obra com um daqueles longos e encantadores
títulos típicos do século XVII, A descoberta de um mundo na Lua, ou, Um
discurso que tende a provar que é provável que haja outro mundo
habitável em Esse Planeta (1638). Aqui, mais uma vez, o
copernicanismo e o ETismo estavam entrelaçados – apenas cinco anos
depois do julgamento de Galileu, veja bem – o primeiro levou
inelutavelmente à existência do segundo. O livro de Wilkins foi
imensamente popular e influente. Vendo que o espírito de especulaçã o
se espalhou pela Europa, nã o nos surpreende que uma das primeiras
obras de ficçã o científica tenha surgido nesse mesmo ano, The Man in
the Moone, or a Discourse of a Voyage Thither, do Bispo Godwin .
Encontramos outros endossos da inevitabilidade dos ETs pelo
platô nico de Cambridge Henry More (1646), pelo cientista francê s
Pierre Borel (1657), e talvez de forma mais famosa e influente por
Bernard le Bovier de Fontenelle em suas Conversas sobre a Pluralidade
dos Mundos (1686). ). Embora Isaac Newton evitasse a questã o (pelo
menos publicamente), seus discípulos nã o o fizeram, primeiro entre
eles o Rev. Richard Bentley, que em suas Palestras Boyle de 1692
declarou que os corpos celestes devem ter sido “formados para o bem
das Mentes Inteligentes”, perguntando retoricamente, “por que nã o
podem todos os outros planetas ser criados… para os seus pró prios
habitantes que tê m vida e compreensã o?” 10 Por que nã o, de fato?
As comportas da especulaçã o moderna sobre ET estavam abertas no
final do século XVII, tal como o antigo atomismo epicurista ganhou nova
vida ao ser incorporado numa forma moderna de materialismo; e assim
a crença dos atomistas em extraterrestres floresceu novamente com o
avanço da visã o materialista da ciência moderna que estava sendo
defendida tanto pelos de mentalidade secular como por alguns cristã os.
Em contraste com o antigo antagonismo entre esse materialismo e o
cristianismo, o atomismo materialista moderno encontrou teó logos
cristã os fascinados pela possibilidade de luná ticos. Com grande ironia,
a cosmologia epicurista-lucreciana, concebida para eliminar a religiã o,
foi agora acolhida como portadora das Boas Novas galá cticas.
A especulaçã o desenfreada sobre ETs marcou o século da ciência
iniciado por Galileu e triunfantemente selado por Newton. Contudo, a
nossa aná lise seria incompleta se nã o incluísse o apoio visível que a
teoria da pluralidade de mundos pareceu receber com a invençã o do
telescó pio. Quando, no início do século XVII, a nova “luneta” (como
Galileu a chamou) foi apontada para os céus, descobriu-se que eram
muito mais profundos e mais povoados de estrelas do que qualquer um
poderia ter imaginado. Nã o eram estes os só is infinitos que iluminavam
os mundos infinitos prometidos por Epicuro e Lucrécio? Ou falando do
ponto de vista oposto do Cristianismo, quã o grande é o poder criativo
de Deus! Certamente, Ele nã o teria feito todos aqueles milhõ es de só is
sem motivo! Certamente, girando em torno deles havia planetas
repletos de vida. A conclusã o parecia irresistível. O avanço do sistema
Copernicano-Galileu entre os cientistas também ajudou a causa porque
a luneta de Galileu revelou que a Lua e, por implicaçã o, os planetas,
tinham superfícies á speras e terrestres. Portanto, Aristó teles estava
errado: os corpos celestes nã o eram feitos de algum elemento etéreo;
portanto, a existência encarnada era possível para eles.
A era moderna posterior da especulação (e
secularização)
De aproximadamente 1700 a 1900, houve uma onda crescente de
especulaçõ es científico-filosó ficas-teoló gicas sobre a natureza da vida
extraterrestre. Deste período podemos extrair um verdadeiro bestiá rio
de extraterrestres que supostamente habitavam todos os planetas
conhecidos do nosso sistema solar, bem como o Sol e a Lua e, além
disso, todas as estrelas, planetas e cometas do Universo.
Tal especulaçã o muitas vezes veio de poetas arrebatados pela nova
ciê ncia, como Richard Blackmore, que em seu poema é pico Creation
(1712) declarou com segurança que “Podemos declarar que cada orbe
sustenta uma raça/De coisas vivas, adaptadas ao lugar”, ou o mais
famoso Alexander Pope, cujo Ensaio sobre o Homem (1733-34) falou de
“outros planetas [que] circundam outros só is”, onde “seres variados
povoam todas as estrelas”. 11 Mais tarde, William Wordsworth tornou-
se poé tico sobre “a raça ruiva em Marte” e as “Cidades em Saturno”,
certo de que “mundos impensáveis” em é pocas anteriores
permaneceram desconhecidos “até que a mente investigadora/da
Ciê ncia os abriu à humanidade”. ” 12 —um indício de que a religiã o
cristã (ainda) ignorava as maiores verdades que somente a ciê ncia
poderia revelar.
Logo os poetas se voltaram contra o Cristianismo mais diretamente,
usando o conhecimento certo de outros planetas habitados como
contraponto à fé . Numa explicaçã o de seu Queen Mab (1813), Percy
Bysshe Shelley declarou que, dada a pluralidade de outros habitantes
do mundo, é “impossível acreditar que o Espírito que permeia esta
má quina infinita gerou um filho no corpo de uma mulher judia, ” e,
alé m disso, “Toda aquela histó ria miserável do Diabo, de Eva e de um
Intercessor, com as mú mias infantis do Deus dos Judeus, é inconciliável
com o conhecimento das estrelas”. 13
Nem os filó sofos estavam imunes à febre. Immanuel Kant declarou
em sua História Natural Universal e Teoria dos Céus (1755) que era
impossível para um Deus infinito em um universo infinito permitir que
todo aquele espaço ficasse despovoado, portanto “o espaço có smico
será animado com mundos incontáveis e sem fim." Kant acreditava que
os planetas do nosso sistema solar eram povoados por uma gradaçã o
de vida inteligente do Sol para fora, com a Terra ocupando o centro de
capacidade intelectual entre os estú pidos mercurianos e venusianos e
as supermentes de Jú piter e Saturno. Conseqü entemente, Kant
presumiu que os mercurianos e venusianos eram estú pidos demais
para pecar, e os jovianos e saturnianos muito inteligentes; portanto,
com a possível exceçã o dos marcianos, a Terra era o ú nico planeta que
precisava de um Salvador. 14 O filó sofo positivista Auguste Comte, que
(recordamos) estava certo de que a ciê ncia nos estava a permitir
deixar para trá s a era da religiã o e da superstiçã o, declarou
magnanimamente que se Mercú rio, Vé nus e Jú piter fossem habitados,
“podemos considerar esses habitantes como sendo de alguma forma,
nossos concidadã os”, mas lamentou que “os habitantes de outros
sistemas solares serã o completamente estranhos”. 15
Mas o devaneio do ET nã o era domínio exclusivo dos poetas e
filó sofos. Os melhores cientistas da é poca també m deram suas
contribuiçõ es. Sir William Herschel (1730-1822), o astrô nomo que
descobriu Urano em 1781, afirmou ter visto evidê ncias quase certas de
florestas, edifícios circulares, canais, estradas e pirâ mides na Lua –
todos, é claro, sinais de uma lua cheia. populaçã o luná tica. Ele estava
igualmente certo de que os planetas conhecidos do nosso sistema solar
eram todos povoados e insistia que o Sol estava repleto de solarianos
“cujos ó rgã os estã o adaptados à s circunstâ ncias peculiares daquele
vasto globo”. 16 Johann Bode (1747-1826), diretor do Observató rio de
Berlim e famoso pela Lei de Bode, perguntou a estes mesmos
solarianos: “Quem duvidaria da sua existê ncia?” A razã o para tal
certeza era quase teoló gica. “O autor mais sá bio do mundo atribui um
alojamento de inseto a um grã o de areia e certamente nã o permitirá …
que a grande bola do sol fique vazia de criaturas e menos ainda de
habitantes racionais que estejam prontos a louvar com gratidã o o autor
da vida .” 17 O mesmo raciocínio o levou a afirmar a existê ncia de
extraterrestres na Lua, em Mercú rio e em Vê nus.
Encontramos, ao longo deste período, especulaçõ es semelhantes
aprovadas por cientistas igualmente eminentes: Sir William Rowan
Hamilton (1805–56), Sir Humphry Davy (1778–1829), Sir David
Brewster (1781–1868), François Arago (1786–1853) , Hans Christian
Oersted (1777–1851), Richard Owen (1804–72), J. Norman Lockyer
(1836–1920), Jean Liagre (1815–1892), Jules Janssen (1824–1907),
William Pickering (1858–1938) ) - e a lista continua até o sé culo 20, um
quem é quem dos principais astrô nomos e outros cientistas. Como
escreveu François Plisson, um mé dico francê s e crítico frio da mania
extraterrestre, em 1847: “Quase todos os astrô nomos de nossos dias, e
os mais eminentes entre eles, adotam livremente as opiniõ es que nã o
muito tempo atrá s eram vistas como capazes de surgir apenas da
mente de um louco.” 18
Se a crença em solarianos, luná ticos, jovianos, venusianos,
mercurianos e marcianos parece agora uma loucura, durante os
sé culos XVIII e XIX foi considerada a ú nica visã o racional e
cientificamente fundamentada. Nã o é de admirar, portanto, que os
teó logos – tanto cristã os como deístas – se sentissem nã o só
inspirados mas obrigados a incorporar extraterrestres nos seus
sistemas. Olhando primeiro para as tentativas cristã s, nota-se
imediatamente que a doutrina da Encarnaçã o sofreu uma
transformaçã o, à medida que cristã os bem-intencionados se
