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História Moderna e Contemporânea

O Humanismo: suas tendências e difusão

A criação cultural do Renascimento reflecte o novo espírito individualista e


antropocêntrico: tem o Homem no cerne das suas preocupações – Humanismo.
Os humanistas eram, na sua maioria, eclesiásticos e professores universitários
que se consideravam em ruptura com a idade média, cujos valores e produção cultural
repudiavam com veemência. Iam “beber” à Antiguidade clássica, descobrindo nos
textos gregos e romanos as verdadeiras sabedoria e beleza.
A erudição humanista distinguiu-se na procura entusiasta de manuscritos
clássicos, na aprendizagem do grego e do hebreu e no aperfeiçoamento da língua latina.
Os humanistas percorreram bibliotecas e mosteiros, onde recuperaram textos poéticos,
históricos, filosóficos, científicos e técnicos de grande valor.
Procuravam absorver integralmente o espírito e os valores da Antiguidade:
cultivaram esmeradamente o latim (grosseiramente utilizado pelos “bárbaros”
medievais); leram Aristóteles no original, pois os escolásticos tinham-no falsificado;
leram S. Paulo para que a Igreja recuperasse a sua pureza original e a sua missão
espiritual.
Os humanistas praticaram tarefas como ler, traduzir, comentar e divulgar os
textos clássicos e as Sagradas Escrituras.
Apoiados pela criação de bibliotecas e pela descoberta da imprensa, os
humanistas procediam ao restauro, à cópia e à publicação dos manuscritos
redescobertos, transformando-os em fundamento de um novo saber e de um novo
ensino. A cultura deixa, assim, de estar confinada á clausura dos mosteiros para se
colocar ao serviço da colectividade.
A parte da Europa que sofreu o influxo humanista esforçou-se em criar obras,
cujas temáticas e características assentavam na imitação cós clássicos: estilos e géneros
literários.
“Os Lusíadas”, de Luís de Camões, cantam a glória dos feitos heróicos
portugueses e representam a síntese dos principais intelectuais do Renascimento, já que
articulavam o respeito pelos modelos e pela herança dos clássicos (patente no estilo
literário, no reportório mitológico) com a proclamação da excelência do saber dos
modernos, um “saber de experiência feito”. Seguir os clássicos era não só copiá-los de
uma ponto de vista formal, mas, sobretudo, absorver o seu espírito criativo, crítico e
intervencionista. A cultura antiga era, assim, um instrumento educativo e formativo da

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personalidade humana, um meio de o indivíduo desenvolver as suas capacidades


intelectuais e morais, se conhecer a si próprio e ao mundo que o rodeia.
Para Montaigne, humanista francês da segunda metade do século XVI, as letras
deveriam “enriquecer e adornar por dentro” e, o mais importante seria saber discernir,
escolher, julgar, duvidar, inclusive, da autoridade doas antigos. Em suma, mostrar a
dignidade e a liberdade da condição humana pelo uso da razão.
Erasmo de Roterdão (1469-1536) constitui o modelo mais completo do
Humanismo quinhentista. No Elogio da Loucura, utiliza, como arma de retórica, a
ironia, com a qual fustiga o clero corrupto e preconiza a reforma da igreja. Mas também
reis, cortesãos e mercadores não escapam à crítica social de Erasmo. Profundamente
crente, Erasmo procura recuperar os valores da humildade, caridade e fraternidade do
cristianismo primitivo (valores que concilia com uma erudição clássica de cariz
platónico).
Da crítica social à utopia é breve o passo. Com efeito, muitas obras literárias do
Renascimento perspectivam mundos de perfeição e harmonia, onde se pratica um novo
ideal de vida centrado nos valores humanos. É o caso da Abadia de Telema, no
Pantagruel de Rabelais, da Utopia de Thomas More, ou da Cidade do Sol de
Campanella.
A utopia mais célebre é, talvez, a do inglês Thomas More (1478-1575). Na obra
homónima, concebe, na esteira da República de Platão, um mundo ideal, racionalizado,
onde há paz espiritual, igualdade, fraternidade e tolerâncioa. Um mundo onde o
Homem, como ser superior, sabe vencer as paixões e os vícios e estabelecer a
prosperidade. Um mundo onde o Homem, como ser superior, sabe vencer as paixões e
os vícios e estabelecer a prosperidade. A Utopia é precisamente o oposto da Inglaterra e
Estados europeus coevos, a quem More critica o despotismo das monarquias, a
ociosidade dos nobres, o luxo dos monges, a corrupção do funcionalismo.
Além de humanista, T. More foi um homem de Estado coerente com os seus
princípios, pois pagou com a vida a integridade do seu carácter. Sendo chanceler de
Henrique VIII, abandonou a corte na sequência do divórcio do soberano e da sua atitude
antipapal, embora não deixasse de crticar os desvios a que a Igreja se entregara. E, por
se ter recusado a jurar a acta que legitimava a nova união matrimonial do monarca, o
que equivalia a não reconhecer a superioridade real em mat´ria espiritual, foi preso e
executado.

