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Análise de Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos
Últimos Três Séculos
 l Constatação da decadência dos povos peninsulares, após uma época de glória,
decadência essa assumida como um facto incontestável.
 
 
l Antero entende a Península como um todo, isto é, Portugal e Espanha: “Como
peninsular...”.
 
 
l A necessidade de reconhecer e assumir os erros históricos, a única forma de os
superar, o único caminho de regeneração.
 
 
l A delicadeza do tema a tratar: a sociedade possui tradições, crenças e interesses
históricos que representam a sociedade do passado; por outro lado, é difícil
alterar opiniões e crenças.
 
 
l No meio da divergência de opiniões, há uma fraternidade moral que se baseia na
tolerância, no respeito mútuo e na procura da verdade.
 
 
l Objetivo das Conferências: a discussão de ideias.
         Os seus mentores não pretendem impor as suas ideias, apenas tencionam
expô--las para posterior discussão, ainda que desta resulte a derrota dessas
ideias, desde que com argumentos justos e corretos.
 
 
l O contraste entre a Península dos três últimos séculos (abatida e insignificante) e
do primeiro período da Renascença, da Idade Média e dos últimos séculos da
Antiguidade (gloriosa, liderante, inovadora).
 
 
l Caracterização da “raça peninsular” – passado remoto:

® espírito de independência local:

.a dificuldade da dominação romana, que nunca chegou a completar-


se;

. a introdução no latim de “um estilo e uma feição inteiramente


peninsulares, e singularmente característicos”;

. a descentralização e o federalismo político: a multiplicidade de


reinos e condados soberanos na Península;

. o espírito independente, autonómico e democrático das populações:


as comunas e os forais;
. a inexistência (única na Europa Central e Ocidental) na Península do
feudalismo;

. a união da Nobreza e do Povo (por interesses e sentimentos);

. a consciência instintiva do Direito;

. a virilidade de acções e caracteres;

. a repugnância pelo despotismo religioso e político;

. a natureza religiosa dos peninsulares;

® a originalidade do génio inventivo – criador e independente:

. a independência das igrejas peninsulares face a Roma;

. “a atitude altiva das coroas da Península diante da cúria romana” ;

. o aparecimento de rituais indígenas;

. a liberdade de pensamento e interpretação;

. o sentimento de cristão:

- a caridade;

- a tolerância.

 
 
l O espírito peninsular medieval:

-» o nível intelectual da Península em nada era inferior ao das nações


cultas;

-» a filosofia escolástica:

. grandes figuras, como Raimundo Lúlio, Afonso X (espírito universal,


filósofo, político, legislador), Averrois, Ibn-Tophail, Maimónides,
Avicebron;

. a celebridade e fama das universidades de Coimbra e Salamanca, nas


quais estudavam muitos estrangeiros, “atraídos pela fama dos seus
doutores”;

. a reforma da escolástica, nos séculos XIII e XIV, pela renovação do


aristotelismo, obra quase exclusiva das escolas árabes e judaicas de
Espanha – os mouros e os judeus foram uma das glórias da Península;
-» a teologia: a doação, pela Península, à Igreja, de teólogos e papas (um deles
português, João XXI);

-» a poesia – as criações nacionais dos ciclos épicos:

. o Romancero

. as lendas do Cid           em oposição aos ciclos épicos da Távola


Redonda,

. as lendas dos Infantes   de Carlos Magno e do Santo Graal

de Lara, entre outros

. os trovadores peninsulares, em oposição aos trovadores provençais;

. grandes trovadores nobres como Beltrão de Born e o conde de


Tolosa;

-» a arquitetura gótica produziu obras imortais:

. o mosteiro da Batalha;

. a catedral de Burgos;

-» a inovação e liderança da Península nos estudos geográficos e nas grandes


navegações, que exigiram grande trabalho intelectual e científico:

. a escola de Sagres do Infante D. Henrique, geradora de grandes


personalidade como Bartolomeu Dias, Fernão de Magalhães,
Colombo;

. a descoberta do Novo Mundo;

-» como consequência, os povos peninsulares tinham a admiração e exerciam


influência nos restantes países europeus.

