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MEDIEVAL OCIDENTAL
AULA 1
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TEMA 1 – IDADE MÉDIA: A FORMAÇÃO DO CONCEITO
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organização social estratificado até então vigente, redefinindo termos como
religião, economia e política (Guerreau, 2002, p. 25-29).
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final da Idade Média, a Europa e, particularmente, a Itália viveram uma
verdadeira revolução cultural que conseguiu libertar o homem da opressão
religiosa e de uma sociedade coletivamente condicionada por excessivos
regulamentos e por uma divisão social corporativa (Blockmans;
Hoppenbrouwers, 2012, p. 4-5). Ademais, estabeleceram-se as demarcações
entre as disciplinas de História Medieval e História Moderna, com a primeira
terminando num cenário de crise generalizada, expressa na tríade guerra-fome-
peste, e a segunda iniciada com o alvorecer do Renascimento, definida pela
descoberta do mundo e do homem, como sugeriu Michelet.
Por fim, insere-se uma terceira dimensão por vezes desconsiderada ao
se tratar da institucionalização da história: a construção e a organização do
currículo acadêmico/escolar. Foi ao longo do século XIX que, em termos gerais,
a organização da escolarização se estruturou (Chervel, 1990), favorecendo a
promoção dos livros didáticos e a instrução pública oferecida pelo Estado, o que
contribui para que a escola ganhasse destaque como local onde era possível
ensinar tudo a todos ao mesmo tempo. Paralelamente, a disciplina de História
se institucionalizou nas universidades europeias e seu ensino se difundiu pelos
sistemas escolares criados pelos Estados nacionais. O Estado imperial brasileiro
se integrou a esse movimento a fim de reafirmar suas raízes ocidentais,
adotando o modelo curricular francês. Circe Bittencourt, ao investigar o saber
histórico escolar no Colégio Pedro II, o primeiro colégio público brasileiro de
ensino secundário, demonstra que, em 1837, a História tornou-se obrigatória e,
com as propostas curriculares de 1855 e 1857, a História da Idade Média
começou a figurar como obrigatória ao lado da História Antiga, da História
Moderna e da História do Brasil (Bittencourt, 2008, p. 99-111).
Até o momento, buscou-se apresentar a construção do conceito de Idade
Média, demonstrando a gradativa evolução do termo como instrumento de
periodização desde o século XIV, as acepções negativas que ele carregou,
tornando-se contraponto da sociedade burguesa e as múltiplas tendências
abertas pelo século XIX, ora numa perspectiva identitária, ora num olhar
nostálgico e valorativo, ou apenas na institucionalização acadêmica e escolar do
período. Em seguida, serão abordadas as reorientações do conhecimento sobre
a Idade Média no século XX.
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TEMA 3 – AS MÚLTIPLAS IDADES MÉDIAS DO SÉCULO XX
Fonte: Hi-Story/Alamy/Fotoarena.
Frente à imagem de uma obscura Idade Média (vista como a Idade das
Trevas) e à de uma Idade Média idealizada e nacionalista, em meados do século
passado a historiografia viu surgir uma nova compreensão de Idade Média. Sem
desconsiderar a importância de Marc Bloch (1886-1944), de outros medievalistas
da primeira metade do século XX, bem como de outras escolas historiográficas,
pode-se afirmar que foi a terceira geração dos Annales, com Jacques Le Goff
(1924-2014), Georges Duby (1919-1996), Emmanuel Le Roy Ladurie (1919-),
entre outros, que alçou o medievo a novos rumos e à vanguarda da historiografia.
Para um novo conceito de Idade Média é o título da emblemática
coletânea de Le Goff, publicada em 1977, e serve de exemplo das novas
perspectivas dos estudos medievais no período. Ela foi produzida num contexto
de efervescência de novos problemas e métodos, de alargamento da noção de
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documento, ou seja, de mutações no fazer historiográfico, resultando num
movimento de redefinição dos estudos medievais que ultrapassou as fronteiras
da França e influenciou diferentes historiografias, entre elas a brasileira. O novo
conceito de Idade Média proposto por Le Goff caracterizou-se, por exemplo, pela
abordagem transdisciplinar e de uma concepção de longa duração do Ocidente
medieval, pela história das mentalidades e pelo destaque de temáticas como os
rituais, os gestos e o folclore. De acordo com Le Goff (1980, p. 12):
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feudalismo e violência; a reconsideração das fontes literárias medievais por meio
da História Cultural e estudos linguísticos; a História Global do medievo,
articulando Europa, Ásia e Oriente Médio; e uma história conectada do
Mediterrâneo medieval, abordagem que integra cristãos, judeus e muçulmanos.
Ao longo do século XX, a Idade Média deixou de ser apenas uma
ferramenta acadêmica para se tornar objeto de curiosidade e interesse da cultura
popular e dos meios de comunicação em massa. Ao passo que a história não
mais se produz somente no mundo acadêmico e nos livros impressos, evidencia-
se que as plataformas digitais, assim como outras mídias mais antigas, como o
cinema e os jogos eletrônicos, subverteram as bases da produção e circulação
das narrativas sobre o passado. Assim, pode-se dizer que cada vez mais e mais
pessoas estão usando as diferentes mídias para acionar o passado e construir
outros tipos de discursos históricos, narrativas e saberes que, por vezes,
afastam-se do que a academia compreende como mais correto ou verossímil
acerca de determinado acontecimento ou sociedade passada. Para finalizar
esse panorama sobre a Idade Média no mundo contemporâneo, convém refletir
agora sobre o medievalismo, um vasto campo de estudos empenhado em
investigar as apropriações, interpretações e ressignificações da cultura medieval
em épocas posteriores à Idade Média.
TEMA 4 – O MEDIEVALISMO
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Paralelamente ao destaque da violência, Game of Thrones reafirma a
ideia da Idade Média como uma cultura branca uniforme, um dos equívocos mais
enraizados acerca do medievo. Segundo Helen Yong (2017), “a ideia de que a
“Idade Média real” foi um período marcadamente branco tem mais a ver com
fantasias modernas sobre pureza racial do que com a realidade histórica”. As
representações de uma sociedade medieval patriarcal, branca e deveras violenta
não são um entretenimento inofensivo ou um modismo; pelo contrário, tais
representações estabelecem laços forte com a ação política concreta. Elas têm
sido utilizadas por grupos conservadores autoritários e supremacistas raciais ao
longo do século XX e XXI, que costumam fazer do medievo o seu referencial
identitário, nostálgico e instrumento de autorrepresentação (Falconieri, 2015, p.
16). A partir de tais aportes, a Idade Média de Game of Thrones revela novas
dimensões a fim de problematizar os usos do passado medieval na
contemporaneidade, usos que extrapolam o entretenimento e ganham força na
agenda política internacional, demonstrando a atualidade e a relevância do
campo de estudos do medievalismo.
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regionais, a Idade Média teria início no fim do I milênio, numa sociedade
mediterrânica profundamente reestruturada pela afirmação do cristianismo.
Diferentes autores têm criticado as perspectivas de continuidade histórica
do conceito de Antiguidade Tardia, enfatizando que nessa leitura culturalista as
rupturas são minimizadas e as estruturas políticas, econômicas e sociais
ganham pouca importância. Esse movimento pode ser representado pela obra
de Andrea Giardina (1949-), que reinterpreta a questão da crise romana,
dissociando as noções de crise e declínio, e dos estudos de Chris Wickham
(1950-). Em O legado de Roma, Wickham apresenta uma nova leitura sobre a
passagem do mundo antigo para a Idade Média, questionando tanto a lógica da
ruptura como a da continuidade. Com base em documentos escritos e em fontes
arqueológicas, o autor evidencia a desaceleração da economia mediterrânica e
o recuo da vida material entre os séculos V e VII, elementos considerados
indícios da passagem da Antiguidade ao medievo (Wickham, 2019).
Esses diferentes olhares historiográficos permitem perceber as variadas
formas de interpretar o fim do mundo antigo e o início da Idade Média. Visa-se
demonstrar a complexidade presente na seleção de marcos delimitadores e
reforçar que o historiador deve estar consciente das escolhas que faz. Portanto,
atualmente, muitas são as demarcações possíveis da passagem da Antiguidade
para o medievo, cada uma delas remetendo a determinada posição
historiográfica ou escolha de abordagem: os séculos II e III, entre o reinado de
Marco Aurélio (161-180) e Dioclesiano (284-305), que expressam a crise do
sistema produtivo romano; o século III e IV, com a institucionalização do
cristianismo no Império; o século V, com o fim do Império Romano do Ocidente;
os séculos VII e VIII, com a expansão do Islã no mediterrâneo; ou ainda o século
IX, com a organização e desestruturação do Império Carolíngio.
Como é possível deduzir, o fim da Idade Média também é objeto de
inúmeras controvérsias. Desde o século XVII, a perspectiva político-institucional
se impôs, resultando na ideia de que o medievo terminou em 1453, com a queda
do Império Romano do Oriente (Bizâncio) para os turco-otomanos. Assim, o
medievo seria o milênio entre o declínio de Roma, no século V, e a ruína de
Bizâncio, no século XV. Ademais, como indicado antes, ao passo que a noção
de Idade Média se constituiu como contraponto ao mundo moderno e,
posteriormente, à sociedade burguesa-capitalista, o fim do medievo foi
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interpretado pelo viés de uma crise generalizada, o “outono medieval”
celebrizado na obra de Johan Huizinga (1872-1945).
Paralelamente a essa perspectiva de um declínio medieval que seria
superado pelo Renascimento, as leituras econômico-sociais propuseram outra
dimensão negativa para o fim do medievo: a crise do feudalismo. Nessa via, o
final da Idade Média relaciona-se ao momento em que o capitalismo começou a
dar os seus primeiros sinais, as cidades italianas do século XIII com o capitalismo
comercial, e os séculos XIV e XV marcariam o início da transição do feudalismo
para o capitalismo.
A compreensão de permanências entre o século XV e o século XVIII
também aparece em estudos sobre o Estado e suas bases jurídicas e
institucionais. António Manuel Hespanha (1945-2019), por exemplo, defendeu a
continuidade das estruturas políticas entre os séculos XIII e XVIII, reivindicando
o pluralismo político e a manutenção de uma sociedade corporativa no Antigo
Regime. Por outro lado, Perry Anderson, um dos expoentes da historiografia
marxista, argumenta em Linhagens do Estado Absolutista (1995) que o final da
Idade Média estaria relacionado ao surgimento do Absolutismo, que deve ser
visto como um arranjo de forças entre a nobreza e a burguesia em um momento
de transição do feudalismo para o capitalismo.
Por fim, temos a noção de “longa Idade Média”, cunhada por Jacques Le
Goff. Insistindo que o Renascimento do século XVI representou mais um dos
renascimentos pelos quais a Idade Média passou — como o renascimento
carolíngio no século IX e o renascimento do século XII —, e não uma ruptura, Le
Goff propôs que apenas no fim do século XVIII, com a dupla revolução (a
industrial e a de queda do Absolutismo), a Idade Média terminou. Alain Guerreau
e Jérôme Baschet aprofundaram tais argumentos, acrescentando que as bases
da sociedade feudal (religião e economia rural) se prolongaram para além dos
marcos espaço-temporais da Idade Média, alcançando as Américas coloniais.
