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Religiosas Indígenas
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IN TR ODUÇÃO
Introdução à Webaula 2
TÓPICO 1
TÓPICO 2
TÓPICO 3
TÓPICO 4
A Teologia Indígena Por Seu Idealizador
R ESUMO
Resumo da Webaula 2
R EFER ÊN CIAS
Referências
Créditos
Lição 1 de 8
Introdução à Webaula 2
Na década de 1990, as igrejas cristãs (católicos e protestantes históricos) haviam acumulado bastante
experiência de novas abordagens com os povos indígenas. Não mais a evangelização por conversão,
mas o diálogo inter-religioso.
Ocorre que para muitos povos indígenas da América Latina, a religião que professavam era sincrética
entre a cristã e suas crenças tradicionais, muitas vezes adaptadas, traduzidas e ressignificadas para seu
universo cosmológico; porém, não se poderia afirmar que era uma religião “totalmente autóctone”,
tampouco cristã. Era resultado de um processo sincrético seja por opção do povo, negociação ou por
imposição. Gerações que nasceram e cresceram em contextos de mudanças não tinham como fazer
caminhos de volta, porque não existia mais ponto de origem.
Diversos povos indígenas nesse continente são resultados de processos que a antropologia define
como “etnogênese”, ou seja, povos que não existiam no marco temporal do ano 1500, e que passaram
a surgir no decorrer do processo colonial ou pós-colonial. Em muitos aldeamentos e missões eram
levados dezenas de povos diferentes, no decorrer das décadas cada um foi deixado parte de suas
tradições e incorporando um pouco das demais, inclusive do catolicismo. Com o passar das gerações
surge um novo povo, resultado do processo sincrético, mas não por isso menos autóctone nem
“verdadeiro”.
Saiba Mais
O antropólogo Miguel Bartolomé (2006, [s.p.]) observa que a etnogênese não é resultado apenas da
miscigenação, mas de novas identificações de povos, ou seja, povos que eram conhecidos por outros
nomes, ou mesmo formavam outros agrupamentos humanos e que modificaram ao longo das
décadas:
“Não existiam no passado, portanto, as ‘nações’ Wichí ou Toba do Grande Chaco, Mapuche do sul dos
Andes, Aymara do planalto boliviano, Nahua do México ou tupi-guarani das florestas tropicais, tal
como as entenderiam as óticas nacionalistas oitocentistas, mas sim grupos etnolingüísticos
internamente diferenciados em grupos étnicos organizacionais, entendidos como comunidades
identitárias exclusivas, que podiam não ter maiores relações entre si. Por isso, os rótulos etnicos
generalizantes, ao delimitarem etnias classificatórias, como Guarani, Quéchua, Maia, Zapoteco, Toba ou
Mataco, sobretudo eram, e são, atribuições identitárias externas em vez de etnônimos próprios,
embora agora mesmo os indígenas possam recorrer a eles para se designarem como coletividades
inclusivas e exclusivas.”
“A partir de certo momento, porém, esse povo começou a se reinventar, criando uma cultura artificial:
começaram a imitar uma arquitetura de que só conheciam ruínas ou em velhos escritos, faziam
traduções vernáculas de textos em línguas mortas a partir de traduções em outras línguas, tiravam
conclusões delirantes, inventavam tradições esotéricas perdidas... Como se sabe, esse processo, que se
passou na Europa ali mais ou menos entre os séculos XIV a XVI, ganhou o nome de Renascimento. O
Ocidente moderno principia ali. O que é o Renascimento? Os europeus – mistura étnica confusa de
germânicos e celtas, de itálicos e eslavos, que falam línguas híbridas, muitas vezes pouco mais que um
latim mal falado (isto é, o latim tal qual falado em tal ou qual região da Europa, diria Saussure), crivado
de barbarismos, praticando uma religião semita filtrada por um equipamento conceitual tardo grego,
e assim por diante [...]. Erguem templos, casas, palácios imitativos, escrevem uma literatura que se
refere privilegiadamente a esse mundo, uma poesia imitando a poesia grega, esculturas que imitam as
esculturas gregas. Lêem Platão de modos inauditos, pouquíssimos gregos, imagina-se. Enfim:
inventam, e assim se inventam. E Sahlins conclui: pois é, quando se trata dos europeus, chamamos
esse processo de Renascimento. Quando se trata dos outros, chamamos de invenção da tradição.
