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Webaula 2 – Teologia Índia – Expressões

Religiosas Indígenas

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Seja bem-vindo(a) à Webaula 2 de Cosmovisões e Narrativas Indígenas

IN TR ODUÇÃO

Introdução à Webaula 2

TÓPICO 1

Teologias Indígenas – Uma "Invenção" dos Povos Originários

TÓPICO 2

Algumas Características da Teologia Índia

TÓPICO 3

Teologia Católica e Teologias Indígenas

TÓPICO 4
A Teologia Indígena Por Seu Idealizador

R ESUMO

Resumo da Webaula 2

R EFER ÊN CIAS

Referências

Créditos
Lição 1 de 8

Introdução à Webaula 2

Na década de 1990, as igrejas cristãs (católicos e protestantes históricos) haviam acumulado bastante
experiência de novas abordagens com os povos indígenas. Não mais a evangelização por conversão,
mas o diálogo inter-religioso. 

Ocorre que para muitos povos indígenas da América Latina, a religião que professavam era sincrética
entre a cristã e suas crenças tradicionais, muitas vezes adaptadas, traduzidas e ressignificadas para seu
universo cosmológico; porém, não se poderia afirmar que era uma religião “totalmente autóctone”,
tampouco cristã. Era resultado de um processo sincrético seja por opção do povo, negociação ou por
imposição. Gerações que nasceram e cresceram em contextos de mudanças não tinham como fazer
caminhos de volta, porque não existia mais ponto de origem.

Diversos povos indígenas nesse continente são resultados de processos que a antropologia define
como “etnogênese”, ou seja, povos que não existiam no marco temporal do ano 1500, e que passaram
a surgir no decorrer do processo colonial ou pós-colonial. Em muitos aldeamentos e missões eram
levados dezenas de povos diferentes, no decorrer das décadas cada um foi deixado parte de suas
tradições e incorporando um pouco das demais, inclusive do catolicismo. Com o passar das gerações
surge um novo povo, resultado do processo sincrético, mas não por isso menos autóctone nem
“verdadeiro”.

 Saiba Mais

Durante a época colonial alguns grupos desapareceram como resultado das


compulsões militares, bióticas ou econômicas, mas também surgiram outros tantos
devido a deslocamentos, congregações ou alianças. Um exemplo disso são os atuais
Mískito da costa do Caribe nicaraguense, que constituem a conjunção de distintas
populações nativas com escravos negros, politicamente unificada em um reino
apoiado pela Inglaterra desde o século XVII (Gould 1998). Caso semelhante é o dos
Garífuna, ou “caribes negros”, que habitam as costas de Belize e Guatemala e resultam
da mistura entre diferentes grupos Arawak e populações de origem africana,
constituídos como etnia por volta do século XVIII (Ghidinelli, 1983). Por sua vez, várias
sociedades nativas do nordeste brasileiro são produto dos aldeamentos jesuíticos nos
quais diferentes grupos se fundiram (Carvalho, 1984). Inversamente, as parcialidades
guaranis do Paraguai se devem à separação entre os que aceitaram e os que recusaram
a tutela jesuíta (BARTOLOMÉ, 2006, [s.p.]) 

O antropólogo Miguel Bartolomé (2006, [s.p.]) observa que a etnogênese não é resultado apenas da
miscigenação, mas de novas identificações de povos, ou seja, povos que eram conhecidos por outros
nomes, ou mesmo formavam outros agrupamentos humanos e que modificaram ao longo das
décadas: 

“Não existiam no passado, portanto, as ‘nações’ Wichí ou Toba do Grande Chaco, Mapuche do sul dos
Andes, Aymara do planalto boliviano, Nahua do México ou tupi-guarani das florestas tropicais, tal
como as entenderiam as óticas nacionalistas oitocentistas, mas sim grupos etnolingüísticos
internamente diferenciados em grupos étnicos organizacionais, entendidos como comunidades
identitárias exclusivas, que podiam não ter maiores relações entre si. Por isso, os rótulos etnicos
generalizantes, ao delimitarem etnias classificatórias, como Guarani, Quéchua, Maia, Zapoteco, Toba ou
Mataco, sobretudo eram, e são, atribuições identitárias externas em vez de etnônimos próprios,
embora agora mesmo os indígenas possam recorrer a eles para se designarem como coletividades
inclusivas e exclusivas.”

- Miguel Bartolomé (2006, [s.p.])


Mas, sem dúvida, o surgimento de um povo, resultado de miscigenações, é o que nos provoca e
inquieta, justamente porque queremos encontrar nos povos indígenas o elo perdido com o passado,
com um passado pelo menos anterior ao ano de 1500. Quando não encontramos essa referência, nos
retraímos e buscamos desqualificar suas tradições como se não fosse algo verdadeiro, porque
acreditamos que o único verdadeiro é o pré-colonial. Para nos “tranquilizar”, o antropólogo Eduardo
Viveiros de Castro compara o processo do surgimento dos povos indígenas com a invenção da Europa,
lá chamada de “renascimento” e aqui na América de “invenção”: 

“A partir de certo momento, porém, esse povo começou a se reinventar, criando uma cultura artificial:
começaram a imitar uma arquitetura de que só conheciam ruínas ou em velhos escritos, faziam
traduções vernáculas de textos em línguas mortas a partir de traduções em outras línguas, tiravam
conclusões delirantes, inventavam tradições esotéricas perdidas... Como se sabe, esse processo, que se
passou na Europa ali mais ou menos entre os séculos XIV a XVI, ganhou o nome de Renascimento. O
Ocidente moderno principia ali. O que é o Renascimento? Os europeus – mistura étnica confusa de
germânicos e celtas, de itálicos e eslavos, que falam línguas híbridas, muitas vezes pouco mais que um
latim mal falado (isto é, o latim tal qual falado em tal ou qual região da Europa, diria Saussure), crivado
de barbarismos, praticando uma religião semita filtrada por um equipamento conceitual tardo grego,
e assim por diante [...]. Erguem templos, casas, palácios imitativos, escrevem uma literatura que se
refere privilegiadamente a esse mundo, uma poesia imitando a poesia grega, esculturas que imitam as
esculturas gregas. Lêem Platão de modos inauditos, pouquíssimos gregos, imagina-se. Enfim:
inventam, e assim se inventam. E Sahlins conclui: pois é, quando se trata dos europeus, chamamos
esse processo de Renascimento. Quando se trata dos outros, chamamos de invenção da tradição.
Alguns povos têm toda a sorte do mundo.”