 
 
 
l Renascimento:

-» primeira geração (até meados do século XVI), espírito brilhante destruído pelas
gerações seguintes:

– ensino:

. época extraordinária de criação e liberdade de pensamento;

. a renovação dos estudos universitários;


. a fundação de novas universidades (catorze em Espanha) e a
reforma de outras;

. o estudo das grandes obras literárias da Antiguidade, por vezes


na língua original;

. a filosofia neoplatónica substituiu a escolástica medieval, velha


e gasta;

. o surgimento de um estilo e uma literatura novos com Camões,


Cervantes, Gil Vicente, Sá de Miranda, Lope de Veja, António
Ferreira;

. grandes sábios (Miguel Servet) e filósofos (Sepúlveda e Sanches,


mestre de Montaigne);

. grandes humanistas: André de Resende, Diogo de Teive, bispo


de Tarragona, António Augustín, Damião de Góis, Camões,
grande poeta e erudito;

– arte:

. arquitetura: criação do estilo manuelino;

. pintura: criação da escola de pintura espanhola (Murillo,


Velázquez, Ribera);

– grandes feitos guerreiros.

 
 
 
l A decadência (no espaço de 50-60 anos): quadro de abatimento, inércia, pobreza,
insignificância, tanto mais sensível quanto contrasta dolorosamente com a
grandeza, a importância, o progresso, e a originalidade do papel desempenhado
nos últimos séculos da Antiguidade, na Idade Média e no primeiro período da
Renascença:

-» a perda da independência de Portugal (1580-1640);

-» a decadência surge em vários domínios: política, influência, ciências,


economia, sociedade, indústria, costumes – a ignorância, a opressão, a
miséria, a depravação dos costumes:

. nos “grandes”:  - a corrupção faustosa da vida da corte;

- o vício;

- a brutalidade;

- o adultério;
. nos “pequenos”:   - a corrupção hipócrita;

- a miséria;

- o adultério;

- a prostituição;

- a desagregação da família;

. a falta de crença e autenticidade na prática religiosa;

-» em suma, “tais temos sido nos últimos três séculos: sem vida, sem
liberdade, sem riqueza, sem ciência, sem invenção, sem costumes” .

 
 
 
l Causas da decadência:

– de ordem moral: o catolicismo posterior ao Concílio de Trento, que


desvirtuara a essência do cristianismo e atrofiara a
consciência individual;

– de ordem política: a monarquia absoluta, que reprimia todas as liberdades


individuais e nacionais, gerando um espírito de
submissão na raça ibérica;

– de ordem económica: as conquistas ultramarinas, que tinham esgotado as


energias do país e criado hábitos de
ociosidade.

 
 
 
l O crescimento e progresso de outras nações:

-» causas:

. a liberdade moral conquistada pela Reforma ou pela


filosofia ¹ catolicismo do Concílio de Trento;

. a elevação da classe média, instrumento do progresso ¹ absolutismo;

. a indústria, promotora de nova concepção do Direito, substituindo o


trabalho à força e o comércio à guerra de conquista ¹ espírito de
conquista, obstáculo ao trabalho e ao comércio.

 
l Consequências:
 

1. Do catolicismo do Concílio de Trento:

– retirou a liberdade moral, que apelava para o exame e a consciência


individual – fomentou a decadência moral;

– o progresso das outras nações em oposição à nossa decadência;

– fomentou o despotismo religioso e a intolerância, cujas origens,


porém, vinham já de longe: “... nem a Reforma significa outra coisa
senão o protesto do sentimento cristão, livre e independente,
contra essas tendências autoritárias e formalísticas.” ;

– neste passo, Antero sente necessidade de distinguir entre


cristianismo e  catolicismo:

. o cristianismo é um sentimento ¹ o catolicismo é uma


instituição;

. o cristianismo vive da fé, do sentimento e da inspiração ¹ o


catolicismo vive do dogma e da disciplina;

. conclusões:

-» o catolicismo surge como desvirtuamento, degeneração,


perversão do cristianismo;

-» o catolicismo revelou-se inimigo da razão, do saber, da


liberdade, do corpo, do próprio homem;

-» o catolicismo revelou-se autoritário, absolutista, adepto


do poder, da compreensão, da perseguição, da
intolerância, da manipulação;

-» a sua influência criou em nós raízes tão profundas


que “há em todos nós, por mais modernos que
queiramos ser, Alá oculto, dissimulado, mas não
inteiramente morto, um beato, um fanático ou um
jesuíta! Esse moribundo que se ergue dentro de nós é
o inimigo, é o passado. É preciso enterrá-lo por uma
vez, e com ele o espírito sinistro do catolicismo de
Trento.”;

– no domínio da política europeia:

. fomentou as lutas político-religiosas;

. fomentou a criação de um estado forte em Itália;


. favoreceu a oposição à liberdade política na Polónia;

. foi “o maior inimigo das nações e verdadeiramente o túmulo


das nacionalidades”;

– na economia portuguesa:

. afetou o comércio, a indústria e a agricultura com a expulsão


dos judeus e dos mouros;

. levou ao desaparecimento dos capitais, com a perseguição aos


cristãos-novos;

– na sociedade portuguesa:

. fomentou o terror, com a Inquisição;

. fomentou a hipocrisia;

. promoveu a delação;

. corrompeu o carácter nacional;

. intensificou o fanatismo;

– no domínio colonial:

. contribuiu para a hostilidade aos índios;

. dificultou a fusão entre conquistadores e conquistados;

. impediu uma colonização sólida e duradoura;

. aterrorizou as populações indígenas.