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No âmbito dos precursores destaca-se Petrarca (1304-13714). Demonstrava um


grande interesse pela literatura clássica, enquanto que se familiarizava com a poesia
vernacular, mas só após a morte do pai em 1326 pôde dedicar-se em pleno à actividade
literária, abandonando o curso de Direito. Era possuidor de uma profunda fé religiosa,
de um amor pela virtude e de uma rara percepção da natureza transitória dos assuntos
terrenos, características que o levaram a tomar pequenas ordenações eclesiásticas
(ficando sob a protecção da poderosa família do cardeal Giovanni Colonna), embora ao
mesmo tempo a sua fama de turbulento (que partilhava com o irmão) se fortalecesse.
Defendia activamente a ligação efectiva entre a cultura clássica e a mensagem cristã,
rejeitando as discussões dentro do sistema escolástico e tornando-se assim o grande
fundador do Humanismo europeu.

Os vastos contactos comerciais e diplomáticos entabulados por Portugal, nos


séculos XV e XVI, com os Estados europeus - contactos esses favorecidos pelo seu
papel pioneiro no processo das descobertas transoceânicas - abriram as portas do nosso
pais às correntes culturais renascentistas. Com efeito, desde cedo, viajantes portugueses
foram atraídos pelo brilho cultural de algumas zonas europeias; mestres italianos e
fiamengos, como Mateus Pisano, Cataldo Sículo e Nicolau Clenardo, foram chamados
para orientar a educação de futuros reis e de jovens aristocratas; estudantes nacionais,
beneficiando de bolsas régias, espalharam-se pelas principais universidades e colégios
europeus.
Entre os grandes vultos do humanismo português citam-se o dramaturgo Gil
Vicente, os poetas Garcia de Resende, Bernardim Ribeiro, Sã de Miranda, António
Ferreira, Luís de Camões, o escritor de viagens Fernão Mendes Pinto, os historiadores
João de Barros e Damião de Góis, os pedagogos Diogo, André e Marcial de Gouveia
(respectivamente, tio e sobrinhos), o filósofo e médico Francisco Sanches, os cientistas
Pedro Nunes, Garcia de Orta, Duarte Pacheco Pereira. Parafraseando formas literárias,
temáticas e ideais caros aos clássicos e aos seus continuadores da Renascença, ou
praticando a especulação filosófica e científica - que a experiência dos mares, a abertura
civilizacional e a vivência cosmopolita facilitavam -, a eles se ficou a dever:
- o enriquecimento e a expansão da língua portuguesa;
- a contestação da escolástica medieval;
- uma revolução pedagógica de grande alcance, expressa na reforma da
Universidade e na criação do Colégio das Artes;

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- a afirmação de um espírito novo, positivista e prático (o espírito do livre


exame) que, no ramo científico e técnico, haveria de dar origem a uma corrente
experiencialista;
- a instalação de uma cultura secular.
Infelizmente, na segunda metade do século XVI, vários entraves se colocaram ao
florescimento do humanismo português. A centralização económica e política, a
Inquisição, os Índexes e os bloqueios intelectuais criados retiraram audácia e brilho às
nossas manifestações culturais, doravante subordinadas aos fins éticos do Estado e da
Fé por ele estabelecida.

Marisa Ribeiro, n.º 12783

Bibliografia

Diciopédia, Porto Editora

PINTO, A., COUTO, C. e NEVES, A., Temas de História 11 – 1.º volume,


Porto Editora, 1997.

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