- (VIVEIROS DE CASTRO, 2006, [s.p.]).

 Para Refletir
Será que existe um povo que seja totalmente “puro”, sem nunca ter passado por
processo de trocas culturais com outros povos? É possível uma sociedade humana se
isolar no tempo e no espaço de modo a jamais ter contato/troca com outros
humanos? As trocas culturais são benéficas ou prejudicais aos povos?

Esse mesmo processo de miscigenação ou no caso específico religioso, de sincretismo, ocorreu no


universo das cosmologias indígenas. Os povos indígenas tiveram muitas dificuldades de compreender
os europeus, porque eles não estavam no seu universo mitológico, portanto, como interpretar esse
novo fenômeno? É comum ouvirmos que os indígenas acreditaram que os europeus eram divindades,
porém isso é um tanto duvidoso, porque o registro da interpretação foi feito pelos conquistadores.
Uma característica comum do comportamento dos povos indígenas nos primeiros anos de contato foi
a acolhida amistosa aos europeus, inclusive alguns povos, como os Guarani, buscaram incorporar os
europeus no seu universo sociocultural, oferecendo inclusive mulheres para que casassem e assim
tornarem-se parentes. O espanto dos indígenas com os europeus também se passou dos europeus
para com os indígenas. Os cristãos europeus também tiveram dificuldades de explicar/entender a
América, afinal, os indígenas não estavam na bíblia. As “sagradas escrituras” nada diziam sobre os
povos indígenas da América. As perguntas que os Católicos fizeram foram das mais diversas possíveis:
“seriam eles anteriores aos humanos, ou seja, o Éden”? “Essas pessoas ainda não eram conhecedoras
do pecado original?” e, portanto, “neófitas totais”? Nesse caso não seriam humanos porque não
tiveram a experiencia do pecado. “Seriam eles descendentes de algumas das 12 tribos de Judá?” A
bíblia, ou seja, a cosmologia cristã também não tinha resposta para o novo. A invasão europeia no
continente americano gerou novas formulações e interpretação dos mitos, tanto para indígenas como
cristãos europeus. 

Essa breve explanação é apenas para realçar que os contatos entre sociedades são geradores de
mudanças e gastadoras de novas interpretações. Mas nem todas as relações são benéficas a ambos.
Na América, os povos indígenas foram violentamente forçados a mudar, o que modificou
drasticamente o conceito de contato e mudanças. Apesar de a igreja desejar converter os indígenas em
cristãos, ela não aceitava a ordenação de padres e irmãs provenientes dos povos indígenas. 

Essa breve explanação é apenas para realçar que os contatos entre sociedades são geradores de
mudanças e gastadoras de novas interpretações. Mas nem todas as relações são benéficas a ambos.
Na América, os povos indígenas foram violentamente forçados a mudar, o que modificou
drasticamente o conceito de contato e mudanças. Apesar de a igreja desejar converter os indígenas em
cristãos, ela não aceitava a ordenação de padres e irmãs provenientes dos povos indígenas. 

No processo de construção e consolidação da teologia indígena estão envolvidos povos que mantêm
seus universos religiosos cosmológicos com pouca interferência do cristianismo, os novos povos
surgidos da violência (experiência) colonial, bem como povos e pessoas que se identificam como
indígenas/cristãs.

 Saiba Mais

Sugerimos a leitura “O êxito das teologias da libertação e as teologias americanas


contemporâneas”, de José Oscar Beozzo. Cadernos teologia pública, São Leopoldo:
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2004. Disponível em:
www.ihu.unisinos.br/images/stories/cadernos/teopublica/093_cadernosteologiapublic
a.pdf. Acesso em: 20 mar. 2019

De acordo com Gorski (1998, p. 9), o objetivo da teologia indígena é a

“[...] elaboração de uma nova expressão autóctone da fé e vida cristã baseada na redescoberta,
apropriação e avaliação das experiências e expressões religiosas e culturais dos povos originários da
América. Procura explicitar o que, durante séculos, tem sido mantido escondido, além das expressões
‘oficiais’ (e europeias) da fé católica.”
Portanto, é um movimento dos povos indígenas, na diversidade indígena contemporânea na América
Latina. É um processo que envolve prioritária e fundamentalmente os povos indígenas, contando
também com colaborados de diferentes denominações cristãs que atuam com esses povos.

A teologia indígena é um movimento que ainda não está popularizado, em partes porque os povos
indígenas participam com menos de 10% da população total da América Latina e estão distribuídos em
cerca de quinhentos povos, com suas particularidades e desafios econômicos de reunir-se e articular
conjuntamente o tema, em partes pelo receio que essa proposta carrega e a ambição de desejar
romper com as práticas de violência histórica que não respeitavam as culturas e religiões de povos
indígenas. Também se relaciona com estranhamentos de intelectuais que acreditam que fazer teologia
é algo exclusivo das ciências e que as mitologias indígenas estão em outro campo de saber, patamar
inferior às ciências, portanto não podem ser consideradas teologias. 

Por fim, é um tema novo, um novo campo de disputas e conflitos, mas prenhe de saberes e vontade
de fazer o novo, produzir novas relações e quem sabe uma nova igreja. O termo mais correto a ser
aplicado é teologias indígenas, no plural, incorporando a diversidade dos povos da américa e tratando-
os como indígenas, autóctones, originários, ao contrário de “índios”, que é resultado de erro histórico.

 Saiba Mais

Durante o período colonial, os Guarani da região do Prata iniciaram intensas rebeliões


contra o sistema colonial apelando para que cada pessoa batizada renunciasse seu
nome cristão e voltasse a utilizar o nome Guarani. O movimento ficou conhecido como
desbatismo. Liderado pelos Xamãs Guarani, estes atribuíam todos os males coloniais
ao nome cristão e se desbatizando os males poderiam cessar. Tiveram ao menos 43
enfretamentos registrados contra os colonos/encomenderos, entre os anos de 1540-
1630.

