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ISBN: 978-85-99680-05-6
REFERÊNCIA:
1.PROBLEMATIZAÇÃO
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Sem ter a pretensão de identificar agora a verdade possível da consciência
indígena da época sobre os acontecimentos que a construíram e reivindicar através dela
um sensato julgamento histórico, objetivamos, com a enumeração das idéias e dos fatos,
mostrar a quem, afinal, tudo o que a história nos relata, acabou resultando em real
conquista e de que tipo.
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cultivo da terra, tentando passar os seus conhecimentos e essa cultura européia. Os
índios eram em sua maioria nômades, viviam da caça e movimentavam seus
acampamentos com freqüência. Eles se negavam a trabalhar a terra, de se submeter à
organização do trabalho, já que o cultivo dos gêneros alimentícios não fazia parte de
seus costumes (era atribuído às mulheres).
Os primitivos habitantes e os “invasores”europeus viviam constantes confrontos.
O rei Felipe III sensibilizou-se pela derrota imposta pelos índios Guarani ao
governador Hernandarias (Hernán Arias de Saavedra) e seus soldados, em 1603, e em
carta de 5 de julho de 1608 confirmou o plano de conquista pacífica, através dos
jesuítas, com a “utilização da “conquista espiritual” substituindo a “conquista
militar” até então empregada, mas ineficaz” (FRANZEN, 1999; p. 211).
Sobre o trabalho realizado na região que hoje abrange o Norte do Paraná, o
padre Antonio Ruiz de Montoya fez um relato na obra Conquista Espiritual feita pelos
religiosos da Companhia de Jesus nas Províncias do Paraguai, Paraná, Uruguai e
Tape (1639), entregue em Madri aos seus superiores e ao rei da Espanha. A dificuldade
da pregação itinerante, em que percorriam as aldeias indígenas, correndo grandes
perigos, levou os padres a implantar as famosas reduções do Paraguai, província que
abrangia também o Norte do Paraná. Nessa região foram implantadas pelo menos 13
reduções, a partir de 1609, duas das quais bem próximas ao rio Paranapanema. Estas
receberam as denominações de Santo Inácio e Nossa Senhora de Loreto, em 1610,
próximas à foz do Rio Pirapó, nos municípios atuais de Santo Inácio, Jardim Olinda e
Itaguajé. Nelas os padres reuniam os “povos”, ou seja, os índios convertidos. Para
Montoya, “ainda que aqueles índios que viviam de acordo com seus costumes antigos
em serras, campos, selvas e povoados, dos quais cada um contava de cinco a seis casas,
já foram reduzidos por nosso esforço ou indústria a povoações grandes e transformados
de gente rústica em cristãos civilizados com a contínua pregação do
Evangelho”(MONTOYA, 1997; p.18-19).
Montoya oferece nesse trecho uma definição tornada clássica de reduções, que
não devem ser confundidas nem igualadas com as aldeias indígenas de José de Anchieta
no Brasil. Montoya refere-se às reduções como
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As reduções objetivavam a ação evangelizadora, mas também política, e nesse
sentido se entende o interesse do padre Antonio Ruiz de Montoya em defender as
reduções e os índios.
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Para tê-los nas “reduções” e, portanto, mais ao seu alcance, a primeira grande
modificação na estratégia missionária residia no deslocamento de índios de seu
território para aldeias jesuíticas.
Isto representava tirar o sujeito social colonial de seu “habitat natural” e colocá-
lo num meio que hipoteticamente era de “outro”, com todas as suas regras, que para o
indígena soavam como “estranhas” e dominadoras, por menos autoritárias que fossem,
em nome da fé e da “salvação das almas”.
3.CRÍTICA PÓS-COLONIAL
Deve-se levar em consideração que o objetivo oficial dos jesuítas era catequizar
os índios. Para atingir o objetivo, eles tiveram que engendrar estratégias de contato,
pacificação, confiança, sobrevivência, enfim. Uma das estratégias foi “reduzi-los” e, à
maneira européia, fazê-los viver em comunidade. Ao mesmo tempo em que absorviam a
cultura indígena nessas reduções, os jesuítas também exerciam sobre eles sua própria
influência, pela formação que tinham nas diversas áreas humanas e científicas. Essa
transferência de costumes e conhecimentos era o que entendiam eles como
sobrevivência, pois era de sua cultura – européia – essa maneira de viver e, portanto,
tinha o sentido aculturador, pela transformação que impunha ao sujeito colonial.