 
2. Do absolutismo:

Û durante a Idade Média, os reis não eram absolutos e havia um


equilíbrio entre os privilégios da nobreza, do clero e as instituições
populares: “A liberdade era então o estado normal da
Península.”;

– “No século XVI, tudo isto mudou.”  (passa a dominar a monarquia


absoluta que resultou de uma longa transformação das monarquias
peninsulares):

® no domínio político:

. arruinou as instituições locais:


-» terminou com a repartição de poderes;

-» acabou com a política local de municípios, na


sua “contínua vigilância” ao poder real;

-» o povo perdeu a liberdade, a vida


municipal “afrouxou”, acabou com as comunas
espanholas e com os foros populares;

. abateu a nobreza em proveito próprio;

. centralizou o poder;

. corrompeu o rei;

. impediu o desenvolvimento da burguesia, governando-se


pela nobreza e para a nobreza:

-» a agricultura caiu, graças à vinculação de terras, à


criação de imensas propriedades, que conduziram
à anulação da classe dos pequenos proprietários e
ao desaparecimento da pequena agricultura;

-» metade da Península tornou-se numa charneca em


virtude do decréscimo da população;

-» o espírito aristocrático da monarquia impediu o


desenvolvimento da burguesia, “a classe moderna
por excelência, civilizadora e iniciadora, já na
indústria, já nas ciências, já no comércio.” ;

-» obliterou-se o sentido da liberdade;

-» adormeceu o povo, fê-lo cair na passividade de


quem tudo espera do poder;

-» cerceou-se o espírito de iniciativa;

. o Estado absoluto aliou-se à Igreja, o despotismo


entendeu-se com a teocracia, entendimento esse que se
refletiu na política externa (reis peninsulares, como D.
Sebastião e D. Carlos V, em vez de se inspirarem num
sentimento nacional, tornaram-se instrumentos da
política católica romana) – esta aliança foi um dos fatores
que mais contribuiu para a decadência;

® no plano educacional:

-» os jesuítas utilizam métodos de ensino brutais e


requintados que esterilizam as inteligências, dirigindo-
se à memória, com o fim de matarem o pensamento
inventivo;

-» procuram alhear o espírito peninsular do grande


movimento da ciência moderna, essencialmente livre e
criadora: a educação jesuíta faz das classes elevadas
máquinas ininteligentes e passivas; do povo, fanáticos,
corruptos e cruéis;

® arte e literatura:

-» odes ao divino;

-» arquitetura jesuítica;

-» poesia académica convencional;

-» discurso fradesco;

-» destruição de toda a criatividade popular;

-» os livros devotos revelam pobreza de ideias e de


sentimentos e uma estilística pueril;

® no plano da moral:

-» depravação dos costumes;

-» os reis dão o exemplo do vício, da brutalidade, do


adultério;

-» a época é de amantes e de bastardos;

-» documentos e tradição remetem para os escândalos no


seio do clero e da aristocracia.

 
3. Das conquistas ultramarinas:

-» panorama económico anterior às descobertas:

. crescimento da população;

. abundância;

. arborização do país;

. exportação de muitos produtos (azeite, cereais, peixe salgado,


frutas secas),

. prosperidade agrícola;
. desenvolvimento do comércio;

. desenvolvimento de todas as classes;

-» as conquistas ultramarinas foram um brilhante relâmpago que


perdura há dois séculos nos nossos livros, memória e tradições,
cantado n’Os Lusíadas de Camões, mas tiveram efeitos muito
negativos:

-» efeitos das descobertas – panorama económico posterior aos


Descobrimentos:

. impediram o desenvolvimento político, pois o espírito que lhes


presidiu dois séculos antes está deslocado nos tempos
modernos: “... as nações modernas estão condenadas a não
fazerem poesia, mas ciência.”;

. impediram o desenvolvimento do trabalho e da indústria: “... a


riqueza e a vida das nações têm de se tirar da actividade
produtora, e não já da guerra esterilizadora.” ;

. a população rural (proprietários e agricultores), atraída pela


miragem da riqueza, abandonou a terra e afluiu/emigrou para
os grandes centros urbanos e para os territórios ultramarinos, o
que fez com que, por um lado, o campo e o próprio país
ficassem despovoados e, por outro, nos centros urbanos surjam
a miséria, a fome, a mendicidade, a ociosidade, o vício e a
criminalidade – metade da população morria de fome;