 Sugestão de Leitura: MELIÀ, Bartomeu. El Guaraní Conquistado y reducido. Ensaios


de Etnohistoria. Biblioteca Paraguaya de Antropología V. 5. 1986. 

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Lição 2 de 8

Teologias Indígenas – Uma "Invenção" dos


Povos Originários

O surgimento das teologias indígenas está intimamente relacionado ao surgimento das Pastorais
Indigenistas nos países latino-americanos a partir dos anos 1970, fortemente impulsionadas pela
abertura política promovida pela Conferência Episcopal de Medellín (1968). 

 Saiba Mais

O Departamento de Missões (DEMIS) do Conselho Episcopal Latino-Americano


(CELAM), desde a sua fundação em 1966, promoveu uma avaliação teológica das
culturas indígenas através de uma série de reuniões e publicações. Durante os anos 60
e 70, vários centros nacionais ou regionais foram fundados para acompanhar a
pastoral indígena e animar os estudos antropológicos e teológicos necessários,
normalmente com apoio do Departamento de Missões (Gorski, 1998).

O Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), criado em 1955, com sede em Bogotá (Colômbia), foi
o impulsionador dos encontros de pastorais indigenista dos diferentes países latino-americanos, num
período em que o historiador Benedito Prezia (2003) denomina de fase da transição (1965-1971), muito
embora nesse período não havia pastoral indigenista nos países, eram encontro de pessoas religiosas,
bispos, padres, alguns leigos. Não havia pastorais articuladas nos países, dessa forma os encontros
organizados pelo CELAM foram fundamentais. O primeiro deles foi em Melgar, na Colômbia em abril de
1968; o segundo foi no mês de setembro de 1969, em San Antonio de los Altos (Venezuela). Em janeiro
de 1970 ocorreu o encontro em Xicotepec, no México. Posteriormente ocorreu o encontro em Iquitos,
na selva peruana em março de 1971. No documento final do encontro, os participantes declaram que: 
“Continuaremos afirmando que o pluralismo cultural dos povos amazônicos, evidentemente, não
representa um obstáculo para as sociedades nacionais, mas um verdadeiro enriquecimento. Sua
aceitação é a única garantia de que as nações podem integrar-se dentro de uma comunidade mundial,
sem perder sua autonomia e individualidade.”

- (Doc. Final, 1971 apud PREZIA, 2003, p. 54). 

Posteriormente aos encontros, começam a surgir “pastorais indigenistas” por países. Algumas são
criadas na perspectiva assistencial ou mesmo como um espaço de assessoria, convertendo-se
posteriormente em organizados ativos em defesa das teologias indígenas. No México é criado o Centro
Nacional de Ayuda a las Misiones Indígenas (Cenami) ainda em 1962, porém como organização do
Episcopado Nacional, Comisión Episcopal para Indígenas, apenas a partir de 1968. No Brasil é criado o
Conselho Indigenista Missionário em 1972. No Paraguai, ainda nos finais dos anos 1960, é criado o
Departamento de Misiones (DM), em 1976 mudaram para Equipo Nacional de Misiones (ENM) e após a
reforma da Comissão Episcopal Paraguai, em 1994, apareceu como Coordinación Nacional de Pastoral
Indígena (CONAPI). A partir de final dos anos 1970 na Argentina é criada a Equipo Nacional de Pastoral
Aborigene (Endepa). As igrejas evangélicas históricas também criaram suas organizações, como o
Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN), criado em 1982, vinculado à Igreja Evangélica de
Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e que, atualmente, é um dos programas da Fundação Luterana de
Diaconia (FLD), a partir da sua incorporação, em 2018. Em 1978, as igrejas evangélicas históricas e a
católica criaram o Grupo de Trabalho Missionário Evangélico (GTME) – organização não governamental
de caráter indigenista e ecumênico, com a finalidade de promover o diálogo entre as igrejas na atuação
com povos indígenas. Formalmente, o GTME encerrou suas atividades em julho de 2012. Em âmbito
continental, as diferentes organizações e organismos das igrejas com os povos indígenas criaram a
Articulação Ecumênica Latino Americana da Pastoral Indígena (Aelapi), como um espaço de pensar
junto às ações, não necessariamente como estrutura.
Uma característica desse período é que os indígenas pouco participavam, eram pastorais
“indigenistas”, ou seja, de não indígenas para indígenas. Por outro lado, as organizações indígenas
foram bastante incentivadas, apoiadas e assessoradas por essas pastorais. 

Prezia (2003) fala da terceira fase, definida por ele como “fase do diálogo inter- -religioso”, que inicia no
final dos anos 1980 e que vai ser a grande impulsionadora das teologias indígenas.

 Importante

INTER-RELIGIOSO significa o diálogo entre religiões não cristãs.

ECUMENISMO é a palavra para o diálogo entre religiões cristãs. 

No momento em que as igrejas latino-americanas se dispõem a fazer o diálogo inter-


religioso, estão reconhecendo as religiões indígenas como expressão legítima desses
povos, e essas religiões passam a ser reconhecidas e respeitadas. A Conferência
Episcopal de Santo Domingo (1992) reconheceu claramente o caráter “multiétnico e
multicultural” deste continente.

Nos anos 1990, começam então os encontros de teologia indígena, bem como as formulações teóricas,
teológicas e pastorais do sentido e significado dessa nova teologia, seu alcance e significado para a
diversidade de povos indígenas. Estamos, nesse momento, ainda de tomada de consciência das
interpelações teológicas relacionadas com os povos indígenas.

