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O DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS NO ALDEAMENTO DE SÃO JOSÉ DO PARAHYBA (1766)

Suele França Costa1, Maria Aparecida Papali, Prof.ª Dr.ª 2


1
Laboratório de Pesquisa e Documentação Histórica - IP&D - Univap. Av. Shishima Hifumi nº 2911-
Urbanova, São José dos Campos – SP, suele_hbs @yahoo.com.br
2
Laboratório de Pesquisa e Documentação Histórica - IP&D - Univap. Av. Shishima Hifumi nº 2911-
Urbanova, São José dos Campos – SP, papali@univap.br

Resumo- O objetivo deste trabalho é correlacionar as leis e o discurso do Diretório dos Índios à Aldeia de
São José do Parahyba, atual cidade de São José dos Campos, buscando interpretar as leis indigenistas
através de cartas escritas pelo diretor José de Araújo Coimbra e endereçadas ao governador da Capitania
de São Paulo, Morgado de Mateus. O Diretório dos Índios, redigido em 1758, e as cartas de Coimbra,
datadas de 1766, são os principais objetos de análise deste trabalho. O artigo também é respaldado por
uma discussão bibliográfica, contendo autores como John Manuel Monteiro, Pasquale Petrone e Rita
Heloísa de Almeida, entre outros. A importância do estudo desse tema se deve ao fato do Diretório, apesar
de ter sido uma legislação padronizada, não ocorreu da mesma maneira em todos os aldeamentos; em
cada núcleo ele foi redefinido e redimensionado segundo as necessidades de sua população aldeada, e dos
objetivos de seus respectivos administradores. Dessa forma, a configuração de São José dos Campos se
deve, entre outros fatores, ao processo histórico advindo da fase em que foi um aldeamento civil, regido
pelas políticas indigenistas do século XVIII.

Palavras-chave: Diretório dos Índios, Políticas Indigenistas, Aldeamento Civil, Morgado de Mateus, José de
Araújo Coimbra.
Área do Conhecimento: História

Introdução abastecimento de força de trabalho silvícola no


planalto paulista em meados do século XVII, os
Durante todo o período compreendido pelo colonos passaram a querer um número cada vez
processo de colonização do Brasil, a população maior de índios aldeados aos jesuítas para a
autóctone inteirava-se como importante agente realização de trabalhos nas fazendas particulares,
social e histórico. Os empreendimentos que ou no transporte dos produtos para o litoral. Os
alavancavam o desenvolvimento da Colônia colonos visavam obter o controle direto sobre os
necessitavam, primordialmente, da força de autóctones, subjulgando-os ao trabalho forçado.
trabalho barata e acessível para sua realização. Entretanto, os jesuítas também almejavam
Neste sentido, a mão-de-obra indígena foi continuar com o controle dos autóctones aldeados.
amplamente utilizada durante todo o período Por esse motivo, os colonos paulistas – apoiados
colonial (MACHADO, 2006). pela Câmara Municipal de São Paulo –, e jesuítas
Os aldeamentos, a princípio, eram – que se respaudavam na proibição de manter o
administrados pelos jesuítas, os quais detinham o índio cativo, promulgada pela Coroa –, entravam
poder temporal e secular sobre a população constantemente em conflito (MONTEIRO, 1994).
autóctone durante os primeiros séculos do período Ao longo do período colonial no Brasil, houve a
colonial no Brasil. Os jesuítas mantinham os índios necessidade de se estipular uma legislação que
aldeados isolados do restante da população na normatizasse a condição do indígena na
Colônia, vivendo sob um regime de servidão não sociedade. Com a expulsão dos jesuítas do Brasil,
declarada, camuflada pelo processo de em meados da segunda metade do século XVIII, é
catequização (PETRONE, 1995). redigida uma série de normas que oficializou o
O século XVII foi o período de maior cooptação Diretório dos Índios, visando regulamentar a
de mão-de-obra indígena no Brasil, com foco na questão silvícola e padronizar a administração dos
região do Guairá. Contudo, por causa do intenso aldeamentos, cujo poder passou para a tutela do
fluxo de expedições de dimensões cada vez mais Estado. Representado por um diretor, a Coroa,
ambiciosas, o número de tribos guarani passa a através das leis do Diretório, legitimou o poder e
decair a partir de 1640, provocando uma crise na controle sobre as populações aldeadas, buscando
demanda por escravos nativos. Com a crise no