Desse modo, tal como ocorre para o início da Idade Média, o final do
período comporta diferentes demarcações. Concentrando-se nos séculos XV e
XVI, pode-se usar a queda de Constantinopla, em 1453, como marco; o ano de
1492, tanto pela derrota do reino de Granada para os Reis Católicos, como pela
chegada de Cristóvão Colombo às Américas; ou a primeira metade do século
XVI, com as Reformas protestante e católica, que romperam a unidade da
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cristandade latina. Novamente, a escolha pelos marcos temporais é uma
ferramenta carregada de sentidos que cabe ao historiador manusear.
Para finalizar o presente tema, cabe brevemente apresentar as
periodizações internas do período medieval, sobretudo em sua experiência
europeia. Tais divisões variam conforme as tradições historiográficas e, no
Brasil, usam-se geralmente duas. A primeira delas define duas Idades Médias:
a Alta Idade Média (séculos V-IX) e a Baixa Idade Média (séculos X-XV). Essa
proposta ainda persiste em muitos manuais escolares, porém é pouco usual no
meio acadêmico. Assumindo as referências da escola historiográfica francesa,
comumente divide-se o medievo em três etapas: a Alta Idade Média (séculos V-
IX), a Idade Média Central (séculos X-XIII) e a Baixa Idade Média (séculos XIV-
XV). Tal divisão permite o estabelecimento de maiores nuances entre os
períodos, ampliando sensivelmente a diversidade interna do milênio medieval.
No entanto, convém ter em vista que tais periodizações não são neutras,
expressam um desprezo dentro da própria Idade Média (a Alta Idade Média é
vista ainda como uma “Idade das Trevas”, em comparação cm o esplendor do
renascimento das cidades e do comércio do medievo central). Ademais, ainda
que nossa discussão se centre no Ocidente, devemos compreender a amplitude
da sociedade medieval mediterrânea — que articula a sociedade muçulmana da
Península Ibérica, do norte da África, da Península Arábica, a sociedade
bizantina (cristãos orientais) — e a diversidade de experiências medievais na
própria Europa, com diferentes núcleos regionais marcados por suas próprias
particularidades, como a Península Ibérica, a Escandinávia, a Península Itálica,
a Europa central e o leste europeu.
NA PRÁTICA
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Você consegue compreender agora como diferentes olhares e contextos
históricos influenciam as concepções sobre as variadas épocas históricas?
FINALIZANDO
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REFERÊNCIAS
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LE GOFF, J. A história deve ser dividida em pedaços? São Paulo: Unesp,
2015.
LYNCH, A. Medievalism and the ideology of war. In: D’ARCENS, L. (Ed.). The
Cambridge companion to medievalism. Cambridge: Cambridge University,
2016.
YONG, H. Where do the “White Middle Ages” come from? The Public
Medievalist, 21 mar. 2017.
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HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA
MEDIEVAL OCIDENTAL
AULA 2
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• A grega, que legou à Idade Média o humanismo e a ideia do herói sobre-
humano que, cristianizado, muta-se na figura do mártir e do santo.
• A bíblica, que consistiu na base do saber, da memória e de um vasto
conjunto de referências sobre a política, a economia, o corpo, o porvir etc.
• E a romana, indicada na citação do começo deste tema.
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introduzindo entre o indivíduo, a família e a cidade, isto é, modificando
profundamente a cultura cívica da cidade antiga (Brown, 2009).
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Partindo do questionamento das fontes romanas que descreveram a
história dos povos bárbaros, com as obras de Tácito (c. 56 – c. 117), Amiano
Marcelino (c. 331 – c. 391) e Procópio de Cesareia (c. 500 – c. 565), a
historiografia tem indicado as limitações dessas narrativas consideradas
etnocêntricas, isto é, que explicaram os bárbaros com base nas categorias da
sociedade romana, pagã ou cristã. Além disso, os estudos têm demonstrado que
a menção aos grupos bárbaros como “povo” ou “tribo” numa acepção moderna
é problemática, visto que são traduções imprecisas dos termos antigos nationes,
gentes, populi e ethnoi (Blockmans; Hoppenbrouwers, 2012).
Essa última questão remete ao problema da atribuição de uma identidade
étnica aos bárbaros. A identificação de determinado grupo como godo,
lombardo, suevo etc., decorre, em geral, das fontes textuais romanas, gregas e
cristãs, etnocêntricas em seus comentários, e dos vestígios materiais, elementos
que dificultam a definição étnica desses grupos, pois não existe objeto
etnicamente inequívoco. Tradicionalmente, os bárbaros foram encarados como
unidades populacionais culturalmente homogêneas, com uma mesma
ancestralidade, costumes, língua e local de origem. Essa perspectiva pode ser
vista no mapa a seguir (Figura 1), representação comumente encontrada em
atlas históricos e livros acadêmicos e didáticos sobre o período do Baixo Império.
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Justiniano. Houve também reinos menores que se desenvolveram sob relações
de dependência com outros reinos, como o caso dos alamanos, bávaros e
turíngios, que gravitavam em torno da realeza dos francos.
A partir do século VII, são observadas mudanças importantes no cenário
político europeu. Uma das mais significativas foi a afirmação do reino dos
francos. Nele, ocorre também a lenta afirmação patrimonial e militar da família
dos pepênidas, grupos vindos da região da Austrásia e que passaram a exercer
uma espécie de tutela sob os reis da dinastia dos merovíngios. Foram esses
maiores domus (“prefeitos do palácio”) que conduziram a reestruturação da
monarquia franca, em especial com Pepino de Landen, o Velho (c 580 – 640) e
Carlos Martel (c 690 – 741), celebrizado pela vitória contra os muçulmanos na
Batalha de Poitiers, em 732.
A transição dinástica completou-se em meados do século VIII, quando
Pepino, o Breve (714 – 768), depôs o último rei merovíngio, fundando a dinastia
dos carolíngios. Nesse contexto, em 754, foi estabelecida uma aliança entre a
monarquia dos francos e o papado a fim de garantir a defesa da Igreja contra as
investidas lombardas.
Esse acordo foi fundamental para a história do Ocidente medieval, pois,
por meio dele, Pepino foi legitimado por Roma e a realeza franca passou a
receber a unção, à maneira dos reis do Antigo Testamento, elemento que
conferiu sacralidade à monarquia dos francos. Ademais, decorre dessa aliança,
já sob o reinado de Carlos Magno (768 – 814), a expressiva expansão territorial
dos francos e a reunificação de parte considerável do antigo Império Romano do
Ocidente – com a Gália, a Itália, a Renânia e a Germânia sob uma única
autoridade; assim como o restabelecimento da unidade imperial, posto que, em
800, Carlos Magno foi coroado Imperador pelo papa.
Para o papado, a aliança com os francos foi igualmente decisiva por
permitir o rompimento dos laços com o imperador romano em Constantinopla,
permitindo a Roma afirmar-se como um verdadeiro poder no Ocidente, cada vez
mais compreendido como a Cristandade latina, isto é, uma unidade política e
religiosa que reunia os cristãos católicos sob a autoridade do Império e de Roma
(Baschet, 2006).
Por fim, outro elemento que impactou o cenário europeu no século VIII foi
a expansão islâmica. Mesmo fora do escopo da nossa disciplina, convém
destacar que, após a conquista de Meca por Maomé, em 630, os sucessores do
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profeta empreenderam uma rápida expansão do islã pela Arábia e, no século VII,
o poder dos califas já alcançava o Egito, a Pérsia e o norte da África. Dessa
presença no Magreb, em 711, tropas muçulmanas avançaram sobre a Península
Ibérica e, em menos de uma década, conquistaram o reino dos visigodos.
Esse panorama da Europa entre os séculos VII e IX fecha um amplo
quadro histórico que agrega o processo de estabelecimento dos bárbaros no
mundo romano e a formação dos reinos medievais. No cenário do século VIII em
diante, a antiga região do Império Romano do Ocidente já havia passado por
uma mutação profunda. Até o momento, concentramos a atenção nas mudanças
políticas, expressas na divisão da Europa em diferentes reinos cristãos e,
sobretudo, no restabelecimento do poder imperial com os carolíngios. É chegada
a hora de tratarmos de outro processo crucial para tal mutação: a ascensão do
cristianismo no Ocidente.
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3) a ascese (disciplina/autocontrole) moral e sexual, assim como o ideal de
virgindade, que foram adotados como valores dento da comunidade.
O lugar de culto havia migrado das casas dos cristãos para a ecclesia
(“Igreja”), em geral uma basílica elevada sobre antigos lugares de culto pagão,
dividida por naves, com local elevado para o sacerdote e acompanhada de um
martyrium – onde se conservavam as relíquias cristãs – e de um batistério (local
para o bastismo).
Ademais, o século IV marca o término do período das perseguições,
sendo marcantes nesse processo o édito de Tolerância (311), de Galério, que
cessou as perseguições, o édito de Milão (313), de Constantino, que concedeu
aos cristãos liberdade de culto, restituição de bens confiscados e igualdade de
direitos com os pagãos, e o édito de Tessalônica (380), de Teodósio, que
instituiu o cristianismo como religião de Estado e interditou os cultos pagãos
(Baumgartner, 2002; Elber; Markschies, 2012).
Esse amplo panorama é útil para compreendermos como no contexto do
fim do Império Romano do Ocidente a Igreja aparece como uma comunidade
coesa, adaptada ao mundo romano e, como sugerido por Peter Brown (2009),
em plenas condições de deixar a sua posição periférica e assumir o papel de
principal herdeira do Império. Cabe então tratarmos da institucionalização da
Igreja e estruturação da doutrina cristã no período.
Desde os éditos de Milão e Tessalônica, o número de cristãos no Império
Romano cresceu acentuadamente, espalhando-se pela Europa, pela África e
Ásia Menor. Estima-se, por exemplo, que de 10 a 20% da população total do
Império, no início do século IV, cerca de 33 milhões de pessoas, os cristãos
passaram a representar 50% no início do século V.
Esse aumento de adeptos foi acompanhado pelo significativo acúmulo de
riquezas, garantindo a afirmação do poder econômico e fundiário das
comunidades cristãs. Tais bens advinham das crescentes doações do Estado e
de particulares, das isenções fiscais, das oferendas pelo ofício dos mortos, dos
dízimos pagos pelas classes mais baixas e pelos bens apropriados dos
santuários pagãos, afinal, uma vez institucionalizada, a Igreja cristã deixou de
ser uma seita perseguida para assumir a posição de perseguidora.
A riqueza da Igreja foi fundamental para a afirmação das autoridades
cristãs na sociedade medieval, tanto pelo fato desses bens estarem divididos
pelas diferentes instituições cristãs, como mosteiros, bispados, paróquias etc., e
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não concentrados nas mãos dos patriarcas ou do papa, quanto pela relação das
autoridades eclesiásticas com as massas pauperizadas, marginais e excluídas
do mundo romano, que passam a ser parcialmente atendidas pela caridade
cristã, manifesta, por exemplo, na distribuição de alimentos e no cuidado com os
pobres, doentes, viúvas e órfãos (Blockmans, Hoppenbrouwers, 2012).
Para finalizar o tema da institucionalização do cristianismo, a questão dos
bispos merece uma atenção pormenorizada. Em termos de poder e vínculo com
a comunidade, nota-se que, ao menos desde o século II, eles exerciam
autoridade sobre a comunidade cristã, sendo os responsáveis pela condução
dos ritos.
Nesse período, a comunidade era a única responsável pela eleição dos
bispos, cabendo aos pares a ordenação. Um cenário bastante distinto apresenta-
se no século IV, com a institucionalização eclesiástica, o crescimento da
comunidade cristã e a hierarquização de funções do clero. O poder episcopal
altera-se significativamente, com os bispos sendo costumeiramente impostos
pelas autoridades imperiais ou escolhidos pelos pares, cabendo à comunidade
somente a aclamação. Em geral, a seleção dos bispos ocorreu junto a famílias
da elite romana, o que fortaleceu o movimento de aristocratização da Igreja.
