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Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Instituto de Ciências Humanas e Sociais


Departº de História e Relações Internacionais
TH522 – História do Brasil 2020.2
Docente Drª Margareth de Almeida Gonçalves
Discente Sulamita F. Rangel Lopes 2016265548

Relatoria 4

Stuart B. Schwartz

Capítulo XIII: A população escrava na Bahia

Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial 1550-1835

São Paulo, 1995.

SCHWARTZ, Stuart B. A população escrava na Bahia. In: __________. Segredos internos:


engenhos e escravos na sociedade colonial 1550-1835. São Paulo: Companhia das Letras,
1995. p. 280-309

No décimo terceiro capítulo de Segredos Internos, Schwartz objetiva compreender a


estrutura demográfica das populações escravizada da capitania baiana, cuja relevância no
contexto do tráfico negreiro é primordial. No texto se examina as características demográficas
da população do macro ao micro, tendo em vista que não havia registros precisos em termos
de especificações individuais. Portanto, o autor analisa, de forma geral, a vida dos cativos
com base em informações de censo, inventário e algumas especulações que ele julga seguras
para uma aproximação do que possa ter sido a realidade da escravidão. Apesar do anonimato
conferido às populações escravizadas, Schwartz consegue conceber - ainda que de forma um
tanto insuficiente, se comparado às particularidades que cada experiência humana carrega em
si -, a dimensão da diversidade étnica que as compunha.
Antes de tudo, Schwartz explica o porquê de a capitania baiana ser uma peça
fundamental para o sistema escravista colonial: ela era um terminal do tráfico negreiro no
Brasil, onde desembarcavam africanos escravizados e também onde se fazia o tráfico de
produtos como fumo e aguardente. Ao final do século XVI, já desembarcavam no Brasil cerca
de 10 a 15 mil cativos trazidos do Congo, Angola e Guiné. Três cidades da Angola - a saber,
sua capital, Luanda, Benguela e Cabinda -, se tornaram portos de tráfico negreiro no século
XVII.

Ainda nas primeiras páginas do capítulo, ele faz um levantamento dos principais locais
da África de onde as pessoas eram importadas pelo tráfico negreiro: no século XVI,
predominavam os de Senegâmbia; no XVII, os de Angola e Congo; e, no XVIII, os da Costa
da Mina e do Golfo de Benim. Além disso, chama a atenção para os aspectos da cultura
africana que eram reforçados, aqui, por meio da maciça importação de povos escravizados.
Elementos diversos da cultura africana predominam até os dias atuais na Bahia, cuja cultura
de origem yorubá data do século XVIII. Junto aos valores e tradições culturais resgatados,
podia-se verificar que os africanos projetavam um pedaço da própria África aqui, no Brasil,
exemplo disto é a denominação do Quilombo dos Palmares, criado no século XVII, que fiou
conhecido como Angola janga ou pequena Angola. Tais acontecimentos mostram como a
resistência também configurou grande parte da realidade de povos subjugados pelo
escravismo.

Em termos de configuração das próprias importações, o autor busca analisar os


padrões existentes no tráfico atlântico. Importavam-se mais homens que mulheres e não havia
muitas crianças compondo a população cativa baiana. A desproporção entre os sexos era
evidente entre os escravos africanos, cuja razão de masculinidade atingiu seu ápice no século
XVIII. Em contrapartida, negros brasileiros e pardos não chegaram a compor um terço da
população escrava baiana no período 1600-1820. Ao analisar a dinâmica das importações, o
autor faz um breve percurso cronológico:

 1720 - alta do tráfico negreiro entre Salvador e Costa da Mina; regularização


da exportação do fumo e do açúcar para a Europa por meio das frotas entre
Lisboa e Bahia;
 1750 – declínio da produção agrícola e do tráfico de escravos;
 1750 – declínio da produção agrícola e do tráfico de escravos;
 1792 – eliminação de São Domingos do mercado, dando margem à expansão
açucareira da Bahia, graças ao aumento do tráfico negreiro;
 1798-1807 – 60 mil escravos africanos desembarcaram em Salvador.

