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PentagramA

2004 número 2
Revista bimestral do
Lectorium Rosicrucianum

AS CAUSAS PROFUNDAS DO BEM E DO MAL

PERGUNTAS E RESPOSTAS

A CULTURA, UMA BELA DOENÇA

DO CORVO À FÊNIX

O UNIVERSO É CONCÊNTRICO

O GARIMPEIRO

A DUPLA HISTÓRIA DO HOMEM

O HOMEM NÃO ESTÁ PRONTO

O LOBO, ANIMAL DOS MISTÉRIOS

DO HOMEM DESCARTÁVEL AO HOMEM ETERNO


PENTAGRAMA

As causas profundas ÍNDICE

2 AS CAUSAS PROFUNDAS
do bem e do mal DO BEM E DO MAL

7 PERGUNTAS E RESPOSTAS

8 A CULTURA, UMA
Quem aspira à vida superior, BELA DOENÇA

tal como ela é ensinada na Escola Espiritual, 11 DO CORVO À FÊNIX

deve se esforçar para compreender as causas 21 O UNIVERSO É


CONCÊNTRICO
profundas do “bem e do mal”.
25 O GARIMPEIRO

28 A DUPLA HISTÓRIA
DO HOMEM

33 O HOMEM NÃO
ESTÁ PRONTO

38 O LOBO, ANIMAL DOS


MISTÉRIOS

42 DO HOMEM DESCARTÁVEL
AO HOMEM ETERNO

ANO 26
NÚMERO 2
As causas profundas do bem e do mal
Quem aspira à vida superior, tal como desenvolve no extrato mais elevado –
ela é ensinada na Escola Espiritual, a esfera de maior calor – mas, sim, no
deve se esforçar para compreender as extrato dialético inferior. Embora re-
causas profundas do “bem e do mal”. sidíssemos e trabalhássemos na or-
Essa compreensão é necessária ao pro- dem divina, ou na esfera de maior ca-
gresso no caminho da santificação. O lor, por causa de um incidente em
aluno deve sempre se ocupar com essa nosso desenvolvimento caímos no es-
questão a fim de não entravar seu de- trato dialético.
senvolvimento.
Duas forças naturais
soberanas
A filosofia da Rosacruz nos traz am-
plas explicações concernentes à possi- A assinatura característica do es-
bilidade de escapar da teia das ilusões trato dialético é determinada pela co-
e de nos guiar para a sabedoria. Cedo existência de duas forças ou leis natu-
ou tarde o aluno é confrontado com o rais que são a imagem invertida uma
mistério do bem e do mal. da outra, como num jogo de espe-
Geralmente somos incapazes de lhos. Elas têm polarização inversa e
imaginar os diversos estratos de nosso não constituem uma unidade. Elas
cosmo planetário, bem como de com- estão na origem do jogo de opostos
preender que nossa existência não se tais como atração e repulsão, luz e

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trevas, calor e frio, cheio e vazio, modo indulgentemente lisonjeiro. As correntes
desenvolvimento e dissolução, em A lei judaica é perfeitamente justa e verticais e
suma: vida e morte. Essa lei dos con- lógica, quando diz: Eu sou vosso Deus horizontais se
encontram e
trários vigora nos quatro reinos: zeloso que pune a iniqüidade dos pais
fluem juntas.
mineral, vegetal, animal e humano. nos filhos até a terceira e a quarta São Pelegrino.
A partir de nosso estrato dialético, geração daqueles que me aborrecem. Itália. Foto
podemos observar nos mundos cir- Com essa citação ou advertência, as Pentagrama.
cunvizinhos, graças à nossa faculda- pessoas, que de bom grado se permi-
de de percepção tridimensional, que tem ficar iradas ou cometer más ações,
ambas as forças naturais são aí se detêm e se reorientam em direção
soberanas. ao bem. Através do medo religioso,
Refletindo atentamente, compreen- elas são conduzidas ao bem. Mas
demos que essas duas forças ou leis esse é um falso bem que não corres-
naturais produzem, atualmente, efei- ponde à qualidade intrínseca dessas
tos completamente diferentes dos de pessoas.
outrora, quando, com nossos compa- Compelida por muitas experiências,
nheiros de infortúnio, nos perdemos a humanidade lança um grito: Guerra,
neste estrato. Para compreendermos, nunca mais!. Para que essa decisão
basta um exemplo bem simples. Quan- possa ser mantida, então ela deve ser
do, a partir do interior, nos comporta- imposta, mediante castigo, sangue, as-
mos em perfeita harmonia com res- sassínio e fome. Essa mudança em di-
peito a certas leis, e nossa conduta de reção ao bem, ao humano, foi impos-
vida obedece às exigências dessas leis, ta e é, portanto, em grande medida
então não experimentaremos o menor hipócrita.
constrangimento por parte delas.
Muito pelo contrário. Elas são para Portas para a verdadeira
nós um auxílio constante e um supor- nova vida
te moral. Sim, chega mesmo um mo-
mento em que nem sentimos a pre- Esse exemplo pode nos esclarecer
sença dessas leis. Nossa vida se eleva, sobre o que a filosofia da Rosacruz
então, acima da lei, com base na har- Áurea tem a nos dizer. No princípio,
monia-com-a-lei, e segue adiante, de as duas forças do estrato dialético
força em força. ainda não se evidenciavam como bem
e mal. Essas atuações das leis gêmeas
Guerra, nunca mais! tal como as conhecemos hoje eram
desconhecidas para a humanidade de
Quando, porém, nos opomos à lei, então. Portanto, o bem e o mal não
surge em nós uma resistência, depois estavam previstos no estrato dialético.
fricção, depois, calor. Esse calor se Uma dessas forças naturais assegura-
transforma em cólera, a cólera em fo- va um certo desenvolvimento, a outra
go, o fogo em explosão, a explosão em anulava esse desenvolvimento. E isso
punição. O medo diante da punição e não por malevolência arbitrária, mas
a experiência da punição impelem- porque a força de dissolução era uma
nos a uma reação. Mas, em nossas res- força de transformação. O resultado
postas não somos totalmente hones- do crescimento realizado por uma for-
tos, verdadeiros e sinceros, pois, em ça era então dissolvido pela outra for-
geral, reagimos, expressando-nos de ça para que a primeira pudesse, assim,

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alcançar uma manifestação sempre a vida, que é tão científica e perfeita-
mais sublime e esplêndida. A morte e mente justa.
a noite eram portas para a verdadeira As leis gêmeas de nosso estrato fo-
nova vida. Assim, graças à atuação de ram perturbadas e, em total confor-
ambas as leis desenvolvia-se um certo midade com o estado de ser da huma-
processo evolutivo. Sua queda da nidade, maltratam e castigam. A força
ordem divina, por causa de uma ne- de crescimento e de assimilação é uma
cessidade acidental, levou, mesmo as- reação ao mal e uma mórbida prolife-
sim, a humanidade a um paraíso de ração da maldade. Diante dessas rea-
onde o homem-criança podia, ao ções, o homem foge daquilo que ele
longo de uma ascensão em espiral, mesmo desencadeou. Ele quer ser
alcançar um bem superior, e retornar bom por medo e para ser salvo do
ao perdido Lar paterno. A lei de dis- mal. Ele tenta ser bom e especula com
solução e de transformação era igual- projetos de bondade por causa dos
mente boa, tão pura e harmoniosa efeitos fatídicos de seus passos erra-
quanto a lei de assimilação e de cresci- dos. E cada dia se manifesta a veraci-
mento. dade desta sentença tirada do Gênesis:
…pois no dia em que comeres, morre-
Uma via perfeita de rás. Atentar contra as leis de coopera-
reintegração à Luz ção harmoniosa das duas grandes for-
ças naturais deste estrato levam essas
Para esses homens, a lembrança da leis a se irarem e a castigar. Uma em-
Casa paterna e estar numa situação prega o bem – segundo a acepção con-
que não lhes permitia permanecer na vencional – e a outra, o mal. Portanto,
ordem estática causou possivelmente o fato de o bem e o mal serem as ima-
um intenso sentimento de saudade. A gens invertidas um do outro, frutos
ordem dialética era, não obstante, uma de uma mesma árvore, deve nos pro-
via perfeita de reintegração à Luz. var que o bem desta natureza não
Essa ordem era, em si mesma, uma poderá nos livrar de nossa miséria.
manifestação da Luz.
Todavia, em seu estado atual, a dia- Fazer o bem não liberta
lética é um terrível drama e um inten- o homem do mal
so despedaçamento. As leis gêmeas
do estrato dialético já não propiciam Aqui ocorre para alguns um pro-
um processo de evolução, porém de blema embaraçoso. Não existe para
declínio. Elas criam uma desordem. nós outro caminho? Podemos ser,
De acordo com todas as escrituras contudo, bons ou maus ou – visto de
sagradas, a ordem mundial na qual modo realista e honesto – primaria-
vivemos hoje sucumbiu totalmente mente bons ou maus! Fazer o bem
no mal. Agora já não há passagem não liberta o homem do mal, e vice-
para a Luz, não importa qual seja a lei versa.
utilizada. Não há outra saída? Não há outra
A malignidade da contra-natureza força natural com a qual contar? Não
é tão absoluta que somente uma inter- existe um bem superior ao nosso
venção divina pode abrir caminho bem?
para a Luz. Daí a palavra de Jesus Sim, existe esse outro caminho, essa
Cristo: Eu sou o caminho, a verdade e outra lei natural, esse bem superior. A

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filosofia da Rosacruz mostra a exis-
tência dessa lei, do mesmo modo que
todas as escrituras sagradas dão teste-
munho disso. Esse bem superior não
é o resultado das duas forças gêmeas
do estrato dialético. Ele pode ser
designado de modo apropriado pela
palavra inglesa completeness, ou seja,
plenitude, perfeição.
Essa perfeição, esse caminho da
plenitude, nos é ofertada pela Hie-
rarquia de Cristo. Quando seguimos
esse caminho e agarramos essa força,
ultrapassamos o bem natural, rompe-
mos com o mal e neutralizamos, as-
sim, as antigas conseqüências do fruto
proibido que nos trouxe tanta infeli-
cidade. A força de perfeição que está
em Cristo nos leva ao estado de ple-
nitude do estrato dialético e esse do-
mínio de vida se torna novamente
uma porta para uma nova vida supe-
rior no Pai.

A plenitude é como a água

Se compreendermos essa idéia, al-


cançaremos o sentido das palavras de
Lao Tsé: Quando alguém aspira a rei-
nar e tenta realizar isso mediante a
ação, eu constato que ele não pode ter
êxito. O Reino é algo espiritual que
não pode ser adquirido pela ação. ele venera o amor, falando a verdade,
Aquele que procura obtê-lo desse mo- regendo a ordem, trabalhando com
do o reduz a nada. Aquele que quer se competência, agindo no tempo apro-
apossar dele, o perderá. Um reino es- priado. Ele não luta, portanto nenhu-
piritual não pode ser conquistado se- ma repreensão o atinge.
não por alguém livre de toda ambição Se essa idéia tem qualquer sentido
e de toda atividade. O sábio não é para nós, comprenderemos a sentença
caridoso ou bom, a plenitude é como a do Sermão do Monte: Quando fizeres
água. A água faz bem a todos os seres, o bem, não saiba a tua mão esquerda
e não se esforça. Ela vive nos lugares o que a direita faz.
desdenhados pelos homens. É lá que o Todas essas sentenças atestam da
sábio se acerca do Tao. Ele elege de força de perfeição que está em Cristo A criação segundo
bom grado morada nos lugares mais e nos conduz ao caminho, ao Tao. Robert Flud.
insignificantes. Seu coração ama as Enquanto nos esforçamos pelo bem Philosophia Sacra,
profundezas. Em total benevolência em reação ao mal, desenvolvemos Frankfurt, 1626.

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uma atividade que provocará nova- Ele venera o amor em toda benevo-
mente uma reação contrária. Por isso lência. Ele sustenta tudo o que está
devemos nos libertar de tais mano- quebrado, cura-o e endireita-o. Ele
bras. Pelo não-agir, compreendido do fala em verdade e testemunha do ca-
ponto de vista espiritual, escapamos minho do Tao. Regendo, ele cria or-
da lei de ação e reação, e alcançamos o dem. Ele se empenha a serviço da
comportamento correto. Compreen- Hierarquia para fundar um núcleo da
dei-nos aqui em espírito! Fraternidade Universal Estática. Na
sua obra, ele é competente, se esforça
Por isso ele se aproxima por eficácia e só intervém no momen-
do Tao to psicológico. Ele não luta, nem con-
tra o mal. Mas ele também não luta
Da mesma forma que a água é ben- com o bem dialético. Ele se mantém
fazeja para todos os seres sem nada distante, e, no entanto, está no centro
forçar, assim irradia o homem que de tudo. Com ambos os pés na terra,
vive na perfeição do bem supremo. ele se mantém firme na realidade.
Não porque é bom, não por ódio do Assim, totalmente no mundo, mas
mal, não como reação ao mal, mas não do mundo, ele não atrai nenhuma
porque ele não pode agir de outra repreensão, o que significa que se man-
maneira. Ele não luta nem a favor, tém acima da roda da natureza e que
nem contra, porém é e vive do e no o estrato dialético se torna para ele
supremo bem. Ele não pergunta se uma ampla porta para a eternidade.
isso é bom. Isso é conhecido como Que aquele que puder compreen-
sendo bom? É uma barreira contra o der compreenda!
mal? Ele não luta. Ele é. Por isso ele se
aproxima do Tao. Ele não é modesto J. van Rijckenborgh
porque a lei o prescreve, mas porque
é seu estado, sua natureza. Sua mão
esquerda ignora, em virtude de seu
ser, o que faz sua mão direita. Um rei-
no espiritual não pode ser conquista-
do senão por alguém livre de toda
ambição e de toda atividade. Livre das
autoridades!
Contudo, em virtude de estar a ca-
minho da completeness, ele não desde-
nha ocupar lugares simples. Ele é hu- (Esta alocução foi inicialmente publicada
milde. Seu coração ama a profundida- no periódico holandês Nieuw Religieuse
de. Ele aí mergulha na oni-sabedoria. Orientering, 1947).