Alguns povos têm toda a sorte do mundo.”
Para Refletir
Será que existe um povo que seja totalmente “puro”, sem nunca ter passado por
processo de trocas culturais com outros povos? É possível uma sociedade humana se
isolar no tempo e no espaço de modo a jamais ter contato/troca com outros
humanos? As trocas culturais são benéficas ou prejudicais aos povos?
Essa breve explanação é apenas para realçar que os contatos entre sociedades são geradores de
mudanças e gastadoras de novas interpretações. Mas nem todas as relações são benéficas a ambos.
Na América, os povos indígenas foram violentamente forçados a mudar, o que modificou
drasticamente o conceito de contato e mudanças. Apesar de a igreja desejar converter os indígenas em
cristãos, ela não aceitava a ordenação de padres e irmãs provenientes dos povos indígenas.
Essa breve explanação é apenas para realçar que os contatos entre sociedades são geradores de
mudanças e gastadoras de novas interpretações. Mas nem todas as relações são benéficas a ambos.
Na América, os povos indígenas foram violentamente forçados a mudar, o que modificou
drasticamente o conceito de contato e mudanças. Apesar de a igreja desejar converter os indígenas em
cristãos, ela não aceitava a ordenação de padres e irmãs provenientes dos povos indígenas.
No processo de construção e consolidação da teologia indígena estão envolvidos povos que mantêm
seus universos religiosos cosmológicos com pouca interferência do cristianismo, os novos povos
surgidos da violência (experiência) colonial, bem como povos e pessoas que se identificam como
indígenas/cristãs.
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“[...] elaboração de uma nova expressão autóctone da fé e vida cristã baseada na redescoberta,
apropriação e avaliação das experiências e expressões religiosas e culturais dos povos originários da
América. Procura explicitar o que, durante séculos, tem sido mantido escondido, além das expressões
‘oficiais’ (e europeias) da fé católica.”
Portanto, é um movimento dos povos indígenas, na diversidade indígena contemporânea na América
Latina. É um processo que envolve prioritária e fundamentalmente os povos indígenas, contando
também com colaborados de diferentes denominações cristãs que atuam com esses povos.
A teologia indígena é um movimento que ainda não está popularizado, em partes porque os povos
indígenas participam com menos de 10% da população total da América Latina e estão distribuídos em
cerca de quinhentos povos, com suas particularidades e desafios econômicos de reunir-se e articular
conjuntamente o tema, em partes pelo receio que essa proposta carrega e a ambição de desejar
romper com as práticas de violência histórica que não respeitavam as culturas e religiões de povos
indígenas. Também se relaciona com estranhamentos de intelectuais que acreditam que fazer teologia
é algo exclusivo das ciências e que as mitologias indígenas estão em outro campo de saber, patamar
inferior às ciências, portanto não podem ser consideradas teologias.
Por fim, é um tema novo, um novo campo de disputas e conflitos, mas prenhe de saberes e vontade
de fazer o novo, produzir novas relações e quem sabe uma nova igreja. O termo mais correto a ser
aplicado é teologias indígenas, no plural, incorporando a diversidade dos povos da américa e tratando-
os como indígenas, autóctones, originários, ao contrário de “índios”, que é resultado de erro histórico.
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Lição 2 de 8
O surgimento das teologias indígenas está intimamente relacionado ao surgimento das Pastorais
Indigenistas nos países latino-americanos a partir dos anos 1970, fortemente impulsionadas pela
abertura política promovida pela Conferência Episcopal de Medellín (1968).
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O Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), criado em 1955, com sede em Bogotá (Colômbia), foi
o impulsionador dos encontros de pastorais indigenista dos diferentes países latino-americanos, num
período em que o historiador Benedito Prezia (2003) denomina de fase da transição (1965-1971), muito
embora nesse período não havia pastoral indigenista nos países, eram encontro de pessoas religiosas,
bispos, padres, alguns leigos. Não havia pastorais articuladas nos países, dessa forma os encontros
organizados pelo CELAM foram fundamentais. O primeiro deles foi em Melgar, na Colômbia em abril de
1968; o segundo foi no mês de setembro de 1969, em San Antonio de los Altos (Venezuela). Em janeiro
de 1970 ocorreu o encontro em Xicotepec, no México. Posteriormente ocorreu o encontro em Iquitos,
na selva peruana em março de 1971. No documento final do encontro, os participantes declaram que:
“Continuaremos afirmando que o pluralismo cultural dos povos amazônicos, evidentemente, não
representa um obstáculo para as sociedades nacionais, mas um verdadeiro enriquecimento. Sua
aceitação é a única garantia de que as nações podem integrar-se dentro de uma comunidade mundial,
sem perder sua autonomia e individualidade.”
