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COSMOVISÃO INDÍGENA E

AFRICANA
AULA 3

Prof. Awaju Poty


CONVERSA INICIAL
Neste momento do nosso estudo sobre a “Cosmovisão dos povos
indígenas brasileiros e africanos”, abordaremos especificamente a cosmovisão
das principais nações indígenas brasileiras.

Muito importante neste nosso estudo é termos em conta que, juntamente


conosco neste imenso país no qual habitamos, vivem povos de diferentes
nações, com costumes, línguas e religiões bem diversas. São etnias das mais
contrastantes que se possa imaginar: há povos de gigantes como os Panará,
com indivíduos com mais de dois metros de altura, e Saterê-Mauê, de um metro
e meio. Temos povos ainda não contatados pela civilização colonial e aqueles
que há mais de quinhentos anos com ela convivem.

Os povos indígenas, no entanto, deixaram uma marca indelével na nação


brasileira, bem maior do que se possa imaginar à primeira vista. Trouxeram
também uma grande contribuição para a cultura mundial. Parece dizer muito
assim, mas basta citar a culinária e já se tem uma noção dessa contribuição,
pois, além de inumeráveis espécies de frutas, os povos indígenas ainda
contribuíram para a culinária com o milho e suas benfeitorias, como o fubá, a
farinha de milho e a maisena; com a mandioca e suas benfeitorias, como o sagu,
a tapioca, a farinha de mandioca e o polvilho; com o feijão e com diversos tipos
de batatas e tubérculos; com o guaraná e muitos outros alimentos que
abarcariam um compêndio especial para descrevê-las.

A própria cosmovisão de um povo indígena brasileiro impactou muito os


filósofos iluministas franceses e acabou que um pajé Kario, procedente da Ilha
do Desterro (Florianópolis, Santa Catarina), chamado Xenekeriwe, casou-se
com Emilie Rousseau, irmã do importante filósofo francês Jean Jaques
Rousseau, confirmando a imagem do “bom selvagem” cultuada pela
intelectualidade francesa da época.

Também a arte fio muito admirada e, em especial, a música que alguns


índios brasileiros dominaram com mestria a ponto de receberem inusitados
elogios como o feito pelo padre Ripário, já em 1637, que escreveu ao Provincial
de Milão: “Muitos já sabem muito bem compor música. Podem rivalizar com
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famosos músicos da Europa. Usam uma grande variedade de instrumentos”
(Pastells, 1912, p. 543).

Então, nesse contrastante universo humano, podemos encontrar índios


que ainda não foram contatados e índios que já constituíram uma república,
como é o caso da “República Comunista Cristã dos Guarani”, que perdurou do
seu início no século XVI até meados do século XVIII. Assim, apenas sobre um
dos povos indígenas brasileiros temos uma imensa biblioteca que inspirou as
mais variadas utopias como a da “República Comunista Cristã” de Clovis Lugon
(Lugon, 1968) ou a da República “Anarquista” de Bertoni e Pierre Clastres, para
apenas citar algumas (Pereira, 2010), além de obras indigenistas as mais
variadas como o romance O Guarani, de José de Alencar, e a ópera “O Guarani”,
de Carlos Gomes.

Dentro dessa escala de envolvimento com a cultura colonial há uma


variação enorme de cosmovisões e também dentro da gama plural de etnias que
compõe o que genericamente chamamos de índios brasileiros também temos
muitas visões de mundo. Porém, há elementos que a caracterizam como uma
cultura em si, em contraste com o outro, ou seja, com a cultura colonial ou, se
preferirmos outra denominação, podemos dizer cultura dominante, de consumo,
na medida em que a cultura indígena no presente ainda preserva seus elementos
fundamentais, embora pareça estar sendo assimilada cada vez mais pela cultura
dominante, seja pela força, seja pela sedução.

