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br/anteticul-
g00146-dez-2021-grad-ead/)
1. Introdução
Para dar início ao estudo da disciplina Antropologia, Ética e Cultura, é impres-
cindível lembrar a importância deste estudo para todos os cursos de gradua-
ção, em todas as grandes áreas de formação, tais como a Saúde, Educação,
Gestão e Administração, Engenharias etc.
Bom, mas quais são os objetivos da Educação Superior? E por que ela é chama-
da de “superior”?
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988).
Alfred Radcliffe-Brown (1881-1955), por sua vez, relata que nem todas as socie-
dades se organizam com uma relação passado e presente, ou seja, tomando
uma história linear para pensar a própria existência. Assim, a sociedade do
outro deve ser pensada de acordo com os termos do outro, com observação di-
reta das ações cotidianas, descrição e comparação (COLAÇO, 2011, p. 23-24).
Nos faltava, por igual, uma tipologia das formas de exercício do poder e de militân-
cia política, seja conservadora, seja reordenadora ou insurgente. Toda politicologia
copiosíssima de que se dispõe é feita de análises irrelevantes ou de especulações �-
losofantes que nos deixam mais perplexos do que explicados. Efetivamente, falar
de liberais, conservadores, radicais, ou de democracia e liberalismo e até revolução
social e política pode ter sentido de de�nição concreta em outros contextos; no nos-
so não signi�ca nada, tal a ambiguidade com que essas expressões se aplicam aos
agentes mais diferentes e às orientações mais desconexas.
2. Informações da Disciplina
Ementa
A Antropologia, Ética e Cultura, no contexto das disciplinas institucionais,
ofertada nos cursos de graduação do Claretiano – Rede de Educação, tem o
propósito de subsidiar o corpo discente quanto à importância da formação in-
tegral do ser humano na sua relação consigo mesmo, com o outro, com a natu-
reza e com o transcendente. A disciplina propõe a re�exão sobre o ser humano
como ser �nito e, ao mesmo tempo, como ser de liberdade, de consciência e de
amor. Para isso, é discutido o conceito de pessoa, numa perspectiva sincrôni-
ca e diacrônica, entendido nas suas dimensões biológica, psicológica, social e
espiritual. Os temas, tais como imanência, transcendência, alteridade, multi-
culturalidade, ética, moral, cidadania, entre outros, serão apresentados dentro
da área especí�ca vinculada ao curso em que a disciplina está alocada. E se-
rão tratados, também, nessa mesma perspectiva, alguns temas transversais,
como os direitos humanos, as histórias e culturas afrodescendentes e indíge-
nas, as questões de gênero, sexualidade e família, as políticas a�rmativas, in-
clusão e acessibilidade e a educação ambiental numa dimensão ético-
planetária. A proposta, no seu conjunto, está fundamentada no Carisma
Claretiano, no Projeto Educativo e nos Princípios estabelecidos pela
Instituição, visando uma educação pautada em valores éticos e cristãos, aber-
ta ao diálogo e crítica a toda forma de preconceito e fundamentalismo.
Objetivos Gerais
• De�nir o que é antropologia a partir da conceituação de pessoa, numa vi-
são sincrônica e diacrônica, tendo como referência a cultura ocidental.
• Conhecer o conceito de pessoa no Projeto Educativo Claretiano e as impli-
cações no campo da educação confessional e laical da sociedade contem-
porânea.
• Enfatizar a responsabilidade do corpo discente, como futuro pro�ssional,
para compreender o ser humano como pessoa e contribuir efetivamente
para uma sociedade mais humana e sustentável.
Objetivos Especí�cos
• Identi�car a distinção entre natureza e cultura, visando a compreensão
do ser humano como ser de projeto, e, portanto, distinto dos demais seres
da natureza.
• Conhecer o método de investigação da Antropologia e sua forma de abor-
dar o ser humano.
• Compreender as diversas concepções de dignidade humana no decorrer
da história ocidental e conhecer quais foram os grupos sociais com maior
possibilidade de desfrutá-la.
• Compreender o ser humano com uma visão humanista.
• Conhecer a visão de ser humano do Claretiano – Rede de Educação, con-
forme o seu Projeto Educativo e a Carta de Princípios que orienta a vida
educativa.
• Entender a ética como estudo da moral, mostrando a relação de reciproci-
dade entre elas e suas respectivas distinções.
• Reconhecer os campos de atuação da ética, enfatizando sua importância
nas relações humanas e na vida em sociedade.
• Re�etir sobre a questão dos preconceitos e dos fundamentalismos no atu-
al contexto social e político mundial e brasileiro, entendendo como postu-
ras que se apresentam como contrárias à uma visão ética e cidadã.
(https://md.claretiano.edu.br/anteticul-
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Objetivos
• Entender a distinção entre natureza e cultura, visando à compreensão
do ser humano como ser de projeto e, portanto, distinto dos demais seres
da natureza.
• Conhecer a importância do símbolo como expressão do ser humano, que
procura dar signi�cado às suas ações e se coloca como uma forma de
comunicação que transmite uma determinada compreensão de mundo.
• Estudar a linguagem como característica antropológica e como meio
que atribui signi�cado à existência humana, possibilitando a comunica-
ção verbal e escrita, entre outras formas de expressão.
Conteúdos
• Distinção entre natureza e cultura.
• Ser humano como ser simbólico.
• Linguagem como característica antropológica.
Problematização
O ser humano é um ser cultural? Como podemos considerar o ser humano di-
ante da natureza? Como entender o ser humano enquanto ser simbólico? O
que são símbolos? Qual é o papel da linguagem humana? Quais são as dife-
rentes formas com que a linguagem interfere na vida?
1. Introdução
Para estudar a disciplina e ter clareza do conteúdo que será apresentado, é im-
portante entender quem é o ser humano. Na história da humanidade, sabe-se
de muitas e variadas tentativas de compreendê-lo, passando por interpreta-
ções religiosas, �losó�cas, cientí�cas, poéticas, entre outras formas de lingua-
gem, que procuraram elaborar uma leitura coerente desse ser racional e que,
por causa disso, se coloca como diferente de todos os demais seres da nature-
za.
Assim, nosso propósito não é apresentar uma re�exão que considere somente
um estudo mais aprofundado dessas dimensões nem as diferentes formas de
compreensão do ser humano. O objetivo é propor uma tentativa de resposta à
seguinte questão: por que o ser humano é um ser que pergunta diante da reali-
dade que o circunda?
Por sua vez, o ser humano faz parte de um "sistema aberto". Sua relação com o
mundo não é simplesmente de adaptação, mas de transformação do próprio
meio. É possível a�rmar que "[...] o homem é a única criatura que se recusa a
ser o que ela é" (CAMUS apud ALVES, 1990, p. 14). Sua maneira de se relacionar
com a realidade leva em consideração critérios que não se pautam por leis ne-
cessárias e universais, presentes na natureza - ainda que o positivismo consi-
dere essa possibilidade -, mas por leis históricas e sociais. Nesta perspectiva,
parte-se do princípio de que o ser humano não é simplesmente o seu corpo,
mas ele tem um corpo, no sentido de que os objetos que estão a sua volta se
apresentam como extensão do seu próprio corpo. "Porque o homem, diferente-
mente do animal que é o seu corpo, tem o seu corpo" (ALVES, 1990, p. 16).
É evidente que este mundo não constitui exceção às regras biológicas que gover-
nam a vida de todos os outros organismos. Entretanto, no mundo humano encon-
tramos uma nova característica, que parece ser a marca distintiva da vida humana.
O círculo funcional do homem não foi apenas quantitativamente aumentado; so-
freu também uma mudança qualitativa. O homem, por assim dizer, descobriu um
novo método de adaptar-se ao meio. Entre o sistema receptor e o sistema de reação,
que se encontram em todas as espécies animais, encontramos no homem um ter-
ceiro elo, que podemos descrever como o sistema simbólico. Esta nova aquisição
transforma toda a vida humana. Em confronto com os outros animais, o homem
não vive apenas numa realidade mais vasta; vive, por assim dizer, numa nova di-
mensão da realidade (CASSIRER, 1977, p. 49).
Perguntar pelo sentido da vida, pela origem das coisas e pelo futuro que nos
aguarda se apresentam como questões que fazem parte do universo cultural
do ser humano. Mas o que faz com que o ser humano pergunte? Para respon-
der a essa pergunta - o perguntar pelo perguntar -, temos de entender duas
condições importantes, sem as quais não é possível colocar essa questão. A
primeira é entender o que signi�ca caracterizar o ser humano como um ser
simbólico e a segunda signi�ca entender o ser humano como um ser de lin-
guagem. Essas duas condições possibilitarão o estudo do ser humano como
pessoa, numa perspectiva diacrônica e sincrônica, inclusive sustentando o fa-
to de que é o único ser na natureza capaz de ter consciência de sua condição
ética e moral nas relações pessoais e sociais.
Para Riffard (1993, p. 331), a palavra "símbolo" (do grego symbolon) foi inicialmente
utilizada entre os gregos para se referir às metades de uma tabuinha que hospedei-
ro e hóspede guardavam, cada um a sua metade, transmitidas depois aos seus des-
cendentes. As duas partes juntas (sumballô) funcionavam para reconhecer os por-
tadores e para provar as relações de hospitalidade ou de aliança adquiridas no pas-
sado (RIBEIRO, 2010, p. 46).
O símbolo pode surgir, muitas vezes, de uma necessidade natural ou como re-
sultado de uma convenção social. Mas sempre se trata de uma relação entre
seres humanos, cujo objetivo é estabelecer uma forma de comunicação, a par-
tir de uma linguagem especí�ca dos próprios seres humanos. Assim, o símbo-
lo, para ser compreendido, necessita sempre de um emissor e de um receptor
que estejam em um ambiente cultural propício para que a mensagem seja
compreendida e assimilada por todos os envolvidos. O emissor e o receptor
podem ser uma pessoa ou um povo, que se presume serem sempre capazes de
entender o conteúdo da mensagem que se quer transmitir.
Para o que se propõe neste estudo, basta entendermos que o símbolo se apre-
senta como o primeiro aspecto que possibilita a aquisição da linguagem, em-
bora ele também possa ser entendido como uma forma de linguagem, como se
verá a seguir.
No caso da comunicação humana, esse código é a palavra, que pode ser tradu-
zida por meio da linguagem verbal ou não verbal.
Não é correto separar o conhecimento objetivo das emoções e dos valores. [...] O
verdadeiro conhecimento objetivo brota de uma atitude valorativa e emotiva, e pre-
tende ser uma ferramenta para que o homem integre e�cazmente o referido objeto
no seu projeto de dominar o mundo (ALVES, 1984, p. 26).
A partir desses três níveis, podemos dizer que a linguagem, ainda segundo
Rubem Alves, apresenta duas dimensões. Trata-se de uma forma de estrutura-
ção do mundo e, como tal, programa a nossa maneira de organizar os dados
da experiência.
Um tema que tem sido relevante tanto para a linguagem �losó�ca quanto para
a linguagem teológica é a autonomia nas relações humanas, que se manifesta
do ponto de vista natural, social e cultural. Autonomia está vinculada a duas
temáticas de fundo, que são, respectivamente, a liberdade e o condicionamen-
to. Normalmente, nós somos condicionados nas várias situações em que nos
encontramos. Fisicamente, somos chamados a reconhecer nossas limitações
dentro das possibilidades que temos; o fato é que não podemos fazer tudo
aquilo que queremos e de que gostamos. Por outro lado, existe, também, o con-
dicionamento institucional. Somos envolvidos por normas e procedimentos
que limitam nossa capacidade de ação e decisão.
A criação intelectual requer, sem dúvida, uma boa dose de disciplina e rigor. Isto
implica na adaptação a um mínimo de normas, cuja função é de meio, veículo e
instrumento. O empenho criativo deve encará-los como ajuda à versatilidade.