Estima-se que a população baiana era composta por 70% de africanos desde 1600 ate o
fim da era colonial. Entretanto, na maior parte do livro é salientado o fato de não haver a
reprodução de crianças africanas no Recôncavo. Além disso, o autor elucida o alto índice de
mortalidade nos engenhos de açúcar. A predominância de cativos africanos na população
baiana é ressaltada ao ser comparada com a população da capitania Sergipe de El-Rey,
composta por mais pardos e mestiços, mulheres e crianças do que no Recôncavo. A
desproporção no cálculo da razão de masculinidade entre os engenhos das duas capitanias
também se mostrou gritante: ao final do século XVIII, como demonstrado na tabela 38, a
razão de masculinidade para cativos africanos era de 143 e para os nascidos no Brasil, era de
apenas 107; já no Recôncavo Baiano, a razão chegava a aproximadamente 1070 homens para
cada mil mulheres. Estes são exemplos que fundamentam a ideia defendida pelo autor: quanto
mais próximo ao eixo do tráfico atlântico de escravos, maior o volume de africanos que
compunham a estrutura demográfica. Nesse sentido, o objeto desta análise tem grande
destaque por ser justamente um terminal de desembarque de africanos escravizados e, ao
mesmo tempo, um grande exportador de produtos como o fumo e o açúcar, principalmente no
final do século XVIII. O autor mostra como esse nexo que configurava a economia escravista
colonial é o que confere à Bahia grande importância na compreensão da história colonial de
nosso país, tamanha era sua especificidade em termos de estrutura populacional.

No que concerne aos casamentos entre cativos raramente eram permitidos, portanto
havia inúmeros casos de ilegitimidade. Havia divergências entre os jesuítas acerca deste
assunto, como mostrado no caso do padre Pedro Teixeira, ao criticar o baixo número de
casamentos (34, cuja maioria era idosa) durante a administração de seu antecessor, Manoel
Figueiredo. Enquanto este último achava que escravos não deviam se casar, o primeiro
defendia a necessidade do casamento legítimo em detrimento dos pecados praticados pelos
cativos solteiros. Isso foi explicitado na carta de Teixeira referente aos primeiros anos da
terceira década do século XVIII. Outros administradores em favor da unidade familiar dos
cativos eram os beneditinos, cuja administração de engenho foi bem avaliada e popularmente
reconhecida. Na Bahia, as propriedades dos beneditinos era composta por grande número de
crianças no período 1652-1710 – variação de 20 a 24% de uma para outra propriedade. No
Rio de Janeiro, segundo anotações da congregação beneditina, houve um acréscimo de mais
33 mulheres e 3 homens aos cativos do Engenho de Vargem, entre 1783 e 1787, em razão da
necessidade de estabelecer um equilíbrio entre os sexos e propiciar o casamento e a
natalidade. Se por um lado os beneditinos e outros jesuítas defendiam a ideia da união
matrimonial legítima e a instituição familiar entre os escravos, por outro, em engenhos de
administradores leigos, além de não haver igual incentivo, pouca importância era dada para
tais configurações já existentes entre os cativos, como mostram os registros de inventário, tão
escassos e imprecisos quanto a essa questão.

Na Bahia, a população escrava não podia se casar, não se reproduzia e o desequilíbrio


entre os sexos era proveniente da importação maciça de homens africanos escravizados.
Embora fossem desconhecidas as razões da baixa fecundidade e alta mortalidade infantil, a
configuração da estrutura demográfica dos engenhos de açúcar baianos era clara. Se
comparada com os brancos, a razão de dependência entre crianças e mulheres cativas
africanas era baixíssima, compreendendo menos que a metade dos primeiros. Dado o índice
de baixa fecundidade, é possível levantar especulações cabíveis acerca das condições de vida
dos cativos dos engenhos. Supõe-se que, em grande medida, a razão da baixa fecundidade
devia-se ao fato de as africanas prolongarem a amamentação ou até mesmo ao fato de haver
um costume da cultura ioruba de abster-se do sexo durante a lactação.

