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NERY&BECK

Encordoando histórias do tênis


Silvio Romero Martins Machado

NERY&BECK
Encordoando histórias do tênis

Escritos
Quando eu tenho que fazer um gesto difícil, eu recomeço,
persisto e, no final, o gesto sai. A partir de então, passo a
realizá-lo com desembaraço, com destreza cada vez maior.
Tudo acontece rápida e corretamente. Quando o treino
vence as primeiras inércias, é igual: o corpo torna-se leve,
ele responde. A alegria não é uma contemplação satisfeita
de um resultado obtido, a emoção da vitória, a satisfação
de ter conseguido. É o sinal de uma energia que se expande
na facilidade, é uma afirmação livre: tudo é fácil. A alegria
é uma atividade: executar facilmente o que é difícil e que
levou tempo, afirmar as faculdades da mente, do corpo.
Alegrias do pensamento quando ele encontra e descobre;
alegrias do corpo quando ele realiza sem penar. Por isso
também, ao contrário do prazer, a alegria aumenta com
a repetição e se enriquece.

Frédéric Gros
Sumário

9 Créditos e agradecimentos

11 Apresentação

15 No vestiário – a preparação

21 Bate-bola

35 Primeiro Set

49 Segundo Set

77 Match point

78 Bibliografia
Créditos e agradecimentos

E m primeiro lugar, preciso agradecer ao tênis em si. A esse esporte mara-


vilhoso que proporciona tantas alegrias e desafios. O corpo, a inteligência, a
emoção são desafiados dentro da quadra de tênis.
Também agradeço a todos aqueles que contribuíram para as minhas experiên-
cias tenísticas ao longo dos anos e que, direta ou indiretamente, me inspiraram
a escrever este livro.
Em especial à Família Nery&Beck, através da Sra. Anne e seu irmão Nilo Ar-
naldo Beck, do Sr. Adalberto Nery e seu filho André. Todos muitos generosos e
estimulantes ao compartilharem comigo suas lembranças, documentos e fotos,
algumas já encaixotadas, condenadas aos efeitos destrutivos do tempo. Acho
que fizemos um bom trabalho de resgate.
Ao simpático e talentoso Renato. Sempre disponível para oferecer seu conheci-
mento torrencial sobre o tênis e as coisas ligadas ao esporte.
Ao João Bohrer, peça primordial do varejo de artigos para tênis, em Porto Ale-
gre, e de muitas outras histórias que ainda iremos contar.
A Sra. Agda Silva, militante atenciosa do tênis baiano, que gentilmente forneceu
informações sobre o grande mestre Ernesto Petersen, um dos legítimos foun-
ding fathers do tênis e do varejo tenístico de Porto Alegre.
Aos guris da FGT, que sempre colocaram o acervo da federação à disposição
para consulta. Ao Daniel e seus colegas, muito obrigado.
Ao Piva agradeço pela inspiração oferecida ao referir-se à pesquisa histórica do
tênis gaúcho e porto-alegrense como um ato de respeito e de reconhecimento
merecido por todos aqueles que, desde os tempos épicos, se dedicaram ao de-
senvolvimento desse esporte.
Ao professor Heiner Gillmeister, da Universidade de Bonn, agradeço pela prontidão
e disposição em responder aos meus e-mails e me dar dicas preciosas para orientar
este trabalho. Bem como pelo seu precioso livro. Bela obra de história cultural.
Os trabalhos de Bud Collins e de Carta e Marcher também foram fundamentais
para estabelecer a condução desta narrativa.

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Apresentação
Otávio Piva Neto1

S empre me interessei pela história. A relevância dos fatos e das personagens
que contribuíram, sem medir esforços, para que suas realizações marcassem,
de forma indelével e generosa, os passos e ambições das gerações futuras. Ao
entrar em contato com este livro, viajei ao passado do tênis e da minha vida.
Reviver o passado é viver novamente. E, retrospectivamente, as memórias ficam
mais doces. Depois de todos esses anos, as lembranças estão vivas e pulsantes.
Inevitavelmente, a história que o Silvio conta me captura. É também parte da
minha vida. Também compartilho dos afetos que conduzem à narrativa. Preciso
tomar cuidado para não me esquecer de apresentar o livro.
Ainda garoto, com seis ou sete anos de idade, meu pai Eugenio me levava
para a Sogipa quando ia jogar tênis aos domingos. Naqueles anos 50, o Sr. Beck
era o ecônomo do tênis. Tive aulas com o Petersen, testemunhei a construção
das novas quadras de tênis e conheci alguns segredos do Beck que resultavam
naquelas quadras perfeitas.
Também dessa época, recordo que meu pai era o responsável pela equipe
de tênis da Renner, que tinha sua associação atlética na Vila Assunção, Zona
Sul de Porto Alegre. Em épocas de amadorismo, o Petersen, o Armando
Vieira, o Melin, o Godofredo Nardi e outros acabavam sendo registrados
como funcionários da Renner para, na verdade, competirem nos torneios
interclubes.
Na transição para a Era Aberta, fui jogador profissional. Entre outros, dis-
putei o circuito do Caribe organizado pelo Bill Riordan, ainda numa época em
que era comum jogarmos pela hospedagem e pelas refeições pagas. O dinheiro
recém começava a fluir.
Dessa fase, lembro-me de um dos marcos da evolução do tênis, e sua popu-
larização, que foi a disputa da final do WCT, em Dallas, entre Laver e Rosewall.
A primeira partida transmitida de costa a costa nos Estados Unidos. Aconte-
cimento que nem de longe nos fazia imaginar a disponibilidade de horas de
transmissão que temos hoje.

1 Tenista, técnico e empreendedor no mundo do tênis.

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| Apresentação |

Afirmo, com certeza, que a paixão pelo tênis, a admiração pelo ambiente e
pelas pessoas que faziam parte daquele meio determinaram meu futuro profis-
sional, sempre ligado a esse esporte. Empreendi muito e por isso me identifico
com as personagens retratadas neste livro. Para que o tenista esteja na quadra
empunhando sua raquete muita coisa precisa acontecer antes.
Em parte, é disso que o livro trata. Pessoas como o Sr. Beck, que literalmente
forneceram a infraestrutura para a prática do tênis em Porto Alegre, devem ser
lembradas. Ao lado do Nery, do Renato, do Bohrer, do Bráulio e do Petersen,
deve ser lembrado por todas as suas contribuições ao tênis. Especialmente, es-
ses personagens devem ser lembrados num contexto em que a criatividade e a
improvisação precediam a oferta e a disponibilidade dos produtos que conhe-
cemos hoje. Sim... sei que muitos dos quais irão ler este livro nunca vestiram
(nem ouviram falar) um short Ramenzoni! Era isso ou mandar fazer no alfaiate.
A Sra. Luiza Petersen se encarregava das roupas sob encomenda para abastecer
sua loja, pioneira no varejo de materiais para a prática do tênis.
O trabalho quase anônimo dessas pessoas permitiu que o Rio Grande do
Sul fosse um dos pioneiros e, também, berço de grandes jogadores. Tínhamos
professores, quadras, cordas, roupas, raquetes e varejo, tudo organizado aqui. A
disponibilidade também era um incentivo para a prática do esporte.
Ao mesmo tempo em que escrevo essa apresentação e reflito sobre a passagem
do tempo, me ocorre que há aqui uma preocupação dupla que justifica o registro.
Em primeiro lugar vem a memória afetiva. A vontade de contar uma história
da qual participamos, mesmo que a narrativa do livro raramente ocorra na pri-
meira pessoa, é uma história vivida pelo autor. E por muitos de nós. Em relação
à qual se tem carinho e orgulho, e vontade de compartilhar. Em segundo lugar,
essa doce lembrança se estende àqueles que dela fizeram parte. Ainda mais no
caso deste livro, os personagens que povoam a história do varejo do tênis em
Porto Alegre não só compartilharam com a gente essas histórias, mas em gran-
de medida as tornaram possíveis. Aí entra a valorização, o respeito e o reconhe-
cimento dessas realizações e dos nomes dessas pessoas.
Acredito no potencial que todos têm para criar e realizar alguma coisa. Algo
que possa somar-se às demais contribuições individuais e que construa coleti-
vamente uma base que poderá suportar realizações futuras. Este livro procura
olhar para isso. É na verdade um ajuste de lente. Olhar na direção certa, pro-
curando identificar o objeto conhecido ao qual se atribui valor. É, portanto,
reconhecimento e valorização.
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É difícil explicar por que temos, no Brasil, uma carência tão grande de memó-
ria e de valorização dos tenistas do passado. Se não fosse pelo livro do Marcher
(e Carta), a geração de tenistas brasileiros da Golden Age não teria qualquer
registro. Conhecendo alguns museus esportivos pelo mundo, observo como é
distinto o reconhecimento e o valor atribuídos aos heróis do esporte. Sem alon-
gar, a Maria Esther e o Koch ainda recebem tratamento distante do merecido.
Se isso acontece com jogadores, verdadeiros protagonistas do espetáculo,
para aqueles que estão behind the scene o que esperar? É isso que, em parte, me
motivou a participar deste projeto. Recuperar memórias, personagens e realiza-
ções de algumas dessas pessoas. É uma forma de agradecer.
Podemos dividir este livro em quatro seções. A primeira seção poderia ser
considerada uma espécie de história cultural do tênis. Origens, antecedentes
históricos e evolução do esporte.
A segunda é focada na evolução do tênis no Brasil. Ao falar do tênis em Porto
Alegre, destaca-se sua forte ligação com a comunidade germânica e ainda as
peculiaridades do desenvolvimento da cidade e sua relação com a constituição
dos clubes esportivos.
O que vem a seguir refere-se àquilo que o autor estabeleceu como sua pergun-
ta de trabalho. Afinal, o que aconteceu para fazer dos anos 1970 um momento
especial na história do tênis? Estive lá e vivi esse momento. Gostei da objeti-
vidade como o período foi tratado. Claro e objetivo, sem detalhes excessivos.
Por fim, o que poderíamos considerar como efetivamente a história que se quis
contar, servindo as seções anteriores como suporte, é a história da Nery&Beck. O
autor justifica a inclusão do Bohrer para entender de onde saiu “a loja de cima”. Assim
como o Petersen inaugurou “a loja de baixo”. Ambos merecem aparecer no livro.
Nesse sobe e desce pelas ruas de Porto Alegre, conhecemos a história da
Nery&Beck entre 1972 e 1986. Janela de tempo justificada adiante pelo autor.
Nessa história do varejo do tênis em Porto Alegre, é importante reconhecer
o protagonismo desses empreendedores, os quais fizeram suas apostas, assumi-
ram seus riscos e colheram os frutos. Nessa sucessão, podemos traçar uma linha
que inicia com o Petersen, passa pelo Nery e termina (por enquanto) no Renato.
Foi uma das linhas escolhidas para contar essa história.
Reconheço que a esta altura do campeonato, em termos profissionais, já fiz
quase tudo relacionado ao tênis. E percebo no fundo que minha motivação e

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| Apresentação |

paixão pelo meio tenístico esteve, e ainda está, ligada aos valores e às pesso-
as que fizeram parte da minha formação como jogador, como empreendedor
e, sobretudo, como um apaixonado. Como homenagem e reconhecimento a
todos aqueles que me influenciaram, me motivaram e, de uma maneira ou de
outra, me ajudaram a chegar até aqui, é que escrevo a apresentação desse livro.

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No vestiário

O título dessa introdução também poderia ser: “Na casa da minha avó co-
mendo bife com arroz e salada”. Isso porque minha avó morava, e mora até
hoje, na Av. Getúlio Vargas, perto do Clube do Comércio. Quando havia cam-
peonatos aí, eu e meu irmão almoçávamos na casa dela e depois seguíamos a pé
até o clube. O invariável cardápio era composto de bifes (naquela frigideira de
ferro que toda avó tem em casa e suspeito que mesmo nesses dias ela usava ba-
nha para fritá-los), arroz e salada. Naquele tempo, uma receita de refeição frugal
para os meninos tenistas da família. A casa da vó ficava ao lado do armazém
do Seu Fin (grafia?), o pai do Calígula, craque do Clube do Comércio na época.
Esse primeiro parágrafo já revela do que trata esse livro. Sim, é um livro de história
e histórias do tênis. É um livro para quem gosta do tênis, portanto não recomendá-
vel ao Andre Agassi, de quem ainda sou fã. Como disse Jimmy Connors: “Quando
gostamos do tênis, gostamos até dos calos que temos nas mãos!”.
É um livro composto de uma revisão bibliográfica, que considero útil, na qual
identifiquei aqueles assuntos recorrentes, alguns que talvez não necessitem ser
retomados e, ao mesmo tempo, algumas lacunas a serem preenchidas.
Também é um livro limitado em seu escopo temporal, pois restrito aos anos
70 e 80. Na verdade, a janela abrange desde 1972 até 1986. Adiante ficará clara
essa delimitação.
Claro que não pretende ser um relato do tipo biográfico, não há essa preten-
são, muito menos a densidade de fatos e memórias a serem narradas. Entretan-
to, a motivação do livro é o registro de uma memória que considero coletiva.
Muitos dos que jogaram tênis e viveram naquele ambiente dos anos 70 têm o
tênis entranhado em si como o pó de tijolo nas meias brancas de algodão (mi-
nha mãe fala disso até hoje!). Sim, é uma memória coletiva. Apesar de um relato
produzido individualmente, o que dá estrutura a ele são os demais personagens
envolvidos nessas memórias, nem sempre citados nominalmente, mas igual-
mente protagonistas do relato.
Como historiador, executei, no doutorado, pesquisas sobre a história de em-
presas. Essa área específica da história se dedica à análise de empresas em seus
respectivos contextos sociais, econômicos e tecnológicos. Nesse período, tive
a oportunidade de conversar com os Srs. Eduardo Hofmeister, Fernando Oli-