Ajustar-se a meios e instrumentos pode incrementar a �exibilidade. Só quando não
existe a �echa do desejo, que aponta para além do normativo e energiza o empe-
nho, as regras inevitáveis se transformam em camisa de força domesticadora da li-
berdade de criar. Por exemplo, o mínimo de orientações, a serem seguidas para dar
forma correta e agradável ao texto, não deve ser visto como coerção limitante, mas
como procedimentos para tornar o ato de redigir mais fácil e prazeroso (apud BELO
DE AZEVEDO, 1994. p. 7).
Para que não remanesçam dúvidas sobre os conteúdos estudos até o momen-
to, é fundamental que você teste seus conhecimentos, respondendo às ques-
tões a seguir.
Assim terminamos este primeiro ciclo, cuja preocupação fundamental foi com
a compreensão do ser humano na sua dimensão social e cultural. Tal aborda-
gem, por sua vez, conduziu para uma re�exão sobre o símbolo e sobre a lin-
guagem e suas diferentes formas de expressão. Agora, vamos entrar em outro
ciclo, que, como complementação do que se estudou até aqui, fará um aprofun-
damento da compreensão do ser humano, a partir de um enfoque ainda mais
particularizado.
5. Considerações
Ao fazermos a distinção entre natureza e cultura, apresentando a dimensão
simbólica e a linguagem como características especi�camente antropológi-
cas, devemos ter em mente, também, a noção de diversidade cultural, ou seja,
o fato de que, diante da multiplicidade de povos e culturas, cada uma deve ser
respeitada.
Nossa discussão sobre cultura visa promover a compreensão de que o ser hu-
mano é um ser que tem um valor em si mesmo. Ele carrega uma dignidade
própria e peculiar, independentemente da cultura à qual pertença.
Nossa comunidade educativa deve, portanto, ter uma concepção ampla de cul-
tura e aberta para acolher a pluralidade ou a multiplicidade cultural do Brasil
e do mundo.
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Objetivos
• Conhecer os pensadores que iniciaram o estudo antropológico e suas
principais preocupações.
• Identi�car o método de investigação da Antropologia e sua forma de
abordar o ser humano.
• Compreender as diversas concepções de dignidade humana no decorrer
da história ocidental e conhecer quais foram os grupos sociais com mai-
or possibilidade de desfrutá-la.
Conteúdos
• Perspectiva diacrônica: a pessoa na história ocidental.
• Perspectiva sincrônica: entre a humanização e a rei�cação.
Problematização
O que signi�ca ser humano (ser um homem ou uma mulher)? É possível de�-
nir o ser humano? Além dos aspectos físicos, o que permite identi�car um
ser humano? Quais comportamentos, ideias e valores você considera huma-
nos e de�nem a sua existência? O que motiva a sua existência enquanto ser
humano? O que motiva você a viver?
Mantenha a sua atenção durante a leitura, pois algumas coisas podem não
fazer sentido no início, mas, com a continuidade do estudo, as coisas tendem
a �car mais fáceis. E, se a di�culdade continuar, lembre-se de consultar o di-
cionário (diagramação: é possível linkar com o da SAV?) para ajudar no en-
tendimento de algumas expressões ou conceitos com os quais você ainda
não tenha familiaridade. Persistir é o caminho.
1. Introdução
Falar sobre o ser humano não é nada fácil, especialmente se �zermos uma
abordagem que atravesse um longo período de tempo e diferentes modelos de
civilização. As diversas formas de viver ensejam diferentes percepções e vári-
os usos linguísticos para tratar do mesmo tema. Sendo assim, mesmo a análi-
se mais simples e didática abrangerá muita complexidade.
Nesse sentido, esperamos que, ao realizar esse estudo seja ampliada a sua
compreensão de si a partir da análise dos mais diferentes "outros" contextos
humanos localizados no espaço e tempo.
Tais perguntas não são fáceis de se responder. Por isso, é fundamental de�nir
claramente o contexto para que se ofereça respostas, precipitando-nos a uma
perspectiva histórica de análise do fenômeno humano, da existência humana.
Uma vez que "humano" e "humanidade" têm sua signi�cação de�nida por es-
tudos e experiências imersos em seus períodos históricos, podemos conside-
rar que, ao longo da história ocidental, foram estabelecidas distinções sobre o
que é ou não humano, sobre o que deve ser valorizado e aquilo que deve ser re-
preendido nos comportamentos.
Assim, temos um percurso de busca, no qual o pressuposto era a mudança de
acordo com padrões mais elevados de humanidade. A vida moderna é, segura-
mente, um produto disso:
Nesse ínterim, a era moderna teve como resultantes alguns paradoxos: as pes-
soas vivem mais, porém também morrem mais em con�itos; a tecnologia per-
mite maior conforto e plenitude, mas também é e�ciente na fabricação de ar-
mas de destruição em massa.
Analisando de maneira mais objetiva, longe de ser uma luta determinada por
forças "do bem" contra as forças "do mal", todos os lados em con�ito se pro-
põem a ser ícones de algo melhor e correto para toda a humanidade, impondo
como adequadas compreensões que não são consensuais para todas as cultu-
ras. O esgotamento das negociações das divergências ou mesmo a indisposi-
ção para o diálogo leva ao �m do sufrágio, do qual emergem os con�itos.
Isso não signi�ca dizer que não existam pessoas mal-intencionadas no mun-
do, que desejam impor à força seus interesses, mas leva-nos a reconhecer que
mesmo elas acreditam na validade de suas intenções, de modo a defendê-las
sem dimensionar os altos custos humanos. A destrutividade das ações parece
justi�cada, por mais irracional que seja.
As pessoas costumam considerar a guerra como uma "tempestade social". A�rma-
se que a guerra "puri�ca" a atmosfera, que tem grandes vantagens - ela "fortalece a
juventude", tornando-a corajosa. E acredita-se, de maneira geral, que sempre houve
e sempre haverá guerras. As guerras são motivadas biologicamente. Segundo
Darwin, a "luta pela existência" é a lei da vida (REICH, 1972, p. 244).
[...] por algum motivo os homens evitam conhecer as causas profundas da guerra.
Além disso, há, sem dúvida, melhores meios do que a guerra para tornar a juventu-
de forte e sadia, ou seja, uma vida amorosa feliz, um trabalho agradável e seguro,
esportes em geral e liberdade em relação às intrigas maldosas. Tais argumentos
são, portanto, vazios de signi�cado (REICH, 1972, p. 244).
Qual será, então, a causa das guerras? De maneira breve, o autor considera a
atitude do "cidadão comum", ou das "massas", lembrando que: "Os ditadores
construíram o seu poder sobre a irresponsabilidade social das massas huma-
nas. Utilizaram-na conscientemente e nem sequer procuraram encobrir esse
fato" (REICH, 1972, p. 245). Assim, cabe a cada um de nós, membros anônimos
da massa popular, assumir a própria responsabilidade diante dos grandes pro-
blemas da humanidade.
Quem leva a sério as massas humanas, exige delas plena responsabilidade, pois só
elas são essencialmente pací�cas. A responsabilidade e a capacidade de ser livre
devem ser acrescentadas agora ao amor pela paz.
Isso nos remete aos desa�os que temos mais do que a um entendimento pessi-
mista em relação à civilização, pois ainda estamos trilhando um caminho en-
leado por um processo muito mais abrangente, de longa duração:
Não obstante, vamos nos empenhar em entender um pouco mais sobre como
as concepções de humano dentro da civilização ocidental se transformaram
desde o mundo antigo até a atualidade, como foi defendida a dignidade huma-
na e quem foram os que mais desfrutaram dessa dignidade.
A história da dignidade, para o direito, pode ser sintetizada nas seguintes fases: 1)
apenas o serviço ao Estado gera dignidade, de forma diretamente proporcional à
posição hierárquica; 2) reconhece-se uma dignidade mínima comum a todo ser hu-
mano, mas, acima disso, permanece o escalonamento; 3) a dignidade propriamente
dita é igual para todos os seres humanos (CORREA, 2013, p. 1).
Importante ainda esclarecer que não é almejado dar a última palavra a respei-
to do assunto. Pelo contrário, é um início de conversa, com indicações para o
aprimoramento constante das conclusões.
Analisando atentamente o Quadro 2, podemos perceber que o que de�nia o lu-
gar de cada um na sociedade foi mudando ao longo do tempo, até chegarmos
ao momento atual, em que precisamos rever nossas posições e aceitar que vi-
vemos uma crise de entendimentos a respeito do ser humano.
Importante:
Existem versões em português da DUDH que trazem a expressão "ser humano" ao invés de "pessoa huma-
na". Contudo, a versão original da Declaração, em inglês, usa a expressão human person, aproximando-se
mais da tradução escolhida e permitindo, assim, os comentários sobre sua signi�cância.
Tal proposta exige das lideranças e das pessoas do mundo todo um acordo so-
bre a universalidade do humano, assim como quanto à necessidade de respei-
tarmos mesmo aquilo que não concordamos ou entendemos.
Mas alcançar tal objetivo não é nada fácil. Mesmo a compreensão do mundo
material tem sido submetida ao crivo das crenças, desacreditando pesquisas
cientí�cas e leis estabelecidas nacional e internacionalmente. Esse fenômeno
tem sido chamado de "pós-verdade (https://www.revista-uno.com.br/wp-
content/uploads/2017/03/UNO_27_BR_baja.pdf)".
[...] a verdade não tem êxito e as descrições que não se ajustam a ela - ou mesmo
que nem se aproximam - sim, vencem, e além disso, terminam impunes. Como
a�rma o escritor Adolfo Muñoz (El País, de 02 de fevereiro de 2017) "a mentira polí-
tica ganha porque tem as qualidades necessárias para triunfar, convertendo-se no
que Richard Dawkins chamou de "meme". O meme é uma unidade de conhecimen-
to viral, na visão deste autor, que se dispersa à margem de seus atributos de veraci-
dade. Vivemos no universo dos memes e necessitamos de critérios para distinguir
o verdadeiro do falso, o seguro do provável, o certo sobre o duvidoso. E nos fazemos
perguntas cada vez mais angustiantes: seria o Photoshop, por exemplo, uma técni-
ca da pós-verdade? Seria a contextualização de um recurso falsi�cador? O insulto
poderia ser considerado uma mera descrição? Os efeitos especiais no cinema ou as
experiências de realidade virtual, por exemplo, são um atentado à integridade da
verdade, tal como a temos entendido até agora? (ZARZALEJOS, 2017, p. 12).
Diante de tantas variantes a serem consideradas antes de chegar a um veredi-
to (verdadeiro ou fake?), a necessidade de entendimento mistura-se com o de-
sejo de ter razão; nesse emaranhado de notícias e informações que invadem o
cotidiano do indivíduo via redes sociais e toda forma de tecnologia de infor-
mação e comunicação, a vontade de lidar com a verdade cada vez mais intan-
gível e inacessível faz com que os sujeitos se apressem em acreditar numa in-
verdade tangível.
Saiba mais!
Como foi feito antes, vamos partir de algumas perguntas, as quais são: o que
motiva a sua existência enquanto ser humano? O que motiva você a viver?
Vamos traçar uma situação hipotética: pela manhã, você desperta, ainda com
sono, e estabelece o desa�o de levantar e encarar o seu dia. Diante disso, o que
faz com que você se levante? Qual é a sua motivação para sair de sua cama e
se precipitar a ocupar o seu lugar no mundo?
Em sala de aula, nas inúmeras vezes em que essa situação foi apresentada du-
rante os estudos desta disciplina, os alunos, invariavelmente, responderam
majoritariamente, com diferentes versões da mesma problemática: boletos a
pagar.
Talvez não tenha acontecido em seu caso, mas vamos dar continuidade a este
raciocínio com outra pergunta: e se não houvesse boletos a pagar, você nunca
mais sairia da cama? Ou sairia por outros motivos? Quais motivos?
A partir deste ponto, as respostas passam a não ser tão majoritárias. Há certa
dissipação do foco, variando entre muitas formas de diversão, contato com a
família, descanso e repetição de algumas atividades prazerosas, como comer,
viajar, assistir �lmes, ouvir música etc.
Assim, podemos dizer que o sistema econômico faz parte da nossa organiza-
ção pessoal, estimulando-nos para dadas áreas, encorajando e desencorajando
ações em nossas vidas. Mesmo se ponderar sobre ter um(a) �lho(a), por exem-
plo, a condição econômica será posta em pauta.