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Perguntas e respostas

D urante a Conferência de Natal de 2003, em Renova, ocorreu uma reunião


dos jovens alunos da Alemanha, Bélgica, Bulgária, Croácia, França,
Finlândia, Holanda, Inglaterra, Polônia e Rússia com membros da Direção
Espiritual Internacional. Neste número da Pentagrama apresentamos
algumas das respostas às perguntas feitas.

Dizem-nos que é preciso que sejamos torna passivo, enquanto que a alma
“passivos”, “sem reação”. Para mim é toma a dianteira e se torna ativa. Nesse
difícil de compreender. Às vezes reajo contexto, “passivo” talvez não seja a pa-
de modo emotivo ao que nos é exposto lavra correta: vocês devem de fato agir
em um serviço. e reagir de acordo com o que acontece
De acordo com suas personalida- dentro de vocês. Mas a intenção não é
des, vocês levam uma vida ativa: estão que vocês esmiúcem tudo com seu eu,
em contato com jovens, vão a confe- tudo o que lêem e ouvem para ter uma
rências de renovação e semanas de tra- explicação. Deixem-se penetrar por
balho em outros países, praticam es- isso, e que o ser faça o trabalho e aja.
porte, se divertem com seus passatem- A palavra “passivo” implica em sujei-
pos favoritos, estudam ou trabalham. tar-se a algo. Se vocês participam pas-
Na maior parte desse tempo, a alma sivamente de algo, sujeitam-se ao acon-
desempenha um papel passivo. Po- tecimento sem nele tomar parte ativa.
rém, ela pode desempenhar um papel Sua segunda pergunta é evidente-
ativo, papel em que a personalidade mente muito individual. Você disse
aprende a se submeter passivamente também que seus sentimentos tinham
ao processo. Não esqueçam de que lhes algo a ver com nostalgia. E você ainda
é pedido que tenham uma atitude ex- é tão jovem! Essa nostalgia pode tal-
tremamente inteligente. De modo ge- vez ser traduzida como o “anseio pela
ral, os homens levam uma vida passiva, origem”. As lágrimas que às vezes você
dirigida e manipulada por potências sente podem ser lágrimas de alegre re-
políticas, religiosas ou econômicas. É conhecimento, porque sua alma foi
preciso ter, pouco a pouco, a coragem comovida pelo chamado da origem e a
de rejeitar essas influências. Então, o força da Gnosis que vai em busca da
eu se coloca em segundo plano e se alma, em seu cativeiro.

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A cultura, uma bela doença

A s aquisições culturais são tidas em nante? Não há rastros de vida humana


grande consideração. Vemos profes- sem vestígios de uma atividade religiosa.
sores de história da arte e de línguas Religião significa: religar. Ligar-se no-
clássicas inclinarem-se, cheios de res- vamente a Deus, ao que os homens
peito, diante das obras e das divinda- chamam de Deus. O que é Deus? Quem
des da cultura. A cultura nos parece é Deus? O Altíssimo? A luz sem som-
tão indispensável quanto a máquina bra, o amor sem ódio? Perfeição, feli-
de lavar e o gás. É possível imaginar o cidade, alegria, juventude e saúde eter-
que seria a vida sem isso? Sem técnica, nas? O inominável? E o homem, quem
sem televisão, sem vídeo ou DVD, sem é ele? Uma lembrança de Deus?
indústria farmacêutica, sem carros, A literatura mundial fala de uma
aviões e foguetes, sem bombas atômi- centelha anímica, de um frágil princí-
cas, sem cinema, sem supermercados, pio luminoso também chamado de
sem super-petroleiros que se quebram centelha do espírito. Segundo alguns
em dois, o que seria de nossa vida? Do autores, o único dever do ser humano
que ela é feita? Não estamos ocupa- é fazer dessa centelha uma chama ar-
dos, dia após dia, em pôr ordem num dente. Ele já cumpriu essa tarefa? Tor-
monte de cacarecos e de papelada? Já nou-se ele uma imagem de Deus? Tor-
nos perguntamos para que serve tudo nou-se ele divino, graças aos esforços
isso? A vida se torna, pouco a pouco, de milhões de padres e de teólogos e
complicada e onerosa, como o de- aos milhares de edifícios por eles erigi-
monstra a antiga sabedoria oriental. dos? O homem de hoje continua escon-
De quê necessitamos realmente? dendo sua nudez com uma folha de
parreira e com peles de animais. Ele mal
A própria religião é cultura. Não é hesita em partir o crânio de seus seme-
uma civilização constituída a partir de lhantes. Aliás, ele aperfeiçoou suas ar-
instituições ligadas à religião domi- mas. A clava do homem pré-histórico

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Grupo de estátuas
de bronze. Achen,
Alemanha. Foto
Pentagrama.

foi equipada com os últimos aperfeiçoa- essencial é invisível. Os olhos só vêem


mentos de uma civilização espantosa. a cultura. Onde está o essencial que os
Não deve o homem ser literalmente olhos não podem ver?
desnudado pela vida e ser exposto a va-
lores superiores, os únicos capazes de Tendo perdido o conhecimento des-
salvá-lo de sua marcha infernal? Nós se segredo, os homens só percebem as
não gostamos muito de nos fazer essa coisas mediante seus sentidos. Podem
pergunta. Preferimos ignorar a reali- eles, desse modo, reconhecer algo de
dade e zombar cultamente. Fugimos imutável, de eterno? Não haverá senão
diante da vida, diante dos dias, das ho- morte e decomposição? Essa ilusão
ras, dos segundos. Fugimos da vida no pode induzir a erro o pesquisador da
instante presente. Os verdadeiros mes- verdade? É a isso que toda vida se re-
tres nos ensinaram que há uma única duz? O homem só nasceu para morrer?
religião. Todo o restante é convenções, Seu coração, no entanto, é consumido
hábitos, distrações, cultura. Idolatria! por uma sede inexplicável que o impe-
Nas culturas cristãs, aprendemos a re- le a atravessar os oceanos, escalar as
zar para imagens santas, retratos de montanhas até os cimos perdidos nas
mortos e outras relíquias. Não será nuvens, sempre em busca de beleza, de
isso superstição, à qual se acrescenta o felicidade e de imortalidade. E quando
culto das divindades inferiores da vida alcança seus próprios limites, ele edifi-
cotidiana, das estrelas do cinema e da ca uma cultura; uma cultura sinistra,
televisão, dos monstros sagrados do fruto de sua imaginação, de sua inven-
esporte e da música? tividade, de sua razão e de suas inves-
tigações teológicas, que só constituem
E agora, ressoam essas palavras: Eis uma saída de emergência para fugir da
meu segredo. É muito simples. Só po- realidade.
demos realmente ver com o coração. O

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Nós continuamos não sabendo o eu lhes darei beleza, riqueza, imortali-
que procuramos. Não temos a menor dade e poder. Eu vi a multidão gritar
idéia. A única coisa que é essencial, de alegria e correr atrás da máscara. Já
não somos capazes de encontrar. Em não sei o que aconteceu. Não podia
lugar nenhum! A menos que paremos segui-los, minhas pernas não me sus-
de perseguir quimeras. Quantas vezes tentavam e meus pés não me obede-
o homem, individual ou coletivamen- ciam. Todo mundo corria, corria, en-
te, fracassou nessa busca imperfeita e quanto que eu estava pregado no
eterna? Sísifo, Tântalo! Quantas vezes chão, impotente. Com horror, vi a
isso deve se repetir ainda? Por que não besta arrancar sua máscara para devo-
somos capazes de perceber o momen- rar as pessoas, incapazes de escapar a
to em que podemos dizer: “Espera, tu seu encanto.
és tão belo”? Um campo de ruínas calcinadas, res-
tos ressequidos, uma miséria estéril foi
A experiência torna o homem sá- tudo o que restou de uma cultura flo-
bio. Aquele que muitas vezes queimou rescente. Somente alguns chegaram até
os dedos na chama da ostensível bele- a saída do labirinto e seguiram o cami-
za, ou do sofrimento devorador, pára nho para a luz. Eles se tornaram par-
um momento para contemplar os deu- celas dessa luz e deixaram um rastro
ses da cultura. Mas pode ele tolerar a si resplandecente sobre os escombros.
mesmo nu, sem estar revestido de fal-
so brilho e de verniz? Ele bem sabe O homem procura segurança. Daí a
que deve haver algo mais. Algo que cultura da Internet, dos remédios, da
dizem repousar no coração do ho- gasolina e do diesel, dos cartões ban-
mem, e do qual cada um deve apren- cários, da tecnologia e da profusão de
der a descobrir o segredo. Onde se en- alimentos. Dirigido por conceitos errô-
contra a saída do labirinto? O fio de neos, ele se aprisiona nessa cultura. Ele
Ariadne só é agarrado no silêncio do permanece alheio ao jardim florido da
coração, ao inclinar a testa altiva e, vida original e adentra um deserto ve-
pela primeira vez, escutar deslumbra- nenoso e mortífero onde reinam a an-
do o canto da eternidade. Não sabeis gústia e o medo. Esse nada inflado que
que sois um templo de Deus? chamamos orgulhosamente de cultura.

A arte verdadeira é independente da Os ídolos foram desmascarados, as


cultura. Ela surge no instante presente superstições culturais incendiadas, en-
e vivente, e se utiliza de um período tão um segredo apareceu. É muito
cultural, como um carpinteiro que es- simples: só podemos ver com pureza
colhe um pedaço de madeira bruta através de um coração limpo. A essên-
para lhe dar forma. cia da vida permanece oculta ao olho.
Toda cultura encerra algo secreto; por
Em meu sonho, eu via uma besta de exemplo, em uma lenda, um mito, uma
duas patas. Era um esqueleto com ca- obra de arte. Mas às vezes também em
beça de caveira, revestido com um véu fantasias absurdas que obrigam o ho-
de poeira. Sua máscara, bem polida, mem a pensar. Tantos tesouros escon-
brilhava como placa luminosa na rua. didos que nos lembram de Deus no
Havia uma luz no fundo de suas órbi- homem, memórias que impelem à vi-
tas e sua voz dizia: Venham, sigam-me, da interior.

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Do corvo à fênix
O processo de renovação do homem

Quando a dúvida atormenta ca. Essa é uma alegoria da luz acor-


o coração, rentada que deve se libertar das tre-
a alma sente aflição. vas. Do mesmo modo, o leão verde,
Nela coabitam desgraça e beleza, o leão vermelho e o pavão, que exibe
e revestem-na temeridade e covardia a policromia de sua cauda, represen-
com uma veste branca e negra, tam as reações químicas dos elemen-
semelhante à plumagem da pega, tos e dos metais em relação ao pro-
persistindo em haurir de um e gresso da alma em seu caminho para
de outro, a libertação.
tanto do céu como do inferno. O reino animal se presta a ilustrar
A inconstância serve, das trevas, as forças astrais que a humanidade
o estandarte negro, libera no decorrer de sua evolução.
enquanto que a fidelidade ergue Do mesmo modo, é possível compa-
o estandarte branco. rar os comportamentos humanos e os
Desse mistério, de essência sutil, comportamentos animais. A natureza
o homem tolo nada pode pressentir. oferece, assim, ao homem, um espe-
lho da própria vida da alma. Como
Wolfram von Eschenbach, Parsifal, I.1-17 símbolos das forças arquetípicas, es-
sas imagens atuam profundamente
sobre a consciência humana e, por
E sses primeiros versos de Parsifal car- essa razão, foram sempre utilizadas
regam o selo enigmático do poema nos Mistérios.
épico de Wolfram von Eschenbach. Entre os animais dos Mistérios en-
A simbologia da pega de plumagem contram-se vários tipos de aves. Além
branca e preta representando a alma das aves comuns, figuram seres fabu-
humana pertence ao espírito medie- losos compostos por diversos ani-
val. A poesia e a arte pictórica desse mais, como por exemplo, o grifo,
período oferecem numerosos exem- meio águia, meio leão. As aves se
plos disso. Posteriormente os animais movem nos ares e também na terra e
dos Mistérios serviram também para simbolizam os laços que unem a terra
descrever as diferentes etapas do e o céu. Não é a alma humana como
desenvolvimento da alma. Na alqui- uma ave que pode se elevar, nos
mia, por exemplo, os animais simbo- momentos de concentração espiritual,
lizam as diversas reações químicas da matéria densa para as esferas mais
produzidas nas retortas e as corres- sutis? A plumagem clara ou escura de
pondentes transformações da alma. A uma ave já é uma indicação de seu
massa negra da matéria primordial lugar no reino da luz ou no das trevas.
amorfa é simbolizada por um sapo A diversidade oferecida pela natureza
preto acorrentado a uma águia bran- pode, no entanto, levar a confusão. A