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veira e Carlos Henrique Doss, da Gerdau, e visitei o Memorial da Marcopolo


através do sempre prestativo e afetuoso tio, José Antônio F. Martins. Agradeço
imensamente a todos. Naquela época, pesquisava sobre a relevância das grandes
empresas brasileiras no processo de internacionalização da economia nacional.
Depois de me envolver com a pesquisa acadêmica, que resultou na publi-
cação de dois livros, ambos sobre a história das relações internacionais do
Brasil, tive vontade de escrever outro livro que fosse mais leve em termos de
metodologia e mais livre em termos de forma. Assim, procurei unir esse de-
sejo ao impulso de preservar a valiosa memória dos anos vividos intensamen-
te no mundo do tênis. E aqui precisam estar presentes duas considerações.
Sabemos que, sem registro, as lembranças desaparecem com os indivíduos.
É importante escrever. Além disso, ao vivermos cotidianamente, raramente
nos percebemos como protagonistas da história. Afinal de contas, só esta-
mos cuidando da nossa vida. Mas, em alguns casos, com o distanciamento do
tempo, acabamos percebendo que fizemos parte de algo especial, que merece
ser registrado. A história, enquanto registro da memória, visa preservar as
práticas, as motivações e o sentido daquilo que foi realizado num determinado
contexto sócio-histórico.
Também esse sentido de realização é muito importante. Mesmo que a prática
do tênis tenha se iniciado, no Brasil e em Porto Alegre, no final do século XIX,
na década de 1970 ainda vivíamos tempos de pioneirismo. Quem jogou tênis
naquele período ainda se lembra das poucas opções de oferta de materiais para
a prática do esporte. No caso específico do varejo, temos os tenistas-lojistas Er-
nesto Petersen, Bohrer e Koch. Depois a profissionalização com a Nery&Beck.
E é justamente essa realização que deve ser registrada. Seus protagonistas me-
recem isso. Todos aqueles que se empenharam pelo tênis devem ser lembrados.
Essa é só uma das oportunidades para contarem-se as histórias.
Essa é a motivação para conhecer melhor e registrar a história de uma empresa
diretamente unida à minha história pessoal e ao ambiente tenístico de Porto Alegre.
A maioria dos tenistas da cidade já deixou um dinheirinho na Nery&Beck.
Naquela época em que cada um só tinha uma raquete, o conserto de um en-
cordoamento arrebentado sempre era uma questão de vida ou morte. Era uma
muralha que nos impedia de saciar nossa fissura irresistível pelo saibro. O de-
sespero ficava maior ainda quando chegávamos à loja e atrás do Renato havia
aquela pilha de raquetes na fila. No fim, o Renatão, como o chamávamos, sem-
pre dava um jeito... era o herói da gurizada.
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Além disso, a Nery&Beck era, no final das contas, a artéria que alimentava
o mercado porto-alegrense e gaúcho dos materiais necessários à prática do
esporte. Naquela época, apesar da onda de expansão do poder aquisitivo da
classe média, as viagens ao exterior e o acesso ao material importado eram
para poucos. Era aí, na N&B, que nos abastecíamos, nos encontrávamos e
apreendíamos mais sobre o esporte. Por isso, tenho a certeza de que, como
eu, muitos compartilham essas lembranças em relação à Nery&Beck. O Adal-
berto, o Arnaldo e o Renato nos forneciam tudo o que era necessário para
entrar na quadra. Depois o que acontecia dentro das linhas não era respon-
sabilidade deles. Bolas isoladas, raquetes quebradas, xingamentos e gateadas
ficam na conta pessoal de cada um.
Sob a inspiração da história, esse trabalho tenta contextualizar a vivência da-
quele momento em relação aos acontecimentos locais e globais. O Brasil vivia
ainda sob a ditadura militar e distante alguns anos da abertura lenta, gradual e
segura. A classe média brasileira, em parte, experimentava a renovação e am-
pliação de seus hábitos de consumo, como acontece novamente nos dias de
hoje. E no cenário internacional, vivia-se uma grande explosão do processo de
internacionalização econômica e financeira do qual a Era Aberta, talvez, seja um
precioso e preciso exemplo.
Aliás, o impulso decisivo para executar este projeto veio justamente de uma
pergunta que sempre me fiz: Por que os anos 70 haviam proporcionado aquele
boom do tênis no Brasil? Essa resposta começou a ser respondida ao ler o li-
vro do Connors. A descrição daquele momento vertiginoso que representou o
início da Era Aberta, a partir de 1968, e a acelerada popularização do tênis em
nível mundial começaram a encaixar as peças para a resposta que eu procurava.
No momento em que comecei a compreender o processo ocorrido, me senti
parte de algo maior. Algo que merecia ser registrado.
Claro, a televisão, os grandes patrocinadores corporativos e a delirante pre-
miação em dinheiro adicionaram os temperos necessários à explosão mundial
do esporte.
Ainda assim, hoje, ao passar pelos clubes com quadras vazias numa tarde de
sol, não deixo de pensar que naquela época havia algo especial. Naquela épo-
ca, uma quadra de tênis vazia era ficção! O sinal que tocava a cada 45 minutos
sempre provocava algum tipo de desavença. A estratégia de lotar a quadra com
a turma para ficar nela o dia todo era praticada à miúde. Os veteranos também
gostavam dessa estratégia.

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Neste trabalho, procurei deixar de lado a organização acadêmica de ordem me-


todológica e teórica na tentativa de obter um texto mais fluido e de leitura agra-
dável. Apenas refiro que em termos da pesquisa histórica, esse trabalho se situaria
numa encruzilhada entre a história cultural e a história do cotidiano. A primeira
se manifesta na própria natureza da prática esportiva. O tênis, desde suas origens,
se insere num processo evolutivo dentro do qual o esporte é praticado como
passatempo em tempos de paz, emulando as situações de combate, competição
e conquistas territoriais e de riquezas, ao mesmo tempo em que fornece treina-
mento físico e canalização da vitalidade marcial dos guerreiros. Nesse xadrez com
a bolinha em movimento, que é o tênis, não podemos deixar de considerar os
aspectos de ordem estratégica que também se aplicam às disputas armadas.
Outra expressão cultural do tênis manifesta-se pela sua associação à vida corte-
sã da nobreza europeia. Consagra-se como esporte dos reis e revela-se adequado
a um ambiente e a uma cultura na qual os maneirismos e a etiqueta eram profun-
damente valorizados e demarcavam a função e a posição social dos indivíduos.
Nessa perspectiva, o tênis, apropriado pela burguesia inicialmente numa lógica
de garden party, carregará consigo a imagem do esporte branco praticado nos
country clubs, um tanto sissy, desembocando, assim, também na noção negativa e
discriminatória do amadorismo.
A disseminação do tênis em nível global, a partir da segunda metade do século
XIX, estará diretamente vinculada à presença ativa dos britânicos em todos os
continentes, o que reforçará alguns aspectos dessa dimensão cultural vinculados,
também, a mecanismos brandos de dominação colonial.
No Brasil, a difusão do tênis se dará pelos ingleses, na sua maior parte, e outros
estrangeiros presentes no país. Contudo, em Porto Alegre haverá uma diferencia-
ção. Será a comunidade germânica, predominantemente, a pioneira na prática do
esporte. Novamente a dimensão cultural é observada ao estarem presentes os va-
lores do turn, que levam a cultura do físico a uma dimensão moral e até naciona-
lista. Devemos lembrar também que as associações e os clubs também atendiam
aos imperativos da questão identitária e socioeconômica, na época diferenciando
seus associados e esportistas.
A chamada história do cotidiano, ou também história da vida privada, é a que
lida com o aspecto mais humano dos indivíduos. Naquele contexto diário em que
simplesmente cada um está vivendo a sua vida, não há uma racionalidade histórica
especificamente presente. No cotidiano, a reprodução regular e habitual das ações
responde a motivações corriqueiras de sustento, das relações pessoais e familiares,

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das oportunidades de negócios, sem uma percepção de que se faz parte da histó-
ria. Essa dimensão do histórico, do processo mais amplo deve ser introduzida no
cotidiano. Ou, ao contrário, o cotidiano acaba sendo colado no mural da história
como aquele evento que comprova a racional que o historiador busca defender,
como um evento que decorre das forças determinantes de um processo mais
amplo (histórico) para além da percepção do indivíduo que simplesmente viveu
sua vida. Assim, tomando como referências essas duas possibilidades de compre-
ensão da história que se pretende contar, seguimos em frente.
Antes de entrar na quadra e começar o bate-bola, já que considero esse tra-
balho uma construção coletiva, gostaria de lembrar a parceria. De forma geral,
a chave da Copa RS de 1976, publicada mais adiante, já traz os nomes de muita
gente boa, especialmente dos parceiros que não jogavam no Grêmio Náutico
União. Ainda assim preciso citar alguns parceiros indissociáveis dessas lembran-
ças. Lá vão: o Sapo e o Caná, o Tico, o Gaio, o Chagas, o Edu, o Celso, o Duio,
o Tochetto, o Siqueirão, o Gabriel, o Fridman, o Krebs, o Geoder, o Serginho,
o Guilherme, o Migão, o Caburro, o Cesar Machado, o Betinho, os irmãos Ro-
cha – Paulo e André Coutinho, o Günther e o Pujol. E as gurias: a Cristina, a
Cristiane, a Cupim, a Elenice, a Silvana, a Mariana, a Bigu, a Letícia, a Heloísa e
a Andréia. Sei que ficou gente de fora.
Aliás, aos nossos grandes mestres Jorge Hocevar e Prata Dias um imenso obri-
gado. Ao José Luiz Flores, um abnegado pelo departamento de tênis do União
(basta ver as notas oficiais da FGT – o Gerulaitis de bolso não faltava a nenhuma
reunião). Com seu Fusca amarelo, estava sempre pronto para encarar qualquer
roubada para levar a gurizada aos campeonatos. Valeu Zé!
Na verdade, em todos os clubes havia as mesmas turmas, mestres, diretores,
encarregados e ecônomos. Saúdo a todos! Todos fazem parte desse mundo e
dessas memórias.
Finalizo lembrando que o amálgama desse texto são memórias e lembran-
ças. Por certo, equívocos e omissões poderão surgir nesse trabalho (espero que
poucos) e já me desculpo antecipadamente. Claro que não pretendo descrever
nenhuma campanha na qual tenha vencido o Roese na semifinal e o Petry na fi-
nal... o placar vocês podem imaginar... Na verdade nunca enfrentei nenhum dos
dois e duvido que tivesse conseguido um game sequer. Os eventuais equívocos
serão mais leves. Mas creio que podem nos dar uma ótima oportunidade para
tirar da gaveta outros projetos, outras histórias e ótimas lembranças. Desejo a
todos uma boa e nostálgica leitura.

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Bate-bola

N ão sei quando tive o primeiro contato com o tênis. Lembro que, no início
dos anos 70, meu pai começou a praticar o esporte. Apareceu em casa com uma
raquete Bohrer Top Model e uma caixinha de papelão com seis bolas Mercur
brancas. Naquela época, as bolas vinham em caixas ou tubos de papelão que
não eram pressurizadas.
As roupas e o tênis Rainha de couro, igualmente brancos, sugeriam elegância.
Meu pai começou a jogar tênis no União, do qual éramos vizinhos, com um
dos meus tios. Tenho certeza de que esse tio sempre sentiu saudade do saibro
das quadras de tênis, especialmente quando se mudou para Rondônia, tendo
que atolar-se no barro para entrar e sair de casa no período das chuvas, como
pioneiro nos projetos do INCRA. Outro tio, morando em Santa Cruz do Sul,
também jogou tênis. Observávamos no clube os craques locais, o Kist, os Dias,
o Iarte Adam, entre outros. Logo, o tênis não era estranho na família. Depois de
praticarmos natação por anos, meu irmão e eu começamos a jogar sob a orien-
tação do grande Prata Dias. Mestre de estilo leve, clássico, imaculado...
Falando em inícios, é importante falar das bases do esporte. Não creio que falar
das bolas de couro estufadas com cabelos humanos ou pelo de cachorro faça algum
sentido. Afinal de contas, nossa época é a da transição da bola branca para as ama-
relas sob os auspícios da transmissão dos jogos pela TV.
Porém é fascinante lembrar, a partir dos estudos culturais, sobretudo o de
Gillmeister2, que o tênis, assim como os demais esportes de bola, tem suas
origens perdidas no tempo, a exemplo do que acontece com os jogos de cartas.
Os esportes em geral, nas suas origens, simulam situações de conflito e
competição sem o recurso da violência (em tese). Porém, o objetivo é a con-
quista territorial ou de riquezas. Essa perspectiva faz com que pensemos num
jogo de tênis mais parecido com uma partida de futebol americano do que
com o esporte que praticamos hoje. Na versão original, uma equipe atacava
tentando marcar um goal representado por um alvo na parede. A equipe de-
fensora buscava devolver a bola sempre o mais fundo possível para evitar a
aproximação dos atacantes, os quais buscavam aproximar-se da barreira que
limitava seu campo, uma corda, rede ou grade baixa, e dali tentar o tiro certei-
ro. Essa lógica de um time atacante e outro defensor sobreviveu alguns anos
2 Gillmeister, Heiner. Tennis – a cultural history. Leicester University Press, 1997.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

nas regras do tênis moderno3, que inicialmente era praticado com a virada de
lado apenas a cada set.
Através da história, o esporte tanto funcionava como um passatempo em
tempos de paz, como era também um preparativo e adestramento das habilida-
des físicas para os tempos de guerra. Na Alemanha, a prática da ginástica, idea-
lizada por seu fundador Vater Jahn, uniu-se ao espírito nacionalista da época em
virtude do avanço francês nas Guerras Napoleônicas. Segundo Silva4:

“as noções de unidade, de pátria, de povo começam a fazer parte


da maneira de pensar, de sentir e de viver dos alemães. Influencia-
dos pelas ideias de filósofos de sua época, que viam na educação
do povo um potencial para a “salvação da nacionalidade alemã”,
Jahn considerava essencial a educação do corpo, sua fortificação
e equilíbrio, servindo como elemento dinamizador do sentimento
nacional alemão. [...] O radical Turn, do qual são derivadas mais
de sessenta palavras, tem um significado muito mais amplo do que
a palavra “ginástica” pode expressar. É certo tipo de ginástica – a
ginástica alemã do século XIX: corporal, moral e nacional”.

Por sua vez, na França, após a derrota na Guerra franco-prussiana de 1870, Pierre
de Fredy, o Barão de Coubertin, acreditava que a dedicação aos esportes seria o
caminho para restaurar o moral dos franceses. Mais adiante, na Primeira Guerra
Mundial, veremos ao lado de um recrutamento em massa de esportistas também a
utilização da técnica esportiva em ações de combate. Vários esportistas deixaram a
vida nos campos de batalha da Grande Guerra de 1914. Numericamente as equipes
de rúgbi francesas foram as que deram a maior contribuição aos pelotões da pátria.
Mas certamente o esportista mais famoso vitimado nesse conflito foi Roland Gar-
ros. Às da aviação francesa, que morreu três semanas antes do final da guerra, foi
um multiesportista que, conforme a fonte consultada, pode ou não ter praticado o
tênis. De toda a forma, sendo mais lembrado como exímio ciclista.
Desde o século V a.C. os gregos já praticavam esportes com bola nas cha-
madas Spheristerias, nome que depois será tomado de empréstimo pelo Major
Wingfield no lançamento do seu Sphairistikè ou Lawn Tennis. De forma siste-

3 Aquele praticado a partir do século XIX com as regras do Major Wingfield.

4 Silva, Haike Roselaine Kleber da. Sogipa: Uma trajetória de 130 anos. Porto alegre, Gráfica Editora Palotti, Edito-
res Associados Ltda, 1997.