Saiba mais sobre capital erótico no livro: HAKIM, Catherine. Capital erótico: pessoas atraen-
tes são mais bem-sucedidas. A ciência garante. Rio de Janeiro: Best Business, 2012.
Seja lá qual for o nicho em que possam ser encaixados pelos construtores de tabe-
las estatísticas, todos habitam o mesmo espaço social conhecido como mercado.
Não importa a rubrica sob a qual sejam classi�cados por arquivistas do governo ou
jornalistas investigativos, a atividade em que todos estão engajados (por escolha,
necessidade ou, o que é mais comum, ambas) é o marketing. O teste em que preci-
sam passar para obter os prêmios sociais que ambicionam exige que remodelem a
si mesmos como mercadorias, ou seja, como produtos que são capazes de obter
atenção e atrair demanda e fregueses.
Dito de outra maneira, nós temos de nos tornar pessoas maleáveis, tal qual os
líquidos (imagine a água assumindo a forma do local que a contém),
adequando-nos às necessidades de consumo para sermos atraentes aos con-
sumidores. Assim, teremos condições de nos manter durante algum tempo
num emprego que nos dará condições de sermos nós mesmos consumidores,
que consumiremos produtos, serviços e as pessoas que os oferecem.
Esse contexto histórico é de�nido por Bauman (2008) como modernidade lí-
quida (alguns autores também tratam esse mesmo período recente da história
como "pós-modernidade"), em que as relações se liquefazem para se adequa-
rem ao ritmo acelerado e constante de mudanças do mercado global.
Vamos traçar mais um exemplo de como isso pode ocorrer: um bancário que,
ao se tornar gerente de um setor do banco, precisa mudar de agência - e de ci-
dade - constantemente, adequando-se ao novo ambiente e aceitando novas re-
gras de convivência, novas atividades pro�ssionais, desenvolvendo novos há-
bitos e deixando parentes, amigos e até cônjuge para trás (o ideal é que não te-
nha vínculos que possam prendê-lo a um lugar ou pessoa). Mesmo com essa
dedicação plena, pode ser que o banco precise diminuir o número de gerentes
e, com isso, demita esse gerente. Ele deve estar sempre preparado para isso e
disposto a se realocar no mercado, procurando emprego em outra instituição,
em condições tão �uidas quanto as anteriores. Assim, a vida dessa pessoa se
resume ao cargo de gerente e �ui de acordo com a agência e instituição/banco
em que trabalha. Todo o resto de sua vida �ca como resto mesmo e é adaptado
conforme as necessidades impostas pelo trabalho. Ele é o papel que ocupa e
nada mais.
Caso apareça melhor oferta no mercado (outra pessoa que possa ser mais inte-
ressante devido aos seus atributos físicos, sua inteligência ou posição social),
inicia-se uma disputa ou análise de qual é o melhor custo-benefício para esse
gerente.
O mesmo pode acontecer se, numa dessas festas em que o casal foi visto, outro
funcionário do banco mais bem-sucedido que o gerente de nosso exemplo ma-
nifeste interesse pelo seu "parceiro afetivo". Em sentido inverso, inicia-se a
mesma relação de disputa ou análise de qual é o melhor custo-benefício: con-
tinuar como está ou abandonar o gerente e aceitar a oferta de outro funcioná-
rio do banco que está em um cargo mais alto e que, por isso, tem condições de
ampliar os diversos benefícios obtidos na relação?
Voltando à pergunta inicial: o que motiva a sua existência enquanto ser huma-
no? O que motiva você a viver? Podemos considerar que o contexto apresenta-
do nos leva a uma dinâmica de busca por condições de consumo e à expecta-
tiva do próprio consumo, colocando-nos a nós mesmos como seres consumí-
veis no ambiente cada vez mais competitivo do mercado globalizado. De uma
maneira irre�etida, seria esse o impulso decisivo para sairmos da cama ao
acordarmos.
Para que não remanesçam dúvidas sobre os conteúdos estudados até o mo-
mento, responda a questão a seguir.
O neurótico desenvolve um ideal rígido e irracional de força que o faz crer que deve
ser capaz de controlar, sem perda de tempo, qualquer situação, por mais difícil que
seja. Esse ideal associa-se ao orgulho e, consequentemente, o neurótico encara a
fraqueza não só como uma ameaça mas também como uma desgraça. Ele classi�-
ca as pessoas em fortes e fracas admirando aquelas e desprezando estas. É tam-
bém exagerado no que considera como fraqueza: desdenha mais ou menos todos os
que com ele concordam ou que cedem a seus desejos, que têm inibições ou que não
controlam suas emoções tão bem de modo a mostrar sempre uma �sionomia im-
passível (HORNEY, 1964, p. 124).
Feitas tais distinções e retomando a descrição de Bauman (1999), no contexto
mais recente e tocante à perspectiva da sociedade do consumo, a fuga de con-
�itos internos manifesta-se da seguinte maneira:
Não tanto a avidez de adquirir, de possuir, não o acúmulo de riqueza no seu sentido
material, palpável, mas a excitação de uma sensação nova, ainda não experimenta-
da - este é o jogo do consumidor. Os consumidores são primeiro e acima de tudo
acumuladores de sensações; são colecionadores de coisas apenas num sentido se-
cundário e derivativo (BAUMAN, 1999, p. 80).
Diante disso, podemos entender que, na mesma medida em que fazemos vári-
as coisas simultaneamente com o auxílio da tecnologia, nos tornamos depen-
dentes dela, como se a nossa própria existência fosse a ela submetida.
A menos que a ideia de escolha traga com ela a possibilidade de fazer diferença, de
mudar o curso dos acontecimentos, de desencadear uma cadeia de eventos que po-
de provar-se irreversível, ela nega a liberdade que pretende sustentar (LASCH, 1986,
p. 29).
Desse modo, ele ressalta que perdemos a capacidade de negociar sentidos lo-
calmente, uma vez que, com a globalização da economia, os principais aconte-
cimentos que impactam a vida de cada um de nós são decididos fora da locali-
dade, em negociações que ocorrem usualmente nas principais capitais do
mundo �nanceiro, transitando numa dinâmica de mercado global.
Sugerimos agora que você responda a questão a seguir a �m de testar seus co-
nhecimentos acerca dos conteúdos estudados.
4. Considerações
Encerramos aqui o estudo do Ciclo 2. O intuito foi que estivéssemos mais aten-
tos a diversos aspectos da vida que envolvem a pessoa humana e sua trans-
formação, tanto em relação àquilo que se impõe historicamente quanto ao per-
meia a sua construção individual, suas motivações e pressões internas. Tal
caminho pode ser considerado bem sintético, pois a discussão é muito abran-
gente.
Esperamos que esse estudo tenha contribuído para o seu aprimoramento pes-
soal e pro�ssional.
(https://md.claretiano.edu.br/anteticul-
g00146-dez-2021-grad-ead/)
Objetivos
• Entender o conceito de Pessoa Humana, sua importância e suas impli-
cações.
• Analisar as possibilidades humanas de exercício da dignidade na atua-
lidade.
Conteúdo
• As dualidades existenciais: imanência e transcendência; condiciona-
mento e liberdade.
Problematização
Como ser livre e enfrentar a problemática humana que se impõe sobre cada
um de nós? Como enfrentar situações trágicas ou de privação e permanecer
livre?
1. Introdução
O ciclo anterior explorou como nos organizamos para viver na sociedade atu-
al, dentro do sistema econômico predominante no planeta, considerando os
desa�os que ele impõe. A análise partiu das seguintes perguntas: O que moti-
va a sua existência na condição de ser humano? O que motiva você a viver? O
que faz com que você se levante? Qual é a sua motivação para sair de sua ca-
ma e se precipitar a ocupar o seu lugar no mundo?
A busca por objetivos materiais e a ambição por poder podem ser resultado da
di�culdade ou impossibilidade de satisfazer, por meio da afeição, a ansiedade
oculta em cada pessoa.
De acordo com Lasch (1986), os padrões de consumo são ditados pela mídia,
ensejando modismos e padrões de comportamento, de modo que o ser huma-
no capitalista passa a ser de�nido pelo impulso à competição a partir das rela-
ções de consumo. Isso impacta indivíduos, sociedade e meio ambiente.
Dica:
Você pode encontrar a versão em PDF da edição de 1987 do livro Em busca de sentido: um psicólogo no
campo de concentração, de Viktor Frankl, disponível para download gratuito em alguns sites, ou adquirir
edições mais recentes do livro impresso.
Viktor Frankl (1987) descreveu no livro a experiência de ter vivido num cam-
po de concentração, com as privações físicas e psicológicas oriundas de não
ser considerado um ser humano. De acordo com ele, as reações mais comuns
naquele contexto, diante da doença, sujeira e penúria, podem ser traduzidas
em algumas etapas ou estados: inicialmente, almeja-se sair do sofrimento, é
alimentado algum tipo de esperança; em seguida, as ilusões vão se desfazen-
do, e o humor torto, sombrio e ácido começa a tomar conta das conversas, as-
sim como a curiosidade, em piadas bastante controversas; depois, vem a apa-
tia e a irritabilidade, em que a indiferença prevalece. Ocasionalmente, surgia a
curiosidade sobre como o corpo vai reagir às intempéries. Interiormente,
questionava-se sobre quanto tempo mais conseguiria resistir.
Frankl (1987, p. 15) de�niu a apatia como um estado em que notícias ruins,
pessoas morrendo na câmara de gás, tortura e qualquer forma de sofrimento
alheio não faz diferença: "A pessoa, aos poucos, vai morrendo interiormente".
Ainda assim, diante desse cenário, a dor pela injustiça frequentemente dilace-
rava o interior de quem seguia vivo, suplantando mesmo as dores físicas:
A dor física causada por golpes não é o mais importante por sinal, não só para nós,
prisioneiros adultos, mas também para crianças que recebem castigo físico! A dor
psicológica, a revolta pela injustiça ante a falta de qualquer razão é o que mais dói
numa hora dessas. Assim é compreensível que um golpe que nem chega a acertar
eventualmente pode doer até muito mais (FRANKL, 1987, p. 17).
Dentro dos campos de concentração, havia, ainda, a �gura dos Capos, que
eram prisioneiros com privilégios, aqueles que vigiavam os demais prisionei-
ros e, por isso, tinham melhores condições de vida:
[...] os Capos não passavam mal. Houve até alguns que nunca se alimentaram tão
bem em sua vida. Do ponto de vista psicológico e caracteriológico, este tipo de pes-
soas deve ser encarado antes como os SS ou os guardas do campo de concentração.
Os Capos tinham se assemelhado a estes, psicológica e sociologicamente, e com
eles colaboravam. Muitas vezes eram mais rigorosos que a guarda do campo de
concentração e eram os piores algozes do prisioneiro comum, chegando, por exem-
plo, a bater com mais violência que a própria SS. A�nal, de antemão somente eram
escolhidos para Capos aqueles prisioneiros que se prestavam a este tipo de procedi-
mento; e caso não �zessem jus ao que deles se esperava, eram imediatamente de-
postos (FRANKL, 1987, p. 5-6).
De todo modo, ainda assim, era possível estabelecer algum tipo de camarada-
gem com os Capos.
Um Capo do meu grupo de trabalho se mostrava muito reconhecido para comigo.
Passei a ser seu protegido desde quando lhe dera atenção ao me contar seus casos
amorosos e con�itos matrimoniais durante a marcha de várias horas rumo ao local
da obra; �-lo com visível compreensão pro�ssional e impressionei-o com uma di-
agnose caracterológica sobre a sua pessoa e alguns conselhos psicoterapêuticos.
Desde então ele me era muito grato. Já fazia vários dias que sua gratidão me era de
grande valia (FRANKL, 1987, p. 18).