As teologias indígenas são tributárias da teologia da libertação, porém com um olhar específico para as
diferentes manifestações religiosas do continente. Libertação para os indígenas é também libertar-se
do colonialismo religioso, é romper com as velhas amarras que afirmavam que suas crenças não eram
verdadeiras, que seus mitos eram lendas e que fora do cristianismo não havia salvação. Salvação que
para os indígenas não significa romper com o “pecado original”, uma vez que seus mitos não possuem
essa dimensão, mas salvar-se do jugo colonial, da violência do tempo presente e construir caminhos
próprios.
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Lição 3 de 8

Algumas Características da Teologia Índia

Juan F. Gorski (1998, p. 16-18), com base no trabalho de López Hernández (1992), apresenta algumas
características da teologia indígena, que passamos a transcrever a seguir numa tradução livre do
espanhol:

Juan F. Gorski (1998, p. 16-18), com base no trabalho de López Hernández (1992),
apresenta algumas características da teologia indígena, que passamos a transcrever a
seguir numa tradução livre do espanhol: 

É uma teologia integral. Não vem de uma visão segmentar da vida dos povos indígenas,
isolando “os religiosos” dos outros elementos da cultura. Procure em todos os aspectos
da vida cultural como a experiência do Deus vivo se manifesta; 

Esta teologia tem uma linguagem marcadamente religiosa, “em contraste com os


discursos de reformadores estrangeiros ou revolucionários”. É expresso não só por
palavras, mas também através do silêncio e do ritual, através da linguagem mítica e
simbólica, porque, para os povos indígenas, a comunicação ritual é mais expressiva; 

Afirma-se que o tema da “teologia indígena” é o povo. É elaborado coletivamente, em


assembleias da comunidade. As pessoas que assumem uma atitude de serviço no projeto
são valorizadas, mas aquelas que desejam impor suas ideias são rejeitadas. Ou
instrumentalizar as pessoas ou expropriar seu pensamento;

“Teologia indígena” não é tanto uma tarefa para o futuro como uma realidade, e
existente na vida da cidade: “não é necessário criá-la, mas reconhecê-la e fomentá-la”. A
tarefa é dar o seu lugar no concerto de vozes humanas que abençoam o Senhor;
Fala-se de uma “teologia indígena” no singular, e não de várias “teologias indígenas” no
plural, porque é um projeto conjunto daqueles que, coletivamente, foram designados
como “índios” desde 1492. Para, na conquista, a própria identidade dos diversos grupos
étnicos que não foram reconhecidos ou respeitados;

Este projeto teológico, como luta pela dignidade e pelos direitos povos oprimidos e
dominados, é identificado como parte de “teologia latino-americana da libertação”. Mas
não se limita a resistência; procura um futuro em que “os estereótipos sejam totalmente
demolidos e, sem máscaras de qualquer espécie, nossos povos surjam com seus próprios
rostos libertados: [...] uma gama plural de teologias indianas, [...] irmãs entre si e com as
outras teologias do mundo”;

Entre os protagonistas da “teologia indígena”, se pergunta se é sobre uma teologia que


busca apenas recuperar o pensamento dos povos indígenas antes de seu encontro com o
Cristianismo, ou uma teologia que expressa a experiência cristã desses povos. López
Hernández (1992, p. 89) diz:

“A questão nos choca, porque estamos divididos internamente por um duplo amor: amamos nosso
povo e acreditamos em seu plano de vida, mas também amamos a Igreja e acreditamos em seu plano
de salvação. [...] Estamos convencidos de que é possível, e vale a pena, reconciliar os dois amores,
porque sabemos que existe uma contradição insuperável entre as abordagens fundamentais da Igreja,
que são os mesmos de Cristo, e as abordagens teológicas de nossos povos. Os anseios mais profundos
do nosso povo são também os anseios mais profundos de Cristo. As diferenças estão na forma, não no
conteúdo. Além disso, muitos desses conteúdos são mais contidos em nosso povo, pela limpeza do
coração dos pobres, e, neste sentido, acreditamos que o diálogo teológico não é apenas benéfico para
os povos indígenas, mas enriquecedor para a Igreja, através dos índios, se reunirá com a mais pura
tradição cristã.”

- López Hernández (1992, p. 89)


O esforço para formular uma autêntica “teologia indígena” é realizado pela compreensão
“de que não existe uma única teologia cristã”. Ele procura que a intercomunicação entre
as diferentes teologias ajude “o povo de Deus na melhor compreensão e experiência da fé
cristã”. 

Insiste-se que para tornar-se cristã, a teologia indígena não precisa renunciar o seu caráter
autóctone, seu conteúdo mítico e simbólico, seu método integral, e ao seu sujeito
coletivo. Afirma-se que “o autenticamente humano é também autenticamente Cristão” e,
assim, uma teologia autenticamente indígena... é também autenticamente cristã; nosso
trabalho não consiste em vestir a teologia indígena do cristianismo, mas mostrar seu
significado profundamente cristão, pois Cosmovisões e Narrativas Indígenas 37 a
compatibilidade entre a fé cristã e a fé indígena é semelhante. É mais, para os indígenas, a
fé cristã deve necessariamente passar pela nossa fé indígena. 

 Reflita

Você conhece algum mito das sociedades cristãs? Será que as sociedades ocidentais
ainda são influenciadas por seus mitos ou eles são apenas lendas sem sentido prática
no cotidiano?

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Lição 4 de 8

Teologia Católica e Teologias Indígenas

Uma característica comum dos povos indígenas na América Latina é a visão integral do universo em
contraposição à visão fragmentada das sociedades ocidentais. Ruffaldi (2003) observa que os povos
indígenas possuem uma visão integrada entre mente, coração e vida. As teologias indígenas
conversam essa integralidade, ao passo que o ocidente está acostumado a separar e abstrair.

“A Revelação e a Bíblia, pelo menos até o Concilio Vaticano II, se reduziram a conjuntos de verdades
elaboradas em tratados de teologia para os letrados e em catecismos para o povo. Dessa maneira é
possível professar e ensinar a verdade, sem amá-la e nem praticá-la. Assim os escravos eram
catequizados pelos senhores. ”

- (RUFFALDI, 2003, p. 18).