. a cultura diminuiu;

. os preços dos produtos subiram drasticamente e, porque a


concorrência de outros países nos esmagava, deixámos de
exportar e passámos a importar produtos do estrangeiro – o
afluxo de riquezas do Oriente e da América fez esquecer e
descurar a produção nacional;

. a agricultura decaiu, num reino essencialmente agrícola, facto


comprovado pelo cognome dos reis D. Sancho I, o Povoador, e
D. Dinis, o Lavrador;

. Camões é o paradigma desta miséria;

. a população decresceu;

. introduziu-se o trabalho servil, a escravatura;

. a indústria decaiu:

- não se fabricava, não se produzia;


- importávamos diversos produtos;

. a vida concentrou-se na corte;

. a fidalguia fez-se cortesã, entregou-se ao luxo, ao lucro fácil,


ao vício, à corrupção, à libertinagem, ao jogo, às aventuras
amorosas, ao adultério; a família desagregou-se;

. nas colónias:

- criou-se um fosso entre conquistadores e conquistados;

- as populações foram aterrorizadas;

- as religiões indígenas foram perseguidas (papel da


Inquisição);

- a colonização caracterizou-se pela ferocidade, a ponto de


terem surgido eloquentes protestos contra as atrocidades
praticadas.

 
 
 
l Soluções propostas para superar a crise:

–» fazer um corte com o passado (respeitar os nossos avós, mas sem os


imitar);

–» opor ao espírito velho o espírito moderno;

–» opor ao catolicismo a consciência livre, a ciência, a filosofia e a crença


no progresso da humanidade;

–» opor à monarquia centralizada a criação de uma federação republicana e


democrática;

–» opor à inércia industrial a organização do trabalho livre, sem


interferência do Estado, como forma de transição para o socialismo.

 
 
 

l Exposição do conceito de Revolução: a acção pacífica, norteada pela ordem e


pela liberdade – “Longe de apelar para a insurreição, pretende preveni-la,
torná-la impossível...”.

 
 
l O Cristianismo foi a Revolução do mundo antigo, a Revolução moderna é o
Cristianismo do mundo moderno.
 
 
 
         A conferência de Antero tem sido considerada como um dos documentos
mais importantes da cultura portuguesa do século XIX, como um balanço da
história portuguesa e peninsular, como um julgamento de Portugal e do seu
passado histórico e, simultaneamente, como uma tentativa de acordar as
consciências.
 
Posted by Filoctetes at 02:05 0 comments   
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Labels: 11.º Ano , Análises , Antero de Quental
Obras de Antero de Quental
 1861 - Sonetos de Antero de Quental.
 1862 - Beatrice.
 1865 - Odes Modernas.
 1872 - Primaveras Românticas.
 1875 - Odes Modernas (2.ª edição).
 1881 - Sonetos.
 1886 - Sonetos Completos. 
Posted by Filoctetes at 01:39 0 comments   
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quinta-feira, 28 de janeiro de 2021
Vida de Antero de Quental
Posted by Filoctetes at 07:15 0 comments   
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quarta-feira, 15 de maio de 2019
Análise do poema "Tormento do Ideal"

(c) Santillana

Posted by Prometeu at 11:36 3 comments   


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quarta-feira, 8 de maio de 2019
Análise do soneto "O palácio da Ventura"
            Este soneto inclui-se na segunda série da colecção biográfica, segundo a
perspectiva de Oliveira Martins, e no terceiro ciclo correspondente ao do
Sentimento Pessimista, de acordo com a divisão feita por António Sérgio.

            Antero que Quental foi um verdadeiro apóstolo social, solidário e


defensor da justiça, da fraternidade e da liberdade. Mas as preocupações nunca
o deixaram desde que entrou nos meios universitários de Coimbra e se tornou
líder da Geração de 70 que, em Lisboa, continuou a sua luta.
            As dúvidas e a verificação de que o seu apostolado não estava a
conseguir os objectivos que desejava, aliado ao agravamento da sua doença,
conduziram Antero de Quental a sentir-se decepcionado, mergulhando num
estado de pessimismo. Quem se empenha como ele, de forma apaixonada,
numa campanha para alerta mentalidades e não sente a promoção do espírito
da sociedade moderna, fica frustrado.
            Neste poema, os momentos de dúvida e de incerteza, ou melhor, de
esperança e de desesperança, estão bem demarcados.

