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Todo dia é dia de revisar e repensar

por Fernando Alves da Silva Filho1


Todo dia preciso reafirmar para mim mesmo que o caminho escolhido como tema
de pesquisa para dissertação de mestrado é válido. Olhar profundamente para os
objetivos - geral e específicos - e certificar que não são fúteis, o desenvolvimento da
pesquisa possui justificativa e argumento para utilidade social. Para isso torna-se
imperativo compreender o tempo histórico no qual estamos inseridos, em seus distintos
aspectos: político, econômico e social. No entanto, esses três conceitos são complexos e
extensos. Aprofundá-los, sintetizá-los, delimitá-los e estruturá-los tem sido um desafio
tão antigo quanto buscar o sentido da vida em si; e certamente não estão dentre os
objetivos da pesquisa em questão. Dermerval Saviani nos apresenta o processo da
formação humana na perspectiva histórico-ontológica 2, longa-história-curta, o ser
humano e suas sociedades são construídas sobre o estudo constante da própria história,
o estudo do ser, do ser humano pelo ser humano. Em outras palavras "o homem é o lobo
do homem"3 e por isso em tempos de liberdade individual,

...a análise do aspecto pessoal, isto é, da liberdade, mostrava o homem como


um ser que, embora situado, se revelava capaz de intervir pessoalmente na
situação para aceitar, rejeitar ou transformar. Enquanto ser livre, ele
mostrava-se capaz de optar e tomar decisões. Esse aspecto já permitia
responder positivamente à questão da possibilidade da educação. Se o
homem é livre e capaz de intervir na situação, então ele pode intervir na vida
das novas gerações para educá-las. Mas ficava sem solução o problema da
legitimidade da educação: com que direito o educador vai interferir na vida
do educando se este, como ele, é igualmente livre porque também
pertencente ao gênero humano? (SAVIANI; DUARTE, 2010)

Portanto, torna-se imperativa a responsabilidade de cada pessoa de se


autorregular, revisar e repensar seus pensamentos, ações e reações perante a seus
próximos e para consigo mesmo. Para que possamos estar aptos a adentrar o mundo da
"perspectiva universal",

A análise do aspecto intelectual, isto é, da consciência, revela que o homem


não se mantém preso às suas condições situacionais e pessoais. Ele é capaz de
transcender a situação, assim como as opções e os pontos de vista pessoais,
para colocar-se na perspectiva universal, entrando em comunicação com os
outros e reconhecendo suas condições situacionais, assim como suas opções e
1
Licenciado em História (UVA), Pedagogo (UERJ) e Mestrando em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde
(COC/FIOCRUZ). Email: bomfasf@hotmail.com
2
SAVIANI, Dermerval; DUARTE, Newton. A formação humana na perspectiva histórico-ontológica. Revista
Brasileira de Educação v. 15 n. 45 set./dez. 2010. p. 422-433
3
Termo popularizado na obra "Leviãta" (1651) de Thomas Hobbes, porém pode ser datado até Titu Mácio Plauto em
sua peça "Asinaria"
seus próprios pontos de vista. Funda-se, aí, a legitimidade da educação, que
emerge, então, como uma comunicação entre pessoas livres em graus
diferentes de maturação humana. (SAVIANI; DUARTE, 2010)