Mulheres, homens e natureza andam juntos, observa Ruffaldi (2003). “Tudo está inter-relacionado. Por
isso, num relato sobre a origem da realidade incluem-se as estrelas, as pessoas, as coisas da terra, as
culturas, a economia, a ética, a presença de Deus.” (IRARRAZAVAL apud RUFFALDI, 2003, p. 20).
Diferentemente da mitologia ocidental expressa no livro de Gênesis, nas mitologias indígenas não há
hierarquização entre humanos e natureza. Da mesma forma que a visão de Deus não é
antropocêntrica, como a ocidental. É comum ouvirmos, de diferentes povos indígenas, que para retirar
a mata para o cultivo, retirar madeira para construção de casas ou outras benfeitorias, necessitam,
antes, entrar em contato com os espíritos da natureza, pedir permissão dos espíritos e apenas após
realizados o ritual, com muito respeito acessar os recursos. Os animais recebem o mesmo tratamento.
É comum também, ouvirmos de diferentes povos, que o caçador, em sinal de respeito ao espírito do
animal abatido, não se alimenta de sua carne, apenas a oferece aos demais. Essa relação em muito se
difere de nossa prática utilitarista da natureza. Mesmo entre os ocidentais, setores do ambientalismo
defendem a preservação da natureza muitas vezes por uma visão egoísta, porque sabem que se a
natureza for destruída também o seremos, mas jamais é defendida porque ela é portadora de direitos
de viver, possuem espíritos como os humanos. Em muitos sentidos, a visão ocidental, nossos mitos de
origem, foram modificados para dar conta do modelo depredador capitalista, ou seja, ressignificação
38 Cosmovisões e Narrativas Indígenas intencional de nossos mitos. Coisificar a natureza nos ajuda a
não padecermos de culpa por nossas ações depredadoras. 

“O respeito aos semelhantes, a partilha, a hospitalidade e a convivência são virtudes ecológicas e não
simplesmente humanas. Assim como quem fere a terra fere os filhos da terra, quem fere a semelhante
atenta contra Deus. A percepção do mundo é muito mais avançada e hoje, se queremos que a terra
sobreviva, temos que aprender dos povos indígenas o respeito para com ela. A terra, a água, o ar, são
uma dádiva de deus para toso e não mercadora a ser explorada e destruída em proveito da ganância
de alguns. Enfim, as Teologias Índias são um prato cheio, um tesouro precioso do qual podemos nos
alimentar e confrontar em vista de rever nossa maneira de crer, de nos relacionar e viver.”

- (RUFFALDI, 2003, p. 19) 

 Para Refletir

Reflita sobre o significado da seguinte frase:

“A percepção do mundo [dos povos indígenas] é muito mais avançada, e hoje, se


queremos que a terra sobreviva, temos que aprender dos povos indígenas o respeito
para com ela. A terra, a água, o ar são uma dádiva de Deus para todos e não
mercadoria a ser explorada e destruída em proveito da ganância de alguns.”
Existe uma explicação para a grande diferença de percepções de mundo entre as teologias indígenas e
as ocidentais. Iara Bonin explica que grande parte dessa distância está relacionada com nossos
conceitos econômicos:

“Do ponto de vista ocidental e centrado na razão europeia, as formas de conhecimento e de expressão
indígenas estariam em desvantagem, pois ainda seriam vistas como menos complexas, menos
científicas, mais primitivas. Deste ponto de vista, seriam lógicas superadas, que deveriam ceder lugar à
verdadeira razão e à verdadeira ciência. Mas, na atualidade, diversos campos das Ciências Sociais têm
realizado uma crítica a esse tipo de raciocínio que coloca a vida indígena como obsoleta. Também
questionam a noção de que haveria um caminho único a trilhar rumo ao desenvolvimento da ciência,
que respalda também a ideia de que existe uma solução única para a promoção do desenvolvimento
econômico de um país. A crítica principal dos cientistas sociais é direcionada à racionalidade econômica
que afirma a primazia total do mercado e que, assim, coloca em segundo plano o bem estar das
pessoas e a proteção do meio ambiente. A lógica do mercado é a que sustenta os atuais projetos e
medidas governamentais. A partir dessa lógica, tudo se converte em recurso – a natureza, o ser
humano, o conhecimento, a criatividade no trabalho, tudo pode ser capitalizado para se tornar
lucrativo. A expressão mais potente dessa lógica mercantil é a ideia de que só existe uma ordem social
desejável, um único modelo de desenvolvimento possível.”

- (BONIN, 2015, [s.p.]). 

As teologias indígenas unificam mito, rito e vida. Uma importante chave de leitura para conhecer e
compreender as teologias indígenas é conhecer seus mitos. Eles falam de um passado remoto, mas o
objetivo central é orientar a vida no presente, por Cosmovisões e Narrativas Indígenas 39 esse motivo
estão sempre sendo ressignificados e reinterpretados, justamente para responder as inquietações do
presente. Diz Ruffaldi (2003, p.18) que “[...] mito, rito e vida apontam para o futuro, animam a
esperança, renovam a segurança coletiva [...]. Mais uma vez o que se pensa, o que se celebra, o que se
vive andam juntos, formam um todo harmônico em que o povo se encontra e se situa.” Cita como
exemplo o ritual Gijatun do povo Mapuche, que é uma forma de reestabelecer a ordem quebrada. É
um ritual que reconstrói a ordem e exige um compromisso de toda comunidade.

 Para Assistir

Guarani Mbyá: Bicicletas de Nhanderú (Ariel Ortega e Patrícia Ferreira, 45 minutos).


2011.

“O documentário Bicicletas de Nhanderú é uma imersão na espiritualidade e na cultura


dos Mbyá-Guarani da aldeia Koenju, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul
[...]. Bicicletas de Nhanderú narra a cultura indígena e mostra como a influência do
“homem branco” ameaça a religiosidade desse povo que tem se deixado levar por
hábitos como a bebedeira, festas e jogos que, segundo a crença da aldeia, fazem mal ao
espírito. A ideia de filmar o documentário surgiu durante conversas entre o diretor Ariel
Ortega e o índio mais velho da aldeia. Durante as gravações, Ariel resolveu investir em
dois meninos como personagens principais, e é em torno deles que o filme se
desenvolve.” 

