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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E POLÍTICAS PÚBLICAS

Acadêmico1
Tutor Externo2

RESUMO

O presente artigo versa sobre a Educação de Jovens e Adultos, as políticas


públicas adotadas nesta área da pedagogia, e, ainda, as leis atinentes ao tema. Trar-se-á
dados para a colocação do problema em âmbito municipal, estadual, nacional e
internacional, comparando-os e tirando algumas conclusões. Tentará se demonstrar um
rápido quadro histórico do problema, fruto das diferenças sociais, econômicas e culturais
de cada localidade.

PALAVRAS-CHAVE

Pedagogia – Estatística – PNAD Contínua – Educação de Jovens e Adultos –


Analfabetismo - Desigualdade social e de gênero – Currículos tecnicistas – Mercado de
trabalho - Abandono e evasão escolar

INTRODUÇÃO

Saber é poder. Esse princípio norteava a filosofia do pensador, escritor – e tido


como um dos pais do empirismo3 - inglês do século XVI, Francis Bacon.

1
Shaiane Passos Duarte da Costa
2
Dinara Scwartz da Silva
3
O empirismo é, segundo o Dicionário de Filosofia de J. Ferrater Mora, entre outros
significados, o seguinte: “O termo ‘empirismo’ deriva do grego ἐμπειρία, que se traduz por
‘experiência’, uma palavra que tem muitos sentidos (ver EXPERIÊNCIA). Entre estes se
destacam dois: a experiência como informação proporcionada por órgãos dos sentidos, e a
experiência como aquilo que logo foi chamado de ‘vivência’ (VER), isto é, o conjunto de
sentimentos, afeições, emoções etc. que são experimentados por um sujeito humano e se
acumulam em sua memória, de modo que o sujeito que dispõe de um bom
Saber é poder. Atentemos bem para esta afirmação.
Saber é poder...
Atualmente, dado o contexto político e histórico em que estamos inseridos, esta
frase poderia facilmente ser mal interpretada. Confundiríamos facilmente esse “poder” por
“poder político”, “autoridade”, “cargo ou ocupação pública”.
Não é o caso. Para Bacon, este princípio possuía outro significado. Mais amplo,
mais profundo e eminentemente prático. Saber é conhecer as leis da natureza para então
poder transformá-la (a natureza). Saber é ter consciência de suas capacidades e usá-las
para sua própria evolução. Saber é ter a humildade de se saber limitado em seu próprio
conhecimento e buscar experiências sempre novas, métodos sempre novos, mentalidade
sobre as evidências sempre atualizada. (Cumpre ressaltar aqui que Bacon era de certa
forma “inimigo” de seus colegas pensadores da época, os quais acreditava produzirem
trabalhos meramente especulativos, de pouca ou nenhuma relevância prática e, até, por que
não, inócuos – aí, também, revela-se a máxima do filósofo: seu conhecimento visava
sempre o uso, a aplicação, a transformação da matéria que o circundava.)
Mas o que exatamente um filósofo do século XVI possui de afinidade com o
presente tema? A resposta é a seguinte: absolutamente tudo. Em um mundo cada vez mais
conectado pelas redes sociais, pela rede mundial de computadores; com o conhecimento
cada vez mais difundido e disponível na palma da mão; saber ler não é apenas uma
habilidade necessária para o ingresso e destaque no mercado de trabalho, mas para as
tarefas mais banais do cotidiano (quantos tutoriais ou vídeo-aulas já não estão disponíveis
na plataforma digital “YouTube”, ou outras plataformas digitais - tudo através da escrita).