Paralelamente, os bispos de uma mesma região passam a agrupar-se em
torno de um metropolita, bispo de uma capital das províncias romanas que
exerce cada vez mais um papel de destaque sobre as comunidades menores e
convoca sínodos para a discussão de questões teológicas e disciplinares
(origem do arcebispado).
Nesse processo, ao menos desde o Concílio de Niceia (325),
prerrogativas especiais são reconhecidas aos bispos de Roma, Constantinopla
e Alexandria, designados como patriarcas. O bispo de Roma, chamado também
de pontifex, destacava-se pela importância política e cultura da cidade e,
gradativamente, assumiu maior independência dos demais patriarcas e afirmou
sua autoridade moral sobre a Igreja na Europa, as bases da chamada primazia
romana (Baumgartner, 2002).
Pelos elementos expostos, compreende-se que os bispos exerceram um
papel-chave na transição do mundo clássico para a sociedade medieval. Eles
eram responsáveis pela preservação da ortodoxia e das práticas religiosas;
garantiam a aplicação das regras e ordens da Igreja; tinham autoridade para
interpretar as escrituras e a doutrina cristã, por vezes, deixando escritos que
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passavam a constituir essa mesma doutrina; supervisionavam outros clérigos
adscritos dentro dos domínios da diocese; administravam as propriedades do
bispado; exerciam a justiça eclesiástica; e ordenavam outros clérigos. Ademais,
o poder episcopal se manifestava fora dos domínios da Igreja e, a partir do século
V, os bispos assumem o papel de principais autoridades urbanas, atuando
ativamente nas questões econômicas, jurídicas e militares.
Tal como a estrutura institucional e a hierarquia eclesiástica, a doutrina
cristã estava instituída nos séculos IV e V. Nesse período, a base doutrinária da
Igreja estabelecia-se em diferentes pilares: nos evangelhos e escritos paulinos,
coligidos desde a passagem do século I para o II; no texto bíblico do Antigo e
Novo Testamentos traduzidos para o latim, conhecido como Vulgata de São
Jerônimo; nas orientações e cânones dos sínodos e, a partir do quarto século,
dos Concílios; e nos escritos dos padres apologistas (como Clemente de
Alexandria, Santo Hipólito de Roma e São Justino) e da patrística (Santo
Ambrósio de Milão, São Jerônimo e Santo Agostinho de Hipona).
Não obstante, a amplitude do mundo cristão potencializava divergências
entre as comunidades, as quais, por vezes, acentuavam a diversidade regional
do cristianismo (Taylor, 2000). Nesse cenário, ao passo que determinados
dogmas foram aceitos, eles tornaram-se invioláveis e compuseram a ortodoxia,
isto é, a doutrina cristã oficial. Consequentemente, outras doutrinas, escritos –
como os evangelhos não canônicos – e práticas não acomodadas na instituição
eclesiástica, foram rejeitadas e consideradas heréticas. Destarte, a heresia
distingue-se do paganismo, pois o herege é um cristão que resiste ao dogma
adotando práticas ou doutrinas condenadas pela Igreja.
A história do cristianismo foi marcada por inúmeras heresias e, no primeiro
milênio, os principais temas de cisão foram a natureza de Cristo e a Trindade,
ou seja, a discussão sobre a unidade, igualdade ou subordinação do Filho em
relação ao Pai e, noutra fase de disputas teológicas, do Espírito Santo em
relação ao Pai e ao Filho.
As chamadas heresias cristológicas (Quadro 1) demonstram que
diferentes questões teológicas afligiam os meios intelectuais cristãos,
sustentando divisões e rivalidades entre os cristianismos regionais.
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Quadro 1 – Heresias cristológicas e ortodoxia cristã (sécs. IV – VII)
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Em geral, o cristianismo atingiu o conjunto da população da Cristandade
mais lentamente do que as elites, cristianização caracterizada por uma
demonstração de fé mais exterior, com os ritos, celebrações e práticas públicas,
do que interiorizada, algo que, segundo a historiografia, teria ocorrido apenas a
partir do século XIII ou no contexto das Reformas do século XVI.
Para essa cristianização institucionalizada da Europa, como sugerimos, a
conversão dos reis bárbaros foi fundamental, posto que o ato régio
frequentemente determinava a conversão de todos os guerreiros dependentes
ao senhor. Destarte, tratava-se geralmente de uma conversão coletiva
atravessada pelos laços de clientela, não de um ato individual de fé. Esse modelo
de conversão régia e das elites repetiu-se com frequência em diferentes partes
da Europa, sendo emblemáticos os relatos da conversão dos francos, narrada
por Gregório de Tours, e dos visigodos, descrita por João de Biclara.
Cabe, para finalizarmos nossa aula, atentar às estratégias de conversão
mobilizadas no processo de disseminação do cristianismo no Ocidente. Muitas
delas foram citadas nas páginas anteriores, como a conversão das realezas
bárbaras e, consequentemente, das elites locais; e o combate às práticas
cultuais pré-cristãs, com a destruição de ídolos, rituais de exorcismo e a
construção de igrejas sobre locais de culto pagãos.
Acrescenta-se ainda a gradativa conformação do sincretismo religioso,
isto é, a fusão de elementos religiosos cristãos e pagãos, exemplificado nas
procissões que substituíram rituais pagãos, pela incorporação de festas agrárias
locais e regionais no calendário cristão, geralmente voltadas à celebração de um
santo e pela ampla mobilização de elementos mágicos, como as relíquias,
amuletos e água benta.
NA PRÁTICA
18
REFERÊNCIAS
FINN, T. Mission and expansion. In: ESLER, P. (Ed.). The Early Christian
World. London and New York: Routledge, 2000. v. 1-2.
KOTTJE, R. A Igreja ocidental rumo a uma nova unidade exterior e interior. In:
KAUFMANN, T. et al (Org.). História Ecumênica da Igreja 1: dos primórdios até
a Idade Média. São Paulo: Edições Loyola; São Leopoldo: Editora Sinodal, 2012.
19
_____. As raízes medievais da Europa. Petrópolis: Vozes, 2007.
POHL, W. El concepto de etnia en los estudios de la Alta Edad Media. In: LITTLE,
L. K.; ROSENWEIN, B. H. (Ed.). La Edad Media a debate. Madrid: Akal, 2003.
TAYLOR, D. Christian regional diversity. In: ESLER, P. (Ed). The Early Christian
World. London and New York: Routledge, 2000. v. 1-2.
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HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA
MEDIEVAL OCIDENTAL
AULA 3
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TEMA 1 – O FEUDALISMO
3
François-Louis Ganshof (1895-1980), na qual o autor define o feudalismo como
o conjunto de instituições que criam e regulam obrigações de obediência e de
serviço e obrigações de proteção e de sustento da parte de um senhor para com
o seu vassalo, colocando a ênfase no estudo das relações feudo-vassálicas e
suas instituições; a segunda é o já citado livro de Marc Bloch, A sociedade feudal
(1939), que visou romper com o uso “estritamente jurídico” que identificava o
feudalismo como o conjunto de relações específicas no interior da nobreza,
propondo que o termo caracterizava o conjunto da sociedade medieval. Em
Bloch, numa abordagem interdisciplinar, o feudalismo representa um tipo de
sociedade fundada em laços de proteção e obediência, isto é, em reciprocidades.
Ao longo das décadas seguintes a senda aberta por Bloch foi explorada e
o debate sobre o feudalismo concentrou-se na produção do medievalista
Georges Duby (1919-1996). A partir das investigações sobre a região francesa
do Mâccon entre os séculos IX e XII, o autor observou alguns elementos que
dariam o tom de sua produção: a multiplicação dos castelos, o desenvolvimento
da cavalaria e, principalmente, a configuração do senhorio banal. Em inícios dos
anos 60, Duby se concentrou no estudo do espaço rural, dando destaque para o
processo de estruturação e crise do sistema senhorial e, no livro O Ano Mil
(1967), definiu o momento da ruptura que deu início ao feudalismo, período
marcado pela violência, pelo surgimento e ascensão da cavalaria e pela
senhorialização do poder. Outro aspecto relevante da obra é a importância dada
aos mecanismos mentais ligados à vivência do milênio, movimento expresso na
Paz de Deus1 e nas Cruzadas. Gradativamente, Duby consolidou sua visão
sobre o período, definindo o que chamou de “revolução feudal”, expressão que
simboliza a transformação inaugurada pelo feudalismo e que aparece no
clássico As três ordens ou o imaginário do feudalismo (1978). Em síntese, em
Duby existe uma ênfase maior no político (dissolução do poder monárquico e
desenvolvimento das relações de dependência) em relação às mudanças sociais
e culturais e alguns elementos-chave podem ser observados: a decomposição
do Estado carolíngio; o nascimento do senhorio banal; a formação da cavalaria;
1
A Paz de Deus e a Trégua de Deus foram movimentos incentivados pela Igreja para a limitação
da violência guerreira na Europa da Idade Média Central. A Paz de Deus consistiu em várias
assembleias que objetivavam proteger indivíduos, grupos, locais e bens dos que não guerreavam
e não portavam armas (religiosos, camponeses, trabalhadores). Já a Trégua de Deus previa a
suspensão dos conflitos durante os períodos litúrgicos (Silva, 2019, p. 54).
3
a recomposição da sociedade segundo o modelo de três ordens (clero, nobreza,
camponeses); e a uniformização do status do campesinato, entre servos e livres.
A chamada tese “mutacionista” e globalizante do sistema feudal, que
abarca os trabalhos de Bloch e Duby, encontra-se enraizada na historiografia
internacional e orienta a maior parte dos manuais gerais sobre Idade Média
disponíveis em língua portuguesa. Contudo, esse modelo foi amplamente
revisado a partir da década de 1990. Tal crítica historiográfica se expressa, por
exemplo, no trabalho de Dominique Barthélemy (1953-), em especial no artigo
“La mutation féodale a-t-elle eu lieu?” (“A mutação feudal aconteceu?”) (1992),
que defende que a ênfase na crise das instituições públicas, na violência
generalizada e nas mudanças sociais no seio da aristocracia, é apenas um
modelo de compreensão, sendo necessário superar a ideia de ruptura no Ano
Mil. O autor argumenta que as transformações não configuram uma “revolução
feudal” como defende o modelo mutacionista e os trabalhos de Duby, antes
devemos pensar em ajustamentos sucessivos, sendo as estruturas institucionais
e sociais formas de dependência redesenhadas entre os séculos IX e XI.
Com base nos elementos que expusemos, observamos que ao longo do
século XX o debate acerca do feudalismo concentrou-se, sobretudo, no meio
acadêmico francês, dividindo as investigações entre leituras mutacionistas e
antimutacionistas. No entanto, críticas surgidas em historiografias de diferentes
países reacenderam as discussões em finais do século, sendo um dos principais
exemplos, a obra Fiéis e Vassalos (1994), de Susan Reynolds (1929-), na qual
a autora critica o conceito de Feudalismo como fenômeno único e geral do
medievo europeu, argumentando que ele é uma construção da cultura histórica
francesa pautada nas monografias regionais que tem gerado perspectivas
distorcidas e generalizantes sobre a Idade Média. As críticas de Reynolds, por
mais que não tenham criado consensos historiográficos, contribuíram para o
esvaziamento do Feudalismo como modelo explicativo geral para compreensão
da Idade Média e os recentes balanços sobre a temática evidenciam as
diferentes e divergentes leituras da historiografia nos últimos anos,
interpretações cada vez menos afeitas a generalizações do termo feudal como
caracterizador da sociedade medieval (Abels, 2009; Améndolla Spínola, 2019).