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=087fEEoJ5p4

C O NT I NU E
Lição 5 de 8

A Teologia Indígena Por Seu Idealizador

Um protagonistas e principal porta-voz das teologias indígenas é o padre católico Eleazar López
Hernández, do povo Zapoteco, no México, um membro ativo da Asociación Ecuménica de Teólogos del
Tercer Mundo (ASETT). Não é exagero dizer que ele seja o idealizador, mas certamente foi um deles e
um dos maiores incentivadores desse pensamento. Em entrevista à revista do Instituto Humanitas
Unisinos (2014), de maneira didática, López Hernández destaca diversos aspectos das teologias
indígenas que ainda geram dúvidas.

Inicialmente ele afirma e reafirma que as teologias indígenas são latino- -americanas, como concepção
e teorização:

“A chamada ‘teologia indígena’ na América Latina é o que resta das teologias originárias dos povos que
habitavam este continente antes da chegada dos europeus, os quais, ao conquistar e dominar estes
povos, chamaram-nos de ‘índios’, como sinônimo de vencidos que deviam ser sujeitados à lógica do
vencedor. De modo que estamos falando de algo que não é novo, mas muito antigo nestas terras.
Durante toda a época colonial, esta teologia dos povos ameríndios foi atacada sistematicamente para
erradicá-la e, assim, implantar o cristianismo. Mas ela sobreviveu nos redutos de vida destes povos. E,
nos últimos 50 anos, indígenas 40 Cosmovisões e Narrativas Indígenas convertidos à fé cristã a
retomamos, em um primeiro momento reconhecendo e enfatizando sua situação ‘indígena’ para, a
partir daí, ir libertando-a deste condicionamento negativo a fim de que mostre para o futuro toda a
sua vitalidade de teologia da vida para a vida. Este esforço intraeclesial leva-nos a exigir que seja
valorizada e que se dê a ela o lugar que merece tanto em sua expressão autônoma fora das Igrejas
como também dentro delas. E que aceite o desafio e a oportunidade de reparar erros do passado e
construir outros modos de ser Igreja com a capacidade de incorporar em seu interior a diversidade
humana e teológica, assumindo as novas contribuições dos povos mais antigos deste continente. ”

- (LÓPEZ HERNÁNDEZ, 2014, [s.p.]). 

Chama atenção para a pluralidade de expressões das teologias indígenas, porém percebe que há
elementos convergentes entre as diferentes expressões:

“[...] pois a diversidade de povos que sobrevivem ao impacto, primeiro, do modelo colonial, depois do
capitalista e agora da globalização neoliberal é muito grande e cada um tem acentos particulares em
sua luta para sobreviver e construir possibilidades de futuro digno. No entanto, em base aos encontros
amplos que tivemos recentemente para compartilhar experiências e ideias, nos damos conta de que
existem certos elementos que podem ser considerados como núcleo das teologias indígenas de hoje e
que são compartilhados com os demais, dentro e fora das Igrejas, e que são como as flores de nossos
povos: a maneira de entender e relacionar-se com Deus como Mãe-Pai de tudo o que existe; a maneira
de entender e relacionar-se com os seres humanos como colaboradores de Deus e irmãos entre nós; a
maneira de entender a natureza como expressão tangível de Deus e como o grande receptáculo ou
matriz da vida, onde os humanos desfrutam desta vida em solidariedade e responsabilidade com os
demais seres da criação. 

As teologias indígenas de hoje incluem tanto um enfoque de libertação de qualquer estrutura que
oprime as pessoas e povos, e que continua a fazer indígenas os descendentes dos povos mais antigos
e também outros, como uma proposta de construção de novas sociedades, onde caibam todos com as
suas identidades particulares e, sobretudo, com a dignidade que todos merecem como filhos de Deus
e irmãos entre nós”

- (LÓPEZ HERNÁNDEZ, 2014, [s.p.]).


Observa elementos-chaves que distinguem as teologias indígenas da teologia cristã. De carta maneira,
a teologia cristã operou na tentativa da conversão do outro, da não aceitação do outro como ele é,
para isso é necessário a missionaridade, ir ao encontro do outro, quase sempre para modificá-lo, não
para compartilhar e conviver.

“A vertente chamada ‘Teologia Indígena’ distingue-se de outras vertentes teológicas cristãs porque tem
sua raiz e origem antes e fora do cristianismo, e pode prosseguir seu caminho sem relação com a fé
cristã. Mas ela foi introduzida nas Igrejas por indígenas cristãos para interagir com a proposta teológica
que existe nas Igrejas, uma vez que, com a teologia indígena, muitos membros dos povos indígenas
receberam a fé cristã e com ela refletem esta nossa fé em Cristo. De modo que isso dá à nossa teologia
e à vivência cristã um caráter especial como compreensão e vivência da fé com as categorias próprias
dos povos indígenas. Esta teologia pode enquadrar-se no que agora se chama de inculturação do
Evangelho de Cristo.

Mas a teologia indígena é também uma proposta que os indígenas fazem para o resto da sociedade e
das Igrejas assinalando que a cosmovisão e os valores dos povos podem ser uma alternativa de vida
para toda a humanidade; com Cosmovisões e Narrativas Indígenas 41 estes valores, que já foram
vividos pelos antepassados, podemos projetar juntos – indígenas e não indígenas – sociedades que
superem as causas estruturais da crise atual. E também Igrejas que vão além do esquema colonial
monocultural, em que se encontram atualmente, para serem verdadeiramente inculturadas e
interculturais, onde as periferias tenham espaço sem que sua dignidade e identidade própria sejam
menosprezadas. ”

- (LÓPEZ HERNÁNDEZ, 2014, [s.p.]). 


López Hernández (2014) também observa que em alguns países há uma maior incidência da proposta
das teologias indígenas, fundamentalmente em alguns países com maior percentual de população
indígena, porém, ela está presente em praticamente todos os países da América. 