DESIGUALDADE SOCIAL E DE GÊNERO

aprovisionamento desses sentimentos, emoções etc. é considerado ‘uma pessoa com


experiência.’ A acepção mais comum de ‘experiência’ em relação ao empirismo é a
primeira das duas que foram citadas. O empirismo é considerado por causa disso uma
doutrina - ou uma atitude racionalizada por meio de uma doutrina ou teoria - de caráter
epistemológico, ou seja, relativa à natureza do conhecimento. Costuma-se considerar dois
aspectos no empirismo. Segundo um deles, o empirismo afirma que todo conhecimento
deriva da experiência, e particularmente da experiência dos sentidos. Segundo o outro
aspecto, ele defende que todo conhecimento deve ser justificado recorrendo-se aos
sentidos, de modo que não é propriamente conhecimento a menos que aquilo que é
afirmado seja confirmado (testificado) pelos sentidos. (...) Frequentemente se restringiu o
termo ‘empirismo’ à filosofia clássica moderna ao se contrastar o intitulado ‘empirismo
inglês’ (Francis Bacon, Hobbes, Locke, Berkeley, Hume) com o ‘racionalismo continental’
(Descartes, Malebranche, Spinoza, Leibniz, Wolff).” Verbete EMPIRISMO in “Dicionário
de Filosofia”, Mora, José Ferrater, página 819, Tomo II (E-J), Edições Loyola, 2ª Edição,
abril de 2005. São Paulo, Brasil.
O Brasil é um dos países mais socialmente desiguais do mundo. A imagem abaixo
ilustra a realidade díspar que encontramos em todas as grandes cidades (a imagem abaixo
retrata a favela de Paraisópolis e o bairro do Morumbi, na cidade de São Paulo, a maior do
país).
De um lado: pobreza, fome, analfabetismo, pessoas tendo de deixar a escola para
conseguir sustentar sua própria sobrevivência. Do outro: luxo, opulência, abundância.
Esta imagem não é exclusividade da capital paulista: ela ocorre por todas as
capitais brasileiras. Os índices sociais são abissais: enquanto a taxa de gravidez na
adolescência na favela é a regra, no bairro nobre é a exceção; expectativa média de vida,
educação e emprego formais, acesso à lazer e cultura: muito melhor para os bairros nobres.

É neste cenário alarmante4 de desigualdade social que se inserem as políticas


públicas da Educação de Jovens e Adultos. Tendo como funções principais a reparação,
equalização e qualificação, o EJA visa inserir pessoas que não conseguiram acessar ou
concluir seus estudos na idade própria, conforme Parecer CEB nº 11/2000, do Ministério
da Educação.
Abaixo traz-se um gráfico reportando a evolução da miséria no Brasil, no período
compreendido entre 1992-2017, estudo realizado pela CPS/FGV:

4
Segundo estudo realizado pela CPS/FGV, desde 1989 o país não apresentava índices tão
altos de pobreza e desigualdade social, chamando o período analisado de “década perdida”.
Fonte:
https://portal.fgv.br/noticias/pobreza-e-desigualdade-aumentaram-ultimos-4-anos-brasil-re
vela-estudo
Segundo dados de uma pesquisa realizada pela UNESCO5 (Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), cerca de 750 milhões de jovens e
adultos não sabem ler nem escrever no mundo. Outro dado, que é ainda mais alarmante:
dois terços desse contingente de analfabetos são mulheres. Vê-se, assim, mais um recorte
social, além do econômico: o de gênero. É sabido que em algumas culturas ao redor do
mundo (como é o exemplo de alguns países de tradição religiosa muçulmana) as mulheres
não possuem estatuto de ser humano; muitas não são autorizadas a sair de casa sem o
marido, a falar, dar sua opinião, dirigir, quiçá ler e escrever ou frequentar uma escola
regular, como fazem livremente os homens.
“Na equação política de Aristóteles, Pólis é a cidade-Estado e Óikos, o território da
casa. O primeiro é reservado aos homens e o segundo, às mulheres, aos escravos e aos
animais.”6 Na sua obra “Feminismo Em Comum”, a filósofa Márcia Tiburi já trazia
retratada essa triste realidade. Às mulheres era proibido o acesso aos espaços públicos,
sendo comparadas, inclusive, aos animais. Isso mesmo: a mulher possuía um status de
animal na Antiguidade! Relegada somente aos espaços privados, servia apenas para tarefas
domésticas e afins. Não é de se espantar, então, os dados trazidos pela UNESCO. Só
demonstram o quanto ainda temos de evoluir, principalmente, no que diz respeito a salários
e condições de acesso ao ensino e mercado de trabalho justos.
Desde Diotima, a sacerdotisa que aparece no diálogo platônico do “Banquete”, ou
as amazonas, filhas de Ares, às feministas modernas e contemporâneas, como Mary
Wollstonecraft e Judith Butler, muito se lutou e ainda muito há de se lutar para

https://nacoesunidas.org/unesco-750-milhoes-de-jovens-e-adultos-no-mundo-sao-analfabet
os/
6
Tiburi, Márcia. “Feminismo em comum: para todas, todes e todos”. - 6ª edição. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018. Página 105
conscientizar a população dos danos causados resultantes da exclusão de mulheres dos
bancos escolares.