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o sucesso de seus empreendimentos econômicos reconhecido pelo Estado como súdito de Portugal,
e políticos (COELHO, 2006). continuou em uma posição inferior ao colono
branco na hierarquia da sociedade colonial.

Metodologia Discussão

A Metrópole procurou, ao longo do período


A metodologia utilizada neste artigo baseia-se colonial no Brasil, regulamentar a questão
na interpretação de cartas escritas pelo diretor do indigenista. A escravização da população
aldeamento de São José, José de Araújo Coimbra, ameríndia foi proibida, salvo os prisioneiros de
endereçadas ao governador da capitania de São guerras justas. Os índios eram considerados
Paulo, Morgado de Mateus, datadas, livres, devendo ser pagos pelos serviços
respectivamente, de 27 de fevereiro de 1766 e 08 prestados. Os colonos, porém, utilizaram das
de julho de 1766. Essas cartas estão brechas nas leis para transpassá-las em virtude do
disponibilizadas no site do Núcleo de Pesquisa enriquecimento através da escravização dessa
Pró-Memória – Laboratório de Pesquisa e parcela da população (MONTEIRO, 1994, p. 133).
Documentação Histórica – IP&D – UNIVAP. Através da catequização do índio era inserida a
O Diretório dos Índios – legislação indigenista cultura européia como tentativa de “civilizá-los”.
que regulamentou a administração dos Os jesuítas tornaram-se intermediadores entre os
aldeamentos a partir da segunda metade do nativos aldeados e os colonos brancos, que
século XVIII – foi proposto pelo governador e demandavam a força de trabalho indígena
capitão-geral do Grão-Pará e Maranhão, Francisco (MONTEIRO, 1994, p. 131). Os aldeamentos e as
Xavier Mendonça Furtado, e oficializado pelo rei missões tinham o propósito de salvaguardar o
de Portugal em 1758. indígena do restante da população, garantindo sua
A documentação secundária é respaldada por inserção nos costumes e na fé católica, ao mesmo
uma bibliografia, que aborda o assunto tratado, tempo em que legitimavam o poder sobre essa
como Pasquale Petrone, John M. Monteiro, H. H. parcela através de sua administração secular e
Bruit, as teses de Mauro C. Coelho e Rita H. de temporal (PETRONE, 1995, p. 160).
Almeida e a dissertação de Marina M. Machado, Os empreendimentos jesuítas, contudo,
entre outros trabalhos. conflitavam com os interesses dos colonos que
A abordagem se deu através da comparação viam nos índios a força de trabalho disponível e
das informações contidas nos livros e nas necessária para desenvolver a economia,
produções acadêmicas com os elementos principalmente do planalto paulista. Os paulistas
proporcionados pela documentação primária. reivindicavam o acesso direto ao autóctone,
alegando que, no interior das aldeias, os jesuítas
usufruíam dos nativos ao seu bel prazer. Os
Resultados padres missionários, porém, denunciavam os
colonos de escravizarem as populações indígenas
Foi observado, como resultado da pesquisa, em prol da larga produção e transporte dos
que o Diretório dos Índios, apesar de ter sido gêneros para o litoral. A Coroa portuguesa tomava
basicamente formulado em prol das exigências e uma posição ambígua, ora a favor dos jesuítas,
necessidades da Colônia e da Metrópole, não regulamentando a condição e posição do indígena
obteve o efeito esperado no aldeamento de São na sociedade colonial, ora fazendo vista grossa às
José do Parahyba que, assim como outros subversões dos colonos a essas legislações
núcleos, permaneciam em condição paupérrima. (MONTEIRO, 1994).
Entretanto, este não é o único indício do Durante a primeira metade do século XVII
descumprimento da legislação em São José: intensificou-se o deslocamento da população
comparando a documentação disponível, é ameríndia por meio de expedições de
verificado que tanto o diretor reclama do apresamento organizadas pelos paulistas, com
comportamento dos índios como os próprios foco na região do Guairá, onde havia diversas
aldeados reclamam dos maus tratos de José de tribos da etnia guarani (MACHADO, 2006).
Araújo Coimbra. Segundos os índios, Coimbra Com o auxílio de índios já “colonizados”, as
utilizava-se de violência e coação, atitude proibida Bandeiras avançavam os sertões em busca de
pelo Diretório. tribos que, depois de apresados, eram forçados a
Verifica-se, portanto, que a situação da Aldeia trabalhar nas fazendas particulares, no transporte
de São José e os descumprimentos de grande da produção excedente ao mercado litorâneo
parte dos parágrafos do Diretório se devem a um (região de São Paulo) ou na coleta de Drogas do
conjunto de situações e ideologias, fruto de um Sertão (região norte e nordeste do Brasil). Além do
processo histórico, no qual o indígena, mesmo acesso a um grande contingente de braços, o