Como eu disse certa vez: "Sendo professor em dois campos, neurologia e psiquia-
tria, sou plenamente consciente de até que ponto o ser humano está sujeito às con-
dições biológicas, psicológicas e sociológicas. Mas além de ser professor nestas du-
as áreas sou um sobrevivente de quatro campos - campos de concentração - e co-
mo tal também sou testemunha da surpreendente capacidade humana de desa�ar
e vencer até mesmo as piores condições concebíveis" (Value Dimensions in
Teaching, um �lme colorido para televisão produzido por Hollywood Animators,
Inc., para California Junior College Association) (FRANKL, 1987, p. 73).
Por outro lado, entre muitos casos semelhantes, Frankl (2016, p. 43) destacou o
prisioneiro n.º 020640 da penitenciária de Baltimore, que lhe escreveu uma
carta declarando que, mesmo "[...] totalmente arruinado no aspecto �nanceiro
e cumprindo pena de prisão", ele havia conseguido encontrar "o verdadeiro
sentido" para sua vida.
É muito importante destacar que Frankl não defende que somente pessoas
que não possuem sucesso conseguem ter sentido para a vida. Apenas indica
que, nos casos pesquisados por ele, o sucesso não garantiu realização, de mo-
do que a busca por sentido é fundamental para todos nós, mesmo que impli-
que, em algum momento, em repensar questões que envolvam a busca por su-
cesso. Desse modo, muitas vezes, o sofrimento pode propiciar a busca de sen-
tido, mas também não é indicado que precisemos sofrer tanto para isso. Trata-
se de se equilibrar em meio às duas dimensões apontadas.
Agora, sugerimos que teste seus conhecimentos acerca dos conteúdos estuda-
dos, respondendo à questão a seguir.
[...] quando eu estava no exército e estacionado na França, nossa classe recebeu pe-
lo correio o certi�cado de conclusão do ginásio. O último ano nos fora abonado,
porque todos estávamos servindo no exército. Entretanto, foi exigido um certi�cado
da prestação de serviços e no meu certi�cado constou que eu era um "elemento po-
tencialmente nocivo ao povo". Naquela época, isso signi�cava praticamente uma
autorização de fuzilamento. Com isso, recusaram-me o diploma.
Quando minha mãe soube disso, procurou o diretor da escola e o interpelou energi-
camente: "Meu �lho está servindo o exército, está arriscando sua vida e vocês lhe
recusam o diploma?" O diretor �cou envergonhado e lhe entregou o diploma. Minha
mãe lutara por mim como uma leoa (HELLINGER, 2006, p. 13-14).
No seu livro, Hellinger (2006) contou que esteve várias vezes perto da morte e
viu muitos soldados que eram seus companheiros morrerem, até que foi apri-
sionado pelo exército americano na Bélgica. Como eram considerados odiosos,
já que lutavam do lado nazifascista, os 1600 soldados presos eram castigados
de várias maneiras, por ordem do próprio general Eisenhower, trabalhando 12
horas por dia, com pouca comida e dormindo apertados, em pé, no frio e sem
cobertores. Os delitos, tais como roubar comida ou as tentativas de fuga, eram
penalizados severamente, normalmente levando à morte.
Contudo, Hellinger (2006) contou que, em meio a todo esse tormento, era agra-
ciado com penas mais leves pelos seus delitos, algo que ele só veio a compre-
ender muito tempo depois.
Mais tarde, um amigo meu, que continuou no acampamento por longo tempo, de-
pois de minha fuga, esclareceu-me a razão daquilo. O "americano", meu vigilante,
era na realidade um judeu alemão que naturalmente nos entendia, mas não deixa-
va transparecer isso. Muitos prisioneiros o ridicularizavam, chamando-o de 'bicha'
ou outros nomes. Eu lhes dizia: "Vocês não devem dizer isso". Todos pensávamos
que ele não entendia. Mas ele entendia tudo e por isso me protegeu mais tarde
(HELLINGER, 2006, p. 16).
Em 1964, conheceu a dinâmica de grupos, num curso que realizou com os sa-
cerdotes anglicanos. De acordo com Hellinger (2006, p. 22): "Esses grupos
eram frequentados por negros, brancos, índios, mestiços, católicos e protes-
tantes. Todos aprendiam juntos. Eram grupos ecumênicos, sem separação de
raças - algo inédito na época".
Conforme Hellinger (2006, p. 49) defendeu: "Vejo Hitler como um ser humano,
sem desculpar nada". Nesse sentido, o autor destaca que não parece razoável
personalizar numa liderança um movimento coletivo, nem desresponsabilizar
as ações de cada um ao participarem desse movimento. Todavia, trata-se de
considerar que somos parte de sistemas e que não seguimos imunes a isso,
não agimos sozinhos e movidos unicamente por nossas forças pessoais. Mas
em cada papel exercido há responsabilidades: "Quem é que seduziu quem? Foi
o Führer que seduziu o povo ou foi talvez o povo que também o seduziu?"
(HELLINGER, 2016, p. 49). O que sabemos é que foi como foi e que, a partir des-
sa experiência, podemos aprender e, humildemente, fazer melhor.
Saiba mais sobre Bert Hellinger e o alcance de seu trabalho. Clique aqui
(https://www.hellinger.com/pt/constelacao-familiar/) e bom estudo!
Por �m, podemos considerar, a partir desta re�exão, o desa�o de não nos dei-
xar enredar nesse caminho discriminatório; e, contraditoriamente,
respeitarmo-nos mutuamente quando nos vemos enredados, aceitando lidar
com os resultados para seguir adiante. Metaforicamente, equivale, ainda, a
abalizar que, seguindo a compreensão do "olho por olho, dente por dente", po-
deremos construir uma existência de cegos e desdentados. A�nal, estamos to-
dos no mesmo barco, e, quanto antes reconhecermos isso, um tanto melhor
para todos!
3. Considerações
Estamos encerrando o Ciclo 3, mas, antes, é importante retomarmos rapida-
mente alguns pontos fundamentais que foram relacionados.
Como no Ciclo 2, este ciclo partiu de algumas perguntas, a saber: Como ser li-
vre e enfrentar a problemática humana que se impõe sobre cada um de nós?
Como enfrentar situações trágicas ou de privação e permanecer livre?
As respostas foram indicadas a partir dos dois casos estudados. Sendo assim,
vamos relacionar sinteticamente as respostas a partir de cada um deles.
Para Bert Hellinger, cada um ocupa um papel diante dos movimentos de âmbi-
to coletivo/sistêmico, de modo que a liberdade individual é organizada dentro
desse âmbito. Os direcionamentos pessoais representam não apenas escolhas
individuais, mas podem ser identi�cados igualmente, com orientações sistê-
micas. Desse modo, por pior que tenham sido as coisas, se elas aconteceram
de dada maneira, foi porque não se conseguiu encontrar outro jeito por aque-
les que assim agiram.
Isso não signi�ca que devemos concordar com tudo, mas apenas respeitar o
que foi e reconhecer o lugar de cada um, sem excluir ninguém. Assim,
Hellinger propõe evitar os julgamentos e ocupar novos papéis, levando paz aos
sistemas de que participamos. Desse modo, considera que é preciso olhar para
frente, imbuído da sabedoria oferecida pelo passado e reconhecendo que é
possível fazer melhor.
Toda esta análise foi realizada tendo em vista a preocupação com o desenvol-
vimento integral da Pessoa Humana, que é salutar e está relacionada na
Missão (https://claretiano.edu.br/missao) e na Carta de Princípios
(https://dev.redeclaretiano.edu.br/dev/res/emkt/2018/faculdaderco/credencia-
mento/principios.pdf) do Claretiano - Centro Universitário, conforme veremos
nos próximos ciclos.
(https://md.claretiano.edu.br/anteticul-
g00146-dez-2021-grad-ead/)
Eugenio Daniel
Objetivos
• Identi�car o ser humano com uma visão humanista.
• Compreender a visão de ser humano do Claretiano – Rede de Educação,
conforme o seu Projeto Educativo e sua Carta de Princípios, que orienta
a vida educativa.
Conteúdos
• Ser de �nitude e de abertura.
• Liberdade, alteridade, multiculturalidade.
• Ser de relação.
• Dimensões da pessoa humana.
• Projeto Pedagógico.
• Carta de Princípios.
Problematização
Qual é a visão do Claretiano quanto ao ser humano? De que maneira pode-
mos analisar a complexidade do ser humano? Quais são as dimensões hu-
manas? O que é multiculturalidade? Como podemos compreender o ser hu-
mano de maneira humanista?
Ao estudar este ciclo, você vai complementar os estudos que você fez até
aqui. Para isso, é preciso estar com o espírito aberto para estudar, para apro-
fundar o conhecimento, para assimilar as situações novas que são apresen-
tadas para nossa vivência, de maneira completa, na realidade em que nos
encontramos.
Pode ser que você esteja se perguntando: qual a razão deste estudo? Contudo,
não podemos esquecer que nossa vida não é isolada do mundo e das pessoas.
Fazemos parte de um todo, e qualquer que seja nossa pro�ssão, direta ou in-
diretamente, estaremos em contato com as pessoas. Tudo que fazemos tem
relação e consequência no mundo em que vivemos, respinga nas pessoas de
maneira positiva ou negativa, depende do entendimento que temos de nós,
do outro e do mundo.
1. Introdução
Nos ciclos anteriores, pudemos perceber que, no decorrer da história, algumas
teorias e algumas maneiras de viver e conceber a sociedade in�uenciaram a
forma de entender e viver a realidade humana. Neste ciclo, vamos estudar te-
mas que estão intimamente ligados ao humano, tais como liberdade, alterida-
de e multiculturalidade.
No decorrer do estudo deste ciclo, vamos nos aprofundar nesses temas, mais
antes, acompanhe no vídeo a seguir alguns aspectos importantes deste deba-
te.
Contudo, a rotina pode levar o ser humano a viver na indiferença ou, de outra
maneira, as solicitudes do mundo e as preocupações do cotidiano podem
torná-lo mais humano ou não. Na relação com o outro e com a sociedade, o eu
pode comportar-se de maneira irresponsável e não autêntica. Mas essa rela-
ção também pode gerar atitudes de colaboração e companheirismo (DETONI
et al., 2016).
Na convivência com seus semelhantes e nos seus afazeres, o ser humano faz
cultura. Dependendo da realidade em que vive, ele se adapta e produz cultura;
isso depende do meio ambiente onde está inserido. Por isso, o ser humano é,
ao mesmo tempo, sujeito e objeto da cultura.
Liberdade
Quando tratamos do assunto da liberdade, no sentido em que abordamos nes-
ta disciplina, é mais adequado tratar de liberdade de (escolha) e de liberdade
para (atuar). É complicado falar em liberdade total, pois em todo ato há um li-
mite. Contudo, isso não tira da liberdade aquela característica que permite ao
ser humano que ele não esmoreça diante de sua situação de vida. Para viver
livremente, é preciso levar em consideração a ética e a responsabilidade, en-
frentando os desa�os. Não é possível viver livremente sem ética e sem res-
ponsabilidade.
Cada ser humano é livre para atuar. Esse caminho pode levar à plenitude da
humanidade e pode ajudar na construção de uma sociedade justa e igualitária.
Frankl (1978), ao tratar da liberdade, demonstra que o ser humano pode forjar
seu destino sem estabelecer um mundo arbitrário. O ser humano adquire a
dignidade por meio da liberdade.
Vamos estudar mais adiante a dimensão espiritual e veremos que o ser huma-
no é livre e pode libertar-se de todo determinismo. Isso, porém, como já vimos
anteriormente, não o livra dos condicionamentos apresentados pelo mundo. E
é aí que vivencia sua responsabilidade.
Pelo fato de ser humano, ele é livre, pois a liberdade faz parte da constituição
do ser humano. A liberdade é anterior à ação. O ser humano é um ser de liber-
dade, ele pode transcender o egocentrismo, viver com autonomia e tomar de-
cisões em sua vida.
Para esse pensador, os �ns que perseguimos não são dados nem do exterior nem do
interior, não existe nenhuma suposta natureza, é na liberdade que cada um se esco-
lhe; cada "Para-si" tem a liberdade de fazer de si o que quiser. [...] o homem está
condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio e no entanto é li-
vre pelo fato de estar no mundo. Assim o homem começa a existir para logo, na sua
existência, de�nir-se (2009, p. 42-43).
