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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


CAMPUS NATAL - CENTRAL
BACHARELADO EM DIREITO

MARIA REGINA FERREIRA DE ARAÚJO MARINHO DINIZ

SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA GERAL


RESENHA CRÍTICA DO LIVRO “HISTÓRIA DA RIQUEZA NO BRASIL”,
DE JORGE CALDEIRA

NATAL - RN
Turma: Direito M 2024.1 (primeiro período) e nº de Matrícula: 20240013092
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PREFÁCIO:
1. História da Riqueza
De maneira introdutória, o autor descreve as características principais da
obra, sua metodologia e os principais assuntos retratados, além do impacto do
inédito uso de dados para a pesquisa acerca da História do Brasil em termos
econômicos. Ainda, Jorge Caldeira compartilha informações que contrastam com a
historiografia tradicional brasileira, como o crescimento econômico brasileiro maior
que o português a partir do século XVIII e novas ideias acerca da ideia de
agricultura de subsistência, cuja explicação inovadora mostra que é possível haver
riqueza e acumulação em economias sem moeda.
2. Pessoas, costumes e governos
Divergindo da análise mais tradicional, Caldeira explica a existência e a
proeminência da economia brasileira, inclusive no sertão, ambiente cujo
desenvolvimento praticamente só é abordado por outros autores a partir da
descoberta de ouro no território do Brasil. Ao destrinchar as formas de governo no
local, o escritor mostra que as autoridades divergiam significativamente das
idealizadas pela Coroa Portuguesa, com forte participação de estruturas advindas
da cultura indígena, destoantes do governo central e que viabilizaram
desenvolvimento local.
3. Clássicos e escrita
Destaca-se o impacto da institucionalização da escassez de alfabetização
para o registro histórico no Brasil desde os períodos colonial e imperial, de modo
que a reavaliação dos sistemas produtivos foi viabilizada pelo conhecimento
advindo das normas de povos sem escrita. Isso decorre de uma elitização ampla da
escrita, a qual não esteve presente de maneira expressiva em certos locais, cuja
documentação oficial é, por esse motivo, bastante escassa.

CAPÍTULO 1 - Costumes e problemas de escrita

A dinâmica populacional e cultural dos povos pré-colombianos era bastante


diversa e plural, com inúmeras línguas e conjuntos de costumes e leis diferentes,
independentemente da existência de escrita. A exemplo dos Tupi-Guarani, povo
bastante explorado ao longo da obra, vários grupos desenvolveram a agricultura e
tinham sistemas de trabalho consolidados, o que tornava possível a criação de
estoques de segurança alimentar - ou seja, os nativos produziam excedentes e,
portanto, riqueza, seguindo uma lógica de preservação da igualdade social e com
separação sexual das funções.
O excedente alimentar era essencial para a manutenção das refeições em
períodos de conflito, durante os quais o chefe administrava a distribuição
alimentícia, função feminina em tempos de paz. A figura de autoridade do chefe era
reforçada, além disso, pela poligamia, a qual estava diretamente interligada à
capacidade do chefe de prover e manter alianças. Com esses artifícios, os povos
Tupi possuíam muito mais poder do que se imagina a partir da literatura tradicional,
principalmente com a desmistificação da economia de subsistência.
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CAPÍTULO 2 - Governos com genros europeus