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| Bate bola |

mática, a alusão ao tênis surge nos mosteiros franceses a partir do século XIII,
ao Jeu de Paume, que era um jogo praticado batendo-se numa bola com a palma
da mão. A posterior utilização de luvas e outros objetos que ampliavam a área
da mão acabaram dando origem à raquete. Esta, desde um bastão ou simples
tamborete, evoluiu para as peças de tecnologia avançada que conhecemos hoje.
Ainda com relação ao Jeu de Paume com sua origem atribuída ao oriente,
possivelmente ao Egito, podemos afirmar que jogos de bola utilizando-se ins-
trumentos ou os membros do corpo para a rebatida se disseminaram por todo
o mundo. Do Oriente à Europa, da Pérsia à Ásia e às Américas, diversas civili-
zações apresentavam diferentes manifestações dos jogos de bola.
Essa disseminação geográfica do jogo também permite observar que, ao con-
trário do que o tênis moderno sugere, já na Europa Medieval e Moderna sua
prática ocorria tanto entre as elites quanto entre as classes populares. Nessa
época havia os chamados jogos de raquetes. Uma variada gama de jogos que
utilizavam bolas e rebatedores (as raquetes com encordoamento vêm mais tar-
de) regidos por diversos conjuntos de regras.
Por sua vez, a prática do Royal Tennis de fato pertencia à realeza e às cortes.
Sua prática em espaços fechados exigia recursos para a construção e manuten-
ção das courts. Nossa imaginação divaga ao lermos sobre um relato do ano
1522 dando conta de uma partida de duplas, tendo de um lado da quadra Hen-
rique VIII, um excelente jogador inspirado por seu pai Henrique VII, que havia
consolidado o tênis na Inglaterra, e o Imperador Carlos V contra o Príncipe de
Orange e o Marques de Brandemburgo. Claro que a tecnologia das bolas nessa
época criava um problema de etiqueta, uma vez que com frequência as bolas
deixavam de quicar e rolavam pelo chão. Impensável que essas altezas pudessem
se abaixar para juntar as bolas. A solução foi fazer um jogo de duplas com trios,
atuando Lorde Edmund e o Conde de Devonshire como stoppers, que paravam
a rolagem da bola e a recolhiam do chão para serem recolocadas em jogo.
Pela sua popularidade, o tênis aparece em diversas obras literárias ao longo da
história. Erasmo de Roterdã diz preferir jogar com a mão a utilizar a raquete com
cordas (net) e sugere deixar as redes para os pescadores. O tênis também será citado
por Shakespeare, Rabelais e Chaucer em suas obras literárias.
O tênis moderno surgiu em 1874 como Lawn Tennis, com a grande sacada co-
mercial de Walter Clopton Wingfield, Major do Exército Britânico, o qual, a partir de
1874, passou a vender kits de quadras de tênis portáteis, que podiam ser montados
em qualquer lugar ao ar livre. Segundo ele, até mesmo sobre o gelo. O Major tem o
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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

mérito de ter popularizado o esporte e preliminarmente ter padronizado suas regras


através do livrinho que acompanhava seus kits. Mas de fato atribuir-lhe o papel de
inventor do esporte é excessivo. No caso do tênis, conforme Lance Tingay5, como
de outras manifestações da cultura material da humanidade, é o caso de observar-
se sua evolução e não sua invenção. O momento da chegada desse novo produto
ao mercado coincide com certo abandono do críquete, neste ponto já considerado
por muitos como um jogo enfadonho. Amplas extensões de grama bem cuidadas e
agora ociosas podiam ser utilizadas para a instalação das quadras portáteis do Major.
Daí a vinculação com o termo lawn, gramado em inglês.
No continente, do outro lado do Canal da Mancha, em virtude do clima, os gra-
mados verdejantes das quadras de tênis feneceram, e logo o esporte passa a ser
praticado sobre o saibro. Esse piso se prolifera por diversos países do continente
europeu e também marcará a prática do tênis na América do Sul.
Contudo, o que se observa no final do século XIX é uma propagação do tênis
por todo o mundo. Tomando a breve cronologia apresentada por Giffoni6, o
tênis, por volta de 1880, já era praticado na Índia, África do Sul, Austrália, Nova
Zelândia, Argentina, Brasil, Chile e Japão. E, claro, por todo o continente euro-
peu, sendo ainda uma manifestação de refinamento e sofisticação das diversas
cortes existentes nesta parte do mundo.
Na América do Norte, especificamente nos Estados Unidos, podemos op-
tar pelas versões disponíveis sobre o pioneirismo do esporte. Ou creditamos
a Mary Outerbridge, que parece ter trazido o jogo de contrabando de uma
viagem às Bermudas. De fato, a moça precisou da ajuda do influente irmão
para desembaraçar a caixa com seus apetrechos de lawn tennis na alfândega.
Ou creditamos o pioneirismo a F. Richard Sears e a James Dwight, os quais, de
posse de uma das caixas do Major, montaram sua quadra em Nahant, Boston.
De qualquer maneira, ambos os episódios se situam por volta de 1874 e con-
sagram a Nova Inglaterra como o berço do tênis nos Estados Unidos. Seja em
Boston ou em Staten Island, o esporte surge com o carimbo da elite americana.
Logo os praticantes buscaram unificar as regras para as competições nacionais.
Em 1880 foi organizada a USLTA (o lawn ainda fazia parte do nome), posterior-
mente rebatizada como USTA à medida que a grama vai perdendo seu espaço. E
é estabelecida, a partir de 1881, a realização de um campeonato nacional inician-
do-se no dia 31 de agosto. Esta, até os dias de hoje, é a data de início do US Open.
5 Tingay foi um laborioso jornalista esportivo britânico que publicou diversos livros sobre o Tênis. Até o advento
do ranking computadorizado da ATP, o ranking anual publicado por ele era uma das referências do tênis mundial.

6 Giffoni, Edmundo. Tênis – catarse moderna. Porto Alegre: Feplam, 1989.


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| Bate bola |

Ainda sobre a Alemanha


Por coincidência, o tênis na Alemanha busca sua consolidação na mesma
época em que as associações germânicas vão se organizando em Porto Alegre.
Os principais centros tenísticos do país eram Hamburgo, Bad Homburg e Hei-
ligendamm. Em 1897 se organiza o primeiro campeonato de tênis aberto da
Alemanha, em Hamburgo.
Desde 1871, a Alemanha recém-unificada busca sua consolidação. Um dos ele-
mentos essenciais nessa consolidação era a questão da língua. Esse esforço atingiu
diversas áreas da vida pública, tais como o correio imperial, os serviços telegráficos,
as estradas de ferro, a legislação, a educação, a administração e, especialmente no
caso alemão, as forças armadas. Esse esforço pela consolidação nacional se estendeu
também aos esportes. No caso do tênis, a organização da DeustscherLawn-Ten-
nisBund (Federação de Lawn-Tennis da Alemanha), em 1888, abriu caminho para
a afirmação da língua alemã nesse esporte. O objetivo era superar o predomínio
britânico, que definia todo o vocabulário, assim como as regras do esporte. Como
fruto desse esforço, em 1904, foram publicados no anuário do Barão Von Fichard,
encarregado de teutonização do vocabulário tenístico, os termos e as frases conver-
tidos para o alemão, acompanhados do seu equivalente em inglês. De fato, o projeto
da Federação Alemã era mais ambicioso. Como destaca Gillmeister,

“assim que tivessem sua própria associação, seriam completa-


mente independentes. O tênis alemão, mesmo não tendo razões
para estar em desacordo com a LTA (a inglesa Lawn Tennis As-
sociation), poderia andar por conta própria sem precisar seguir a
liderança britânica. Por enquanto as regras da LTA seriam man-
tidas sem modificações expressivas. Mas assim que a necessi-
dade fosse sentida, pelas condições existentes na Alemanha, as
regras seriam alteradas sem consulta à Inglaterra. Nos torneios
disputados em solo alemão, os jogadores estrangeiros teriam de
observar as regras e a organização adotada pela Federação Ale-
mã, da mesma forma que os jogadores alemães deveriam obede-
cer aos estatutos estrangeiros quando competindo no exterior”7.

Em relação ao tênis, o complexo de inferioridade da Alemanha ainda se agrava


por outros motivos. O primeiro deles é que tanto em Hamburgo, quanto em Bad
7 Ver Gillmeister pg. 294 e 298. Tradução livre do autor.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

Homburg, próxima a Frankfurt, os eventos tenísticos anuais, prestigiados pela


nobreza alemã e europeia, entravam em êxtase com as regulares visitas de Edu-
ardo VII, Rei da Inglaterra. Sobre o rei dos ingleses, o Kaiser Guilherme II, seu
sobrinho, afirmava tratar-se do arquiconspirador do isolamento da Alemanha. O
Kaiser sentia-se desprestigiado. Além disso, a prática do tênis na Alemanha, desde
seus primórdios, está ligada aos ingleses residentes e visitantes no país.
Desde 1897, ano inaugural do Aberto da Alemanha, este torneio foi ampla-
mente dominado por estrangeiros com a irritante predominância dos ingleses.
Foram sete títulos britânicos, um norte-americano e dois franceses. Somente
em 1907 é que o orgulho alemão será festejado com a vitória de Otto Froit-
zheim, vencendo na final o tetra campeão com títulos consecutivos, o britânico
Josiah George Ritchie. No ano seguinte, o Major Ritchie voltaria a conquistar o
German Open, mas o tênis alemão já havia conquistado um patamar de com-
petitividade para assegurar o triunfo dos atletas locais. Assim o tênis alemão
cumpria, finalmente, seu papel na afirmação da Alemanha entre as nações de-
senvolvidas do mundo.
No Brasil, o esporte ingressa junto com a bagagem dos europeus. O processo de
modernização pelo qual o Brasil passa no final do século XIX, sob a influência do
capital britânico, e já prenunciando a proclamação da República, ajudou a difundir
o tênis, que chegou pelas mãos dos técnicos da Light and Power (energia elétrica)
e da São Paulo Railway (estradas de ferro), dedicados ao processo de urbanização
dos grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro8. Muitos desses técnicos
e engenheiros trabalhavam para o magnata Percival Farquhar, que acreditava que
nenhum país do mundo poderia se desenvolver adequadamente sem contar com
bons hotéis e cozinheiros refinados. Para suprir essas lacunas no Brasil do início
do século XX, construiu em São Paulo a elegante Rotisserie Sportsman.
Em Porto Alegre, a introdução do tênis também ocorre por influência de
estrangeiros. Porém, aqui serão os imigrantes alemães e seus descendentes que
darão as primeiras raquetadas.
O mosaico político e cultural da segunda metade do século XIX oferece um
colorido especial ao momento da fundação de diversos clubes teuto-brasileiros
em Porto Alegre.
Devemos lembrar que a partir da unificação da Alemanha, ocorrida em 1870,
essa jovem nação ao, ingressar tardiamente no ímpeto colonial europeu, passou
a atribuir importância relevante às colônias de alemães no exterior. O ideário do
8 Ver http://www.vetorial.net/~tenisrg/historia.html
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| Bate bola |

pangermanismo motivava a disseminação da cultura, dos valores e as relações


econômicas das comunidades no estrangeiro com a pátria natal. Além disso, a
reunião dos imigrantes alemães e seus descendentes, no além-mar, tinha um
forte componente identitário e cultural. Assim a identidade era preservada e
fortalecida, ao mesmo tempo em que se criava um sentimento de exclusividade
em torno de seus membros. Em algumas dessas associações, era exigido falar-se
o alemão para admissão. Na época, isso não era exclusividade dos alemães. O
Albion Tennis Club, fundado em 1896, por ingleses, não permitia o ingresso aos
nacionais, exceto para visitas através de convites especiais9.
Essa reunião e a diferenciação social também eram motivadas por questões
de razão social e econômica. Os alemães que se fixaram em Porto Alegre na
segunda metade do século XIX diferenciavam-se de seus patrícios das primei-
ras levas de imigrantes. Parte deles vinha para o Brasil como forma de livrar-se
de perseguições políticas, especialmente aqueles que haviam compartilhado do
ideário liberal disseminado pela Europa com as revoluções liberais de 1848 10.
Além disso, esses teuto-porto-alegrenses, em sua maioria, possuíam um padrão
de vida médio. Segundo pesquisa realizada por Magda Gans, em 1853, dentre
1203 teutos residentes na capital, se observava que 6,5% possuíam nível socioe-
conômico baixo, 74,9% nível médio e 18,5% nível alto11.
Outro elemento que enriquece esse cenário de final de século é o fenômeno
chamado de Belle Époque, relacionado com a modernização e o embelezamento
das cidades pelo mundo. A modernização viária e arquitetônica promovida por
Haussmann, em Paris, era o polo irradiador para o mundo desse movimento. No
Brasil, a modernização urbana seria mais visível a partir da subida ao poder de
Campos Sales em 1898, sobretudo na gestão de Pereira Passos à frente da prefei-
tura do Rio de Janeiro (1902 – 1906).
Porto Alegre, a cidade-aldeia, na expressão de Borges de Medeiros, que pro-
curava modernizar-se, iniciará seu processo de renovação a partir da gestão de
José Montaury, sendo seguido por Octávio Rocha e Alberto Bins. Esses três
intendentes tiveram passagens marcantes no que tange à modernização. Segun-
do Pesavento:

9 Hofmeister Filho, Carlos. Sogipa – 120 anos: doze décadas de história. Porto Alegre: Gráfica Editora Palotti, 1987.

10 Silva, op. cit.

11 Gans, Magda Roswita. Presença teuta em Porto Alegre no século XIX (1850-1889). Porto Alegre, 1996. Disserta-
ção de mestrado em História – UFRGS.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

“Havia uma cidade do desejo, uma cidade pensada, sonhada.


Na qual se pretendia unir a técnica à estética, prevendo aterros,
arruamentos, novas construções, espaços de lazer, saneamento,
transportes, rentabilidade econômica para a inciativa privada,
isenção de impostos. Ecos de Haussmann e de Paris pareciam
chegar à beira do Guaíba, sonhando com uma moderna cidade
de Porto Alegre!”12.

Nesse contexto de modernização, outro aspecto que devemos levar em conside-


ração é a relevância da imigração germânica. Por volta de 1880, crescia a influência
da presença alemã na cidade com a prática de esportes como o ciclismo, o remo
e o tiro. Funda-se uma série de sociedades e clubes congregando a comunidade
imigrante. Os alemães trouxeram esse novo componente da vida em sociedade para
Porto Alegre. Esta influência estava presente no estilo arquitetônico dos prédios,
estabelecimentos comerciais, novas empresas e sociedades fundadas.13
No período compreendido entre meados do século XIX e princípio do sé-
culo XX, foram criadas 10 associações esportivas em Porto Alegre pela inicia-
tiva dos teuto-brasileiros: Turnerbund (1867), Von Musterreiter (1885), Ruder
Club (1888), Ruder-Verein Germânia (1892), Club Walhalla (1896)14, Rodfor-
vier Verein Blitz (1896), Deutscher Schristzen Verein (1897), União Velocipé-
dica (1899), Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense (1903) e Fussball Porto Alegre
(1903). Esse número expressivo reforça a importância das associações como
sustentáculos das tradições de origem dos teuto-brasileiros na fase de adapta-
ção ao novo país. As exigências estabelecidas para o ingresso nas associações
teuto-brasileiras eram influenciadas pelos critérios de nacionalidade alemã. Para
associar-se, era necessário ser imigrante alemão ou teuto-brasileiro e pertencer
à elite teuto-brasileira. As associações eram reconhecidas como espaços da elite,
cuja finalidade era tornar visível o lastro econômico, social e político do grupo,
além da matriz cultural15.

12 Pesavento, Sandra J. Espaço, sociedade e cultura: o cotidiano da cidade de Porto Alegre. In: República Velha
(1889-1930) Tomo II, Volume 3. Passo Fundo: Méritos, 2007. Coleção História Geral do Rio Grande do Sul.

13 Ver Santucci, Natália de Noronha http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1439856941_ARQUIVO_Fi-


nal-ClubesdeCiclismo.pdf disponível em 22/09/2015.

14 Em relação ao Club Walhalla, observamos pequena divergência entre as fontes. Duas apontam sua fundação no
ano de 1896 e uma no ano de 1898.

15 Ver Mazo, Janice Z. e Cunha, Maria L.O. da. A criação dos clubs nas praças públicas da cidade de Porto Alegre
(1920-1940) In: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32892010000200009 disponível em
22/09/2015.

