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Ilustração, Reforma e Revolução: Mudança social

e crítica nos séculos XVII e XVIII


Prof. Maximiliano Menz
Mudanças de Longa Duração
• A) Crescimento populacional e urbanização: A população da Europa em 1500 era
de aprox. 80,9 milhões de pessoas, passando a 115,4 milhões em 1700. No
noroeste, o número de habitantes dobrou: de 6,3 milhões em 1500 para 12,7
milhões em 1700. (Kriedtde, 1992, p. 11).
• As cidades também aumentaram em número e em tamanho. No início do século
XVI as grandes cidades dificilmente ultrapassavam os 100 mil habitantes, como
era o caso de Veneza que tinha 130 mil almas em 1509, ou Antuérpia, com mais
ou menos 100 mil em 1568 (HELLEINER, p. 35, 37, 46). O mais comum eram as
pequenas cidades de 5 mil habitantes. No século XVIII Londres alcançou a cifra de
700 mil moradores, Paris 600 mil e existiam dezenas de cidades com 100 mil
habitantes. Já no noroeste da Europa se consolidaram extensas zonas
urbanizadas, como a província da Holanda, no interior dos Países Baixos, onde
60% da população vivia em cidades em 1622 (no resto da Europa os cidadãos
urbanos eram entre 10 e 20% do total).
• B) Crescimento econômico. Apesar das muitas flutuações econômicas do período
e da depressão do século 17, na longa duração, a economia europeia manteve
uma tendência ao crescimento.
• (Fonte do gráfico: Madison, apud: https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_regions_by_past_GDP_(PPP)#1750%E2%80%931990_(Bairoch))
PIB da Europa, 1500-1820 (acredite se quiser)
180.000