CONTEXTUALIZANDO
O universo indígena permeia a vida do povo brasileiro. Provavelmente o
nome de sua cidade pode ter origem indígena, ou talvez o nome do rio da sua
região ou da montanha mais destacada, ou talvez haja uma aldeia indígena
próxima ao lugar em que você vive. Então, sempre que ouvir o jornal radiofônico
“A Voz do Brasil”, saiba que está ouvindo em sua abertura “O Guarani”, de Carlos
Gomes. E, quando tomar um tchai importado da China, saiba que o componente
básico, erva-mate, é uma planta tradicional da cultura guarani e que do hábito
sagrado do povo guarani de tomar o Ka’ayu (erva-mate processada e sorvida
com uma bombinha em uma cambuca) vem o costume gaúcho de tomar
chimarrão. Quando você tomar um guaraná, lembre-se do povo que a cultivou,

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os Saterê-Mauê; e, quando comer um palmito de pupunha ou tomar um suco de
açaí, lembre-se dos povos amazônicos que os cultivaram.

Agora, se você fuma cachimbo, com o cuidado de ter nele fumo orgânico
e livre de agrotóxicos, está fazendo uso de um elemento fundamental da cultura
indígena brasileira. Isso para não adentrarmos as lendas e mitos que povoam
nosso imaginário.

Para compreendermos a psicodiversidade que compõe o povo indígena


brasileiro, dividi nosso estudo sobre sua cosmovisão em cinco tópicos. Essas
cinco questões se destacam e precisaremos respondê-las para termos o
entendimento desse tema, pois somente compreendendo e respondendo esses
conceitos poderemos nos aprofundar nesse universo de conhecimento. As
questões, no caso, são as seguintes:

1. Que relacionamento os povos indígenas têm com a terra e como


compreendem o conceito da “terra-sem-mal”?
2. Como fazem o plantio dos alimentos e qual a sua visão da agricultura?
3. Há uma unidade de entendimentos ou pluralidade de opiniões
4. A respeito da visão de mundo dentro das comunidades indígenas?
5. Até onde os cantos ainda são o depositário do saber e da memória
falada (cantada) dos povos indígenas, em face das outras mídias?
6. Como pode ser compreendido o conceito da reciprocidade entre os
povos indígenas e seu desdobramento nas relações de poder?

TEMA 1 - O RELACIONAMENTO QUE OS POVOS INDÍGENAS TÊM COM A


TERRA E O CONCEITO DA “TERRA-SEM-MAL”

Um dos principais troncos étnicos e linguísticos brasileiros sem dúvida é


o tupi-guarani. E, para se ter uma ideia do quanto já foi influente, basta dizer que
até o final do século XIX era a língua mais falada pela população brasileira e,
pela maioria da população, a única conhecida.
Segundo Taunay: “em São Paulo, até o século XVIII, falava-se guarani
nas famílias, espanhol nas ruas e somente português no trato oficial com as
autoridades governantes” (Bueno, 1983, p. 15).
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Muitos estudos antropológicos e etnológicos foram feitos sobre esse povo,
e o manancial cultural que ele nos descortina é inesgotável. Hélène Clastres fez
um estudo maravilhoso chamado “A-Terra- Sem-Mal” (Ywy Marã heym), no qual
inaugura o estudo da percepção do índio sobre a terra e seu envolvimento com
ela:

Sugerimos que o que constitui a originalidade da religião tupi-guarani


é que ela não se desenvolve no “elemento” da teologia, do saber dos
deuses. E, se for verdade, como escreve Dumézil, que a religião é
sempre “coisa atual e ativa”, perguntemo-nos qual era a prática
religiosa dos índios? Retomando dessa maneira a questão pelo outro
lado, talvez venhamos a conhecer melhor suas crenças. Acabamos de
aludir a essa crença. A Terra-Sem-Mal é esse lugar privilegiado
(Clastres, 1978, p. 30).

Sem dúvida alguma, os estudos de Hélène Clastres inauguram um novo


foco na pesquisa sobre o povo guarani, porém devemos levar em conta que, ao
falarem sobre a Terra-Sem-Mal, os Guarani fazem uma analogia com Ywy Retã,
a terra imperfeita em que vivem, imperfeita por estar ocupada por humanos
diferentes, que a sujam e destroem.