“Numericamente, a população indígena do continente é reduzida, porque quase foi dizimada no


passado; somos apenas cerca de 60 milhões em relação a 120 milhões de afrodescendentes e uma
quantidade muito maior de mestiços. No entanto, a voz soterrada dos povos indígenas, antes negada
e silenciada, está se levantando agora com uma força muito grande e com uma carga de conteúdos
que suscita o interesse não apenas dos indígenas, mas também dos não indígenas. E, por esse motivo,
a teologia indígena está tendo um impacto muito grande nas Igrejas cristãs. Ela foi tema de diálogo
praticamente das últimas três Conferências Gerais do Episcopado Latino- -Americano e do Caribe da
Igreja católica (Puebla, Santo Domingo e Aparecida); também da última assembleia geral do Conselho
Mundial de Igrejas, em 2013, e de muitos congressos, simpósios, encontros, seminários e fóruns de
cristãos comprometidos com a luta dos pobres. A teologia indígena está se tornando um assunto não
exclusivamente de indígenas, mas algo que pode converter-se em patrimônio do conjunto da Igreja e
da humanidade. Os partidários da teologia indígena são muitas irmãs e irmãos indígenas que vão
compreendendo que ela é uma riqueza nossa que podemos oferecer aos demais; mas também muitos
não indígenas se somaram a esta perspectiva porque descobrem a grandiosidade de suas proposições
como buscas legítimas e enriquecedoras, que não somente não se opõem à proposta de Jesus e da
Bíblia, mas que a enriquecem e a enraízam nas realidades humanas concretas de nossos tempos.

Países como o Equador, Guatemala e México distinguiram-se recentemente como os maiores


impulsionadores da recuperação da força e sabedoria indígena que inspira as lutas atuais pelos plenos
direitos dos povos, da humanidade e da terra; mas também países menores como El Salvador,
Panamá, Belize, na América Central, estão impulsionando o desenvolvimento da sua teologia indígena;
ou países como o Brasil, que tem uma porcentagem muito pequena de indígenas e, no entanto,
reconhece que o motor da vida destes povos é sua experiência e reflexão teológica, que pode inspirar
também a luta dos demais empobrecidos. Por isso, buscam e conseguem importantes alianças.”

- (LÓPEZ HERNÁNDEZ, 2014, [s.p.]). 


Destaca a importância dessa teologia para fortalecimento dos povos indígenas não apenas de suas
religiões, mas como força capaz de auxiliá-los a lutar pela defesa dos direitos coletivos, como o direito a
terra, contra a exploração mineira, de petróleo e gás e de tantas outras formas de exploração a que
estão submetidos os povos indígenas do continente.

“As Teologias Indígenas de hoje não têm sua origem imediata na consciência crítica sobre a realidade
de opressão sofrida pelos pobres, uma vez que elas existiram em contextos que não são de opressão.
No entanto, enquanto atualmente são teologias marcadas pelo ‘índio’ como categoria colonial que
persiste, elas se ativam agora com uma carga forte de libertação, por serem teologias de resistência ao
mal que se impôs há mais de 500 anos. No entanto, a contribuição maior das teologias indígenas tem a
ver com o futuro que é preciso construir. É aqui que as utopias de futuro (como a Terra sem Males dos
Guarani ou o Sumak Kawsay dos andinos) têm uma força muito grande para inspirar os contornos
desse outro mundo possível que muitos desejam e que de muitas maneiras os povos indígenas ainda
vivem em seus redutos de vida. A salvação que Cristo ganhou para nós com sua morte e ressurreição e
que se concretiza na proposta do Reino ou Reinado de Deus coincide maravilhosamente com os
sonhos de futuro de muitos povos indígenas. De modo que, para os povos indígenas identificados com
sua cultura e convertidos à fé cristã, construir o Reino de Deus passa também pela construção de suas
utopias ou de sonhos de futuro. ”

- (LÓPEZ HERNÁNDEZ, 2014, [s.p.]). 

 Para Conversar

As teologias indígenas de hoje não têm sua origem imediata na consciência crítica
sobre a realidade de opressão sofrida pelos pobres, uma vez que elas existiram em
contextos que não são de opressão.

De acordo com a frase acima, você considera que a religião pode/deve discutir sobre a
realidade de opressão ou seria desvirtuar-se de sua origem?

Por fim, apresenta alguns desafios para as teologias indígenas, destacando desde os problemas
enfrentados pelos povos indígenas em seus contextos diários, como o desafio de ser aceita e não
perseguida.

“São muitos os desafios que a teologia indígena enfrenta como vertente teológica dentro e fora das
Igrejas. A agressão aos povos originários aumentou muito, porque a globalização do mercado cobiça
os recursos naturais (terra, florestas, petróleo, minerais, água, vento) que se encontram em territórios
indígenas. Isto colocou novamente os povos no olho do furacão da avançada colonial e neoliberal e
não parece haver poder humano que possa deter este avanço. Em consequência, a luta indígena atual
está marcada por esse desejo dos poderosos para exterminar os povos a fim de se apoderar de seus
bens. E a única força maior que estes povos têm para enfrentar este avanço é precisamente sua
teologia, que lhes serviu no passado para superar as crises que tiveram. Com esta teologia, tanto em
sua vertente inteiramente indígena como em sua vertente cristã, os povos abrem caminho para si e
abrem caminhos na sociedade envolvente e nas Igrejas pensando não apenas no bem do seu grupo
humano particular, mas no bem de toda a humanidade e do planeta.”

- (LÓPEZ HERNÁNDEZ, 2014, [s.p.]). 

 Para Refletir 

KUXAÁN SÚUM, a corda da vida


Mito Maia Profecia Maia transcrita por Atilano Cevallos

Dizem que, entre as palavras que profetizou, preanunciou estas: Acontecerá que uma corda
muito comprida vai unir os povos entre si. Esta corda unirá Maní com T-hó e a muitos outros
lugares. Contam que no interior duma caixa quadrada achada numa cova d’água em
Xcabachén de Maní encontraram uma corda e que esta corda foi levada até T-hó. A corda foi
tirada daquela caixa, mas quando quiseram guardá-la de novo no seu interior, não
conseguiram. E por isso decidiram cortá-la no meio. E onde cortaram, jorrou sangue.
Tentaram guardar uma das duas metades na caixa. Contudo, não conseguiram. Então
partiram a metade pelo meio e de novo jorrou sangue no corte. Também não conseguiram
guardá-la. Fizeram com o outro pedaço a mesma coisa e não conseguiram guardá-la na
caixa. E seguiram cortando a corda, porém nenhum pedaço da corda conseguia caber na
caixa e sempre seguia jorrando sangue nos cortes. Dizem que a corda viria a ser um elo
gerador, o qual seria dividido em tantas partes quantos os povos que teria que unir.