            “O Palácio da Ventura”, título metafórico, é uma súmula do pensamento


anteriano que tem subjacente duas facetas bem demarcadas:
– uma combativa, de origem intelectual, ou seja, as suas aspirações enquanto
pensador;
– outra negativa, de origem emocional e temperamental.
            Na verdade, este poema (assim como toda a sua obra) deixa transparecer
uma nítida dicotomia que consiste na oposição constante entre luz e sombra,
sonho e realidade, esperança e desilusão, reflexo do próprio carácter do poeta e
que constitui, per si, o drama do homem e do pensador.

. Assunto: a busca da felicidade (palácio encantado”) e o encontro da desilusão.

. Tema: a oposição sonho / realidade ® desilusão ® pessimismo.

. Estrutura interna  –  tragédia em 4 actos


HIPÓTESE  A
. 1.º momento (1.ª quadra) ® O entusiasmo do primeiro arranco, em busca da felicidade (o
palácio encantado da Ventura).

. 2.º momento (vv. 5-6) ® O desalento, o cansaço e a desilusão provocados pelo insucesso da


procura.
            A conjunção coordenativa adversativa “mas” cria a oposição entre os dois
momentos.

. 3.º momento (vv. 7-12) ® O renascimento da esperança: a ilusão momentânea, a nova


esperança e o grito de ansiedade.
            A expressão “E eis”, com valor adversativo, permite o retomar da ilusão e
da busca iniciais.

. 4.º momento (vv. 13-14) ® A dor e a decepção finais (de certa forma já antecipadas no 2.º
momento):
“Mas dentro encontro só, cheio de dor
Silêncio e escuridão   -   e nada mais!”
                                                                       ¯
                                    abismo entre a realidade e a idealidade  ®  pessimismo (estado de espírito
do sujeito)
            A adversativa “mas” confirma o segundo momento, ou seja, o da
desilusão.

HIPÓTESE  B
. 1.ª parte (vv. 1-6) – O sujeito poético busca a felicidade (o palácio encantado), mas é
tomado pelo cansaço e pela desilusão (vv. 5-6).

. 2.ª parte (vv. 7-12) – A ilusão momentânea do sujeito poético, que o leva ao grito de
ansiedade: “Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!” (v. 12).

. 3.ª parte (vv. 13-14) – A desilusão final, mais forte e dorida.


. Comentário global do poema

            O poema inicia-se com o verbo sonhar no presente do indicativo, na


primeira pessoa do singular, o que significa que o texto parte de uma realidade
onírica, ideal. Não é verdade que o sonho é uma “constante da vida”, “Que
sempre que o homem sonha / O mundo pula e avança” (António Gedeão, Pedra
Filosofal)? O sujeito poético sonha. O quê? Sonha-se/idealiza-se um cavaleiro
andante que, incansavelmente, busca o “palácio da ventura”. A sua convicção é
reforçada pela repetição do fonema sibilante /s/, que confere vigor e força à
afirmação. O que é um cavaleiro andante? Em que época existiram? Hoje não
há, hoje há automóveis, barcos, aviões, naves espaciais... Na Idade Média, eram
frequentes as aventuras desses cavaleiros. É, pois, a aventura, sinónimo de
sonho, que está aqui presente. Por outro lado, a caracterização do cavaleiro
como andante remete para um espaço a percorrer, num determinado momento
temporal. Que espaço?
            “Por desertos, por sóis, por noite escura”. A aliteração da consoante /p/,
pela implosão do ar e ruído que provoca, sugere o som do trotar do cavalo. Se o
texto fosse simbolista, poderíamos mesmo tirar partido da configuração desta
consoante para a sugestão da configuração física da pata do cavalo. O espaço e
a dimensão temporal são, portanto, constituídos por três realidades: desertos,
sóis, noite escura. Ora, cavalgar por desertos é extremamente difícil, o que
significa que a aventura, o objectivo a alcançar não será fácil. Mas cavalgar por
desertos e ainda por sóis é bem mais difícil. O sol escaldante do deserto! Só que
a vida é também uma “aventura escaldante”. Mais: cavalgar por noite escura
(pleonasmo) não será sinónimo de impossibilidade? A noite já em si é escura.
Por que razão o sujeito poético a qualificou de escura? É que há noites com
tanto luar que permitem ver. O que parece evidente é a gradação crescente de
dificuldades que o cavaleiro terá que vencer. Que força o impele? “Paladino do
amor”: é o amor a um objectivo, a uma meta. Guiado pela força do amor, o
cavaleiro procura “anelante / O palácio encantado da Ventura”. Eis o objectivo:
a Ventura, metaforicamente rainha de um palácio encantado. Que a procura é
intensa, mostra-o não só o adjectivo com a função de advérbio, mas
o transporte do verso terceiro sobre o quarto. Cavaleiro andante, palácio
encantado, tudo a lembrar a época medieval, os contos de fadas, a procura do
Graal, etc.
            Pergunta-se muitas vezes para que serve a rima.
Reparemos: andante rima com anelante e escura com Ventura. Será rima só de
ouvido? Se fosse o caso, não teria muito interesse. A poetização faz-se quer a
nível do significante quer a nível do significado. A nível do significante, podemos
determo-nos nos exemplos apontados. Andante e anelante são adjectivos que
se aproximam pelo som e pelo significado; a rima funciona por
semelhança. Escura e Ventura são palavras de categoria gramatical diferente e
de significado diferente. Por que razão terá sido escolhida esta rima rica?
Certamente se fez a aproximação destas palavras para sugerir dificuldade: não é
difícil cavalgar sobre o sol do deserto e, ainda por cima, sem nenhuma luz que
ilumine o caminho? A Ventura, a felicidade, não qualquer felicidade, porque as
palavras maiusculadas adquirem significados que transcendem a denotação, a
felicidade profunda, vital, essencial, felicidade a que leva um autêntico amor,
não é difícil de alcançar? É este o sentido da rima.
            Em suma: o sujeito poético idealiza-se um “cavaleiro andante” que,
denotada e incansavelmente, busca o “palácio da Ventura”. Assim, qual D.
Quixote, movido por ideais superiores, o sujeito poético, “paladino do amor”,
cheio de esperanças e coragem, lança-se na sua heróica caminhada “por
desertos, por sóis, por noite escura”, crente na possibilidade de atingir os
objectivos que o norteiam (a Justiça, o Amor, a Liberdade, a Felicidade). Porém,
o entusiasmo que caracteriza o início desta heróica jornada, cedo se
transformou em desalento. Aliás, a enumeração e o adjectivo escura (v. 2)
sugerem a dificuldade e até mesmo a impossibilidade de o sujeito poético
concretizar o seu sonho.