Nesse cenário, observam-se atualmente novas tendências nos estudos
medievais, por um lado, o retorno ao uso restritivo da noção de “feudalismo” para
tratar das relações de vassalagem; por outro, o deslocamento da ênfase nas
3
relações feudo-vassálicas para o foco na noção de “dominação senhorial”. Cada
vez mais deixa-se de falar da Idade Média como uma “sociedade feudal” para
caracterizar o período como uma “sociedade senhorial”, fundada no domínio
social de uma elite militar de senhores de terra sobre um amplo conjunto de
camponeses, livres e não livres, e trabalhadores urbanos. Do mesmo modo,
afasta-se a ideia de crise generalizada da autoridade pública somada à
pulverização do poder entre os nobres e da irrupção da violência cavaleiresca (a
“Anarquia feudal”), para concentrar a análise na fixação espacial da dominação
aristocrática da Idade Média Central (a partir do século X) (Morsel, 2008).
3
Figura 1 – Castelos da Idade Média Central (França, séculos XI-XII). À esquerda,
reconstrução do castelo de Saint Sylvain d’Anjou, na França, edifício em madeira
dos séculos XI e XII. À direita, torre (donjon) de Houdan, França, fortificação do
século XII
3
disseminação da autoridade e da promoção dos principados e do poder dos
senhores.
A afirmação da dominação senhorial no contexto da Idade Média Central
provocou mudanças consideráveis na extração do excedente agrícola, com as
corveias2 sendo substituídas por pagamentos de taxas anuais e outros
pagamentos em dinheiro, e na exploração da terra, cada vez mais realizada por
meio do arrendamento hereditário ou de curto prazo. Alterou-se ainda a própria
composição da aristocracia, que passa a ser definida pela convergência de dois
grupos distintos, a aristocracia romano-germânica e os milites – grupos de
guerreiros armados recrutados pelos senhores entre as principais famílias locais
e responsáveis pela defesa dos castelos e pela implementação da face coercitiva
da dominação senhorial –, e pelo sangue, manifesto na exaltação das linhagens
e na incorporação do sobrenome aos membros da aristocracia.
As relações internas dessa elite fundiária e militar estruturam-se,
progressivamente, em torno das relações vassálicas, vínculo que estabelecia
obrigações recíprocas entre senhores e vassalos, orientando aqueles à proteção
e distribuição de benefícios, bens imobiliários ou rendas, ou seja, de feudos; e
os dependentes à fidelidade e a prestação de serviços e apoio militar e
financeiro. A vassalidade era também acompanhada por uma série de outros
laços, como pactos de amizade (amicitia), aliança e juramentos de fidelidade,
que ampliavam a solidariedade e a distribuição de poder entre a aristocracia.
No período estudado, o estabelecimento do vínculo de vassalagem
passou a envolver uma dimensão ritualística, a homenagem. Essa era composta
pela expressão verbal (a declaração de fidelidade pelo vassalo ao senhor) e
performática (o ajoelhar, a colocação das mãos juntas entre as do senhor, o
juramento sobre os Evangelhos e, em alguns casos, no beijo – ósculo - entre os
envolvidos) do suserano e do vassalo e pela distribuição de um objeto simbólico
que representava a investidura do feudo propriamente dito.
Não obstante, como temos assinalado desde o início deste texto, convém
não sobrevalorizar a vassalidade como principal relação social da sociedade
medieval. Ela engajava uma proporção reduzida da população, as elites
aristocráticas, algo em torno de 2% do conjunto da sociedade. Deste modo,
como sugere Alain Guerreau (2012), é preferível acentuar a relação de dominium
2
Pagamento em serviço nas terras do senhor.
3
estabelecida em torno do senhorio como característica central do período, posto
que tal categoria constituída pela simultaneidade e unidade da dominação sobre
homens e terras, abarcava segmentos mais vastos da sociedade medieval.
3
hierarquias entre a nobreza. Assim, nem todos os cavaleiros possuíam castelos
e direitos senhoriais de comandar, punir e explorar, pelo contrário, a maioria vivia
em pequenas propriedades numa condição de existência “semicamponesa” e na
dependência de senhores (Duby, 1994). Nesse contexto, compreende-se a
mobilização constante das milícias de guerreiros nas guerras travadas dentro da
Cristandade, seja como vassalos ou como tropas mercenárias, e nas grandes
campanhas militares nas fronteiras do mundo cristão, assim como a inclinação
dos cavaleiros para uma vida errante, em busca de ascensão social.
Essa conformação de uma sociedade cavaleiresca fomentou o
desenvolvimento de códigos de valores específicos, como a proeza, o vigor
físico, a coragem, a lealdade, a honra, a fidelidade. Valorizava-se nessa
sociedade, portanto, elementos que eram associados a uma masculinidade viril.
Em torno de todos esses valores, afirmou-se uma ética e cultura da nobreza
cortesã, caracterizada pelo controle das tensões e pelo amor cortês, assim como
floresceu a literatura de gesta e os romances de cavalaria. Nesse conjunto, por
exemplo, destaca-se a Matéria da Bretanha, com histórias sobre o rei Arthur e a
demanda do Santo Graal (o cálice sagrado da última ceia de Cristo) temas que
permanecem mobilizando o interesse da indústria cultural na atualidade.
Não obstante, essa cultura leiga da vida cavaleiresca não passou
despercebida pelos meios clericais. Assim, ao menos desde o século X,
acompanhou-se a implementação por parte da Igreja de um amplo movimento
de cristianização e disciplinamento do ethos (modo de ser) cavaleiresco por meio
da noção de miles Christi (“guerreiro de Cristo”), referência usada na convocação
dos cavaleiros para as guerras santas travadas a partir dos séculos XI e XII,
como as Cruzadas na Palestina e na Península Ibérica. Decorrem ainda desse
movimento, por exemplo, o ritual cristão de adubamento, acompanhado de
vigílias e orações; a produção de uma literatura voltada à moralização dos
guerreiros, como o Livro da Ordem da Cavalaria, de Ramón Llull; e a criação de
ordens religiosas militares, como a Ordem dos Templários e dos Hospitalários.
Apesar dos esforços eclesiásticos para a cristianização da cavalaria e
para direcionar o gládio em prol da defesa da Cristandade, convém notar que as
tensões entre a idealização cristã da cavalaria e as oportunidades da vida
cavaleiresca foram uma constante ao longo do medievo. Deste modo, observa-
se a permanência de torneios e justas como celebrações da sociedade
3
cavaleiresca e oportunidades de ascensão, assim como a estruturação da
vivência cavaleiresca em torno de atividades como caça, montaria e falcoaria.
3
Múltiplos fatores ajudam a entender tal crescimento demográfico
acelerado. A historiografia indica o recuo das causas de mortalidade, como os
surtos de doenças e os longos períodos de fome, associada à alta da
fecundidade e à melhora do clima. Ademais, o movimento de arroteamento, que
fazia recuar as florestas, os terrenos baldios e as zonas pantanosas, também
explica o crescimento demográfico em busca de novas áreas cultiváveis,
modificando a paisagem dos campos ocidentais e redefinindo as comunidades
rurais por meio do aumento da produção de víveres (Franco Júnior, 2006).
Mais do que um surto de crescimento populacional, a expansão
demográfica do medievo central deve ser compreendida como um aumento
cumulativo e sustentado que, entre o século XI e o século XIII, potencializou
outros processos. Assim, relacionam-se ao crescimento populacional elementos
como o revigoramento urbano e comercial pautado na produção de excedentes,
a diversificação dos ofícios por meio da liberação da mão-de-obra dos campos,
a formação de novos núcleos populacionais no campo e na cidade e o
desenvolvimento da burocracia estatal (Blockmans; Hoppenbrouwers, 2012).
Por fim, cabe assinalar que o crescimento demográfico não foi
homogêneo em toda a Europa, sobressaíram diferenças regionais. A pressão
demográfica foi sentida sobretudo na Península Itálica, na Europa Central
incluindo a Inglaterra, e na Península Ibérica, ao passo que as regiões da
Escandinávia, da Polônia e do Báltico conheceram uma frágil expansão
demográfica no período.
3
uma população cada vez maior e produzir excedentes que revigoraram as trocas
comerciais. Como argumenta Georges Duby, esse progresso agrícola esteve
associado diretamente a inovações e novas práticas de cultivo. Assim, é para a
Europa rural e para o trabalho com a terra que devemos orientar nossa atenção,
a fim de compreender o desenvolvimento agrário do período.
Em termos de uso do solo, dois movimentos são identificáveis na Idade
Média Central: 1) a expansão das terras cultiváveis, por exemplo, pelo avanço
da colonização sobre as florestas, pela extensão do território das aldeias, pela
ocupação de solos pouco propícios para a plantação, pelo represamento dos rios
e pelo uso mais amplo da drenagem das áreas pantanosas; 2) o uso mais
intensivo do solo. É nesse segundo aspecto que se encontram as principais
inovações do período, como o melhor uso de fertilizantes vegetais e animais,
uma maior seleção de cereais mais adaptados à cada região (trigo branco,
centeio, cevada e aveia), a incorporação do arado de aiveca e da tração por meio
do cavalo e a rotação trienal do solo.
O arado de aiveca, ou charrua, gradativamente generalizou-se frente ao
arado antigo, feito de madeira, caracterizando-se por peças ajustáveis (a sega,
a relha e o timão) e feitas de ferro, permitindo ao condutor variar a profundidade
dos sulcos com pequenos movimentos. A nova combinação das peças
possibilitava arrancar ervas daninhas do solo e alcançar terrenos mais pesados,
garantindo por meio do levantar e revirar da terra a renovação dos nutrientes.
Para a generalização desse modelo de arado, foi fundamental o
desenvolvimento da metalurgia artesanal, que contribuiu para a multiplicação
das ferramentas em ferro, como machados, enxadas, foices, ferraduras e peças
para o arado. Tais inovações foram combinadas com o uso cada vez maior do
cavalo como animal de tração ao lado dos bois, visto que o cavalo permitia um
controle mais fácil e rápido e agregava maior força de tração (Figura 2).
3
Figura 2 – Tração animal e instrumentos agrícolas (séc. XV). Calendário do livro
de Horas do Duque de Berry (século XV), representando os meses de março e
outubro. À esquerda, no primeiro plano, vê-se um camponês com um arado de
aiveca puxado por dois bois. À direita, noutra cena de trabalho agrícola, o cavalo
é utilizado como animal de tração atrelado à uma grade responsável por sulcar
a terra
3
caracterizada pelo cultivo mais atrelado a uma sequência fixa de colheita e,
consequentemente, menos afeita à flexibilidade do modelo de três campos.
Paralelamente a tais inovações relacionadas diretamente ao trato do solo,
convém ainda destacar dois elementos: a ampliação da força hidráulica por meio
do uso do moinho d’água, seja para a moenda de trigo ou para a prensa de óleos.
Conhecido desde o mundo romano, o moinho d’água acompanha o declínio da
escravidão no Ocidente, substituindo gradativamente o moinho movido por
escravos e generalizando-se por volta do século X; em segundo lugar, o
desenvolvimento do artesanato rural, que caracteriza as aldeias pelas oficinas
responsáveis pelo trabalho com pedra, madeira, vidro e lã, pelas cervejarias,
olarias e fornos de pão. Tal produção, por vezes esquecida, ultrapassava o
quadro do consumo familiar e local, atendendo a mercados próximos, o que
indica o dinamismo da economia rural (Baschet, 2006).