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território despovoado pelos sertanejos era Furtado para a aplicação das leis no contexto
ocupado pelas fazendas dos colonos (COELHO, colonial (COELHO, 2006, p. 141).
2005). O Diretório, portanto, supriu as exigências do
A escravização indígena foi intensificada no Estado, cujo objetivo era tornar o índio súdito para
planalto paulista, sobretudo, devido à falta de ocupar legalmente o território e promover o
recursos suficientes para empregar mão-de-obra desenvolvimento da Colônia a fim de “salvar” a
africana: comparado ao nordeste açucareiro, a economia lusitana, atrasada e pobre diante de
economia paulista era pobre (MONTEIRO, 1994). outros países europeus, e as necessidades dos
Especialmente durante o século XVII e XVIII, a colonos, que visavam à produção e ao
produção nas fazendas particulares era enriquecimento (COELHO, 2006, p. 162). O
direcionada para os gêneros de subsistência, discurso metropolitano está implícito no parágrafo
algodão, tabaco e farinha, que eram despachados 35 do Diretório dos Índios:
para o comércio no litoral, abastecendo, Consiste essencialmente o Commercio na
principalmente, o mercado interno. Arrolados venda, ou comutação dos gêneros, e na
como peças de inventário, cujo trabalho escravo communicaçaõ com as gentes; e se desta
era substituído por “serviços obrigatórios” nos resulta a civilidade, daquella o interesse, e a
documentos da Câmara Municipal, o comércio e a riqueza. (1758, p. 16).
construção da sociedade paulista baseou-se no O Diretório pombalino foi regido segundo um
indígena como principal ator (MACHADO, 2006, p. processo que visou integrar os objetivos
20). metropolitanos e coloniais. Antes de sua
Em sua tese, Mauro Cezar Coelho retrata o formulação, houve a tentativa de implantar na
Tratado de Madri como um dos principais estopins Colônia as Instruções Régias, que, basicamente,
para o anseio da Metrópole em formular uma concediam a liberdade à população ameríndia
política indigenista consistente, segundo o qual, o para que esta pudesse exercer satisfatoriamente a
território pertenceria ao Estado que o ocupasse e ocupação territorial, em virtude do Tratado de
usufruísse, iniciando uma disputa fronteiriça Madri, incentivando a agricultura, principalmente
acirrada entre Portugal e Espanha. O Estado produtos de vulto comercial, como o algodão e o
português viu na população indígena a tabaco. Visava-se, sobretudo, o desenvolvimento
oportunidade para salvaguardar as fronteiras, da Colônia para que esta pudesse enriquecer o