Mesmo defendendo que o homem deve obrar de forma humana em relação à hu-
manidade, que está representada por ele próprio e pelos outros homens, para exe-
cutar sua liberdade, essa "liberdade" proposta por Sartre é totalmente autônoma.
Nesse ponto, é criticável, já que a verdadeira liberdade não existe se não está orien-
tada à perfeição, à humanização e à plenitude do próprio ser humano – caso con-
trário, pode ser uma "libertação". Liberdade está sempre acompanhada pelo vocá-
bulo "responsabilidade".
3. Alteridade
Como é próprio de sua natureza humana, o ser humano necessita de relacio-
namento interpessoal, e a alteridade caracteriza-se dessa necessidade de
relacionar-se. Essa necessidade está presente em todas as etapas da vida hu-
mana. A relação íntima do ser humano demonstra a disposição de si mesmo
enquanto necessita do amor recebido do outro. A relação “eu – tu” faz parte da
dimensão essencial do ser humano e faz parte da autotranscendência. O ser
humano é um ser social.
Como vimos, o ser é um ser de relação, inserido no mundo, por isso, é aberto à
realidade social. Trata-se de uma relação amorosa de semelhantes que neces-
sitam um do outro. Para Frei Betto (2020): “Todo ser humano, dentro da pers-
pectiva judaica ou cristã, é dotado de dignidade pelo simples fato de ser vivo.
Não só o ser humano, todo o Universo”.
Essa visão judaico-cristã mostra bem a realidade daquilo que estamos apre-
sentando em nossos estudos. Tudo o que já vimos e veremos até o �nal deste
ciclo nos remete a uma realidade que abrange todos os seres humanos e que
os coloca em lugar de dignidade, seja quem for esse ser humano. Todos mere-
cem viver dignamente.
O mesmo autor aponta para os pilares que sustentam a sociedade: família, es-
cola, Estado, Igreja e trabalho. Neles é possível resgatar a cidadania, com a
possibilidade de exercício da alteridade. O desa�o, segundo ele, “[...] é transfor-
mar essas instituições naquilo que elas deveriam ser sempre: comunidades. E
comunidades de alteridade” (FREI BETTO, 2020).
Multiculturalidade
De acordo com o que nossos estudos apontam – e para o que nos desa�am –
quando analisamos a questão da relação com o outro, é possível conviver pa-
ci�camente em um ambiente multicultural. Esse fenômeno cultural
relaciona-se diretamente com a globalização das sociedades pós-modernas.
Vale ressaltar que, para que haja multiculturalidade, é preciso estabelecer uma
convivência entre várias culturas em uma cidade, região ou país. Não há pos-
sibilidade de haver predominância de uma cultura sobre a outra.
Com a constante imigração, percebemos que várias pessoas, de várias cultu-
ras diferentes, convivem entre si. Essa diversidade cultural é que se caracteri-
za como culturalidade. Nesse contexto, pode acontecer a marginalização de
algum grupo social, como geralmente ocorre com os imigrantes.
Veremos, a seguir, que todo ser é um ser de relação. Essa relação se dá no con-
tato com o outro, com a sociedade, com os vários grupos culturais e com o
mundo. É nessa relação interpessoal que a pessoa aprende e ensina: aprende a
viver livremente, aprende a viver a culturalidade e aprende a ser.
A palavra-princípio Eu-Isso não pode jamais ser proferida pelo ser em sua totalida-
de.
Logo após, o autor enobrece o ser humano ao a�rmar que: “O homem não é
uma coisa entre coisas ou formado por coisas quando, estando eu presente di-
ante dele, que já é meu Tu, endereço-lhe a palavra-princípio” [...], demonstran-
do, claramente, que o ser humano precisa receber um lugar de destaque na re-
lação com o outro. “Ele não é uma qualidade, um modo de ser, experienciável,
descritível, um feixe �ácido de qualidades de�nidas. Ele é Tu, sem limites,
sem costuras, preenchendo todo o horizonte. Isto não signi�ca que nada mais
existe a não ser ele, mas que tudo o mais vive em sua luz” (BUBER, 2006, p.
55-59). Por essa razão, o relacionamento existente entre o Eu e o Tu envolve a
totalidade do ser e não somente parte do todo:
Entre o Eu e o Tu não se interpõe nenhum jogo de conceitos, nenhum esquema, ne-
nhuma fantasia; e a própria memória se transforma no momento em que passa dos
detalhes à totalidade. Entre Eu e Tu não há �m algum, nenhuma avidez ou anteci-
pação; e a própria aspiração se transforma no momento em que passa do sonho à
realidade. Todo meio é obstáculo. Somente na medida em que todos os meios são
abolidos, acontece o encontro (BUBER, 2006, p. 55-59).
O ser humano, apreendido pela ótica do “Isso”, perde suas características pes-
soais, uma vez que é tratado como objeto, e aquilo que era particular, único, ir-
repetível, passa a ser universal. Nesse contexto, leis universais são formula-
das para designar o particular e, para Buber (2006), não devemos nos conten-
tar com relações baseadas no mundo das coisas e sim no mundo do ser. Por
isso, adverte: “Sem dúvida, alguém que se contenta, no mundo das coisas, em
experienciá-las e utilizá-las erigiu um anexo e uma superestrutura de ideias,
nos quais encontra um refúgio e uma tranquilidade diante da tentação do na-
da” (p. 60). Assim, se a humanidade for reduzida ao “Isso”, perde sua razão de
ser.
Para Heidegger (1984, p. 158), “Ele é ele mesmo” e, sendo assim, único, singular,
irrepetível. Portanto, o relacionamento entre os seres deve ser um evento per-
meado pela reciprocidade, pelo velar e desvelar do ser. Não devemos compac-
tuar com ações que tenham o ser como uma coisa, um “Isso”. Nesse aspecto,
Buber (2006, p. 74 e 77) chega ao ponto de a�rmar que: “[...] o homem não pode
viver sem o Isso, mas aquele que vive somente com o Isso não é homem” e
continua: “O homem que se conformou com o mundo do Isso, como algo a ser
experimentado e a ser utilizado, faz malograr a realização deste destino: em
lugar de liberar o que está ligado a este mundo ele o reprime; em lugar de
contemplá-lo ele o observa, em lugar de acolhê-lo serve-se dele”.
Nossas relações com o ser dentro do espaço e do tempo podem deixar marcas:
se tratado como “Tu”, certamente as marcas serão positivas; contudo, se trata-
do como “Isso”, certamente essas marcas serão danosas. O ser vive e convive
com outros seres no espaço que nos acolhe e no tempo cronometrado.
Contudo, não é somente de batidas de relógio que a vida do ser é permeada pe-
lo tempo, pois sua vida também é marcada pelo sentido que só a pessoa hu-
mana pode atribuir às suas vivências.
Guimarães Rosa (1986, p. 92), em sua obra Grande Sertão: Veredas, por meio de
seu personagem Riobaldo, a�rma que:
O que vale, são outras coisas. A lembrança da vida da gente se guarda em trechos
diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem
não misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa im-
portância. De cada vivimento que eu real tive, de alegria forte ou pesar, cada vez da-
quela hoje vejo que eu era como se fosse diferente pessoa. Sucedido desgovernado.
Assim eu acho, assim é que eu conto. O senhor é bondoso de me ouvir. Tem horas
antigas que �caram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O se-
nhor mesmo sabe.
A liberdade do ser humano se caracteriza, também, por ele não estar preso ao
seu ambiente. Já que ele tem o mundo diante de si, ele é capaz de transcender
seu ambiente, embora ele se perceba como parte in�nitamente pequena desse
mundo. O mais bonito de tudo isso é que a estrutura eu-mundo dá ao ser hu-
mano a capacidade de encontrar-se a si mesmo. Tillich (2005, p. 113) a�rma
que “[...] sem o mundo, o eu seria uma forma vazia. A autoconsciência carece-
ria de conteúdo, pois o conteúdo, psíquico e corporal, encontra-se no interior
do universo”. Da mesma forma, para o mesmo autor, não existe consciência de
si mesmo sem um mundo. Sem ele o eu seria vazio.
Atenção!
Sobre a transcendência, transcendente e transcendental, é importante considerar que se refere ao encon-
tro com o outro. Em nosso estudo, foi tratado que, ao relacionar-se com os outros de maneira ética, ultra-
passamos os limites individuais e estabelecemos uma conexão que nos possibilita o alcance teológico, ou
seja, é feita uma abertura do indivíduo para ter conhecimento de Deus.
Vaz (2002 apud SILVA, 2016, p. 532) a�rma que “[...] o sujeito está situado na trí-
plice dimensão da realidade: o mundo, a sociedade e o próprio Eu. Isso implica
que a construção do discurso antropológico sistemático começa pelo Eu en-
quanto exprime a sua situação nas formas de presença corporal, psíquica e es-
piritual”. E acrescenta que: “[...] o ser humano, por ser capaz de efetivar a reali-
zação da própria vida, encontra como desa�o e tarefa, nunca acabada, o domí-
nio do sentido da vida, no qual a sua existência está lançada como existência
propriamente humana na relação com o outro”.
Dessa forma, pudemos perceber, sem esgotar o assunto, que o ser humano
sempre se questionou a respeito de si mesmo e de seu relacionamento com o
outro. Isso implica em compromisso consigo mesmo e, principalmente, o seu
compromisso com o outro. Essa relação é con�itante às vezes, mas aberta pa-
ra uma dimensão que abrange a vida, de uma maneira complexa, mas com-
prometedora.
Tendo em vista o conteúdo estudado até o momento, sugerimos que você teste
o seu aprendizado, respondendo à questão a seguir.
Depois de estudarmos todas essas situações que envolvem o ser humano e que
marcam sua razão de ser e de estar no mundo (mundo de relações múltiplas,
mas exigentes e carentes de sentido), vamos nos ocupar agora em entender o
que tudo isso signi�ca para o ser humano, olhando-o de uma forma totalizan-
te.
Espírito
Vamos começar apresentando o que Santo Tomás (2002) descreve sobre o ser
humano. De acordo com ele, o ser humano não pode ser explicado como a
união de duas partes: a orgânica e a espiritual. Quando se trata de “espírito”,
geralmente as pessoas interpretam no sentido teológico-religioso. Não quere-
mos ter essa interpretação. O ser humano é a uni�cação das dimensões corpo
e espírito. Não são elementos superpostos. As duas dimensões estão unidas
no mesmo núcleo.
É comum atribuir ao termo “espírito” um sentido religioso. Para Gevaert (1995),
o termo “espírito” é um termo vago e impreciso. Muitas vezes, expressa um
fenômeno vital concreto: hálito (sopro de vida); e, outras vezes, um princípio
exclusivamente humano. Porém, esse termo é empregado, também, para sim-
bolizar aquilo que é humano e que não pode ser reduzido a fenômenos materi-
ais de�nidos pela causalidade ou pela realidade espaço-temporal.
Conseguir compreender o sentido, �xar metas, �xar �ns, ideais e possuir capa-
cidade de atuar lidando conscientemente com os condicionamentos são ma-
nifestações próprias do ser humano, e isso caracteriza manifestações espiritu-
ais. Por isso, Scheler (2003) destaca que o espírito é uma potência que comple-
menta e direciona as outras potências do ser humano, que nós, neste trabalho,
chamamos de dimensões.
Para Frankl (1978), corpo-espírito não podem se reduzir um a outro, nem po-
dem derivar-se um do outro. Na pessoa, há uma unidade, ou núcleo, que é co-
mum a toda pessoa humana. No entanto, cada pessoa é única. Há uma manei-
ra dinâmica de vivenciar a existência. Cada indivíduo humano constrói a sua
própria realidade em sua existência, transformando-se continuamente. Mas
sua existência, sua maneira de ser e de viver são únicas. São realidades parti-
culares, que cada um vive.
Coreth (1998) explica por que cada um de nós se sente um eu. O eu é o ponto
central do ser humano. O eu é o centro do mundo do ser humano. Contudo,
Frankl (2003) a�rma que é o espírito que individualiza o ser humano. Por isso,
podemos considerar que o ser humano é uma unidade e, também, uma totali-
dade.