DO ESFORÇO INTERNACIONAL PARA UMA EDUCAÇÃO GRATUITA (OU


COM PREÇOS ACESSÍVEIS), QUALIFICADA, UNIVERSAL E INCLUSIVA

Contidos na chamada “Agenda 2030” da Organização das Nações Unidas7, estão os


17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável, entre os quais destacam-se 4 para o
presente artigo, quais sejam:

1) Educação de qualidade;
2) Igualdade de gênero;
3) Trabalho decente e crescimento econômico;
4) Redução das desigualdades.

Para cada objetivo existem algumas metas específicas, que podem ser conferidas
através do acesso ao sítio abaixo referido. O que importa aqui é mostrar a
interconectividade entre os objetivos estabelecidos: TODOS são absolutamente
importantes para o desenvolvimento de um planeta com uma economia sustentável,
significando isto como uma forma de viver que possibilite a existência de gerações futuras
(imagine um planeta em que todos são ricos e letrados, mas os mares subiram devido ao
aquecimento global; ou ainda, num planeta onde a maioria da população possui instrução
de nível superior, porém vota em governantes atrozes que promovem o mal-estar de
diversas parcelas da população, como foi o caso do regime nazista, ou a triste realidade
global atual que elegeu políticos aliados ao espectro político neoliberal, sem compromisso
algum com um desenvolvimento social equânime).
Portanto, promover uma educação inclusiva (aqui também e fortemente a Educação
para Jovens e Adultos) para todos não faz parte apenas de um plano de governo ou de uma
orientação política definida como X ou Y; uma educação de qualidade para todos faz parte
da sobrevivência de nosso planeta, enquanto espaço comum de convivência, seja com
outros povos, etnias, culturas, mas também, e não mais ou menos importante, para as
gerações futuras, herdeiras de nossa história. Educar não só para o mercado de trabalho;
educar para o futuro.
Não é à toa que, além dos objetivos acima citados, encontra-se também o objetivo
de construção de um mundo cada vez mais pacífico, justo e com instituições mais eficazes
e confiáveis, através da implementação de um Estado de Direito (de se dizer que conflitos
sempre existirão: isto faz parte do desenvolvimento dialético da história, de oposição e

7
https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ (Consultado em 03 de novembro de
2019.)
superação de teses; o que se busca aqui é a solução pacífica desses conflitos, marca
distintiva do homem em relação aos outros animais, a razão/inteligência/ciência).

DO CURRÍCULO “TECNICISTA” (POR VALDO BARCELOS)

Valdo Barcelos, em sua obra “Educação de Jovens e Adultos: Currículo e práticas


pedagógicas”8, citando Paulo Freire (1921-1997), chama a atenção do leitor para um fato
muito importante do currículo trabalhado na Educação de Jovens e Adultos e ali faz uma
crítica: o currículo não pode ser meramente técnico, tendo em vista uma formação dos
educandos para o mercado de trabalho, estritamente.
Nesta obra, ainda, propõe uma pedagogia alternativa, inspirado no neurobiólogo
chileno Humberto Maturana: a Biologia do Conhecimento e Biologia do Amor. Para esta
pedagogia funcionar não basta a observância fria e cega do currículo, planos de ensino,
diretrizes curriculares: o que impera aqui é o tempo e a necessidade histórica de cada
aluno.
Podemos pensar assim em uma contraposição e, por quê não, uma contradição do
capitalismo. Tracemos a etimologia da palavra “escola”. Do grego Σχολή9 (Skolé),
significa: descanso, repouso, tempo livre, estudo, lugar de estudo, escola, produto do
estudo, tratado, trégua, inacção, preguiça, lentidão, devagar, pouco a pouco, com
dificuldade.
Agora pesquisemos a etimologia de “trabalho”. Do latim vulgar “tripaliare”10:
martirizar com o “tripalium” (material de tortura).
Ora, não seria uma contradição a “escola” (local de lazer, ócio intencional e
consciente, ócio criativo, local de preguiça, lentidão) formar justamente para o mercado de
“trabalho” (instrumento de tortura)? Sabendo que a maioria das pessoas trabalha não por
amor a sua atividade, mas por obrigação? Não seria isso que Valdo Barcelos, Paulo Freire,
Maturana e tantos outros tinham em mente quando falavam em “respeitar o tempo
histórico” dos alunos? Respeitar suas histórias, suas bagagens culturais, suas dores, suas
dificuldades, sua “lentidão” em aprender? Não seria isso que Maturana pensava (citado por
Valdo Barcelos) quando escrevia sobre sua biologia do amor e do conhecimento, dizendo
que o conhecimento não se situa apenas no cérebro dos alunos, mas em todo seu corpo, em
todo seu “aparelho de músculos” (Freud), em todo seu sistema nervoso e ramificações?