NA PRÁTICA
FINALIZANDO
3
senhorial, para além de uma ênfase no aspecto restrito das relações feudo-
vassálicas.
Investigamos também como se configurou o fenômeno do
encastelamento e o processo de dominação senhorial, analisando as
transformações ocorridas na aristocracia, novas hierarquizações dentro desse
grupo e o desenvolvimento da classe dos milites, que originaram a cavalaria
medieval. Averiguamos como isso gerou também todo um código de valores,
bem como um imaginário social, numa sociedade marcada pela militarização. A
Igreja buscou enquadrar a instituição cavaleiresca e conter as tensões dadas por
essa militarização e disputas entre os nobres. Todavia, as segregações sociais
no interior da nobreza levavam muitos jovens rapazes a uma vida errante, na
qual a ascensão social dependia da glória em batalhas.
Na sequência analisamos transformações importantes dadas na Idade
Média Central: o aumento populacional que gerou uma alteração demográfica
significativa no Ocidente medieval e o processo relacionado da expansão da
produção agrícola no período, que gerou outras consequências, como a
renovação do comércio e das cidades.
3
REFERÊNCIAS
3
WAIMAN, D.; RODRIGUÉZ, G. F. El feudalismo en los manuales escolares
argentinos: su abordaje historiográfico (1999-2006). Acta Scientiarum, v. 41,
2019.
3
HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA
MEDIEVAL OCIDENTAL
AULA 4
3
A querela das investiduras foi mais intensa no Sacro Império Romano1,
onde por meio da investidura os bispos recebiam o título de conde ou duque,
detendo uma autoridade secular e, por conseguinte, tornavam-se vassalos do
príncipe.
Um dos primeiros sucessos alcançados pelos reformistas foi a alteração
do procedimento de eleição papal, que no século XI deixou de ser selecionado
pela diocese romana, sob pressão da aristocracia local, e passou a ser escolhido
pelo Sacro Colégio Pontifício, um colegiado de cardeais e bispos influentes. Essa
medida foi reforçada no século XIII, com a realização dos primeiros conclaves,
reunião a portas fechadas que reduziu a interferência secular para a eleição
papal (Blockmans; Hoppenbrouwers, 2012).
Concomitantemente, acompanha-se o fortalecimento teológico das
reivindicações dos papas como principais autoridades da Cristandade, tanto em
termos espirituais, como em questões temporais. Desde os primeiros séculos
medievais é possível notar uma “quase-identificação” entre a Igreja e o Império
e, por mais que o movimento de afirmação do primado papal estivesse presente,
enquanto a figura imperial se manteve assumindo a posição de Vicarius Christi
(“vigário de Cristo”) a situação da supremacia do papa foi de difícil
estabelecimento (Gomes, 1997).
A premissa de S. Paulo de que todo poder vem de Deus foi interpretada
de variadas formas no medievo e o papado tendeu a estabelecer uma leitura que
colocava o pontífice na posição de mediador supremo entre Deus e os homens.
Essas doutrinas, classificadas como hierocráticas, ofereceram o caminho para
a legitimação das intervenções papais nas esferas ditas temporais2. O processo
de fortalecimento eclesiástico alcançaria o seu ápice na noção de potestas
directa no século XIV, período marcado pela promulgação da bula Unam
Sanctam3 (1302) pelo papa Bonifácio VIII (1230-1303). Autores eclesiásticos
como São Bernardo de Claraval (1091-1153), João de Salisbury (c.1110/1120-
1180) e São Tomás de Aquino (1225-1274), contribuíram para essa gradativa
1
Após o declínio carolíngio e a divisão dos territórios imperiais, a parte mais a leste dos domínios
imperiais foi revivida como domínio imperial com a coroação de Otão I (912-973) pelo papa. Na
realidade, o termo Sacro Império Romano passou a ser utilizado somente a partir do século XIII,
mencionando-se antes a noção de translatio imperii (do latim: transferência do Império). O termo
Sacro Império Romano-Germânico passa a ser utilizada apenas a partir do século XVI.
2
Temporais →mundanas, ou seja, distintas das esferas espirituais.
3
Essa bula resultou de uma disputa entre o Papa Bonifácio e o Rei francês Felipe, o Belo, em
torno da doutrina do primado pontifício. Buscou estabelecer o primado do poder papal perante
todos os outros poderes terrenos.
4
afirmação da dignidade episcopal acima da esfera temporal, fortalecendo o
movimento de libertas Ecclesiae que marcou os séculos XI e XII (Souza;
Barbosa, 1997).
Em termos práticos, as reivindicações do poder papal sobre as estruturas
temporais contavam com menos recursos. Sem dispor de instrumentos militares,
as armas usadas comumente pela Santa Sé foram a excomunhão – recorrente
nas disputas contra o Império e alguns monarcas –, a interdição de atividades e
atos, como a suspensão de cultos religiosos em determinadas áreas, e a
acusação de heresia, como o célebre caso dos cátaros no sul da França. Tanto
para o combate às heresias, como para a implementação de guerras santas, em
especial as Cruzadas no Oriente, a Igreja mobilizava, ainda que indiretamente,
o apoio dos poderes seculares, convocando a aristocracia guerreira para
empreendimentos bélicos justificados pela religião (Flori, 2013).
Paralelamente, evidencia-se a expansão dos órgãos administrativos – por
exemplo, a criação do Sacro Colégio, no século XII, que reunia os conselheiros
e os funcionários eclesiásticos administrativos do papa, passando ainda a
agregar clérigos de diferentes regiões da Cristandade – fiscais e jurídicos ligados
ao papado. Nessa última dimensão em particular, ressalta-se que foi no mesmo
século que se institucionalizou a autoridade judiciária suprema do papado sob a
Igreja latina. Todos esses fatores contribuíram para a consumação da primazia
pontifícia e da chamada Monarquia papal.
Para finalizar esse tópico, lembra-se que a imposição da Igreja sobre as
estruturas seculares também se deu por meio dos sínodos e concílios, sendo
o mais simbólico do período o IV Concílio de Latrão, realizado em 1215. Tais
reuniões, em princípio, visavam eliminar as influências seculares dentro do meio
eclesiástico, mas simultaneamente reforçaram a separação entre clérigos e
leigos e os princípios morais religiosos para a vida cristã. Nesse sentido,
produziram-se regulamentos sobre: as relações de parentesco (casamentos,
apadrinhamentos etc.); a prática da confissão; o alinhamento dos sacramentos;
o uso de marcações distintivas nas vestimentas para minorias religiosas, como
judeus e muçulmanos; e a moral do clero, com a afirmação do celibato.
Sobre o matrimônio, cabe mencionar que até então era apenas um
contrato civil, tal como na sociedade romana, mas a partir do século XII passa a
ser um sacramento, o que amplia o controle eclesiástico sobre as estruturas de
parentesco e a reprodução da sociedade (Le Goff, 2007).
5
TEMA 2 – RENOVAÇÃO RELIGIOSA E AS NOVAS ENTONAÇÕES DO
CRISTIANISMO
Figura 1 – Cruz de Bonneval (século XIII) / Cruz de procissão com fundo dourado
pontilhado de flores e estrelas e figuras esmaltadas. A face principal representa
a Crucificação: sob a Mão de Deus, o Cristo crucificado, encimado por um anjo,
é ladeado pela Virgem e São João, pela Igreja e pela Sinagoga; aos pés da cruz,
Adão, o primeiro homem, sai de seu túmulo. No lado reverso, o Cristo em
Majestade, rodeado de símbolos dos quatro evangelistas e profetas do Antigo
Testamento
7
As críticas ao comportamento do clero e os anseios pelos ideais de
pobreza voluntária e vida apostólica conduziram ao surgimento, no século XIII,
das ordens mendicantes, com destaque para a Ordem dos Frades Menores,
os franciscanos, e a Ordem dos Pregadores, os dominicanos. A criação
dessas ordens representou um dos aspectos mais marcantes das
transformações religiosas vivenciadas no Ocidente, aproximando a Igreja do
revigorado ambiente urbano. São Francisco de Assis (1181-1226) notabilizou-se
pela assimilação da imitatio Christi e pela condenação dos bens materiais,
fundando uma ordem ancorada na penitência e na pobreza. Paralelamente, São
Domingos de Guzmán (1170-1221), fundador dos dominicanos, destacou-se
pela pregação contra as heresias e pelo suporte teológico oferecido ao recém-
criado tribunal da Inquisição. O sucesso de ambas as ordens foi tão marcante
que no início do século XIII, os dominicanos dispunham de cerca de 700
conventos e, no século XIV, a ordem dos franciscanos era composta por cerca
de 1400. Mesmo aceitando uma regra de vida comunitária e ascética,
franciscanos e dominicanos optaram por viver em meio aos fiéis, renunciando à
vida em comunidades rurais isoladas e ao ideal da fuga do mundo. Tal opção
permitiu o enraizamento dos princípios do clero regular no coração das cidades
medievais, com os frades assumindo uma atividade pastoral adaptada às novas
exigências da sociedade medieval (Baschet, 2006).
Outro fator que acompanhou o desenvolvimento das ordens mendicantes
e acentuou a participação dos leigos na vida cristã foi a formação de ramos
femininos dessas ordens, sendo a mais conhecida a Ordem das Clarissas. Clara
de Assis (c.1193-1253), fundadora da ordem, deixou importantes escritos e foi
responsável pelo fortalecimento dos conventos femininos, garantindo a
aprovação de uma nova forma de vida para as mulheres dentro da estrutura da
Igreja. Além disso, marca o período a constituição das Ordens Terceiras, ordens
destinadas a simpatizantes, por vezes casados, que queriam viver de acordo
com o Evangelho, independentemente da adoção dos votos monásticos.
O fervor religioso encontrou ainda formas de expressão mais radicais com
grupos que buscavam modos de vida mais espirituais e ascéticos. Tal via, por
vezes, conduziu-os à crítica ao clero regular e secular, criando problemas de
acomodação nas estruturas da Igreja. Exemplificam essa tendência o movimento
dos valdenses, liderados pelo comerciante Pedro Valdo (1140-1218), e das
beguinas, grupos de mulheres devotas que viviam em comunidades e se
8
sustentavam por meio de trabalhos manuais. Ambos buscavam a vida apostólica
de forma mais intensa e esse modelo os levou a localizarem-se na linha limítrofe
entre a heresia e a ortodoxia, com os primeiros sendo condenados como hereges
e o movimento feminino conseguindo ser absorvido pela Igreja.
9
Cátaros Acreditavam que o mundo foi criado por Satã e que Condenados em diversos concílios
só os puros poderiam chegar a Deus. Negavam a no século XII. Em 1209, foi
matéria, adotando a pobreza absoluta. Condenavam decretada uma cruzada para
a riqueza da Igreja, o casamento e qualquer forma exterminá-los. Foram perseguidos
de juramento. pela inquisição.
Irmãos do Adeptos da pobreza absoluta, consideravam-se Condenados em 1209, foram
livre parte direta de Deus, por terem em si o Espírito posteriormente perseguidos
espírito Santo. implacavelmente pela inquisição.
Fonte: elaborado com base em Macedo, 1996, p. 26.
10
não somente reagir a denúncias, mas detectar situações cabíveis de punição.