Enquanto ser social, o indivíduo precisa das outras pessoas, da relação com o
outro, com o tu, para levar adiante a existência pessoal. Assim, podemos con-
siderar que somos seres de alteridade, já que a vida de cada um de nós se de-
senvolve em comunhão com os outros sujeitos (outros eus) no mundo. O ser
humano é, também, um ser inserido na História. Ele vivencia os acontecimen-
tos de sua existência pessoal diante dos eventos da existência coletiva.
A vivência com o outro faz com que o ser humano perceba que ele é capaz de
compreender-se, de determinar sua própria existência e que isso o faz único e
irrepetível. De outro lado, o ser humano sofre a in�uência da sociedade em que
está inserido.
Dimensões da pessoa
Depois de entendermos alguns conceitos importantes, podemos compreender
o ser humano e suas dimensões. Faremos um estudo com todos os conceitos
que vimos anteriormente, mas, agora, de acordo com cada dimensão.
Entendendo a particularidade de cada dimensão, poderemos compreender
melhor a relação entre elas e o ser humano como um todo.
Dimensão biológica
[...] não se pode deixar de perceber que a sociedade está inserida em um contexto
social capitalista, neoliberal. Nesse ambiente, envolvidos pela lógica tecnicista, co-
mo é próprio do sistema neoliberal vigente, o homem acaba sendo reduzido a um
ser que produz e que consome. Diante desse enfoque, o que acaba tendo valor espe-
cí�co é essa parte do ser humano que está em contato com o mundo e que possui a
força produtiva e consumidora.
No entanto, apesar da distorção imposta pela atual sociedade, não se pode ne-
gar que o corpo tem seu valor e que este deve ser considerado. É por meio dele
que o homem constrói o mundo, adquire conhecimento, transforma a realida-
de e consegue dar sentido à sua existência. Portanto, é importante frisar que é
necessário cuidar bem do corpo.
E acrescenta:
“Para o terapeuta, o corpo não deve ser visto somente como um objeto, uma coisa
ou uma máquina funcionando com defeito, que seria mister ‘consertar’. Não; o cor-
po é corpo ‘animado’. Não há corpo sem alma, não sendo mais ‘animado’, não mere-
ce o nome de corpo, mas de cadáver” (1988, p. 70).
Esse é o ideal, mas é notório que as coisas não acontecem dessa forma no am-
biente social capitalista da atual sociedade. É possível perceber uma realidade
que explora e expõe o corpo e as pessoas de modo ultrajante. Não é difícil per-
ceber que a mídia impõe uma exploração total da realidade corpórea em di-
versos níveis.
Aliás, a mídia criou padrões de beleza e de biotipo. Quem não se adapta aos
padrões �ca relegado ao segundo plano. Os padrões de beleza e do corpo estão
expostos na moda, nas novelas, nos programas de televisão, nas revistas, nos
�lmes etc. São padrões criados e valorizados, forçando as pessoas a se ade-
quarem a eles. Quem, por uma razão ou por outra, não se sente enquadrado
nesse padrão gasta muito dinheiro para se adequar a ele ou se sente excluído
da convivência geral da sociedade.
É só notar que os tipos de roupas produzidos pelas grifes (pelo menos, pelas
grandes grifes) não são feitos para qualquer pessoa ou qualquer corpo. Quem
desejar precisa adaptar o próprio corpo para vestir aquele tipo de roupa. Aliás,
as grandes grifes não querem qualquer tipo de corpo vestindo as suas roupas.
Elas são feitas para físicos “esculturais”, pois é uma forma de fazer propagan-
da da marca. As pessoas tornam-se “etiquetas ambulantes”, como diz o poeta
Carlos Drummond de Andrade (1984).
Dimensão psíquica
Por essência, entende-se aquilo que faz o ser ser ele mesmo. Ou seja, o ser é
aquilo que ele é por causa da sua essência. É a essência que o torna um ser
único. Só eu sou eu. Só você é você. E o que me faz ser eu e você ser você é a
essência. Não existe outro igual. Eu sou único. Você é único(a).
Cada um possui um corpo, mas não é o seu corpo. Do mesmo modo, o indiví-
duo possui emoções, mas não é nenhuma dessas emoções. O indivíduo tem
desejos, mas não são esses desejos. O indivíduo pensa, estuda e sabe muita
coisa, mas não são as coisas que sabe. Como costumava a�rmar Sócrates, o
indivíduo é um centro de autoconsciência e vontade; por isso, é dotado de um
poder dinâmico, capaz de observar, dominar e dirigir todos os seus processos
psicológicos.
Pensando nisso, cabe perguntar: quanto tempo você gasta consigo mesmo?
Cinco minutos por dia? Cinco por semana? Cinco por mês? É por meio desse
tempo que se ocupa consigo mesmo que se consegue perceber e entender
quem se é de fato.
Se não conseguir dar esses passos, não poderá perceber que os semelhantes
são tão importantes como você e merecem seu carinho, sua atenção, seu apre-
ço, seu amor. Assim é possível entender as palavras de Cristo: “amarás teu
próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39). Quem consegue amar-se na essência
ama o outro, o mundo, a natureza e o Criador, porque se percebe parte desse to-
do.
O eu do indivíduo é a sua individualidade, é o seu ser pessoa. É essa a marca
indelével do eu sou. E a consciência disso é que faz o indivíduo perceber que
ninguém vai ocupar seu lugar no mundo; sua missão no mundo é única.
Entrar em contato com o seu núcleo, isto é, com o seu ser interior, é abrir as
portas para descobrir sua individualidade, sua importância, para encontrar o
caminho para a autorrealização, a felicidade.
Quanto mais profundo for esse contato com o seu próprio eu, mais profundo
será seu conceito de pertença do todo; mais profunda será a percepção de seu
papel na melhora do meio em que vive, do mundo onde habita.
Não é possível ser feliz sozinho. Quanto mais o indivíduo busca a realização
pessoal, mais ele percebe que essa realização só acontece à medida que se
abre para o outro, para o todo, para que todos tenham vida em abundância, co-
mo ensina o Cristianismo.
Essa busca do próprio eu não signi�ca fechar-se em si mesmo, mas, sim, per-
ceber e sentir um intenso amor e respeito por si e por seu corpo e, ao mesmo
tempo, uma abertura e um profundo amor pelo outro, pela natureza, pelo meio
ambiente, pelo universo, pelo todo. É isso que nos une aos outros, é isso que
une ao Criador. Entrar em sintonia consigo, com seu próprio núcleo, é entrar
em sintonia com o outro, é entrar em sintonia com Deus.
Fechar-se em si mesmo é causar morte, não vida. Contribuir para que haja vi-
da signi�ca estar centralizado, mas aberto, sem deixar que o meio tire a possi-
bilidade de autorrealização, a qual abrirá as portas para que os outros também
se realizem e sejam felizes. Contribuir para que haja vida é lutar contra tudo o
que impede a vida de estar ao alcance de todos.
Scheler (2003, p. 75) a�rma que “a vida psicofísica é una – e esta unidade é um
fato que vale para todos os seres vivos; portanto, também para os homens”.
Fazendo uma crítica a Descartes, o autor ainda a�rma, categoricamente, que
este:
E acrescenta:
Dimensão social
É nesse âmbito que a pessoa humana se encontra. Cada ser humano é um ser
único. No entanto, está inserido num contexto mais complexo, bem mais am-
plo do que seu próprio ser.
Cada pessoa humana tem necessidade dos outros: para vir ao mundo, para
crescer, para nutrir-se, para educar-se, para programar-se a si mesma e para
realizar seu próprio projeto de humanidade. [...] Cada ser humano nasce, vive e
cresce no interior de um grupo social... (MONDIN, 1998, p. 27).
A pessoa vive em sociedade. Ela não pode e não deve �car isolada em sua
existência, pois é um ser em relação. Não é apropriado restringir a análise e a
concepção da pessoa humana, como popularmente se fala e se ouve pela vida
afora: o homem é um ser que nasce, cresce, reproduz, envelhece e morre.
Muitas vezes, crianças e adolescentes fazem esse tipo de brincadeira, e, na ati-
tude, muitas pessoas adultas também agem como se esse fosse o sentido da
vida, fazendo, simplesmente, uma leitura biológica. Assim, valorizam uma
parte do ser em detrimento do restante. É comum valorizar uma dimensão em
detrimento das demais.
Dimensão espiritual
O termo estóico para espírito é pneuma, e o latino, spirtus, com suas deriva-
ções nas línguas modernas – no alemão é Geist, em hebraico ru’ach. Não exis-
te problema semântico nessas línguas, mas existe um problema no português,
por causa do uso da palavra "espírito" equivocadamente, com um "e" minúscu-
lo. As palavras "Espírito" e "Espiritual" só são usadas para o Espírito divino e
seus efeitos no homem, e são escritos com "E" maiúsculo. A questão agora é
então: pode ser restaurada a palavra "espírito", designando uma dimensão
particular da vida humana? (TILLICH, 1984, p. 401).
[...] espírito é o próprio poder de animar e não uma parte acrescentada ao sistema
orgânico. Contudo, alguns desenvolvimentos �losó�cos, aliados a tendências místi-
cas e ascéticas no mundo antigo tardio, separaram espírito e corpo. Nos tempos
modernos essa tendência chegou ao seu auge em Descartes e no empirismo inglês.
A palavra recebeu a conotação de "mente" e a própria "mente" recebeu a conotação
de "intelecto". O elemento de poder no sentido original de espírito desapareceu, e �-
nalmente a própria palavra foi descartada.
[...] quando falamos de espiritualidade, falamos de uma relação com algo superior à
própria materialidade. Não necessariamente estamos falando da relação com Deus,
tampouco com o Deus cristão...
Leonardo Boff (2003), teólogo e escritor, quando fala a respeito da vida que en-
volve o ser humano, especi�ca as características próprias da pessoa que co-
meça com a auto-organização, passa pela autonomia, pela adaptabilidade ao
meio e pela reprodução e culmina na autotranscendência.
Por isso, constantemente, ele chama a atenção para o cuidado, o respeito, a ve-
neração e a ternura que devemos ter para com a vida de maneira geral e a pes-
soa em particular. É a vida que garante a todos os seres a razão de seu existir,
do seu ser-no-mundo. Respeitar a vida, cuidar dela, tratá-la com veneração e
ternura são requisitos inerentes a todos nós que estamos em busca de um sen-
tido.
Entretanto, é preciso entrar em contato com algo que está implícito no ho-
mem: o espírito. Isso não elimina a importância dos outros aspectos da pes-
soa, que estão subentendidos no ser como um todo. Mas o que evidencia essa
espiritualidade? Quem nos dá essa resposta é Mondin (1998, p. 21), quando fala
que há:
Max Scheler (2003, p. 35) aponta o espírito como princípio ao mostrar a dife-
rença entre o homem e o animal:
O espírito é um princípio novo e ele abarca a razão, utilizada pelos gregos, abarca
um determinado tipo de intuição, que ele chama de intuição dos fenômenos origi-
nários ou dos conteúdos essenciais e abarca os atos volutivos e emocionais (a bon-
dade, o amor, o remorso, a veneração, a ferida espiritual, a bem-aventurança, o de-
sespero e a decisão livre), além disso, designa pessoa como sendo o centro ativo no
qual o espírito aparece no interior das esferas �nitas do ser.
No entanto, Scheler ainda acrescenta que o ser "espiritual" está aberto para o
mundo. "Espírito é com isso objetividade... Somente um ser capaz de levar a
termo tal pertinência às coisas "tem" espírito" (2003, p. 36). E acrescenta:
Como espírito, o homem goza de uma abertura sem limites, in�nita. Ele está
em busca da plena realização porque participa dessa esfera espiritual que o
coloca em contato com o in�nito. Como pessoa, é ser �nito se relacionando �-
nitamente com os outros seres, pois são seus semelhantes. Por isso, sua exis-
tência e sua autorrealização ocorrem enquanto se relaciona com os outros,
seus semelhantes.