Posteriormente aos encontros, começam a surgir “pastorais indigenistas” por países. Algumas são
criadas na perspectiva assistencial ou mesmo como um espaço de assessoria, convertendo-se
posteriormente em organizados ativos em defesa das teologias indígenas. No México é criado o Centro
Nacional de Ayuda a las Misiones Indígenas (Cenami) ainda em 1962, porém como organização do
Episcopado Nacional, Comisión Episcopal para Indígenas, apenas a partir de 1968. No Brasil é criado o
Conselho Indigenista Missionário em 1972. No Paraguai, ainda nos finais dos anos 1960, é criado o
Departamento de Misiones (DM), em 1976 mudaram para Equipo Nacional de Misiones (ENM) e após a
reforma da Comissão Episcopal Paraguai, em 1994, apareceu como Coordinación Nacional de Pastoral
Indígena (CONAPI). A partir de final dos anos 1970 na Argentina é criada a Equipo Nacional de Pastoral
Aborigene (Endepa). As igrejas evangélicas históricas também criaram suas organizações, como o
Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN), criado em 1982, vinculado à Igreja Evangélica de
Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e que, atualmente, é um dos programas da Fundação Luterana de
Diaconia (FLD), a partir da sua incorporação, em 2018. Em 1978, as igrejas evangélicas históricas e a
católica criaram o Grupo de Trabalho Missionário Evangélico (GTME) – organização não governamental
de caráter indigenista e ecumênico, com a finalidade de promover o diálogo entre as igrejas na atuação
com povos indígenas. Formalmente, o GTME encerrou suas atividades em julho de 2012. Em âmbito
continental, as diferentes organizações e organismos das igrejas com os povos indígenas criaram a
Articulação Ecumênica Latino Americana da Pastoral Indígena (Aelapi), como um espaço de pensar
junto às ações, não necessariamente como estrutura.
Uma característica desse período é que os indígenas pouco participavam, eram pastorais
“indigenistas”, ou seja, de não indígenas para indígenas. Por outro lado, as organizações indígenas
foram bastante incentivadas, apoiadas e assessoradas por essas pastorais.
Prezia (2003) fala da terceira fase, definida por ele como “fase do diálogo inter- -religioso”, que inicia no
final dos anos 1980 e que vai ser a grande impulsionadora das teologias indígenas.
Importante
Nos anos 1990, começam então os encontros de teologia indígena, bem como as formulações teóricas,
teológicas e pastorais do sentido e significado dessa nova teologia, seu alcance e significado para a
diversidade de povos indígenas. Estamos, nesse momento, ainda de tomada de consciência das
interpelações teológicas relacionadas com os povos indígenas.
As teologias indígenas são tributárias da teologia da libertação, porém com um olhar específico para as
diferentes manifestações religiosas do continente. Libertação para os indígenas é também libertar-se
do colonialismo religioso, é romper com as velhas amarras que afirmavam que suas crenças não eram
verdadeiras, que seus mitos eram lendas e que fora do cristianismo não havia salvação. Salvação que
para os indígenas não significa romper com o “pecado original”, uma vez que seus mitos não possuem
essa dimensão, mas salvar-se do jugo colonial, da violência do tempo presente e construir caminhos
próprios.