Ela, Hélène Clastres, converge a direção dos estudos sobre a religião


guarani para o mito da Terra-Sem-Mal e estabelece uma busca de informação
pelo contraste com o interesse do relator da informação por meio da suspeita
com que trata os textos dos cronistas antigos e nos diz:

Os cronistas só lhe fazem breves alusões (à Terra-Sem-Mal) e ainda a


reduzem a proporções compreensíveis para eles – um “além” para
onde vão as almas depois da morte. Seria de esperar que, como
aconteceu com o resto, esse tema fosse assimilado ao tema cristão do
paraíso. Curiosamente, nada disso aconteceu (Clastres, 1978, p. 30).

E ela também é categórica neste trecho: “Tupis e Guaranis não eram,


portanto, essa gente sem fé que os cronistas nos descrevem com tanta
segurança – seus próprios testemunhos vêm ensinar-nos o contrário. Todo o
pensamento e a pratica religiosa dos índios gravitavam em torno da Terra-sem-
mal” (Clastres, 1978, p. 51).

A parcialidade Ñandewa’ete, para o mesmo conceito, utiliza


predominantemente o termo Ywy’ porã, ou seja, Terra boa (maravilhosa ou
perfeita para se morar), que também pode ser dito “sã” ou até mesmo se quiser
usar o termo podemos dizer sagrada.
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Hoje podemos pensar que entendemos cabalmente esse conceito, depois
de tantos estudos, mas a verdade é que, mesmo entre os próprios índios, essa
temática não está esgotada, pois esse mito se rearticula a cada geração.
Acredito pessoalmente que novas interpretações virão, assim como o próprio
mito tem ganhado novas conotações e sentido para o próprio povo ao qual
pertence.

TEMA 2 - O PLANTIO DOS ALIMENTOS E A SUA VISÃO DA AGRICULTURA

Para as populações indígenas, o alimento é o momento de comunhão com


as divindades, e a agricultura é uma forma de participar da criação com a mãe
terra. Um dos textos mais belos sobre esse assunto é o deixado por Karai Poty,
pajé dos treze dias memoráveis. Ele disse:

Quando um Guarani faz um ma’ety, um plantio, ele confia, ele não tem
nenhuma necessidade de duvidar. Quando ele coloca as sementes de
awaxy, do milho sagrado, no ma’ety, acredita que elas brotarão que
crescerão quando a estação chegar que irão florescer. Ele espera, faz
sua prece, dá seu carinho, e na estação certa, as sementes florescem
e transformam-se em plantas. Ele espera e crê. Por viver junto com os
awaxy, com as plantas, com as árvores, com os rios, com as
montanhas, não temos necessidade de duvidar. Os awaxy não são
traiçoeiros, você não precisa se defender deles; as plantas não são
traiçoeiras _ você não precisa se defender delas, pode estar tranqüilo.

É por isso que quando a gente entra em um ma’ety, de repente sente-


se feliz. De onde vem essa felicidade? Das plantas? Não! Vem dele
que ficou tranqüilo, que não sente medo.

Quando você chega perto de um ma’ety florido, sente a beleza. A


beleza não vem do awaxy, vem de você quando você fica tranqüilo.
Porque do awaxy você não precisa se proteger, pode ficar à vontade,
pode se sentir em casa. As flores não vão te atacar por traz; não vão
te assaltar; elas não vão te roubar nada. Por isso as pessoas que vivem
com o ma’ety são confiantes.

Porém, o que tem que acontecer com a semente para ela se


transformar em uma planta?

– Ela tem que morrer.


Assim também aconteceu com Ñamandu, Deus, a semente do mundo.
Ñamandu morreu dentro deste universo. Dissolveu-se nele.

Esse é o ensinamento do ma’ety, ele pode te ensinar o caminho para


ywy’marã’hey, a terra-sem-mal. Se você quiser encontrar
ywy’marã’hey, terá que ser como a semente de awaxy ete e morrer.
Então, de repente, a planta surge e você não existe mais, apenas
Ñamandu. Se você está, Ñamandu não está.

Da semente nasce a planta, mas a semente também pode matar a


planta. Se a semente ficar com medo da morte, então a casca da
semente pode sufocar a vida; a própria casca que estava protegendo
a planta antes dela encontrar o solo certo pode prender a vida – então
a planta morre na semente.
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Mas, apenas a morte da semente não é suficiente, porque ela pode morrer numa
terra ruim onde nenhuma planta pode nascer. É necessário encontrar a terra
certa -- este é o sentido do ma’ety.