apressaram a acompanhar a mais recente coleçã o de extraterrestres. Já
mencionamos Discovery of a World in the Moone, do reverendo John
Wilkins, e The Man in the Moone, do bispo Godwin . Um pouco mais
tarde, e indo um pouco mais longe, o Traité de l'Infini Créé ( Tratado
sobre o Infinito Criado ) foi publicado em 1769, supostamente pelo
Abade Malebranche, mas na verdade pelo Abade Jean Terrasson. Nele,
Terrasson argumentou que a Encarnaçã o não era peculiar ao nosso
planeta. Se “se perguntarem (…) se o Verbo eterno pode unir-se
hipostaticamente a um nú mero de homens [isto é , diferentes criaturas
racionais em mú ltiplos planetas], algué m responde sem hesitaçã o –
sim. Os homens seriam todos homens-Deus [ hommes-Dieu ], homens
no plural, Deus no singular, porque esses homens-Deus seriam de fato
vá rios em nú mero quanto à natureza humana, mas seriam apenas um
no que diz respeito a natureza divina.” 19 Na verdade, mesmo onde nã o
houve Queda, Cristo encarnaria como membro da raça, pois eles
mereciam esta honra ainda mais do que aqueles que tinham caído.
Abundam outras tentativas de reconciliar a revelaçã o cristã com os
extraterrestres. William Hay (1695–1755) defendeu mú ltiplos modos
de salvaçã o, implicando mú ltiplos modos de Encarnaçã o de Cristo;
James Beattie (1735–1803) afirmou que a Encarnaçã o, a morte e a
Ressurreiçã o de Cristo serviram como um exemplo inspirador para
todos os extraterrestres; e Beilby Porteus (1731-1808) sustentou que a
Encarnaçã o na verdade se estende a todos os extraterrestres. No início
do século XIX, a crença na pluralidade dos mundos era tã o bem aceita,
especialmente entre os protestantes, que foi agora incorporada como
um elemento essencial da ortodoxia evangélica. Alguns proponentes,
como Thomas Chalmers (1780-1847), foram bastante cautelosos. Mas
outros mostraram menos moderaçã o.
A tais especulaçõ es “ortodoxas”, deveríamos acrescentar as do
influente visioná rio Barã o Emanuel Swedenborg (1688-1772), que
afirmou ter conversado com os Anjos de cada um dos planetas do
nosso sistema solar e relatou que todos os planetas sã o na verdade
habitados. pelas almas humanas daqueles que morreram na Terra. Foi
ele quem nos informou com naturalidade que os lunares falam muito
alto “do abdô men” porque “a Lua nã o está cercada por uma atmosfera
do mesmo tipo que a de outras Terras”. 20 As ramificaçõ es posteriores
de Swedenborg foram igualmente ousadas, como o ex-batista Thomas
Lake Harris, que declarou (em 1850) que ele també m havia visitado os
cé us, e foi mostrado que os habitantes da “estrela” Cassiopeia “se
alimentam principalmente dos aromas de flores requintadas”,
enquanto Mercú rio é povoado por um bando de “filó sofos platô nicos
cristã os”. Harris també m descobriu que os terrá queos sã o a ú nica raça
caída. 21 Ellen Harmon (1827–1915), profetisa e fundadora dos
Adventistas do Sé timo Dia, relatou apó s uma de suas visõ es que “os
habitantes [de Jú piter] sã o um povo alto e majestoso, tã o diferente dos
habitantes da Terra. O pecado nunca entrou aqui.” 22
Os Mó rmons, fundados por Joseph Smith, foram outra seita inspirada
pela especulaçã o astronô mica; eles també m acreditavam em um
universo povoado por uma pluralidade de deuses, anjos e
extraterrestres. Smith seguiu suas dicas reveladoras de Morô ni, um ser
angelical, que supostamente revelou os fundamentos do Mormonismo
em um conjunto de placas de ouro, que Smith mais tarde transcreveu
em O Livro de Mórmon (1830). Nã o foi neste livro, mas em outros
escritos mó rmons, Doutrina e Convênios (1835) e A Pérola de Grande
Valor (1851), que uma pluralidade de mundos habitados foi
apresentada. O aspecto interessante deste pluralismo é que os deuses
sã o agora incluídos como companheiros habitantes na hierarquia de
seres espalhados por todo o cosmos. Como declarou Parley Pratt,
teó logo mó rmon: “Deuses, anjos e homens sã o todos da mesma
espé cie, uma raça, uma grande família amplamente difundida entre os
sistemas planetá rios, como colô nias, reinos, naçõ es, etc.” 23 O
Mormonismo, com toda a especulaçã o có smica bizarra nos seus
dogmas teoló gicos centrais, representa o resultado final e inevitável
das tentativas de sincretismo por parte de cristã os com mania de ET.
Como vemos, a doutrina torna-se totalmente definida, ou melhor,
totalmente redefinida, de acordo com as fantasias particulares dos
líderes carismá ticos que reivindicam “verdades” astronó micas
recentemente reveladas que substituem as verdades bíblicas. Até Deus
se torna um ET, enquanto os ETs se tornam deuses.
Enquanto os cristã os e os heré ticos derivados tentaram enquadrar
Jesus Cristo no novo esquema có smico, alguns deístas compreenderam
as implicaçõ es claras de uma pluralidade de mundos para as
reivindicaçõ es específicas da Encarnaçã o Cristã . A Idade da Razão anti-
cristã de Thomas Paine (1794-1807) é um exemplo importante disso.
Talvez mais claramente do que qualquer outra pessoa da é poca, o
deísta Thomas Paine percebeu que a existê ncia de uma infinidade de
mundos habitáveis (e, portanto, de extraterrestres) era totalmente
incompatível com o Cristianismo: “Acreditar que Deus criou uma
pluralidade de mundos pelo menos tã o numerosos quanto o que
chamamos de estrelas, tornam o sistema de fé cristã o ao mesmo
tempo pequeno e ridículo e o espalham na mente como penas no ar.”
Para aqueles que tentaram uma reconciliaçã o de tal pluralidade com o
Cristianismo, Paine advertiu que “aquele que pensa que acredita em
ambos, pensou muito pouco em ambos”. 24 Paine, convencido da
pluralidade, escolheu o Deísmo.
Este ú ltimo é um ponto importante. O deísmo rejeitou a Encarnaçã o e
com ela a maior parte, senã o toda a teologia revelada. Ao mesmo
tempo, cristã os bem-intencionados, querendo manter-se atualizados
com a ciência mais recente, esculpiram a doutrina da Encarnaçã o para
ajustá -la a tal pluralismo, enquanto outros cristã os, empenhados em
salvar o Cristianismo da irrelevâ ncia, igualmente cortaram o
particularidade embaraçosa da Encarnaçã o até que a pró pria doutrina
se tornou amplamente irrelevante. A Ortodoxia foi atacada de ambos os
lados por aqueles absolutamente convencidos, sem sombra de dú vida,
da existência de jovianos, saturnianos, venusianos, marcianos,
solarianos e luná ticos. Como tudo isso tendia a corroer a Encarnaçã o, o
efeito da incorporaçã o de alienígenas foi transformar o Cristianismo em
Deísmo.
À medida que o século XIX avançava, o secularismo latente no
Deísmo emergiu à medida que o ateísmo e a ortodoxia eram atacados
por mais um inimigo em nome da ciência. Embora o pró prio Darwin
aparentemente nã o tenha entrado na briga, e seu defensor do buldogue,
Thomas Huxley, demonstrasse apenas um otimismo cauteloso, os
fundamentos epicuristas-lucretianos do darwinismo logo se tornaram
fontes científicas ú teis para a crença de que a evoluçã o ímpia deve estar
ocorrendo em inú meros planetas. O ateísmo nã o precisava mais do
meio-termo do deísmo. A secularizaçã o poderia agora prosseguir a
todo vapor. E a crença em extraterrestres era uma parte essencial do
novo credo materialista, tal como tinha sido uma parte essencial do
antigo.
Uma das importantes fontes de crítica contra a especulaçã o
interminável sobre ET veio de William Whewell, cujo ensaio Of the
Plurality of Worlds (1853) criticou o otimismo infundado dos
entusiastas alienígenas. Whewell foi um dos primeiros cientistas
modernos a examinar cuidadosamente as condiçõ es reais que tornam
possível a vida na Terra e, portanto, um dos primeiros a perceber que
essas condiçõ es nã o pertencem, e nã o podem, pertencer a outros
planetas do nosso sistema solar (e muito menos na lua ou no sol).
Whewell é , poderíamos dizer, o pai do princípio antró pico. Ele també m
percebeu, tã o claramente quanto Thomas Paine, que a especulaçã o
infundada sobre uma pluralidade de mundos habitados era
inconciliável com o cristianismo. 25
Embora Whewell tivesse motivos como cristã o para defender o
cristianismo contra a especulaçã o infundada sobre ETs, ele atacou o
pluralismo có smico com base na ciência, com base no que poderia
realmente ser considerado física, química e biologicamente possível nos
outros planetas do nosso sistema solar. , a lua e o sol. Foi isso que deu
ao seu livro a força pungente que suscitou tantas respostas
espirituosas. Mas mesmo que os avanços na química e na astronomia
justificassem Whewell, ainda havia muitos cientistas proeminentes do
século XIX que continuavam a afirmar que até a vida no nosso Sol ainda
era possível, incluindo o químico inglês Thomas Lamb Phipson, o
astrofísico inglês J. Norman Lockyer, fundador e primeiro editor da
prestigiada revista científica Nature , e do astrô nomo e matemá tico Jean
Baptiste Joseph Liagre. E nã o devemos esquecer o eminente cientista
John William Draper, que conhecemos no capítulo 1 como autor de
História do Conflito entre Religião e Ciência . Nã o é de surpreender que
Draper fosse um entusiasta dos ETs, considerando a necessá ria
existência de mú ltiplos mundos como evidência da tolice das
reivindicaçõ es provincianas do Cristianismo.