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Juan F. Gorski (1998, p. 16-18), com base no trabalho de López Hernández (1992), apresenta algumas
características da teologia indígena, que passamos a transcrever a seguir numa tradução livre do
espanhol:
Juan F. Gorski (1998, p. 16-18), com base no trabalho de López Hernández (1992),
apresenta algumas características da teologia indígena, que passamos a transcrever a
seguir numa tradução livre do espanhol:
É uma teologia integral. Não vem de uma visão segmentar da vida dos povos indígenas,
isolando “os religiosos” dos outros elementos da cultura. Procure em todos os aspectos
da vida cultural como a experiência do Deus vivo se manifesta;
“Teologia indígena” não é tanto uma tarefa para o futuro como uma realidade, e
existente na vida da cidade: “não é necessário criá-la, mas reconhecê-la e fomentá-la”. A
tarefa é dar o seu lugar no concerto de vozes humanas que abençoam o Senhor;
Fala-se de uma “teologia indígena” no singular, e não de várias “teologias indígenas” no
plural, porque é um projeto conjunto daqueles que, coletivamente, foram designados
como “índios” desde 1492. Para, na conquista, a própria identidade dos diversos grupos
étnicos que não foram reconhecidos ou respeitados;
Este projeto teológico, como luta pela dignidade e pelos direitos povos oprimidos e
dominados, é identificado como parte de “teologia latino-americana da libertação”. Mas
não se limita a resistência; procura um futuro em que “os estereótipos sejam totalmente
demolidos e, sem máscaras de qualquer espécie, nossos povos surjam com seus próprios
rostos libertados: [...] uma gama plural de teologias indianas, [...] irmãs entre si e com as
outras teologias do mundo”;
“A questão nos choca, porque estamos divididos internamente por um duplo amor: amamos nosso
povo e acreditamos em seu plano de vida, mas também amamos a Igreja e acreditamos em seu plano
de salvação. [...] Estamos convencidos de que é possível, e vale a pena, reconciliar os dois amores,
porque sabemos que existe uma contradição insuperável entre as abordagens fundamentais da Igreja,
que são os mesmos de Cristo, e as abordagens teológicas de nossos povos. Os anseios mais profundos
do nosso povo são também os anseios mais profundos de Cristo. As diferenças estão na forma, não no
conteúdo. Além disso, muitos desses conteúdos são mais contidos em nosso povo, pela limpeza do
coração dos pobres, e, neste sentido, acreditamos que o diálogo teológico não é apenas benéfico para
os povos indígenas, mas enriquecedor para a Igreja, através dos índios, se reunirá com a mais pura
tradição cristã.”
Insiste-se que para tornar-se cristã, a teologia indígena não precisa renunciar o seu caráter
autóctone, seu conteúdo mítico e simbólico, seu método integral, e ao seu sujeito
coletivo. Afirma-se que “o autenticamente humano é também autenticamente Cristão” e,
assim, uma teologia autenticamente indígena... é também autenticamente cristã; nosso
trabalho não consiste em vestir a teologia indígena do cristianismo, mas mostrar seu
significado profundamente cristão, pois Cosmovisões e Narrativas Indígenas 37 a
compatibilidade entre a fé cristã e a fé indígena é semelhante. É mais, para os indígenas, a
fé cristã deve necessariamente passar pela nossa fé indígena.
Reflita
Você conhece algum mito das sociedades cristãs? Será que as sociedades ocidentais
ainda são influenciadas por seus mitos ou eles são apenas lendas sem sentido prática
no cotidiano?
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Lição 4 de 8
Uma característica comum dos povos indígenas na América Latina é a visão integral do universo em
contraposição à visão fragmentada das sociedades ocidentais. Ruffaldi (2003) observa que os povos
indígenas possuem uma visão integrada entre mente, coração e vida. As teologias indígenas
conversam essa integralidade, ao passo que o ocidente está acostumado a separar e abstrair.
“A Revelação e a Bíblia, pelo menos até o Concilio Vaticano II, se reduziram a conjuntos de verdades
elaboradas em tratados de teologia para os letrados e em catecismos para o povo. Dessa maneira é
possível professar e ensinar a verdade, sem amá-la e nem praticá-la. Assim os escravos eram
catequizados pelos senhores. ”
Mulheres, homens e natureza andam juntos, observa Ruffaldi (2003). “Tudo está inter-relacionado. Por
isso, num relato sobre a origem da realidade incluem-se as estrelas, as pessoas, as coisas da terra, as
culturas, a economia, a ética, a presença de Deus.” (IRARRAZAVAL apud RUFFALDI, 2003, p. 20).