Ser guarani implica em saber se preparar, em aprender como se tornar terra


fértil. A semente existe, mas a terra certa, a terra fértil tem de ser encontrada
(Pereira, 2010, p. 119).

TEMA 3 - A PLURALIDADE DE ENTENDIMENTOS A RESPEITO DA VISÃO DE


MUNDO DENTRO DAS COMUNIDADES INDÍGENAS
Um depoimento de Karai Poty, feito para seus pares antes de partir para
Ywy’ju, bem esclarece a diversidade de opiniões e de cosmovisões dentro de um
mesmo paradigma. No texto, transparece a diferença de interpretação sobre a
ação do “Guata Porã” feito pelo povo que seguia Karai Poty e do qual divergiam
outras autoridades religiosas do mesmo povo. Karai Poty exorta (omombeu):

Temos aqui com a gente muitos Ñanderu’i, Ñandexy’i, Ywyraija, e


Ywyraijari que são paje em seus Tekowa (líder espiritual em suas
aldeias). E eles não estão aqui porque acreditam que em breve nós
estaremos chegando a ywy’marã’hey, que logo estaremos no ike (nas
portas) de ywy’marã’hey. Eles estão aqui muito pelo contrário, estão
aqui para ver o nosso fracasso, porque na verdade dizem que vão nos
desmascarar e que nós vamos dar com os burros na água. Eles estão
aqui negociando o nosso couro, querem ver a nossa desgraça,
esperam que a gente morra para comer o cadáver e estão babando
por isso.

Agora vou dizer para vocês que vão ficar e que vão voltar para seus
Tekowa (para suas aldeias) o porquê disso estar acontecendo. Eu digo
que isto está acontecendo porque vocês são cegos que gostam de
serem guiados por cegos e que estão indo na direção de um abismo
sem fim, com a cara e a coragem de tolos, com o sorriso de um bobo
alegre estampado no rosto e vazios de Ñee Porã (vazios do espírito).

Para vocês seria bom que ninguém chegasse a ywy’marã’hey, porque


aí vocês poderiam ficar tranquilos onde estão. Se existe Ywy’marã’hey,
vocês ficam intranquilos. Se não existisse Ywy’marã’hey, vocês
poderiam continuar morando no pântano (ywyxuxum) como se
morassem em um jardim perfumado, fazendo de conta que são felizes.

Vocês preferem fazer de conta que são felizes, porque são


acomodados na preguiça. Ser feliz de verdade dá trabalho. Então é
mais fácil fazer de conta. E ficam ostentando pertences e coisas que
carregam, essas quinquilharias que o juruá (o ocidental) faz e que suja
nossa mãe (a terra) como se valessem alguma coisa para o espírito.
Muito pelo contrário, essas quinquilharias apenas estorvam o espírito,
vocês ficam mais pesados, e não esqueçam que vocês caminham no
pântano (in Pereira, 2010, p. 130).

É importante percebermos que a cosmovisão indígena não implica uma


unanimidade de interpretações ou de opiniões e que muitas vezes há conflitos
irreconciliáveis, pois normalmente se aplana toda uma cultura colocando

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embaixo de um termo genérico uma gama imensa de personalidades e de povos
muitas vezes extremamente divergentes quanto a muitos pontos de vista, como
se todos fossem simplesmente “índios ” e pensassem exatamente igual ou, em
casos mais extremos, como se não pensassem.

TEMA 4 - OS CANTOS COMO DEPOSITÁRIO DO SABER E DA MEMÓRIA


FALADA (CANTADA) DOS POVOS INDÍGENAS, MESMO EM FACE DAS
OUTRAS MÍDIAS

Não é possível negar a influência das redes sociais entre as novas


gerações dos povos indígenas. Creio que essa influência é ainda mais
impactante do que aquela que teve o rádio de pilha no passado. Porém, carece
destacar-se que, por muitos sentidos, essa influência tem sido positiva, pois é
uma via de duas mãos e, no caso do rádio, era uma influência de mão única.