            Esta ideia é realçada no início da segunda quadra através da conjunção


coordenativa adversativa mas, que inicia a segunda etapa da jornada do
cavaleiro, marcada, agora, pelo desânimo. De facto, face ao elevado grau de
dificuldade que a sua meta comporta, não admira que o cavaleiro vacile na
primeira prova a que é submetido: “Mas já desmaio, exausto e vacilante /
Quebrada a espada já, rota a armadura...” Notemos a importância
do verbo desmaiar que contrasta com o verbo buscar da 1.ª estrofe, a dupla
adjectivação “exausto e vacilante”, que evidenciam o estado de completo
cansaço e desânimo do sujeito poético neste momento da sua busca, e também
o advérbio de tempo já, que indica o momento do desmaio. Terá sido grande a
luta? O cavaleiro tinha consigo as suas armas de defesa, com as quais julgava
poder conseguir vencer todas as vicissitudes e contrariedades que se lhe
opusessem na sua jornada. Todavia, elas foram destruídas durante a luta, facto
que demonstra o grau de dificuldade da empresa que ele se propõe levar a
cabo. E aconteceu o desmaio, a queda, mas não a desistência. Quantas vezes
não caímos? Quantas vezes não nos levantamos? A vida é feita de sucessos e
insucessos. As reticências do verso 6 podem sugerir esta ideia ou ainda um
momento de recuperação de forças; mesmo desmaiado, tem dentro de si a
força que o faz agir: o amor. Por isso, o cavaleiro não se deixa abater pelas
primeiras dificuldades e, ao avistar, de forma quase inesperada, o palácio que
procurava, ganha forças e ânimo e reinicia a sua marcha, porque o palácio é
realmente belo, talvez mais belo do que pensara. Antes era um “palácio
encantado”, agora mais perto é ainda mais sedutor: “sua pompa e aérea
formosura”. Este é um dos momentos mais intensos do poema pela luta física e
psicológica com que o sujeito se debate. O adjectivo fulgurante e os
dois substantivos abstractos pompa e formosura caracterizam o palácio
desejado como um lugar ainda mais belo e perfeito, o que faz nascer no sujeito
poético um desejo ainda maior de o alcançar.