Diferentemente da mitologia ocidental expressa no livro de Gênesis, nas mitologias indígenas não há
hierarquização entre humanos e natureza. Da mesma forma que a visão de Deus não é
antropocêntrica, como a ocidental. É comum ouvirmos, de diferentes povos indígenas, que para retirar
a mata para o cultivo, retirar madeira para construção de casas ou outras benfeitorias, necessitam,
antes, entrar em contato com os espíritos da natureza, pedir permissão dos espíritos e apenas após
realizados o ritual, com muito respeito acessar os recursos. Os animais recebem o mesmo tratamento.
É comum também, ouvirmos de diferentes povos, que o caçador, em sinal de respeito ao espírito do
animal abatido, não se alimenta de sua carne, apenas a oferece aos demais. Essa relação em muito se
difere de nossa prática utilitarista da natureza. Mesmo entre os ocidentais, setores do ambientalismo
defendem a preservação da natureza muitas vezes por uma visão egoísta, porque sabem que se a
natureza for destruída também o seremos, mas jamais é defendida porque ela é portadora de direitos
de viver, possuem espíritos como os humanos. Em muitos sentidos, a visão ocidental, nossos mitos de
origem, foram modificados para dar conta do modelo depredador capitalista, ou seja, ressignificação
38 Cosmovisões e Narrativas Indígenas intencional de nossos mitos. Coisificar a natureza nos ajuda a
não padecermos de culpa por nossas ações depredadoras.
“O respeito aos semelhantes, a partilha, a hospitalidade e a convivência são virtudes ecológicas e não
simplesmente humanas. Assim como quem fere a terra fere os filhos da terra, quem fere a semelhante
atenta contra Deus. A percepção do mundo é muito mais avançada e hoje, se queremos que a terra
sobreviva, temos que aprender dos povos indígenas o respeito para com ela. A terra, a água, o ar, são
uma dádiva de deus para toso e não mercadora a ser explorada e destruída em proveito da ganância
de alguns. Enfim, as Teologias Índias são um prato cheio, um tesouro precioso do qual podemos nos
alimentar e confrontar em vista de rever nossa maneira de crer, de nos relacionar e viver.”
Para Refletir
“Do ponto de vista ocidental e centrado na razão europeia, as formas de conhecimento e de expressão
indígenas estariam em desvantagem, pois ainda seriam vistas como menos complexas, menos
científicas, mais primitivas. Deste ponto de vista, seriam lógicas superadas, que deveriam ceder lugar à
verdadeira razão e à verdadeira ciência. Mas, na atualidade, diversos campos das Ciências Sociais têm
realizado uma crítica a esse tipo de raciocínio que coloca a vida indígena como obsoleta. Também
questionam a noção de que haveria um caminho único a trilhar rumo ao desenvolvimento da ciência,
que respalda também a ideia de que existe uma solução única para a promoção do desenvolvimento
econômico de um país. A crítica principal dos cientistas sociais é direcionada à racionalidade econômica
que afirma a primazia total do mercado e que, assim, coloca em segundo plano o bem estar das
pessoas e a proteção do meio ambiente. A lógica do mercado é a que sustenta os atuais projetos e
medidas governamentais. A partir dessa lógica, tudo se converte em recurso – a natureza, o ser
humano, o conhecimento, a criatividade no trabalho, tudo pode ser capitalizado para se tornar
lucrativo. A expressão mais potente dessa lógica mercantil é a ideia de que só existe uma ordem social
desejável, um único modelo de desenvolvimento possível.”
As teologias indígenas unificam mito, rito e vida. Uma importante chave de leitura para conhecer e
compreender as teologias indígenas é conhecer seus mitos. Eles falam de um passado remoto, mas o
objetivo central é orientar a vida no presente, por Cosmovisões e Narrativas Indígenas 39 esse motivo
estão sempre sendo ressignificados e reinterpretados, justamente para responder as inquietações do
presente. Diz Ruffaldi (2003, p.18) que “[...] mito, rito e vida apontam para o futuro, animam a
esperança, renovam a segurança coletiva [...]. Mais uma vez o que se pensa, o que se celebra, o que se
vive andam juntos, formam um todo harmônico em que o povo se encontra e se situa.” Cita como
exemplo o ritual Gijatun do povo Mapuche, que é uma forma de reestabelecer a ordem quebrada. É
um ritual que reconstrói a ordem e exige um compromisso de toda comunidade.
