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RESUMO
Este artigo tem como objeto de análise o romance histórico Sepé Tiaraju: romance histórico dos sete povos
das missões, de Alcy Cheuiche (1984). Nossa reflexão, a partir do romance, procura problematizar como
se deu a convivência da cultura Guarani juntamente ao modelo proposto pelos jesuítas. Assim, serão
levantados, também, alguns aspectos históricos das missões jesuíticas, buscando entendê-las no contexto
de colonização do continente americano, um processo que causou o genocídio e o etnocídio de centenas de
povos indígenas. Neste sentido, analisaremos como se deu a imposição dos valores europeus em
detrimento de crenças e costumes nativos que, transmitidos pela oralidade, norteavam o universo dos
Guarani, focalizando a importância da valorização dos costumes deste povo.
Palavras-chave: Romance Histórico. Povo Guarani. Sepé Tiaraju: romance dos sete povos
das missões.
ABSTRACT
The analysis' subject of this article is the historical novel Sepé Tiaraju: romance histórico dos sete povos
das missões, by Alcy Cheuiche (1984). Our reflection from the novel problematizes how was the
coexistence of Guarani culture along the model proposed by the Jesuits. So, are also collected some
historical aspects of the Jesuit missions, seeking to understand them in the context of American
continent’s colonization, a process that caused the genocide and ethnocide of hundreds of indigenous
peoples. In this sense, we analyze how was the imposition of European values to the detriment of native
beliefs and customs, which, orally transmitted, guided the universe of Guarani, focusing on the importance
of valuing the customs of this people.
Keywords: Historical Novel. Guarani People. Sepé Tiaraju: romance dos sete povos das
missões.
apresamento para o comércio humano, o território guarani do Guairá passou a ser cada
vez mais premido pelo colonialismo interno” (SCHALLENBERGUER, 2006, p. 75).
para uma nova letra que, desta forma, fixava-se na mente do povo. Outras vezes ficaram
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no entrave entre substituir não somente a letra, mas também a composição da melodia,
2Nossa tradução: Os espanhóis sempre viveram na América como verdadeiros parasitas, e ali onde os
índios não os mantinham, morriam de fome [...] De modo que, na opinião do historiador, os espanhóis
eram os que não queriam nem sabiam trabalhar; não os índios.
arraigadas as práticas “incorretas”, o que fazia com que estes tivessem maiores
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dificuldades na incorporação das “boas” ações. Por isso, implantou-se um rígido sistema
em relação aos ensinamentos catequéticos para as crianças, pensando-se que estas
aceitariam sem muitas contraposições as normas da nova vida.
ficou denominado como Guerra Guaranítica. Apesar da derrota evidente, posto que os
recursos bélicos europeus eram superiores em quantidade e qualidade, os Guarani
SEPÉ TIARAJU: ROMANCE HISTÓRICO DOS SETE POVOS DAS MISSÕES – UMA VISÃO
FICCIONAL DA CATEQUIZAÇÃO GUARANI
Cheuiche (1984).
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seu aposento, que traz da memória sua experiência de vida, desde seu nascimento, em
Amsterdam, passando por toda uma reflexão até sua chegada na América e seu trabalho
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nas missões jesuíticas. Tem-se como enfoque principal o índio Guarani Sepé Tiaraju que,
na realidade, é considerado como um herói devido a sua liderança na luta contra os
Quando o Príncipe de Nassau conquistou o Brasil, meu avô estava lá. Ele lutou
em Guararapes e espetou na sua espada muitos índios e portugueses antes de
morrer. Estupidez maior da ignorância não houve e nem haverá. O príncipe foi
como um pai para aqueles filhos da puta de nativos. Meu avô, muitas vezes, lhe
disse a verdade, mas ele não quis escutar. Não adianta levar a cultura da
Holanda para estas feras! O melhor é riscar-lhes o lombo a chicote para que
conheçam e respeitem a nossa força (CHEUICHE, 1984, p. 16-17).
resistência cultural. É provável que a maior experiência dos jesuítas na América foi junto
aos Guarani. Os escritos sobre esse povo são em número bastante grande, os quais se
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Na obra Sepé Tiaraju: romance dos sete povos das missões, texto, a ficção está
atrelada à historia. O padre Miguel passa a interar-se acerca da estrutura das missões
jesuíticas, para isso tem a ajuda de um sacerdote de nome Catanneo, quem lhe dá uma
ideia de como deve ser a vida de um jesuíta:
devido ao fato de que os jesuítas precisavam impor um outro modo de vida aos índios. O
que se pensava dos povos indígenas na época da conquista é bem demonstrado numa
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afirmação de Pero de Magalhães Gândavo: “A língua de que usam toda pela costa é uma
[...] Carece de três letras, convém a saber, não se acha nela f, nem l, nem R, cousa digna
Santa Maria já está na casa dos 7 mil habitantes. Um pouco mais e passaremos
de São Nicolau. Temos cerca de mil rapazes e mil raparigas com menos de
quinze anos seguindo as aulas de catecismo. Como é de hábito fazê-los casar
bem cedo, logo, logo teremos muitas crianças para batizar. (CHEUICHE, 1984, p.
58).
Hallaron los misioneros unos indios los más bárbaros, sangrientos e incultos del
mundo. No tenían pueblos en forma, sino algunos aduares de cabañas de paja
debajo de algún cacique, a quien daban alguna obediencia. No sembraban sino
alguna cosa corta, que les duraba pocos días. Vivían de la caza y de la pesca.
