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AS REDUÇÕES JESUÍTICAS NA CONQUISTA ESPIRITUAL (1639) DE

ANTONIO RUIZ DE MONTOYA, SOB A CRÍTICA PÓS-COLONIAL

Saul BOGONI (PG-UEM)


Thomas BONNICI (UEM)

ISBN: 978-85-99680-05-6

REFERÊNCIA:

BOGONI, Saul; BONNICI, Thomas. As reduções


jesuíticas na conquista espiritual (1639) de Antonio
Ruiz de Montoya, sob a crítica pós-colonial. In:
CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS
LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007,
Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 923-930.

1.PROBLEMATIZAÇÃO

A problemática das relações entre europeus – portugueses e espanhóis - e os


indígenas, primitivos habitantes da América, as preocupações de conquista e dominação
dos respectivos reinos e a ação dos padres da Companhia de Jesus, têm provocado
estudos ao longo dos séculos, que buscam entender, cada vez com mais detalhes e
veracidade, os acontecimentos históricos, sociais, políticos, religiosos, etc, que
marcaram, positiva ou negativamente, a história do Brasil.
Elegemos como foco deste nosso ensaio o objetivo e as conseqüências para os
indígenas, da instalação e o modo de funcionamento das reduções jesuíticas na
Província do Paraguai, especificamente no território do Guaíra, que corresponde à atual
região Norte/Noroeste do Paraná.
Fazem-se ainda indagações sobre os verdadeiros objetivos da instalação das
reduções; o que levou os jesuítas a optarem pelo sistema reducional; quais os objetivos
propostos pelos jesuítas, através do padre Antonio Ruiz de Montoya em sua obra
etnográfica Conquista Espiritual feita pelos religiosos da Companhia de Jesus nas
Províncias do Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape (1639); se eram só religiosos e
humanitários ou também políticos europeizantes; os índios aceitavam o regime e por
quê; quais as conseqüências do reducionismo para os índios e como os espanhóis, que
se instalaram na região, encaravam as ações missionárias nessa época e a convivência
com os povos autóctones?
Ao longo do tempo essas questões foram respondidas sob diferentes pontos de
vista. De um lado sob os interesses portugueses, de outro dos espanhóis e dos próprios
padres jesuítas, mas raramente sob o ponto de vista indígena.

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Sem ter a pretensão de identificar agora a verdade possível da consciência
indígena da época sobre os acontecimentos que a construíram e reivindicar através dela
um sensato julgamento histórico, objetivamos, com a enumeração das idéias e dos fatos,
mostrar a quem, afinal, tudo o que a história nos relata, acabou resultando em real
conquista e de que tipo.

2.OS JESUITAS E AS “REDUÇÕES”