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Para desenvolver o seu trabalho, de acordo com os objetivos traçados, os
missionários precisavam contar também com a aceitação ou conivência do sujeito
“reduzido”. Tal condição era motivo de diferentes interpretações, por parte dos próprios
colonos espanhóis.
Vainfas cita Stuart Schwarz para esclarecer a questão em que os jesuítas foram
acusados de escravizar os índios, frisando este que “o projeto jesuítico, no que toca aos
aspectos socioeconômicos das aldeias, era o de “criar comunidades camponesas” que se
auto-sustentassem e provessem as necessidades de mantimentos da colônia, para o que
era necessário assegurar terras em sesmarias para os tutelados (VAINFAS, 2000; p.
23). Nesse sentido, Vainfas diz que “quanto ao fato de terem os jesuítas escravizado os
índios nos aldeamentos, do que foram muito acusados pela bibliografia antijesuítica,
não parece ter sido o caso (VAINFAS, 2000; p. 23).
LUGON (1968) cita Charlevoix quando fala sobre a intenção que os jesuítas
teriam de fundar uma República Comunista Cristã dos Guaranis. Ele diz que
Em suas crônicas, o padre Montoya faz diversas referências aos índios como
“bárbaros” e “selvagens”. Em certo sentido, “redução” também pode ser citada aqui
como a “conversão”, já que, a princípio, esta era a intenção dos religiosos no contato
com aquela gente que despertava na Europa, desde a chegava de Cristóvão Colombo,
verdadeiras fantasias medievais. Montoya não questionava o que era benéfico ou não
para o índio, já que revelava em seus registros exclusivamente a preocupação
evangelizadora e a conquista de novos fiéis para a religião católica.
Sob a concepção religiosa, analisada nos tempos atuais, talvez não fosse
intenção de Montoya “retratar os índios como uma população de degenerados, com
base na sua origem social”, porém é claramente perceptível a utilização de tais
referências a fim de “justificar sua conquista e instituir sistemas de administração e
instrução” (SOUZA, 1971; p. 561).
Não podemos olvidar que Montoya, mesmo originário da América (nasceu em
Lima-Peru) tinha formação européia, representava os interesses da sua ordem religiosa e
da Espanha, unida a Portugal sob a Coroa Ibérica.
Em que pese o trabalho bem intencionado dos jesuítas, inegável a promoção da
alteridade indígena pela transculturação. Ao mesmo tempo em que estes sofriam uma
des-culturação, mercê de um novo modo de vida, de novos conhecimentos, do
sincretismo religioso, tornavam-se submissos e presas fáceis. Mesmo “os espanhóis
instalados na vizinhança dos guaranis do Paraná, sobretudo os de Vila Rica e Cidade
Real de Guaíra, não perdiam ocasião alguma de arrebatar todos os índios das reduções
que eles pudessem surpreender isolados nos campos (LUGON, 1968; p. 45)
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As incursões dos colonizadores brasileiros/portugueses de São Paulo na região
Norte/Noroeste do Paraná, com o objetivo de caçar os índios para apresamento, são
apontadas como a grande causa de dizimação e destruição das reduções jesuíticas, do
Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape. Este fato, aliado à grande concentração de
indivíduos, promovida pelas “reduções”, organizadas em igrejas, paliçadas, escolas,
praças, etc, e o contato com os padres e outros europeus de suas relações, também
favoreceu a um novo universo bacteriano e virótico (tifo, varíola, gripe, etc), segundo se
infere de LUGON (1968; p. 71 a 80). Provocou a destruição dos sistemas de
acumulação energética e modificou o equilíbrio de recursos e da dieta alimentar. No
plano social, destruiu clãs, tribos, grupos familiares e interferiu na sexualidade indígena,
com argumentos cristãos ou tirânicos. Desestruturou o universo indígena através da
repressão sistemática dos antigos conhecimentos e representações que foram
substituídos ou fundidos em novas crenças e costumes. Por último, desorganizou a
economia indígena pelo uso desequilibrado da terra, através da especialização regional e
das migrações forçadas e também pela contínua reordenação do território que introduziu
progressivamente um novo modelo de consumo.
4.CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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HOONAERT, Eduardo (org). Das reduções Latino-Americanas às lutas indígenas
atuais. São Paulo: Edições Paulinas, 1982.
LUGON, Clóvis. A República Comunista Cristã dos Guaranis (1949). Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1968.
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