            A passagem de estrofe é estratégica: sugere o tempo necessário para o


cavaleiro chegar ao palácio. O poema é uma unidade, tem de haver
continuidade, não podem acontecer saltos. Uma vez encontrado o palácio, o
que faz o cavaleiro? Duas acções: bate à porta e grita. A poetização do
significante, neste passo do poema, é significativa: “Com grandes golpes bato
à porta e brado”; construído o verso com monossílabos e dissílabos, a
acentuação tem de sugerir os golpes: ~ – ~ – ~ – ~ – ~ – / ; os acentos
dominantes recaem nas sexta e décima sílabas (verso decassílabo heróico) e as
palavras que os contêm são as que indicam as duas acções. A aliteração dos
fonemas sublinhados e a repetição da vogal aberta /a/ sugerem admiração e
expectativa. Por outro lado, os verbos avisto, bato e brado, associados à
expressão “eis que súbito”, sugerem uma acção continuada, gradativa e cada
vez mais intensa. O verbo bradar, associado à expressão “grandes golpes”,
salienta o estado de agitação e de exaltação do cavaleiro ao querer alcançar o
seu palácio. Por outro lado, o palácio que anteriormente parecia distante, está
agora, ali, diante dele, “... fulgurante”/ “na sua pompa e aérea formosura”.
Tudo se conjuga para criar um efeito quase onomatopaico do que acontece.

            Seguidamente, o sujeito poético apresenta-se de forma curiosa: “Eu sou


o Vagabundo, o Deserdado”. Novamente,
as maiúsculas nestes substantivos conferem-lhes um significado transcendente.
Assim, neste contexto Vagabundo é aquele que erra pelo mundo em busca de
algo de essencial, de vital para a sua realização; enquanto Deserdado, pelo facto
de não possuir quaisquer bens, é aquele que tem de conquistar por si o seu
sonho, o seu objectivo, porque a felicidade não é um presente que cai do céu,
tem de ser merecida. Como Fernando Pessoa afirma em “Mar
Português”: “Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da
dor.”
            E em que consiste o grito do cavaleiro? “Abri-vos, portas d’ouro, ante
meus ais!”. Não admira que as portas sejam de ouro, pois o palácio é encantado
e fulgurante; a metaforização de todo o palácio é um dado necessário para
evidenciar a grandeza da procura. A pontuação deixa transparecer a aflição e
expectativa do cavaleiro, prestes a atingir o seu objectivo. A mudança de estrofe
é também estratégica, como já o vimos anteriormente.
            Embora o poema esteja escrito na primeira pessoa do singular, narra não
só a luta individual de um homem, mas o percurso efectuado por toda a
humanidade. O drama deste cavaleiro é eterno e universal. O Vagabundo e o
deserdado simbolizam o homem eternamente ansioso e infinitamente
frustrado.
            E o clímax da acção é atingido no momento em que as portas obedecem
ao ansioso pedido do cavaleiro “com fragor”. O ruído  que fazem é sugerido
pela aliteração do fonema /r/ e denuncia que poucas vezes se abrem essas
portas. E tudo parece indiciar que o cavaleiro alcançará o seu objectivo,
encontrará a Ventura. Mas eis que se depara com uma nova e imensa
frustração, anunciada pela conjunção coordenativa adversativa mas e
consumada com o vazio do palácio: “Mas dentro encontro só, cheio de dor, /
Silêncio e escuridão – e nada mais.” Nesta última estrofe, concretizam-se vários
indícios do fracasso dispersos ao longo do poema, nomeadamente
o paralelismo “Mas já” (disjuntivo temporal) e “Mas dentro” (disjuntivo
espacial) e o paralelismo “já desmaio” e “encontro só”. Mas se eram tão
abundantes esses sinais, não se esperava uma tão grande decepção. O cavaleiro
entrou no palácio encantado, parecia ter alcançado o que procurava, mas
apenas encontrou “Silêncio e escuridão – e nada mais!” Reparemos como a
tonalidade das palavras se fechou: os sons nasais, palavras de sentido negativo,
o pronome indefinido negativo reforçado pelo advérbio de quantidade,
sugerindo claramente a decepção completa do cavaleiro, que terá de recomeçar
tudo de novo. De facto, a gradação dos dois últimos versos, associada
à exclamação final, demonstra a dor intensa do sujeito poético e a angustiada
sensação de derrota.
            Podemos ver neste poema a história de tantas tentativas fracassadas, em
virtude da distância que medeia entre o sonho e a realidade.
            Por outro lado, também é possível ver neste poema o próprio Antero de
Quental, utópico, revolucionário, cheio de força, erguendo a espada da
Liberdade, do Amor e da Justiça, mas incompreendido, recusado. Ou ainda a
alegoria de tantos jovens sonhadores e incompreendidos. Terá sido então inútil
esta procura? Nada é inútil quando os objectivos por que se luta são autênticos.
Nunca se deve desistir. Quem sabe se da próxima vez este cavaleiro não
encontrará a sua Ventura?
            Neste poema, o cavaleiro caminha ensombrado pela dor e pela dúvida,
nessa existência em que convergiram um drama pessoal e o drama da própria
consciência tumultuária e expectante do homem do século XIX.