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| Bate bola |

Em 1914, iniciou-se a prática do tênis no Turnerbund. As duas primeiras qua-


dras foram construídas na área adquirida no bairro São João, com extensão total de
100.000 m², numa região da cidade ainda dominada por chácaras.
O grupo tenístico original foi denominado Tennis Club Germânia, e funcio-
nava de forma autônoma em relação ao Turnerbund, embora houvesse a exi-
gência de seus membros serem sócios deste. Somente em 1939 o TC Germânia
passou a integrar oficialmente o Turnerbund como seu departamento ainda
mantendo diretoria própria.
Nos tempos da Segunda Guerra Mundial, as agremiações teuto-porto-ale-
grenses passaram por momentos delicados. Junto ao Turnerbund, o proselitis-
mo nazista fazia-se através do departamento de canto, além disso, a sociedade
era pressionada a ingressar na liga das Sociedades Alemãs no Estrangeiro. Após
acalorados debates internos, em assembleia, os sócios do Turnerbund, em seus
estatutos, dispuseram a proibição expressa de seus sócios manifestarem-se so-
bre assuntos de natureza política, bem como reafirmou na ocasião sua fidelida-
de à nação brasileira.
Ainda nesse período turbulento, no ano de 1942, observamos a mudança de
denominação do TC Germânia, que passa a se chamar TC Ipiranga; enquanto
o TC Walhalla passa a chamar-se TC Moinhos de Vento. Este, em 1977, foi
incorporado pela Associação Leopoldina-Juvenil e o primeiro teve sua denomi-
nação abolida, assumindo sua condição de departamento de tênis da Sogipa. No
mesmo ano de 1942, comemorando seus 75 anos, o Turnerbund, aproveitando
o momento político, traduz seu nome e passa a chamar-se Sociedade Ginástica
Porto Alegre – Sogipa.
A partir dos quatro clubes precursores do tênis em Porto Alegre, será fundada,
em 1929, a Federação Rio-grandense de Tênis. São os fundadores da Federação:
o Excursionista e Sportivo (Clube do Comércio), o Tênis Clube Walhalla (ALJ), o
TC Germânia (Sogipa) e o British Club. Segundo o primeiro relatório de diretoria
do conselho superior, de 09 de abril de 1929,

“com o grau de desenvolvimento do tennis entre nós, carac-


terizado pela existência, só nesta capital, de cinco clubes desse
esporte, exige, indiscutivelmente, uma entidade soberana que,
pela colaboração de elementos representativos das sociedades
filiadas, procure estreitar as boas relações entre as mesmas so-

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

ciedades, as oriente, praticamente e dirija os prélios oficiais, com


o nobilitante e são propósito de incrementar o interesse pelo
tennis e elevá-lo ao nível de destaque que desfructa alhures !”16.

Posteriormente a já Federação Gaúcha de Tênis seria uma das fundadoras da


CBT – Confederação Brasileira de Tênis.

O tênis, até os dias de hoje, convive com uma imagem de elitismo que não
lhe faz justiça completamente. Por um lado, como qualquer esporte que exige o
domínio da técnica, disciplina e habilidade, os seus praticantes, assim como os de
qualquer esporte, compartilham entre si esse sentimento de elitismo que diferen-
cia aqueles que praticam o esporte de forma sistemática dos que não o praticam.
Apelidos pejorativos são atribuídos aos “outros” – caçador de borboleta, atrofia-
do, morto e, o típico, naba (termo conhecido para quem é de Porto Alegre).
Além dessa conotação, o tênis, que historicamente era praticado dentre outros
esportes de raquetes, também era jogado nas classes populares. Contudo, na
medida em que o tênis se diferencia e passa a ser praticado na quadra fechada,
16 www.tenisintegrado.com.br/perfil2/sobre/4301 disponível em 09/10/2015

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| Bate bola |

obviamente os custos associados à construção e manutenção desse espaço es-


tabelecem um caráter elitista para o esporte. Claro que o fechamento do espa-
ço para a prática do esporte imediatamente estabelece essa diferenciação entre
quem pode entrar e os que ficam do lado de fora. Nesse sentido, também a
disseminação do tênis em meados do Século XIX, pós-Wingfield, ao ocupar as
quadras de grama dos clubs, country-clubs e dos Spas europeus e além, estabe-
lece uma distinção entre os frequentadores desses espaços, praticantes do tênis
ou não, e os demais. Ao longo do tempo, as roupas, a contagem diferenciada,
as expressões estrangeiras e todos os maneirismos em torno do esporte branco
reforçam essa imagem. Ao praticante do tênis era instantaneamente associada a
imagem de cavalheirismo, boa procedência e referências sociais.
Numa frase do Sr. José Endler17, relembrada pelo seu filho Luiz Arthur18, pode-
mos sintetizar essa distinção: “Carregar uma raquete de tênis permite o ingresso
em qualquer clube!”. Agrego, era uma credencial social.
Sintomaticamente, ao lermos os relatos biográficos dos nossos grandes tenis-
tas dos anos 40 e 50, colhidos por Marcher e Carta19, podemos observar como
para alguns deles é importante destacar o fato de nunca terem sido juntadores
de bola. Sabemos que na história do esporte, grandes jogadores iniciaram suas
carreiras juntando bolas e sendo ajudantes dos instrutores. Vide, naquela mes-
ma geração, os geniais irmãos Fernandes. Mas é no aspecto cultural que essa
concepção elitista produziu um efeito obscuro na história do tênis. Ao elitismo,
associado ao esporte, associou-se a concepção do amadorismo. Na verdade,
esse status estabelecia uma distinção social muito além do fato de competir no
esporte por dinheiro ou não. Segundo Gillmeister,

“Desde a fundação do London Amateur Athletic Club em 1866,


que teve suas origens nos círculos universitários, o termo ama-
dor tornou-se sinônimo de cavalheiro”20.

17 Tenista, empresário, dirigente do tênis gaúcho e presidente da FGT, que esteve à frente da organização da dis-
puta da Copa Davis de 1966 em Porto Alegre.

18 Tenista e empresário, hoje à frente do aprazível Chalet Gourmand – bistrô e hospedaria em Nova Petrópolis/RS.

19 Carta, Gianni e Marcher, Roberto. O tênis no Brasil: De Maria Esther Bueno a Gustavo Kuerten. São Paulo: Códex,
2004.

20 Faço a ressalva de que para nós brasileiros o termo cavalheiro não carrega o mesmo peso simbólico do termo
gentleman para os britânicos.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

Ou seja, nos torneios exclusivos para amadores estabelecia-se uma exclusivi-


dade em termos de classe social. Com relação ao termo gentleman, Gillmeister
ainda esclarece que “seu oposto semântico era profissional. O termo profis-
sional, também associado a esportista que vivia dessa prática, tinha o estigma
do trabalhador manual. Artesãos, pequenos lojistas, trabalhadores e servidores
recebiam a denominação de profissionais. Sendo normalmente excluídos dos
clubes de amadores”21.
Essa referência obrigatória ao amadorismo dos competidores indica, com clareza,
sobre qual a camada social o tênis se assentava nos anos 1870. Nessa época, quando
a primeira edição de Wimbledon acontecia, o irlandês John P. Mahaffy, acreditando
ter encontrado o amador inglês entre os atletas olímpicos da Grécia antiga, funda
o mito do amadorismo olímpico, que será adotado pelo Barão de Coubertin. Esse
mito, no tênis, causou grande prejuízo.
Talvez poucos jogadores tenham sofrido essa discriminação como Fred Perry.
Em seu livro An Autobiography22, de 1984, ele conta alguns desses episódios.
Ao vencer Wimbledon pela primeira vez em 1934, o primeiro britânico em 25
anos, Perry, relaxando na banheira, ouve o Sr. Brame Hillyard, representante do
Comitê do Club, dizendo ao australiano Crawford: - Hoje é um daqueles dias
em que o melhor homem não venceu! E entrega a ele uma garrafa como prêmio
consolação.
Perry, tendo vencido o australiano por 3 x 0 meia hora antes e, ainda nas fi-
nais do Australian e do US Championships, logo assimila a conotação do termo
melhor homem. Ao sair do banho, ele encontra, sobre o banco do vestiário, o
reconhecimento oficial da sua conquista: a honorária gravata de membro do All
England Club. Ninguém nunca o parabenizou. Em 1937, ao assinar seu contrato
como profissional, uma das primeiras mensagens que recebeu foi de Sir Samuel
Hoare informando que seria imediatamente destituído do título honorário do All
England Club e que a gravata deveria ser devolvida. Fred Perry foi reinstituído
como sócio em Wimbledon em 1949. Mas a Grã-Bretanha teve que esperar até
Andy Murray para conquistar o troféu e chegar à final da Copa Davis.

21 Gillmeister, pg. 194.

22 Os trechos consultados foram reproduzidos no livro The Right Set – A tennis anthology. Editado por Caryl Phil-
lips. Random House, New York: 1999.

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Primeiro SET

O início de toda pesquisa é uma pergunta. O mérito dessa pergunta pode es-
tar associado ao problema ou questão a que ela procura responder, mas também
ao estímulo que ela fornece àquele que procura a resposta.
Afirmei que, intuitivamente, percebia os anos 1970 como diferenciados.
Obviamente quando se está na transição da infância para a adolescência, o
mundo todo parece empolgante e rico. Todos os games ainda estão por se-
rem jogados. Contudo, como fenômeno coletivo, o boom do tênis naquela
época, no Brasil e no mundo, realmente parecia alguma coisa especial. Mes-
mo conhecendo a história do esporte, o início da Era Aberta (1968), a greve
dos jogadores em favor de Pilic (1973) e outros assuntos das revistas da
época, a verdadeira dimensão do que tornou os anos 70 tão distintos ficou
clara ao ler o livro do Jimmy Connors23.
Com o início da Era Aberta, a organização dos circuitos profissionais e os jogos
exibição ingressaram noutro patamar. Através de indivíduos com Bill Riordan,
Lamar Hunt, Jack Kramer, Mark McCormack e outros promoters do tênis, as pre-
miações milionárias, as transmissões pela TV e a publicidade tornam-se elemen-
tos permanentes e de crescente importância. Inovações foram introduzidas no
esporte: a adoção do tie-break foi importante para adequar a duração das partidas
ao tempo das transmissões televisivas e, ao mesmo tempo, manter o interesse da
plateia e espectadores; a publicidade em torno do esporte e a presença dos patro-
cinadores corporativos permitiram que o tênis se tornasse um grande negócio.
Fabricantes de material esportivo, clubes, resorts, agências de turismo, patro-
cinadores corporativos, grifes, academias, técnicos e os jogadores fazem parte
de um grande negócio global.
A grande transformação começou em 1968. Nessa época ainda existiam qua-
tro tipos de jogadores:
• Os amadores, que não podiam aceitar premiações em dinheiro;
• Os instrutores profissionais, que podiam competir com os amadores so-
mente em eventos abertos;

23 CONNORS, Jimmy. Jimmy Connors: minha vida dentro e fora das quadras. São Paulo: Benvirá, 2015.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

• Os profissionais contratados, que tinham o jogo de tênis como meio de


vida e que não se sujeitavam às suas associações nacionais filiadas à ILTF
(International Lawn Tennis Federation), assinando contratos de “garan-
tias” com promotores independentes;
• Os jogadores registrados, aqueles que podiam aceitar prêmios em dinhei-
ro nos torneios abertos, mas mantinham-se obedientes às suas associa-
ções nacionais e assim retinham a elegibilidade para participar dos even-
tos amadores, incluindo os quatro torneios do Grand Slam, a Copa Davis,
a Federation e a Wightman Cup.
Ainda assim, nem todas as associações adotavam as diferentes categorias de
jogadores. Collins24 dá o exemplo do primeiro US Open em Forest Hills. Na
final, Arthur Ashe derrotou o holandês Tom Okker, que embolsou US$ 14 mil,
e Ashe, tenista amador e tenente da marinha americana à época, recebeu US$
20.00/dia para as despesas. Okker era um tenista registrado, categoria que USL-
TA (United States Lawn Tennis Association) não reconhecia para seus filiados.
A Era Aberta veio para acabar com essas distinções, unificar as categorias de
jogadores e acabar com o chamado amadorismo marrom, ou seja, jogadores
amadores que recebiam valores por debaixo dos panos.
Entretanto, não podemos imaginar que a Era Aberta foi uma virada de chave. Foi
um processo lento e árduo para alguns jogadores. Basta lembrar que, em 1974, o
sonho de Connors em conquistar o Grand Slam foi barrado justamente porque Phi-
lippe Chatrier, como presidente da Federação Francesa de Tênis, proibiu a participa-
ção de qualquer jogador que houvesse assinado contratos com a WTT (World Team
Tennis). De fato, a disputa era muito mais pela imposição dos diferentes calendários,
mas a questão dos contratos e da remuneração dos jogadores ainda permitia esse
tipo de discriminação.
Mesmo a despeito de certas anomalias nesse período de transição, grande
progresso foi feito rumo a um esporte internacional mais próspero e mais ho-
nesto, segundo Collins.
Ele ainda avança dizendo que, nos anos 1970, o tênis tornou-se “in”, o es-
porte da grande classe média, primeiro nos Estados Unidos, depois no exterior.
Em uma década, o esporte jogou fora e pisoteou seu passado de flanela branca
engomada e converteu-se na diversão favorita da classe média em busca de la-
zer, vestida em tons pastel e disputando tie-breaks em quadras públicas, parques
e clubes. E vinham equipados com uma variedade desconcertante de equipa-
24 The Bud Collins History of Tennis. Second Edition. New Chapter Press.

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| Primeiro Set |

mentos, desde as bolinhas amarelo-fluorescente até as raquetes de grafite com


encordoamento duplo.
Complementa dizendo que, ao tornar o tênis profissional honesto e descara-
damente comercial, a Era Aberta promoveu um dramático crescimento e de-
senvolvimento do esporte. Para um grupo crescente de profissionais foi um
verdadeiro período de bonança e de oportunidades. Eles desfrutaram e colhe-
ram os benefícios desse admirável mundo novo dos jogos televisionados, do
back-hand com as duas mãos, da evolução da técnica e da tecnologia.
Ainda podemos emendar, destacando que, assim como os tenistas profissionais,
os amadores passaram a desfrutar de um novo patamar para a prática do tênis. Do
mesmo modo, as empresas fabricantes de roupas e equipamentos, os anunciantes,
a mídia e empresas de promoção esportiva também surfaram nessa onda.
Carta e Marcher25 destacam que nos anos 70 o tênis no Brasil se modernizou.
Atribuem à Koch Tavares o protagonismo pelo boom do esporte. Lembram que,
em 1973, o segundo Circuito Internacional, realizado no Rio e em São Paulo, teve
seus principais jogos transmitidos ao vivo pela Rede Globo dentro do Espor-
te Espetacular. Também podemos lembrar a tradicional transmissão da final de
Wimbledon realizada pela mesma emissora.
Os circuitos como a Copa Sul-América, a Copa Santista, a Copa Itaú foram exem-
plos de organização e de investimento no tênis brasileiro nessa época.Destaco ainda
que, ao revisar a evolução do tênis na Era Aberta, devemos destacar alguns marcos:
Em 1968, Arthur Ashe conquistou um recorde único na história do tênis.
Foi campeão do U. S. Open e U. S. Championships (amador). Essa conquista
nunca poderá ser igualada por outro jogador, com a extinção do torneio ama-
dor. Nesse ano, a ILTF aprovou 12 opens para a temporada.
Em Roland Garros, disputado em meio às revoltas do Maio de 68, o com-
plexo esportivo parecia ser o único lugar tranquilo da cidade, para o qual até os
manifestantes se deslocavam, em algum momento, para dar um tempo de toda
a agitação vivida por Paris naqueles dias.
Wimbledon teve duas semanas cheias de sentimentalismo, nas quais lendários
campeões, destituídos de seus títulos de sócios honorários ao se profissionaliza-
rem, foram readmitidos no All England Club e novamente autorizados a vestir
as cores malva e verde.