garantindo a posse da Colônia (neste período Estado português, que passava por um processo
Portugal perdeu grande parte de seus territórios de decadência em comparação com os outros
na Ásia) e expandir suas conquistas (2006, p. países europeus (COELHO, 2006).
108). As Instruções Régias, entretanto, não foram
Vanessa C. M. Oliveira, em seu trabalho de aceitas pelos colonos da maneira como a
conclusão de curso, reafirma a discussão de Metrópole desejava. Grande parte dos colonos
Coelho. Os autóctones, considerados pelo Estado adotou posturas subversivas às normas
vassalos do rei, foram arregimentados e enviados indigenistas, cujo discurso pautava-se na
para os focos dos conflitos fronteiriços, servindo inviabilidade em executar as ordens reais, já que
de barreira humana; serviam também à causa da não havia recursos financeiros suficientes para
Coroa através da produção de gêneros enviados pagar salários aos índios por seu trabalho ou
aos soldados (OLIVEIRA, 2007, p. 1). substituí-los pela mão-de-obra africana. Como
Com esta finalidade, foi elaborada uma série de complemento do discurso dos colonos, com a
políticas indigenistas, com premissas de concessão de liberdade aos índios, a produção
concessão de liberdade e condição de súdito aos agrícola e a coleta de Drogas do Sertão cairiam
nativos, incentivando a miscigenação entre índios vertiginosamente, agravando a condição precária
e brancos e a ocupação territorial. Contudo, estas de grande parte da população colonial, iniciando
leis não atendiam às necessidades dos colonos e um processo de decadência do comércio local e
aos objetivos dos empreendimentos coloniais, que regional (COELHO, 2006, p. 110).
viam no índio sua ferramenta de trabalho e Segundo Coelho, foi proposta por Francisco
enriquecimento. Apesar da tentativa de aplicação Xavier Mendonça Furtado, governador e capitão-
das Instruções Régias nas regiões de Maranhão e geral do Grão-Pará e Maranhão e irmão do
Grão-Pará, não houve aceitação por parte dos Marquês de Pombal, uma modificação das
colonos, que subverteram as exigências da Coroa Instruções Régias, observando as exigências da
(COELHO, 2006). Metrópole e as necessidades da Colônia. Dessa
De acordo com o Alvará da Lei de sete de maneira, foi regulamentado o Diretório dos Índios,
junho de 1755, onde foi abolida a administração executado a priori na região Amazônica, Pará e
temporal pelos missionários, delegando esta tarefa Maranhão, e posteriormente determinada para
ao Estado, foi criado o Diretório dos Índios, que todas as capitanias (2006).
consistiu em uma adaptação feita por Mendonça