Para Assistir
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Lição 5 de 8
Um protagonistas e principal porta-voz das teologias indígenas é o padre católico Eleazar López
Hernández, do povo Zapoteco, no México, um membro ativo da Asociación Ecuménica de Teólogos del
Tercer Mundo (ASETT). Não é exagero dizer que ele seja o idealizador, mas certamente foi um deles e
um dos maiores incentivadores desse pensamento. Em entrevista à revista do Instituto Humanitas
Unisinos (2014), de maneira didática, López Hernández destaca diversos aspectos das teologias
indígenas que ainda geram dúvidas.
Inicialmente ele afirma e reafirma que as teologias indígenas são latino- -americanas, como concepção
e teorização:
“A chamada ‘teologia indígena’ na América Latina é o que resta das teologias originárias dos povos que
habitavam este continente antes da chegada dos europeus, os quais, ao conquistar e dominar estes
povos, chamaram-nos de ‘índios’, como sinônimo de vencidos que deviam ser sujeitados à lógica do
vencedor. De modo que estamos falando de algo que não é novo, mas muito antigo nestas terras.
Durante toda a época colonial, esta teologia dos povos ameríndios foi atacada sistematicamente para
erradicá-la e, assim, implantar o cristianismo. Mas ela sobreviveu nos redutos de vida destes povos. E,
nos últimos 50 anos, indígenas 40 Cosmovisões e Narrativas Indígenas convertidos à fé cristã a
retomamos, em um primeiro momento reconhecendo e enfatizando sua situação ‘indígena’ para, a
partir daí, ir libertando-a deste condicionamento negativo a fim de que mostre para o futuro toda a
sua vitalidade de teologia da vida para a vida. Este esforço intraeclesial leva-nos a exigir que seja
valorizada e que se dê a ela o lugar que merece tanto em sua expressão autônoma fora das Igrejas
como também dentro delas. E que aceite o desafio e a oportunidade de reparar erros do passado e
construir outros modos de ser Igreja com a capacidade de incorporar em seu interior a diversidade
humana e teológica, assumindo as novas contribuições dos povos mais antigos deste continente. ”
Chama atenção para a pluralidade de expressões das teologias indígenas, porém percebe que há
elementos convergentes entre as diferentes expressões:
“[...] pois a diversidade de povos que sobrevivem ao impacto, primeiro, do modelo colonial, depois do
capitalista e agora da globalização neoliberal é muito grande e cada um tem acentos particulares em
sua luta para sobreviver e construir possibilidades de futuro digno. No entanto, em base aos encontros
amplos que tivemos recentemente para compartilhar experiências e ideias, nos damos conta de que
existem certos elementos que podem ser considerados como núcleo das teologias indígenas de hoje e
que são compartilhados com os demais, dentro e fora das Igrejas, e que são como as flores de nossos
povos: a maneira de entender e relacionar-se com Deus como Mãe-Pai de tudo o que existe; a maneira
de entender e relacionar-se com os seres humanos como colaboradores de Deus e irmãos entre nós; a
maneira de entender a natureza como expressão tangível de Deus e como o grande receptáculo ou
matriz da vida, onde os humanos desfrutam desta vida em solidariedade e responsabilidade com os
demais seres da criação.
As teologias indígenas de hoje incluem tanto um enfoque de libertação de qualquer estrutura que
oprime as pessoas e povos, e que continua a fazer indígenas os descendentes dos povos mais antigos
e também outros, como uma proposta de construção de novas sociedades, onde caibam todos com as
suas identidades particulares e, sobretudo, com a dignidade que todos merecem como filhos de Deus
e irmãos entre nós”
“A vertente chamada ‘Teologia Indígena’ distingue-se de outras vertentes teológicas cristãs porque tem
sua raiz e origem antes e fora do cristianismo, e pode prosseguir seu caminho sem relação com a fé
cristã. Mas ela foi introduzida nas Igrejas por indígenas cristãos para interagir com a proposta teológica
que existe nas Igrejas, uma vez que, com a teologia indígena, muitos membros dos povos indígenas
receberam a fé cristã e com ela refletem esta nossa fé em Cristo. De modo que isso dá à nossa teologia
e à vivência cristã um caráter especial como compreensão e vivência da fé com as categorias próprias
dos povos indígenas. Esta teologia pode enquadrar-se no que agora se chama de inculturação do
Evangelho de Cristo.