. Estrutura narrativa do poema

1. Acção: busca do palácio da Ventura que termina em decepção.

2. Personagem: o sujeito poético – o cavaleiro andante.

3. Tempo: presente.
4. Espaços:
– físico: “desertos” ® sugere a imensidão do mundo físico;
– psicológico: “Sonho” ® “O palácio encantado da Ventura!”

         Entre os dois espaços existe uma correlação de sentido


(imensidade/profundidade) que aponta para a necessidade de um “grande
sonho” para vencer as dificuldades impostas pela imensidão do espaço físico a
percorrer.

5. Enunciado narrativo de estado (uma situação onírica) e enunciado narrativo de


fazer (a busca do palácio).

6. História narrada na 1.ª pessoa.

7. A progressão narrativa é sugerida por:


® movimento: longe/perto do castelo (vv. 1-8);
® espaço: paisagem/exterior/interior do castelo (vv. 9-14);
® tempo: antes da descoberta/o momento da dupla descoberta: aparência e realidade.

. Recursos poético-estilísticos

1. Nível fónico

. Soneto: duas quadras e dois tercetos.


. Métrica: versos decassílabos heróicos.
. Rima: - ABAB / ABAB / CCD / EED;
                 - cruzada nas quadras e emparelhada e interpola nos tercetos;
                 - consoante (“andante” / “anelante”);
                 - grave (“andante” / “anelante”) e aguda (“fragor” / “dor”);
                 - pobre (“andante” / “anelante”) e rica (“Escura” / “Ventura”.
. Aliterações em t, p, l ...
. Transporte: vv. 3-4, 7-8, 13-14.
. Ritmo binário.
. Musicalidade: reforço do sentido através do jogo rítmico (binário) e sonoro (aliteração) que
enfatiza o apelo, a ânsia de felicidade do sujeito lírico, nomeadamente nos
versos 2, 6 e 9.

ível morfossintáctico

. Verbos: encontram-se todos no presente, no indicativo e imperativo, mas nós notamos


o “andamento” deste “cavaleiro andante”, a progressão desta narrativa, ou
seja, um:
          - antes: a “partida” e a busca;
          - durante: a descoberta do palácio;
          - depois: a desilusão provocada pela derrota final.
. Substantivos e adjectivos:
- desertos, sóis, noite escura: as dificuldades da busca, que exigem grande
empenho do homem;
- palácio encantado da Ventura: a felicidade procurada pelo sujeito;
- os adjectivos exausto e vacilante, juntamente com o verbo desmaio e
as expressões quebrada a espada e rota a armadura, traduzem o cansaço do
sujeito provocado pela busca e prenunciam a desilusão final;
- os substantivos ais e, sobretudo, dor, silêncio, escuridão traduzem a decepção e
a desilusão do sujeito;
- a expressão cavaleiro andante aponta para uma figura em movimento (por um
espaço físico e por um espaço psicológico), em busca da felicidade.
. Epinalefa (repetição da preposição por) ® “Por desertos, por sóis, por noite escura”: sugere
a movimentação do cavaleiro.
. A conjunção adversativa mas (v. 5), repetida no verso 13, marca uma relação de oposição
entre as primeira e segunda partes e as terceira e quarta, enquanto
o advérbio  eis (v. 7), com valor adversativo, permite o retomar da ilusão e da
busca inicial.
. Assíndeto (v. 2).
. Pleonasmo: “noite escura”.
. Paralelismo.

3. Nível semântico
. A proximidade semântica entre as expressões já desmaio (v. 5) e encontro só
(silêncio e escuridão) (v. 13), sendo que os versos 5 e 6 anunciam desde logo o
carácter deceptivo do encontro.
. Alegoria: o sujeito lírico sonha-se alegoricamente um cavaleiro andante  –  desejo de
evasão  – , mediante a figura medieval do defensor dos fracos, que parte na
aventura da procura, inicialmente, entusiasta e, depois, dolorosa do simbólico
“palácio encantado”. O desenlace desta aventura de cavalaria alegórica é o
insucesso, a derrota final.
                        ® concretização sensível de ideias abstractas;
® procura ansiosa da realização de um ideal da felicidade (“Palácio da Ventura”);
significado     ® consequências destruidoras, no sujeito, de uma busca infrutífera       
(“Vagabundo”, “Deserdado”);
                        ® desilusão, sofrimento, pessimismo (“Silêncio e escuridão  -  nada    mais”).
. Gradação.

. Relação com o universo poético anteriano:


-» recorrência de símbolos utilizados: o palácio;
-» desilusão;
-» pessimismo;
-» interrogações e da inquietação;
-» soneto;
-» verso decassilábico.
. Influência de Hartmann:
              -» a metafísica pessimista (Schopenhauer);
              -» a busca de Deus e de si próprio que leva à dor.

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