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Em sua obra Informação do Brasil e de suas Capitanias - (1584), o padre jesuíta José
de Anchieta (1933) teceu informações sobre os povos nativos habitantes das terras doadas
para formar as capitanias. Escreveu que todos falavam uma mesma língua, desde a de
Pernambuco até a de São Vicente (São Paulo), mais ou menos 350 léguas, e de São Vicente
até a Lagoa dos Patos (Rio Grande do Sul), completando 900 léguas da costa Norte-Sul e
adentrando cerca de 200 léguas no sertão. Esse fato foi considerado um importante facilitador
para a conversão, tendo em vista a diferente situação do interior, “pelos matos ha [sic]
diversas nações de outros bárbaros de diverssísimas línguas a quem estes índios chamam
Tapuias” 2.
Comentando sobre os costumes dos “brasis”, Anchieta generalizou que falavam “uma
só língua” acentuando a inimizade existente entre os falantes que viviam em guerras de
vingança, sendo os prisioneiros mortos nos banquetes rituais; todos tinham mais de duas
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Professora de História da UESC-Universidade Estadual de Santa Cruz; e-mail: tmarcis@uesc.br.
2
ANCHIETA, 1933. As informações utilizadas constam no Capítulo XXIX. Informação do Brasil e de suas
Capitanias - (1584), p. 299 a 348.
2
O português Gabriel Soares de Souza que viveu na Bahia entre 1570 a 1600 e escreveu
a obra Tratado descritivo do Brasil, acrescentou muitas informações às fornecidas por
Anchieta no período. Confirmou que os índios da grande nação Tupinambá foram os
conquistadores e povoadores de toda a costa da Bahia e posteriormente dividiram-se em
grupos contrários e inimigos. Relatou um dos motivos da desavença entre os moradores da
cidade da Bahia: um grupo havia raptado uma moça e recusado entregá-la a família que queria
resgatá-la. Toda a parentela do pai da moça, que “eram índios principais” se “apartaram”,
saindo com sua gente de suas aldeias para a ilha de Itaparica. Juntaram-se com outros índios
vizinhos do Paraguaçú e fizeram guerras aos da cidade. O grupo “Tupinambá que migrou
para a ilha de Itaparica povoou o rio Jaguaribe, Tinharé e a costa dos Ilhéus” (SOUZA, 2000,
p. 230).
inimizades e desagregação entre os tupinambás, agravadas pela ocupação colonial, bem como,
os conflitos com os tupinaens gerados pela disputa dos territórios.
Alerta-se para o fato de que Gabriel Soares descreveu suas impressões a respeito de
uma época posterior as guerras autorizadas pelos governadores gerais e as devastadoras
epidemias que assolaram a população indígena subjugada e que estava em curso o projeto da
Companhia de Jesus de ajuntar os índios, nos aldeamentos para promover a catequese e
proteção contra escravização perpetrada pelos colonos. Mesmo depois de subjugados pelas
ações perpetradas pelo governador-geral Men de Sá os índios sobreviventes continuaram
sofrendo maus tratos pelos colonos conforme reconheceu o próprio autor.
3
MONTEIRO, 2001, p. 12. Algumas cartas jesuíticas circularam pela Europa e a obra de Pero Magalhães
Gândavo, História da província de Santa Cruz foi impressa em Lisboa em 1576; circularam como manuscritos
até o século XIX, tratado descritivo de Gabriel Soares de Souza e os escritos do jesuíta Fernão Cardim.
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MONTEIRO, 2001, ver capítulo 1: As “Castas de Gentio” da América Portuguesa, p. 17.
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contrários, “sem perdoar ninguém, até que os lançaram fora das vizinhanças do mar”.
(SOUZA, 2000, p. 258). Portanto, seguindo essa sequência, a chegada dos europeus teria
iniciado um novo ciclo de dominação, por serem um povo mais desenvolvido e civilizado.
Aprender a língua falada pelo povo local era fundamental para a eficácia a catequese,
tanto em relação à pedagogia formulada visando à transmissão dos princípios básicos da
doutrina cristã e dos rituais religiosos, como para a convivência cotidiana dos missionários,
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Aryon Dall’Igna Rodrigues, Linguista e pesquisador das línguas indígenas da América do Sul,
coordenador do Laboratório de Línguas Indígenas
da Universidade de Brasília. Diversos artigos, incluindo “AS LÍNGUAS GERAIS SUL-AMERICANAS”,
utilizado como referência nesse artigo, estão disponíveis em: <
http://www.geocities.ws/indiosbr_nicolai/menu.html> Acesso em: 18, março, 2013.
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A América do Sul, incluindo o Brasil ocupava o terceiro lugar, antecedido pelo México (21,4 milhões) e dos
Andes (11,5 milhões). SANTOS, 2000, p. 41. O autor se fundamenta em: Denevan, William M. Tabela Estimativa
da população indígena da América na época do contato europeu. N: DENEVAN, Willian M. The Native
Population of the Americas in 1492 (Madison, Wis., 1976), p. 291. Apud SCHWARTZ, S. e LOCKHART, J., 2002,
p. 57.
6
No ano de 1758 a Coroa portuguesa decretou para todo o Brasil uma nova política e
legislação indigenista que, entre outras medidas, extinguiu a administração eclesiástica dos
aldeamentos indígenas transformados por decreto em vilas semelhantes as demais. No mês de
abril de 1759, o ouvidor da comarca da Bahia, Luis Freire de Veras, seguiu de Salvador para a
capitania de Ilhéus a fim de reformar os aldeamentos administrados pelos jesuítas: o de Nossa
Senhora da Escada, no termo da vila de São Jorge, os de Santo André e São Miguel e Nossa
Senhora das Candeias no termo da vila de Camamú, transformados nas vilas de Olivença,
Santarém e Barcelos sendo os missionários substituídos por párocos vinculados ao
arcebispado da Bahia.