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plumagem branca e preta da pega sim- culos. Hoje, como sempre, o caminho
boliza a cisão da alma. da libertação segue a via das aves dos
Mistérios. O poeta russo Alexander
As cinco aves dos Mistérios Nizberg era muito sensível à beleza
dessa linguagem simbólica. Ele se ins-
Nos textos alquímicos, as aves dos pirou nas imagens que contemplou
Mistérios são sempre representadas no Musæum Hermeticum e as inte-
segundo uma ordem precisa. Uma grou em um ciclo poético que, em to-
antiga obra, Musæum Hermeticum tal conformidade com os textos bíbli-
Reformatum et Amplificatum, de cos, inspirou a H. A. Stamm sua can-
Herman van Sande (Frankfurt, 1677), tata Christus, der himmlische Phönix
de inspiração rosacruz e alquimista, (Cristo, fênix celeste). Tomemos esses
traz uma ilustração com um círculo poemas como fio condutor.
central cuja metade superior está
ocupada pela hierarquia celeste e o O Corvo
zodíaco. Na metade inferior estão ali-
nhadas cinco aves simbolizando as No mais profundo de todas
etapas do desenvolvimento espiritual. as noites,
São elas: o corvo (ou a pega), o cisne, onde não ardia para mim
o basilisco, o pelicano e a fênix. En- lâmpada alguma,
contramos essas mesmas aves numa quando a escuridão me
ilustração do pintor Johfra, em As enfraquecia,
núpcias alquímicas de Christian Ro- eu jazia, como numa
senkreuz, explicadas e comentadas tumba, banido.
por J. van Rijckenborgh, tomo 1. A
página VIII taz um desenho intitula- O vazio à minha volta
do Mistérios da Rosa-Cruz, onde fi- era como um corvo de penas negras.
guram as cinco aves. Cada uma delas De cada coisa terrena
está numa das pontas de um pentalfa, eu suportava a transitoriedade.
e se fossem colocadas numa linha
contínua as aves apareceriam numa E eles me trouxeram um ramo
determinada ordem que simboliza o de videira,
quíntuplo caminho da alma na trans- e me trouxeram pão,
mutação alquímica do chumbo em e percebi uma vida nova
ouro. Tal é a via que leva do corvo à germinando da morte.
fênix, o pássaro de fogo, a via na qual
a alma é libertada da matéria. Vida nova, que parecia
Mas é preciso ter em mente que se esconder das trevas.
essas diferentes fases podem se inter- E, na manhã, eu me voltei
penetrar. Por exemplo, o corvo ainda e na distância eu o vi, ELE.
está presente quando a fênix já se er-
gue. Com efeito, o plano denso pode O que surpreende no corvo é o ne-
sempre obscurecer a consciência en- gror de suas penas. O preto tem algo
quanto a veste de carne ainda não foi de peculiar. Não sabemos se pode-
abandonada por ocasião da morte. mos considerar o preto como uma
Esses antigos símbolos nada perde- cor. Além disso, não foi ainda estabe-
ram de sua força no decorrer dos sé- lecido, do ponto de vista oftalmológi-

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co, como ele é percebido. O negro
representa algo de oculto, tal como o
“Osíris negro”, o espírito inferior. O
preto absorve a cor, o que evoca um
movimento que vai do exterior ao in-
terior, e vice-versa. Ele significa, por
um lado, que a luz interior da alma
ainda não está liberta e, por outro
lado, que o pesquisador se distancia
da luz comum da natureza. Como
pássaro negro, o corvo é o sinal do
começo do caminho espiritual. Na
alquimia, ele simboliza “a obra negra”,
a fase do obscurecimento em que o
alquimista morre no alambique, me-
táfora utilizada para designar a fase
em que a personalidade sofre a endu-
ra. Não é por acaso que Cristiano
Rosacruz abandona o corvo após o
período da preparação. O corvo está
sob a influência de Saturno, cujo ção aos reinos naturais, especialmen-
metal é o chumbo. Na alquimia, os te à humanidade. Sua atividade de-
planetas e os metais correspondentes pende da orientação do homem so-
figuram no mesmo pictograma: os bre o qual ela é exercida. Muitas
metais terrestres são manifestações de vezes ela tem por efeito ligar estreita-
forças planetárias, e cada planeta é, mente o homem à terra. Mas para
por sua vez, a manifestação de uma aquele que segue o caminho do
força do sistema solar. Os planetas, desenvolvimento da alma, ela é exer-
como órgãos do sistema solar, têm cida em sentido libertador.
determinadas funções no corpo solar. O chumbo terrestre é formado
Notemos que não se trata tanto de sob a influência de Saturno, e perma-
corpos celestes materiais, mas de sua nece sujeito a ele. Dizem que os áto-
influência sutil, qualificada de astral mos de chumbo são “polarizados”
(de astra, estrela) pela antiga astroso- por Saturno. Podemos ver Saturno
fia, tradição segundo a qual o sol sob dois aspectos: de um lado, ele é o
(espírito, ouro) e a lua (alma, prata) semeador que elabora a forma pela
pertencem ao setenário planetário. cristalização. Assim se forma a parte
Os três planetas, Urano, Netuno e mais densa do corpo humano, o es-
Plutão, são exteriores a esse setenário. queleto. Por outro lado, ele é o es-
Eles são chamados de planetas dos queleto com a foice, que destrói o
Mistérios porque dirigem e dinami- que ele mesmo havia construído
zam processos espirituais de trans- quando a cristalização está por de-
formação. A terra, cujo metal é o anti- mais avançada. O perecimento e a
O corvo e
mônio, não faz parte dessa categoria. morte são seu império. Não sur-
a águia.
As esferas planetárias do sistema preende, portanto, que na mitologia Atalanta Fugiens.
solar exercem sua influência sobre a grega seja dito que Cronos (Saturno) Micheal Maier.
terra; elas têm uma função em rela- “devora seus filhos”. Oppenheim, 1618.

13
O corvo, pássaro saturnino, é, an- alma. Não é dito da alma oprimida
tes de tudo, a expressão da consciên- pela influência de Saturno que ela
cia-eu isolada e privada de luz, de “carrega sua cruz”?
uma profunda descida na matéria e Progressivamente, no início do
de um estado de afastamento de caminho do homem-João, desenvol-
Deus. Mas quando o homem toma ve-se o eremita de Patmos, que pre-
consciência da solidão e das trevas para os caminhos para seu Senhor e
nas quais vive, já é o início da grande os torna retos, revestindo-se do teci-
transformação. do negro eremítico. A veste negra
Essa tomada de consciência é simboliza a alma que, pouco a pou-
devida a um toque de luz, uma vez co, se fecha para a luz do mundo dia-
que as trevas não podem ver a si lético. O candidato no caminho dos
mesmas. Por isso é dito: “Com- Mistérios não se força ao auto-isola-
preensão é o portal”, a porta de Sa- mento. Aspirando essencialmente à
turno. Assim que o pesquisador Luz, ele é naturalmente levado pela
aceita essa dolorosa constatação, ele força crística. Essa é a grande e subs-
se encontra literalmente mergulhado tancial diferença entre um autêntico
em uma “noite espiritual”. Mas ele processo de desenvolvimento espiri-
estará em condição de arcar com as tual e os caminhos ocultistas.
conseqüências e de abandonar sua
consciência terrestre no caminho da
endura. A mitologia ressalta, em
várias ocasiões, o aspecto positivo
do corvo, sua grande inteligência.
Nos emblemas alquímicos, o corvo é
muitas vezes representado com uma
cabeça branca.
Visto sob esse ângulo, o corvo já
simboliza um nível superior de de-
senvolvimento. Ele simboliza tam-
bém uma solidão livremente consen-
tida e uma aversão pelo mundo sen-
sorial exterior, quando começa a
surgir uma nova orientação no ainda
escuro ser interior. Não sente o pes-
quisador que a influência de Sa-
turno, de tempos em tempos, o mer-
gulha no pessimismo, um sentimen-
to de opressão que ameaça paralisá-
lo e que deve ser aliviado mediante
consciente concentração? Sempre de
novo a influência cristalizante de Sa-
Um peregrino na
turno deve ser rompida. Não é sem
senda. Afresco na
entrada da
razão que no pictograma de Saturno
Prefeitura de St. a cruz, ao mesmo tempo símbolo do
Giminiani, Itália. corpo e da terra, está plantada no
Foto Pentagrama. cume do semicírculo, símbolo da

14
O Cisne

Radiantemente branca é
minha plumagem.
a onda límpida que me carrega
reflete e mostra a candura de tudo
o que repousa no mais fundo
de mim.

Da alma erguem-se, pela voz,


canções em direção ao céu.
Eu renuncio a minhas asas,
pois só posso cantar em quietude:

Eu mergulho nas tonalidades


e meu corpo ressoa em harmonia.
O Universo, que escuta benevolente,
coroará meu canto puro de cisne.

Pouco a pouco, o autoconheci- consciência domina a matéria. Esse A águia e o sapo


mento depura a personalidade e seu novo estado verídico e transbordan- acorrentados
um ao outro.
campo de respiração. Em termos te de alegria encerra, todavia, um pe-
Viridarium
alquímicos: o branco cristalino apa- rigo. De fato, o aspirante corre o
chymicum,
rece. É a segunda fase do processo. risco de se fixar no pensamento ima- D. Stolcius von
O campo de respiração purificado turo de que realizou um progresso Stolcenberg.
corresponde à rosa branca, também espiritual. E isso torna a fase do Frankfurt, 1624.
chamada de Rosa de João. Com- cisne mais evidente. Um outro peri-
parável a um lago límpido, nele se go inerente a esse novo estado é o
reflete, com maior ou menor intensi- orgulho, como por exemplo, o de se
dade, o sol do Espírito. Nesse lago apegar às belas aparências. Mas se
repousa o cisne, símbolo da nova quiser chegar ao estágio seguinte, o
alma renascida da rendição à luz ori- candidato deverá entoar seu canto
ginal. Sua veste é de linho branco. É do cisne, o canto da endura.
a veste de Júpiter, o planeta que rege É bom notar que outros animais
essa fase, a estrela mais brilhante do simbolizam essa fase do processo al-
céu vespertino. O metal que lhe é químico, tal como a pomba branca,
associado é o estanho, que, quando ou a águia branca que luta com o
polido, reflete mais claramente a luz. dragão.
O pictograma de Júpiter é formado
por uma meia lua apoiada no braço
esquerdo da cruz. A influência jupi- O Basilisco (ou dragão alado)
teriana inspira ao homem uma visão
otimista, jovial (do latim Jovis, Mas, das profundas trevas,
Júpiter). nasceram serpentes,
O longo pescoço do cisne eleva a que me cobriram de mordidas,
cabeça muito acima do tronco. A lancinantes mordidas, até sangrar,

15
e penetraram meu ser interior. Então as serpentes
desapareceram
Suas presas tão afiadas e tão duras
fizeram minha alma enrijecer As forças que ligam o homem à
ao vê-las. terra e à natureza são sólidas e resis-
tentes. O basilisco representa a sín-
“Para nos deixar morrer no deserto tese dessas energias. Ele é o dragão
foi que nos tiraste do Egito?” ofídico que mata com um único
olhar. Sua cabeça de galo freqüente-
Então o Senhor disse: mente tem uma coroa. Dizem que
“Molda uma serpente de ferro ele saiu de um abortado ovo de ser-
e ergue-a como um sinal. pente ou de sapo, ou até mesmo do
Quem quer que seja mordido, estrume, metáforas que nos remetem
ao olhá-la, viverá”. ao que é irracional, estúpido e
maçante no homem, e que deve
Da cruz no deserto desaparecer. Aqui, o galo não é o
chamei os vivos arauto da nova manhã, mas o animal
e o sangue dos vivos, briguento de crista escarlate, símbo-
corre em minhas veias. lo do intelecto dominado pelos ins-
tintos animais. O basilisco também
E uma voz disse: personifica um reizinho, uma ima-
“Este é meu filho amado, gem de plástico do rei cisne, o eu
Foto aquele através do qual que tenta manter sob seu domínio a
Pentagrama. vem a salvação”. alma que desperta.

16
Desprovido de asas, o basilisco ria só é obtida à custa do sacrifico da
será contado entre os ofídios. vontade instintiva, de modo que ela
Dotado de asas, ele se torna uma ave já não reage às manobras do tenta-
dos Mistérios. O planeta Marte é dor. Segundo os alquimistas, é preci-
associado a ele. Marte polariza o so apresentar ao basilisco um espe-
ferro e aquece o sangue do ser hu- lho que reflita seu olhar mortífero.
mano. Graças a essa polarização, o O espelho é o símbolo do autoco-
homem pode converter a vontade nhecimento, a observação neutra das
em ações. Aqui, ação e agressão forças emanadas de si e dos outros.
estão estreitamente ligadas, e não é Quando sobrevém uma emoção e o
por acaso que Marte seja também o sangue ferve, o autoconhecimento
deus da guerra, divertindo-se em permite, por assim dizer, manter a
engendrar a violência e derramar cabeça fria, sem apresentar nenhuma
sangue. reação.
Para o homem em busca de espiri- Às vezes o basilisco pode ser
tualidade, a antiga consciência pélvi- substituído pelo pavão, predador
ca, própria da vida terrena, é pertur- das serpentes. Graças ao suntuoso
badora. Não somente por causa da colorido da plumagem de sua cauda
energia sexual que aí tem sua sede, – a cauda pavonis – ele pode trans-
mas principalmente porque a vonta- formar as forças negativas em elixir
de inferior tem sua sede no santuário solar. Os “olhos” da cauda do pavão
pélvico cujo “cérebro” é o plexo so- simbolizam a sabedoria resultante
lar. Daí nascem sugestões irracio- do conflito com seu próprio carma
nais, dúvidas, descrença. Na traves- negativo, o basilisco. Esse simbolis-
sia do deserto, os israelitas dirigiram mo possui, aliás, um outro significa-
a Moisés sua queixa: Para morrer- do: não é o pavão também o símbo- O basilisco
mos no deserto foi que nos tiraste do
Egito?
Quem trilha o caminho da reno-
vação da alma deve, durante essa
fase, evitar agir inadequadamente. O
fogo purificador pode ser provado
quase que fisicamente como a mor-
dida de uma cobra cada vez que os
velhos hábitos fazem prevalecer seus
direitos. É por isso que o Senhor diz
a Moisés para erigir uma serpente de
ferro, para a qual quem tiver sido
mordido deverá voltar seu olhar, a
fim de permanecer vivo. Esse pro-
cesso é ilustrado por uma serpente
pregada na cruz, a serpens mercuria-
lis dos alquimistas. Essa serpente
alteada é o oposto da besta rastejan-
te; ela simboliza a consciência purifi-
cada e reerguida, em oposição à
consciência terrena inferior. A vitó-