25 O tênis no Brasil – De Maria Ester Bueno à Gustavo Kuerten. Códex. 2004.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

Rod Laver foi o homem do ano em 1969. Ele conquistou seu segundo Grand
Slam. Foi também o ano no qual Donald Dell, capitão da equipe norte-americana
da Davis, diante da confusão ainda reinante entre jogadores profissionais com con-
trato, sem contrato ou mais ou menos..., juntamente com seus colegas de equipe,
decidiu não participar de torneios que oferecessem ressarcimento de despesas e
garantias ao invés de prêmios em dinheiro. Dell organizou um protótipo de torneio,
patrocinado comercialmente, disputado num parque público com uma premiação
de US$ 25,000. E era isso, sem honorários, despesas pagas ou garantias.
A duração dos jogos era um problema para as transmissões televisivas e para o
público em geral. Para a TV, partidas intermináveis dificultavam a organização da
programação, ocupavam um tempo caro na programação com retornos duvidosos.
Para o público, jogos intermináveis eram tediosos. A inovação de 1970 foi a introdu-
ção do tie-break. Na sua primeira versão, quando o set chegava ao placar de 6-6, era
disputado o desempate numa melhor de nove pontos com morte súbita. Ou seja,
quando cada jogador tivesse conquistado quatro pontos, o quinto era decisivo. Os
jogadores reagiram com reserva, comparando o novo sistema a um jogo de dados.
Negociações à parte, foi adotado um sistema de 12 pontos, mais conservador, ven-
cido com dois pontos em caso de empate. O público, os organizadores dos torneios
e as redes de televisão adoraram. Nesse ano, as cores em tons pastel passaram a ser
admitidas, acabando com o monopólio das roupas brancas.
A paz regressa ao mundo de tênis em 1972. No ano anterior, numa recaída
autoritária e conservadora, a ILTF havia banido os jogadores contratados do cir-
cuito e de todas as instalações controladas por esta instituição. A ILTF e o WCT
(World Circuit Tennis) conseguem harmonizar seus interesses novamente.
Nesse ano, a vitória de Stan Smith sobre Nastase ocorre numa segunda-feira,
pela primeira vez na história de Wimbledon.
Também é desse ano a formação da ATP (Associação dos tenistas profissionais).
Durante o U. S. Open, 50 jogadores, pagando uma taxa de US$ 400.00, que junta-
mente com Donald Dell, agora agente de parte desses profissionais, escolhem Jack
Kramer para o cargo de diretor executivo e Cliff Drysdale para presidente.
Em meados dos anos 70, o tênis havia se firmado claramente como um esporte po-
pular. Florescia a venda de equipamentos, roupas e pacotes de férias. Dois eventos vão
destacar-se no ano de 1973, a chamada Batalha dos Sexos e o conhecido Pilic Affair.
O já veterano Bobby Riggs (55 anos), autointitulado “o Rei dos Machos Por-
cos Chauvinistas”, havia desafiado e vencido por 6-2, 6-1 Margareth Smith

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| Primeiro Set |

Court. Proclamava que mesmo a melhor tenista profissional não poderia vencê
-lo. Ele, um velho com o pé na cova.
Billie Jean King, a campeã dos equal rights do tênis feminino, topa a parada.
O jogo é um sucesso de mídia, atrai um público de 30 mil pessoas pagando
até US$ 100.00 pelo ingresso. King venceu, e foi mais um passo importante na
evolução do tênis feminino.
Ainda nesse ano, Nick Pilic, tenista iugoslavo, declina de participar de um
compromisso da Davis Cup em favor do circuito profissional. A federação
do seu país o suspende, no que é seguida pela ILTF com uma punição de três
meses. Pilic, membro da ATP, será o pivô de uma crise, na qual a ATP vem
reivindicar o direito exclusivo de penalizar seus membros. A ILTF recua, re-
duz a suspensão para um mês. A ATP mantém-se firme. Organiza um boicote
a Wimbledon naquele ano. Nastase, Borg e Connors são alguns dos jogadores
independentes beneficiados no affair.
Uma pesquisa da A.C. Nielsen nos permite dimensionar a explosão do tênis nos
Estados Unidos nessa época. Em 1970, a pesquisa estima que 10,3 milhões de norte
-americanos pratiquem o esporte ocasionalmente; projeta que esse número crescerá
para 15 milhões por volta de 1980. Um segundo levantamento, em 1973, indica que
o número de jogadores cresceu para 20,2 milhões. E um terceiro estudo, divulgado
em setembro de 1974, indicava que 33,9 milhões de norte-americanos jogavam tê-
nis, sendo que 23,4 milhões jogavam pelo menos três vezes por semana26.
No ano de 1974, a Copa Davis sofre com a política internacional. Pela primei-
ra vez um país leva a taça por W.O. A Índia, por conta do apartheid sul-africa-
no, recusa-se a disputar a final. No ano seguinte, Jimmy Connors introduz um
padrão de comportamento entre os top players, que daí em diante raramente
jogarão duplas, dedicando-se de forma especializada às simples. McEnroe será
uma exceção. Considera as duplas um excelente treinamento.
Em Roland Garros, o tenista brasileiro Thomaz Koch conquista, ao lado da
uruguaia Fiorella Bonicelli, o título das duplas mistas. Superam na final Pan
Teerguardan e Jaime Fillol.
Ainda em 1975, o torneio sediado em Forest Hills passará a adotar o tie-break
de 12 pontos, troca a grama pelo Har-Tru e, com os jogos sendo realizados à
noite, atrai um público recorde de 216 mil pessoas.

26 Para efeito meramente comparativo, em 2007 a Revista Tênis publicava estatística da ITF dando conta de que
1,5 milhão de pessoas praticavam o esporte no Brasil. Para os anos 70, não encontrei qualquer tipo de estatística.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

A essa altura do campeonato, a Era Aberta já está consolidada, mas coisas


muitos interessantes continuam acontecendo. Um colega já me disse que o his-
toriador é na verdade um fofoqueiro, por isso vou continuar contando. Direta-
mente de dentro do armário para o circuito feminino de tênis, em 1976, temos a
participação de Renee Richards (anteriormente Richard Raskin), que abandona
sua carreira de cirurgião oftálmico para dedicar-se ao tênis profissional.
Também ocorreu nesse ano um daqueles saltos tecnológicos que por vezes
assaltam o mundo do tênis. A primeira revolução das raquetes trouxe uma
vertiginosa variedade de materiais e modelos. Primeiro o alumínio, depois
diversos e originais materiais sintéticos em combinações únicas sentenciaram
de morte as tradicionais raquetes de madeira. De forma visionária, Howard
Head, o fundador da Head Ski, juntou-se ao fabricante das máquinas de bolas
Prince para produzir uma raquete revolucionária, que tinha o mesmo equilí-
brio de uma raquete convencional, porém com o dobro da área de impacto.
Sucesso largamente imitado pelos demais fabricantes. As raquetes over e mid-
size vão desempenhar papel fundamental na era do boom-boom tênis, com
Boris Becker à frente.
Em 1977, ano do filme Guerra nas Estrelas, numa galáxia muito, muito dis-
tante, Vilas, Connors e Borg disputavam o título pelo melhor do mundo. Surge
outra inovação tecnológica, a raquete com encordoamento duplo (ou “spaghet-
ti”). Essa técnica de encordoamento gerou tamanho rebuliço no ambiente tenís-
tico que obrigou as autoridades a formalizarem uma especificação técnica para
o que deveria ser a raquete de tênis. O “spaghetti” foi proibido nesse mesmo
ano, depois de vários jogadores medíocres terem obtido resultados expressivos
diante de outros atletas bem ranqueados e pelo abandono de Vilas numa final
contra Nastase, que utilizava a novidade.
Uma nota da crônica policial nova-iorquina relata que no U.S.Open, numa
partida entre McEnroe e Eddie Dibbs, um torcedor foi ferido por uma bala
perdida. A partida foi suspensa por alguns minutos. A polícia local reforçou a
segurança. Esse seria o verão de Sam27. O verão de David Berkowitz, o Filho de
Sam, serial killer que aterrorizava a cidade, sobretudo o Queens.
Ainda no campo da crônica policial, no ano de 1981, Borg sofre duas ame-
aças de atentado contra sua vida. Uma em Wimbledon e outra no U.S.Open.
Aumenta a pressão sobre a segurança dos torneios e sobre o tenista sueco que

27 Para quem gosta de cinema, ver o filme de Spike Lee – O verão de Sam. De quebra ainda podemos ver neste filme
referências ao cenário punk de NY em torno do CBGB.

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| Primeiro Set |

no ano seguinte irá se aposentar no auge da sua carreira, aos 26 anos de idade,
surpreendendo a todos.
Também neste ano, mesmo tendo vencido em Wimbledon, McEnroe não será
admitido como sócio honorário do clube. Ted Tinling irá explicar, elegantemente,
ao tenista que não se trata de um processo automático, mas sim eletivo. Nesse ano,
nem as taças McEnroe levará para casa. Somente virá buscá-las no ano seguinte.
É primordial destacar que no Aberto da França, em Roland Garros, o Brasil
escreveu seu nome novamente. Cláudia Monteiro e Cássio Mota sagraram-se
vice-campeões de duplas mistas, derrotados por Wendy Turnbull e John Lloyd.
Em meados dos anos 1980, ainda vale destacar que (em 1985) o mundo do
tênis foi tomado de assalto pelos adolescentes. Boris Becker faria sua entrada
triunfal vencendo em Wimbledon aos 17 anos de idade. Junto com ele, Stefan
Edberg, com 18 anos, ganharia seu primeiro título na Austrália. E, ao lado dos
já “veteranos” Wilander e Lendl, eles marcaram o primeiro ano na história do
tênis que teve a conquista dos four majors exclusivamente por europeus.. As ado-
lescentes também brilharam no tênis feminino, Steffi Graff, Gabriela Sabatini,
Katerina Maleeva e Mary Joe Fernandez se apresentaram ao mundo do tênis
profissional.
1986 é um ano de destaque nessa história que escrevo. Nesse ano, o Aberto
da Austrália não foi disputado, procurando-se ajustar sua posição no calendário.
Foram introduzidas as bolas amarelas em Wimbledon. E os Estados Unidos,
privados das performances de McEnroe e Connors, testemunharam o verão
de Praga, nas palavras de Collins, quando a final masculina e a feminina do
U.S.Open foram protagonizadas por Lendl, Mecir, Navratilova e Mandlikova.
Esse também foi um ano de profunda mudança na história da Nery&Beck. O
Nery decidiu vender a loja para o Sr. Velasco, que resolveu inaugurar novas lojas
nos principais shoppings da cidade, abandonando o tradicional endereço na Rua
24 de Outubro. Essa mudança representou um ponto de ruptura importante na
história da Nery&Beck, por isso também encerro a crônica tenística nesse ano.
Ainda, por dever de ofício, creio que essa história necessita de um suporte
material. Ou seja, a Era Aberta, tendo passado por um período de acelerada
popularização do tênis, no mundo e também no Brasil, precisaria encontrar aqui
um mercado consumidor que justificasse o interesse da televisão, dos patrocina-
dores dos torneios, empresas de promoção esportiva, das editoras de revistas e

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

em seguida dos fabricantes de materiais para sua prática.


Nas palavras de Collins, o tênis tornou-se o esporte e o lazer preferido da
grande classe média, naturalmente referindo-se ao público norte-americano.
Mas e aqui no Brasil? Se esse boom ocorre quase simultaneamente, apesar da
evidente diferença de renda em relação aos Estados Unidos, como se forma
essa classe média que suportou esse fenômeno esportivo, empresarial e social?
Historicamente a modernização e o desenvolvimento da sociedade brasileira
foram definitivamente marcados pela Revolução de 1930. A partir desse evento,
as diversas matrizes da sociedade brasileira passam a se reconfigurar. Uma dessas
matrizes será justamente a do trabalho/renda e consumo, na qual gradualmente
irá se formando uma nova classe média. Essa se aproveita das novas ocupações
bem remuneradas tanto na inciativa privada, quanto nas funções públicas.
Os anos dourados sob o comando de Juscelino ampliam a capacidade produtiva
do país, a oferta de bens de consumo duráveis e, em paralelo, a expansão do empre-
go e dos mecanismos de crédito amplia a capacidade consumidora da classe média.
Em termos de Brasil, a Era Aberta irá encontrar aqui a chamada Diplomacia
da Prosperidade do Governo Costa e Silva. Em termos econômicos, costuma-
mos associar esse período de governo ao chamado Milagre Econômico. Ini-
ciando-se em 1967, observaremos taxas elevadas de crescimento econômico,
medidas pela variação do PIB, que se estenderam até 198028.
Esse período de crescimento econômico acelerado teve também consequ-
ências no plano social. Compartilhar da Era Aberta como um valor social e
cultural corroborava a ideia de que: “De 1967 em diante,a visão de progresso
vai assumindo a nova forma de uma crença na modernização, isto é, de nosso
acesso iminente ao Primeiro Mundo”.29
Na verdade, antes de prosseguir, destaco que, apesar de não explicitados neste
texto, a ruptura da ordem democrática, a violência, a tortura, o empobrecimento
de parcela expressiva da população brasileira e os custos financeiros e sociais desse
período de crescimento acelerado, que levaram o país à crise dos anos 1980, eles se
projetam como uma sombra por detrás do retrato quase glamoroso aqui pintado.

28 www.ibge.gov.br em 25/11/2015.
Ano e Variação do PIB em %: 1967 (4,20); 1968 (9,80); 1969 (9,50); 1970 (10,40); 1971 (11,30); 1972 (11,90); 1973
(14,00); 1974 (8,20); 1975 (5,20); 1976 (10,30); 1977 (14,90); 1978 (5,00); 1979 (6,80); 1980 (9,20).

29 Capitalismo tardio e sociabilidade brasileira. Mello, João Manuel Cardoso de & Novais, Fernando A. In: História
da vida privada no Brasil. Vol. 4. Cia das Letras, 1998.