A pessoa que consegue olhar para si mesma se percebe como pessoa humana,
una e única, capaz de criar e dar respostas positivas a seus anseios e de con-
quistar todas as chances de fazer uma opção livre e consciente.
Vertendo-se para esse nível de compromisso, o Claretiano – Centro
Universitário, tendo em vista o ensino confessional, coloca como centro de su-
as preocupações o desenvolvimento integral da pessoa humana. Dessa manei-
ra, sua Missão é identi�cada da seguinte forma:
Dito de outro modo, as pessoas são a primeira grandeza a ser considerada. Com esse intuito, foram de�ni-
dos 7 princípios institucionais, a saber:
• Princípio da Singularidade: cada pessoa merece atenção, respeito e valorização na comunidade educati-
va.
• Princípio da Abertura: a comunidade educativa está aberta ao diálogo e deseja servir às pessoas, à socie-
dade e ao mundo.
• Princípio da Integralidade: a comunidade educativa é profética e facilitadora da construção responsável
de si e da investigação da verdade.
• Princípio da Transcendência: queremos melhorar o que somos e fazemos.
• Princípio da Autonomia: na comunidade educativa cada um deve responder com empenho pelo bem de
todos.
• Princípio da Criatividade: queremos ser criativos e proativos no cumprimento de nossa missão.
• Princípio da Sustentabilidade: queremos que a instituição viva e faça viver com passos �rmes e de forma
sustentável no presente e no futuro (AÇÃO EDUCACONAL CLARETIANA, 2012).
Conheça na integra os princípios institucionais do Claretiano - Rede de Educação. (https://dev.redeclareti-
ano.edu.br/dev/res/emkt/2018/faculdaderco/credenciamento/principios.pdf)
6. Considerações
Ao chegar no �nal deste ciclo, pudemos perceber que o entendimento que o
Claretiano possui a respeito da pessoa se distingue daquele predominante na
atualidade e de inúmeras correntes �losó�cas, antropológicas, sociais etc.
Estamos inseridos em uma sociedade que faz distinção entre as pessoas e que
valoriza a pessoa que “possui mais”. O poder e o dinheiro acabam dando à pes-
soa uma importância que não corresponde à realidade, mas que é imposta pe-
la sociedade em que vivemos.
Nesse sentido, cabe a nós perceber essa situação e lutarmos para que o enten-
dimento a respeito da pessoa seja adequado à realidade que nos faz mais hu-
manos e humanizados. Não basta só conhecermos, é preciso vivenciar o
aprendizado.
(https://md.claretiano.edu.br/anteticul-
g00146-dez-2021-grad-ead/)
Eugenio Daniel
Everton Luís Sanches
Sávio Carlos Desan Scopinho
Objetivos
• Entender a ética como estudo da moral, identi�cando a relação de reci-
procidade entre elas e suas respectivas distinções.
• Conhecer os campos de atuação da ética e sua importância nas relações
humanas e na vida em sociedade.
• Re�etir sobre a questão dos preconceitos e dos fundamentalismos no
atual contexto social e político mundial e brasileiro, entendendo-os co-
mo posturas que se apresentam contrárias a uma visão ética e cidadã.
Conteúdos
• Distinção entre ética e moral.
• Campos de atuação da ética.
• Crítica aos preconceitos e fundamentalismos.
Problematização
Qual é a diferença entre ética e moral? Quais são os campos de aplicação da
ética? O que são preconceitos e quais os seus tipos mais comuns? O que são
os fundamentalismos, quais as suas origens? Como podemos viver a cidada-
nia numa dimensão ético-planetária?
A ética e sua relação com a moral apresenta enormes desa�os, pelo fato de
que nem sempre acontece de maneira crítica e racional. Suas interpretações
são muito variadas e dependem da cultura e do contexto histórico em que
elas estão inseridas. Por isso que a pretensão deste estudo não é apresentar
uma solução de�nitiva para o problema, mas oferecer elementos para que vo-
cê possa ter discernimento e elementos teóricos que ajudem a obter um posi-
cionamento que não se satisfaça com respostas banais e medíocres, diante
de uma temática tão importante para o ser humano e sua relação com a soci-
edade.
1. Introdução
Diante dos desa�os presentes, quando se procura entender quem é o ser hu-
mano em suas mais diferentes formas de linguagem, um tema que se apre-
senta como fundamental é a ética. O que signi�ca? Como entendê-la? Quais as
implicações que coloca para o ser humano? Essas e outras questões serão res-
pondidas na continuidade.
[...] E li também que RukhsanaNaz, de 19 anos, grávida de sete meses de seu namo-
rado de infância, foi morta pelo irmão - estrangulada com um �o de náilon - en-
quanto a mãe lhe segurava as pernas para que ela não se debatesse. Em defesa da
honra. A mãe, enquanto ajudava o �lho na sua macabra tarefa, chorava desespera-
damente, mas nem por isso desistiu da decisão homicida. Gostaria de não ter que
fazer aquilo, mas não podia deixar de fazê-lo. Um poder maior que seu amor de
mãe a obrigava. Que poder é esse? O poder das ideias, dos valores culturais - sejam
eles, religiosos, morais ou ideológicos - que regem a vida das pessoas. Por isso,
creio não haver exagero em dizer que o homem, �lho da natureza, é de fato um ser
cultural que vive num mundo por ele inventado (GULLAR, 2005, p. 10 apud
SCOPINHO, 2013, p. 72).
Podemos perceber que, no caso citado por Ferreira Gullar, é preciso colocar um
posicionamento ético. Contudo, a ética não deve ser entendida como teoria.
Para Scopinho (2013, p. 73):
Ela tem que ser percebida como um conjunto de princípios e disposições voltados
para a ação, histórica e socialmente produzida, cujo objetivo é balizar as ações hu-
manas. A ética existe, portanto, como uma referência para os seres humanos em
sociedade, de tal modo que os próprios seres humanos possam se tornar cada vez
mais humanos, estabelecendo critérios para a análise do comportamento moral.
Diante do exemplo apresentado por F. Gullar, caberia a seguinte pergunta: qual deve
ser o posicionamento ético diante da moral assumida pela família de
RukhsanaNaz?
Tanto a moral quanto a ética não são um conjunto de verdades �xas e imutá-
veis. Nelas, devemos levar em consideração o caráter histórico e cultural, pois
os momentos históricos e as concepções culturais interferem muito no enten-
dimento ético e moral. Entretanto, é importante considerar que a ética se apre-
senta como o julgamento da moral.
Ethos (raiz de "ética"), em grego, designa a morada humana. O ser humano separa
uma parte do mundo para, moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protetor e
permanente. A ética, como morada humana, não é algo pronto e construído de uma
só vez. O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para si.
Ético signi�ca, portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente para que
seja uma moradia saudável: materialmente sustentável, psicologicamente integra-
da e espiritualmente fecunda.
2 - Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídi-
ca ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de
um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer
outra limitação de soberania (ONU, 2020, p. 5).
Será que você compreendeu todo o conteúdo estudado neste tópico? Veri�que
sua aprendizagem respondendo à questão a seguir.
CONCEPÇÕES ÉTICAS
Fonte: adaptado de Rosas (2002) (http://www.dnit.gov.br/download/institucional/comissao-de-etica/artigos-
e-publicacoes/artigos-sobre-etica/A�nal%20o%20Que%20e%20Etica.pdf).
Justiça social
A noção de justiça social é muito presente na atualidade, pautada, inclusive,
na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Porém, sua discussão
remonta a noções que foram se transformando até chegarem aos dias atuais.
Por isso, vamos esclarecer alguns pontos centrais.
Alfred Fouillée (1899) tratou desse tema em um artigo, elucidando uma noção
de justiça social um pouco mais próxima daquela que é comum na atualidade.
De acordo com Lacerda (2016, p. 73):
A discussão caminhou muito, até que, no século 20, tivemos uma compreen-
são mais clara de justiça social, a qual usamos como referência. Foi �cando
evidente que a justiça social não dizia respeito apenas a uma lei de Estado que
regulamentasse a relação entre indivíduos, assegurando a liberdade, mas in-
cluindo questões de âmbito da igualdade em seu sentido material. No bojo
dessas discussões, estavam consideradas as condições de miséria vistas na
Europa do século 19. Contudo, o debate avançou de modo a contemplar não
apenas o sentido material, mas também espiritual, ensejando a submissão da
economia a um caráter ético.
Por isso, a justiça social deve ser compreendida como algo mais que o direito a cer-
to nível de bem-estar material, pois é dever da sociedade política distribuir tam-
bém educação e bens culturais àqueles que não os possuem. Deste modo, além da
distribuição dos recursos materiais, compete às estruturas estatais repartir equita-
tivamente "também os interesses morais derivados da dignidade da pessoa huma-
na, os educacionais, comuns a todos os homens e ainda, também, na medida do
possível, os culturais em sentido amplo". De fato, é o que se diz hoje: fala-se em sa-
lário justo e em assistência aos carentes, mas também em direito à saúde, à educa-
ção, à cultura, ao lazer etc. (LACERDA, 2016, p. 85).
Meio ambiente
Quando o ser humano transforma a natureza pelo trabalho, ele cumpre a �na-
lidade de sustentar e humanizar o próprio ser humano. Contudo, isso deve le-
var em consideração a preservação da natureza, e não a sua destruição, como
acontece em muitos países. "Mais do que nunca, preservar e cuidar do meio
ambiente é uma responsabilidade ética diante da existência humana"
(SCOPINHO, 2013, p. 75). Relaciona-se com a terceira geração de Direitos
Humanos, identi�cada como defesa da solidariedade/fraternidade universal.
De inspiração na tomada de consciência posterior à primeira metade do sécu-
lo 20, entende-se a necessidade de preservação ambiental, tomando o meio
ambiente natural como patrimônio da humanidade.
A pessoa humana faz parte da coletividade humana e, por isso, tem direitos de
solidariedade por parte dessa coletividade. Isso inclui os direitos ao meio am-
biente pací�co, organizado e equilibrado (noção ecológica de equilíbrio).
Propõe o estímulo geral à preservação ambiental, defesa do patrimônio histó-
rico e cultural, combate à exploração predatória dos recursos naturais e proi-
bição de atividades contrárias à paz.
Para realizar uma análise rápida, usaremos dois conceitos simples, mas
bastante consistentes: Área de Preservação Permanente (APP) e Espírito
do Lugar.
Espírito do Lugar
Aplicando os conceitos
Desse modo, quanto ao Espírito do Lugar, ele também foi afetado de ma-
neira de�nitiva. Não será mais possível retomar o que ele foi. É necessá-
rio re�etir sobre o que ele foi antes da tragédia e construir o que pode ser
depois. É preciso buscar a memória do local, porém com o objetivo de tra-
çar uma nova história. Tendo sido um acontecimento de impacto tão
grande na região e o maior rompimento de barragem já registrado em
qualquer lugar do mundo, é imprescindível aprender com ele e evitar que
o mesmo ocorra em outras partes do Brasil e do mundo.
4. Educação
A educação está amplamente ligada à dignidade do ser humano, integrando
os objetivos de justiça social, conforme vimos. É pela educação que é apresen-
tada a ação interativa. Na educação, o ser humano relaciona-se com o outro
ser.
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovi-
da e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvi-
mento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua quali�cação para
o trabalho (BRASIL, 1988).
Saiba mais!
5. Bioética
Um campo que demanda uma abordagem mais aprofundada é o campo da bi-
oética. Bioética, por de�nição, reúne duas áreas distintas, que são a da biolo-
gia, enquanto estudo da vida, e a da ética, tal qual estamos estudando. De acor-
do com Azevedo (2010, p. 255), esta disciplina:
Teve na sua origem, entre outros, um pro�ssional humanista, Van Potter, que consi-
derou a Bioética como "ponte para um futuro com dignidade e qualidade de vida
humanas", onde a responsabilidade assume a dimensão mais importante para a
sua efectividade, como ética prática ou aplicada.
O termo "bioética", usado desde o início do século 20, ganha força devido às
mudanças na sociedade, especialmente no campo cientí�co.