E, quando o socorro chega tarde, ao menos os massacres podem ser


noticiados para o mundo e, assim, ganham apoio internacional, não ficando mais
no silêncio, o que muito tem ajudado a evitar o genocídio, pois atualmente os
povos indígenas possuem aliados mundo afora.

No entanto, toda essa influência das mídias modernas não tem diminuído
o lugar de destaque dos cantos, creio que até pelo contrário, pois a admiração
que eles despertam nas comunidades ditas “modernas” valoriza aos olhos do
próprio povo indígena ainda mais a consideração que possui por esse seu bem
cultural. Sobre isso podemos lembrar que, na abertura das Olimpíadas do Rio
de Janeiro, em 2016, um mborai (canto) foi entoado por um coro de meninos e
meninas guarani, que foi muito apreciado mundo afora.

A importância dos cantos, no caso dos Mborai, pode ser testificada pelas
palavras da Pará Poty, amiga guarani que me prestou este depoimento no ano
de 2016. Ela assim disse:

Acerca del mborai, el canto sagrado, es una manifestacion que nos


ilumina. Cada vez que nos cantamos las canciones sagradas muchas
cosas suceden en nuestros cuerpos físicos y los otros cuerpos.
Personalmente siento que el canto cura profundamente hasta las
viceras, las palabras curan y elevan pero aun asi no sabemos el
significado siento las vibraciones penetran suavemente para curar e
iluminar.

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Podemos então considerar que, certamente para os poucos povos ainda
não contatados pela civilização ocidental, os cantos são o principal veículo de
manutenção dos saberes, e o mestre de canto só não é o único baluarte dessa
função por dividir a tarefa com o contador de histórias.

Porém, para os povos que estão em contato com a civilização ocidental,


essa função, a dos cantos, é mais ou menos importante na medida em que esse
determinado povo está inserido na cultura dominante. Entretanto, se sua função
for mantida, a cultura desse povo não está extinta, pois, quando ela desaparece,
o povo também se desintegra como individualidade. Nos povos assimilados, os
cantos perdem a sua função original, passando a fazer parte do folclore.

TEMA 5 - O CONCEITO DA RECIPROCIDADE ENTRE OS POVOS INDÍGENAS


E SEU DESDOBRAMENTO NAS RELAÇÕES DE PODER

Minha amiga Kunhã Ryjari, pertencente ao povo Ñandewa, no ano de


2016, me fez um depoimento dizendo que encontra na relação com o cósmico a
razão do desequilíbrio que vivemos hoje, na tomada, além do que necessitamos
da dadivosidade da parelha divina, e sente que as atuais gerações estão curando
esse desequilíbrio através do Mboraywu, do amor, mesmo causando desvios em
seu desenvolvimento pessoal:

De las energias de nuestro Padre Sol y de nuestra Madre Tierra, nasce


toda vida. Nossotros somos sus hijos (como todos lós seres vivos),
pero nos hemos creído mejores y hemos tomado más energia que la
necessária, abusando de quien nos alimenta. Ésta há sido nuestra
primera irreverência.

Luego, este mismo modelo de relación se há extendido a cada sistema,


de mayor a menor, hasta nuestro próprio sistema personal, en la
relación con nossotros mismos. Es un modelo prepotente y autoritário,
que no reconoce lós lugares que a cada uno corresponde en la orden
de la vida. Esa misma soberbia se manifesta hoy en dia en nuestra
família, entre padres e hijos, de generación en generación, y nos
empobrece e debilita.

Dentro de esto, encontramos que lós niños que están llegando hoy,
vienen con una capacidad amorosa extraordinária, y actuan cada vez
en forma más clara y directa al servicio de restaurar el equilíbrio del
amor en la família. Esto conduce a distorsiones en el desarrollo
personal, que no son más que consecuencias de sus formas de
amar”.(Poty, 2016).