O século 20: a evidência da ausência


Só no início do sé culo XX a ciê ncia avançou o suficiente para passar da
especulaçã o à procura real de provas concretas. Uma das maiores
esperanças dos entusiastas dos alienígenas era que, com a descoberta
e o avanço da tecnologia de rá dio, pudé ssemos captar sinais do espaço.
O primeiro a expressar tais esperanças foi o físico e engenheiro
americano Nikola Tesla, que em 1901 pensou ter recebido tal sinal.
Noçõ es sobre a possibilidade de outros sinais ao longo do espectro
eletromagné tico serem enviados para a Terra percolaram no resto da
primeira metade do sé culo XX. Em 1959, os físicos Giuseppe Cocconi e
Philip Morrison publicaram um artigo na prestigiada revista científica
Nature intitulado “Searching for Interstellar Communications”, e isto
deu início à pesquisa na segunda metade do sé culo. Em pouco tempo, o
maior e mais caro equipamento dos mais modernos observató rios
astronó micos estava a ser dobrado para o espaço, ouvindo
atentamente até mesmo um sussurro dos ETs. Nas dé cadas de 1970 e
1980, os projetos SETI (Busca por Inteligê ncia Extra Terrestre)
estavam funcionando a todo vapor, sendo o mais famoso o Instituto
SETI, fundado em 1984. 26 A missã o declarada do SETI é “explorar,
compreender e explicar a origem, natureza e prevalê ncia da vida no
universo”. 27 O ú nico problema – milhõ es e milhõ es de dó lares depois –
é que nã o detectaram nenhum.
Conforme amplamente documentado por Steven Dick em Life on
Other Worlds: The 20th-Century Extraterrestrial Life Debate , no final do
século 20, os cientistas demonstraram a todos, exceto aos mais
zelosamente intransigentes, que - exceto a humilde Terra - nosso
sistema solar era desprovido de energia. vida inteligente e
provavelmente desprovida de qualquer vida (exceto a mais tênue
evidência de vida microbiana em Marte). E horas intermináveis de
varredura do céu em busca de sinais além do nosso sistema solar nã o
resultaram em nada além de está tica sem vida.
No entanto, o resultado sombrio da busca de extraterrestres de alta
tecnologia apenas agitou ainda mais os defensores, resultando no grito
de guerra optimista mas defensivo: “A ausência de provas nã o é prova
de ausência”. Embora isso possa aquecer o fogo cada vez menor nos
coraçõ es dos entusiastas, presta pouco serviço à razã o. Para ser franco,
uma vez que a ausência de provas foi o resultado negativo de uma
busca de um século por alienígenas, a ausência de provas é prova de
ausência. O que mais poderia ser?
Um pessimista poderia perguntar: “Mas se o que você está dizendo é
verdade, a falta de evidências científicas para os anjos nã o prova que os
anjos nã o existem?” Tal resposta apenas desvia a atençã o da gravidade
da ferida autoinfligida. Mais uma vez, existindo ou nã o Anjos, os
cientistas estavam ativamente à procura de extraterrestres,
convencidos, sem qualquer vestígio de evidência, de que eles deveriam
existir. A verdade simples permanece: ao longo do século XX, a ciência
eliminou sistematicamente a possibilidade de extraterrestres no nosso
sistema solar, e a sua existência noutros lugares passou de uma
necessidade absoluta a um mero acaso. Além disso, aqueles que
comparam Anjos a alienígenas esquecem que os Anjos sã o, por
definiçã o, seres imateriais. Que tipo de teste científico alguém
conceberia para localizar um ser que, por nã o estar corporificado, nã o
tem localizaçã o? Os extraterrestres, por outro lado, deveriam ser
organismos materiais. Se eles realmente estivessem voando ao redor da
Terra, deveríamos ter sido capazes de detectá -los da mesma forma que
detectamos qualquer outro corpo físico.
Se pudermos terminar com um pequeno golpe: para o descrente já
convencido de que os Anjos nã o existem, ser forçado a admitir que nã o
tem mais motivos para acreditar em alienígenas do que em Anjos, é
uma admissã o de derrota. Esta admissã o é ainda mais importante
precisamente porque os extraterrestres parecem funcionar para os
secularistas como substitutos materiais dos Anjos. 28 Na grande
religiã o do secularismo, os estrangeiros foram agora reduzidos, na
melhor das hipó teses, a uma questã o de fé .

Lições para Teologia


A Igreja Cató lica nã o tem uma posiçã o oficial sobre a vida
extraterrestre. Mas a necessidade de salvaguardar todo um conjunto de
doutrinas centrais a respeito da Encarnaçã o de Jesus Cristo e da criaçã o
e natureza dos seres humanos deixa claro que a especulaçã o nã o é bem-
vinda. E a noçã o de que precisamos de abrir caminho na nossa teologia
para aqueles inevitáveis alienígenas quando nos visitam é ainda menos
bem-vinda. Como afirma o Catecismo : “Cristo, o Filho de Deus feito
homem, é o Verbo ú nico, perfeito e insuperável do Pai. Nele ele disse
tudo; nã o haverá outra palavra senã o esta” (pará grafo 65), e portanto o
que foi revelado sobre o Verbo unido à carne humana é definitivo, e
nenhuma mençã o de mú ltiplas encarnaçõ es é feita nas Escrituras ou na
Tradiçã o. “A fé cristã nã o pode aceitar 'revelaçõ es' que pretendam
superar ou corrigir a Revelaçã o da qual Cristo é o cumprimento”
(pará grafo 67). A adiçã o de mú ltiplas encarnaçõ es seria, para dizer o
mínimo, uma correçã o significativa. Além disso, os seres humanos na
Terra, e nã o mú ltiplas formas de suposta vida inteligente vivendo em
outros lugares, sã o o objetivo da criaçã o: “O universo, criado na e pela
Palavra eterna, a 'imagem do Deus invisível', é destinado e dirigido a
homem, ele pró prio criado à 'imagem de Deus' e chamado a uma
relaçã o pessoal com Deus” (par. 299). “ O homem é o ápice da obra do
Criador” (pará grafo 341), nã o apenas mais uma forma de vida
inteligente e corporificada, e a Encarnaçã o, onde “o Filho de Deus
assumiu uma natureza humana a fim de realizar a nossa salvaçã o”
(pará grafo 341). 461), é um “evento ú nico e totalmente singular”
(pará grafo 464), e nã o apenas mais um caso em uma série
potencialmente infinita. Nem, em tudo isto, devemos ignorar o efeito da
especulaçã o alienígena sobre o dogma mariano. Se houvesse mú ltiplas
encarnaçõ es, nã o haveria mú ltiplas mã es de Deus?
Infelizmente, vá rios cató licos proeminentes – como Guy
Consolmagno, SJ; Monsenhor Corrado Balducci; e Pe. José Gabriel
Funes, o astró nomo do Papa no Observató rio do Vaticano - falaram
favoravelmente sobre os ETs, embora nã o tenhamos provas da sua
existência, e até levantaram questõ es (no espírito especulativo que já
encontrá mos nos séculos XVIII e Séculos 19) sobre o pecado e a
salvaçã o alienígenas.
E qual tem sido a posiçã o do Vaticano? Em 2009, a Pontifícia
Academia de Ciê ncias do Vaticano organizou uma conferê ncia de cinco
dias sobre astrobiologia. O Padre Funes, que liderou a conferê ncia, já
tinha deixado claro qual era a sua posiçã o sobre o assunto numa
famosa entrevista ao L'Osservatore Romano intitulada “O Alienígena é
Meu Irmã o”, afirmando que a existê ncia de ETs “é possível, mesmo que
até agora, nã o temos provas. Mas certamente num universo tã o grande
esta hipó tese nã o pode ser excluída.” 29 Aparentemente, o Padre Funes
partilha a ideia de que Deus nã o deixaria vazio um universo tã o grande.
E no mesmo espírito da enxurrada de especulaçõ es cristoló gicas nos
sé culos XVIII e XIX, Pe. Funes vê a necessidade ó bvia de oferecer as suas
pró prias reflexõ es teoló gicas sobre o estatuto das almas alienígenas:
“Poderíamos pensar que neste universo podem existir 100 ovelhas,
equivalentes a diferentes tipos de criaturas. Nó s, pertencentes à
humanidade, poderíamos ser precisamente as ovelhas perdidas, os
pecadores que precisam do pastor. Deus se tornou homem em Jesus
para nos salvar. Dessa forma, supondo que existiriam outros seres
inteligentes, nã o poderíamos dizer que eles necessitam de redençã o.
Eles poderiam ter permanecido em plena amizade com o Criador.”
Entã o, como eles estã o relacionados com a histó ria da salvaçã o? “Jesus
se tornou homem de uma vez por todas. A Encarnaçã o é um evento
ú nico e ú nico. Portanto, tenho certeza de que també m eles, de alguma
forma, teriam a oportunidade de desfrutar da misericó rdia de Deus,
assim como aconteceu conosco, seres humanos”. 30
Como entender isso? O Vaticano aprova agora a especulaçã o sobre
ET? Devemos esclarecer algumas confusõ es muito convidativas.
Primeiro, o chefe do Observató rio do Vaticano nã o fala em nome da
Igreja ou do papa. Esses pensamentos sã o dele. O Magistério nã o se
pronunciou diretamente sobre o assunto.
Em segundo lugar, há uma diferença entre o que podemos dizer com
base na ciência e o que devemos dizer com base na fé. A existência de
ETs nã o pode ser totalmente descartada pela ciência. O que a ciência
pode fazer, e tem feito, é diminuir a probabilidade de existência de ETs,
mostrando cada vez mais detalhadamente as camadas e mais camadas
de condiçõ es delicadas que devem pertencer à existência de vida
bioló gica complexa. Uma conferência sobre astrobiologia, se seguisse
verdadeiramente o fluxo de evidências em vez do ardor especulativo
pelos ETs, concentrar-se-ia no aumento da nossa compreensã o
científica destas condiçõ es delicadas e, portanto, na possibilidade cada
vez mais rara da existência de outros planetas semelhantes à Terra. O
avanço da ciência nos ú ltimos 25 anos demonstra a possibilidade
decrescente de vida alienígena; portanto, deveria levar-nos a especular
menos sobre isso, e nã o mais.
Terceiro, e talvez o mais humilhante para aqueles inclinados a
vincular as doutrinas teoló gicas à ciência do dia, a histó ria da ciência
deveria dar-nos advertências suficientes contra a especulaçã o teoló gica
injustificada baseada em “certezas” científicas transitó rias. Pense em
quã o tolos pareceríamos hoje se a Igreja Cató lica tivesse modificado a
sua doutrina da redençã o para dar lugar aos solarianos, venusianos,
mercurianos, marcianos e luná ticos? Estaríamos no mesmo barco
especulativo que os Swedenborgianos, os Adventistas do Sétimo Dia e
os Mó rmons. A liçã o? Nã o há nada mais ultrapassado do que as ideias
de quem faz questã o de manter as suas ideias atualizadas. O melhor
remédio para os teó logos inclinados à especulaçã o é um longo e
profundo rascunho do elixir da histó ria da ciência, onde se torna
evidente que as verdades de hoje sã o muitas vezes os absurdos de
amanhã .
Em seguida, os cató licos deveriam ser cautelosos ao se apoiarem em
formas revividas da ló gica desleixada da onipotência, que surgiu apó s a
publicaçã o das 219 Proposiçõ es de Tempier em 1277. Na sua forma
original, é um truísmo teoló gico: “Deus é onipotente; portanto, Deus
pode criar qualquer coisa.” Mas rapidamente esta se tornou uma
proposiçã o muito diferente: “Uma vez que é possível que Deus crie
qualquer coisa, entã o Deus deve criar tudo o que é possível ; portanto, os
extraterrestres devem existir, e a doutrina da Encarnaçã o deve ser
expandida de acordo.” Esta tripla inferência nã o só é invá lida como leva
à tolice. Diríamos que, uma vez que Deus é todo-poderoso, Ele deve
criar duendes, encarnar como duendes e também redimir sua raça
caída?
Finalmente, os cató licos deveriam ser igualmente cautelosos com a
ideia de que Deus seria de alguma forma uma divindade de segunda
categoria se Ele permitisse que os seres humanos fossem os ú nicos
seres inteligentes encarnados no universo, uma vez que isso significaria
muito espaço desperdiçado. O que nos assusta ao fazer tais afirmaçõ es
é, creio eu, a imensidã o do pró prio espaço. Mas embora a vastidã o do
universo nos humilhe, com razã o, seu tamanho nã o significa nada para
Deus, uma inteligência imaterial. Como Ele nã o tem tamanho, para Ele
nã o importa se Ele faz o universo tã o grande quanto um alfinete ou um
alfinete tã o grande quanto o universo. Além disso, mesmo em bases
científicas, a grandeza nã o implica nada sobre algum tipo de plenitude
bioló gica necessá ria. O Big Bang significa que o universo tem que ser
tã o grande quanto é e tã o antigo quanto é para que mesmo uma forma
de vida inteligente, a vida humana, tenha tido tempo suficiente para se
desenvolver – a expansã o do espaço e a passagem do tempo sã o
inextricavelmente interligados. Ou seja, a evoluçã o estelar dos
elementos que ocorre à medida que o universo se expande é necessá ria
para a criaçã o de elementos suficientes para a complexidade bioló gica e
o eventual “lar” para colocá -los. Assim, de acordo com as leis físicas que
Deus criou, o universo teve que ser tã o grande quanto é para apenas um
planeta, a Terra, existir como um planeta habitável.
Um ponto relacionado: os cató licos nã o devem ser intimidados pela
ló gica materialista da probabilidade, que nasceu em Epicuro e Lucrécio.
A ló gica funciona assim: nosso sol é uma estrela; como o nú mero de
estrelas é tã o vasto, a pura probabilidade exige que devam existir
outros planetas habitados além do nosso sistema solar . Mas para um
cató lico, a probabilidade nã o exige tal coisa, a menos que pensemos
(com Epicuro) que o universo é governado pelo acaso – e isso , claro,
seria uma razã o para desistir do nosso cristianismo. A criaçã o da Terra
nã o é uma questã o de acaso, portanto nã o é governada por questõ es de
probabilidade.
Já posso ouvir a objeçã o de despedida: “Mas o que você faria se
extraterrestres realmente aparecessem? Afinal, é possível . E a Igreja
nã o se pronunciou de uma forma ou de outra.” Estou tã o preparado
para a chegada de extraterrestres como estou para a dos duendes e pela
mesma razã o: todas as evidências apontam para a sua inexistência e, no
entanto, continua a ser uma possibilidade muito, muito remota - tã o
remota que mudar as nossas doutrinas centrais para acomodar
qualquer uma das possibilidades seria uma loucura.
Além disso, a noçã o de que alienígenas nos visitariam em breve (ou
de facto, já nos visitaram) é um absurdo científico. A estrela mais
pró xima de nó s é Proxima Centauri, a mais de quatro anos-luz de
distâ ncia. Nã o importa o que você viu em Star Trek , nenhuma criatura
viajará na velocidade da luz e fará uma curta viagem de quatro anos. De
alguma forma, esses caras teriam que viajar 25.222.492.800.000
milhas. Nossas naves espaciais podem percorrer um pouco mais de
27.000 quilô metros por hora. A essa velocidade, seriam necessá rias
cerca de 1.483.676.047 horas ou 169.253 anos para viajar de Proxima
Centauri até a Terra! Quantas geraçõ es de alienígenas teriam que estar
na nave para que ela finalmente atracasse na Terra? O que eles comem
todo esse tempo? Como eles reabastecem? Por que a nave espacial
deles simplesmente nã o se desgastaria? Eles têm o equivalente a
pequenos ô nibus de entrega de peças do NAPA (completos com o
chapéu de plá stico exclusivo do NAPA), trazendo peças de reposiçã o ao
longo do caminho?
Há uma série de outros problemas, tanto ó bvios quanto misteriosos,
com esse passeio estranho, especialmente se tentarmos compreendê-lo
em termos puramente seculares, que anexarei a este capítulo. Já foi dito
o suficiente para deixar claro que nã o temos razõ es cientificamente
convincentes para acreditar na existência de ETs. Na verdade, o avanço
da ciência aponta para um ceticismo cada vez maior. Entã o, novamente,
a fé nã o tem nada a temer do avanço da ciência – a menos, é claro, que
seja a fé em alienígenas.
Apêndice
Mais evidências contra uma visita de alienígenas