À medida que os europeus (marujos, náufragos e aventureiros, não


colonizadores propriamente ditos, em nome de alguma nação) chegaram ao litoral
brasileiro, foram estabelecidos conflitos e relações pacíficas de aliança, a maioria
delas por intermédio do casamento com mulheres indígenas dos chefes de tribos,
segundo os costumes nativos. Os guerreiros invasores eram mortos e devorados
em rituais antropofágicos ou transformados em escravos, como ocorreu com o
alemão Hans Staden, cuja covardia tornou-o indigno do sacrifício antropofágico.
Nesse viés, é importante analisar a presença da escravidão nas comunidades
indígenas antes da colonização, com os escravos sendo indivíduos tratados de
maneira diferente na aldeia, mas não vistos como objetos ou mercadoria antes das
expedições europeias.
A união entre europeus e índias era bastante motivada pelo oferecimento de
ferramentas de ferro, as quais viabilizaram a otimização da produção de
excedentes, com o grupo do noivo firmando aliança com os indígenas por
intermédio dessas trocas econômicas. Aqui, é essencial retratar o funcionamento da
poligamia: era restrita apenas àqueles que eram capazes de produzissem muito a
ponto de conseguir prover bem para suas esposas (geralmente chefes), cenário
refletido na disponibilidade de excedentes pelo ferro europeu, concedendo a muitos
a possibilidade de ter várias esposas, poder econômico e político, também
disponibilizado ao chefe sogro do europeu, cuja força guerreira aumentava
exponencialmente.
Com essa nova organização social, tempo de trabalho era poupado e
dedicado a mais bem viver, de maneira diferente da lógica capitalista. Ademais, os
cativos de guerra passaram a ser envolvidos nos trabalhos produtivos e vendidos ao
invés de serem apenas integrados à comunidade indígena.
A instalação de domínio definitivo e exclusivo dos territórios americanos só se
tornou um investimento das Coroas portuguesa, espanhola e francesa após a
descoberta de materiais preciosos.

CAPÍTULO 3 - Governo português, teoria, escrita e Igreja

Inicialmente, é importante ressaltar a forma de poder vigente em Portugal no


século XVI, cuja análise é dificultada pela amplitude de escritas, de modo que é
priorizada a teoria política para esse estudo. Tal teoria priorizava a desigualdade
entre os homens como modo de manutenção do poder, detido pelo soberano sob
justificativa divina a qual incumbia ao rei a aplicação da justiça. Esta passou a ter
universalidade de aplicação (mas não igualdade de direitos) a partir das
Ordenações Manuelinas, que regulamentaram a supremacia da classe nobre e
tinham, enquanto lei, o fito de definir direitos diferentes de acordo com a posição
social do indivíduo, em uma organização social delimitada por uma ideia de
corporativismo que assegurava privilégios.
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As organizações religiosas, como a dos templários, também possuíam
significativo poder e influência, seguindo um regimento próprio, mas, por não se
submeterem ao rei, foram perseguidas durante determinado período. Portugal serviu
como refúgio para esses e outros fugitivos, de modo que os templários foram
incorporados à Ordem de Cristo, que foi posteriormente privilegiada com
monopólios de navegação na África e, com a descoberta das Américas em 1498, tal
poder foi direcionado novamente à Coroa Portuguesa.

CAPÍTULO 4 - Vilas

A definição das unidades administrativas no Brasil foi um processo lento e


influenciado pelas figuras de poder já presentes no território e aliadas aos indígenas
antes da colonização portuguesa. O poderio dos genros de chefes de tribos foi
consolidado pela associação e submissão parcial à Coroa, a qual concedeu os
títulos de sesmarias, tornando esses homens proprietários de terra oficiais. É
pertinente ressaltar que tais concessões eram destinadas a “homens bons”, ou seja,
àqueles que seguiam os costumes católicos e possuíam propriedade, sendo estes
capazes de eleger autoridades locais e governar uma vila. No entanto, havia certos
mecanismos para ignorar o fato desses homens serem casados com mulheres
indígenas e serem adeptos da poligamia, como era o caso de João Ramalho.
A fidalguia também era concedida aos genros que fossem reconhecidos
como “homens bons”, por mais que estes não abandonassem os costumes locais.
Assim, foi constituído um ambiente bastante misto em aspectos culturais e de
autoridade, a qual derivava da escolha dos governados e era temporária.
Entretanto, esse sistema, estabelecido inicialmente por Martim Afonso de Sousa, foi
substituído posteriormente pelas capitanias hereditárias.