Concomitantemente, observa-se a redução dos direitos do acusado, pois as
acusações concretas podiam permanecer-lhe desconhecidas, assim como a
identidade do acusador e das testemunhas de acusação. Em síntese, essas
disposições deixavam o suspeito de heresia à mercê de um processo sem
defesa, exposto à arbitrariedade dos acusadores e dos juízes (Ohst, 2014).
Com amplo uso da violência física e psicológica, a inquisição tornou-se
um órgão essencialmente repressivo, responsável por investigar, descobrir e
estabelecer as penas aos infratores. Apesar disso, falar numa inquisição
medieval no singular não deve ofuscar a pluralidade e as limitações dos tribunais
inquisitoriais no período. Tratava-se, de fato, de tribunais locais assumidos por
um bispo ou confiados a frades mendicantes, que objetivavam forçar o
arrependimento e a reintegração à comunidade. As penas variavam, abarcando
a excomunhão individual, a interdição comunitária, a imposição de obrigações
(por exemplo, uso de determinadas vestimentas com identificações de heresia
ou peregrinação a lugares santos), o confisco de bens, a perda do direito de
herança pelos descendentes do herege, a prisão e, em casos limítrofes, a
condenação à morte, geralmente na fogueira.
De todo modo, como um processo de múltiplas faces, a partir do século
XII a Europa ocidental afirmou-se como uma sociedade persecutória, marcada
por um maior controle das instituições civis e eclesiásticas sobre a população.
Uma comunidade cada vez mais fracionada internamente, com seus membros
reafirmando suspeitas e perseguições entre si. Uma escalada do medo, para
usar as palavras de Jean Delumeau (1989), que chegaria ao seu ápice na caça
às bruxas dos séculos XVI e XVII, ou seja, no período que consideramos
Moderno pela cronologia tradicional.
12
difundiram rapidamente pelos reinos europeus e, ainda no século XIII, já
somavam dezenas de estabelecimentos, chegando a quase uma centena em
finais do século XV. Elas constituíam-se como uma corporação de professores
e estudantes, as universitas, que tratava dos interesses comuns e buscava
autonomia e liberdade frente à Igreja e aos poderes seculares. Tal liberdade, no
entanto, não deve ser entendida como uma separação da órbita da Igreja, visto
que a licença papal era imprescindível para o funcionamento das instituições e,
em geral, era o papado que garantia privilégios e protegia mestres e estudantes
contra abusos das autoridades locais. Em termos de método de ensino, as
universidades exploraram sobremaneira a disputatio, o debate oral como uma
disciplina para o ensino de retórica, que associada a lectio, contribuíram para o
desenvolvimento da Escolástica, sistema de ensino medieval por excelência.
Cabe ressaltar que as universidades medievais eram espaços masculinos, de
homens como mestres e alunos, sendo a educação feminina no período mais
restrita a grandes mulheres da nobreza e de famílias de posses, realizada no
âmbito doméstico por preceptores. No entanto, em algumas cidades surgiram
escolas que aceitavam também meninas, bem como houve mulheres que se
tornaram professoras (em geral, junto com seus maridos, em escolas laicas)
(Opitz, 1990, p. 398).
Para finalizar, como sublinha Verger, uma das características mais
marcantes da universidade medieval foi sua vocação universalista, extraída das
fontes antigas e da Revelação e proferida por meio de uma língua igualmente
universal, o latim. Essa tendência marcou a renovação educacional dos séculos
XII e XIII e favoreceu, nos séculos seguintes, o desenvolvimento do humanismo
renascentista. Esse saber cristão mais aberto também é expressão de um tempo
ambíguo, uma sociedade e uma Igreja que se abria intelectualmente, mas que
se fechava por meio de perseguições e segregações.
13
A história da arte medieval merece um capítulo à parte e, na
impossibilidade de tal aprofundamento, propomos uma breve caracterização da
arte românica e gótica. Além disso, como será sugerido no item “na prática”,
consideramos que o contato visual, ainda que virtual, com as construções do
período poderá oferecer experiências enriquecedoras, permitindo uma
investigação individualizada.
Como assinalou Raul Glaber (985-1047), o contexto do Ano Mil foi
marcado por um amplo movimento de (re) construção de igrejas na Europa
medieval. Somente no reino francês, por exemplo, foram construídas 500 novas
igrejas e quase uma centena de catedrais, sem contar as milhares de igrejas
paroquiais. O movimento indicado pelo monge francês foi resultado tanto do
crescimento populacional, do desenvolvimento econômico e do aprimoramento
das técnicas do período (por exemplo, do trabalho com vitrais), como do
fortalecimento das instituições eclesiásticas, força manifesta nas alterações
litúrgicas, cada vez mais elaboradas, e nos objetos devocionais. Acrescenta-se
a isso o anteriormente mencionado processo de renovação do cristianismo, que
aproximou ainda mais as comunidades das instituições clericais.
14
palácios. Conforme indicado na citação de Jérôme Baschet, é possível identificar
nas diferenças entre os estilos, a mudança vivenciada pela sociedade medieval
no período. Comparando duas catedrais, uma românica e outra gótica, o
historiador francês sugere que a primeira representa uma Igreja que quer ser
uma fortaleza que se defende contra o mundo exterior, uma ilha de pureza
espiritual em meio às ameaças seculares; em contraponto, a catedral gótica,
como filha da cidade e do revigoramento urbano e comercial, pauta-se na luz,
indicando uma relação aberta com o mundo, menos inquieta frete às realidades
mundanas presentes em suas portas, sem deixar de também expressar uma
instituição eclesial triunfante sobre as estruturas seculares.
Como principais características da arte românica, podem-se se indicar:
construções em pedra, com paredes grossas, abóbodas e arcos, num padrão
austero; modelos de plantas em cruz, com uma, três ou cinco naves, divididas
por colunas; interior com pequenas janelas e decorações diversas em pedra. Em
contraste, a arte gótica caracteriza-se pela: verticalização das construções; a
ampliação da luz interior; a generalização do uso de rosáceas no portal central;
e a ampliação das pinturas a óleo e, principalmente, dos vitrais coloridos.
NA PRÁTICA
4
Caso você tenha familiaridade com a língua inglesa e disponibilidade para ampliar a pesquisa,
sugerimos ainda a visita virtual às catedrais de Canterbury, na Inglaterra (https://www.canterbury-
cathedral.org/virtual-tour/), e de Amiens, na França. Disponível em:
<http://projects.mcah.columbia.edu/amiens-arthum/>. Acesso em: 29 set. 2021.
15
Para buscar informações sobre os mosteiros, sugerimos respectivamente os
sites institucionais: <http://www.mosteiroalcobaca.gov.pt/> e
<http://www.mosteirobatalha.gov.pt/>. Acessos em: 29 set. 2021.
Para visualizar o interior das construções, sugerimos o uso da ferramenta
Google Arts & Culture, aplicativo gratuito que permite a visitação a milhares de
obras e monumentos em mais de 80 países, entre elas os dois mosteiros da
atividade. Como uma forma de visita guiada, propomos um conjunto de
interrogações que podem auxiliar na contextualização de ambos os mosteiros
frente aos temas da aula: qual ordem religiosa foi responsável por cada um dos
mosteiros? Quais as características arquitetônicas das construções? Como a
história dos mosteiros relaciona-se com a história da monarquia portuguesa?
Como os mosteiros relacionavam-se com a produção agrícola da região?
FINALIZANDO
17
SOUZA, J.; BARBOSA, J. O reino de Deus e o reino dos Homens: as relações
entre os poderes espiritual e temporal na Baixa Idade Média (da Reforma
Gregoriana a João Quidort). Porto Alegre: EdiPUCRS, 1997.
_____. Cultura, ensino e sociedade no Ocidente nos séculos XII e XIII. São
Paulo: EDUSC, 2001.
18
HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA
MEDIEVAL OCIDENTAL
AULA 5
2
comercial e urbano. Em nosso último tema, estudaremos a sociedade urbana,
com vistas a caracterizar a vida e o trabalho nas cidades medievais.
3
Abordamos alguns exemplos da expansão europeia da Idade Média
anteriormente, como o arroteamento rural e a fundação de novas vilas agrícolas.
Abordaremos outros serão tratados nos tópicos seguintes, como o crescimento
urbano, a criação de cidades e a ampliação da rede urbana. Por ora, cabe
explorar o tema das Cruzadas, quiçá a principal expressão do expansionismo da
cristandade latina a partir do século XI.
4
• Contra os hereges cátaros no sul da França (a chamada “cruzada
albigense”, no século XIII).
• Contra os muçulmanos na Península Ibérica (longo processo de
expansionismo cristão no território), com conflitos a partir do Norte da
Espanha, que se estenderam desde o século VIII – pleno domínio
muçulmano na região – com avanços e retrocessos, até o século XV,
culminando com a queda de Granada no sul da Espanha, em 1492.
Podemos inserir aqui também o avanço cristão no norte da África, a partir
da conquista portuguesa do porto marroquino de Ceuta, em 1415.
• Por fim, temos as campanhas marítimas e terrestres contra os turcos
otomanos, entre os séculos XV e XVIII.
6
europeu, ampliando assim os limites geográficos de expansão da cristandade
latina.
Ao longo do século XII, os cristãos tiveram revezes no Oriente, tal como
aconteceria no contexto da Segunda Cruzada (lançada em 1146), quando
disputas de poder internas abalaram a coesão cristã. A terceira cruzada contaria
com reis do Ocidente, no entanto enfrentou a superioridade numérica e
estratégica das tropas do sultão Saladino, que havia conquistado Jerusalém.
Pela diplomacia, os cristãos ficaram com uma estreita faixa na Palestina e o
direito a peregrinações.
A partir da quarta cruzada (1202), os propósitos cruzadísticos se
mantiveram apenas em teoria, pois a predominância de nobres e comerciantes
(principalmente venezianos), bem como de mercenários pagos para conquistar,
acarretou uma disputa, ainda em território cristão, no Oriente: no caminho para
a Palestina, Constantinopla é saqueada e venezianos dominam a cidade até
1261, criando um império latino no Oriente. Esse episódio acabou provocou
traumas e um maior afastamento entre os bizantinos e a cristandade latina. Os
movimentos cruzadísticos subsequentes, no Oriente, alicerçaram-se em um
discurso religioso que se tornou anacrônico, por conta do processo vivido na
quarta cruzada e das práticas comerciais da época, em um século XIII marcado
por enriquecimento e expansão urbana (Fernandes, 2006, p. 121). Como saldo
das cruzadas, acumularam-se séculos de desgastes e traumas entre diferentes
culturas e religiões.
7
econômicas, sociais, políticas e culturais. A fim de caracterizar o processo de
desenvolvimento das cidades medievais a partir do século XI, propomos
caracterizar inicialmente três aspectos correlacionados: o crescimento das
cidades a multiplicação das cidades e a expansão da rede urbana.
Primeiramente, o crescimento das cidades, entre os séculos XI e XIII,
caracterizado como expansão demográfica. Nutrido pela imigração de pessoas
provenientes das áreas rurais, tal crescimento manifestou-se em números
absolutos e em termos proporcionais, em relação ao número total de habitantes
de uma região. Isso indica que, cada vez mais, as cidades atraíam as pessoas,
e assim se tornaram um espaço de concentração populacional – e, como
consequência, de bens, serviços e oportunidades. O aumento populacional
também contribuiu para duas outras expressões do fenômeno urbano medieval:
o crescimento vertical e a expansão espacial. Essa tendência à verticalidade
manifesta-se de forma mais explícita na construção das catedrais, em especial
das igrejas góticas, que por vezes chegam a uma centena de metros de altura,
mas pode ser igualmente exemplificada pela edificação de palácios, residências
e monumentos urbanos, como a Torre de Arnolfo do Palazzo Vecchio, em
Florença, com cerca de 94 metros de altura.