Em primeiro lugar, Proxima Centauri nã o é um “sol” adequado para a


vida, por isso os alienígenas terã o de vir de mais longe. Talvez seja a
pró xima estrela mais distante? Diga, alfa Centauri B? Mas se
considerarmos as coisas do ponto de vista secular, a probabilidade de a
vida ter evoluído por acaso tã o perto, dados os milhares de milhõ es e
milhares de milhõ es de outras estrelas e galá xias, é inacreditável, como
descobrir que duas agulhas num palheiro do tamanho do Texas
simplesmente existem lado a lado.
Em segundo lugar, os referidos extraterrestres já teriam de ter
desenvolvido capacidades tecnoló gicas muito superiores à s que temos
hoje para tornar a viagem viável, e fizeram-no cerca de algumas
centenas de milhares de anos antes. Mas a vida na Terra desenvolveu-se
o mais rapidamente possível, com as células mais simples a surgir
assim que a Terra arrefeceu o suficiente. O desenvolvimento da vida
complexa só foi possível graças ao mais estranho dos acontecimentos, o
Big Bang da biologia, a explosã o cambriana. Por que outro planeta
experimentaria esses eventos fortuitos? Além disso, o nosso
desenvolvimento tecnoló gico avançado nã o precisava de acontecer, mas
dependia de uma longa série de contingências – afinal, desenvolveu-se
apenas no Ocidente e dependeu das escolhas, açõ es, descobertas
afortunadas, genialidade e perseverança de determinadas pessoas. Nã o
precisava haver um Newton, um Lavoisier, um Maxwell, um Einstein, e
assim por diante - e nã o estamos listando os nomes daqueles menos
famosos que foram tã o essenciais para o longo desenvolvimento das
vá rias ciências prá ticas de apoio que permitem tecnologia, como
metalurgia, mecâ nica e outras ciências industriais.
Terceiro, estamos falando de viagens reais, de possíveis formas de
viagem. É muito bom para a ficçã o científica imaginar que os
alienígenas de alguma forma descobriram como viajar à velocidade da
luz, ou como pegar atalhos através de buracos de minhoca, ou por
alguma outra maneira fantá stica de cortar anos ou quilô metros de sua
suposta jornada. , mas tal como acontece com as especulaçõ es sobre os
jupiterianos ou os solarianos, tais coisas nã o se baseiam no
conhecimento real dos limites da velocidade, do material e da biologia.
Você acha que pode apertar um botã o e (como os caras de Star Trek ou
Star Wars ) pular para a velocidade da luz? Entã o você deveria fazer
uma pequena pesquisa sobre os efeitos da força G no corpo humano –
saltos de aceleraçã o de tal magnitude simplesmente esmagariam um
corpo alienígena.
Quarto, já que a viagem leva tanto tempo e há tantas estrelas para
escolher, por que os alienígenas escolheriam este , entre todos os
lugares, para uma visita? Os entusiastas dos alienígenas assumem uma
importâ ncia estranha para a Terra, tanto que os extraterrestres (ETs)
parecem zumbir pela humilde Terra como mariposas ao redor de uma
lâ mpada. Se pensarmos que os ETs simplesmente devem existir em
algum lugar lá fora, e percebemos que, apenas em bases científicas, a
vida alienígena inteligente seria extremamente rara, entã o exatamente
porque é que estes alegados alienígenas escolheriam o nosso sistema
solar entre milhares de milhõ es, sobre milhares de milhõ es, sobre
milhares de milhõ es? de outras possibilidades?
O resultado é este: mesmo que, contra todas as possibilidades reais,
nos permitíssemos assumir que existe vida inteligente por aí, e nos
apegá ssemos aos factos científicos em vez de invocarmos fantasias
científicas, os extraterrestres nunca, num bilhã o, de mil milhõ es de
anos, nos visitariam. Portanto, estamos duplamente isentos de nos
preocuparmos com ETs: a possibilidade de eles existirem é pró xima de
zero, e a possibilidade de visitarem a Terra é a menor fraçã o disso.
Conclusã o
Na sua Audiência Geral de 24 de Março de 2010, o Papa Bento XVI falou
sobre o santo padroeiro dos cientistas, Santo Alberto Magno – grande
por mérito pró prio e grande como professor de Sã o Tomá s de Aquino.