Logo, as dinâmicas da vida em sociedade, as relações 4 de quem produz conteúdo e


os diversificados público/audiência deve ser tradada com empatia, com a capacidade de
se perguntar "estou fazendo isso para alimentar meu ego e meus desejos ou existe a
intenção de benefício e promoção do bem estar social?". E esta é uma questão
filosófica central nas análises sobre os super-heróis e suas aventuras "Por que seres
fantásticos dotados de habilidades e capacidades tão fora da curva normal humana,
decidem fazer o bem?" (ROBB, 2017)5 (REBLIN, 2008)6 (IRWIN, 2009)7 (VIANA;
REBLIN, 2011)8 (GRESH; WEIHNBERG, 2002)9. Ao pensar no processo de
desenvolvimento da pesquisa dissertativa, não quero apenas fazer "um trabalho
aceitável para a banca", quero "um trabalho que possa ser útil socialmente".
Desde o início do processo seletivo para o curso de mestrado até o presente
momento10, minha percepção referente a divulgação/popularização da ciência mudou
bastante. Não usarei o termo vulgarização científica, pois apresenta uma problemática
quanto a semântica (de significância). Fato comum das traduções de um idioma para o
outro (muito frequente nos quadrinhos, dublagens de jogos, séries e filmes de
superaventuras). Pois, no idioma oficial brasileiro 11, mesmo o termo vulgarizar tendo
definições como: divulgar, propagar, disseminar, tornar comum; no senso comum do
coletivo social é muito mais associado as definições: banalizar, tornar vulgar/imoral,
indecente, indecoroso, etc. Atualmente sinto-me mais alinhado com a definição de John
Durant12,

4
BABO-LANÇA, Isabel. O acontecimento e seus públicos. Universidade Lusófona do Porto; CEPESE.
Comunicação e Sociedade, vol. 23, 2013, pp. 218 – 235
5
ROBB, Brian J. A Identidade secreta dos Super-heróis - A história e as origens dos maiores sucessos das HQs: do
Super-Homem aos Vingadores. Tradução André Gordirro, Editora valentina, Rio de Janeiro, 2017.
6
REBLIN, Iuri A. Para o Alto e Avante - uma análise do universo criativo dos super-heróis. Editora Asterisco, Porto
Alegre, 2008.
7
IRWIN, William. Super-Heróis e Filosofia: Verdade, Justiça e o Caminho Socrático. Madras, São Paulo, 2009.
8
VIANA; REBLIN, Nildo; Iuri A. (Org.). Super Heróis, Cultura e Sociedade: Aproximações multidisciplinares do
mundo dos quadrinhos, Ideias&Letras, São Paulo, 2011.
9
GRESH, Lois; WEINBERG, Robert. The Science of Superheroes. Wiley Publishers, New Jersey, 2002.
10
Março de 2017 - Fevereiro de 2018
11
Língua Portuguesa - PT/BR
12
MASSARANI, Luisa; TURNEY Jon; MOREIRA, Ildeu de Castro (ORG). Terra Incógnita: a interface entre
ciência e público. Viera&Lent: UFRJ, Casa da Ciência - FIOCRUZ, Rio de Janeiro, 2005.
No que se refere à alfabetização cientifica, as necessidades dos cientistas e do
público em geral são muito diferentes. Os cientistas possuem conhecimentos
muito detalhados em áreas relativamente restritas de sua pesquisa
especializada. (...) Em contrapartida, a maior parte dos membros do público em
geral não tem experiência direta de pesquisas cientificas, possuem uma série
limitada de conhecimentos pré digeridos de livros didáticos e da educação
formal em ciência. (MASSARANI; TUNEY; MOREIRA, 2005)

Tendo em mente que a discussão pública da ciência é consideravelmente nova e


esta em um processo de debate ativo entre especialidades que estão tentando julgar sua
qualidade e importância - muitas vezes sem saber do que falam. Afinal quando se refere
as questões jurídicas relacionadas a ciência, juízes e promotores públicos sabem tanto
de ciência quanto o Tio Zé da banca de jornal, ou menos.
Para entender essa ciência o publico necessita ter percepção das maneiras pelas
quais os sistemas de controle de qualidade servem para separar conhecimento
comprovável (ciência) de conhecimento discutível (pseudociência). E torna-se papel do
cientista e do divulgador/popularizador da ciência encontrar maneiras, dentro da ética,
de aproximar as tecnicidades e todos os jargões científicos para linguagens equivalentes
ao capital cultural13 das diferentes culturas emergidas e emergentes nesse início caótico
de século XXI.

13
Teoria de Pierre Bourdieu

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