Naquela oportunidade, o ouvidor aplicou um extenso inquérito7 aos índios aldeados,
cujas respostas fornecidas permitem traçar um panorama geral em relação à origem,
demografia, identificação étnica, integração à cultura ocidental, e a situação das terras e dos
cultivos. Frente as instigantes informações sobre a população indígenas de Olivença, este
artigo resgata algumas respostas obtidas pelo ouvidor reveladoras da resistência da população
indígena, cujos ancestrais foram descritos por cronistas quinhentistas e destacando a
relevância destes registros para a produção do conhecimento sobre os índios na atualidade.
Sobre Olivença, os índios informaram que o clima era bom e a maior parte das terras
era fértil, adequadas ao cultivo de mandioca, feijão, cana, milho e arroz nos brejos. Todo o
território era entrecortado por diversos rios e riachos não navegáveis, destacando o Canabraba
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Um estudo sobre as reformas nos aldeamentos da capitania de Ilhéus, ver: MARCIS, 2013. O mencionado
inquérito, ver: BN (RJ). RESPOSTAS ..., [1759].
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como mais caudaloso e próximo à vila, com boas águas para beber, e outros mais distantes da
sede denominados Socós, Sirihiba, Jagoaripe e Aqui8. A localidade não era dotada de porto,
sendo necessário se deslocar para o da vila de São Jorge de Ilhéus, distante três léguas e onde
se podia chegar por terra, embora com dificuldade, por ter de cruzar rios caudalosos que
desaguavam no mar.
O ouvidor destacou que a sede do antigo aldeamento se situava em um alto à beira-
mar, com a igreja de pedra e cal e os “arruados em casas de pau a pique tapadas de barro e
cobertas de palha” [...] “sendo 122 casais, 125 Rapazes, 192 Raparigas, 03 escravos e
dezesseis viúvas”. ((RESPOSTAS, Olivença, 1758) A população era contada em 580 pessoas,
e, sobre o total, supõe-se que a existência de crianças e famílias isoladas, não contabilizados
como pessoas produtivas e batizadas.
Os moradores de Olivença eram índios “de Nação Tupy” da língua “chamada Geral”,
ainda adotada na comunicação cotidiana das famílias. A língua portuguesa era falada pelos
adultos e alguns deles, especialmente os rapazes, não eram muito fluentes nessa língua,
segundo o ouvidor. Entre os moradores seis sabiam ler e escrever, mas, muito mal. Falar
português, sem esquecer a língua geral, ter conhecimento da leitura, escrita e matemática era
parte dos instrumentos de convivência na sociedade colonial, fenômeno que ocorria em
diversos outros aldeamentos.
Sobre a data da instituição do aldeamento ou “a dita Missão”, o ouvidor assumiu não
ser possível comprovar. Ele encontrou um antigo livro dos batizados com o primeiro registro
“que se fez em 20 de novembro de 1682, pelo padre Theodósio de Moraes”. (RESPOSTAS,
Olivença, 1758) Constatou, portanto, a longa duração do aldeamento, aproximadamente um
século, funcionando sob a administração dos Jesuítas e com população identificada índios da
nação tupi, falantes da língua geral.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Atual Acuípe, ao qual se acrescentam os marcadores locais “de Baixo”, “do Meio” e “de Cima”.
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MARCIS, Teresinha. A integração dos índios como súditos do rei de Portugal: uma análise
do projeto, dos autores e da implementação na Capitania de Ilhéus, 1758-1822. Salvador:
UFBA/PPGH, 2013. Tese (doutorado em História)
MONTEIRO, John Manuel. Tupis, Tapuias e Historiadores: Estudos de História Indígena e
do Indigenismo. Campinas: Unicamp, Tese de Livre Docência, 2001: capítulo I, “As “Castas
de Gentio” na América Portuguesa Quinhentista Unidade, Diversidade e a Invenção dos
Índios no Brasil”, p. 12. Disponível em <http://www.ifch.unicamp.br/ihb/estudos.htm>
Acesso em: 12, Nov. 2012.
NOELLI, Francisco Silva. "As hipóteses sobre o centro de origem e rotas de expansão dos
Tupi". Revista de Antropologia
Vol. 39, No. 2 (1996), pp. 7-53. Disponível em: <
http://www.jstor.org/discover/10.2307/41616192?uid=2&uid=4&sid=21102001759507>
Acesso: 18, março 2013.
POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e Tapuia no Brasil
colonial. Baurú, SP: EDUSC/ANPOCS, 2003.
RODRIGUES, Aryon D. As línguas gerais sul-Americanas. Brasília: Unb/IL/LALI –
Laboratório de línguas indígenas. Disponível em: <
http://www.geocities.ws/indiosbr_nicolai/menu.html>. Acesso em: 18, março, 2013
SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. Fronteiras do sertão baiano: 1640-1750. São Paulo:
USP/FFLCH/DH/PPHS, 2010. Tese (doutorado em História Social)
SCHWARTZ, Stuart B. e LOCKHART, James. A América Latina na época colonial. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
SOUZA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1787. Belo Horizonte: Editora
Itatiaia Ltda, 2000. (Coleção Reconquista do Brasil, vol. 221).