160.000

140.000

120.000

100.000

80.000

60.000

40.000

20.000

0
1500 1600 1700 1820
milhões de dólares
• C) Mobilidade social e geográfica. O crescimento econômico permitiu o
surgimento de novas classes e grupos sociais. Com a expansão do produto
agrícola aumentou o número de ocupações não rurais, artesãos,
mercadores, lojistas e jornaleiros. Essas populações adaptavam-se mais ou
menos bem ou mal a uma sociedade de ordens, de acordo com os
diferentes contextos.
• A expansão colonial estimulou o contato (e a reflexão intelectual) com
diferentes culturas e sociedades (Ensaio sobre os canibais de Montaigne).
• O aumento populacional e a escassez de terras aráveis produziu migrações
internas e externas e movimentos migratórios sazonais.
• A imposição da uniformidade religiosa em algumas regiões da Europa teve,
como contrapartida, a criação de comunidades religiosas não-conformistas
em outras zonas. (Especialmente Holanda).
A crise da consciência europeia
• “crise da mente [consciência] europeia denota a convulsão intelectual sem
precedentes que começou em meados do século XVII, com o surgimento
do Cartesianismo e a subsequente divulgação da “Filsofia mecânica” (...)
uma inovação que prenunciava o Iluminismo em si nos últimos anos do
século. (ISRAEL, 2009, p. 41)
• O que veio a ser chamado de Nova Filosofia (...) divergia de maneira
fundamental da visão aristotélica em essência mágica e “pré-científica” que
prevaleceu em todos os lugares (...) projetando um mecanismo rigoroso
que, aos olhos dos adversários, de forma inevitável presumia a
subordinação da Teologia e da autoridade da Igreja a conceitos enraizados
em uma lógica filosófica baseada na matemática (...) (ID. P. 42)
• A crise europeia tinha implicações intelectuais, religiosas e, ao menos em
potencial, políticas de grande alcance. (ID. P. 49).
Esfera Pública e Opinião Pública
• Nas décadas recentes, os historiadores conscientizaram-se da evolução na Europa Ocidental e
Europa Oriental durante o século meio anterior à Revolução Francesa de uma esfera pública de
debate, troca de ideias e de formação de opinião totalmente nova e localizada fora dos
procedimentos consultivos do passado, uma esfera pública que emergiu apenas onde um alto
grau de intercâmbio social e cultural existiu fora das deliberações dos órgãos e instituições
políticos, jurídicos e eclesiásticos formais. (ISRAEL, 2009, p. 91).
• O estilo e o sabor da “esfera pública” do Iluminismo Primievo podem bem ser descritos como um
cruzamento entre o aristocrático e o comercial com (...) a diminuição na ênfase de graus e status
sociais, rompendo os valores hierárquicos da sociedade tradicional. (ID. P. 92)
• Os aristocratas que se tornavam philosophes, convivendo regularmente com eruditos, escritores
profissionais de diversas áreas não nobres, bem como com os Bourgeois gentilhommes, foram
capazes de se separar de forma significativa da cultura tradicional e do perfil da nobreza. (ID. P.
93).
• No século XVIII se produziu um impressionante crescimento da esfera pública; um conjunto de
associações, lugares de encontro, instituições e formas de expressão coletivas que facilitaram a
formação da opinião pública. (...) o século XVIII (...) foi uma época em que a opinião pública
desenvolveu uma identidade e uma função notavelmente tangíveis. (MUNCK, 2001, p. 113).
Iluminismo Radical
• O “espinosismo”, ou seja, as diferentes correntes de pensamento mais ou menos
derivadas de Espinosa (1632-1677) radicalizou o método de Descartes (1596-
1650) e chegou a conclusões subversivas. A leitura hermenêutica à bíblia atacava
a interpretação tradicional enquanto verdade revelada. Apontava-se ainda para a
função política das religiões oficiais: os milagres, o combate às bruxas eram
formas de encobrir o despotismo e deixar as pessoas no obscurantismo.
• Defende-se a indiferença entre Deus e a natureza, de modo que a Divina
Providência e os milagres são excluídos fora das leis perfeitas de Deus (da
natureza). Segundo os críticos dos radicais, a eliminação de um Deus providente -
e de um céu e um inferno - colocavam em risco a ordem moral e a hierarquia da
sociedade do Antigo Regime.
• Outra corrente radical importante desdobra-se a partir da experiência política e
das ideias dos levellers ingleses que, durante a Revolução Inglesa (1642-1651)
defendem a igualdade política, a liberdade de culto e a liberdade individual (ver
Ostrensky, 2006, pp. 284-285).
Reformismo Ilustrado
• A relação do Estado com a Ilustração foi complexa. Se havia receio em relação ao novo
saber, por questionar o pensamento que justificava as formas de poder tradicional;
também foi estimulada a produção de conhecimento com fins políticos e fiscais.
Desenvolvimento do “cameralismo” e da “aritmética política”.
• Alguns dos elementos mais moderados do Iluminismo acreditavam em um governo
monárquico forte para reformar a justiça, acabar com as superstições, com o domínio
cultural exercido pelas igrejas e com as formas de sujeição pessoal remanescentes. A lei
poderia reformar o costume (otimismo histórico da ilustração). Também apostavam
numa pedagogia gradual que deveria preparar as pessoas para as luzes. Ao mesmo
tempo, na formulação de Kant, era o exército das monarquias poderosas que permitia
reformar sem colocar em risco o Estado. Ao súdito cabia obedecer ainda que lhe fosse
resguardada a liberdade de consciência. (GRESPAN, 1997)
• Aos “déspotas esclarecidos” era interessante o apoio dos filósofos, pois desejavam
aproveitar-se do saber técnico e científico produzido. Além disso, estes podiam servir
como forças auxiliares da monarquia em seu esforço secularizador nos conflitos com a
igreja e com os poderes intermediários.
Iluminismo e cultura popular
• A alteração nas relações de propriedade e de trabalho e a centralização cortesã
afrouxaram os laços de paternalismo que uniam a nobreza às populações camponesas e
trabalhadoras.
• Em algumas regiões da Europa (Áustria e França) as reformas no poder central criaram
expectativas de mudança entre as populações pobres do campo e da cidade.
• A Reforma Religiosa, em suas diferentes versões, destruiu os laços entre a superstição
popular e a religião oficial.
• No século XVIII, a apatia religiosa das elites relaxou o controle sobre as populações
rústicas.
• Há um processo lento de “transferência de sacralidade” (Chartier), promovido pelo
Estado (festas e cerimônias), marcando a transmissão do afeto e da emoção e da ética,
originalmente destinado aos valores cristãos, para os valores cívicos.
• Nas cidades, surgem novas formas de animação popular e de diversões de rua, com o
avanço de sátiras, com fundamento político (teatros, impressos, cantores).
• Bibliografia Básica:

• CHARTIER, R. Origens Culturais da Revolução Francesa. São Paulo: Unesp, 2009.


• GRESPAN, J. L. S. . O Esclarecimento: ruptura ou tradição. Revista de História (USP), São Paulo, v. 136, p. 101-105,
1997.
• HAZARD, P. A crise da consciência européia. Lisboa: Cosmos, 1948.
• HELLEINER, K. The Population of Europe from the Black Death to the Eve of the Vital Revolution. E. E. RICH, C. H.
WILSON, CEHE, vol. 4. Cambridge: CUP, 1967.
• ISRAEL, J. Iluminismo Radical. São Paulo: Madras, 2009.
• KRIEDTE, P. Camponeses, senhores e mercadores. A Europa e a economia mundial, (1500-1800). Lisboa: Teorema,
1992.
• MUNCK, T. Historia Social de la ilustración. Barcelona: Critica, 2001.
• VENTURI, Franco, Utopia e Reforma no Iluminismo, Bauru, Edusc, 2003.
• SLICHER VAN BATH, B. Agriculture in the vital revolution. CEHE, Vol. 5, (42-132). Cambridge: CUP, 1977.

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