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De acordo com o Diretório, em cada núcleo diretor informa que os nativos aldeados de São
seria nomeado um diretor, que tutelaria os nativos José são vagabundos e insolentes,
aldeados, garantindo seu processo de civilidade e desrespeitando o cumprimento das leis régias e
assegurando o cumprimento de seus direitos e não trabalhando nas roças, delegando a este
deveres (ALMEIDA, 1997). comportamento a condição miserável em que a
O poder sobre o autóctone, antes pertencente povoação se encontrava. Informa também que os
aos jesuítas foi transmitido para o Estado após a índios viviam dispersos do núcleo do aldeamento,
expulsão dos mesmos por Pombal, na segunda andando nus, conforme sua cultura (A.P.M./S.J.C.,
metade do século XVIII. Sob o protetorado da I-30, 10,27 – nº 4).
administração civil, a Coroa portuguesa garantia Segundo o Diretório dos Índios, era
reservas de mão-de-obra indígena e a ocupação responsabilidade do diretor garantir que os
legal de seu território, ao mesmo tempo em que aldeados se comunicassem somente em
legitimava seu poder sobre a população colonial português, proibindo a propagação da língua
(MACHADO, 2006, p. 35). nativa ou qualquer outro costume silvícola
Segundo o discurso português, os índios foram (ALMEIDA, 1997).
penalizados pela má administração dos jesuítas, A europeização dos ameríndios ocorreria, de
que não promoveram a “civilização” dos mesmos, acordo com os objetivos da legislação, através das
mantendo-os na “barbárie” e miséria: escolas; entretanto, não há documentação sobre
(...) pela lastimosa rusticidade, e ignorância, São José informando a fundação de uma escola
com que até agora foraõ educados, naõ para a população indígena aldeada, apesar de
tenhaõ a necessaria aptidão, que se requer constar como obrigatória no parágrafo 4 do
para o Governo, sem que haja quem os Diretório dos Índios:
possa dirigir, propondo-lhes naõ só os Para desterrar este perniciosissimo abuso,
meios da civilidade, mas da conveniencia, e será hum dos principáes cuidados dos
persuadindo-lhes os proprios dictames da Directores, estabelecer nas suas
racionalidade, de que viviaõ privados respectivas Povoaçoens o uso da Língua
(DIRECTORIO, 1758, p. 1). Portugueza, não consentindo por modo
No aldeamento de São José do Parahyba o algum, que os Meninos, e Meninas, que
Diretório foi aplicado durante a administração do pertencerem ás Escolas, e todos aquelles
Morgado de Mateus, governador da capitania de Índios, que forem capazes de instrucçaõ
São Paulo, o qual incentivou a elevação de nesta materia, usem da Língua propria das
povoações à categoria de Vila em prol das suas Naçoens, ou da chamada geral; mas
exigências da Metrópole, aumentando a produção unicamente da Portugueza, na fórma, que
de gêneros – abastecimento dos soldados nas Sua Magestade tem recomendado em
regiões de conflito territorial –, e na efetiva repetidas Ordens, que até agora se não
ocupação e expansão das possessões lusitanas observarão com total ruína Espiritual, e
na América (OLIVEIRA, 2007). Temporal do Estado (DIRECTORIO, 1758,
José de Araújo Coimbra, influente na Vila de p. 4).
Jacareí e junto ao governo, foi nomeado diretor da Provavelmente o descumprimento de algumas
aldeia de São José. Segundo Coimbra – em cartas ordens régias ocorreu devido à falta de recursos
escritas pelo diretor endereçadas ao governador do aldeamento de São José, que se encontrava
da capitania, disponibilizadas pelo núcleo de em estado de miséria, ponto salientado pelo
pesquisa Pró-Memória – a aldeia encontrava-se próprio diretor em diversas cartas endereçadas ao
em estado de miséria, com 2/3 das construções governador da capitania de São Paulo, Morgado
em ruínas e do restante havia somente de Mateus.
escombros. Além do mal estado das casas dos Vêem executadas em São José do Parahyba
aldeados e da Igreja, não havia ferramentas as principais premissas veladas, encontradas no
suficientes para que os índios pudessem trabalhar discurso metropolitano em virtude da civilidade do
nas roças. O diretor menciona roças de autóctone: a legitimação do poder do Estado,
subsistência, com plantações de milho, feijão e através do processo de civilização em detrimento
mandioca – gêneros típicos consumidos na região da anulação cultural indígena, o controle sobre as
–, e roças para posterior venda no mercado local, massas ameríndias, obtendo uma grande reserva
como tabaco e algodão (A.P.M./S.J.C., I-30, 10,27 de mão-de-obra que, ao mesmo tempo, supria as
– nº 7). necessidades dos empreendimentos coloniais –
Em uma das cartas, datada de 1766, Coimbra como a produção agrícola, o transporte de cargas
reclama ao governador Morgado de Mateus, do e a coleta de Drogas do Sertão – e os
comportamento dos índios que, segundo regia o empreendimentos metropolitanos – garantir o
Diretório, não eram cumpridas as exigências território da Colônia sob a posse do Estado
básicas do Estado para civilizar os índios. O português – através da arregimentação de índios