Por não dispor de dados suficientemente claros para uma conclusão mais precisa
acerca da taxa de mortalidade da população escravizada, baseia-se em especulações mais
prováveis e estimativas de taxas brutas comparativas. A questão da mortalidade, assim como
da fecundidade, era contornada por fatores diversos e isso torna a análise um pouco mais
difícil. As condições de africanos importados certamente desfavorecia sua saúde, seja por se
depararem com um novo mundo com novas doenças, seja por – principalmente – partirem de
suas terras sequestrados por traficantes atlânticos num processo desumanizador. As condições
nos engenhos atingiam os cativos tanto física quanto psicologicamente. A partir da análise de
registros de óbitos e a especulação de taxas brutas, procura-se entender as condições de
trabalho sob as quais a população cativa vivia e o impacto que que isso trazia á vida de cada
um individualmente.

O número de crianças era menor entre a população escrava (cerca de cinco crianças
para quinze mulheres) do que entre as pessoas de cor livres. Como observado nos registros de
óbito da Paróquia da purificação, a população baiana era fortemente marcada pela alta taxa de
mortalidade e baixa taxa de natalidade infantil. Estima-se que a expectativa de vida não
excedia os 27 anos ao final do século XIX. O autor também esclarece o possível declínio
anual, com porcentagens variando entre 5% e 8%, de acordo com pesquisadores da situação
escrava no Brasil colonial. Segundo relato do cônsul Charles Pennel, em 1827:

A mortalidade anual é tão grande em muitos engenhos que, a menos que


seus números sejam aumentados pelas importações, a população escrava se
tornará extinta no decorrer de aproximadamente vinte anos, os proprietários
procedem segundo o cálculo de que é mais barato comprar escravos
homens do que criar crianças negras.

Por não dispor de dados suficientemente claros para uma conclusão mais precisa
acerca da taxa de mortalidade da população escravizada, baseia-se em especulações mais
prováveis e estimativas de taxas brutas comparativas. A questão da mortalidade, assim como
da fecundidade, era contornada por fatores diversos e isso torna a análise um pouco mais
difícil. As condições de africanos importados certamente desfavoreciam sua saúde, seja por se
depararem com um novo mundo com novas doenças, seja por – principalmente – partirem de
suas terras sequestrados por traficantes atlânticos num processo desumanizador. As condições
nos engenhos atingiam os cativos tanto física quanto psicologicamente. A partir da análise de
registros de óbitos e a especulação de taxas brutas, procura-se entender as condições de
trabalho sob as quais a população cativa vivia e o impacto que que isso trazia á vida de cada
um individualmente.

Uma peça crucial na análise da sociedade baiana colonial de Schwartz é a Fazenda


Saubara, pertencente à Misericórdia de Salvador, situada ao sul de Santo Amaro. Possuía uma
enorme propriedade para produção de mandioca e gado e quantidade considerável de
escravos, certamente de maneira tão desproporcional entre os sexos quanto no resto da
capitania. Embora tivesse episódios de péssimas administrações, relatos de maus tratos
indevidos aos escravos, difíceis condições de nascimento de crianças, necessitando, assim, de
importação, alto índice de mortalidade em determinado momento do século XVIII, o autor
sinaliza características da fazendo que a tornam um ambiente diferenciado dos outros lugares
do Recôncavo. De acordo com os registros de instruções aos feitores, os cativos tinham
permissão para cultivar sua própria roça e podiam contar com cuidados médicos da
Misericórdia, caso fossem acometidos por alguma doença. Contudo, essas medidas não
fizeram com que a taxa de mortalidade diminuísse. Segundo registros de 1750 e 1760, dos 56
cativos, 22 morreram. As taxas continuaram altas mesmo com cuidados médicos assegurados,
fator intrigante que mostra como as condições em que viviam as populações cativas, de
maneira geral, não eram férteis para a manutenção de uma vida que cultivasse uma
expectativa prolongada.

Altos índices de mortalidade, baixa fecundidade, desequilíbrio entre os sexos foram


fatores essenciais analisados pelo autor no exame da configuração da sociedade cativa da
Bahia. Conclui-se que, dadas as condições de sofrimento físico e psicológico, infertilidade,
desequilíbrio, privação de direitos como o casamento, além de sublimação total da liberdade
em seu sentido geral, são características que dão contorno á estrutura demográfica da
população escravizada no Racôncavo Baiano.

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