17
lo da vaidade, do exibicionismo nar- pelicano que alimenta seus sete
cisista? Essa dupla interpretação é filhotes com o sangue de seu cora-
devida, provavelmente, a certos tra- ção é o símbolo da tarefa sacerdotal
balhos alquímicos que vêem no apa- de um autêntico rosacruz. O rito
recimento da cauda do pavão o sinal escocês retificado da franco-maço-
de que o processo alquímico fracas- naria comporta um grau rosacruz:
sou. De fato, quando o candidato “Os cavaleiros da Rosacruz”, tam-
fracassou em não escutar as suges- bém chamados “cavaleiros do peli-
tões do adversário e contempla a si cano”. A obra sacerdotal de amor ao
mesmo no brilho de seu pretenso próximo é colocada sob a influência
adiantamento, ele confunde o cami- do planeta Vênus. O pictograma
nho transfigurístico com o caminho que o designa, constituído de uma
oculto da cultura do eu. Em vista do cruz encimada por um círculo, sig-
sucesso do processo, a advertência é nifica que o amor divino se eleva
sempre necessária: Pergunta-te sem- acima da matéria. Pelo aprendizado
pre se o que vês é a cauda do pavão do amor ao próximo, o candidato
do eu que se exibe, ou se é o espec- tinge de vermelho a rosa da cruz de
tro luminoso, aberto, da arca da sua vida até que ela cintile com o
promessa, o brilho do corpo-vivo brilho acobreado próprio do metal
gnóstico. venusiano. Em um bestiário da
Idade Média – registro dos animais
O Pelicano reais ou imaginários, com seus atri-
butos – encontramos a seguinte
Radiantemente branca é minha denominação: Pie Pelicane, Jesu
plumagem. Domine (piedoso Pelicano, Senhor
Sobre mim cintila a luz celestial Jesus). É-nos dito também que o
que minha brancura reflete, pelicano não come mais do que o
cuja radiação transpassa meu estritamente necessário para seu
coração. sustento, qualidade que indica o
autodomínio, assim como o equilí-
Com o sangue vermelho brio metabólico das energias, neces-
derramado de meu coração, sário nessa fase do caminho. No
alimento meus sete filhotes sentido mais amplo de seu alcance
no refúgio de minhas asas. simbólico, o pelicano encarna o
corpo-vivo de uma verdadeira esco-
Sob esta abóbada de vida, la espiritual concebido como a abó-
eles transmutam o sangue do bada protetora de um campo de
qual bebem força e representado pelas asas aber-
e a carne da qual se alimentam tas do pássaro que abriga os sete
em vida e em espírito. filhotinhos. Vários mitos mencio-
nam que o pelicano mata seus filho-
Após ter suportado os assaltos do tes que, após três dias, ressuscitam
basilisco, o candidato pode ascender graças ao sangue de seu coração. É a
ao estado sacerdotal verdadeiro. As imagem do campo de força espiri-
forças da nova alma são liberadas na tual, anunciando o fim do que é
consciência e postas a serviço do transitório antes do despertar da
próximo, em oferenda sétupla. O eterna floração.

18
Tu, pesquisador da verdade, permanece em paz A Fênix
e lembra-te disto:
Abandona o curso desenfreado do tempo, Áureas são minhas asas
mesmo que seja dez minutos por dia. ao me erguer do sepulcro.
Observa-te agir; presta atenção Todas as dívidas saldadas
a teus semelhantes, a seus atos. pela graça do perdão.
Tenta descobrir seus motos, com toda objetividade, Jesus Cristo, Fênix celeste,
e estende o alcance de tua compreensão acolhe-me em Seu reino,
à realidade que te rodeia. o reino do eterno rei,
Lembra-te sempre que a sabedoria a ressurreição.
é serena, e procura sua origem.
Mata teu orgulho, ridículo ao olhar de Deus. Quando a tarefa sacerdotal foi
Extirpa de ti a ambição que te faz ofender teu irmão. fielmente executada, sobrevém ne-
Que nada te importe senão o sacrifício. cessariamente a vitória sobre a vida
Dá prova de aplicação, mas com discernimento.
inferior. Por essa razão, o pelicano é
Evita, a cada minuto de cada dia,
muitas vezes unido à fênix, o pássa-
dizer, fazer ou buscar coisas inúteis, e neutraliza-as.
ro místico da ressurreição, ou mais
Não faças nem digas nada de irrefletido,
exatamente, o símbolo da transfigu-
para não gerar novas inquietudes.
ração, a segunda ressurreição. O pla-
Sabe bem que o mais forte é sempre aquele
neta Mercúrio e seu metal corres-
que vence a si mesmo.
Se a dor te abate, procura o apaziguamento,
pondente, o azougue, estão relacio-
não te refugiando na insensibilidade
nados com essa fase do processo.
ou fugindo da realidade, O candidato celebra a primeira
mas examinando-a na luz de seu pleno significado. ressurreição realizando o renasci-
Compreende que a prova é um fogo purificador. mento da alma. É a fase do cisne,
Quem desinfeta e cauteriza as feridas base da transfiguração. Na segunda
aspira a essa ardente depuração, ressurreição, o “divino azougue” le-
pois nada te será revelado antes que sejas, va o éter nervoso a um grau de in-
como uma fênix, tensidade tal que um jogo de flamas
regenerado por esse fogo. surge no cume da cabeça do candi-
Vive no eterno presente. dato, o fogo de Pentecostes. É a hora
da vitória sobre a morte. Na Epís-
tola aos Coríntios, Paulo diz: Então,
se realizará a palavra que foi escrita:
a morte foi tragada pela vitória. A
Palavra, a energia divina, foi há mui-
to tempo inscrita no candidato, ins-
crita em seu coração. A irrupção da
força mercuriana provoca sua efusão
na alma e no corpo. O espírito divi-
no faz aliança com o homem que
aspira à elevação. O fogo de Pente-
costes coroa a cabeça com suas cha-
mas. A cabeça da fênix é adornada
com uma majestosa coroa de penas.
Encontramos também representa-
ções da fênix com duas cabeças, para

19
mostrar que o homem é andrógino, tem ao Graal interior do candidato
que ele une em si mesmo o masculi- e ao manto violeta do sacerdote-rei,
no e o feminino. com o qual o peregrino se envolve
Como a cauda ardente de um co- no final da viagem.
meta, a radiação da alma espiritual Em uma antiga litografia aparece
preenche o campo de respiração do o ninho abrasado da fênix, de ramos
candidato e o aureola de ouro. Tudo trançados, poderoso símbolo do re-
o que subsistia da corrupção foi con- nascimento. Do mesmo modo, as
sumado. O ouro é o metal do sol, a iniciais maiúsculas I.N.R.I. inscritas
síntese dos sete metais, entre os na cruz do Gólgota remetem à fê-
quais encontramos a prata (a lua), nix: Igne Natura Renovatur Integra
símbolo da luz da alma. Os sete me- (Pelo fogo, a natureza é renovada
tais são levados a fusionar, sob a inteiramente).
ação do azougue. Nesse novo com- Eis, portanto, o caminho seguido
posto, o fator glúten, constelação pelo homem para se libertar dos gri-
impura dos metalóides do sangue lhões da natureza da morte, confor-
que servem de vetores às influências me é expresso pelos animais alados
cármicas, é totalmente dissolvido. dos Mistérios: do corvo à fênix. A
No livro, As núpcias alquímicas Escola Espiritual da Rosacruz Áu-
de Christian Rosenkreuz, menciona rea o define como o caminho da pu-
como Cristiano Rosacruz foi toca- rificação e da experiência interior
do pelo esplendor da fênix. Sua gar- que, através do deserto da existência
ganta brilha com o ouro do chacra terrena, conduz a um estado de al-
tireóideo, seu corpo e suas asas são ma cujo eixo central é o serviço ao
de púrpura brilhante. No simbolis- próximo.
mo rosacruz, essas imagens reme-

Qual é o tamanho exato do microcosmo?


Isso depende. Podemos dizer que ele tem, em média, um diâmetro
de 18 metros. Então, estamos aqui todos sentados uns nos microcos-
mos dos outros nos influenciando mutuamente. Ao mesmo tempo em
que o desenvolvimento da alma progride em microcosmos como
esses, eles são purificados e restabelecidos e seus campos de irradiação,
ampliados. E como a sabedoria universal nos ensina que a terra está
em oração no corpo-vivo de Cristo, podem imaginar quão imenso é o
microcosmo de Cristo. De fato, é um cosmo, ou melhor, um aspecto
do cosmo.

20
O Universo é concêntrico
Um diálogo

Dois jovens descansam à beira de um o que é visível no mundo vem de


rio durante uma pausa de uma via- uma fonte interior invisível. E essa
gem ao redor do mundo, cheios de fonte interior provém daquilo que é
incertezas e decepções. Eles deixaram ainda mais interior. O Universo
para trás ilusões e quimeras, assim exterior possui um núcleo, um nú-
como a coação de seus antigos pa- cleo interior. Ele é, portanto, consti-
drões de pensamento. Eles corajosa- tuído em torno de um centro.
mente jogaram no fogo do desmasca- O rapaz sacode a cabeça:
ramento a hipocrisia alimentada com — Embora a ciência afirme algo
mentiras e abandonaram a “casinha parecido com sua teoria do Big
de doces”, o pseudoparaíso da frau- Bang, eu não consigo compreender.
de, e só carregam consigo a preciosa — Sim, mas a ciência tem em vista
pérola da experiência. algo bem diferente. Na realidade, o
centro do Universo está em você e
em mim. Ele está em todos os seres.
É noite, e um vento fresco sopra do Da mesma maneira que tudo pro-
norte. As estrelas refletem-se na vém desse núcleo e deve retornar a
água. Os viajantes sabem que ainda ele, tudo está ligado de forma con-
não atravessaram o rio, porém deve- cêntrica a esse núcleo, compreende?
rão fazê-lo para chegar à casa pater- O rapaz percebe que sua amiga
na. Mas o que fazer? Cheios de con- encara as coisas intuitivamente e não
fiança, contemplam o céu estrelado e pode evitar contradizê-la:
escutam o silêncio. O vento, o vento, — Não, na minha opinião, não se
filho do céu..., como um murmúrio pode falar assim. O que se entende
quase inaudível no silêncio da noite. por centro é um ponto geografica-
A garota respira lentamente. Para mente ligado ao espaço e ao tempo.
ela, o vento é o segredo do Grande Impossível encontrar um tal centro
Alento que move o Universo. Ela no Universo. Acho que você só po-
sente a profundeza de seu coração de considerar “o coração do Todo”,
onde pulsa o inefável. É arrebatador. no sentido que você lhe dá, como
Ela diz: princípio espiritual, uma energia
— O Universo é concêntrico. espiritual onipresente, e não como
Sempre senti isso. É verdade. um centro geográfico definido.
— Como lhe veio essa idéia?, per- A moça nota que eles não falam da
gunta seu companheiro. De dia, vejo mesma coisa:
o sol no céu, e à noite, a Via Láctea. — Bem, você tem razão, com-
Não vejo nenhum centro do Uni- preendo o que você quer dizer. Mas
verso em tudo isso. vamos entrar em acordo sobre o sig-
— Sim, é o que você vê, mas tudo nificado desse “princípio espiritual”

21
A unidade do que seria o centro de tudo. Esse de que o Universo é concêntrico em
microcosmo e princípio espiritual, o Espírito oni- termos racionais se você quiser ser
do macrocosmo. presente, não está em todas as cria- compreendida. Talvez possamos
turas? concordar com a expressão “infor-
O rapaz sorri. Ele sabe que ela tem mação original”, no lugar de Es-
razão, mas quer encostá-la na pare- pírito ou de Logos. A ciência desco-
de: briu que, atrás do Universo percep-
— Cientificamente, o Espírito é tível, deve haver um campo no qual
indemonstrável! Supõe-se que ele está presente a informação original
exista. É só uma hipótese. de toda a Criação; e que atrás desse
— Ó, você exagera! Já consegui- campo deve haver um campo estáti-
mos nos libertar das ilusões, das im- co, um vácuo absoluto, de onde as
posturas e dos preconceitos, já quei- energias se vertem em espirais no
mamos as falsas verdades e nos des- Universo perceptível e depois vol-
pedimos dos paraísos fictícios e de tam à sua origem. Essas energias
sua pseudoliberdade. E como chega- transportam toda a informação, per-
mos a isso? Porque o Espírito, o mitindo a manifestação do Uni-
vento, o vento, filho do céu, nos verso.
guiou. Como você pode — É uma descoberta fan-
dizer que o Espírito tástica. Mas por que
não é nada mais que exprimi-la em ter-
uma hipótese? mos complica-
Ele dá umas dos? A esse res-
palmadinhas peito o Evan-
na mão de sua gelho de João
amiga. Ele gos- diz: No princí-
taria de obter pio era o Ver-
dela uma defi- bo. A ciência
nição exata, diz agora: No
que não deixas- princípio era a
se margem a dú- informação origi-
vida. Ele bem sabe nal...
que o Espírito é a — Sim, é um salto
Causa eterna, o funda- quântico em direção à ver-
mento do Universo. Mas gostaria dade, diz o rapaz, imperturbável.
que outros também o descobrissem, Entretanto, quer coloquemos uma
que reconhecessem que a origem etiqueta nessa descoberta antes de
espiritual de tudo também está neles guardá-la numa prateleira ou acres-
mesmos como o “absoluto”: centemos essa noção da informação
— Percebemos muito bem que o original, a pergunta subsiste.
Espírito, em nós e no Universo in- A moça exibe uma pérola, um mun-
teiro, é o alfa e o ômega. Nós o per- do minúsculo, de beleza maravilho-
cebemos como uma força invisível, sa. Contemplando-a, ela busca com-
uma energia plena de amor e sabedo- preender algo dessa “informação ori-
ria que nos chama, nos acompanha e ginal”, daquilo que o Espírito eterno
nos impele para frente. É preciso quer comunicar a suas criaturas.
traduzir essa sua afirmação intuitiva — Se os homens pudessem sentir

22
com o coração o que compreendem
com o cérebro, se pudessem reco-
nhecer essa “informação original do
Espírito” como amor, sabedoria e
liberdade, essa mensagem transpare-
ceria em seus atos. Ou não?
Ela olha para seu amigo.
— Isso não seria possível, a menos
que fosse feita uma distinção entre a
falsa informação, a mentira, e a
informação original, a verdade. Nós
não tivemos essa experiência?
Ela meneia a cabeça:
— Sim, começando por desmasca-
rar e dissipar as ilusões e as mistifica-
ções, tanto no mundo como em nós
mesmos.
O jovem toma a pérola em suas
mãos e diz:
— Para isso é preciso muita cora-
gem e discernimento.
— Aspirar à verdade única. Sa-
bemos como os homens são manti-
dos prisioneiros em seu pseudopa-
raíso, oprimidos, empanturrados,
sufocados, devorados. Penso que,
sozinhos, os homens armados de células e os átomos estão em movi-
coragem e sedentos de verdade são mento, chamados pelo Espírito cria-
capazes de desmascarar este mundo dor a se tornarem conscientes. Ela se
de ilusão e vencê-lo. vê como um microcosmo ligado ao
— Também penso assim, diz o ra- macrocosmo, em comunicação com
paz, devolvendo-lhe a pérola. É pre- ele. Eles se fundem um no outro e
ciso ser tocado pelo vento, o vento, em torno de um centro único.
filho do céu, no coração. A forma — O Espírito se manifesta através
como se vê as coisas não é importan- de todas as criaturas. Em você, em
te. Quer concebamos o Todo mo- mim, em todos os seres... Em todo
vendo-se em torno de um centro ou lugar, ele é o centro da vida. Mas o
não, o essencial é saber se nós mes- homem é constituído de modo que o
mos nos tornamos um centro ligado Espírito aflua diretamente ao seu
ao centro do Todo. coração e seja percebido consciente-
A moça faz a pérola rolar em suas mente na sua cabeça.
mãos e fecha os olhos. Ela desce no — Você quer dizer que o homem A Via Láctea
segundo Herschel.
mais fundo de si mesma e vê o é o único a possuir uma alma recep-
Observations tending
Universo infinito se desdobrar co- tiva ao Espírito? to investigate the
mo uma gigantesca rosácea lumino- — Sim, mas para ser penetrada Construction of the
sa. Todas as esferas, os sistemas sola- pelo Espírito, a alma deve antes ser Heavens. Londres,
res, as estrelas e os elementos, as purificada. Ela deve ser renovada. 1784.