CAPÍTULO 8 - Aliança geral

Em meados do século XVI, com o domínio português sobre o Brasil ficando


mais consolidado, e a escravidão africana passou a ser cada vez mais estimulada
por incentivos fiscais: o imposto para a entrada de africanos foi reduzida em quase
40% em 1559. Tal medida, juntamente com outras semelhantes, visavam ao
aumento da rentabilidade escrava, significativamente menor com a apreensão de
nativos. Ainda como forma de assegurar o domínio sobre o território, foi realizada
uma expedição militar com o auxílio de exércitos Tupi para expulsar os franceses
aliados aos índios Tupinambá que então ocupavam o Rio de Janeiro, conferindo
caráter nacional a conflitos tribais e mercantis.
Nesse período, também era comum a conversão dos “inocentes” (indígenas)
por meio do batismo como um atalho para a nobilitação dos Tupi fora das alianças
tradicionais de casamento, de modo a alterar as estruturas de poder no país, plano
de Manuel da Nóbrega. Além disso, foram escritos vários textos sobre a inocência
dos índios e estes foram reconhecidos como súditos de Portugal em 1570.
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Responsáveis pela conversão desses indígenas, os jesuítas, ligados diretamente à
Coroa, tornaram-se a autoridade central mais efetiva do Brasil.
No entanto, não foram totalmente desfeitas as relações de poder anteriores,
de modo que o poder nas vilas pertencia ainda aos moradores, eleitores de seus
governantes e responsáveis pela própria administração de seus excedentes,
advindos de múltiplas culturas e pecuária além do açúcar. Assim, cresciam ambas
as estruturas local e do governo-geral.

CAPÍTULO 12 - Governo central e economia

A Coroa e o governo-geral não foram fatores únicos para o crescimento da


colônia, ao contrário do que dizem os clássicos. Na realidade, no contexto estável
do século XVII, o Brasil representava metade de toda a receita tributária do império
português, em um sistema de arrecadação e administração no qual a maior parte do
que era arrecadado no país era destinado para o funcionalismo e a nobreza agrária
da metrópole, ao invés de ser investido no desenvolvimento da colônia.
Outrossim, foi estabelecido ferrenho monopólio, de modo a aumentar o preço
das mercadorias metropolitanas para o Brasil e reduzir o consumo, o que levou a
revoltas no país. Além delas, havia conflitos ao longo do território em decorrência de
investidas francesas, espanholas e holandesas, e ainda assim o governo português
assegurou e aumentou sua área de domínio, não sem ajuda dos governos locais e
consuetudinários, cobrando muitos impostos e não oferecendo retorno em serviços.
Havia também conflitos entre os interesses metropolitanos e a riqueza dos
moradores, cujos fundos eram armazenados nas Santas Casas: os bancos locais e
isentos de tributos. Dessarte, o governo efetivo era o local, mas era reconhecida a
autoridade do rei, que limitava sua atuação.

CAPÍTULO 13 - Governos locais e costumes

Em tese, os governos locais deveriam e aparentavam seguir as Ordenações


do Reino, porém os vereadores de certas vilas, como a de São Vicente, aplicavam
as leis e costumes locais muito influenciados pela cultura Tupi, de modo que é
perceptível a diferença de tratamento de certos comportamentos de acordo com a
cultura. Um exemplo bastante emblemático é João Ramalho, que vivia com suas 30
esposas e era uma figura de grande poder em sua vila, mas também era condenado
pelas autoridades religiosas católicas. No caso de São Vicente, havia pouca
influência e contato com o poder central, apenas os jesuítas mantiveram sua
influência e aldeamentos indígenas.
É peculiar analisar a estrutura social e familiar da época, plenamente
influenciada pela cultura Tupi-Guarani - patrilinear e matrifocal -, na qual a linhagem
é definida pelo lado da mãe, que acolhe o homem em seu grupo, mas a filha é só do
pai.
Os negócios também eram estabelecidos de maneira diferenciada: eram
baseados apenas no costume, sem registros escritos e baseados em um sistema de
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fornecimento de crédito informal - o fiado, dominante no sertão. O sistema de
parentesco Tupi influía diretamente sobre esse sistema, determinando os
investimentos com menor risco de inadimplência por atribuição da dívida à figura
paterna.
O autor ressalta também a concepção da historiadora norte-americana Rae
Jean Dell Flory, segundo a qual a organização da produção agropecuária no
Nordeste (divisão do território concebida hodiernamente) seria de pequenos e
grandes produtores com um mercado efervescente, e não com o predomínio
exclusivo de propriedades latifundiárias e escravistas. Os senhores de engenho
estabeleciam relações em formas semelhantes à da cultura Tupi, oferecendo suas
filhas em casamentos vantajosos economicamente. Em suma, a busca de riqueza
era primordial na região, assim como em São Paulo.