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Pará Poty, nesse depoimento, também reforça a ideia de que o mborayu,
o amor, é a essência que move as relações:

Unos de mis trabajos mas fértil conmigo misma es de proteccion desde


el amor y desde ese lugar seguro volverme inofensiva. Cuando nos
sentimos atacados se reeditan ataques anteriores, entonces creo que
la guerra entre las personas tiene que ver siempre con sentimientos de
delibilidad, por eso la clave es volver a sentir nuestra fuerza y potencia
en relacion a nosotros mismos ... Entonces quando podemos restaurar,
recordar, expandir nuestra potencia, ahi florece nuestra individual y
particular esencia. Ocupamos nuestro lugar.

Na visão de Poty Pytã, outra amiga depoente: “É preciso cuidar tanto do


meio-ambiente-externo, do planeta, como do meio-ambiente-interno, do próprio
ser. Ambos são a mesma coisa. Somos uma fração do todo”. A visão da Poty
Pytã está na contramão da visão do sistema econômico mundial, como a visão
dos povos indígenas em geral, em torno do planeta. Segundo Jerry Mander:

el Sistema Econômico Mundial imperante y las empresas


transnacionales y burocracias internacionales que la mueven, no
pueden sobrevivir sin el crecimiento permanente de la oferta de
recursos naturales como bosques, minerales, petróleo y gás natural,
peces, fauna y flora y tierra arable, entre otros. Esse modelo econômico
basado en el crecimiento exponencial lleva rápidamente al
agotamiento de los recursos, hasta el punto que ya há habido guerras
por el petróleo y pronto habrá guerras por la água. Este modelo mundial
depende además de nuevas infraestructuras modernas con alto grado
de desarrollo, generalmente construídas em áreas intactas donde aun
viven las culturas indígenas. Grandes represas hidroelétricas,
oleoductos y gasoductos, canales, carreteras, puertos, aeropuertos y
sistemas de distribución de eletricidad, entre otras, son obras que
apuntan a la extracción eficiente de los recursos, a transportarlos a
través de terrenos dificiles hasta los océanos, y alli a las plantas de
procesamiento industrial y a los mercados (Mander, 2000, p. 5).

Ou seja, ali, onde a Poty Pytã vê o seu próprio ser, o sistema econômico
mundial enxerga recursos a serem explorados. Enquanto a Pará Poty foca seu
ser no Mborayu, no amor, o sistema econômico mundial se direciona para o
“crescimento exponencial”.

Jerry Mander enfatiza que:

resulta una gran ironia que el motivo real por el cual los pueblos nativos
se han vuelto el Blanco de la aplanadora de la economia mundializada
es precisamente porque han tenido êxito em sustentar culturas,
economias y filosofias que no buscan la explotación de la naturaleza
para el beneficio o el lucro econômico individual, ni para embarcar los
recursos hacia los mercados de exportación. Por el contrario, las
sociedades indígenas __ y esta sigue siendo una verdad aplicable a
todas las sociedades nativas en casi todas partes del mundo__

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tiendem universlmente a poner el ênfasis en valores fundamentales
como la reciprocidad con la naturaleza, el equilíbrio, os limites, la
comunidad, y la integración e igualdad con el mundo natural; valores
que son opuestos a los de la sociedad que los rodea (Mander, 2000, p.
3).

A economia de reciprocidade não anula a alteridade de seus


participantes, embora mantenha sempre um sentido de relações mútuas e isso
é o que as caracteriza.

Os depoimentos anteriormente relatados me foram prestados durante


minha pesquisa de pós-doutorado. Nas entrevistas, mantive o idioma que as
depoentes usaram, pois, o povo guarani se esparrama pelos países do cone sul
da América e utilizam como fala o guarani, o português e o espanhol, e transitam
por esses países, pois sua nação já foi soberana sobre todos esses territórios.

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SÍNTESE
Podemos afirmar que não possuímos uma cosmovisão, mas muitas
cosmovisões dos povos indígenas brasileiros, mas que mesmo dentro dessa
diversidade podemos encontrar um diferencial com relação à cultura que os
circunvizinha, ou seja, que ela possui uma característica que a caracteriza.

Alguns podem pensar que o que caracteriza uma cultura indígena é a


pintura facial e a vestimenta que segundo os estigmas é o mesmo da época da
chegada do colonizador. Comparativamente seria como pensarmos outros
povos, como os alemães por exemplo, como se eles fossem os mesmos desde
o contato com o povo Romano e ainda vestissem roupas tribais.