23
A moça retorna à sua visão. Os dois amigos atravessam o
— E quando a alma está pronta a grande rio do espaço e tempo, retor-
se entregar ao milagre inefável... nando em direção ao reino original
Eles contemplam, serenos, a água do Espírito eterno, a pátria da alma.
onde se refletem as estrelas. As con- Eles levam consigo as pérolas pre-
siderações filosóficas cedem lugar a ciosas de suas experiências, como
um ardente desejo de retorno à um tesouro de luz.
pátria original. O vento, o vento, fi-
lho do céu...

Como é possível que, vendo que não temos razão nenhuma para ir a uma
conferência de renovação, acabemos indo, apesar de tudo?
Vejam vocês mesmos como seres duplos. De um lado vocês são aqueles
que vemos aqui, pessoas de carne e sangue; de outro, vocês carregam dentro
de vocês um princípio fundamental, o germe da vida original da humanida-
de. Esse princípio foi encapsulado por sua vida cotidiana: é preciso apren-
der, estudar, trabalhar, ganhar o pão, ocupar-se do parceiro, da família, dos
passatempos, das diversões, e assim por diante. Mas o princípio em vocês
trabalha. Ou dito de outro modo: ele responde ao chamado da Gnosis, ao
chamado da Fraternidade, onipresente no mundo, que o impele a buscar a
fonte desse chamado. Quando, por exemplo, uma conferência se aproxima
e vocês se inscrevem nela, pode acontecer de repente que toda espécie de coi-
sas grandes ou pequenas se apresente naturalmente como absolutamente
necessárias e, no entanto, vocês gostariam de ir à conferência. Então seu eu
imaginará todas as artimanhas possíveis para vocês não irem, pois já com-
preendeu, há muito, que uma conferência dessas não é feita para sustentar,
lisonjear e polir o eu, mas para alimentar a alma em crescimento no micro-
cosmo e contribuir com seu desenvolvimento. O eu e a alma se opõem a
maioria do tempo: onde o eu se adianta, a alma se retrai; quando o eu dá um
passo para trás, a alma cresce. A humanidade adentrou um tempo em que
deve cuidar do desenvolvimento da alma. Assim, o apelo da Gnosis se faz
mais premente enquanto que o eu se insurge cada vez mais. E cabe a vocês
escolherem a qual dos dois darão preferência. Por esse motivo, avaliem cui-
dadosamente todos os obstáculos, e verão que existem muito poucos que
são reais impedimentos. Porém, não percam de vista a meta da conferência.
Falamos de conferências de renovação que trabalham para uma renovação
de todo o ser. Vocês logo verão que todos os problemas se resolverão de
modo elegante, e às vezes de forma inesperada e maravilhosa.

24
O garimpeiro

Sentado na margem de um rio muito tas para reter o ouro. Graças ao crivo,
antigo em algum lugar no sul da descarto facilmente o cascalho. É a
Suécia, procuro ouro, horas a fio, dia operação menos longa. Depois seguro
após dia... a bateia, meio cheia de lodo, dentro da
água do rio, agito-a durante vinte
segundos de tal modo que a areia, cas-
Os sedimentos deste rio contêm calhinhos e outros minerais sejam
pepitas compostas quase inteiramente levados pela correnteza. Já que o ouro
de ouro vinte e quatro quilates. Se- é especificamente mais pesado que a
gundo a ciência, elas foram elaboradas areia e os cascalhinhos, ele vai para o
há quatro ou cinco bilhões de anos, fundo. As partículas mais leves de
no decorrer da formação do planeta. areia fina, de limo e de húmus ainda
Originalmente elas estavam encerra- em suspensão também são levadas
das nas rochas, mas ao longo do tem- pela correnteza. No início, o conteú-
po, a água as erodiu e liberou as pepi- do é turvo, o que é explicado pelo fato
tas de ouro que foram se depositando que, antes que o puro e o impuro se
em lugares tranqüilos no cascalho. Há separem, o impuro ainda turva o puro
bilhões de anos elas descansam aí, cin- e impede que ele seja percebido.
tilando com seu brilho amarelo ouro, Assim que, desembaraçada da areia
como no primeiro dia. e dos minerais grosseiros, a água cla-
Minhas mãos agitam mecanica- reia, estamos seguros de que as pepi-
mente a bateia. Sonhador, eu me per- tas estão no fundo, sem um grama de
gunto como cheguei a isto. Eu inves- perda. É preciso sacudir a bateia man-
tiguei aqui e acolá, e havia conseguido tendo-a inclinada. Os últimos resí-
dicas sobre os lugares mais produti- duos, levados pelo movimento da
vos. Comprei livros especializados e a água, são expulsos. Por causa da gra-
parafernália dos garimpeiros. Eu não vidade, as pepitas descem, pouco a
precisava de muita coisa: um banqui- pouco, passando pelos cinco patama-
nho, botas de borracha, uma pá, uma res do recipiente.
bateia, e um garrafão para recolher Quando, enfim, percebemos o
meus achados. fundo, é excitante. Tiramos a bateia da
Eu percebia o alcance tão simbólico água e a esvaziamos dando-lhe leves
do garimpeiro, a lavagem do ouro. Eu movimentos oscilatórios. Que alegria
via mais de uma analogia com o cami- ver essas pequenas partículas brilhan-
nhar de um pesquisador da verdade. tes movimentadas no fundo da água.
Antes de tudo, minha bateia azul es- Elas são pegas delicadamente e depo-
curo: o azul e o ouro eram as cores sitadas no garrafão cheio de água. Mas
emblemáticas dos faraós. No interior, a descida rápida de alguns fragmentos
ela tem cinco concavidades superpos- é suspeita. É realmente ouro, ou

25
somente pirita de cobre amarelo ou mada de areia ferruginosa, com refle-
ouro-de-tolo? xos amarelos e pretos. Lavamos e la-
O que fazer? Se for ouro, essas pe- vamos novamente até só ver um pe-
quenas partículas poderiam ser leva- queno depósito, um resto de areia
das pela água. Se for o falso ouro, com a forma de uma ilhazinha. Com
poderão ser jogadas fora depois. É um leve movimento da mão, imprimi-
por isso que tudo que brilha vai para mos uma onda imperceptível para nos
dentro do garrafão. O verdadeiro e o desembaraçar dessa areia. É somente
falso estão tão misturados que é difícil então que aparecem finalmente algu-
avaliar. A experiência mostrou-me mas brilhantes lantejoulas amarelas.
que só raramente podemos identificar Pirita ou ouro?
o ouro verdadeiro quando ainda so- Não, não é pirita, pois elas rolariam
bra areia. É preciso, portanto, conti- em todos os sentidos. Essas aí perma-
nuar a decantar, até que estejamos necem imóveis em razão de seu peso
seguros do resultado. Gostaríamos de específico. É evidente: é ouro! Todos
estar seguros antes do fim, porque al- os meus esforços são recompensados.
guma coisa poderia escapar ao exame Eu retiro as pepitas e as ponho num
e se perder. garrafão onde elas afundam, cintilan-
A bateia é novamente mergulhada do suavemente.
na água, inclinada, sacudida, nova- Uma tarde, tive a oportunidade de
mente e sempre. A tensão sobe: o pó conversar com um garimpeiro tarim-
No fundo de pirita, lentamente, acaba saindo, bado. Eu compartilhei com ele mi-
da bateia o mas não chegamos ao final de nossas nhas experiências, minhas dúvidas,
ouro brilha. penas. Ainda permanece uma fina ca- minhas esperanças e meus esforços

26
para não perder um grama de ouro.
Ele me dirigiu um olhar incrédulo e
disse:
— Eu, quando estou seguro de
estar em um canto onde há ouro, não
me deixo atormentar por esse tipo de
problema, porque aprendi a discernir
o verdadeiro do falso. Eu lavo... e la-
vo... simplesmente, e obtenho ouro.
Ele me convida a lhe mostrar mi-
nha colheita do dia. Não sem orgu-
lho, esvazio o conteúdo de meu garra-
fão na bateia onde permanece um
fundo de água. Forma-se um montí-
culo de mineral amarelo e brilhante.
— Nada mal, diz ele. Como prova, ele esfrega uma lame-
Com mão experiente, ele faz ondu- la de pirita no fundo. A lamela desa-
lar a água e bruscamente meu peque- parece e somente permanece um traço
no montículo se cinde em dois, uma amarelo, algo impossível de acontecer
parte permanecendo grudada no com o ouro verdadeiro.
fundo: Sentado na margem de um rio mui-
— Esse montinho aí é ouro, ele diz, to antigo, procuro ouro, horas, dias a
e o recoloca no garrafão. O restante é fio... Nada de incomum, todo mundo
só resíduo de falso ouro e outras pode fazê-lo, mas, mesmo assim, é
sujeiras. algo extraordinário.

Existe um modelo que podemos seguir na vida?


Falamos da “nova atitude de vida” para auxiliar vocês no caminho. Sua
finalidade é torná-los conscientes das escolhas que terão de fazer. A partir
dessa nova atitude de vida surgirá eventualmente uma norma nova e vivente
que lhes servirá de fio condutor. Trata-se de uma norma que, jamais sendo
rígida, se renova à medida que a alma se liberta. Quando a alma está liberta a
ponto de poder unir-se ao espírito, é o próprio espírito de Deus que se torna
seu guia direto. Ela já não necessita de normas e valores estabelecidos, pois
haure diretamente da fonte do espírito. A derradeira meta desse processo tal-
vez ainda esteja longe no horizonte, mas estamos todos a caminho para alcan-
çá-la. Uma vez alcançada a meta, podem imaginar que terão se tornado
homens totalmente novos, literalmente novos, segundo o corpo, a alma e o
espírito, e que considerarão o mundo de modo completamente diferente.

27
A dupla história do homem

Cada pessoa deve fazer escolhas, Hermeticum, Hermes diz: Deus não
tomar decisões. Cada pessoa é colo- seria verdadeiramente se não fosse
cada diante de uma ética de compor- invisível. Porque tudo o que é visível
tamento. De que critérios ela dispõe? foi criado, veio um dia à manifestação.
Como são eles definidos? Essas per- O que não é perceptível, porém, é em
guntas não dizem unicamente res- toda a eternidade, pois não tem neces-
peito às autoridades e aos cientistas. sidade de manifestar-se; Ele é eterno e
Na cultura ocidental desenvolveu- dá manifestação a todas as outras coi-
Os reflexos na se, pouco a pouco, uma grande ten- sas. [...] Deus é, conseqüentemente,
água ilustram o são entre a razão e a moral. Todos tanto sem aparência perceptível como
princípio bem
conhecem a incerteza que resulta do invisível; mas visto que Ele dá forma
conhecido: “Assim
como é em cima,
fato de sermos influenciados por a todas as coisas, Ele se torna visível
é embaixo”. idéias contraditórias. O mundo todo através de tudo e em tudo.
Mora, Suécia. Foto é confrontado com isso, e busca uma A Tabula Smaragdina resume esse
Pentagrama. solução. ensinamento muitas vezes mal com-
preendido: Assim como é em cima,
assim é embaixo. Essa idéia é uma ver-
Na filosofia hermética, a Criação é dadeira incitação à busca do conheci-
entendida como a manifestação sétu- mento. O mundo dos sentidos, em
pla do “Logos”. Hermes Trismegisto seus menores detalhes e recantos, é
explica que a Criação entra em mani- analisado, investigado, sondado, “dis-
festação com o desdobramento de secado” como se costuma dizer, para
sete campos, de sete domínios cósmi- que se possa descobrir e penetrar a
cos que formam a totalidade do espa- realidade e as causas da existência.
ço. Essa sétupla criação cósmica está Francis Bacon (1561-1626), um dos
encerrada na divindade inefável e fundadores da ciência empírica, disse:
incognoscível. O homem tem necessidade da ciência
No decorrer de um diálogo, Hermes para arrancar os segredos da natureza
ensina a seu filho Tat o que é a e dominá-la. As leis da natureza que
Característica do
mundo invisível:
Criação. Tat personifica o homem nos são agora conhecidas e as forças a
o equilíbrio do que busca o divino e que se indaga elas relacionadas foram descobertas
elétron e do sobre a origem da alma. Hermes é o no decorrer da incansável exploração
antielétron ou mestre da sabedoria que explica a da natureza e do Criador.
pósitron, da sétupla manifestação do Logos, a A cada instante temos de fazer
matéria e da
Criação. Essa questão é da maior escolhas e delas assumir as conse-
antimatéria, do
universo e do
importância, porque o homem tem o qüências. Os processos, os resultados,
antiuniverso dever de compreender qual é o seu as aplicações e implicações em relação
segundo Carl lugar e qual é a sua vocação nessa ao conhecimento assim adquirido nos
Anderson, 1932. Criação. No oitavo livro do Corpus levam à pergunta: “Até onde pode-