CAPÍTULO 14 - Política miserável e caranguejo

A produção escrita no Brasil era significativamente restrita durante o período


colonial, enquanto reflexo da instalação Inquisição como responsável pela censura e
condenação de divergentes da religião católica, no contexto da Contrarreforma. Tais
restrições vão de encontro opositor à tolerância que viabilizou o compartilhamento
das produções greco-romanas entre muçulmanos e cristãos entre os séculos XI e
XIV. Além disso, essas restrições também contrapõe o fato de que o conhecimento
geral da descoberta do Novo Mundo foi viabilizado pelos escritos de Américo
Vespúcio, em um contexto de proliferação intelectual após a invenção da prensa de
Gutenberg.
A criação de instituições ligadas ao conhecimento também era bastante
restrita, de modo que, enquanto eram criadas universidades proeminentes na
América Espanhola e nos Estados Unidos, o Brasil mal possuía escolas para
alfabetização, restrita aos estabelecimentos jesuítas e aos ensinamentos teológicos,
de modo que o analfabetismo foi instituído.
Outra evidência de negligência portuguesa é a falta de exploração do interior
(o sertão), criticada por frei Vicente do Salvador, o qual assemelha os
metropolitanos a caranguejos por ficarem restritos à mera exploração da costa
marítima. Entretanto, a falta de exploração do sertão não era uma realidade
uniforme, a porção mais interna era povoada, apenas era pouco documentada para
não chamar atenção da censura.

CAPÍTULO 15 - Brasileiros

A construção identitária dos brasileiros foi marcada pela associação da


miscigenação racial aos costumes plurais, cultura proeminente, porém
negligenciada formalmente pela institucionalização de uma formalidade vazia ligada
à cultura europeia. As representações mais expoentes durante o período colonial e
que são retratadas no livro são as de Gregório de Matos e a de Albert Eckout. O
primeiro é mais verossímil em sua poesia, em vista da sua inserção direta na cultura
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brasileira da época, ao passo que o segundo foca em estereótipos dos diferentes
setores da população em uma tela monumental que denota a ideia de evolução por
intermédio da mistura racial de indígenas e africanos com europeus.
Ademais, o mercado brasileiro existia, porém de maneira clandestina, de
modo que o crescimento econômico interno não era contabilizado pelo governo
central entre os séculos XVI e XVII e era condenado. Principalmente no sertão,
onde o governo-geral não exercia comando e o domínio era dos governantes locais,
havia mercados organizados e riqueza.