8
Barcelos, Valdo. “Educação de Jovens e Adultos: Currículo e práticas pedagógicas”. 3.
ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012
9
Dicionário Grego-Português e Português-Grego. Isidro Pereira, S.J. Livraria A.I. Braga.
8ª ed. Página 563
10
Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. “Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa”/Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. 3. ed. - Curitiba: Positivo, 2004. 1ª
Impressão Editora Positivo. Página 1970.
É nesse sentido que Laval11 faz sua crítica ao ritmo ensurdecedor do moinho
satânico (Polanyi12) moedor de gente do capitalismo.

CONCLUSÃO

Pautada por um cenário de absoluta desigualdade social e de gênero, a Educação de


Jovens e Adultos serve como uma espécie de paliativo às pessoas que não puderam, pelos
mais variados motivos, concluir seus estudos em tempo regular. Enquanto os ditames da
Economia de Mercado (Neoliberal) prevalecerem sobre os ditames educacionais; enquanto
a mera e pura necessidade de sobrevivência se sobrepuser à possibilidade de
aculturamento; enquanto crianças necessitarem trabalhar ao invés de estudar; ainda se fará
necessária, infelizmente, a Educação de Jovens e Adultos.
Viu-se, também, como um alento, os variados esforços envidados na oferta de uma
educação que seja acessível a todos, uma vez que se entende, de uma vez por todas, a
absoluta necessidade da difusão cada vez maior do conhecimento para a formação não
apenas de indivíduos mais qualificados para o mercado de trabalho, mas também para uma
sociedade com índices cada vez menores de desigualdade (das mais diversas formas) e
cada vez maiores de felicidade13.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LIVROS

1) Barcelos, Valdo. “Educação de Jovens e Adultos: Currículo e práticas


pedagógicas”. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012

2) Dicionário de Filosofia. Mora, José Ferrater, página 819, Tomo II (E-J), Edições
Loyola, 2ª Edição, abril de 2005. São Paulo, Brasil.

3) Dicionário Grego-Português e Português-Grego. Isidro Pereira, S.J. Livraria A.I.


Braga. 8ª ed. Página 563

11
Laval, Christian. “A escola não é uma empresa – O neo-liberalismo em ataque ao ensino
público.” Trad. Maria Luiza M. de Carvalho e Silva. Londrina: Editora Planta, 2004, xxi,
324 p.
12
Polanyi, Karl, 1886-1964. “A Grande Transformação: as origens da nossa época”.
Tradução: Fanny Wrobel; Revisão técnica: Ricardo Benzaquen de Araújo. 2. ed. - Rio de
Janeiro: Elsevier, 2012.
13
https://www.infoescola.com/sociedade/felicidade-interna-bruta-fib/ (Consultado em 05
de novembro de 2019).
4) Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. “Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa”/Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. 3. ed. - Curitiba: Positivo, 2004.
1ª Impressão Editora Positivo. Página 1970.

5) Laval, Christian. “A escola não é uma empresa – O neo-liberalismo em ataque ao


ensino público.” Trad. Maria Luiza M. de Carvalho e Silva. Londrina: Editora
Planta, 2004, xxi, 324 p.

6) Polanyi, Karl, 1886-1964. “A Grande Transformação: as origens da nossa época”.


Tradução: Fanny Wrobel; Revisão técnica: Ricardo Benzaquen de Araújo. 2. ed. -
Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

7) Tiburi, Márcia. “Feminismo em comum: para todas, todes e todos”. - 6ª edição. Rio
de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018. Página 105

SITES

1) https://www.infoescola.com/sociedade/felicidade-interna-bruta-fib/ (Consultado em
05 de novembro de 2019).

2) https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ (Consultado em 03 de novembro de


2019.)

3) https://portal.fgv.br/noticias/pobreza-e-desigualdade-aumentaram-ultimos-4-anos-b
rasil-revela-estudo (Consultado em 03 de novembro de 2019.)

4) https://nacoesunidas.org/unesco-750-milhoes-de-jovens-e-adultos-no-mundo-sao-a
nalfabetos/ (Consultado em 03 de novembro de 2019.)

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