28
Tat é o filho de Hermes. É o homem manifestaste dizendo que ninguém pode ser
devotado ao Pai, coração e alma, e que lhe salvo se não nascer. Porém quando, durante
obedece. A antiga sabedoria de Hermes não a descida do monte, e depois de tua conver-
pode ser abarcada nem penetrada a não ser sação comigo, eu te supliquei, interrogando-
por um entendimento, um intelecto ou te sobre a doutrina do renascimento, para
uma vontade superiores. que eu a conhecesse – visto que isto é a
O homem não pode compreender a sabe- única coisa da doutrina toda a mim desco-
doria de Hermes senão através do órgão de nhecida – tu me prometeste transmitir este
percepção espiritual: a rosa do coração. saber tão logo me desatasse do mundo.
Ele, o uno-sem-nascimento, se torna visível
através de tudo e em tudo, principalmente
àqueles a quem quer manifestar-se.
Pensar, no sentido hermético, não constitui
uma atividade intelectual, do mesmo modo
que a atividade do coração não equivale a
uma inteligência emocional. No décimo
quarto livro do Corpus Hermeticum, Tat
diz a Hermes, a respeito do renascimento e
da promessa de silêncio:
Em teu discurso geral, Pai, te exprimiste de
modo muito enigmático e vago quando
falaste sobre a natureza divina. Tu não ma

29
Átrio do templo mos ir nessa pesquisa e nas suas apli- riamente por que suas existências são
de Hathor, cações?” Onde estão os limites? Será do jeito que são. Elas gostariam de
Dendera, Egito.
que existem limites? Por exemplo, em compreender a razão de sua triste
Aquarela de David
relação ao aborto, à doação e ao trans- condição, de sua insatisfação, então,
Roberts.
Egypt & Nubia, plante de órgãos? Em relação à bio- informam-se junto a todo tipo de
(1796-1864). indústria? Quais poderiam ser as con- autoridades. Elas fazem uma retros-
seqüências disso para o homem e o pectiva de sua história pessoal, cavam
animal, para o meio ambiente, para a sua genealogia, analisam sua linhagem
vida na terra? sangüínea e suas especificidades.
Essa pesquisa infindável da causa Assim, elas se debatem, suspensas
primeva da Criação, da essência da na teia de aranha do pseudoconheci-
própria identidade, não parece ter leva- mento, dos dogmas, das polêmicas e
do o homem muito longe. O que ele das disputas de oratória que consti-
procura? Como ele quer ampliar sua tuem a dualidade que retém a huma-
compreensão das coisas? Suas desco- nidade prisioneira. Elas acabam por
bertas e suas aquisições o conduziram tomar consciência de estar submeti-
a uma realização qualquer, a uma feli- das às influências de um passado que
cidade maior? Será que ele atingiu seu não foi nem compreendido, nem inte-
pleno desenvolvimento? Ele se tor- grado. O individuo (in-dividido) só
nou de fato um ser vivo consciente? tem uma certeza: a morte. Albert
Muitas pessoas se perguntam dia- Camus, escritor existencialista francês

Eis o que fiz, e me fiz forte interiormente diferente, e veríamos jovens ter de paciente-
contra a ilusão do mundo. Queira, então, mente praticar antes que a verdadeira sabe-
agora, preencher o que me está faltando, doria se tornasse parte deles. Não! Hermes
como me prometeste, e agora instrui-me so- insiste em que ela não tem relação com
bre o renascimento, seja oralmente, seja co- idade, nem com condições de vida, caráter,
mo mistério. Porque não sei, ó Trismegisto, talento ou status.
de que matriz nasce o verdadeiro homem e Na primeira Epístola aos Coríntios (2: 6-13),
de que semente. Paulo descreve a sabedoria hermética:
A sabedoria é correntemente definida como Todavia, falamos sabedoria entre os perfeitos;
um estado de consciência que resulta de mui- não, porém, a sabedoria deste mundo, nem
tas experiências de vida. Aquele que possui dos príncipes deste mundo, que se aniquilam;
sabedoria, como dizem, tem a noção do re- mas falamos a sabedoria de Deus, oculta
lativo. Ele não reage diretamente a um rumor, em mistério, a qual Deus ordenou antes dos
guarda seu julgamento com prudência, tem séculos para nossa glória; a qual nenhum
o poder de permanecer objetivo diante dos dos príncipes deste mundo conheceu; por-
homens e dos acontecimentos. É por isso que, se a conhecessem, nunca crucificariam
que pensam que a sabedoria cresce com a ao Senhor da glória.
idade, quando, afastados da vida ativa, nos Mas, como está escrito: As coisas que o olho
tornamos capazes de olhar as coisas com não viu, e o ouvido não ouviu, e não subi-
uma maturidade comprovada. ram ao coração do homem são as que Deus
Mas Hermes não pensa assim! Senão, a preparou para os que o amam. Mas Deus
situação dos herméticos no mundo seria no-las revelou pelo seu Espírito, porque o

30
Espírito penetra todas as coisas, ainda as silencioso. Não de um silêncio forçado, co-
profundezas de Deus. [...] As quais também mo aquele que pratica o homem sensual em
falamos, não com palavras de sabedoria busca de experiências e de prazeres. Nem
humana, mas com as que o Espírito Santo do silêncio forçado da obediência. Mas do
ensina [...]. silêncio de um espírito lúcido e vigilante,
A elevada sabedoria pode explorar “as pro- que sabe o que o mundo dos sentidos não
fundezas divinas” e conhecê-las, com uma pode revelar. O que o mundo dos sentidos
condição: o renascimento, segundo diz tem a oferecer é a multiplicidade, a mudan-
Hermes. Ele se refere ao nascimento do ça, um fluxo e um refluxo de forças opos-
Único Bem no homem. tas, de conhecimentos fictícios e de aparên-
Quem é que opera o renascimento?, pergun- cias onde a alma se perde. É preciso compre-
ta Tat. O filho de Deus, O Homem único, ender o sentido das palavras de Hermes,
segundo a vontade de Deus. O que é o Úni- pois ele não se dirige ao homem em geral,
co Bem? É o novo pensar. É, diz Hermes, a mas a seu filho Tat, isto é, a um iniciado de
sabedoria que pensa no silêncio. alto nível, um pesquisador que descobriu o
Quem, através da misericórdia de Deus, essencial, a verdade da alma, que encontrou
atingiu esse nascimento de Deus e abando- o tesouro da alma e compreende aonde isso
nou os sentidos corporais, está cônscio de o leva. [...] Hermes dificilmente conceberia
ser formado de forças divinas e preenchido que um pesquisador verdadeiro, um inicia-
de alegria interior. do da Gnosis, continuasse a abordar o pro-
Hermes ensina essa arquignosis ao coração blema do lado errado, do exterior.
do homem que se tornou interiormente J.v.Rijckenborgh

31
(1913-1960), denominava essa certeza idéias fixas e contraditórias. Eles não
de “a grande injustiça”. se apóiam em nenhum credo, em
Alguns pensadores encaram o nenhuma tese, nem mesmo nas liga-
homem como um ser racional e prag- ções de causa e efeito. Eles pregam a
mático, mas emocionalmente subnu- tolerância, a obediência, a paz, a fra-
trido, em busca do divino. Hoje, ternidade, o amor. Mas enquanto o
Deus está de volta. “É um intervalo homem não conhece a si mesmo, não
comercial”, como disse um jornal pode entrar em contato com esses
(BRON), um produto de consumo valores a partir do interior, não pode
fabricado sob medida, destinado a dar provas de tolerância, nem prote-
preencher o vazio espiritual e emo- ger seu próximo. Ele está sujeito ao
cional. Após refletir, devemos con- medo e à autoconservação. O amor
cluir: na relação de amor e ódio, entre de Cristo lhe é estranho.
a razão e a religião, a vantagem retor- A história desses visionários é a da
na à razão, o que traz grandes conse- rebelião e do combate. Não tanto
qüências. contra a autoridade ou a ordem social,
Paralelamente, existem aqueles em mas contra a opressão e a docilidade
quem o segredo da liberdade e da servil que ela gera. Existem muitos
ordem, da beleza universal, da verda- desses revolucionários que revelam a
de e da bondade, irradia como um todos a elevada origem do homem e
fogo flamejante. Guiados para essa sua posse interior indestrutível: o
realidade interior, eles percorrem um segredo da Alma.
caminho de luz através do deserto das

Enquanto estou no templo, tudo fica claro para mim e estou cheio de entusias-
mo para fazer o que deve ser feito. Mas, lá fora, tudo se embaça novamente e
depois de dois dias já perdi totalmente esse estado. Como recuperá-lo?
No templo, vocês abrem o coração ao que lhes é ofertado. Mas lá fora, vo-
cês reencontram a vida habitual, e, antes mesmo de se aperceberem, o conhe-
cimento foi novamente envolvido nas tarefas cotidianas. Portanto, é impor-
tante conservarem o coração aberto o maior tempo possível. Vocês consegui-
rão isso dando o justo valor a seus desejos e pensamentos, e purificando o co-
ração sem cessar. E isso, em sentido espiritual. Dessa forma, permanecerão
mais facilmente ligados ao auxílio da Gnosis, que está presente em todo lugar
para carregá-los. Damos a essa atitude o nome de “orientação”, isto é: estar
voltado para a verdadeira meta da vida e para o processo de renovação neces-
sário para alcançar essa meta. Vocês estão nesse processo. Voltem-se para ele
e notarão que, então, tudo que descobrirem, ouvirem, lerem e receberem lhes
permitirá avançar.

32
O homem não está pronto

Filósofos, pensadores e gnósticos sem- sobrevivência, ele deve satisfazer cada


pre tentaram compreender de onde uma de suas necessidades. Se ele não
provém a aspiração à felicidade. Ela é obtém rapidamente o alimento corre-
definida, na Psicologia, como uma to, não consegue realizar suas tare-
inclinação a uma existência desprovida fas. Ele precisa se relacionar com seus
de dor e de desgosto. Um simples olhar semelhantes para não perecer, arma-
sobre si mesmo e sobre o mundo reve- zenar impressões para alimentar sua
la que não obtivemos nenhum resulta- consciência, um mínimo de movi-
do nesse assunto. mentos para que seus músculos não se
atrofiem e respirar a cada segundo
para permanecer vivo. Mas, para que
S egundo a doutrina da evolução de serve tudo isso? Afinal, apesar de
Darwin, essa busca teria sido iniciada seus esforços obstinados, o fim
por uma ameba das águas primitivas chega inelutavelmente, e os elementos
aspirando a um meio ambiente mais constitutivos de sua forma logo se
favorável à conservação de sua espécie. dissociam.
Ao término de um desenvolvimento
de organismos cada vez mais comple- Nada além da sobrevivência
xos e de uma vida em sociedade cada do mais apto?
vez mais engenhosa teria surgido o
homem, sempre impulsionado pela A vida está assentada em bases pre-
procura de um meio ambiente ideal. cárias. Grandes problemas surgem
No século XX o homem exige cada porque todos os homens estão empe-
vez mais e já não se contenta com um nhados ao mesmo tempo nessa corri-
clima agradável e um teto sobre sua da pela felicidade. Daí enfrentam dia-
cabeça. Antes de tudo, ele precisa de riamente grandes e pequenos confli-
um lugar protegido e de assistência tos. Além disso, somos obrigados a
social. Em seguida, ele deve encontrar reconhecer nossa insensibilidade fren-
os estímulos sensoriais, emocionais e te às dificuldades que algum concor-
intelectuais que possam, momenta- rente possa encontrar no decorrer
neamente, distraí-lo em sua corrida dessa busca. Quase todo mundo reage
desvairada. da mesma maneira às mesmas circuns-
O homem é um milagre da nature- tâncias.
za. Ele tem a faculdade de considerar Essa é uma constatação perturba-
a si mesmo como um sujeito pensan- dora. Nada além da sobrevivência do
te, até mesmo como uma unidade, o mais apto? Embora a teoria evolucio-
que infelizmente ainda não é o caso. nista seja de uma lógica inegável, ela se
Seus comportamentos são determina- revela muito restrita, em sua aplicação
dos pelo seu “tipo”. Para assegurar sua prática, para aqueles que buscam o

33
O caminho
que leva à
liberdade. Foto
Pentagrama.

fundamento espiritual da vida. Os oscilante onde o mais forte dá sempre


criacionistas (que sustentam que Deus um pequeno passo adiante. De acordo
criou o mundo), integrando a biologia com ele, todo sistema moral só pode
à história da Criação, consideram, ter uma base humana. Um impulso
com os realistas, a teoria da evolução superior qualquer é impensável. Em
como correta. O biólogo Gould afir- suma, nada poderia existir fora do
ma que o mundo é o resultado do plano material. O erudito Simon
concurso de circunstâncias e o surgi- Conway Morris considera, ao contrá-
mento do homem é fruto do acaso. rio, a Criação como um processo in-
Ele vê a evolução como uma escada teiramente dirigido: Se a história da