CAPÍTULO 17- Os favores da cabeça

A partir do século XVIII, marcado pela descoberta do ouro no Brasil, o


governo metropolitano passou a ter muito mais poder no território, aumentando
exponencialmente as arrecadações para Portugal, cuja receita tributária era,
majoritariamente, de origem brasileira. Apesar dos maiores ganhos, os
investimentos para o desenvolvimento na colônia mantiveram-se escassos, uma vez
que boa parte do dinheiro era destinado à manutenção dos “direitos adquiridos”, ou
seja, de privilégios da nobreza e da Igreja, mantidos por um sistema de
corporativismo no qual o rei era a “cabeça mística” responsável pela manutenção do
status dos membros logo abaixo, em uma política de gastos de caráter estamental.
Esse século também foi marcado pela demarcação do território mais interno,
oficializado pelo Tratado de Madri (1750), cujas delimitações eram baseadas em
barreiras naturais e no princípio da propriedade decorrente da ocupação, cujo
território passou a ser internacionalmente reconhecido como unidade soberana
portuguesa (e, internamente, da aliança luso-Tupi-Guarani, excluindo e batalhando
povos de outras etnias).
A política de gastos nobiliárquica foi contraposta pelas medidas do Marquês
de Pombal, o qual alterou o sistema de modo a não desagradar tanto a nobreza
portuguesa, tirar o poder e os bens dos jesuítas no Brasil e priorizar os governantes
e comerciantes privilegiados pelo monopólio do governo. Tais ações incluíram os
indígenas às vilas, enquanto súditos da Coroa Portuguesa, e não mais residentes
dos aldeamentos, de modo a oferecê-los liberdade e integrá-los à sociedade
colonial. Entretanto, as políticas econômicas de Pombal não evitaram que, ao fim do
século XVIII, a economia colonial estivesse com desempenho melhor que a
metropolitana.

CAPÍTULO 18 - Ouro e redistribuição dos governos no território

A esfera central de governo foi amplamente expandida no século XVIII, em


contraponto à organização descentralizada anterior, na qual os principais
representantes do poder central eram os jesuítas. Com o avanço da produção
aurífera e a centralização do poder, entretanto, várias mudanças foram realizadas: a
capital foi mudada de Salvador para o Rio de Janeiro; algumas capitanias passaram
a ser governadas por indivíduos estrangeiros; e o continente foi cada vez mais
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explorado a custo de muitas vidas indígenas e caravanas mercantis gradualmente
dissociadas do auxílio dos Tupi (tidos como “índios bons”).
Apesar da perda de poder dos jesuítas, os aldeamentos continuavam
fazendo parte da sociedade colonial, contribuindo em aspectos sociais e produtivos
mesmo sob o controle das vilas, domínio consolidado sobre os indígenas enquanto
indivíduos por meio de um sistema de tutoria para a religião católica e para os
costumes civis. Ainda, os nativos contribuíam significativamente para a economia,
fornecendo mercado consumidor, produtos e mão de obra, além de segurança e
conhecimento sobre o meio natural local.
Outro aspecto pertinente a ser ressaltado acerca desse período é o
funcionamento do comércio itinerante por intermédio das caravanas e dos tropeiros,
os quais eram os poucos a não aderir à instituição do fiado, intrínseca ao comércio
interno brasileiro. Para esse comércio, Minas Gerais era usado como centro de
distribuição.
Outrossim, o tráfico negreiro cresceu significativamente com a exploração do
ouro em razão da necessidade de mão de obra e de maneira a fomentar ainda mais
a economia. Esta era, ainda, enriquecida por um mercado fora do âmbito geral,que
funcionava em espaços privados.

CAPÍTULO 20 - Governos locais e costumes na mineração do ouro

O sistema de governo brasileiro foi constituído por fortes contradições entre


os costumes que regiam os domínios locais e as leis que determinavam o
governo-geral, o qual, principalmente durante a centralização decorrente do ciclo do
ouro, condenava a cultura indiscriminada local, denominando mesmo aqueles que
tinham certo poder de desclassificados por destoar dos valores europeus.
Contudo, tal inferiorização não deve ser generalizada, uma vez que a colônia
não era um espaço subalterno e tinha desenvolvimento próprio, renegado pela
literatura tradicional. Os vereadores, por exemplo, tinham poder significativo e
alternado, exercendo influência sobre as esferas executiva, legislativa e judiciária
em uma sociedade majoritariamente analfabeta e miscigenada. Enquanto um traço
cultural, essa estrutura de poder viabilizava maior participação popular e consenso
geral no Brasil do que havia na metrópole, cultura instituída sem a imposição
intelectual metropolitana, que menosprezava esses governos pela falta de
referencial teórico.
Os jesuítas e os padres seculares foram figuras de destaque para o
estabelecimento dessa sociedade, uma vez que representavam autoridade
metropolitana, mas se adaptaram aos costumes locais, como a poligamia (os
próprios padres seculares poderiam casar), unindo o praticante ao mundo espiritual
sob forte impacto das culturas diversas, de modo a gerar uma religião de caráter
universal adequada à pluralidade social.