Acima de tudo, Santo Alberto mostra que nã o há oposiçã o entre fé e


ciê ncia, apesar de alguns episó dios de incompreensã o registados na
histó ria. Um homem de fé e de oraçã o, como foi Santo Alberto Magno,
pode fomentar com serenidade o estudo das ciê ncias naturais e
progredir no conhecimento do micro e do macrocosmo, descobrindo as
leis pró prias da maté ria, pois tudo isto contribui para fomentar a sede
de e amor de Deus. A Bíblia fala-nos da criaçã o como da primeira
linguagem atravé s da qual Deus, que é a inteligê ncia suprema, que é o
Logos, nos revela algo de si mesmo. O Livro da Sabedoria, por exemplo,
diz que os fenô menos da natureza, dotados de grandeza e beleza, sã o
como as obras de um artista atravé s das quais, por analogia, podemos
conhecer o Autor da criaçã o (cf. Sab. 13:5). …. Quantos cientistas, de
facto, na esteira de Santo Alberto Magno, prosseguiram a sua
investigaçã o inspirados pelo espanto e pela gratidã o por um mundo
que, aos seus olhos de estudiosos e de crentes, apareceu e aparece
como o bom trabalho de um sá bio e amoroso Criador! O estudo
científico transforma-se entã o num hino de louvor. 1
Muito mais poderia ser dito sobre a relaçã o da Igreja com a ciência, mas
aqui temos o cerne da questã o. A ciência, a verdadeira ciência, nã o pode
contradizer a Fé; antes, só pode enriquecê-lo, dando-nos uma
compreensã o cada vez mais profunda da magnífica sabedoria de Deus
manifestada através das suas obras criadas.
No entanto, como vimos, a ciência é humana; isto é, os seres
humanos, com todas as suas falhas, fraquezas, confusõ es e erros, sã o
aqueles que realizam o trabalho da ciência. Nã o ocorre em algum tipo
de vá cuo puro e teó rico, mas é o resultado do esforço intelectual e físico
humano. Como revela a histó ria da ciência, a procura da verdade é
muitas vezes distorcida ou distorcida pela má filosofia, principalmente
pelo materialismo, que restringe a razã o humana e, portanto, a ciência
humana à suposiçã o de que apenas existem a realidade material e as
causas materiais. Numa visã o tã o restrita, a pró pria actividade da
ciência deixa de fazer sentido, pois se os materialistas estivessem
certos, entã o a mente humana e os seus pensamentos seriam
simplesmente efeitos de causas materiais sem objectivo. No entanto, a
capacidade de descobrir a verdade só é possível se assumirmos um
poder espiritual e intelectual nos seres humanos que nã o esteja sujeito
à s leis e aos processos físicos que descobre. Este poder espiritual é, de
facto, comprovado pelo pró prio facto de a ciência existir. Nã o podemos
ter uma visã o da ciência na qual a pró pria ciência nã o possa se
enquadrar.
A protecçã o da Igreja contra a distorçã o filosó fica é uma parte
essencial da sua missã o e, como espero que o leitor agora compreenda,
é a verdadeira fonte da maior parte do conflito que a Igreja tem
experimentado em relaçã o a determinados cientistas ou ciências. A
Igreja nã o é anticiência (como diria o mito da guerra), mas
antimaterialista. É claro que isso nã o significa que a pró pria Igreja caia
em algum tipo de heresia gnó stica, negando os aspectos físicos do ser,
mesmo e especialmente dos seres humanos, e tratando o mundo
material ou o corpo humano como inconsequentes ou inessenciais.
Somos uma verdadeira uniã o de corpo e alma, de elementos materiais e
imateriais e, portanto, a nossa ciência participa necessariamente da
capacidade de conhecer definida por esta uniã o. Ao contrá rio dos anjos,
usamos tanto o nosso intelecto como os nossos sentidos para saber e,
portanto, a nossa ciência é uma uniã o de teoria e experiência,
iluminaçã o sú bita e testes empíricos, hipó teses e laboriosa pesquisa
com os nossos pró prios olhos para verificaçã o. Enquanto tivermos em
mente estes elementos espirituais e materiais essenciais da ciência, nã o
definiremos, como cientistas, a nossa capacidade de saber como se
fosse puramente imaterial ou a realidade como se fosse apenas
material.
Ao proteger ambos os aspectos da realidade, a Igreja promove, na
verdade, uma nova abordagem da ciência, que vai além da dominaçã o
secular dos paradigmas materialistas, fazendo uso de todo o rico
estoque de conhecimento que os cientistas reuniram sob a visã o
materialista inadequada, e estendendo-a para além das suas limitaçõ es
reducionistas para abranger uma compreensã o científica muito mais
abrangente da realidade – empurrando uma meia-verdade para toda a
verdade. Quando pararmos de ver as plantas, os animais e os seres
humanos como redutíveis a meras agregaçõ es químicas, como
acidentes de leis físico-químicas, entã o descobriremos que a ordem do
ser na verdade ascende das menores partes da matéria através de uma
hierarquia de maravilhas inanimadas que sã o bem concebidos como
base para as criaturas vivas, essas pró prias criaturas indo das células
mais simples aos animais mais complexos e, em ú ltima aná lise, ao ú nico
animal dotado de um intelecto, uma alma imaterial, capaz de ciência. O
material encontra sua culminaçã o no espiritual, à medida que o ser
humano resume em si tudo o que está abaixo dele e se torna a ú nica
criatura espiritual-material capaz de conhecer a si mesmo, seu mundo
e, através dele, seu criador. Nesta culminaçã o o amor pela ciência e o
amor de Deus se unem.
A revelaçã o transcende até mesmo esse conhecimento, mas ao
transcendê-lo nã o o destró i. A graça se baseia na natureza, o
sobrenatural se baseia no natural. E isso significa, mais uma vez, que a
ciência nã o pode contradizer a Fé.
O que precisamos, parece-me, é de um abalo dos alicerces, de um
despertar de um sono materialista de séculos. A leitura, o estudo, a
reflexã o e a oraçã o terã o de preceder a tarefa futura de reestruturaçã o
da ciência moderna para ter em conta as suas percepçõ es legítimas,
mas remover os preconceitos e distorçõ es infundadas. O que
poderíamos ler para nos dar um choque – para que uma compreensã o
mais profunda e abrangente da ciência possa emergir?
Bem, acho melhor admitir de antemã o que nã o posso oferecer
nenhuma lista confiável, mas apenas transmitir os livros que me
parecem, por experiência pró pria, mais ú teis.
Em primeiro lugar, recomendo vivamente uma leitura atenta do
Catecismo da Igreja Católica. O Catecismo dá aos cató licos o quadro de
autoridade mais amplo possível para a nossa busca dos fundamentos
naturais da verdade na criaçã o (incluindo os seus pró prios parâ metros
morais e sociais), nã o apenas por si só , mas à luz do nosso destino
eterno revelado.
Como indicam as notas de rodapé dos capítulos anteriores, considero
vá rios livros especialmente esclarecedores no que diz respeito a uma
nova abordagem da ciência que se concentra no que é peculiar na vida
humana e nas suas condiçõ es exigentes, especialmente sobre o que nos
permite ser criaturas científicas. . Os melhores desses livros sã o Peter
Ward e Donald Brownlee, Rare Earth: Why Complex Life is Uncommon in
the Universe (Nova York: Copernicus, 2000), Guillermo Gonzalez e Jay
Richards, The Privileged Planet: How Our Place in the Cosmos Is Designed
para Discovery (Washington, DC: Regnery, 2004) e Michael Denton,
Nature's Destiny: How the Laws of Biology Reveal Purpose in the Universe
(Nova York: Free Press, 1998). Embora eu nã o concorde com tudo o que
é dito neles, eles abrem um caminho novo, imensamente importante e
frutífero para os cientistas prosseguirem o seu trabalho. Foi com base
neles que escrevi a minha pró pria contribuiçã o, com Jonathan Witt, A
Meaningful World: How the Arts and Sciences Reveal the Genius of Nature
(Downers Grove, IL: IVP, 2006). Cada um desses livros possui uma
bibliografia extensa e muito mais técnica.
É claro que nã o pretendo excluir inú meras outras obras maravilhosas
escritas por cientistas, historiadores, filó sofos e teó logos, tanto
cató licos como nã o-cató licos. Eu li muitos, e estes sã o apenas uma
fraçã o do que está por aí. Mas todos nó s encontramos aqueles poucos
livros que realmente fazem a diferença na maneira como vemos
determinados assuntos, e acredito que é melhor recomendar um
nú mero menor do que um maior, pois quanto maior a pilha, mais
sobrecarregado o leitor em potencial se sente ao olhar. nisso, e assim,
nenhum começo é feito.
Notas
Introdução
1 . GK Chesterton, Ortodoxia (Nova York: Doubleday, 1959), 100–101.
2 . JL Heilbron, O Sol na Igreja: Catedrais como Observatórios Solares (Cambridge, MA: Harvard
University Press, 1999), 3.
3 . Veja Neil Baldwin, Edison: Inventing the Century (Chicago: University of Chicago Press, 2001),
especialmente o capítulo 10.
Em primeiro lugar, ele não foi o primeiro a trabalhar no problema da luminescência elétrica.
Humphry Davy (1778-1829) parece ter sido o primeiro, e uma longa lista de inventores e
cientistas parcialmente bem-sucedidos se segue, levando ao triunfo de Edison em 1879. O pró prio
Edison teve suas pró prias lutas pessoais na vida antes de se tornar um inventor, incluindo ser
considerado um pouco lento na escola e também perdendo gradualmente a audição desde cedo. No
que diz respeito ao problema de criar uma luz elétrica viável, a principal dificuldade era descobrir
de que deveria ser feito o filamento brilhante, e isso custou a Edison mais do que muito suor. Ele
adoeceu com “neuralgia”, queimou acidentalmente a lateral do rosto (o que fazia com que seus
olhos lacrimejassem constantemente) e, no meio do trabalho de parto, sua esposa entrou em
trabalho de parto. Além de tudo isso, Edison, um pouco showman, havia “anunciado”
prematuramente ao pú blico que estava à beira da vitó ria e, por isso, era constantemente
incomodado pelos repó rteres por causa de seu progresso lento demais.