 A comunidade interpreta

• A mulher – simbolizada na profetiza – terá uma palavra de alento e esperança; será


fundamental sua presença.

• O mundo inferior, representado pela cova com água, não será um lugar de castigo,
mas origem da esperança de uma nova vida.

• Há vida em cada um dos quatro pontos cardeais. A quadratura da caixa nos lembra
este conceito.

• Para que exista esta vida, temos que estar dispostos a dar o melhor de nós. A corda
que sangra nos recorda os ancestrais que ofereceram seu sangue, alimento vital para a
cosmovisão indígena. Nós, Maias do Iucatan, fomos repetidamente “cortados” com a
finalidade de nos fazer esquecer as nossas crenças, a nossa língua e todo o passado
glorioso que herdamos dos nossos antepassados.

Tentaram cancelar e queimar a nossa memória. Nós, Maias do Iucatan, assistimos


angustiados à castração do Sol e vimos as nossas flores murchar e, com elas, as nossas
vidas; sem dúvida lutamos teimosa e incansavelmente para manter a unidade entre as
famílias e os povos, e resistimos a tantas ameaças do neoliberalismo. 

Lutamos, com os outros Povos Indígenas, para que sejamos reconhecidos como
índios; exigimos respeito para cada etnia, cada povo. Temos direito à nossa própria e
específica identidade: formas de governo, língua, comida, vestuário... 

Sabemos que a diversidade não é obstáculo à luta conjunta entre etnias e povos. O
liberalismo hoje, e o poder colonial ontem, tentaram de todo jeito cortar por completo
e para sempre a nossa memória. Mas nós conseguimos conservar as nossas raízes,
apesar de que à custa de muito sangue. Mas de nossas veias abertas brotou a vida e a
esperança para os homens e mulheres dos nossos povos. 

É a nossa luta pela vida que dá força e alimenta nossas comunidades e confirma a
nossa convicção de que é possível não somente uma união étnica continental, mas
também universal. A nossa maior contribuição às outras culturas será transmitir a
certeza de que na Casa Grande tem lugar para todos. 

(ZANNONI; BARROS; RUFALDI, 2003, p. 182-183)

C O NT I NU E
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Resumo da Webaula 2

Uma proposta nova, com menos de três décadas de existência, mas que veio para ficar. Ela aproxima,
relaciona e anima os povos indígenas da América, cada um a sua maneira, a manifestarem-se. Não é
uma teologia excludente, com um único Deus e uma única verdade, mas o resultado de encontros de
diferentes, de encontros plurais unidos pela vontade e necessidade de celebrar a vida, de anunciar
outras formas de conceber a humanidade/natureza e vivenciá-la. Alguns povos como ritos
semelhantes aos cristãos, com líderes religiosos ordenados, outros como seus ritos fundamentados
nos mitos transmitidos na oralidade. Porém, todos têm direito a manifestarem-se a sua maneira,
porque há elementos que unificam a todos. O primeiro a cosmologia e cosmogonias desses povos,
bastante semelhantes entre si. O segundo elemento é o rompimento com a colonialidade, que se
manifesta e se materializa na imposição do cristianismo sobre esses povos, na insistência para que
modifiquem suas práticas socioculturais e para que se submetam cada vez mais aos ditames do
capitalismo. 

A integralidade das teologias indígenas está na relação com a terra, como seus territórios, com seus
espaços sagrados. A terra converte-se na espacialidade encarnada, viva, que mais do que um lugar é
uma forma de estar no mundo, de relacionar-se com o meio e com as coletividades. Sem a terra os
povos indígenas perdem sua principal sustentação cultural, porque ao longo do espaço sagrado
coletivo são mais um indivíduo no planeta. A vida celebrada coletivamente valoriza a vida e não as
coisas materiais.

C O NT I NU E
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Referências

BARTOLOMÉ, Miguel Alberto. As etnogêneses: velhos e novos papéis no cenário cultural e político.
Mana, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, abr. 2006

BONIN, Iara. Cosmovisão indígena e modelo de desenvolvimento. 2015. Disponível em:


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LÓPEZ HERNÁNDEZ, Eleazar. Entrevista ao IHU On-Line. Setembro de 2014. Disponível em:
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Acesso em: 4 mar. 2019.

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MINDLIN, Betty e narradores indígenas. Mitos Indígenas. São Paulo: Ática, 2006. 

PREZIA, Benedito. Caminhada na luta e na esperança. Retrospectiva dos últimos 60 anos de


Pastoral indigenista e dos 30 anos do Cimi. São Paulo: Loyola, 2003.

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VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é. 2006.
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ZANNONI, Claudio; BARROS, Cláudio Zannoni Maria; RUFFALDI, Nello (Org.) ...e Tonantzin veio morar
conosco. In: ENCONTRO CONTINENTAL DE TEOLOGIA ÍNDIA, 4., 2002. Anais... Belém: Cimi; AELAPI,
2003. v. 2.

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Créditos

Reitora Design Instrucional


Profª. Ma. Marcia Cristina Sardá Espindola Profª. Drª. Clarissa Josgrilberg Pereira
Prof. Dr. Maiko Rafael Spiess
Prof. Ms. Francisco Adell Péricas
Vice-Reitor
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Prof. Dr. João Luiz Gurgel Calvet da Silveira

Revisão Textual
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Ensino Médio e Profissionalizante
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Prof. Dr. Romeu Hausmann

Roteirização
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Divisão de Modalidades de Ensino
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Coordenador Geral
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Profª. Drª. Clarissa Josgrilberg Pereira
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Professores Autores
Diagramado por Guilherme Manerich, Nicole Sassella e
Clóvis Antonio Brighenti
Laura Cristina Zorzo em 11 de Jul 2022.
Osmarina de Oliveira 

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