34
terra recomeçasse a partir da origem, E.Pauli escreve em “O Eremita”:
veríamos aparecer no final de três Há pessoas, e sempre houve, que por natu-
bilhões de anos uma vida inteligente reza permanecem solitárias, que só contam
antropóide. Isso é inevitável. No meu consigo mesmas, e outras que aprenderam
ponto de vista, o mundo é de fato um a ser unas com a espécie humana.
lugar muito mais estranho do que o As primeiras não estão erradas. É preciso
imaginamos. É importante, para mim, conhecer esse estado antes de aprender o
preservar este sentimento de surpresa. segundo. Instintivamente, os pensamentos,
os sentimentos, as escolhas e os atos se refe-
Conhecem alguém que tenha rem primeiramente ao eu, e muitos param
conseguido isso? por aí, e não vão além.
Mas aqueles que desse modo não limitam
No final de uma longa corrente de seus horizontes e que os ampliam até certo
acontecimentos teria surgido o fenô- ponto, certamente vão ao encontro de gran-
meno “homem” como uma manifes- des sacrifícios e sofrimentos, pois vivenciam
tação puramente biológica. Então, de a dor do mundo como sua própria dor, e
onde lhe vem essa perpétua aspiração lutam incansavelmente contra o mal, não
à felicidade? Existe, em algum lugar, apenas por si mesmos, mas por todos.
uma felicidade perfeita, incondicio- Houve um homem que ampliou seu hori-
nal? O leitor conhece alguém que já zonte como ninguém antes dele. Não se tor-
conseguiu isso? É claro que cada um nou ele por esse motivo, um sofredor? [...] É
de nós já encontrou pessoas que alcan- preciso criar uma ligação entre o que cons-
çaram um certo equilíbrio, por exem- tatamos e o que temos de suportar. Poderia
plo uma relação harmoniosa com seus existir um herói na ausência de perigo mor-
próximos, ou na área profissional. É tal? A coragem tem uma irmã mais modes-
preciso reconhecer, no entanto, que ta, porém, não menor: a paciência. Poderia
não há felicidade permanente. No a paciência amadurecer sem um sofrimento
entanto, não há ninguém que não prolongado?
aspire ou lute por felicidade. Algumas Quem sabe qual ser humano deve adquirir
pessoas dizem que já têm um pouqui- quais bens espirituais antes de se tornar o
nho de felicidade, como por exemplo, que ele é e é chamado a se tornar? E quem
nos círculos familiar e social. Sejamos sabe por que meios ele os obterá?
realistas: “Conte suas bênçãos!” Ou-
tros estão corroídos por suas grandes
carências. Eles sentem a nostalgia de “Homem, quem és? De onde vens?
uma vida que lhes parece inacessível, Para onde vais?” Não é o Criador
imperceptível, indescritível, intangí- quem as faz às suas criaturas, a fim de
vel; e nossa vida cotidiana continua, tocá-las, ou pelo menos convidá-las a
dia após dia, e só excepcionalmente examinar suas vidas?
nos perguntamos:”Por que vivo?” Presume-se que a terra tenha 4,7
bilhões de anos e uma expectativa de
Essa visão se apóia na sabedoria vida de mais três ou quatro bilhões de
universal anos. A teoria da evolução considera
que a humanidade tem um longo de-
Haverá pergunta mais importante? senvolvimento pela frente. Mas, se-
Nos templos iniciáticos egípcios, três gundo outra acepção, o homem ainda
perguntas eram feitas aos candidatos: não está terminado e isso está de acor-

35
do com a sabedoria universal que diz de cada um que Cristo estabelece o
que o homem está sujeito a contínua reino dos céus.
transformação: a Criação se transfor- Alguns dizem que somente em nos-
ma, os tempos mudam, assim como as sos dias a profundidade da Paixão
circunstâncias e todas as criaturas. segundo São Mateus, de Johann Sebas-
Enquanto há vida, há progresso, há tian Bach, pode ser realmente viven-
mudança. De um lado, degenerescên- ciada. A precisão matemática da obra,
cia e declínio, de outro, regeneração e a regularidade de sua estrutura, a pura
renovação fundamental de vida. Por- beleza da linha melódica alcançam
que esta é a verdadeira evolução: o mais do que um objetivo musical. A
desenvolvimento da consciência inte- música de Bach tem o dom de fortale-
rior. O mundo é o produto de um ato cer alguns fundamentos da alma hu-
criador. O homem, com suas indaga- mana, como aspirar à liberdade, li-
ções, seus limites, sua ferocidade e sua vrando-se dos pecados e dos limites, e
estreiteza de espírito, é um produto também à harmonia e a uma maior
deste mundo. Ele também possui for- compreensão da grandiosa Criação de
midáveis possibilidades de renovação Deus, na qual cada coisa tem seu lugar,
interior. bem como uma sonoridade própria, e
Fazemos a mínima idéia do que tudo ressoa em unidade.
uma tal renovação exige? O vasto Aquele que busca no mais profun-
cenário do mundo infelizmente não do de si mesmo encontra todos esses
nos fornece indícios sobre esse assun- elementos. A sabedoria não surge do
to. Temos de dirigir nosso olhar para nada no homem. Para que possa com-
dentro de nós mesmos. A espécie preender a arquignosis, o homem
humana avança penosamente frente às deve dispor primeiramente de um ins-
condições mundiais, através de triste- trumentário adequado. A busca inte-
za, lutas e injustiças. Porém o Ho- rior pressupõe pelo menos um início
mem, com h maiúsculo, procura seu de vida interior, cujo progresso cami-
caminho no interior do ser. Não no nhará lado a lado com a aquisição da
interior de um ser excepcional, como sabedoria. A vida interior sobre a qual
Buda ou Cristo, mas no interior de escrevemos aqui ajusta-se aos primei-
cada ser humano. ríssimos princípios de desenvolvimen-
to. Para se elevar à espiral ascendente
A música fortalece a alma da consciência é preciso abandonar os
níveis inferiores. Isso se aplica tam-
A vida cotidiana se desenvolve no bém à humanidade. Para ter uma vida
ambiente em que vivemos. Porém, a interior é preciso despedir-se da vida
consciência do universal, o desenvol- exterior e de todo conhecimento
vimento espiritual, deve surgir do experimental.
interior do homem. Como ensinavam
os antigos sábios, é no interior que Uma tarefa quase irrealizável
está o verdadeiro campo de desenvol-
vimento. É nele que Arjuna busca a Precursor dos rosacruzes do século
sabedoria de Krishna para guiá-lo em XVII, Johann Arndt (1555-1621) es-
seu combate. É aí que os gnósticos creveu: Aquele que pudesse ver uma
encontram a Sophia, a sabedoria, e tal alma, veria a mais bela das criatu-
Buda encontra a Iluminação. É dentro ras em que irradia a Luz divina, por-

36
que ela está unida a Deus e é divina, da Criação. Parafraseando S. C. Mor-
não por natureza, mas pela Graça. ris: Se a terra tivesse de ser refeita, en-
Aquele que quer desenvolver essa tão surgiria novamente uma escola es-
alma com todas as suas qualidades piritual como a resposta para a longa
latentes encontra-se diante de uma ta- busca por felicidade.
refa quase irrealizável. Em nossos O poderoso chamado do início da
dias, é difícil isolar-se do mundo e era cristã ressoa incessantemente: Por-
escapar à influência dos estímulos da que para mim tenho por certo que as
existência cotidiana. É por isso que aflições deste tempo presente não são
uma escola espiritual se apresenta em para comparar com a glória que em
momentos como esses. Uma tal Es- nós há de ser revelada. Porque com
cola dos Mistérios foi fundada em ardente expectativa a Criação aguarda
1924, na Holanda, para poder levar a manifestação dos filhos de Deus (Ro-
adiante o novo trabalho mundial da manos, 8; 17-22).
Fraternidade da Rosacruz e se desen-
volveu para se tornar o Lectorium Ro-
sicrucianum, Escola Internacional da FONTES
Rosacruz Áurea. O esforço de tantas E. Pauli, De Kluizenaar (O Eremita), Zeist,
pessoas culminou por capacitar o gru- 1933, p.26-29.
po a subir a corrente do rio universal S. Voormolen, De Mens is geen Ongelukje
(O homem não é um acidente). Sobre Simon
em direção à Fonte quando o momen-
Conway Morris contra o acaso. NRC
to chegou. Nessa comunidade se deli- Hausdelsblad, Wetenschap en Onderwijs, 31
neiam os contornos do homem-alma março de 2002.
que vive conscientemente. É por isso Matthias Brobonius, Delitiæ Poetarum
que podemos afirmar que uma fide- Germanorum, Frankfurt, 1612.
digna escola espiritual é uma incontes- Johann Arndt, Zes boeken over het Ware
tável conseqüência da evolução tanto christendom, 1607 (Seis livros sobre o verdadeiro
quanto qualquer outra manifestação cristianismo), ed. de 1736.

Como posso falar a meus amigos com o que me ocupo? Alguns pes-
quisam como eu, no entanto, não posso lhes dizer o que me atrai na
Rosacruz.
Vocês só podem falar daquilo que vivem. Uma sabedoria aprendida
não traz nada, nem a vocês nem a seus amigos. É bastante fácil discernir
se alguém realmente quer aprender algo da Escola, ou se está apenas
curioso. Eu comecei minha carreira na secretaria de redação de uma
agência de publicidade. Meu patrão e eu tínhamos tempo para conver-
sar e eu multiplicava minhas perguntas sobre o por quê e o como da
vida. Eu podia falar com ele sobre tudo que havia descoberto. Ele me
disse uma vez: “Se você pensa dessa maneira, então vá pesquisar na
Rosacruz”, sem despejar sobre mim uma avalanche de citações e de
sábias sentenças. Suas respostas me estimulavam e davam forma a
minhas aspirações. E, um dia, segui seu conselho. Procurei o endereço
do núcleo e fui até lá, e foi meu patrão que abriu a porta para mim!

37
O lobo, animal dos Mistérios

O lobo é muitas vezes pintado como tência. Por exemplo, em um país em


um animal cruel. Por atacar o gado e que a situação política ou econômica
também, segundo alguns, até os não vai bem, procuram sempre um
homens, ele goza de pouca simpatia. bode expiatório para fazê-lo respon-
Como os feiticeiros e os hereges, ele der pelas dificuldades inextricáveis. A
sempre serviu de bode expiatório. Na imagem do “lobo mau” serve, afinal,
Bíblia, por exemplo, há a expressão para mascarar a própria maldade.
“um lobo em pele de cordeiro” que, Estudos comportamentais demons-
tomada ao pé da letra, serve de justi- traram que o lobo se esconde instinti-
ficativa para que ele seja caçado e vamente em vez de atacar. Descon-
exterminado. fiado e medroso, ele foge dos homens.
Ao mesmo tempo, ele é um espreita-
dor e um caçador inveterado, sempre
A imagem do lobo pode, entretanto, à procura de algo que possa satisfazer
ajudar a descobrir os preconceitos de sua fome insaciável. Não acontece o
uma cultura. Não será o lobo o refle- mesmo com o homem? Finalmente, o
xo de um medo muito profundo que lobo está relacionado com a morte,
domina o homem, um medo inaceitá- pois é um predador e um carniceiro;
vel que ele reprime? Em Psicologia, ele coloca o homem frente a frente
um fenômeno bem conhecido é pro- com a fronteira entre a vida e a morte.
jetar em outro a nossa própria impo- Nas línguas germânicas a palavra
wolf significa “devorador de luz”. A
Edda, epopéia de tradição islandesa,
conta que, na época do crepúsculo
A maioria dos animais prefere ficar distante do homem. dos deuses, os lobos adquiriram força
Se não os atacarmos, eles não nos atacarão, a menos devorando a luz. Odin, o primeiro
que estejam com fome ou que tenham ferimentos cau-
deus do panteão germânico, foi engo-
sados pelo homem. É comum que um animal mostre
lido pelo lobo Fenris (literalmente:
os limites de seu território com um silvo, um grunhi-
do ou um uivo. Em todo caso, ele avisa a seu even- aquele que desvia). Fenris é um filho
tual concorrente que não se aproxime mais, uma con- de Loki, deus da mentira, o Lúcifer
duta tipicamente humana, diríamos. Mas a adver- germânico. Os outros deuses foram
tência não é necessariamente um sinal de agressivi- obrigados a fazer um pacto com Loki
dade. Ao contrário, o desejo de conquistar e a paixão para salvarem suas vidas, sem o que
de possuir são atributos humanos e permanecem teriam a mesma sorte. O nome
estranhos à maioria dos animais. Eles agem instinti- “Loki” significa flama ardente, abra-
vamente; é isso que os faz não tomarem mais do que sadora. Ele simboliza o mundo infe-
necessitam para sobreviver. O homem, sim, se deixa rior, extraviado.
possuir por seus desejos e guiar por seus pensamentos; O próprio Odin possui dois lobos.
ele mata e destrói sem moderação. Por isso é dito que Geri, o Guloso, e Freki, o Devorador,
o homem é o animal mais perigoso da terra.
38
que são os servidores e os mensagei- bo é retirado de uma fonte profunda e
ros do deus supremo. O deus grego sua aparência semeia o pavor na assis-
Apolo também tinha um lobo mensa- tência. Um sacerdote trazendo uma
geiro. A palavra grega lukos, de lobo, taça ou um cálice esparge-o de água
é análoga às palavras lukhnia “lâmpa- benta. Por esse batismo ele religa o
da, archote” e luknophoros que quer homem com cabeça de lobo ao divi-
dizer “portador do archote”. Nos íco- no, enquanto a turba atira pedras no
nes bizantinos, Christophoros (porta- candidato à iniciação. Aqui, a cabeça
dor de Cristo) às vezes é representado de lobo é sem dúvida a imagem de
com cabeça de lobo ou cão. uma forma ainda inanimada que,
Parece que o lobo confronta o ho- posta em contato com o Criador, des-
mem com algo muito profundo que o perta para a Vida. O lobo não repre-
faz recuar e fugir diante do mistério senta o mal encarnado, porém sua
da vida humana. Na Etrúria, por exem- imagem, assim como o homem lucife-
plo, vestígios dos Mistérios do lobo riano é a imagem do mal que está nele.
Hades com uma
foram exumados. As urnas etruscas O mito de Rômulo e Remo, funda- cabeça de lobo.
decoradas com cenas dão uma idéia dores de Roma, retrata a via descen- Tomba del Lorco,
desses Mistérios e de seus ritos iniciá- dente pela qual a humanidade, um 360-330 a.C.,
ticos. Um homem com cabeça de lo- dia, enveredou. Tudo se inicia com Tarquinius, Itália.