Capítulo 1
1 . Para uma avaliação atualizada da tese de Draper e sua longa repercussão através de um nú mero
aparentemente interminável de livros didáticos e livros científicos populares, ver Ronald Numbers,
ed., Galileo Goes to Jail, and Other Myths about Science and Religion (Cambridge, MA: Harvard
University Press, 2009). Veja também David Lindberg e Ronald Numbers, eds., God and Nature:
Historical Essays on the Encounter between Christianity and Science (Berkeley, CA: University of
California Press, 1986), introdução; e Lindberg e Numbers, “Além da Guerra e da Paz: Uma
Reavaliação do Encontro entre o Cristianismo e a Ciência”, Perspectivas sobre a Ciência e a Fé
Cristã 39, no. 3: 140–49. (Felizmente, este ú ltimo ensaio também está disponível na web em
http://www.asa3.org/ASA/PSCF/1987/PSCF9-87Lindberg.html .)
2 . Da introdução de Andrew Dickson White, A History of the Warfare of Science with Theology in
Christendom (Nova York: Appleton, 1896). O livro de White está disponível na web em
http://englishatheist.org/white/contents.html . White publicou uma versão mais curta e anterior
do seu argumento em dois volumes em 1876, intitulada, mais economicamente, The Warfare of
Science .
3 . Existem poucas declaraçõ es contra a Igreja tão vivas e literárias como a Parte IV do Leviatã de
Hobbes (1651), intitulada “Do Reino das Trevas”.
4 . Henri Thierry Baron d'Holbach, O Sistema da Natureza , vol. I (Middlesex, Inglaterra: The Echo
Library, 2006), 7.
5 . Barão d'Holbach, O Sistema da Natureza , vol. 1, 10.
6 . João Paulo II, Fides et Ratio (Boston, MA: Pauline Books, 1998), p. 7.
7 . João Paulo II, Fides et Ratio (Boston, MA: Pauline Books, 1998), Capítulo V, Seção 49, pp.
8 . João Paulo II, Fides et Ratio , Capítulo V, Seção 50, p. 67.
9 . João Paulo II, Fides et Ratio , Capítulo V, Seçõ es 52–56, pp.
10 . Noah Efron, “That Christianity Gave Birt to Modern Science”, em Ronald Numbers, ed., Galileo
Goes To Jail, and Other Myths about Science and Religion , p. 79.
11 . Alfred North Whitehead, Science and the Modern World (Nova York: Macmillan, 1967), 12. O
livro de Whitehead foi publicado originalmente em 1925.
12 . Para relatos atualizados, consulte John Hedley Brooke, ed., Science and Religion: Some
Historical Perspectives (Cambridge: Cambridge University Press, 1991); David Lindberg, Os
primórdios da ciência ocidental: a tradição científica europeia no contexto filosófico, religioso e
institucional, Pré-história até 1450 DC (Chicago: University of Chicago Press, 1992); Edward
Grant, Os Fundamentos da Ciência Moderna na Idade Média: Seus Contextos Religiosos,
Institucionais e Intelectuais (Cambridge: Cambridge University Press, 1996); Gary Ferngren,
Ciência e Religião: Uma Introdução Histórica (Baltimore, MD: Johns Hopkins University Press,
2002); e James Hannam, Filósofos de Deus: como o mundo medieval lançou as bases da ciência
moderna (Londres: Icon, 2009); assim como Nú meros, Galileu vai para a cadeia ; e Lindberg e
Nú meros, Deus e Natureza .
13 . Como introdução, ver Syed Nomanul Haq, “That Medieval Islamic Culture Was Inhospital to
Science”, em Ronald Numbers, ed., Galileo Goes To Jail , capítulo 4; para análises mais detalhadas
ver George Saliba, Islamic Science and the Making of the European Renaissance (Cambridge, MA:
MIT Press, 2007); Mark Graham, Como o Islã criou o mundo moderno (Beltsville, MD: Amana
Publications, 2006); e Jonathan Lyons, A Casa da Sabedoria: Como os Árabes Transformaram a
Civilização Ocidental (Nova Iorque: Bloomsbury Press, 2009).
14 . Veja meu Moral Darwinism: How We Became Hedonists (Downers Grove, IL: InterVarsity
Press, 2002); Peter Gay, O Iluminismo, Uma Interpretação: A Ascensão do Paganismo Moderno
(Nova York: Norton, 1966); Catherine Wilson, Epicurismo nas Origens da Modernidade (Oxford:
Oxford University Press, 2008); e Jonathan Israel, Iluminismo Radical: Filosofia e a Construção da
Modernidade, 1650–1750 (Oxford: Oxford University Press, 2001).
15 . Ver Charles Webster, From Paracelsus to Newton: Magic and the Making of Modern Science
(Cambridge: Cambridge University Press, 1982); William Eamon, Ciência e os Segredos da
Natureza (Princeton: Princeton University Press, 1996); DP Walker, Magia Espiritual e
Demoníaca: De Ficino a Campanella (Londres: Universidade de Londres, 1958); Frances Yates,
Giordano Bruno e a Tradição Hermética (Chicago: University of Chicago Press, 1964).
16 . Sobre as conexõ es entre alquimia e química, veja meu Mystery of the Periodic Table (Bathgate,
ND: Bethlehem Books, 2003), que é uma introdução à histó ria da química para jovens, mas é
bastante ú til como introdução geral; e, num nível mais sofisticado, meu Meaningful World: How
the Arts and Sciences Reveal the Genius of Nature (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2006),
especialmente o capítulo 5; John Read, From Alchemy to Chemistry (Nova York: Dover, 1995;
publicado originalmente em 1957); Cathy Cobb e Harold Goldwhite, Creations of Fire: Chemistry's
Lively History from Alchemy to the Atomic Age (Nova York: Plenum Press, 1995).
17 . Veja Hannam, Filósofos de Deus, cap. 15.

Capítulo 2
1 . Para os interessados, existem diversas fontes excelentes na Internet que fornecem uma
introdução só lida à mitologia do Oriente Pró ximo, por exemplo,
http://home.comcast.net/~chris.s /assyrbabyl-faq.html , http: //www.sacred-
texts.com/ane/index.htm . Para informaçõ es mais detalhadas, consulte Stephanie Dalley, Myths
from Mesopotamia: Creation, the Flood, Gilgamesh, and Others (Oxford: Oxford University Press,
2009); e Samuel Kramer, Os sumérios: sua história, cultura e caráter (Chicago, IL: University of
Chicago Press, 1971).
2 . Para uma excelente visão acadêmica, consulte Annette Yoshiko Reed, “Was There Science in
Ancient Judaism? Reflexõ es histó ricas e transculturais sobre 'Religião' e 'Ciência'”, Studies in
Religion 36, nos. 3–4 (2007): 461–95. Acessado em 8 de novembro de 2010,
http://sir.sagepub.com/cgi/content/abstract/36/3-4/461 .
3 . Livro de Enoque 72:1, acessado em novembro de 2010, http://www.sacred-
texts.com/bib/boe/index.htm .
4 . Para um exemplo importante do Judaísmo como exceção, veja a compilação midráshica do
século V d.C., Genesis Rabbah . Reed, “Havia Ciência no Judaísmo Antigo?” 473.
5 . São Tomás de Aquino, Summa Theologiae , IIaIIae Q. 95, a. 1, sed contra e resposta à objeção 1.
6 . São Tomás de Aquino, Summa Theologiae , IIaIIae Q. 95, a. 6. Tradução dos Padres da Província
Dominicana Inglesa, Vol. III (Nova York: Benziger, 1981).
7 . Michael Shank, “Que a Igreja Cristã Medieval Suprimiu o Crescimento da Ciência”, em Galileo
Goes To Jail, and Other Myths about Science and Religion , ed. Ronald Nú meros, 21–22. Para obter
mais informaçõ es sobre a fundação e o currículo das universidades, consulte David Knowles, The
Evolution of Medieval Thought , 2ª ed. (Londres: Longman, 1988), especialmente capítulos 13–14.
8 . Shank, “Que a Igreja Cristã Medieval Suprimiu o Crescimento da Ciência”, 26–27.
9 . James Hannam, Filósofos de Deus: como o mundo medieval lançou as bases da ciência moderna
(Londres: Icon, 2009), 35.
10 . Ver Lesley B. Cormack, “That Medieval Christians Taught That the Earth Was Flat”, em Galileo
Goes To Jail, and Other Myths about Science and Religion , ed. Ronald Nú meros, cap. 3.
11 . Hannam, Filósofos de Deus , 37.
12 . Citado em Hannam, Filósofos de Deus , 3.5
13 . Hannam, Filósofos de Deus , 270.
14 . CS Lewis, A imagem descartada: uma introdução à literatura medieval e renascentista
(Cambridge: Cambridge University Press, 1967), 97–98. Fui alertado sobre isso através de
Hannam, God's Philosophers , 270.
15 . Hannam, Filósofos de Deus , 37.
16 . Hannam, Filósofos de Deus , 38.
17 . Sobre Ricardo de Wallingford, veja Hannam, God's Philosophers , cap. 10.