O segundo elemento, representado pela ampliação das muralhas, é
ainda mais significativo, pois demonstra o caráter processual da expansão
espacial das cidades medievais. Como ensina Jacques Le Goff (1992), por mais
que nem toda cidade tivesse uma, a muralha foi o elemento mais importante da
realidade física e simbólica das cidades medievais, carregando uma função
identitária associada aos primários objetivos de defesa militar. Ademais, ela
serve de indicativo das transformações vivenciadas pelo espaço ao longo dos
séculos, tanto o recuo urbano no primeiro milênio, como a expansão a partir do
século XI, quando o aumento populacional levou ao surgimento de burgos e
subúrbios nas partes externas, os quais foram gradativamente inseridos dentro
das muralhas, por vezes em um processo de ampliação do limite amuralhado.
Dois casos são elucidativos. Cidade romana de cerca de 100 hectares, Colônia
conheceu uma redução sob o domínio franco, tendo sido destruída pelos
normandos no século IX. Com intensa atividade comercial nos séculos
seguintes, prolongou suas muralhas até o rio Reno. Posteriormente, inseriu os
burgos circundantes em novas muralhas do século XII, levando a superfície da
cidade a apresentar 200 e 450 hectares. Outro caso emblemático é o de Florença
8
(Figura 2). Cidade romana de relevância secundária, conheceu um significativo
crescimento no século XI, quando passou a ocupar as regiões fora de suas
quatro portas. Ao longo dos séculos seguintes, uma série de intervenções foram
desenvolvidas a fim de acomodar o aumento populacional, o que levou à
construção de uma nova muralha, em uma superfície de cerca de 480 hectares
(Benevolo, 1995).
O mapa a seguir representa o processo de ampliação das muralhas da
cidade italiana de Florença. Em verde, o traçado da muralha romana; em
vermelho, a possível muralha comunal do século XI; em azul, os limites dos
muros da comuna no século XII; em laranja, as muralhas no século XIII; o último
contorno é das muralhas do século XIV.
Crédito: LAMPMAN/PD.
10
Para finalizar esta seção, cabe destacar outro aspecto relacionado ao
fenômeno urbano medieval. Formadas inicialmente por grupos de comerciantes
e artesãos, as cidades medievais eram submetidas a algum centro de
autoridade, laica ou eclesiástica, relação que por vezes levava a disputas por
autonomia. Gradativamente, as cidades medievais desenvolveram seus próprios
costumes e leis, criando pactos de juramento entre seus habitantes, para garantir
proteção mútua, limitando, ainda que parcialmente, a presença de autoridades
externas à comuna. É nesse sentido que deve ser interpretado o provérbio
alemão do século XIII Stadtluft macht frei (“O ar da cidade liberta”), que aparece
constantemente nas menções à cidade medieval, visando expressar a liberdade
gozada pelos cidadãos do local. Essa foi uma liberdade parcial, que com
frequência esteve associada à dependência direta ao poder régio, mas não deixa
de evidenciar o vigor das cidades medievais enquanto comunidades de
cidadãos.
11
Entre os séculos XI e XIV, esses fatores alteraram o perfil do comércio
medieval. Caracterizado inicialmente como um negócio itinerante, o mercador
acompanhava as suas mercadorias até o local de distribuição. A venda era
realizada em pequenas lojas e em feiras locais e regionais. Gradativamente,
esse modelo foi substituído pela sedentarização do comércio, o que reduziu o
papel das feiras, mesmo das grandes feiras de Champagne, fortalecendo os
negócios conduzidos por grupos de mercadores, por vezes organizados em
guildas ou hansas (Fourquin, 2000).
As cidades italianas, especialmente Veneza e Gênova, foram pioneiras
nesse processo, tendo construído redes comerciais que ligavam o Mediterrâneo
ao mar do Norte. Também foram responsáveis pelo comércio de longa distância,
como o comércio oriental de especiarias (ver Figura 3). De todo modo, o
dinamismo do sistema comercial do período pressupõe um processo anterior,
com aumento da produção agrícola e artesanal, tal como já estudamos. Essa
produção de excedentes foi fundamental para revigorar as trocas em termos
locais e regionais, formando um comércio variado, marcado por produtos
especializados e de consumo cotidiano. Em que pese a importância do comércio
de longa distância, ele representava apenas 10% do volume total das trocas. A
maior parte da circulação acontecia dentro da Europa.
A nova demanda urbana foi fundamental para esse revigoramento
comercial. Concentrando pessoas e, consequentemente, poder de compra, as
cidades estimulavam a economia rural, sobretudo pelo incentivo à produção
direcionada. Essa relação tendeu a se configurar no longo prazo como
dependência campo-cidade, afetando as áreas fornecedoras próximas, cada vez
mais condicionadas às escolhas citadinas. Um dos exemplos mais comuns
dessa relação é o processo de cercamento dos campos na Inglaterra, com
terras comunitárias rurais sendo cercadas para a criação de carneiros e ovelhas,
prática estimulada pela demanda de lã da indústria têxtil do norte da França e
dos Países Baixos.
Paralelamente, os séculos em questão caracterizam-se por uma
revolução nos transportes. Tal mutação evidencia-se na construção,
manutenção e ampliação de estradas e pontes; na abertura de canais, na
construção de barragens e na organização de portos; assim como no
desenvolvimento dos instrumentos de navegação – como portulanos, mapas e a
bússola, incorporados pelos cristãos ocidentais a partir do contato com os
12
muçulmanos – e das embarcações, cada vez mais adaptadas a grandes cargas
e distâncias. Essas mudanças levaram à intensificação da circulação de
produtos e pessoas, fortalecendo o revigoramento urbano e comercial do
período.
Crédito: CC/PD.
13
(Figura 5). Nesse último caso, considerando as mudanças nos hábitos
alimentares impulsionadas pela sociedade urbana, Le Goff (1992) indica por
exemplo que, em Toulouse, no ano de 1322, havia 177 açougueiros para uma
população de no máximo 40 mil pessoas – ou seja, uma proporção de 1
açougueiro para cada 226 habitantes.
Crédito: CC/PD.
14
residência foram proibidas; em Toulouse, em 1222, os açougueiros foram
distribuídos em três grupos geográficos; em Estrasburgo, sabemos da existência
de uma rua de carpinteiros, em 1247, uma rua dos serralheiros, em 1266, uma
rua dos tripeiros, em 1286, e um fosso de alfaiates, em 1298. (Le Goff, 1992).
Como vestígio dessa concentração de ofícios iniciada no medievo, que se
perpetuou por alguns séculos, inúmeras cidades europeias (e, inclusive,
brasileiras) mantém os nomes de suas vias como Rua dos Mercadores, Rua da
Selaria, Rua das Adegas etc.
Não obstante, era comum a coexistência de diversas formas de
organização do trabalho, mesmo onde o modelo das corporações existiu, ele não
constituiu o único em uma cidade. Muito trabalho e produção eram realizados
fora das associações de ofício (Melo, 2009). Diferentemente dos mestres e
aprendizes, havia uma massa de jornaleiros (trabalhadores que recebiam por
jornada) entregues ao acaso do mercado, sem contar com nenhuma proteção
corporativa – por conta disso, em situação de vulnerabilidade. A expansão
econômica característica dos séculos de que tratamos permitiu o aumento da
distância entre ricos e pobres. Essa desigualdade se mostrou latente na cidade,
local em que os laços socais eram mais frágeis do que nas comunidades rurais.
Nos primeiros séculos de revigoramento urbano e comercial, o sistema
corporativo foi capaz de oferecer a aprendizagem do ofício e a socialização.
Porém, o fenômeno ultrapassava a capacidade de resposta das instituições
citadinas, o que levou o meio urbano a redefinir a sua relação com a pobreza e
o pobre marginalizado, fazendo emergir a figura do vagabundo – o pobre que
passa a causar medo nas autoridades citadinas. Destarte, foi nos arredores das
cidades em crescimento que a miséria apareceu, junto com o estigma lançado
sobre aqueles que não tinham estabilidade profissional, que estavam fora do
mundo das corporações, ou que exerciam profissões consideradas ilícitas ou
indignas, como carcereiros, barbeiros, carrascos, coveiros, profissionais do
espetáculo e prostitutas (Geremek, 1989).
Para finalizar, ressaltamos a importância do trabalho urbano feminino
(Figura 6). Ainda que não estivessem reunidas em guildas específicas, muitas
mulheres exerciam ofícios especializados, como a tecelagem, e chegaram a
assumir a condução de oficinas ou lojas plenamente. Em geral, essa posição era
alcançada após a viuvez, que legava à mulher os mesmos direitos dos demais
15
membros da guilda. No entanto, muitas mulheres exerciam ofícios não
regulamentados, o que ampliava o estigma contra o trabalho feminino.
Crédito: CC/PD.
NA PRÁTICA
Crédito: CC/PD.
16
A imagem representa uma mulher, vendedora ambulante de hortaliças em
Paris, entre o final do século XV e o início do século XVI. Por vezes influenciados
pela documentação mais abundante sobre as elites urbanas, ao estudar as
cidades medievais, nos esquecemos da importância do trabalho informal.
Consequentemente, pouco refletimos sobre as condições e os desafios desses
trabalhadores no tempo. O tema, no entanto, é de suma relevância, tanto para o
medievo como para a atualidade. No Brasil, entre 2019 e 2021, dados indicam
que cerca de 40 milhões de pessoas exercem trabalhos informais. Em um
cenário de crise econômica e pandemia, sofrem consequências ainda mais
severas da falta de proteção e regulamentação do trabalho. Assim, como
atividade prática, sugerimos que você pesquise e reflita sobre as condições de
trabalho informal nas cidades medievais e no tempo presente.
FINALIZANDO
17
REFERÊNCIAS
18
HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA
MEDIEVAL OCIDENTAL
AULA 6
3
TEMA 1 – FOME, PESTE E GUERRA
Saiba mais
Peste bubônica: esta é um dos tipos de peste causada pela bactéria
Yersinia pestis. A peste bubônica seria contraída essencialmente pelas pulgas
de ratos, inflamando os gânglios linfáticos, gerando os chamados bubões
(nódulos inchados) na pele. Há também a peste septicêmica, que infecciona o
sistema circulatório, sendo mais rara. E, por fim, a peste pulmonar, que causa
infecção pulmonar grave, podendo ocorrer em decorrência da bubônica ou
septicémica, podendo ser transmitida pelas vias aéreas.
3
A mortalidade se alastrou de modo acelerado, com os doentes
sucumbindo em poucos dias de infecção. Mais do que o surto, a gravidade da
peste, associada a outras doenças (como varíola, sarampo, gripe etc.) que
também assumiram formas epidêmicas, deu-se por sua recorrência ao longo de
todo os séculos XIV e XV. A título de exemplo, em Portugal registraram-se surtos
posteriores em 1356, 1361-63, 1374, 1383-85, 1389, 1400, 1414-16, 1423, 1429,
1432, 1437-39, 1448-52, 1456-58, 1464, 1472, 1477-81 e 1483-87. Com
correspondência europeia, eles grassaram com maior ou menor intensidade,
atacando todo o reino português ou só parte dele, mas sempre dizimando com
abundância, principalmente os grupos sociais mais vulneráveis (Marques, 1987).