Os povos indígenas sofreram e ainda sofrem muitos preconceitos, um


deles é de ser um povo sem fé, um povo sem ‘Deus’ e sem vínculo com a terra,
um povo que era nômade sendo que a realidade apresentada pela sua
cosmovisão, diz bem ao contrário.

Conforme bem alude Héléne Clastres “Tupis e Guaranis não eram,


portanto, essa gente sem fé que os cronistas nos descrevem com tanta
segurança – seus próprios testemunhos vêm ensinar-nos o contrário. Todo o
pensamento e a prática religiosa dos índios gravitavam em torno da Terra-sem-
mal”. (Clastres, 1978, p. 30).

O depoimento de Karai Poty também atesta a reverência que os povos


indígenas possuem pela terra e pelo espaço de plantio, de cultivo, o ma’ety. Ele
nos diz:

Quando um Guarani faz um ma’ety, um plantio, ele confia, ele não tem
nenhuma necessidade de duvidar. Quando ele coloca as sementes de
awaxy, do milho sagrado, no ma’ety, acredita que elas brotarão que
crescerão quando a estação chegar que irão florescer.

A cosmovisão indígena tem a nuance comum na comunhão com a terra,


na integralidade com a natureza e no direcionamento para o coletivo em
detrimento do individualismo. Porém, a inteireza dos elementos constitutivos da
cosmovisão indígena está diretamente inversa ao grau de interação que
determinado povo tem com relação à sociedade dominante.

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No entanto, é preciso compreender que, bem ao contrário do que se possa
imaginar, os indígenas brasileiros não compõem uma unidade: eles são muito
diversos e possuem muitas vezes opiniões contrastantes mesmo dentro de uma
mesma parcialidade.
Conforme vimos, o depoimento de Karai Poty, feito para seus pares antes
de partir para Ywy’ju, esclarece a diversidade de opiniões e de cosmovisões
dentro de um mesmo paradigma. No texto, transparece a diferença de
interpretação sobre a ação do “Guata Porã” feito pelo povo que seguia Karai Poty
e do qual divergiam outras autoridades religiosas do mesmo povo.
No entanto, vimos que uma das unidades dentro das comunidades
indígenas é a economia de reciprocidade. Não possamos deixar de relevar que
a economia de reciprocidade não anula a alteridade de seus participantes,
embora mantenha sempre um sentido de relações mútuas e isso é o que as
caracteriza.

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REFERÊNCIAS

BERTONI, M. Resumen de prehistoria y protohistoria de los guaranies.


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BUENO, S. Vocabulário tupi-guarani-português. São Paulo: Brasilivros, 1987.

CLASTRES, H. Terra-Sem-Mal. São Paulo: Brasiliense, 1978.

CLASTRES, P. A fala sagrada. Campinas: Papirus, 1990.

____________. Échange et Pouvoir: Philosophie de la Chefferie Indienne.


Paris: L’Homme, 1962.

____________. Le Grand Parler. Paris: Ed. Du Seuil, 1974.

LUGON, C. A República Comunista Cristã dos Guaranis. Rio de Janeiro: Paz


e Terra, 1968.

MANDER, J. Guerra de paradigmas. Califórnia: Mander, 2002.


PASTELLS, P. Historia de la Compañia de Jesu en la provincia del
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PEREIRA, J. J. de F. A arte Ñandewa-Guarani de fazer e tocar flauta de


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__________ .Mborayu: um conceito da espiritualidade guarani. Tese de


doutorado. Umesp, São Paulo, 2010. Disponível em:
<http://awajupoty.blogspot.com.br/p/tese.html>. Acesso em: 24 mar. 2016.

POTY, A. Depoimento de vida. USP/SP, São Paulo, 2016.

3.1.1.6 6ª Seção: Leitura obrigatória da disciplina

TORINELLI, M. A busca da Terra-Sem-Mal dentro e fora de si. Disponível


em: <http://vidaboa.redelivre.org.br/…/uruguai-guarani-a-busca-…/>. Acesso
em: 24 mar. 2017.

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