Capítulo 3
1 . Stephen Hawking, “Galileo and the Birth of Modern Science,” Invention and Technology
(Primavera de 2009): 33–34, 36–37 (citação de 36). Disponível online em
http://www.medici.org/sites/default/files/GalileoandtheBirth0ofModernScience.pdf .
2 . Dennis Danielson, “O Grande Clichê Copernicano”, American Journal of Physics. 69, não. 10
(outubro de 2001): 1029–35; citaçõ es de 1029–30.
3 . Thomas Kuhn, A Revolução Copernicana: Astronomia Planetária no Desenvolvimento do
Pensamento Ocidental (Nova York: Vintage, 1957), 169.
4 . Danielson, “Grande clichê copernicano”, 1031.
5 . Galileo Galilei, The Starry Messenger , em Descobertas e Opiniões de Galileu , Stillman Drake
(Nova York: Doubleday, 1957), 45.
6 . Danielson, “Grande clichê copernicano”, 1032.
7 . Danielson, “Grande Clichê Copernicano”, 1033–34.
8 . Citaçõ es de Lutero, Melanchthon e Calvino em Kuhn, The Copernican Revolution , 191–92.
9 . James Hannam, Filósofos de Deus , 316–17.
10 . Veja o comentário de Tomás de Aquino sobre De Trinitate de Boécio , chamado A Divisão e
Métodos das Ciências na excelente tradução de Armand Maurer com notas extremamente ú teis
(Toronto: Pontifício Instituto de Estudos Medievais, 1986).
11 . Felizmente, as declaraçõ es oficiais estão disponíveis online em
http://www1.umn.edu/ships/galileo/library/1616docs.htm .
12 . Hannam, Filósofos de Deus , 318.
13 . Citado em Maurice Finocchiaro, “That Galileo Was Imprisoned and Tortured for Advocating
Copernicanism”, em Galileo Goes to Jail, and Other Myths about Science and Religion , ed. Ronald
Nú meros, 72.
14 . Para uma rápida visão geral, consulte Maurice Finocchiaro, “Galileo Was Imprisoned”, 73–74.
15 . Galileo Galilei, The Assayer , em Descobertas e Opiniões de Galileu , ed. Stillman Drake, 229–80,
citação de 274.
16 . Tratei de Epicuro e Lucrécio com muito mais detalhes em meu Moral Darwinism: How We
Became Hedonists (Downers Grove, IL: IVP, 2002), especialmente nos capítulos 1–2.
17 . Darwinismo Moral , capítulo 4.
18 . Darwinismo Moral , esp. 41–43.
19 . Pietro Redondi, Galileu Herege , trad. Raymond Rosenthal (Princeton, NJ: Princeton University
Press, 1987).
20 . Oferecido no apêndice de Redondi, Galileo Heretic , 333–35.
21 . Ver especialmente Redondi, Galileo Heretic , capítulo 8.
22 . Sabemos agora, por exemplo, que o nosso sistema solar está, na verdade, entre os braços
espirais da Via Láctea, que é, curiosamente, o “ponto ideal” biocêntrico, suficientemente distante
do centro para evitar os efeitos nocivos da radiação pesada e os efeitos perturbadores de estrelas
pró ximas.
Capítulo 4
1 . Charles Darwin, Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural, ou a preservação das
raças favorecidas na luta pela vida (Londres: John Murray, 1859), Introdução, 5 (fac-símile da
primeira edição, Cambridge: Harvard University Press, 1964).
2 . Richard Dawkins, O relojoeiro cego: por que a evidência da evolução revela um universo sem
design (Nova York: Norton, 1996), 5.
3 . Dawkins, Relojoeiro Cego , 6.
4 . Dawkins, Relojoeiro Cego , 1.
5 . Lucrécio, Sobre a Natureza do Universo , trad. RE Latham (Nova York: Penguin, 1994), Livro 5,
linhas 418–30.
6 . Lucrécio, Sobre a Natureza do Universo , Livro 5, linhas 798–800, 837–49, 855–60, 870–79.
7 . Sobre a importância de Epicuro e Lucrécio no início da modernidade e a disseminação do seu
pensamento por toda a Europa, ver o meu Moral Darwinism , especialmente os capítulos 4–6,
juntamente com George Hadzsits, Lucretius and His Influence (Nova Iorque: Cooper Square,
1963); Howard Jones, A tradição epicurista (Nova York: Routledge, 1989); Peter Gay, O
Iluminismo, Uma Interpretação: A Ascensão do Paganismo Moderno (Nova York: Norton, 1977);
Margaret Osler, Átomos, Pneuma e Tranquilidade: Temas Epicuristas e Estóicos no Pensamento
Europeu (Cambridge: Cambridge University Press, 2005); e Catherine Wilson, Epicurismo nas
Origens da Modernidade (Oxford: Oxford University Press, 2008).
8 . Os documentos do conselho estão disponíveis online em
http://www.ewtn.com/library/COUNCILS/V1.HTM#4 . Acessado em 8 de novembro de 2010.
9 . Conforme declarado nos Cânones: “Se alguém negar o ú nico Deus verdadeiro, criador e senhor
das coisas visíveis e invisíveis: seja anátema” (1.1); “Se alguém tiver a ousadia de afirmar que não
existe nada além da matéria: seja anátema” (1.2); “Se alguém disser que o ú nico e verdadeiro Deus,
nosso criador e senhor, não pode ser conhecido com certeza pelas coisas que foram feitas, pela luz
natural da razão humana: seja anátema” (2.1); “Se alguém disser que os estudos humanos
[incluindo as diversas ciências] devem ser tratados com tal grau de liberdade que as suas
afirmaçõ es possam ser mantidas como verdadeiras mesmo quando se opõ em à revelação divina, e
que não possam ser proibidas pela Igreja : seja anátema” (4.2).
10 . Veja meu Moral Darwinism e, mais recentemente, meu relato biográfico de Darwin e sua
teoria, The Darwin Myth (Washington, DC: Regnery, 2009).
11 . Para um relato mais detalhado da vida de Darwin, no qual me baseio aqui, veja meu livro The
Darwin Myth.
12 . Alfred Russel Wallace, “Sir Charles Lyell on Geological Climates and the Origin of Species”,
Quarterly Review (abril de 1869), Vol. 126:359–94; citação da pág. 391.
13 . Disponível em Michael Flannery, ed., Teoria da Evolução Inteligente de Alfred Russel Wallace
(Riesel, TX: Erasmus Press, 2008).
14 . Para um relato mais completo, veja meu Mito de Darwin , capítulos 5–6.
15 . Charles Darwin, A Descendência do Homem e Seleção em Relação ao Sexo (Princeton, NJ:
Princeton University Press, 1981), 168.
16 . Charles Darwin, Descendência do Homem , 169.
17 . Darwin, Descendência do Homem , 162–63.
18 . Darwin, Descendência do Homem , 201.
19 . Novamente, veja meu mito de Darwin.
20 . Tecnicamente, ele também acrescentou a selecção sexual para tentar explicar aquelas
características que não pareciam ser explicadas pela selecção natural, mas essa adição não tem
nada a ver com o resultado moral da sua teoria.
21 . A Seção 5 adverte: “Se alguém examinar a situação fora do rebanho cristão, descobrirá
facilmente as principais tendências que não poucos homens instruídos estão seguindo. Alguns
sustentam, de forma imprudente e indiscreta, que a evolução, que não foi totalmente comprovada
nem mesmo no domínio das ciências naturais, explica a origem de tudo isto, e apoiam
audaciosamente a opinião monista e panteísta de que o mundo está em evolução contínua. Os
comunistas subscreveram de bom grado esta opinião para que, quando as almas dos homens
tenham sido privadas de toda ideia de um Deus pessoal, eles possam defender e propagar de forma
mais eficaz o seu materialismo dialético.” A seção 6 continua: “Tais princípios fictícios da evolução
que repudiam tudo o que é absoluto, firme e imutável, abriram o caminho para a nova filosofia
errô nea que, rivalizando com o idealismo, o imanentismo e o pragmatismo, assumiu o nome de
existencialismo, uma vez que se preocupa consigo mesma. apenas com a existência de coisas
individuais e negligencia toda consideração de suas essências imutáveis”. A encíclica está
disponível online em vários locais, como
http://www.papalencyclals.net/Pius12/P12HUMAN.HTM .
22 . Disponível online em vários lugares, incluindo http://www.boston-catholic-
journal.com/inaugural_address_of_Pope _Benedict_XVI.htm . Acessado em 8 de novembro de
2010.
23 . Papa Bento XVI, Spe Salvi , Seção 5, disponível online em
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclals/documents/hf_ben-
xvi_enc_20071130_spe-salvi_en.html .
24 . Papa Bento XVI, Perguntas e Respostas (Huntington, IN: Our Sunday Visitor, 2008), 146. O
original veio do Encontro do Santo Padre Bento XVI com o Clero das Dioceses de Belluno-Feltre e
Treviso , Igreja de São Justino Mártir, Auronzo di Cadore Terça-feira, 24 de julho de 2007,
disponível em
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2007/july/documents/hf_ben-
xvi_spe_20070724_clero-cadore_en.html .
25 . Joseph Cardinal Ratzinger, “No começo…”: Uma compreensão católica da história da criação e
da queda (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1995), 50.
26 . Cardeal Christoph Schö nborn, “ Fides, Ratio, Scientia: O Debate sobre a Evolução”, em Criação
e Evolução: Uma Conferência com o Papa Bento XVI em Castel Gondolfo , 92.
27 . Disponível on-line em http://www.nytimes.com/2005/07/07/opinion/07schonborn.html .
28 . Christoph Cardeal Schö nborn, Acaso ou Propósito? Criação, Evolução e uma Fé Racional (San
Francisco, CA: Ignatius, 2007).
29 . Simon Conway Morris, Solução para a Vida: Humanos Inevitáveis em um Universo Solitário
(Cambridge: Cambridge University Press, 2003).

capítulo 5
1 . Epicuro, “Carta a Heró doto”, em The Epicurus Reader , ed. Brad Inwood e LP Gerson
(Indianápolis, IN: Hackett, 1994), 6–7.
2 . Lucrécio, Sobre a Natureza do Universo , Livro Um, linhas 52–64, 79–102, 145–58.
3 . Isaac Newton, Opticks (Nova York: Dover, 1952), 400.
4 . Newton, Óptica , 402.
5 . John North, A História Norton de Astronomia e Cosmologia (Nova York: Norton, 1995), 526.
6 . Conforme citado em Paul Davies, The Accidental Universe (Cambridge: Cambridge University
Press, 1982), 118.
7 . Para uma visão geral, consulte Stephen Barr, Modern Physics and Ancient Faith (Notre Dame,
IN: University of Notre Dame Press, 2003), cap. 15; e Robin Collins, “Evidence for Fine-Tuning”, em
God and Design: The teleological argument and modern science , ed. Neil Manson (Nova York:
Routledge, 2003), cap. 9.
8 . Citado em Gerald Schroeder, The Science of God (Nova York: Broadway, 1997), 5.
9 . Além do que acabei de observar, existem vários bons livros que disponibilizam mais detalhes
científicos sobre o ajuste fino có smico. No extremo extremamente denso das coisas está John
Barrow e Frank Tipler, The Anthropic Cosmological Principle (Oxford: Oxford University Press,
1986). Num nível mais popular, há Martin Rees, Just Six Numbers: the Deep Forces that Shape the
Universe (Nova Iorque: Basic Books, 2000); e Paul Davies, Cosmic Jackpot: Por que nosso universo
é ideal para a vida (Boston: Houghton Mifflin, 2007). Para uma compreensão das imensas
implicaçõ es do ajuste fino, que vão desde a astronomia até a biologia, ver Benjamin Wiker e
Jonathan Witt, A Meaningful World: How the Arts and Sciences Reveal the Genius of Nature
(Downers Grove, IL: IVP, 2006), Guillermo Gonzalez e Jay Richards, O planeta privilegiado: como
nosso lugar no cosmos foi projetado para descoberta (Washington, DC: Regnery, 2004); Michael
Denton, Nature's Destiny: How the Laws of Biology Reveal Purpose in the Universe (Nova York:
Free Press, 1998), e John Barrow, ed., Fitness of the Cosmos for Life: Biochemistry and Fine-Tuning
(Cambridge: Cambridge University Imprensa, 2008).
10 . Para a visão geral mais recente de todo o debate, consulte Bernard Carr, ed., Universe or
Multiverse? (Cambridge: Cambridge University Press, 2007). Para uma crítica, ver Rodney Holder,
God, the Multiverse, and Everything: Modern Cosmology and the Argument from Design
(Aldershot, Reino Unido: Ashgate Publishing, 2004). Veja também a seção relevante do ensaio de
Robin Collins, “The Teleological Argument: An Exploration of the Fine-Tuning of the Universe”, em
William Lane Craig e JP Moreland, ed., The Blackwell Companion to Natural Theology (Malden,
MA: Wiley -Blackwell, 2009), cap. 4; e o pró ximo Bruce Gordon, “Balloons on a String: A Critique
of Multiverse Cosmology”, em The Nature of Nature: Examining the Role of Naturalism in Science,
ed. Bruce Gordon e William Dembski (Wilmington, DE: ISI Books, 2010), cap. 26. Meus
agradecimentos a Jay Richards pela orientação bibliográfica.
11 . Ver Guillermo Gonzalez, David Brownlee e Peter Ward, “Refugies for Life in a Hostile
Universe”, em Scientific American 285, no. 4 (outubro de 2001): 60–67. Acessado em 8 de
novembro de 2010, http://atropos.as.arizona.edu/aiz/teaching/a204/etlife/SciAm01.pdf .
12 . Sobre a justiça necessária tanto para o Sol como para a Terra, ver Peter Ward e Donald
Brownlee, Rare Earth: Why Complex Life is Uncommon in the Universe (Nova Iorque: Copernicus,
2000); e Gonzalez e Jay Richards, The Privileged Planet (observado anteriormente).
13 . Papa Pio XII, Discurso à Pontifícia Academia das Ciências, 22 de novembro de 1951;
reimpresso como “Modern Science and the Existence of God”, The Catholic Mind 49 (março de
1972): 182–92.
14 . Christoph Cardeal Schö nborn, Acaso ou Propósito? Criação, Evolução e uma Fé Racional (San
Francisco, CA: Ignatius, 2007) 37–38.
15 . Christoph Cardeal Schö nborn, Acaso ou Propósito? , 41. Impressõ es Có smicas de Thirring :
Traços de Deus nas Leis da Natureza (Filadélfia: Templeton, 2007) foi publicado originalmente em
alemão em 2004.
16 . Christoph Cardeal Schö nborn, Acaso ou Propósito? , 44. Catecismo , parágrafo 286.
17 . Visite seu site em http://vaticanobservatory.org/ .