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| Primeiro Set |

Contudo, esse encordoamento social e econômico tem consequências que irão


desembocar no boom do tênis brasileiro, em sintonia com o cenário internacional.
O desenvolvimento econômico brasileiro terá sua face real espelhada pelo de-
senvolvimento de empresas privadas de variados tamanhos. Contudo, será nas
médias e grandes empresas, privadas ou estatais, que a oferta de empregos qua-
lificados para indivíduos com formação superior irá permitir o acesso a salários
que gradualmente, aliados à ideia de modernidade, transformarão os hábitos de
consumo da classe média brasileira, que se ampliava e se modernizava, conforme
os hábitos da época. Também observamos a ampliação das funções do Estado
com oportunidades de emprego bem remunerado para a classe média. Além dis-
so, as profissões liberais também irão se apropriar de parte da renda disponível.
O próprio crescimento industrial do país, que deixa de ser uma economia ru-
ral e busca a modernidade industrial e urbana, permite e impõe o consumo de
novos produtos. De 1930 a 1980, num período relativamente curto, o Brasil foi
capaz de construir uma economia moderna que fabricava quase tudo. Não só
isso, mas deixa de ser mero exportador de produtos primários e formula para si
outro perfil nas relações comerciais internacionais.
A revolução doméstica operada pelos bens de consumo duráveis, com aque-
le pelotão de máquinas e equipamentos para limpeza e para a cozinha, novos
objetos de decoração, acesso aos produtos com design, transformou os hábitos
de consumo. A adoção desses novos hábitos de consumo modifica a dinâmica
familiar: o automóvel dá mobilidade, a mulher ingressa no mercado de traba-
lho, e boa parte dos hábitos de consumo se transfere do espaço privado para o
público. São as roupas prontas, são os magazines com suas grandes vitrines e
também o novo hábito de comer fora de casa, nos restaurantes.
Desfrutando dos gastos da classe média e superior, aparece uma nova varie-
dade de produtos e serviços que complementam ou criam novos hábitos de
consumo. Dentre eles, destaca-se a oferta de academias de ginástica, de natação,
de balé e de aulas de tênis.
No caso de Porto Alegre, a oferta de esporte em geral e do tênis, em particu-
lar, estava diretamente vinculada ao ambiente dos clubes. As academias particu-
lares viriam mais tarde. Ainda assim, o consumo de “associação” aos clubes, e
desfrute do que era oferecido nesses espaços, também era uma manifestação do
novo padrão de sociabilidade da classe média brasileira.
Outro elemento da modernidade diretamente vinculado à Era Aberta é a te-

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

levisão. Esta veio para o Brasil ainda nos anos 50 pela mão de Assis Chateau-
briand e, de 1972 a 1979, a TV de 21 polegadas, colorida, vendeu cerca de 4,5
milhões de unidades. Mesmo considerando o baixo número de transmissões de
tênis na TV brasileira, como destacaram Carta e Marcher, também será através
dela que o tênis se modernizará no Brasil na década de 1970. Indiscutivelmente,
a TV é o instrumento mais eficiente na propagação dos valores e padrões da
chamada indústria cultural. No caso brasileiro, desde o governo JK, fortemente
matizado pelo american way of life, definitivamente entronizado a partir de
64. Nesse sentido, as transmissões de tênis, com seus deuces, advantages e tie
breaks, de fato criavam ilhas de cultura alienígena. Imagino que um desavisado
sequer pudesse compreender o interesse naquela tela de TV na qual nem se
conseguia enxergar a bolinha. Muito menos entender a contagem exótica da-
quele esporte. De aparência elegante, sem dúvida.
Quando a Rede Globo transmitia as finais de Wimbledon no domingo pela ma-
nhã, entrávamos na quadra central junto com os ídolos, nos esbaldávamos imagi-
nariamente nos morangos com chantili, compartilhávamos todos os maneirismos
da partida e do comportamento dos jogadores30, árbitros e dos pegadores de bola.
Era um pé no primeiro mundo. A presença da realeza no Royal Box e na ceri-
monia de premiação fazia uma ponte entre a modernidade e a tradição. So fancy!
Cobiçávamos aquelas raquetes, tênis e uniformes que a substituição de im-
portações colocava longe. Sonhos de classe média. Nesse universo em mutação,
corríamos para os clubes em busca de um espaço nas quadras. Todos os com-
panheiros estavam lá.

30 Inclusive dos habituais bad boys: Nastase, Connors e McEnroe.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

As chaves reproduzidas acima se referem à Copa Rio Grande do Sul, o Cam-


peonato Estadual. A chave masculina é de 1976 e a feminina, de 1978. O critério
que utilizei para a seleção de ambas foi o da representatividade, ou seja, procurei
as chaves em que constasse o maior número de jogadores e jogadoras com os
quais dividíamos as quadras, o ambiente dos campeonatos e essa história. A
reprodução dessas chaves, além de ser mais original do que uma simples nomi-
nata, ainda tem a vantagem de invocar a lembrança dos torneios, das rivalidades
e dos placares. Tenho certeza de que muitos compartilham daquela sensação do
friozinho na barriga quando chegávamos ao clube sede do torneio e víamos a
chave pela primeira vez, identificando o adversário, vendo a posição dos demais
jogadores e antevendo os prováveis cruzamentos. Confesso que a primeira vez
que tive esse material em mãos, fiquei emocionado ao me lembrar dos com-
panheiros, dos torneios e de alguns jogos realmente espetaculares que naquela
época faziam parte daquele cotidiano. As notas oficiais da FGT também são
ilustrativas do que acontecia dentro e fora das quadras.
Recomendações de códigos de conduta, pois afinal também tínhamos nossos
bad boys por aqui, as multas pelos WOs, as delegações escaladas para as dife-
rentes competições, as transferências de jogadores entre os clubes e as delibera-
ções sobre a agenda dos torneios figuram entre as informações oferecidas pelas
notas oficiais.
Em visita à FGT, tive acesso ao acervo documental de chaves e notas oficiais
da federação, através do Sr. Daniel e seus colegas cordiais e atenciosos. Selecio-
nei para leitura os anos de 1976, 1977, 1978, 1979 e 1980. Encontrei informa-
ções preciosas, nostálgicas e até anedóticas. É um acervo que merece um trata-
mento sistemático para sua conservação e extração de preciosas informações lá
adormecidas. Quem se habilita?
Encerro essa seção acreditando que de forma suficiente estão colocados os
elementos fundamentais do contexto local e internacional no qual se deu o
boom do tênis mundial e porto-alegrense. E a partir desses elementos, foco na
história da Nery&Beck e seus protagonistas, que foram, à sua maneira, artífices
desse ambiente e que, por merecimento, motivaram a realização desse trabalho.

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Segundo SET

N essa segunda parte da história, que irá tratar efetivamente da Nery&Beck, é


importante destacar que o varejo de artigos para o tênis em Porto Alegre teve
como precursores Ernesto Petersen e João Bohrer.
Em relação ao primeiro, já mencionei seu papel e méritos como precursor no
tênis gaúcho. Infelizmente não consegui aprofundar a pesquisa. Em relação ao
segundo, a história vem a seguir.

João Bohrer - O homem e suas raquetes


Aos setenta e seis anos de idade, João Bohrer continua sendo inquieto e espontâ-
neo como eu podia imaginar ao ler sobre ele e suas façanhas registradas e lembradas
pelos companheiros de tênis. Ainda assim, ele surpreende. Sua memória é uma ava-
lanche e sua vontade de contar o vivido é entusiasmada.
Marcamos nosso encontro numa quinta-feira pela manhã. Claro, dei de cara
na porta. Mas ele havia dado uma saidinha rápida e o alcancei pelo celular.
Enquanto esperava, fiquei observando as instalações do Bohrer Tênis Center.
Logo na entrada, é impossível deixar de reparar a cachorrada que o Bohrer pos-
sui, de todos os tamanhos e algumas raças exóticas de impossível definição. Na
garagem, uma Mercedes SLK brilhando para ser usada em momentos de per-
formance diferenciada. Na secretaria, dois quadros na parede chamam a aten-
ção. Num deles, uma foto ampliada com toda a coleção de raquetes produzida
pela Bohrer. Dá vontade de tirá-las da foto e bater uma bola. Afinal de contas,
logo adiante estão as quatro quadras de saibro impecáveis e convidativas. Nessa
foto podemos identificar os modelos que, segundo o próprio Bohrer, foram
francamente inspirados na Slazenger, na Wilson Jack Kramer e na Dunlop Ma-
xply. Como as originais, as raquetes do Bohrer também eram verdadeiras peças
artísticas do trabalho artesanal por mais que se pudessem pretender fruto de
processo industrial.
Pessoalmente, ainda tenho um dejá vu carregado de nostalgia porque a Bohrer
Top Model (a primeira à esquerda) foi a primeira raquete que entrou na minha
casa, comprada pelo meu pai. Até hoje lembro o encantamento experimentado
diante daquela raquete. Linda!

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

O outro quadro que se destaca na parede é uma sequência fotográfica, quadro


a quadro, do Ken Rosewall executando seu famoso e plástico backhand. – Igual
ao meu! - diz o anfitrião.
Numa grande sala de estar com churrasqueira, tão tentadora quanto as qua-
dras de tênis, conversamos por um bom tempo. Agradeço a generosidade do
João.
Nascido em Cruz Alta, seu primeiro contato com o tênis foi um ato de van-
dalismo. Na pracinha, onde o menino João jogava bola com os moleques, o
campo de futebol foi destruído e deu lugar a quatro quadras de tênis. Depois
de tudo pronto, sua primeira reação foi voltar lá e quebrar os vidros, dando
vazão a sua frustração de menino. Não imaginava que construiria toda sua
vida sobre aquele jogo. Fez uma raquete mais assemelhada a uma taboa de
carne como um cabo longo e começou a bater bola contra a parede. Depois,
timidamente, aproximou-se do pessoal do Banco do Brasil que utilizava aque-
las quadras. Juntava uma bolinha aqui, pegava uma raquete emprestada ali, e
com o tempo dominava o jogo.
Seu pai desejava para ele a carreira militar. Por volta dos dezesseis anos de
idade, veio para Porto Alegre e ingressou na Escola Preparatória de Cadetes.
Lembra-se de duas coisas: na escola, como novato, foi camareiro de um aluno
já graduado chamado Carlos Lamarca. Dois anos depois, Lamarca seguiria para
a Acadêmica das Agulhas Negras e dali para a história. A outra lembrança diz
respeito à detenção por ter dado uma bolada num oficial da escola quando batia
paredão com sua raquete numa das paredes que ficava entre os arcos do pátio
da escola.
Passados alguns anos, Bohrer acabou tornando-se bancário e professor de
tênis no Petrópole Tênis Clube. Com o tempo, transferiu-se para o Leopoldina
Juvenil e, também, dava aulas em Novo Hamburgo e São Leopoldo.
Em 1964, inicia a fabricação de raquetes. Traz um dos “mestres artesãos” da
Sulina e começa o negócio. Levou uns cinco anos para fazer o aprendizado e ter
raquetes de qualidade. Depois disso, “se trocasse os adesivos de suas raquetes
pelos da Slazenger e da Jack Kramer, ninguém notava a diferença”. Chegou a
ter 50 funcionários na fábrica e vendia a maior parte de sua produção para São
Paulo. Em 1978, com o advento das raquetes de alumínio e, em seguida, outros
materiais, Bohrer vendeu a fábrica.

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| Segundo Set |

Quase na mesma época em que havia começado a fabricar as raquetes, em


sociedade com Thomaz Koch, abriu uma loja na Galeria Champs Élysées. Foi a
segunda loja especializada em artigos para tênis em Porto Alegre.
A partir de 1966, o Koch passa a se dedicar mais intensamente à sua carreira
internacional, e o Bohrer fica sozinho com a loja. Nessa época, o Renato, que
tinha vindo da fábrica de raquetes, já encordoava e atendia na loja. Também
com a ajuda da sogra, o Bohrer mantém a loja até 1976, quando vende para a
Nery&Beck.

Arnaldo Pedro Beck – multiesportista e muitas coisas mais...


Meu nome do meio é Esporte! Essa seria uma apresentação um pouco ame-
ricanizada, mas bem apropriada para esse descendente de alemães natural de
Berto Círio, distrito de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre.
Arnaldo, filho de Pedro Beck, nascido em 22/02/1913, era um de nove ir-
mãos e foi criado por um tio na lida do gado leiteiro em Morro Pelado, municí-
pio de Taquara. Depois de moço, veio para Porto Alegre trabalhar no açougue
do seu pai, situado na Rua Marcelo Gama.
Convenientemente, em frente ao açougue morava a família Schlenger, da Srta.
Irma, com a qual Beck se casou. Mudaram-se para o IAPI. Depois de trabalhar
com seu pai, Beck trabalhou no segmento de ferragens e materiais de constru-
ção.
Em 1942, ano turbulento para as associações com nomes de origem germâni-
ca, Beck irá assumir o economato do Tênis Clube Ipiranga, antigo Tennis Club
Germânia. Apesar de encontrar variações na grafia, ora com I ora com Y, optei
pelo I uma vez que a imagem a seguir, anotada de punho pelo próprio Beck,
traz essa forma.
Observamos abaixo a relação de existências do Tênis Ipiranga, enumerando
e precificando o estoque e os utensílios transferidos a Arnaldo Beck ao assumir
o economato do clube. Detalhe: o inventário está anotado no verso de um bo-
letim do Juiz (súmula) utilizada pelos árbitros da Federação Gaúcha de Tênis,
naquela época ainda FRGT.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

Acervo Nilo A. Beck


Assumir o economato do Tênis Clube Ipiranga significava administrar a copa,
oferecendo lanches, bebidas e refeições aos sócios; a organização de eventos
esportivos e sociais e também a zeladoria do complexo tenístico. Havia outra
implicação prática nesse trabalho, que era a mudança de toda a família para o
grande sobrado de madeira que ficava em frente às quadras de tênis.
Com a reforma do sobrado, a Família Beck mudou-se para uma bela casa, ain-
da no interior da Sogipa, toda ela decorada na sua fachada externa com murais
alusivos aos tradicionais contos infantis. Essa casa posteriormente será destruí-
da para dar lugar à Sede Social da Sogipa e novamente a Família Beck se muda,
passando a compartilhar outro casarão com o Grupo das Bandeirantes. A Famí-
lia Beck ocupava o andar de baixo e as Bandeirantes o de cima.
Arnaldo Beck assumiu com dedicação suas responsabilidades de ecônomo e
prefeito da sede esportiva e, ao incorporar-se o TC Ipiranga à Sogipa, natural-
mente ele ampliou sua prefeitura, assumindo também a gestão das piscinas e do
parque atlético.

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| Segundo Set |

À frente do tênis, Beck foi responsável pela ampliação do número de


quadras, pela instalação da iluminação nas quadras de tênis e pela sua con-
servação. E aqui vem o destaque. Realmente, as quadras da Sogipa eram
impecáveis. Amplas, com boa área de escape no fundo e nas laterais, um
saibro sempre impecável molhado na medida certa e linhas milimetricamen-
te batidas e assentadas nas delimitações da quadra. Essa dedicação não só
resultava em imenso prazer aos tenistas que desfrutavam dessas quadras,
como também valeram à Sogipa durante anos a reputação de clube com o
maior número e melhores quadras de tênis de Porto Alegre.
Em busca dessa qualidade, Beck inventava! Criou um gabarito para a marcação
das linhas da quadra, que era formado por dois pedaços de madeira falquejados
que produziam uma trepidação na latinha de bolas adaptada, cheia de pó de cal,
fazendo com que a cal fosse dispensada naquele vão delimitado. Assim refaziam-
se as marcações das quadras. Trabalhoso, não é mesmo? Então o Beck passa a uti-
lizar fitas de manta asfáltica recortadas na largura das linhas das quadras. Quando
o fornecedor não mandava as mantas cortadas, isso precisava ser feito em casa
com a ajuda do filho. O Nilo contribuía ativamente para as empreitadas do pai.
A fixação das fitas era feita com pregos, que o Beck encomendava diretamente à
Gerdau. Também foi ideia sua suspender as luminárias das quadras de tênis em
cabos de aço ao invés de utilizar postes.31
Com igual dedicação, assumiu a responsabilidade na gestão do parque olím-
pico e das piscinas.
Mas nem só da infraestrutura esportiva o Beck se ocupava. Também tinha
ativa participação na organização dos eventos sociais do clube, que lhe valeram
diversas menções agradecidas e reconhecimento. A partir de 1958, deixa o eco-
nomato do tênis e passa a dedicar-se integralmente à gestão do parque espor-
tivo. E foi em meados da década de 60 que surpreendeu com a organização do
concurso Rainha das Piscinas, com direito a passarela “flutuante” na piscina e
tudo. Ainda sob sua gestão, esse evento voltou a realizar-se na Sogipa.
Praticante da ideologia do turn, Arnaldo Beck levava o esporte a sério. Na ju-
ventude já fora remador pelo Clube Guaíba Porto Alegre. Autodidata, aprendeu e
ensinava o tênis na Sogipa ao lado do amigo Ernesto Petersen.
31 A inovação na confecção de quadras de tênis tem um antecedente interessante na Alemanha. No Uhlenhorst
Club, em Hamburgo, em 1889, foram construídas as chamadas quadras sujas. A base da quadra era feita com pó de
carvão e cascalho fino e as linhas eram feitas de folhas de aço pintadas com tinta a óleo. Essas quadras ainda exis-
tiam no início do século XX. Apesar do exotismo, nada parece mais apropriado ao país de Friedrich Krupp, que se
fazia potência pela indústria do aço. Segundo Flavelle, finalista do torneio em 1902 e 1903, “A superfície é perfeita,
mas infelizmente as linhas são de ferro...”. Ver Gillmeister, pg. 252 e 382.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

Porém, foi no atletismo que Beck obteve resultados notáveis. Em setembro


de 1948, venceu a prova de marcha atlética entre Esteio (Vila da Pira) e Porto
Alegre, com chegada ao Estádio da Sogipa, com tempo de 2h 4’ 47’’. Em no-
vembro de 1947, no Campeonato da Saudade, correu os 100 m rasos em 13’’.
Mas 1954 foi um ano espetacular! Na verdade foi um massacre. Nos Jogos da
Saudade da Federação Atlética Rio-grandense, Beck obteve o 2º lugar nas seguintes
provas: 80 m com barreira, 100 m rasos, arremesso de peso, salto em altura, 400 m
rasos, revezamento 4x100, arremesso de disco, salto em distância e a marcha atlética.
Em 1972, o amigo Petersen, pioneiro no comércio de artigos para tênis em
Porto Alegre, tendo iniciado a atividade varejista na Galeria do Rosário, no
centro da cidade e posteriormente tendo mudado a loja para a Galeria Hof-
fmann, na rua de mesmo nome, quase esquina com a Rua Cristóvão Colombo,
decide mudar-se para a Bahia. A mudança de Petersen deve-se à necessidade de
acompanhar de perto e dar apoio à filha Suzana, campeão brasileira de tênis e
integrante do circuito internacional.
Beck recebe do amigo a oferta para a compra da loja, sugere a oportunidade
ao seu genro Adalberto, que irá aproveitar esse match point.
O Sr. Beck acabará se tornando o embaixador da loja, conhecedor das raque-
tes e dos encordoamentos, desde quando esses eram feitos a mão.
Em 1976, ele sai da Sogipa e vai dedicar-se exclusivamente à loja. O saudoso
Beckão faleceu em 15/06/1997.