Mas a teologia indígena é também uma proposta que os indígenas fazem para o resto da sociedade e
das Igrejas assinalando que a cosmovisão e os valores dos povos podem ser uma alternativa de vida
para toda a humanidade; com Cosmovisões e Narrativas Indígenas 41 estes valores, que já foram
vividos pelos antepassados, podemos projetar juntos – indígenas e não indígenas – sociedades que
superem as causas estruturais da crise atual. E também Igrejas que vão além do esquema colonial
monocultural, em que se encontram atualmente, para serem verdadeiramente inculturadas e
interculturais, onde as periferias tenham espaço sem que sua dignidade e identidade própria sejam
menosprezadas. ”
“As Teologias Indígenas de hoje não têm sua origem imediata na consciência crítica sobre a realidade
de opressão sofrida pelos pobres, uma vez que elas existiram em contextos que não são de opressão.
No entanto, enquanto atualmente são teologias marcadas pelo ‘índio’ como categoria colonial que
persiste, elas se ativam agora com uma carga forte de libertação, por serem teologias de resistência ao
mal que se impôs há mais de 500 anos. No entanto, a contribuição maior das teologias indígenas tem a
ver com o futuro que é preciso construir. É aqui que as utopias de futuro (como a Terra sem Males dos
Guarani ou o Sumak Kawsay dos andinos) têm uma força muito grande para inspirar os contornos
desse outro mundo possível que muitos desejam e que de muitas maneiras os povos indígenas ainda
vivem em seus redutos de vida. A salvação que Cristo ganhou para nós com sua morte e ressurreição e
que se concretiza na proposta do Reino ou Reinado de Deus coincide maravilhosamente com os
sonhos de futuro de muitos povos indígenas. De modo que, para os povos indígenas identificados com
sua cultura e convertidos à fé cristã, construir o Reino de Deus passa também pela construção de suas
utopias ou de sonhos de futuro. ”
Para Conversar
As teologias indígenas de hoje não têm sua origem imediata na consciência crítica
sobre a realidade de opressão sofrida pelos pobres, uma vez que elas existiram em
contextos que não são de opressão.
De acordo com a frase acima, você considera que a religião pode/deve discutir sobre a
realidade de opressão ou seria desvirtuar-se de sua origem?
Por fim, apresenta alguns desafios para as teologias indígenas, destacando desde os problemas
enfrentados pelos povos indígenas em seus contextos diários, como o desafio de ser aceita e não
perseguida.
“São muitos os desafios que a teologia indígena enfrenta como vertente teológica dentro e fora das
Igrejas. A agressão aos povos originários aumentou muito, porque a globalização do mercado cobiça
os recursos naturais (terra, florestas, petróleo, minerais, água, vento) que se encontram em territórios
indígenas. Isto colocou novamente os povos no olho do furacão da avançada colonial e neoliberal e
não parece haver poder humano que possa deter este avanço. Em consequência, a luta indígena atual
está marcada por esse desejo dos poderosos para exterminar os povos a fim de se apoderar de seus
bens. E a única força maior que estes povos têm para enfrentar este avanço é precisamente sua
teologia, que lhes serviu no passado para superar as crises que tiveram. Com esta teologia, tanto em
sua vertente inteiramente indígena como em sua vertente cristã, os povos abrem caminho para si e
abrem caminhos na sociedade envolvente e nas Igrejas pensando não apenas no bem do seu grupo
humano particular, mas no bem de toda a humanidade e do planeta.”
Para Refletir
Dizem que, entre as palavras que profetizou, preanunciou estas: Acontecerá que uma corda
muito comprida vai unir os povos entre si. Esta corda unirá Maní com T-hó e a muitos outros
lugares. Contam que no interior duma caixa quadrada achada numa cova d’água em
Xcabachén de Maní encontraram uma corda e que esta corda foi levada até T-hó. A corda foi
tirada daquela caixa, mas quando quiseram guardá-la de novo no seu interior, não
conseguiram. E por isso decidiram cortá-la no meio. E onde cortaram, jorrou sangue.