39
A Edda é uma coletânea de mitos e morto no homem e que só pode viver
lendas islandesas. A ela pertencem a nos Mistérios. Rômulo simboliza a
Edda prosaica, de Snorri Sturluson, personalidade terrestre e Remo, sua
e a Edda poética, atribuída a alma gêmea divina, extraviada.
Saemunde, o Sábio, e constituída de
uns trinta poemas relativos a mitolo- A loba, símbolo de Marte
gia e a lendas heróicas, que cantam
a criação e a destruição do cosmo.
A loba que cuidou de Rômulo e
Mas como as duas obras foram
transcritas várias vezes, é difícil Remo é também símbolo de Marte,
datar com precisão os originais. geralmente conhecido como o deus
da guerra. A raiz “mar” pode evocar
ao mesmo tempo a idéia de brilhar,
uma disputa entre irmãos. O caçula, fascinar, crescer e morrer. Ela é tam-
sedento de poder, faz o mais velho, o bém análoga à palavra latina mors
rei, ser deposto. Depois, ele faz o (morte). Para os germanos, Marte é
sucessor do rei ser assassinado e obri- um espírito maligno que provoca os
ga sua filha, Rhéa Silvia, a se tornar pesadelos. Numa lenda budista, Mara
sacerdotisa para que não tenha ne- tenta seduzir o príncipe Sidarta. Em
nhum descendente. hebraico, marah significa amargo, sal-
Mas os deuses intervieram. Marte gado. Durante a travessia do deserto,
se une a Rhéa Silvia que lhe dá filhos Moisés transforma a água amarga da
gêmeos, Rômulo e Remo. Entretanto, fonte Marah em água potável.
seu inimigo os esconde em uma cesta A Bíblia também fala de Mar
de vime e os abandona no Tibre. An- (Marte ou Marah), que se transforma
tes de alcançar o mar, a embarcação e é salvo. O livro de Ruth conta que
fica imobilizada nas raízes de uma Noemi, a doce, se sentia abandonada
figueira gigante. por Deus porque a morte rompera
No oco da árvore, próximo ao todos os seus laços familiares. É por
Monte Palatino, uma loba tinha sua isso que ela chamava a si mesma de
toca. Ela recolhe os dois meninos e os Marah, a amarga. Sua nora Ruth (ami-
amamenta. Um dia, Fáustolo, um pas- zade com Deus) se tornou a ancestral
tor de cabras, descobre os meninos e da casa de Davi. Maria é a tradução
os leva consigo. Sua mulher Lupa (a latina de Marah. Ela simboliza o mar
loba) torna-se a madrasta deles. Quan- inalterado, designado pelos alquimis-
do adultos, eles derrubam o soberano tas como a materia prima, de onde
ilegítimo e entregam o trono a seu deve emergir a nova vida. O amargo
avô. Em seguida, duas cidades são devia, então, se transformar em pure-
fundadas, uma por Rômulo, no Mon- za e em claridade. Distinguimos, por-
te Palatino, outra por Remo, no tanto, dois estados: a substância divi-
Monte Aventino. na original e as entidades que se afas-
Novamente uma disputa entre ir- taram dela, personificadas por Rô-
mãos. Rômulo, o mais jovem, num mulo e Remo.
acesso de cólera, mata seu irmão que,
por brincadeira, pulou os muros de Vesta e o lobo
sua cidade. Remo, cujo nome signifi-
ca “leme”, uma alusão a Saturno, sim- A mãe de Rômulo e Remo era uma
boliza o aspecto sagrado que está vestal, sacerdotisa da deusa Vesta,

40
guardiã do fogo sagrado. Vesta era a Cristo desceu aos infernos para libe-
divindade de Roma. Ela era mais uma rar o homem de sua veste terrena.
idéia abstrata, porque seu culto não Podemos conceber a realização dos
teve por objeto nenhuma representa- Mistérios como uma troca de veste ou
ção, nenhum mito. O nome de Vesta de forma. Os cátaros chamavam essa
é uma contração de Venusta, um dos troca de processo de endura: a dimi-
nomes de Vênus, relacionada a veste, nuição do sistema de forças terrenas e
que também tinha relação como o sua substituição por um sistema de
vaso onde arde a chama sagrada. linhas de forças divinas. Do mesmo
A entrada de uma casa romana se modo, os rosacruzes modernos falam
chamava vestibulum. Aí eram deixa- em seus ensinamentos da substituição
das as vestes antes de penetrar na casa. da antiga personalidade por uma nova
No famoso vestíbulo de Pompeu, o personalidade que corresponde à ves-
chão era decorado com um mosaico te ou manto da alma imortal. A perso-
representando um cão negro e levava nalidade terrena se forma a partir do
a inscrição: “Cuidado com o cão”. Na fogo terreno. A veste divina se forma
Idade Média, a entrada dos infernos a partir do fogo celeste. O lobo, sím-
era representada pela goela de um bolo da personalidade terrestre, está
lobo. Alguns pórticos de igrejas eram relacionado com o processo de morte.
decorados com demônios que se Sua pelagem cinza simboliza o fosco
pareciam com lobos, e diziam que eles envoltório terrestre que deve ser
devoravam as pessoas. abandonado e ser substituído pela
Após a morte sobre a cruz, Jesus veste luminosa da nova vida.

Sou estudante e trabalho para financiar meus estudos. Mas, em meu trabalho
e em meus estudos, algumas coisas não me interessam de jeito nenhum. O que
devo fazer? Acho isso muito difícil e não consigo fazer de conta. Que conselho
vocês me dão?
Você está neste mundo para ter experiências; experiências causadas pelas con-
tradições da vida. É assim que a consciência se forma, que o eu se forma. Essas
experiências acabam por conduzi-lo ao limite de suas possibilidades e você
compreende que existe uma outra vida, uma vida superior, a vida da alma re-
novada. As experiências da vida cotidiana trazem prazeres e desprazeres. Os
primeiros não são problemas, e todos os desejam. Mas os segundos é que são
de grande importância. Os dois são necessários para alcançar a maturidade
interior. Considere tanto quanto possível os prós e os contras da vida cotidia-
na, sem nenhuma aversão. Faça o que deve fazer – muitas vezes auxiliar os ou-
tros – mas não rejeite a vida. Faça escolhas conscientes. Você acabará eventual-
mente por tomar seu lugar na sociedade e ganhar seu pão da maneira que lhe
convém. Encontre, de preferência, o lugar que lhe dará suficiente espaço para
seguir suas aspirações espirituais. Utilize, assim, as possibilidades que lhe são
oferecidas. Não recuse a vida cotidiana, mas considere-a como uma parte da es-
cola de aprendizado que você deve vivenciar antes de ser capaz de empreender
o próximo passo de seu desenvolvimento – libertar a alma – com sucesso.

41
Do homem descartável
ao homem eterno

O descontentamento em relação a cer- somos diretamente afetados, conten-


tas coisas e situações nos leva a sentir tamo-nos em manter nossa própria
que deve existir algo totalmente dife- casa confortável. Sentimos que tudo
rente nas bases da existência? Pressu- poderia continuar assim eternamente,
pomos a existência de um enigma difí- enquanto funciona como de costume.
cil de resolver? Ou somos apenas ho- A morte parece estar ainda muito
mens descartáveis em uma sociedade longe. Enfeitamos a vida com futilida-
descartável? Apesar da legislação sobre des e vivemos despreocupadamente
os direitos humanos, é preciso reconhe- nosso dia. Até que ocorra algo que
cer que a vida humana conta muito precipite toda a nossa vida aconche-
pouco, se é que conta. gante na desordem. Então indagamo-
nos, pensativos: “Por que isso aconte-
ce comigo?”
E m todo lugar há reuniões, discus- Geralmente as pessoas são corajosas
sões para encontrar formas de melho- e enérgicas, possuem um forte instinto
rar e definir planos de ação. Mas a paz de conservação e se adaptam a situa-
mundial continua distante e diaria- ções inevitáveis. Mas também pode ser
mente homens perecem em combates que, depois de uma experiência trau-
dos quais não conhecem os motivos mática, uma pessoa se pergunte sobre
nem os resultados. Somos sempre cer- o sentido da vida. O que é verdadeira-
cados de todos os lados por esses mente a vida? No que consiste? Qual
acontecimentos, mas, enquanto não o seu objetivo? Parece haver aí uma
fórmula secreta. A questão é saber se
estamos realmente determinados a en-
contrar uma resposta, ou se essa busca
só constitui um passatempo. Se este
for o caso, significa que o “pesquisa-
dor” se satisfaz com um “não saber”.

Habilmente ziguezagueando
pela vida

A terra é uma grande escola de trei-


namento. Desde a infância os seres
humanos aprendem certas habilidades
a fim de se tornar adultos responsá-
veis. Muitos são competentes nas rela-
ções sociais e assim vivem zigueza-
gueando pela vida, sem maiores pro-

42
blemas. Porém, cedo ou tarde, chega o Ele não teve más intenções. Queria
momento em que cada um é confron- unicamente saber o que aconteceria e
tado com a fragilidade e a finitude da até onde poderia ir. Afinal, era apenas
sua existência. Momento crucial em um experimento! Mas não compreen-
que o homem é levado a um limite, deu o resultado de sua ação.
compelido a irromper através dos
obstáculos e resolver suas indagações Aprender a controlar
a respeito da vida. os elementos
Cada ser humano tem aptidões para
pensar, querer, sentir e agir. Às vezes, Os contos de fada e a linguagem da
com essas aptidões são efetuadas gran- antiga sabedoria falam sobre o contro-
des realizações, mas os motivos por le dos elementos terra, ar, fogo e água.
detrás delas podem causar também Não são os quatro elementos estuda-
muita infelicidade. A ciência, a religião dos pela Física, porém quatro estados
e a arte dão amplos exemplos disso. A energéticos. Eles correspondem ao
história do aprendiz de feiticeiro que pensar, ao sentir, ao querer e ao agir. O
faz experimentos com fórmulas secre- ar está em relação com o pensar, a
tas que ele não controla é realmente a água, com o sentir, o fogo, com o que-
história de cada um de nós, pouco im- rer, a terra, com o agir.
portando se estamos em posição ele- Se nos perguntarmos o que essas
vada ou não. Esses experimentos de- faculdades nos trouxeram até o pre-
sencadeiam situações incontroláveis, e sente, constataremos que o pensamen-
À esquerda:
o responsável tentará, antes de tudo, to, essa maravilhosa faculdade que nos
Norfolk, Inglaterra.
salvar a própria pele. Felizmente o coloca acima do animal, ainda não nos Acima: Homens
mestre volta no momento crucial e permitiu esclarecer o mistério da vida. descartáveis ou
tudo volta a ficar bem. O aprendiz re- Isso também mostra que sincera com- homens eternos?
cebe, então, uma eficiente vassourada. paixão e piedade pelos semelhantes Foto Pentagrama.

43
infelizes revelam ser insuficientes e Da transmutação à
nos trazem um sentimento de impo- transfiguração
tência. Existe a vontade de alcançar
bons acordos e de criar ordem, porém Que tudo isso não acontece auto-
isso fracassa porque os acordos não maticamente, porém como o resulta-
são respeitados. Portanto, as ações do de um longo caminho de experiên-
permanecem sem resultado positivo. cias, é óbvio. Todavia, devemos dizer
Não sabemos lidar bem com os qua- que muitos enterraram a luz dentro de
tro elementos porque ainda somos si mesmos. Se tudo correr bem, as qua-
imperfeitos como seres humanos. tro faculdades mencionadas se modifi-
Há, entretanto, uma tendência carão progressivamente e criarão no-
crescente de nos afastarmos da idéia vas possibilidades. Os elementos serão
do homem descartável para investigar transmutados na preparação para o ob-
o real valor dos seres humanos e enfa- jetivo: a transfiguração. Essas faculda-
tizar os valores eternos de sua nature- des já não estão orientadas para obje-
za. O núcleo central dos homens é vi- tivos terrestres, mas para a elevada rea-
vo e imperecível. Ele os leva a uma lização libertadora, para uma vida gnós-
situação em que devem ouvir! E co- tica pura! O homem precisa adquirir,
mo pode o homem responder a isso primeiramente, a coragem e o ardor do
corretamente? fogo, a perseverança e a constância da
terra, a penetração e a inteligência do
Todas as boas respostas estão ar, antes de poder descobrir a Alma, o
no homem sutil domínio interior, representando o
aspecto sensível da água. A transmuta-
Aquele que, com profunda aspira- ção deste elemento traz a mudança na
ção e honestamente, se pergunta como vida emocional, liberta das preferên-
encontrar o núcleo imperecível pode cias pessoais e dá lugar a um afeto in-
receber uma impressão fulgurante que condicional por todas as criaturas.
o incita a levar mais adiante sua pes- Ele chega, finalmente, a emitir a ora-
quisa em si mesmo! A resposta está ção decisiva: “Revelai-me vossos se-
muito perto, no coração. O coração é gredos”. Então como os círculos con-
o manancial da vida, o pulsante início cêntricos provocados por uma pedra
do alento de vida. Nessa fonte oculta- jogada na água, a vibração percorre
se a consciência, o que um dia o ho- todo o ser. É a vibração do som origi-
mem sabia, mas esqueceu. Os rosacru- nal, um doce sussurrar que vai cres-
zes chamam esse princípio central “a cendo até ressoar como um poderoso
rosa do coração”. Aquele que deixa a chamado que se funde com a fonte
rosa florescer recebe entendimento. universal de toda a vida. É uma vida
Do anseio sincero por elevado conhe- totalmente diferente da que vive o
cimento resulta um contato com o pequeno e limitado indivíduo.
princípio nuclear. Esse é o início da O homem pode, então, elevar-se
senda na qual desabrocha a vida ver- através do processo de transfiguração,
dadeira. Se há um desejo puro e uma que o liberta e o separa da matéria. Ele
sede inextinguível essa vida se revelará avança passo a passo na compreensão
plenamente. Mediante intensa indaga- e sua vida toma finalmente um pro-
ção e correta atenção, a rosa do cora- fundo significado, porque o alvo se
ção se abrirá e irradiará sua luz. delineia cada vez mais nitidamente.

44
Na cultura ocidental desenvolveu-se, pouco a pouco,
uma grande tensão entre a razão e a moral.
Todos conhecem a incerteza que resulta do fato de
sermos influenciados por idéias contraditórias. O mundo
todo é confrontado com isso, e busca uma solução.

(A dupla história do homem, p.28)

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