Desde a sua criação por Inácio de Loyola (1491-1556), a Companhia de Jesus


esteve ligada aos reis de Portugal e Espanha, atendendo aos interesses evangelizadores
da Igreja, mas também da expansão dos Reinos. Os capitães e governadores enviados
com poderosas esquadras para as novas terras com a intenção de expandir seus
domínios, traziam consigo também os padres jesuítas, chamados de “soldados de
Cristo”, pela sua própria formação e pelo objetivo de seu trabalho religioso e político. A
finalidade religiosa era propagar, instalar e divulgar o cristianismo e, através da
catequização – a preservação da fé católica – dar assistência religiosa aos colonos e,
através deles, a implementação da conquista territorial.
Devido ao Tratado de Tordesilhas, de 1492, embora sob a mesma Coroa, com a
unificação verificada após o desaparecimento do jovem rei dom Sebastião na guerra de
Alcácer Quibir, no Marrocos, em 1578, as estratégias missionárias dos jesuítas no Brasil
e no Paraguai tiveram aspectos diferentes. No Brasil o sistema adotado para a conquista
foi a instalação de aldeias, enquanto que no Paraguai foi o de reduções. Naquelas havia
liberdade do contato dos índios com os colonos; nestas havia restrições em todos os
sentidos, o que chegava a caracterizar o próprio tolhimento da liberdade.
Nos primeiros tempos (a partir de 1585) a missão realizava-se por meio de
visitas esporádicas aos grupos localizados nas matas. Essas visitas eram espaçadas e
demoravam até quinze dias ou mais, umas das outras, e os padres não permaneciam
muito tempo entre os grupos. Devido ao segundo contato ser sempre demorado, quando
aconteciam os índios já não detinham as orientações anteriores.
Os primeiros exploradores espanhóis já verificaram que o território
compreendido pela região conhecida como Paraguai não oferecia riquezas minerais
como se tinha notícias do México e do Peru, e até mesmo as populações tinham
características culturais diferentes das enfrentadas naquelas regiões mais ao Norte. As
populações daqui viviam “em regime tribal, semi-sedentárias (Guarani) e algumas
extremamente belicosas (Guaicuru), que colocavam em perigo permanente os
estabelecimentos espanhóis na região”...”A resistência desses indígenas, aliada à sua
grande belicosidade, dificultou a ação missioneira e a própria dominação espanhola
nessas regiões” (FRANZEN, 1999; p. 209).
Tal era a dificuldade dos missionários em se aproximar e ganhar a confiança dos
índios. Estes “fugiam” dos aldeamentos, onde eram reunidos com objetivos de
catequização pelos missionários, porque a liberdade era de sua própria natureza, mas
também fugiam da dominação pela força. No caso espanhol as tentativas de dominação
“militar faziam com que eles buscassem abrigo nas florestas, onde os europeus não
tinham condições de penetrar. Mesmo a “conquista espiritual” não chegou a obter
maiores êxitos entre esses grupos do Paraguai” (FRANZEN, 1999; p. 210).
Somente à custa de um persistente trabalho de aproximação os missionários
conseguiram fazer os contatos e reunir os índios nas reduções. Para mantê-los reunidos,
os missionários tinham que providenciar os víveres e para isto iniciaram um trabalho de

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cultivo da terra, tentando passar os seus conhecimentos e essa cultura européia. Os
índios eram em sua maioria nômades, viviam da caça e movimentavam seus
acampamentos com freqüência. Eles se negavam a trabalhar a terra, de se submeter à
organização do trabalho, já que o cultivo dos gêneros alimentícios não fazia parte de
seus costumes (era atribuído às mulheres).
Os primitivos habitantes e os “invasores”europeus viviam constantes confrontos.
O rei Felipe III sensibilizou-se pela derrota imposta pelos índios Guarani ao
governador Hernandarias (Hernán Arias de Saavedra) e seus soldados, em 1603, e em
carta de 5 de julho de 1608 confirmou o plano de conquista pacífica, através dos
jesuítas, com a “utilização da “conquista espiritual” substituindo a “conquista
militar” até então empregada, mas ineficaz” (FRANZEN, 1999; p. 211).
Sobre o trabalho realizado na região que hoje abrange o Norte do Paraná, o
padre Antonio Ruiz de Montoya fez um relato na obra Conquista Espiritual feita pelos
religiosos da Companhia de Jesus nas Províncias do Paraguai, Paraná, Uruguai e
Tape (1639), entregue em Madri aos seus superiores e ao rei da Espanha. A dificuldade
da pregação itinerante, em que percorriam as aldeias indígenas, correndo grandes
perigos, levou os padres a implantar as famosas reduções do Paraguai, província que
abrangia também o Norte do Paraná. Nessa região foram implantadas pelo menos 13
reduções, a partir de 1609, duas das quais bem próximas ao rio Paranapanema. Estas
receberam as denominações de Santo Inácio e Nossa Senhora de Loreto, em 1610,
próximas à foz do Rio Pirapó, nos municípios atuais de Santo Inácio, Jardim Olinda e
Itaguajé. Nelas os padres reuniam os “povos”, ou seja, os índios convertidos. Para
Montoya, “ainda que aqueles índios que viviam de acordo com seus costumes antigos
em serras, campos, selvas e povoados, dos quais cada um contava de cinco a seis casas,
já foram reduzidos por nosso esforço ou indústria a povoações grandes e transformados
de gente rústica em cristãos civilizados com a contínua pregação do
Evangelho”(MONTOYA, 1997; p.18-19).
Montoya oferece nesse trecho uma definição tornada clássica de reduções, que
não devem ser confundidas nem igualadas com as aldeias indígenas de José de Anchieta
no Brasil. Montoya refere-se às reduções como