CAPÍTULO 21 - Costumes e lei civil após o ouro


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Desde cedo, a terra era entendida como mercadoria no Brasil. Apesar do
sistema de concessões, a compra e a venda eram comuns, bem como empréstimos
e loteamentos. Assim, entende-se que a construção da riqueza no país foi feita de
maneira adversa, estando o casamento também presente como instrumento para
obtenção de vantagem financeira. Além disso, era possível o enriquecimento sem
capital inicial abundante, diferentemente da ideia estamental de domínio da
nobreza.
Outrossim, as mulheres possuíam papel importante no período colonial,
posto que exerciam poder político alternativo mesmo sem poderem ocupar cargos
públicos, sendo proprietárias de terra, de escravos e administradoras de seus lares
principalmente em caso de viuvez ou se fossem economicamente independentes
pela ocupação comercial ou de artesã.
Tão invisibilizado quanto a figura feminina, o fiado, enquanto instituição
social, esteve presente na economia brasileira desde a concepção desta, estando
diretamente associado à venda de pequenas quantidades de produtos agrícolas de
modo a gerar um constante mecanismo de dívidas que culminou no enriquecimento
de muitos, em “uma economia garantida apenas pelo costume, pela palavra, pelo fio
do bigode”, oculto propositalmente para evitar o arrocho governamental, cujos
representantes visavam à arrecadação máxima para a metrópole com o mínimo de
retorno para os trópicos.