Adalberto Vieira Nery – o incansável cabo do rancho


Por volta de 1940, quem chegasse ao pequeno salão de sinuca localizado em
Clemente Argolo, 5º distrito de Lagoa Vermelha, poderia ver um piá, montado
sobre um caixote, surrando os mais velhos na sinuca. Com seis anos de idade, o
pequeno Adalberto já era craque no jogo. Paixão que cultiva até hoje, nas tardes
de uma merecida aposentadoria.
Depois da infância, pontilhada pelas brincadeiras típicas do meio rural, Adal-
berto lembra que começou a trabalhar aos 16 anos tomando conta de uma
pequena estação rodoviária, de uma bomba de gasolina e do salão de sinuca de
seu pai. Além dos jogos de sinuca, se lembra do dia em que a bomba de gasoli-
na pegou fogo. Rapidamente pegou uma lona e a usou para apagar o início de
incêndio. Ainda pensa no estrago que a explosão teria causado.

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| Segundo Set |

Dos pais, Israel e Julieta, conserva terna lembrança e recorda, com admiração,
do espírito inventivo e da inteligência prática do seu pai.
Tendo concluído somente a escola primária, aos 18 anos, Adalberto Viera
Nery vai para o exército. Faz curso de formação de cabo e assume a função de
cabo do rancho. É o responsável pela compra dos mantimentos do Batalhão
Rodoviário, em Vacaria. Depois da baixa no serviço militar, ainda permaneceu,
como civil, por mais quatro anos nessa ocupação.
Em 1957, Nery vem para Porto Alegre. Inicialmente irá trabalhar na Glitz S/A,
empresa de importação e exportação. Recorda que a exportação era predominan-
temente de cereais e a importação era de máquinas e ferramentas. Na Glitz S/A,
Nery desempenha a função de encarregado pela recepção e expedição de mate-
riais. Com orgulho, conta que nada entrava ou saía da empresa sem passar por ele.
Nesse período, enquanto trabalhava na Glitz S/A, em 1962, casou-se com
Anne Mary Beck, filha do Sr. Arnaldo Beck. Dessa união, além dos dois filhos,
surgiria a oportunidade que o levou a ingressar no mundo do tênis.
Naturalmente, o caminho na vida do empreendedor não é uma linha reta.
Antes de chegar à Nery & Beck, Adalberto fez seu debut no comércio varejista
como feirante. Em 1965, comprou um caminhão Chevrolet e passou a fazer o
circuito das férias livres de Porto Alegre. De terça a domingo, participava das
feiras organizadas pela prefeitura. Nery lembra que a feira de domingo era
realizada em Belém Novo. Em geral, seu caminhão abastecido de produtos de
limpeza e higiene pessoal ficava estacionado no final da feira. Recorda que seu
principal fornecedor era, ainda com a denominação da época, a Gessy Lever.
Com o crescimento e a modernização de Porto Alegre, foi construída a nova
rodoviária da cidade. Em 1970, localizada no Largo Vespasiano Júlio Veppo, é
inaugurada a nova Estação Rodoviária de Porto Alegre. Novamente o empre-
endedor enxerga a oportunidade. Em sociedade com o Sr. Elói Beck, irmão do
Arnaldo, Nery decidiu arrendar uma loja e constituiu a firma Nery&Beck.
Pausa. Aqui é que caem os butiás do bolso! Sempre surpreende saber que o
Beck no nome da firma não se refere ao Arnaldo, o Sr. Beck, com quem topáva-
mos frequentemente na loja, mas ao seu irmão Elói. Este, por sua vez, nunca se
envolveu com o tênis, exceto, obviamente, como sócio da empresa administrada
pelo Nery. Já explico.
Na rodoviária, a Nery&Beck, sob o nome fantasia de Tabacaria Cacique,
dedicava-se à venda de eletrônicos, rádios, relógios, discos de vinil, fitas casse-
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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

te, artigos para fumantes e os demais produtos tradicionalmente encontrados


nesse tipo de estabelecimento. Essa é a Nery&Beck Ltda. original.
De olho nas oportunidades, na rodoviária, em 1984, os sócios abriram a Lan-
cheria Cacique, que, segundo o orgulhoso cabo do rancho, nos dias de movi-
mento, vendia um grande número de pastéis. Configuração clássica: guisadinho
de carne, azeitona e ovo.
Com o tempo, o Sr. Elói será sucedido pelo filho Rui na sociedade, que con-
tinuará existindo, na rodoviária, até 1986. Nesse ano, será acordada a extinção
da Nery&Beck, na rodoviária, permanecendo a firma de comércio de artigos
esportivos de propriedade do Sr. Nery, ainda com o mesmo nome.
A Nery&Beck ingressou no mundo do tênis em 1972. Nesse ano, o Sr. Er-
nesto Petersen32, pioneiro do comércio varejista de artigos para tênis em Porto
Alegre, decide mudar-se para a Bahia acompanhando o desenvolvimento da
carreira de tenista profissional da filha Suzana.
Petersen, nessa época instrutor de tênis na Sogipa e companheiro do Arnaldo
Beck, oferece a este sua loja localizada na Galeria Hoffman, Rua Hoffman 579.
Antes disso, a loja do Petersen havia, de fato, iniciado suas atividades na Galeria
do Rosário, centro de Porto Alegre.
O Sr. Beck vai colocar o genro na parada. O Nery topa o negócio e assume a
loja da Galeria Hoffman. Até essa data, o único contato que o Nery tinha como
tênis eram as visitas feitas à casa do sogro, que era ecônomo e responsável pelo
parque tenístico da Sogipa.
Ao ser questionado sobre a decisão, o Nery diz que não vacilou, sequer per-
deu uma noite de sono pensando no negócio. Diz que fez o seguinte raciocínio:
o Beck, lá na Sogipa, faria a captação dos clientes, consumidores de roupas,
raquetes, agasalhos, tênis, bolinhas e demais artigos. Além disso, incorpora à sua
linha de produtos todos os materiais para a construção e manutenção das qua-
dras de saibro. Linhas de marcação, pregos, redes e o pó de tijolo. Essa decisão
também é influenciada pelo sogro que, responsável pelo parque sogipano, vê-se
constantemente envolvido com a construção e a manutenção das quadras. A
venda desses produtos amplia o mercado de atuação da Nery&Beck, que passa
a abranger os principais clubes do Rio Grande do Sul e também alguns de fora
do estado. Intuitivamente, o Nery pensa numa estratégia de verticalização dos

32 Com relação ao Sr. Petersen, agradeço às informações obtidas no contato com a Sra. Agda Silva do site Tenis-
Bahia.com. Infelizmente não consegui apurar maiores informações sobre o período da loja em Porto Alegre.

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artigos para a prática do tênis: desde o prego para fixar a marcação da quadra
(fita) até a bolinha.
Nesse período, ainda épico do tênis, vale lembrar que as indústrias ainda não
haviam despertado para esse mercado. Redes, fitas, pregos, postes eram feitos
sob encomenda. Calções e coletes também. Não havia opções e as novidades
importadas eram escassas. Nery ainda recorda que comprava nylon da Cordo-
aria São Leopoldo e entregava para um grupo de rendeiras fazer as redes, que
depois precisavam ser esticadas, na garagem de casa, na vertical e na horizontal,
até ficarem com seus nós apertados.
Na loja da Galeria Hoffman, o Nery e a Sra. Anne se revezavam. Ele abria
a loja e ficava lá pela manhã; ela, depois de pegar os guris no Colégio Batista
e dar o almoço, ficava na loja de tarde. Nessa época, o Waldemar Sigalis era o
encordoador da loja e também ajudava no atendimento..
Em 1976, os negócios se expandiram. Nesse ano, o Bohrer oferece a loja
Thomaz Koch, localizada na Galeria Champs Élysées, para o Nery. Na verdade,
desde 1966, quando o Thomaz passou a se dedicar de forma mais intensa a sua
carreira internacional, o Bohrer passou a ter mais dificuldade em tomar conta
de todas as suas atividades profissionais.
Em virtude do relevo porto-alegrense, a loja da Rua 24 de Outubro passa a ser
referida como a loja de cima e a da Hoffman como a de baixo.
Na loja de cima vem trabalhar com Nery o Seu Beck, que deixa a Sogipa, e o
Renato, que já trabalhava com o Bohrer, passa um tempo fora e depois retorna.
Na loja de baixo fica o o Waldemar. O Waldemar e a Sra. Anne sobem definiti-
vamente quando foi comprada a segunda loja na Galeria Champs Élysées.
Outra característica da loja de cima foi o projeto inovador dos móveis da loja,
nos quais o Nery se esqueceu de projetar as gavetas. Grande parte das mercadorias
precisava ser organizada em grandes caixas brancas de papelão. A Sra. Anne ri disso
até hoje e lembra que contratou a funcionária Marlene Justino, que ajudava na venda
e organização das mercadorias nas caixas.
Ainda em meados dos anos 70, a oferta de mercadorias era restrita. As raque-
tes eram a Sulina, a Procópio e Bohrer; em seguida veio a Metalplas. Até hoje
me lembro da minha primeira Metalplas Netmaster vermelha, encordoada com
nylon seda. Também se conseguia importar a Dunlop Maxply, a Wilson Jack
Kramer e a T2000. Depois vieram as Head e as Donnay.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

Na época, as raquetes Dunlop Maxply, na faixa dos US$ 60.00, eram impor-
tadas pela Comercial Luce. O Nery costumava comprar todo o estoque das
raquetes com grips 4 e 5, deixando apenas os grips 3 e 6, os menos procurados.
Isso muitas vezes deixou os concorrentes Thomaz e Bohrer sem mercadoria.
O Procópio (Alcides), que fabricava raquetes com seu nome desde 1953, foi um
grande parceiro do Nery. Fornecia raquetes e fazia a importação de cordas por
São Paulo. Aqui em Porto Alegre só eram produzidas as cordas de tripa natural
pelo chileno Bráulio Pinto, em sua casa/atelier na Rua das Camélias.
Os tênis também eram poucos. Os modelos da Rainha de couro e de lona, o
Bamba, o modelo Thomaz Koch da Puma e depois o Topper e os Adidas.
A oferta de roupas era igualmente restrita. Usavam-se as camisetas da Hering
ou no máximo uma camisa polo da mesma marca. Branca com detalhes, em
azul e vermelho, na gola e nas mangas. A polo da Lacoste já era um artigo sofis-
ticado e caro. Eram fabricadas em São Paulo, na época. Com seu hábito de arre-
matar grandes lotes de mercadoria, o Nery lembra que, num determinado ano,
ao fazer seu pedido junto ao representante da marca, este informou que aquele
lote correspondia à cota de vendas de todo o ano para o Estado do Rio Grande
do Sul. Ao que o Nery respondeu: - Não faz mal. Pode me entregar aos poucos!
O grande volume do pedido justificava-se, era o produto mais vendido da loja.
Os calções eram mandados fazer em costureiras. Meias, munhequeiras, testei-
ras e todo o resto foram aparecendo aos poucos.
Em meados dos anos 70, quase nos 80, surgiram as fábricas nacionais de con-
fecções para o tênis. A Chimpa, a Grand Smash e a Bona foram algumas marcas
pioneiras nesse mercado. Chamava a atenção o estilo e a qualidade das roupas
da Chimpa, em referência direta aos uniformes da Fila usados pelo Borg e pelo
Vilas, numa época na qual sob o guarda-chuva da substituição de importações e
da nacionalização de mercadorias importadas, a questão da propriedade industrial
era uma preocupação menor.
O ano de 1976 é um marco na história do tênis. As tradicionais raquetes de ma-
deira entram em processo de extinção diante da nova geração de raquetes. Desde
a introdução, em meados dos anos 60, da raquete de aço Lacoste/Wilson T2000
nada radicalmente novo havia surgido. Agora, contudo, eram raquetes de alumí-
nio, compostos sintéticos, ligas metálicas, componentes até então reservados à
indústria aeroespacial, e várias outras novidades. Os ganchos da Nery&Beck se
encheram de raquetes Head, Spalding e Wilson. Entre as nacionais, foi a Metalplas

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| Segundo Set |

que ainda conseguiu acompanhar a nova tecnologia com suas raquetes de alumí-
nio e também com a Super Century, já na era das raquetes oversize inaugurada
pela Prince. Aliás, os raquetões da Prince demoraram um pouco mais para chegar.
Nery lembra que foi feito um evento para o lançamento, exibição e test drive das
Princes em Novo Hamburgo. E que, posteriormente, ele fez um curso de encordo-
amento da Prince no Plaza São Rafael. Tudo em grande estilo.