“povos” ou povoados de índios que, vivendo à sua antiga usança em


selvas, serras e vales, junto a arroios escondidos em três, quatro ou seis
casas apenas, separados uns dos outros em questão de léguas duas, três
ou mais, “reduziu-os” a diligência dos padres a povoações não pequenas
e à vida política (civilizada) e humana, beneficiando algodão com que
se vistam, porque em geral viviam na desnudez, nem ainda cobrindo o
que a natureza ocultou (MONTOYA, 1997; p. 35).

A concepção que percebemos do relato de Montoya, sobre as reduções, não é o


de aglomerado sem ordem ou de domínio ou sujeição, mas intencionalmente o de
organização de cidades, onde os seus habitantes pudessem conviver pacificamente,
instruídos na produção dos meios de sobrevivência, acumulação de estoques – sem
depender da caça ou coleta ocasional de frutas silvestres - na formação cristã,
autodefesa contra os inimigos, que eram tratados de “bárbaros” e que aceitariam o
acréscimo de elementos culturais europeus. Neste caso haveria uma espécie de troca
entre os benefícios que os índios receberiam dessa organização jesuítica e a aceitação da
doutrina e da nova cultura, muitas vezes de uma forma adequada à cultura que os
nativos tradicionalmente detinham.

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As reduções objetivavam a ação evangelizadora, mas também política, e nesse
sentido se entende o interesse do padre Antonio Ruiz de Montoya em defender as
reduções e os índios.

E é nesta perspectiva que se compreende como o próprio missionário


concebeu a idéia missional de reduções: reducciones o poblaciones é o
modo adequado para atrair e conduzir os guaranis...visando convertê-los
de “rústicos bueltos ya em políticos Christianos” tendo como
instrumento a “continua predication del Euangelio”.

Nesta concepção de Ruiz de Montoya a organização dos indígenas em


redução foi, na realidade, um meio para a conversão dos mesmos, cuja
finalidade principal foi levá-los a uma vida política em conformidade
com a fé cristã, ou seja: tirar do estado selvagem e levar ao estado civil
os índios guaranis. Assim sendo, está perfeitamente em concordância
com a própria significação do termo: redução – reductio = conduzir,
levar a (AGUILAR, 2000; p. 224-225).

A concepção de Montoya era estabelecida pelas próprias intenções jesuíticas de


catequização e organização dos índios sob o ponto de vista europeu, para levá-los a uma
mudança do seu “modus vivendi”, já que o praticado em seu estado natural não se
adequava aos usos e costumes centrais (dos europeus).
A palavra “redução” foi empregada por Montoya em sua Conquista Espiritual
(1639) e pelos missionários com o sentido gerado pela sua aplicação na empreitada que
se dispuseram a realizar. A palavra “redução” resumia o trabalho e as intenções
religiosas e políticas daquele momento.
Na modernidade, os dicionários, como o Novo Dicionário Aurélio trazem estas
definições, entre as quais selecionamos as mais específicas:
redução [Do lat. reductione.] S. f. 1. Ato ou efeito de reduzir(-se); diminuição: redução
de preços ou de gastos. 2. Ato ou efeito de subjugar.
reduzir [Do lat. reducere, “reconduzir; “restringir”.] V. t. d. 1. Tornar menor, restringir:
Com o alto custo de vida cumpre reduzir as despesas. 2. Subjugar, submeter: O general reduziu
os exércitos inimigos. 3. Separar ou desagregar de uma combinação, de um composto. T. d. e i.
10. Transformar, converter... 11. Obrigar, constranger, forçar: Os vitoriosos reduziram os
vencidos à escravidão (AURÉLIO, 1986)
Larousse define reduções como “povoações indígenas organizadas pelos padres
da Companhia de Jesus no Brasil e América Espanhola, principalmente durante os
séculos 16 e 17, como tentativa destinada a melhorar a eficiência do trabalho de
catequese” (LAROUSSE, 1978; p. 5712).
A concepção de Montoya e dos missionários, porém, sofre críticas nos dias
atuais, conhecidas as conseqüências.
O mesmo Larousse ao definir o termo “reduções” completa que