A fim de aplacar as consequências das crises de abastecimento e dos
surtos epidêmicos, uma série de medidas foram adotadas pelas autoridades,
especialmente pelos governos urbanos. Essas ações envolveram a compra de
grãos e a fixação dos preços dos víveres, como formas de combate à escassez
de alimentos; o controle rígido do tráfego de pessoas, o desenvolvimento de
sistemas de quarentena, a redação de regulamentações sanitárias, a construção
de hospitais – que ofereciam assistência aos pobres, peregrinos e doentes – e o
isolamento total das cidades afetadas pela peste, maneiras de reduzir os
impactos das doenças. De certo modo, as ações dos governos para o controle
da fome e da peste expressam o fortalecimento das autoridades laicas em finais
da Idade Média, tendência que seria ainda mais evidente no âmbito da guerra.
Último pilar da crise do século XIV, como uma espécie de “terceiro
cavaleiro do apocalipse”, a guerra ampliou os distúrbios do período. A principal
e mais conhecida foi a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), mas uma série de
outras guerras aconteceram no período, como a Guerra de Sucessão
Portuguesa (1383-1385), a Guerra de Sucessão Castelhana (1475-1479), a
Guerra das Duas Rosas (1455-1485) etc. Seus efeitos para a mortalidade foram
menores do que a peste e a fome, tendo como principais consequências o
aumento dos impostos e as pilhagens, violências e destruições causadas pelos
exércitos ambulantes após as batalhas. Ademais, a guerra medieval continuava,
sobretudo, a ser uma luta armada de batalhas, diferentemente da chamada
guerra total inaugurada no século XX. No entanto, as inovações na arte militar
(uso de arcos e bestas, ampliação da infantaria, incorporação da pólvora em
trombas e bombardas etc.), associadas à formação dos primeiros arsenais e ao
maior recrutamento de tropas de mercenários, ampliaram os impactos da guerra,
3
tornando-a um dos mais relevantes instrumentos do Estado moderno em
formação.
3
autores e tratadistas, sendo os mais importantes: Pierre d’Ailly (1350-1420),
Jean Gerson (1363-1429), João de Segóvia (1395-1458) e Nicolau de Cusa
(1401-1464). Aplicando à Igreja o antigo princípio do direito romano (“o que a
todos se refere deve também por todos ser aprovado”), o conciliarismo defendia
que, em caso de ausência de autoridade papal, os cardeais poderiam convocar
um concílio com a incumbência de julgar o papa, devendo ainda os concílios
ganhar periodicidade. Para algumas posições mais extremas, o concílio deveria,
inclusive, subordinar o papa independentemente das circunstâncias.
Em meio a discussões institucionais, quatro concílios ocorreram entre
1409 e 1449, com o Cisma sendo superado por meio da eleição de Martinho V
como único pontífice pelo Concílio de Constança (1414-1418). Não obstante, o
tema da reforma da Igreja foi a grande questão dos debates religiosos conciliares
do século XV. Reunindo milhares de membros do clero e representantes das
autoridades seculares, os concílios quatrocentistas acenaram com a unidade
das cristandades latina e grega, acentuaram padrões de comportamento ao clero
(combate ao concubinato, orientação sobre a liturgia etc.), alimentaram a
segregação dos judeus (uso de trajes com identificação, habitação em
quarteirões separados etc.), orientaram a reforma das ordens, fortaleceram os
sínodos provinciais e diocesanos e condenaram novas heresias, em especial, o
movimento dos hussitas na Boêmia, com João Huss (1369-1415) sendo
queimado na fogueira.
Nesse cenário e nutrindo-se da afirmação das línguas vernáculas,
acompanha-se a formação das chamadas igrejas nacionais, como a Igreja
Galicana na França. Em síntese, em torno do termo igrejas nacionais entende-
se o fortalecimento das monarquias e do Império frente à hierarquia eclesiástica,
processo expresso principalmente na influência régia nas nomeações de bispos,
abades e priores e na intervenção monárquica na arrecadação papal. Na
Península Ibérica, o padroado régio, tão importante para a história das
colonizações atlânticas, também serve de exemplo dessa tendência que
perdurou alguns séculos. Como explicam Blockmans e Hoppenbrouwers (2012),
ao passo que a vida religiosa se intensificava e os desejos de reforma se
ampliavam, a Igreja e o papado se restabeleciam, renunciando ao ideal da
cristandade universal e abandonando o lema da liberdade eclesiástica.
Fora do âmbito institucional, os séculos XIV e XV foram marcados pela
ligação da espiritualidade cristã com novas formas de devoção pautadas na
3
experiência direta com Deus e na espiritualidade interna obtida pela oração. Com
raízes no misticismo cristão – uma tentativa espiritual de atingir a união da alma
com Deus geralmente associada a visões, viagens espirituais e ao êxtase
religioso – e em movimentos de espiritualidade leiga, como o das beguinas, essa
nova corrente de devoção espiritual, conhecida como Devotio Moderna,
manifestou-se primordialmente entre os leigos, desvinculando do meio
monástico os ideais de interiorização espiritual e isolamento. Liga-se a esse
movimento a obra Imitatio Christi, de Thomas de Kempis, texto rapidamente
difundido pela Europa pela nascente imprensa e que oferecia novos horizontes
para a experiência religiosa dos leigos.
Paralelamente aos elementos de interiorização da espiritualidade, o final
da Idade Média também foi movimentado por experiências de exteriorização da
fé. Uma das mais controversas e comumente encarada como causa das
reformas do século XVI foi o sistema de indulgências, por meio do qual o fiel
poderia, mediante obras – por vezes, pagamento em dinheiro –, conseguir a
redução de penas que deveriam ser expiadas na terra ou no purgatório.
Procedimento que remonta à época das cruzadas, as indulgências foram
aumentando a sua importância na Baixa Idade Média, alcançando maior
amplitude no século XV, por exemplo, com a bula Salvator noster, do papa Sisto
IV, que estendeu a remissão das penas aos mortos no purgatório (Leppin, 2014).
3
crescimento da mortalidade. Criou-se no período, assim, um horizonte
apocalíptico, manifesto nos movimentos milenaristas, nas procissões de
flagelantes, nos tratados sobre a arte de morrer, na expectativa com a vinda do
Anticristo e na representação da morte. Como explica Jean Delumeau (1989),
nesse cenário de calamidades, o tema do Juízo Final ganhou extraordinária
importância, influenciando uma teologia do fim dos tempos e produções
artísticas que, além dos afrescos e painéis, passaram a ser produzidas em
miniaturas e retábulos (Figura 2).
3
a ampliação dos arqueiros e da infantaria com lanças longas no campo de
batalha – que resultaram no gradativo recuo do protagonismo militar da pesada
cavalaria armada – e a introdução de tropas de soldados mercenários e/ou
recrutados permanentemente sob o pagamento de um soldo. Ademais, nota-se
que a guerra também se justificou por meio da religião: ora associando o inimigo
cristão à heresia, como nas guerras entre Portugal e Castela travadas durante o
Cisma do Ocidente (ambos os reinos se acusavam de hereges e de seguir o
papa falso) e na repressão imperial às revoltas na Boêmia (contra o movimento
hussita/taborita, que pretendia restaurar o cristianismo primitivo e fundar uma
comunidade fraterna baseada na igualdade social e econômica), ora
promovendo santos e devoções dinásticas associados à guerra, como a santa
Joana d’Arc na França (emergida da Guerra dos Cem Anos) e o culto à D.
Fernando, o Infante Santo das empresas bélicas portuguesas no norte da África
contra os mouros.
3
TEMA 4 – CONTRASTES, DESIGUALDADES E CONTESTAÇÕES SOCIAIS NO
CAMPO E NA CIDADE
3
quanto das elites locais, cultura essa que se manifestaria nas inúmeras
insurgências dos séculos seguintes.
3
tornar mais rápida a reprodução de livros e escritos, acentuou a passagem da
cultura oral e visual (características do medievo), para uma cultura da escrita e
da leitura (Brotton, 2009). Não obstante, a imprensa quatrocentista e seus
desdobramentos nos séculos seguintes também podem ser compreendidos
como resultados do crescente papel do texto escrito a partir do século XIII,
manifesto na multiplicação de obras religiosas, narrativas de viagens, regimentos
citadinos e de ofícios, textos legislativos, crônicas etc. Do mesmo modo, ao
considerar que a maior parte dos impressos estava relacionada à literatura
religiosa, nota-se que os usos da nova tecnologia se associaram às demandas
da espiritualidade na Baixa Idade Média.
Outro exemplo é a expansão ultramarina e colonial. Costumeiramente
explicada como reflexo da conquista de Constantinopla (1453) pelos turco-
otomanos, da busca por novas rotas de especiarias fora do Mediterrâneo e como
um fenômeno ibérico por excelência, tais percepções tendem a ofuscar as
experiências coloniais no Levante com os estados cruzados e, principalmente, a
intensificação das viagens europeias ao Oriente a partir do século XIII. Ao lado
do célebre Marco Polo (c.1254-1324), mercador veneziano que viveu na corte
de Kublai Khan, inúmeros outros homens empreenderam viagens terrestres e
marítimas ao Extremo Oriente, atuando como missionários, comerciantes,
embaixadores, espiões, entre outras funções, e contribuíram para o contato
intercultural séculos antes da chegada dos europeus às Américas. Assim, as
viagens da Era dos descobrimentos foram uma consequência da dinâmica que
mobilizava a Europa há alguns séculos.
Esses poucos exemplos mostram-se suficientes para demonstrar as
ligações entre alguns acontecimentos que tradicionalmente caracterizam o início
da Idade Moderna com as dinâmicas observadas na sociedade medieval desde
o início do segundo milênio e, em especial, do século XIII em diante. Ademais,
os inegáveis impactos da tríade de problemas da crise do século XIV não
impediram a retomada do crescimento populacional, a ampliação das redes e
das trocas comerciais, a afirmação das estruturas estatais e o desenvolvimento
das cidades e da vida urbana em finais do século XV. Perceber os séculos XV,
XVI e XVII como acelerações progressivas de desenvolvimentos anteriores e
não como uma ruptura em meio à crise generalizada, eis o desafio lançado aos
estudos sobre o fim da Idade Média.
3
NA PRÁTICA
Saiba mais
Para iniciar esse contato, indicamos dois podcasts, o programa “Estudos
Medievais”, do Laboratório de Estudos Medievais (LEME), “episódio 1-Games e
História”, que pode ser acessado pelas plataformas Spotify, Anchor, Google
podcasts e no itunes, e o episódio “Kingdom Come: Deliverance”, do podcast
“Pós-Jogo”, do Grupo de Pesquisa ARISE – Arqueologia Interativa e Simulações
Eletrônicas, da USP, disponível nas plataformas Sondcloud e itunes.
FINALIZANDO
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conhecimento historiográfico, pudemos compreender que cada contexto deve
ser analisado em toda a sua complexidade, não cabendo mais realizar
comparações superficiais entre períodos, que, acima de tudo, são delimitações
didáticas construídas também em um contexto histórico específico.
Vivemos em um século XXI também marcado por inúmeros contrastes,
desigualdades, conflitos, injustiças, usos escusos das religiões, censuras,
abusos de poder político e econômico, incluindo mais recentemente também um
momento de “peste” com a pandemia do Covid-19, que se revelou globalmente
desafiador. Os séculos que denominamos de finais da Idade Média, XIV e XV,
revelam-nos uma dinâmica intensa no Ocidente, e pelas suas grandes
especificidades, podem nos ajudar a compreender um pouco mais de nós
mesmos e do período em que vivemos.
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REFERÊNCIAS