Tentaram guardar uma das duas metades na caixa. Contudo, não conseguiram. Então
partiram a metade pelo meio e de novo jorrou sangue no corte. Também não conseguiram
guardá-la. Fizeram com o outro pedaço a mesma coisa e não conseguiram guardá-la na
caixa. E seguiram cortando a corda, porém nenhum pedaço da corda conseguia caber na
caixa e sempre seguia jorrando sangue nos cortes. Dizem que a corda viria a ser um elo
gerador, o qual seria dividido em tantas partes quantos os povos que teria que unir.
A comunidade interpreta
• O mundo inferior, representado pela cova com água, não será um lugar de castigo,
mas origem da esperança de uma nova vida.
• Há vida em cada um dos quatro pontos cardeais. A quadratura da caixa nos lembra
este conceito.
• Para que exista esta vida, temos que estar dispostos a dar o melhor de nós. A corda
que sangra nos recorda os ancestrais que ofereceram seu sangue, alimento vital para a
cosmovisão indígena. Nós, Maias do Iucatan, fomos repetidamente “cortados” com a
finalidade de nos fazer esquecer as nossas crenças, a nossa língua e todo o passado
glorioso que herdamos dos nossos antepassados.
Lutamos, com os outros Povos Indígenas, para que sejamos reconhecidos como
índios; exigimos respeito para cada etnia, cada povo. Temos direito à nossa própria e
específica identidade: formas de governo, língua, comida, vestuário...
Sabemos que a diversidade não é obstáculo à luta conjunta entre etnias e povos. O
liberalismo hoje, e o poder colonial ontem, tentaram de todo jeito cortar por completo
e para sempre a nossa memória. Mas nós conseguimos conservar as nossas raízes,
apesar de que à custa de muito sangue. Mas de nossas veias abertas brotou a vida e a
esperança para os homens e mulheres dos nossos povos.
É a nossa luta pela vida que dá força e alimenta nossas comunidades e confirma a
nossa convicção de que é possível não somente uma união étnica continental, mas
também universal. A nossa maior contribuição às outras culturas será transmitir a
certeza de que na Casa Grande tem lugar para todos.
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Lição 6 de 8
Resumo da Webaula 2
Uma proposta nova, com menos de três décadas de existência, mas que veio para ficar. Ela aproxima,
relaciona e anima os povos indígenas da América, cada um a sua maneira, a manifestarem-se. Não é
uma teologia excludente, com um único Deus e uma única verdade, mas o resultado de encontros de
diferentes, de encontros plurais unidos pela vontade e necessidade de celebrar a vida, de anunciar
outras formas de conceber a humanidade/natureza e vivenciá-la. Alguns povos como ritos
semelhantes aos cristãos, com líderes religiosos ordenados, outros como seus ritos fundamentados
nos mitos transmitidos na oralidade. Porém, todos têm direito a manifestarem-se a sua maneira,
porque há elementos que unificam a todos. O primeiro a cosmologia e cosmogonias desses povos,
bastante semelhantes entre si. O segundo elemento é o rompimento com a colonialidade, que se
manifesta e se materializa na imposição do cristianismo sobre esses povos, na insistência para que
modifiquem suas práticas socioculturais e para que se submetam cada vez mais aos ditames do
capitalismo.
A integralidade das teologias indígenas está na relação com a terra, como seus territórios, com seus
espaços sagrados. A terra converte-se na espacialidade encarnada, viva, que mais do que um lugar é
uma forma de estar no mundo, de relacionar-se com o meio e com as coletividades. Sem a terra os
povos indígenas perdem sua principal sustentação cultural, porque ao longo do espaço sagrado
coletivo são mais um indivíduo no planeta. A vida celebrada coletivamente valoriza a vida e não as
coisas materiais.
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Referências
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Créditos
Revisão Textual
Pró-Reitor de Ensino de Graduação,
Ms. Wilson Guilherme Lobe Junior
Ensino Médio e Profissionalizante
Laura Cristina Zorzo
Prof. Dr. Romeu Hausmann
Roteirização
Pró-Reitor de Administração
Laura Cristina Zorzo
Prof. Ms. Jamis Antônio Piazza
Produção de Mídia
Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação,
Gerson Luís de Souza
Extensão e Cultura
Vinícius de Tofol
Prof. Dr. Oklinger Mantovaneli Junior
Professores Autores
Diagramado por Guilherme Manerich, Nicole Sassella e
Clóvis Antonio Brighenti
Laura Cristina Zorzo em 11 de Jul 2022.
Osmarina de Oliveira