Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
AFRICANA
AULA 3
CONTEXTUALIZANDO
O universo indígena permeia a vida do povo brasileiro. Provavelmente o
nome de sua cidade pode ter origem indígena, ou talvez o nome do rio da sua
região ou da montanha mais destacada, ou talvez haja uma aldeia indígena
próxima ao lugar em que você vive. Então, sempre que ouvir o jornal radiofônico
“A Voz do Brasil”, saiba que está ouvindo em sua abertura “O Guarani”, de Carlos
Gomes. E, quando tomar um tchai importado da China, saiba que o componente
básico, erva-mate, é uma planta tradicional da cultura guarani e que do hábito
sagrado do povo guarani de tomar o Ka’ayu (erva-mate processada e sorvida
com uma bombinha em uma cambuca) vem o costume gaúcho de tomar
chimarrão. Quando você tomar um guaraná, lembre-se do povo que a cultivou,
3
os Saterê-Mauê; e, quando comer um palmito de pupunha ou tomar um suco de
açaí, lembre-se dos povos amazônicos que os cultivaram.
Agora, se você fuma cachimbo, com o cuidado de ter nele fumo orgânico
e livre de agrotóxicos, está fazendo uso de um elemento fundamental da cultura
indígena brasileira. Isso para não adentrarmos as lendas e mitos que povoam
nosso imaginário.
Quando um Guarani faz um ma’ety, um plantio, ele confia, ele não tem
nenhuma necessidade de duvidar. Quando ele coloca as sementes de
awaxy, do milho sagrado, no ma’ety, acredita que elas brotarão que
crescerão quando a estação chegar que irão florescer. Ele espera, faz
sua prece, dá seu carinho, e na estação certa, as sementes florescem
e transformam-se em plantas. Ele espera e crê. Por viver junto com os
awaxy, com as plantas, com as árvores, com os rios, com as
montanhas, não temos necessidade de duvidar. Os awaxy não são
traiçoeiros, você não precisa se defender deles; as plantas não são
traiçoeiras _ você não precisa se defender delas, pode estar tranqüilo.
Agora vou dizer para vocês que vão ficar e que vão voltar para seus
Tekowa (para suas aldeias) o porquê disso estar acontecendo. Eu digo
que isto está acontecendo porque vocês são cegos que gostam de
serem guiados por cegos e que estão indo na direção de um abismo
sem fim, com a cara e a coragem de tolos, com o sorriso de um bobo
alegre estampado no rosto e vazios de Ñee Porã (vazios do espírito).
7
embaixo de um termo genérico uma gama imensa de personalidades e de povos
muitas vezes extremamente divergentes quanto a muitos pontos de vista, como
se todos fossem simplesmente “índios ” e pensassem exatamente igual ou, em
casos mais extremos, como se não pensassem.
No entanto, toda essa influência das mídias modernas não tem diminuído
o lugar de destaque dos cantos, creio que até pelo contrário, pois a admiração
que eles despertam nas comunidades ditas “modernas” valoriza aos olhos do
próprio povo indígena ainda mais a consideração que possui por esse seu bem
cultural. Sobre isso podemos lembrar que, na abertura das Olimpíadas do Rio
de Janeiro, em 2016, um mborai (canto) foi entoado por um coro de meninos e
meninas guarani, que foi muito apreciado mundo afora.
A importância dos cantos, no caso dos Mborai, pode ser testificada pelas
palavras da Pará Poty, amiga guarani que me prestou este depoimento no ano
de 2016. Ela assim disse:
8
Podemos então considerar que, certamente para os poucos povos ainda
não contatados pela civilização ocidental, os cantos são o principal veículo de
manutenção dos saberes, e o mestre de canto só não é o único baluarte dessa
função por dividir a tarefa com o contador de histórias.
Dentro de esto, encontramos que lós niños que están llegando hoy,
vienen con una capacidad amorosa extraordinária, y actuan cada vez
en forma más clara y directa al servicio de restaurar el equilíbrio del
amor en la família. Esto conduce a distorsiones en el desarrollo
personal, que no son más que consecuencias de sus formas de
amar”.(Poty, 2016).
9
Pará Poty, nesse depoimento, também reforça a ideia de que o mborayu,
o amor, é a essência que move as relações:
Ou seja, ali, onde a Poty Pytã vê o seu próprio ser, o sistema econômico
mundial enxerga recursos a serem explorados. Enquanto a Pará Poty foca seu
ser no Mborayu, no amor, o sistema econômico mundial se direciona para o
“crescimento exponencial”.
resulta una gran ironia que el motivo real por el cual los pueblos nativos
se han vuelto el Blanco de la aplanadora de la economia mundializada
es precisamente porque han tenido êxito em sustentar culturas,
economias y filosofias que no buscan la explotación de la naturaleza
para el beneficio o el lucro econômico individual, ni para embarcar los
recursos hacia los mercados de exportación. Por el contrario, las
sociedades indígenas __ y esta sigue siendo una verdad aplicable a
todas las sociedades nativas en casi todas partes del mundo__
10
tiendem universlmente a poner el ênfasis en valores fundamentales
como la reciprocidad con la naturaleza, el equilíbrio, os limites, la
comunidad, y la integración e igualdad con el mundo natural; valores
que son opuestos a los de la sociedad que los rodea (Mander, 2000, p.
3).
11
SÍNTESE
Podemos afirmar que não possuímos uma cosmovisão, mas muitas
cosmovisões dos povos indígenas brasileiros, mas que mesmo dentro dessa
diversidade podemos encontrar um diferencial com relação à cultura que os
circunvizinha, ou seja, que ela possui uma característica que a caracteriza.
Quando um Guarani faz um ma’ety, um plantio, ele confia, ele não tem
nenhuma necessidade de duvidar. Quando ele coloca as sementes de
awaxy, do milho sagrado, no ma’ety, acredita que elas brotarão que
crescerão quando a estação chegar que irão florescer.
12
No entanto, é preciso compreender que, bem ao contrário do que se possa
imaginar, os indígenas brasileiros não compõem uma unidade: eles são muito
diversos e possuem muitas vezes opiniões contrastantes mesmo dentro de uma
mesma parcialidade.
Conforme vimos, o depoimento de Karai Poty, feito para seus pares antes
de partir para Ywy’ju, esclarece a diversidade de opiniões e de cosmovisões
dentro de um mesmo paradigma. No texto, transparece a diferença de
interpretação sobre a ação do “Guata Porã” feito pelo povo que seguia Karai Poty
e do qual divergiam outras autoridades religiosas do mesmo povo.
No entanto, vimos que uma das unidades dentro das comunidades
indígenas é a economia de reciprocidade. Não possamos deixar de relevar que
a economia de reciprocidade não anula a alteridade de seus participantes,
embora mantenha sempre um sentido de relações mútuas e isso é o que as
caracteriza.
13
REFERÊNCIAS
14