...essas povoações, também chamadas missões, chegaram a congregar


milhares de indígenas de diferentes grupos e troncos lingüísticos; foram
provável fator importante na desagregação da cultura indígena
tradicional, impedida de operar em sua plenitude e gradativamente
substituída pela cultura européia imposta pelos missionários. As
reduções jesuíticas espanholas das regiões de Guairá, Tape e Itatim
foram presa cobiçada pelas inúmeras bandeiras que no séc. 17 deixaram
São Paulo com a finalidade de aprisionar índios para o trabalho escravo.

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Para tê-los nas “reduções” e, portanto, mais ao seu alcance, a primeira grande
modificação na estratégia missionária residia no deslocamento de índios de seu
território para aldeias jesuíticas.
Isto representava tirar o sujeito social colonial de seu “habitat natural” e colocá-
lo num meio que hipoteticamente era de “outro”, com todas as suas regras, que para o
indígena soavam como “estranhas” e dominadoras, por menos autoritárias que fossem,
em nome da fé e da “salvação das almas”.

3.CRÍTICA PÓS-COLONIAL

As reduções foram “o máximo de consciência missionária possível na


cristandade das Índias” (HOORNAERT (org), 1982; p. 13). Elas foram uma estratégia
entre outras considerada das mais produtivas, num ambiente hostil, adverso quanto aos
costumes e a resistência do “outro”, que era o objeto da missão catequizadora. Apesar
de todas as adversidades, os missionários não esmoreceram. Pelo contrário, elas
serviram para fortalecer ainda mais a consciência missionária até os seus últimos limites
em termos de trabalho catequético e conseqüentemente de transformação na vida
daquela gente. Nem por isto pode-se afirmar terem sido as reduções “um paraíso” e
aceitas sem resistência pelos indígenas. Prova disto são os relatos de ações e reações
encontrados nas crônicas etnográficas do padre Montoya, com práticas e prédicas dos
líderes indígenas no sentido de tentar desfazer-se do cristianismo, tão empenhadamente
instruído pelos padres àqueles.
Promover a concentração dos índios nas proximidades das vilas e engenhos
coloniais era “reduzi-los”, sendo que “também o verbo reduzir, neste contexto, foi
várias vezes utilizado pelos escravistas como sinônimo de submeter os índios ao
cativeiro” (VAINFAS, 2000; p. 21). O mesmo autor salienta que “redução” tornou-se
expressão mais usual para aludir à fixação dos índios nas aldeias jesuíticas.

Baeta Neves viu nisto uma profunda “alteração das formas de


deslocamento dos interlocutores” pois, ao invés dos padres, seriam
então os índios a se deslocarem no espaço, submetendo-se ao território
colonial e cristão. No mais, eles ficariam obrigados a obedecer ao
calendário cristão, a sedentarizar-se por meio do trabalho agrícola, a
adotar os “costumes cristãos”, a terem sua vida diária pontuada, em
resumo, pelas badaladas dos sinos. É certo que, entre o plano das
aldeias e a prática da catequese, muitas adaptações foram feitas, mas o
sentido do aldeamento era, por princípio, radicalmente aculturador
(VAINFAS, 2000; p. 22)

Deve-se levar em consideração que o objetivo oficial dos jesuítas era catequizar
os índios. Para atingir o objetivo, eles tiveram que engendrar estratégias de contato,
pacificação, confiança, sobrevivência, enfim. Uma das estratégias foi “reduzi-los” e, à
maneira européia, fazê-los viver em comunidade. Ao mesmo tempo em que absorviam a
cultura indígena nessas reduções, os jesuítas também exerciam sobre eles sua própria
influência, pela formação que tinham nas diversas áreas humanas e científicas. Essa
transferência de costumes e conhecimentos era o que entendiam eles como
sobrevivência, pois era de sua cultura – européia – essa maneira de viver e, portanto,
tinha o sentido aculturador, pela transformação que impunha ao sujeito colonial.