Andaban casi del todo desnudos. Tenían continuas guerras unos caciques contra
otros. A los que mataban, luego los asaban y se los comían. […] Sus vicios
dominantes eran la lascivia y lujuria de bestias, la embriaguez, la venganza y la
hechicería (CARDIEL apud OLIVEIRA, 2004, p. 20).4
3Disponível em:
<http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/revistas/Escritos_3/FCRB_Escritos_3_3_ Sergio
_Alcides.pdf>. Acesso em: 18 de julho de 2013.
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4Nossa tradução: Acharam os missioneiros uns índios os mais bárbaros, sangrentos e incultos do mundo.
Não tinham povoados organizados, apenas alguns aduares de cabanas de palha sob a ordem de algum
cacique, a quem prestavam alguma obediência. Não plantavam senão pouca coisa, que lhes durava poucos
dias. Viviam da caça e da pesca. Andavam praticamente nus. Tinham contínuas guerras uns caciques
contra outros. Aos que matavam, logo os assavam e os comiam. [...] Seus vícios dominantes eram a lascívia
e luxuria de bestas, a embriaguez, a vingança e a feitiçaria.
Guarani acreditassem que nas reduções teriam grandes benefícios, sendo também
pregado que desta forma estariam livres de todas as formas de trabalho forçado
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impostos pelos exploradores. Essas ações tinham como alvo principal os caciques das
A piedosa obra de José Cataldino e Simon Maceta desapareceu sob o tacão dos
bandeirantes em menos de três anos. Encarnación, San Pablo, S. Francisco
Xavier e, uma a uma, todas as quatorze reduções foram saqueadas e maioria
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Desta forma, ainda criança, o menino Sepé é marcado para liderar os índios da
redução de São Miguel Arcanjo, para onde ele e Miguel partiriam mais tarde. A figura do
Recebo a missão de dirigir o novo Cabildo para o ano da graça de 1750, com a
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Tratado de Madrid, no qual decidia-se, entre outras coisas, que a Colônia do Sacramento,
erguida pelos portugueses defronte a Buenos Aires, seria trocada pelas Sete Missões
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– Sabe o Senhor Cura que neste território vivem quarenta mil guaranis e em
nossas fazendas mantemos quase dois milhões de cabeças de gado? Já imaginou
o que representaria arrancar dos seus lares toda essa gente e caçar pelos matos
todo nosso gado para levá-lo a lugares onde não terão pasto suficiente para
comer? Deixaríamos mais da metade dos nossos animais para os portugueses e
devoraríamos os restantes antes que as novas terras estivessem preparadas
para produzir o sustento de nosso povo.
– Eu sei que vai ser difícil, mas...
– Não vai ser difícil, Senhor Padre Cura, porque não será necessário fazê-lo.
Nenhum homem de vergonha sairá destas terras sem derramar seu sangue
para defender nossos direitos (CHEUICHE, 1984, 122).
que deve ser enterrado. Dada a importância da terra para os Guarani, Sepé afirma:
“Antes que iniciem a demarcação dos limites, devem saber pela minha voz que
Sepé previra sua morte próxima. Na mente dos índios sobreviventes começava
nascer a lenda que o iria santificar. Três dias depois de sua morte, as tropas de
Nhenguiru foram massacradas nas coxilhas do Caiboaté. Lanças e flechas contra
arcabuzes e canhões. Os índios jogavam-se contra a metralha gritando o nome
de Sepé Tiaraju. Os poucos que sobraram da carnificina juraram tê-lo visto a
ordenar a carga, surgindo entre as nuvens de pólvora em seu cavalo branco,
uma lança de fogo nas mãos, o lunar a brilhar-lhe na testa em pleno dia.
Levávamos para o túmulo um pobre corpo rasgado pelas lanças esburacado de
balas. A alma do grande cacique já ganhava forma divina na imaginação dos
guaranis (CHEUICHE, 1984, 177).
obra, acerca do enterro de Sepé Tiaraju, em um lugar escondido, posto sob uma pedra, a
qual guardaria “para sempre o seu segredo” (CHEUICHE, 1984, p. 179). Apesar de não
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esclarecer sobre o destino dos Guarani, o romance é encerrado com tom de tragicidade,
no sentido de fazer entender que o fim da guerra representaria, também, o fim do povo.
Veja-se:
A grande nação Guarani, com certeza, não tinha seu fim em meados do século
XVIII, mas, gradativamente, as condições de subsistência dentro de seu modo tradicional
de vida iriam tornar-se cada vez mais precárias. Desta forma, a obra em análise é uma
criação literária significativa para se pensar a trajetória de resistência do povo Guarani
em meio ao processo de colonização de seus territórios tradicionais.
Assim, nota-se a importância da literatura na construção de uma identidade
múltipla, que preze pelo respeito a diferentes valores culturais. Como se viu, os Guarani
possuem uma maneira de ser específica, mas vivem em uma organização social
extremamente complexa, daí a necessidade de entender-se que devem ter o direito
garantido de viverem conforme seus costumes, entendimento que está presente em
vários textos literários.
REFERÊNCIAS
CHEUICHE, A. Sepé Tiaraju: Romance dos sete povos das missões. 3. ed. Porto
192
Alegre:Sulina, 1984.
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