Nessa corrida em busca de respostas, surgiram os mais variados con�itos entre ci-
ência e ética. Visando dirimir tais con�itos, surge, na década de 70, a bioética, cuja
�nalidade é auxiliar a humanidade no sentido de estabelecer diálogos entre os di-
versos ramos do conhecimento, objetivando a re�exão acerca das soluções para
questões éticas provocadas pelos avanços cientí�cos, principalmente no que diz
respeito aos direitos humanos (QUAGLIO; DANIEL, 2008).
Saiba mais!
Podemos perceber que existe uma postura ética que não se preocupa com este
assunto, pois não acredita na sua importância. Para essa interpretação, a ciên-
cia não necessita desse tipo de indagação, por se apresentar com característi-
cas particulares. Scopinho e Daniel (2013, p. 108) a�rmam que a ética "[...] é en-
tendida a partir de uma concepção positivista, que estuda a sociedade da
mesma maneira que se estuda a vida social das formigas ou das abelhas".
A ideia de que a sociedade pode ser entendida como coisa (E. Durkheim) trou-
xe várias implicações para o estudo das ciências não somente na área das ci-
ências exatas e biológicas, mas também na área das ciências humanas.
[...] parece que não existem saídas plausíveis. A apatia e a falta de perspectivas ge-
ram um sentimento de desânimo generalizado. Basta olhar para a política no
Brasil, diante dos casos de fraude e corrupção cada vez mais evidentes nos três po-
deres: o executivo, o legislativo e o judiciário. Ou o papel da imprensa diante destes
fatos e de tantos outros que envolvem vários campos da sociedade civil e política.
Na maioria das vezes, se percebe que ela não quer contribuir para o esclarecimento
dessas questões, mas quer apenas criar sensacionalismo e uma divulgação que não
considera as causas reais desses acontecimentos. E a violência explícita e implíci-
ta presente na sociedade? Não podemos deixar de nos preocupar com toda essa
problemática. Por isso, torna-se necessário pensar um projeto ético que resgate a
cidadania e o valor do ser humano não apenas como objeto de consumo, de propa-
ganda e de pesquisa (SCOPINHO, DANIEL, 2013, p. 110).
A solidariedade nos faz reconhecer o outro como pessoa. Nenhum ser huma-
no é objeto, é coisa; ele deve ser respeitado em todas as suas dimensões.
A solidariedade implica no compromisso com aqueles que são excluídos da
sociedade. É possível criar um processo de inclusão, no qual todos possam ter
os direitos plenamente reconhecidos, mas enquanto existir tamanha desigual-
dade social e enquanto tantas pessoas tiverem de viver embaixo de pontes e
viadutos, ou "puxando carroças" para sobreviverem, é sinal de que ainda há
muita coisa para ser feita. Talvez, diante disso, possamos sentir uma impres-
são de impotência. O que pode ser feito para transformar essa realidade? Basta
dar um pedaço de pão para quem precisa, ou dar uma esmola para um mendi-
go que nos interpela na rua? Se isso não for su�ciente, como reverter uma es-
trutura geradora dessa situação?
Quando se trata de relações sociais, somos motivados para criar uma ética hu-
manitária. A sociedade precisa oferecer condições de vida básica, para que o
ser humano viva dignamente. E levantar esses aspectos é considerar duas
grandes áreas prioritárias: saúde e educação.
Somente com uma população saudável, na qual a medicina, por exemplo, não
seja apenas curativa, mais preventiva, é que será possível garantir os direitos
à saúde, ao trabalho, ao lazer, à habitação, entre outros. Uma vida saudável,
que englobe todos esses elementos, exige também uma educação não somente
alfabetizadora, mas conscientizadora (FREIRE, 2000). Atualmente, essa tarefa
pode ser concretizada por várias instâncias da sociedade, que vai desde o en-
sino institucional até outras formas de organização, como sindicatos, ONGs e
empresas. A luta deve ser de todos, especialmente daqueles que estão inseri-
dos diretamente na prática pedagógica, atuando como agentes de conscienti-
zação libertadora e promotora da vida.
Saiba mais!
Sugerimos, neste momento, que você dê uma pausa na sua leitura e re�ita so-
bre sua aprendizagem, respondendo à questão a seguir.
Preconceito
Em seu sentido mais simples, podemos identi�car o preconceito como uma
ideia formada sobre algo que não se conhece, ou um conceito que antecede o
conhecimento/experiência daquilo que está sendo conceituado.
Mas por que evitar a experiência de conhecer o diferente? Bom, muitas vezes a
diversidade em que vivemos pode nos expor ao reconhecimento de riscos. É
comum buscarmos uma vida previsível, organizada e segura, de acordo com
nossos entendimentos e costumes, crenças e hábitos. Contudo, uma circuns-
tância ou pessoa pode nos expor ao conhecimento de que as coisas não são
exatamente da maneira que acreditávamos. O preconceito pode ser uma saída
para fugir dessa indesejável experiência.
Assim, aquilo que se interpõe a esse modo de entender a vida pode ser precon-
ceituosamente negado ou taxado como inadequado, desconsiderando a com-
plexidade e diversidade humana inerente à vida em sociedade. O indivíduo, ao
sentir-se confrontado por uma realidade diferente da sua, enfrenta uma espé-
cie de constrangimento. Ao defender-se desse constrangimento, o preconceito
surge como uma forma de se retirar do dilema e impingi-lo ao outro.
ATENÇÃO!
Estigma vem do latim stigma, stigmătis. "Marca de ferro em brasa, ferrete (impresso em es-
cravos como sinal de desgraça). Estigma. Corte, cicatriz" (REZENDE, 2014).
É um conceito ou categoria de análise usada em estudos sociológicos, antropológicos, na
área da saúde e também na psicologia, assim como na linguística. Diz respeito a uma rotu-
lação, como uma marca destinada àqueles que cometerem desvios de conduta. "Na de�ni-
ção goffmaniana, um estigma, que incide sobre indivíduos e grupos socialmente desabona-
dos, aplica-se não de maneira direta, considerando-se características em si mesmas negati-
vas, mas a partir da violação das expectativas normativas sustentadas culturalmente sobre
a apresentação social de um indivíduo em diferentes contextos de interação social" (BIAR,
2015, p. 113).
Para saber mais, clique aqui (http://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/vi-
ew/cld.2015.131.11).
Caniato (2008, p. 22) elucida que o preconceito é uma forma de defender a he-
gemonia. Isso signi�ca que apenas alguns grupos de pessoas que se compor-
tem e/ou pensem da mesma maneira sejam tomados como corretos, e os de-
mais são taxados como errados. Trata-se, portanto, de um con�ito entre for-
mas de entender e viver a vida, em que está em jogo defender a concentração
de oportunidades e poder em um grupo especí�co.
Por outro lado, essas pesquisas indicam também que o indivíduo que apresenta o
preconceito em relação a um objeto tende a apresentá-lo em relação a outros obje-
tos, o que revela uma relativa independência do indivíduo que porta o preconceito e
o objeto ao qual esse se destina (CROCHIK, 1996, p. 47).
Desse modo, o preconceito pode estabelecer mais que uma relação de repulsa
de alguém (pessoa ou grupo social) a esse ou aquele indivíduo/grupo: pode
constituir um padrão de atitude que direciona a ação geral de determinadas
pessoas em relação a todas as coisas.
Contudo, como são diversos os estereótipos presentes nos preconceitos que são di-
rigidos a diferentes objetos, algo destes últimos deve estar presente para a consti-
tuição daqueles, ainda que não se re�ra aos próprios objetos, mas à percepção que
se tem deles. Ou seja, ao mesmo tempo que podemos a�rmar que o indivíduo pre-
disposto ao preconceito independe dos objetos sobre os quais aquele recai, pode-
mos dizer também que o objeto não é totalmente independente do estereótipo apro-
priado pelo preconceito que lhe diz respeito. O estereótipo em relação ao negro não
é o mesmo daquele que se volta contra o judeu que, por sua vez, é diferente do este-
reótipo sobre o de�ciente físico (CROCHIK, 1996, p. 47-48).
Todavia, concluiu-se que há uma participação ativa de quem é vítima do pre-
conceito, muito embora não seja uma questão de escolha individual ser ou não
vítima de preconceito. O que ocorre é que a atribuição de preconceitos depen-
de também daqueles que a eles são expostos, levando, assim, a diferentes re-
sultados e mesmo diversos tipos de preconceitos.
Como foi dito anteriormente, devido à força com que o preconceito é imposto
dentro da organização social, muitas vezes, a própria vítima do preconceito
passa a acreditar nele, aceitando a "maldade" ou inadequação que lhe é atri-
buída. Por isso, também, preconceitos diferentes são atribuídos a diferentes ti-
pos de pessoas em diferentes momentos da história.
8. Fundamentalismo
Outro aspecto que di�culta a implantação de uma ética humanista diz respeito
a toda e qualquer forma de fundamentalismo.
De acordo com ele, apesar de suas distinções doutrinárias, esses três funda-
mentalismos possuem alguns aspectos em comum:
A historiadora das religiões Karen Armstrong (2001) constata que um dos fatos
mais alarmantes do século XX foi o surgimento de uma devoção militante popular-
mente conhecida como fundamentalismo e demonstra que, no �nal da década de
1970, os fundamentalistas começaram a rebelar-se contra a hegemonia do secula-
rismo e empreender esforços para tirar a religião da posição subalterna que ela
ocupou com a modernidade. Sua hipótese de base é que o fundamentalismo pode
ser compreendido como uma reação à cultura cientí�ca e secular que nasceu no
Ocidente e que se arraigou no resto do mundo, destituindo as verdades religiosas.
Para a autora, as estratégias de ataque utilizadas pelos fundamentalistas aos pre-
ceitos secularistas e liberais revelam o temor da aniquilação e a tentativa de pre-
servar sua identidade por meio do resgate de certas doutrinas e práticas do passa-
do (COELHO; JORGE, 2017, p. 12).
Bauman (1999), quando se refere ao mundo globalizado, mostra que esse mun-
do passou a ser de�nido mais como algo não localizado, fora do alcance da vi-
da local, sem espaços públicos. Perde-se, dessa forma, a localidade, propria-
mente dita.
Em Psicologia das massas e análise do ego, Freud (1921) propõe que o ego ideal da
infância pode, ao longo da vida do indivíduo, ser projetado sobre �guras ou ideias
substitutivas. Dentre essas �guras substitutivas do ego ideal infantil, destaca-se o
objeto da paixão amorosa. A partir dessa consideração de Freud, pode-se dizer o
mesmo dos ideais fundamentalistas. Na adesão irrestrita que o fundamentalista
faz em relação à crença religiosa, ele também pode estar buscando uma alternativa
para o ego ideal de sua infância. Nesse sentido, ele estaria tentando recuperar, por
meio dos ideais religiosos, a plenitude psíquica e narcísica infantil, do mesmo mo-
do como o apaixonado tenta fazer através do seu objeto de amor. Esse paraíso de
plenitude infantil - que foi perdido para sempre e que tanto se busca reaver de vari-
adas formas - nunca existiu realmente, a não ser na fantasia da criança, nos so-
nhos dos adultos e nos mitos da humanidade (OLIVEIRA, 2018, p. 148).
9. Considerações �nais
Caro aluno, estamos concluindo o quinto e último ciclo da disciplina. No con-
junto, procuramos oferecer vários elementos que contribuem para compreen-
der o ser humano nas suas dimensões biológicas, psíquicas e espirituais.
É evidente que são temas polêmicos e que, muitas vezes, não são bem compre-
endidos. Assim, a intenção deste estudo foi apresentar uma visão cientí�ca, �-
losó�ca e teológica da questão, ajudando a não fazer dela uma leitura simplis-
ta ou até mesmo super�cial.
Agora, cabe a você fazer a sua leitura. Nosso desejo é de que tenhamos ajuda-
do nessa atividade e que você contribua para que possamos ter uma sociedade
justa e pautada em princípios que a tornem cada vez mais humana e corres-
ponsável com o meio ambiente e com tudo o que faça o ser humano se tornar
cada vez mais humano.