Capítulo 6
1 . Lucrécio, Sobre a Natureza do Universo , Livro Cinco.
2 . Christoph Cardeal Schö nborn, Acaso ou Propósito? , 55–56.
3 . Joseph Cardinal Ratzinger, “No Princípio…”: Uma Compreensão Católica da História da Criação
e da Queda (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1995), “Primeira Homilia: Deus, o Criador”.
4 . Ver Brandon Carter, “Grandes nú meros de coincidências e o princípio antró pico em cosmologia”,
em MS Longair, ed., Confrontation of Cosmological Theories with Observational Data (Dordrecht:
Reidel, 1974), 291–98.
5 . Lawrence Henderson, The Fitness of the Environment: An Inquiry into the Biological
Significance of the Properties of Matter (Boston: Beacon Press, 1958, 1913), prefácio (páginas não
numeradas).
6 . Veja o capítulo imensamente esclarecedor sobre a superadequação do carbono em Michael
Denton, Nature's Destiny: How the Laws of Biology Reveal Purpose in the Universe (Nova York:
Free Press, 1998), cap. 5.
7 . Para um relato muito mais detalhado, veja meu A Meaningful World , capítulo 7, Michael
Denton, Nature's Destiny , capítulos 2, 4–5, e novamente, John Barrow, ed., Fitness of the Cosmos
for Life: Biochemistry and Fine-Tuning . As propriedades da água foram consideradas tão
inimaginavelmente extraordinárias que existe até um site dedicado a listá-las e explicá-las, mesmo
enquanto os cientistas continuam a adicionar propriedades anô malas recentemente descobertas.
Acessado em 8 de novembro de 2010, http://www1.lsbu.ac. reino unido/water/anmlies.html .
8 . Michael Denton, O destino da natureza: como as leis da biologia revelam o propósito do
universo (Nova York: Free Press, 1998), 109.
9 . A famosa ruminação do “pequeno lago quente” de Darwin pode ser encontrada em Francis
Darwin, The Life and Letters of Charles Darwin , 3 vols. (Nova York: Johnson Reprint Corporation,
1969), vol. 3, 18.
10 . Veja Stephen Myer, Signature in the Cell: DNA and the Evidence for Intelligent Design (Nova
York: Harper One, 2009), 211.
11 . Myer, Assinatura na Célula , 213.
12 . Iris Fry, O surgimento da vida na Terra: uma visão histórica e científica (New Brunswick, NJ:
Rutgers University Press, 2000), 100.
13 . Veja meu Mundo Significativo , cap. 8
14 . Ver Peter Ward e Donald Brownlee, Rare Earth: Why Complex Life is Uncommon in the
Universe (Nova York: Copernicus, 2000), Michael Denton, Nature's Destiny: How the Laws of
Biology Reveal Purpose in the Universe (Nova York: Free Press, 1998) e Guillermo Gonzalez e Jay
Richards, O planeta privilegiado: como nosso lugar no cosmos foi projetado para descoberta
(Washington, DC: Regnery, 2004).
15 . Marc Hauser, “Origem da Mente”, Scientific American 301, no. 3 (setembro de 2009): 44–51.
16 . Marc Hauser, “Origem da Mente”, 45–46.
17 . Disponível online em
http://www.vatican.va/holy_father/pius_xii/encyclals/documents/hf_p-xii_enc_12081950
_humani-generis_en.html Acessado em 8 de novembro de 2010.
18 . Para leitores interessados nesta conexão, ver o magnífico God's Human Face: the Christ-Icon
(San Francisco, CA: Ignatius, 1994), do Cardeal Christoph Schö nborn, trad. Lothar Krauth.
19 . Sobre esta conexão entre nossas capacidades intelectuais e as condiçõ es de cognoscibilidade
pertencentes à natureza, ver meu A Meaningful World , Nature's Destiny de Denton e, acima de
tudo, Privileged Planet de Gonzalez e Richard .
20 . Papa Bento XVI, Encontro com os Representantes da Ciência, Palestra do Santo Padre, Aula
Magna da Universidade de Regensburg, terça-feira, 12 de setembro de 2006, “Fé, Razão e Memó rias
e Reflexõ es Universitárias”, acessado em 8 de novembro de 2010, http
://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2006/september/documents/hf_benxvi_
spe_20060912_university-regensburg_en.html .

Capítulo 7
1 . Este capítulo foi adaptado do artigo de Benjamin Wiker, “Alien Ideas: Christianity and the Search
for Extraterrestrial Life” da edição de novembro de 2002 da Crisis Magazine.
2 . De acordo com os relatos de Hipó lito. Ver GS Kirk e JE Raven, The Presocratic Philosophers: A
Critical History with a Selection of Texts (Cambridge: Cambridge University Press, 1960), seção
564, p. 411.
3 . Epicuro, “Carta a Heró doto”, em The Epicurus Reader , trad. e Ed. Brad Inwood e LP Gerson,
parágrafo 45, p. 8.
4 . Lucrécio, Sobre a Natureza do Universo , traduzido por RE Latham (Nova York: Penguin, 1994),
Livro Cinco, Linhas 186–90.
5 . Lucrécio, Sobre a Natureza do Universo , Livro Dois, Linhas 1051–58, 1066–77, 1090–92. A
ênfase é do tradutor, mas é preciso admitir que vale a pena enfatizar os pontos.
6 . Aristó teles, Física , 260a20–267b26; Sobre Geração e Corrupção , 336a15–337a7.
7 . Citado em Michael Crowe, The Extraterrestrial Life Debate, 1750–1900 (Mineola, NY: Dover,
1999), 8.
8 . Citado em Crowe, The Extraterrestrial Life Debate, 1750–1900 , 8.
9 . Citado em Crowe, The Extraterrestrial Life Debate, 1750–1900 , 8–9.
10 . Citado em Crowe, The Extraterrestrial Life Debate, 1750–1900 , 23.
11 . Veja Crowe, O Debate sobre a Vida Extraterrestre, 1750–1900 , 31–33.
12 . Crowe, O Debate sobre a Vida Extraterrestre, 1750–1900 , 169.
13 . Crowe, O Debate sobre a Vida Extraterrestre, 1750–1900 , 170.
14 . Crowe, O Debate sobre a Vida Extraterrestre, 1750–1900 , 48–53.
15 . Crowe, O Debate sobre a Vida Extraterrestre, 1750–1900 , 255.
16 . Crowe, O Debate sobre a Vida Extraterrestre, 1750–1900 , 67.
17 . Crowe, O Debate sobre a Vida Extraterrestre, 1750–1900 , 73.
18 . Crowe, O Debate sobre a Vida Extraterrestre, 1750–1900 , 249.
19 . Crowe, O Debate sobre a Vida Extraterrestre, 1750–1900 , 135.
20 . Crowe, O Debate sobre a Vida Extraterrestre, 1750–1900 , 99.
21 . Crowe, O Debate sobre a Vida Extraterrestre, 1750–1900 , 238.
22 . Crowe, O Debate sobre a Vida Extraterrestre, 1750–1900 , 239–40.
23 . Crowe, O Debate sobre a Vida Extraterrestre, 1750–1900 , 244.
24 . Crowe, O Debate sobre a Vida Extraterrestre, 1750–1900 , 163.
25 . Crowe, The Extraterrestre Life Debate , 1750–1900 , cap . 6.
26 . Sobre SETI, veja Steven Dick em Life on Other Worlds: The 20th-Century Extraterrestrial Life
Debate (Cambridge: Cambridge University Press, 1998), cap. 7.
27 . Consulte o site do SETI: http://www.seti.org/Page.aspx?pid=1366
28 . Não quero sugerir que uma pessoa de grande fé não possa ponderar as questõ es que cercam a
possibilidade de vida alienígena. Um dos grandes apologistas do Cristianismo, CS Lewis, escreveu
três obras-primas de ficção científica, conhecidas coletivamente como Trilogia Espacial. Esta
investigação imaginativa sobre como seria a vida alienígena e como ela se relacionaria com a
salvação cristã é, no entanto, uma grande exceção: tudo nos três livros, Out of the Silent Planet,
Perelandra e That Hideous Strength , é inteiramente voltado para o cristianismo. ortodoxia. Além
disso, se bem me lembro, depois de escrever a trilogia e de retirar tal especulação do seu sistema,
Lewis abandonou toda a noção de ETs como tola. Mas o meu ponto principal é que, mais uma vez, a
preocupação primordial de Lewis com a ortodoxia cristã é a rara excepção e não a regra. Algo
como o Mormonismo é a regra.
29 . Para obter um relató rio, consulte
http://www.catholicnewsagency.com/news/believ_in_aliens_not_opposed_to_christianity
_vaticans_top_astronomer_says/ , acessado em 8 de novembro de 2010.
30 . Um relató rio da entrevista pode ser encontrado em
http://www.catholicnewsagency.com/news/believ_in_aliens_not
_opposed_to_christianity_vaticans_top_astronomer_says/ , acessado em 8 de novembro de 2010.

Conclusão
1 . Papa Bento XVI, Audiência Geral, 24 de março de 2010. Disponível no site do Vaticano em
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/audiences/2010/documents/hf_ben-
xvi_aud_20100324_en.html

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