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Para desenvolver o seu trabalho, de acordo com os objetivos traçados, os
missionários precisavam contar também com a aceitação ou conivência do sujeito
“reduzido”. Tal condição era motivo de diferentes interpretações, por parte dos próprios
colonos espanhóis.
Vainfas cita Stuart Schwarz para esclarecer a questão em que os jesuítas foram
acusados de escravizar os índios, frisando este que “o projeto jesuítico, no que toca aos
aspectos socioeconômicos das aldeias, era o de “criar comunidades camponesas” que se
auto-sustentassem e provessem as necessidades de mantimentos da colônia, para o que
era necessário assegurar terras em sesmarias para os tutelados (VAINFAS, 2000; p.
23). Nesse sentido, Vainfas diz que “quanto ao fato de terem os jesuítas escravizado os
índios nos aldeamentos, do que foram muito acusados pela bibliografia antijesuítica,
não parece ter sido o caso (VAINFAS, 2000; p. 23).
LUGON (1968) cita Charlevoix quando fala sobre a intenção que os jesuítas
teriam de fundar uma República Comunista Cristã dos Guaranis. Ele diz que

os fundadores da República Guarani, os padres (José) Cataldino e


(Simão) Maceta, mostraram-se plenamente conscientes das origens a
que entendiam vincular-se quando formaram o “projeto de uma
república cristã que restaurou nessa barbárie os mais belos dias do
cristianismo nascente.
...
Foi assim que, haurindo na mensagem do Evangelho sua inspiração e
luzes, os padres da Companhia de Jesus conseguiram edificar, por
meios exclusivamente pacíficos, sem recurso à violência, uma
sociedade de estrutura fraterna, a primeira que a História conhece
(LUGON, 1968; p. 339-340).

Em suas crônicas, o padre Montoya faz diversas referências aos índios como
“bárbaros” e “selvagens”. Em certo sentido, “redução” também pode ser citada aqui
como a “conversão”, já que, a princípio, esta era a intenção dos religiosos no contato
com aquela gente que despertava na Europa, desde a chegava de Cristóvão Colombo,
verdadeiras fantasias medievais. Montoya não questionava o que era benéfico ou não
para o índio, já que revelava em seus registros exclusivamente a preocupação
evangelizadora e a conquista de novos fiéis para a religião católica.
Sob a concepção religiosa, analisada nos tempos atuais, talvez não fosse
intenção de Montoya “retratar os índios como uma população de degenerados, com
base na sua origem social”, porém é claramente perceptível a utilização de tais
referências a fim de “justificar sua conquista e instituir sistemas de administração e
instrução” (SOUZA, 1971; p. 561).
Não podemos olvidar que Montoya, mesmo originário da América (nasceu em
Lima-Peru) tinha formação européia, representava os interesses da sua ordem religiosa e
da Espanha, unida a Portugal sob a Coroa Ibérica.
Em que pese o trabalho bem intencionado dos jesuítas, inegável a promoção da
alteridade indígena pela transculturação. Ao mesmo tempo em que estes sofriam uma
des-culturação, mercê de um novo modo de vida, de novos conhecimentos, do
sincretismo religioso, tornavam-se submissos e presas fáceis. Mesmo “os espanhóis
instalados na vizinhança dos guaranis do Paraná, sobretudo os de Vila Rica e Cidade
Real de Guaíra, não perdiam ocasião alguma de arrebatar todos os índios das reduções
que eles pudessem surpreender isolados nos campos (LUGON, 1968; p. 45)