CONCLUSÕES PESSOAIS

Em sua obra “História da Riqueza no Brasil”, o cientista político brasileiro


Jorge Caldeira esclarece, de maneira brilhante, a formação social, política e
econômica do Brasil. A partir dos capítulos enumerados neste breve resumo, é
perceptível a exposição de verdades ocultas pelos autores mais tradicionais, como a
desmistificação da ideia de economia e agricultura de subsistência, o destaque da
mulher na sociedade colonial brasileira e a participação indígena na formação das
estruturas de poder.
A princípio, é fulcral ressaltar o amplo esclarecimento fornecido acerca do
papel da escrita para a sociedade colonial e seu estudo. É plenamente evidenciado
que o conhecimento e a alfabetização eram extremamente restritos entre os séculos
XVI e XVIII, o que dificulta significativamente os estudos desse período a partir de
documentos oficiais. Entretanto, a partir da metodologia de análise de dados
utilizada pelo autor, é notório que tal restrição não denota ausência de crescimento
econômico e político local, muito pelo contrário: o empreendedorismo era forte e as
estruturas de poder consolidadas a partir de um sistema rotativo, eleito e associado
aos costumes indígenas.
Com pouco contato com o governo central até o século XVIII e a descoberta
do ouro, os governos locais chamam a atenção do leitor pela sua descrição peculiar
no livro. Sendo muitas vilas praticamente isoladas, os governantes de cada uma
tinham liberdade, juntamente com os líderes religiosos do lugar, de aderir a
costumes próprios, como a poligamia, incorporada aos europeus chegados antes da
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colonização portuguesa efetiva e advinda de uma demonstração de aliança e poder
indígena atribuída aos chefes de tribos. Além disso, o desenvolvimento de economia
própria, sistema de crédito (fiado) e produção de excedentes também forem
proeminentes nessas unidades administrativas, o que se opõe fortemente à ideia
propagada pelos clássicos e inerente ao senso comum de que a colônia era pobre e
dependente extrema da metrópole, além de sujeita à subsistência.
É interessante pontuar que a agricultura de subsistência não existia nem
entre os indígenas pré-colombianos, quiçá entre os colonos brasileiros, uma vez que
o sistema produtivo era voltado para a produção de um excedente de reserva para
tempos de conflito entre os nativos, e, posteriormente, para o comércio interno. Isso
vai de encontro à obra “Formação do Brasil Contemporâneo”, na qual o historiador
Caio Prado Jr. defende a existência de uma agricultura de subsistência no Brasil,
enquanto atividade subsidiária das grandes lavouras e não geradora de grandes
riquezas para o país, uma vez que não era voltada para a exportação, e sim para a
manutenção interna.
Além disso, o autor ressalta que “o mercado interno tinha uma dinâmica de
crescimento mais forte do que o do setor exportador ou a da economia
metropolitana”, entendendo-se mercado interno como envolvente da produção dos
nativos e dos sertanejos, de modo que é possível concluir que a riqueza não era
proveniente apenas da moeda europeia e das vendas ultramarinas. Tal abundância
não era restrita ao litoral, mas estava fortemente presente no sertão, aparentemente
inexplorado, porém povoado e em desenvolvimento destoante do governo-geral, em
um sistema de organização de poder o qual viabilizava maior participação popular
muito antes da chegada das ideias iluministas. A estrutura de governo de São
Vicente, por exemplo, contava com expressiva rotatividade de vereadores e garantia
a proteção dos interesses locais e individuais. Assim, é bastante positiva a
contribuição de Jorge Caldeira para o desmonte de uma imagem unicamente
atrasada e latifundiária do Brasil Colônia.
A instituição do casamento é também abordada de maneira salutar. Além da
aceitação da poligamia até um certo período, a influência indígena nesse âmbito é
notória no aspecto sucessório e de formação de alianças, uma vez que o caráter
matrifocal associado à determinação do parentesco a partir do pai facilitava o
pagamento de dívidas (imprescindível em um meio social perpetrado pelo fiado) e é
visto em registros oficiais.
Do mesmo modo que a cultura plenamente brasileira, notória em suas
instituições sociais, não foi valorizada pelos europeus no contexto abordado,
tampouco foi o desenvolvimento interno da colônia. Caldeira traz esse aspecto de
forma bastante clara ao retratar que as autoridades da Coroa visavam apenas ao
ganho próprio e à geração de receita tributária para Lisboa. Essa receita, ao invés
de ser revertida para o território brasileiro ou até para um desenvolvimento
econômico efetivo de Portugal, era distribuída em um corporativismo excludente no
qual o rei era a “cabeça mística” e adulada e a nobreza e o clero eram os membros
detentores de privilégios reconhecidos como direitos adquiridos. Esse esquema de
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disponibilização de renda reflete costumes medievais e não valorizava a burguesia
portuguesa ou brasileira, cenário alterado durante o governo pombalino.
Essa ideia de corporativismo, ao associar a divisão de funções de um corpo
a ocupações sociais, assemelha-se ao conceito de Solidariedade Orgânica de Émile
Durkheim, embora possua uma série de divergências. Em uma sociedade regida por
Solidariedade Orgânica, o corpo social é coeso e desenvolve-se a partir de uma
divisão social do trabalho, segundo a qual os indivíduos desempenham diferentes
ocupações, assim como cada órgão o faz dentro do corpo humano. Entretanto, a
definição de Durkheim difere da incorporada pela realeza portuguesa em razão do
uso do corporativismo para legitimar uma hierarquia, e não como um mecanismo de
separação de funções para um melhor funcionamento da sociedade e seu
progresso.
Ademais, é pertinente ressaltar o destaque exímio oferecido ao papel da
justiça e da lei no período colonial. Enquanto mecanismos de manutenção do Antigo
Regime, a lei e os tribunais funcionavam como meios de manutenção de privilégios.
Por esse motivo, é interessante como o escritor retrata que, nas vilas, os vereadores
tinham o poder de influenciar o judiciário, de maneira que esse meio não ficasse
restrito à defesa dos interesses da metrópole e sua nobreza.
Por fim, é de suma relevância retratar a qualidade da leitura de “História da
Riqueza do Brasil”, cuja linguagem é acessível e facilita a compreensão e o alcance
de seu objetivo de democratizar o conhecimento verdadeiro sobre a história
brasileira, a partir de dados, expondo a realidade não contada do Brasil desde o
momento de sua origem.
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