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para os conflitos fronteiriços e o desenvolvimento Antropologia Social), Universidade de Brasília,
do comércio colonial, priorizando o enriquecimento 1997.
da Metrópole enfraquecida.
- ARÊDES, Diego Emílio Alves. Subversão na
aldeia: Indígenas de São José da Paraíba contra a
Conclusão administração civil (1760-1780). Trabalho de
Conclusão de Curso (Graduação em História),
De acordo com as interpretações e pesquisas Universidade do Vale do Paraíba, 2006.
das cartas de José de Araújo Coimbra
endereçadas ao governador da capitania de São - BRUIT, Hector Hernan. Bartolome de Las Casas
Paulo, Morgado de Mateus, escritas no ano de e a Simulação dos Vencidos. São Paulo:
1766, e comparando com a informação dos Iluminuras/Unicamp, 1995.
trabalhos científicos em que este artigo se pautou,
considera-se que, apesar de ter sido Mendonça - COELHO, Mauro Cezar. Do Sertão para o Mar –
Furtado, governador e capitão-geral do Grão-Pará Um estudo sobre a experiência portuguesa na
e Maranhão, quem de fato contribuiu para a América, a partir da Colônia: o caso do Diretório
execução da legislação indigenista, promovendo dos Índios (1751-1798). Tese (Doutorado em
vantagens tanto à Metrópole quanto à Colônia, História Social), Universidade de São Paulo, 2006.
não foi suficiente para respaldar, em todas as
instâncias, a população indígena aldeada. - DIRECTORIO que se deve observar nas
O Estado promoveu o discurso de que a Povoaçoens dos Indios do Pará, e Maranhão em
população ameríndia não teria capacidade para se quanto Sua Magestade naõ mandar o contrário. In:
autogovernar, necessitando de um diretor para 1758. Cambridge: Harvard College Library, 1924.
auxiliá-los nesse processo. Diante disso, São José
passou a ser um aldeamento com administração - MACHADO, Marina Monteiro. A trajetória da
civil, a cargo do diretor José de Araújo Coimbra. destruição: Índios e terras no Império do Brasil.
Coimbra se deparou com um núcleo pobre e Dissertação (Mestrado em História Social),
com uma população aldeada que, segundo os Universidade Federal Fluminense, 2006.
documentos, não tinham muito conhecimento dos
costumes europeus. Essa conclusão explicaria o - MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra –
motivo pelo qual o diretor, José de Araújo Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo.
Coimbra, reclamava do comportamento dos São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
nativos da Aldeia de São José.
De acordo com Diego E. A. Arêdes, alguns - NÚCLEO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO
índios contrários à administração de Coimbra, HISTÓRICA PRÓ-MEMÓRIA – IP&D – UNIVAP.
escreveram ao governador da capitania de São Disponível em:
Paulo reclamando dos abusos e da violência com http://www.camarasjc.sp.gov.br/promemoria.
que o diretor agia contra os administrados e Acesso em 24 mar. 2009.
solicitando sua substituição (2006).
As divergências de informação mostram que, - OLIVEIRA, Vanessa Cristina Morais. A Elevação
apesar de ser uma política padronizada, o da Aldeia de São José da Paraíba (1767-1770).
Diretório vigorou em diversos núcleos de forma Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
diferenciada, resultado da condição da aldeia, do História), Universidade do Vale do Paraíba, 2007.
conhecimento prévio dos índios através da
catequização e do usufruto do poder que o diretor - PETRONE, Pasquale. Aldeamentos Paulistas.
detinha sobre os aldeados, seja para o bem São Paulo: Edusp, 1995.
comum ou a seu bel prazer.
Apesar de todas as imposições legais ditadas
pela Coroa portuguesa, o índio não deixou de
sublevar a favor de sua condição e de seus
direitos, utilizando-se de diversas ferramentas
para participar, como agente ativo e
transformador, da sociedade colonial brasileira.

Referências

- ALMEIDA, Rita Heloísa de. O Diretório dos


Índios: uma experiência de colonização no Brasil e
civilização dos índios. Tese (Doutorado em

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