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As incursões dos colonizadores brasileiros/portugueses de São Paulo na região
Norte/Noroeste do Paraná, com o objetivo de caçar os índios para apresamento, são
apontadas como a grande causa de dizimação e destruição das reduções jesuíticas, do
Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape. Este fato, aliado à grande concentração de
indivíduos, promovida pelas “reduções”, organizadas em igrejas, paliçadas, escolas,
praças, etc, e o contato com os padres e outros europeus de suas relações, também
favoreceu a um novo universo bacteriano e virótico (tifo, varíola, gripe, etc), segundo se
infere de LUGON (1968; p. 71 a 80). Provocou a destruição dos sistemas de
acumulação energética e modificou o equilíbrio de recursos e da dieta alimentar. No
plano social, destruiu clãs, tribos, grupos familiares e interferiu na sexualidade indígena,
com argumentos cristãos ou tirânicos. Desestruturou o universo indígena através da
repressão sistemática dos antigos conhecimentos e representações que foram
substituídos ou fundidos em novas crenças e costumes. Por último, desorganizou a
economia indígena pelo uso desequilibrado da terra, através da especialização regional e
das migrações forçadas e também pela contínua reordenação do território que introduziu
progressivamente um novo modelo de consumo.

4.CONCLUSÃO

É inquestionável a importância dos jesuítas e das reduções para a política de


colonização e expansão do cristianismo. Com eles, os índios puderam aprender novas
técnicas de sobrevivência e crescimento cultural. Foi um dos seus grandes méritos a
“percepção da humanidade dos nativos da América, o que os incentivou a desenvolver
procedimentos capazes de atingir a sensibilidade dos nativos” (VAINFAS, 2000; p.
327), Mas é inegável também que, se num primeiro momento estes dados serviram para
dar aos índios uma existência mais humana, serviram também para torná-los presas
mais fáceis para os bandeirantes paulistas e mesmo os espanhóis radicados nesta mesma
região (Villa Rica do Espírito Santo, Ciudad Real del Guairá) e vítimas das doenças
transmitidas pelo “Outro”, que acabaram resultando no seu próprio mal.
Ao longo dos séculos, desde 1500, outros episódios são registrados em prejuízo
dos primitivos habitantes. De cinco milhões de indivíduos estimados no século 16, o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou em 1991 pouco mais de
294 mil. Dados mais recentes estimam para o próximo censo em torno de 734 mil (um
salto de 150%) no alvorecer do século 21. Cultural e socialmente “civilizados”.

REFERÊNCIAS

AGUILAR, Jurandir Coronado. Conquista Espiritual – A História da Evangelização da


Província Guairá na obra de Antonio Ruiz de Montoya, S.J. (1585-1652). Roma:
Editrice Pontificia Universitá Gregoriana, 2002.

AURÉLIO Buarque de Holanda Ferreira. Novo Dicionário Aurélio da Língua


Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

FRANZEN, Beatriz Vasconcelos. Os jesuítas portugueses e espanhóis e sua ação


missionária no Sul do Brasil e Paraguai (1580-1540) – Um estudo comparativo. São
Leopoldo: Unisinos, 1999.

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HOONAERT, Eduardo (org). Das reduções Latino-Americanas às lutas indígenas
atuais. São Paulo: Edições Paulinas, 1982.

LAROUSSE, Grande Enciclopédia Delta. Rio: Ed. Delta S.A., 1978.

LUGON, Clóvis. A República Comunista Cristã dos Guaranis (1949). Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1968.

MONTOYA, Antonio Ruiz de. Conquista Espiritual feita pelos religiosos da


Companhia de Jesus nas Províncias do Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape (1639). (2ª
ed. brasileira). Porto Alegre: Martins Livreiro – Editor, 1997.

SOUZA, Lynn Mário T. Menezes de. Identidade e Subversão: o Discurso Crítico-


Literário Pós-Colonial de Homi Bhabha. IV Congresso da Abralic – Literatura e
Diferença, 1994; p. 561-565.

VAINFAS, Ronaldo (direção). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de


Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2000.

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