Acervo Adalberto Nery


A Nery&Beck, que começou com a loja lá de baixo, a da Hoffman, com o
boom do tênis, em meados dos anos 70 e início dos 80, além da primeira loja na
Champs Élysées, abriu uma segunda para a venda de roupas e acessórios para
o tênis.
Quando perguntado sobre a razão do sucesso da Nery&Beck, o Nery invoca
seu bordão: “Não jogo tênis, por isso mesmo posso me dedicar em tempo inte-
gral a cuidar de vocês jogadores!”.
Além disso, destaca que diferentemente de seus antecessores, jogadores de
tênis e lojistas nas horas vagas, ele era um lojista profissional, com dedicação
exclusiva ao negócio. Abria a loja às 7h 30min e atendia o dia todo. Fechava para
o almoço. Bons tempos. Fazia lojinha nos clubes quando ocorriam os torneios.
Colocava máquina e o encordoador nos clubes quando tinha algum grande tor-
neiro profissional ou de primeira classe. Porém, é importante reconhecer que
até o negócio do tênis dar certo, o fluxo de caixa era equilibrado pela Tabacaria
Cacique. Esse apoio foi importante para viabilizar o negócio.
Da época inicial da Nery&Beck, o Nery lembra como fato pitoresco o de ter
rodado em companhia do Sr. Beck e do filho André, 3200 km até Salvador (e a
volta também), para buscar uma máquina de encordoar raquetes que o Petersen
havia levado com ele. A máquina não tinha documentação para ser despachada
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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

e a viagem foi feita num Fusca 1975. Mas nessa época só havia quatro máquinas
de encordoar em Porto Alegre. A máquina era uma peça fundamental para po-
der atender a clientela e ainda concorrer com o Bohrer e o Koch.
O ano de 1986 é novamente um ano de mudança. Talvez já um pouco cansado
do negócio, talvez com o desejo de dedicar-se à outra atividade e a um antigo so-
nho de criação pecuária ou ainda pressionado pela moda dos shoppings centers,
o Nery decide vender o negócio. Naquela época, como em todo o modismo,
anunciava-se que não haveria possibilidade de vida comercial fora dos shoppings.
O Sr. Velasco adquire a Nery&Beck, o estoque remanescente e o direito de utilizar
o nome por dez anos, com o impedimento do Sr. Nery ou seus familiares dedica-
rem-se ao comércio de artigos para tênis de qualquer forma a oferecer-lhe concor-
rência. Ressalva feita a André Nery – FI, que manteria o comércio de material para
a construção e manutenção de quadras de tênis.
Nesse período, a Nery&Beck torna-se extremamente conhecida. A campanha
publicitária liderada pelo Júlio Fürst, na Rádio Itapema FM, foi um sucesso. As lojas
localizadas nos principais shoppings de Porto Alegre eram espaços bonitos, mo-
dernos e bem projetados. Premiadas no exterior em salões de arquitetura, inclusive.
Nessa época, a condução da loja do Shopping Praia de Belas fica sob a res-
ponsabilidade da Angélica, que posteriormente passará a supervisionar toda a
rede. Competente e simpática, ela havia participado da transição das lojas da
Florêncio para os shoppings. Conhecia os materiais, as raquetes, as cordas e
ainda vivia o tênis, como seus clientes.
Paradoxalmente, para atender à demanda do novo público frequentador dos sho-
ppings, a Nery&Beck gradualmente vai se convertendo numa loja de material es-
portivo. Seu mix de produtos se transforma. Começa a vender camisas dos times de
futebol europeu. As minibolas de futebol americano foram o golpe de misericórdia.
Pouco após a saída da Angélica, como se essa personificasse a ligação da
Nery&Beck com o mundo do tênis, o processo de mudança se consolida. Nesse
momento, os vendedores pouco entendiam de tênis, e a Nery&Beck definitiva-
mente abandona seu nicho.
Em termos de estratégia empresarial, utilizando as ideias de Michael Porter,
ao abandonar o nicho, a Nery&Beck perdeu sua vantagem competitiva. En-
quanto manteve uma identidade forte, vinculada ao tênis e cativando sua clien-
tela de praticantes do esporte, sobreviveu e expandiu seu negócio. Nos anos 70

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| Segundo Set |

e 80, conseguiu repelir com sucesso o assédio imposto pela concorrência. Aliás,
na época, empresas tradicionais como a Ughini e a Couro Esporte tentaram
entrar no mercado do tênis sem sucesso.
No entanto, no mercado de material esportivo, a Nery&Beck não tinha escala
para concorrer com empresas do tamanho da Paquetá Esportes, World Tennis
e outras. Acabou.
Durante muitos anos, uma loja dedicada ao tênis fez falta aos adeptos do
esporte. O refluxo daquele boom dos anos 70 também não animava novos
empreendimentos. Mas, aos poucos, o Renato vai retomando o espaço. Começa
com a loja de São Leopoldo e, há alguns anos, abriu sua loja em Porto Alegre.
Mas a história do nosso Cabo do Rancho não acabou aí. Empreendedor in-
quieto, o Nery vai, lá em Glorinha, instalar seu projeto de pecuária numa área de
11 hectares. Em essência, um projeto de confinamento de gado para a produção
de novilhos de qualidade.
Nery lembra que em um ano, depois de concluída a instalação do projeto, já era
assediado pelos vizinhos querendo comprar seu estabelecimento. Talvez por falta
de experiência e também em virtude de problemas de doença de alguns animais,
o início da produção foi muito difícil, o que o levou a encerrar o projeto.
A vida de empreendedor ainda o faria voltar aos seus tempos de cabo do
rancho, mas isso o André vai contar mais adiante.
Em agosto desse ano (2015), quando fui visitar o Nery para nossa primeira entre-
vista, deparei-me com uma galeria de troféus e diplomas conquistados nas mesas de
sinuca. Boa parte de suas tardes de aposentado são desfrutadas sobre o pano verde
das mesas do Clube do Comércio. Refere-se orgulhoso ao diploma conquistado
com uma tacada perfeita, de 100 pontos. Lembram-se daquele guri que subia no
caixote?

Acervo Adalberto Nery


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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

Ao nos despedirmos, o Nery me acompanha até o jardim do edifício e com


satisfação me mostra a grama bem cortada, o jardim organizado e limpo. Sua
contribuição à organização e beleza do prédio. Ele me disse que a síndica estava
providenciando um soprador de folhas para varrer o jardim e a calçada em frente
ao prédio. Além de deixar seu jardim impecável, o Nery quer dar exemplo aos
vizinhos, que deveriam fazer a mesma coisa.

Renato Paulo Deckmann. O melhor encordoador do Brasil!


Algumas pessoas são especiais. Renato é uma delas. Enquanto trabalhava para
este livro, mencionar o nome do Renato sempre gerava reações positivas e de
simpatia. Conversar com ele também é uma lição de humildade. Quando eu
achava que estava por dentro de alguma coisa, primeiro ele me escutava e depois
me dava uma aula.
Ele também é uma figura-chave nessa história. É a peça que amarra a narrativa
ao iniciar sua vida no tênis fabricando raquetes com Bohrer, depois vai para a loja
em Porto Alegre, sai e vai vender tênis (calçados), volta pra trabalhar com o Nery,
monta sua fábrica de grips, conserta raquetes e finalmente abre sua própria loja.
Nessa trajetória, acumular histórias é natural. Contá-las é generosidade.
Renato Paulo Deckmann nasceu em 1953, em São Leopoldo, onde ainda vive
e tem uma de suas lojas. Nessa cidade iniciou sua vida no tênis. Em 1968, foi
trabalhar na fábrica que o Bohrer estava iniciando com a colaboração do João
Rippel, o qual havia saído da Sulina33. Aí o Renato conheceu o processo de fa-
bricação das raquetes de madeira. Mas realmente se interessou pela fabricação
dos couros, o grip ou a empunhadura da raquete, como se quiser chamar.
Essa geração de indivíduos empreendedores precisou aprender a fazer tudo.
Como diz o Renato: “Tudo era feito aqui!”. As raquetes, o grip, as bolinhas, as cor-
das para as raquetes e todo o resto. O produto importado não chegava. Era sobreta-
xado, ficava caro. Essa geração ainda viveu o processo de industrialização nacional.
Numa de nossas conversas, com a presença do Otávio Piva Neto, esse emen-
dou: “Existiam duas marcas de camisas. Lacoste e Fred Perry”. Já nessa época,
eram grifes elegantes e caras.
Enquanto ainda trabalhava na fábrica de raquetes, o Renato com frequência
vinha a Porto Alegre entregar mercadorias para a loja do Petersen, ainda locali-

33Tradicional fabricante de raquetes de tênis localizada em Novo Hamburgo.

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| Segundo Set |

zada na Galeria do Rosário. Depois do serviço militar, vai para a loja de artigos
para tênis montada pelo Bohrer em parceria com o Thomaz Koch, localizada
na Galeria Champs Élysées. Aí, na loja, o Renato é o encordoador e também
atende o público.
Nessa época, início dos anos 1970, faz uma investida no varejo calçadista. Atua
como preposto de uma representação da Puma e depois assume a gerência de
uma loja de calçados. Desse período lembra que a Puma tinha o modelo Thomaz
Koch, o qual ele vendia para o Nery, que nessa época já era lojista. Ainda vai dar
uma sondada no mercado de São Paulo. Acha que o melhor é ficar por aqui.
Em 1976, acaba aceitando uma proposta do Nery e volta para a loja da Galeria
Champs Élysées, que o Bohrer havia vendido. O Renato já era conhecido dos
clientes, manjava de raquetes e cordas e fazia um encordoamento caprichado
que mantinha a pressão nas cordas por mais tempo. Explica a manha: “Quando
a máquina puxa a corda, costumo dar uma deslizada na corda, fazendo com a
máquina produza uma tensão adicional. Isso faz diferença...”. Os clientes pe-
diam que as raquetes fossem encordoadas pelo Renato.
Na loja, os produtos importados encantavam pelo design e pela qualidade.
Eram poucos, muitas vezes trazidos por pessoas ou jogadores que viajavam ao ex-
terior. Os calções precisavam ser feitos em costureiras, assim como os pulôveres e
coletes. Os tênis eram o Bamba da Alpargatas, imitação de um modelo da Dunlop
de lona, os modelos da Rainha de lona e de couro e o Puma Thomaz Koch.
Com o tempo, a indústria nacional vai melhorando, incentivada também pela
demanda dos anos 70, e novas marcas vão surgindo. Na Nery&Beck, juntamen-
te com Seu Beck, orientavam-se os clientes quanto às raquetes.
No início havia as raquetes nacionais (Sulina, Procópio, Bohrer e Metalplas);
e se conseguia, em menor número, as Dunlop Maxply, as Wilson Jack Kramer
e as T2000.
Em meados dos anos 70, ocorre a inovação do alumínio. Processo de produção
em escala, mais simples e barato, liderado pela Spalding e pela Head, que ameaça
o modelo de negócio artesanal das raquetes de madeira.
De forma didática, o Renato explica a evolução das raquetes e suas sucessivas
gerações. A 1ª geração é a dos aros ovalados de madeira, as raquetes antigas; a 2ª
geração são as raquetes de madeira com um acabamento mais refinado, represen-
tadas pelas nacionais e pelas Dunlops e Jack Kramers; a 3ª geração é o alumínio;
a 4ª geração introduz o grafite e o carbono, produzindo raquetes mais leves com
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360 grs.; a 5ª geração é de raquetes mais finas, mais leves e resistentes. Abre-se um
novo leque de opções para variar e deslocar o peso ao longo do corpo da raquete e
obter mais ou menos flexibilidade. As configurações possíveis acabam abrangendo
a maioria dos perfis dos jogadores, de amadores a profissionais, tornando o jogo
mais acessível e confortável. Menos lesões e mais atrativo aos leigos. A 6ª geração
de raquetes incorpora a nanotecnologia, o grafeno e outros materiais, obtendo-se
leveza e resistência. Em resumo, segundo Renato: “Hoje, é fácil jogar tênis!”.
Falando também do peso das raquetes, o Renato me explicou que a raquete de
12 a 12,5 onças corresponde à light, a de 13 onças é a light medium, a de 13,5
onças é a medium e a de 14 onças é a heavy ou top. As raquetes antigas eram
pesadas e tinham o cabo grosso. A empunhadura 5 era comum. A transição
da empunhadura continental e do jogo chapado para o jogo com efeito tem
relação direta com o afinamento do grip. Essa mutação no estilo do jogo vai ser
consolidada com a redução do peso das raquetes.
Ainda falando das raquetes, que é a praia do Renato, aprendi sobre a política
de nacionalização das raquetes de tênis nas fábricas instaladas na Zona Fran-
ca de Manaus. A legislação previa a possibilidade da importação de raquetes
que recebessem 20% de conteúdo nacional. Ou seja, se fazia uma espécie de
CKD34 com as raquetes. Importavam-se os aros de madeira, que aqui no Brasil
recebiam a pintura, a adesivagem, o encordoamento e a colocação do grip. No
caso das raquetes de alumínio, além da corda e do couro, aqui eram montadas
as partes plásticas. Por e-mail, fiz contato com o atencioso Jairo Garbi, da Tênis
Pro Shop, de São Paulo, que me contou ter sido funcionário da Impar Sports da
Amazônia, ex Procópio Sports da Amazônia, que beneficiava as marcas Don-
nay, Prince, Wilson, Tretorn e Procópio (parcial). A outra empresa, a Inbrima,
posteriormente adquirida pela Trol do ex-ministro Dílson Funaro, beneficiava
as marcas Head e ProKennex.
Nessa época de promoção do conteúdo nacional das manufaturas, expediente
recorrente da política econômica dos governos nacionalistas com o intuito de
proteger a indústria e o trabalho nacionais, o Renato também atuava como for-
necedor de grips para essas fábricas. Um ano antes de sua saída da Nery&Beck,
já iniciara a fabricação de couros. Aprendeu na fábrica do Bohrer e aperfeiçoou
a absorção e a aderência com a ajuda do Prof. Figueiredo, da UFRGS, especialis-
ta na curtição e tratamento de couros. Nessa fase inicial, o Nery fazia o papel de

34 CKD – Complete Knock-Down: é a montagem de um produto a partir de peças e componentes produzidos pela
empresa matriz ou fabricante, no exterior. Prática geralmente realizada pela indústria automobilística.

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| Segundo Set |

inspetor de qualidade. Ajudou o Renato a obter o couro adequado, bem como


o incentivou a deixar a loja para dedicar-se ao negócio próprio.
Com a compra de máquinas usadas de alguns curtumes de Novo Hamburgo, foi
iniciada a fábrica de couros. As peles eram compradas no Curtume Vacchi. O Rena-
to vendia para as fábricas de Manaus, para a Metalplas, para a Kneissl, nessa época
com fábrica no Brasil, e também para a Indusport, que havia comprado a fábrica do
Bohrer e produzia raquetes com marca própria, e também para a Adidas. Segundo
o próprio Renato, os grips foram seu caminho para a prosperidade. Ainda aproveitei
para aprender mais sobre as cordas das raquetes e as bolinhas de tênis.
Conseguir as cordas era um problema. Sempre que possível, se tentava con-
seguir que alguém trouxesse nas viagens. Havia o Sr. Gemali, que trazia rolos
de cordas Babolat da Europa. De vez em quando ele sumia. Quando vinham
jogadores do exterior, também se tentava comprar deles algum rolo de corda.
Historicamente, as cordas eram feitas de tripa natural. Predominantemente boi
ou ovelha. Durante anos, antes da instalação da fábrica no Brasil, a Babolat
tinha um comprador que visitava os frigoríficos do estado comprando tripas
para serem manufaturadas. Em 1984, a Babolat instala sua fábrica em São Paulo.
Continua a produzir as cordas de tripas, mas já inicia a produção e a populari-
zação do nylon multifilado. Em Porto Alegre, o chileno Bráulio Pinto também
fabricava seus encordoamentos de tripa natural. Na sua casa, na Rua das Ca-
mélias, podíamos ver as tripas de molho no permanganato de potássio antes de
serem cortadas, secadas e trançadas para formarem as cordas.
Nesse mercado ainda atuavam dois grandes fabricantes de cordas: a americana
Victor, com suas fabulosas VS – Victor Superb e VI – Victor Imperial. Encordoa-
mentos caros que permitiam aos jogadores controle e conforto nas rebatidas. E a
japonesa Gosen35, que desde 1951 já produzia fios de nylon. A partir de 1960, intro-
duz a Hy-Sheep, seu produto líder de vendas por muitos anos. Em 1973, contratou
Rod Laver como garoto propaganda. Em 1981/82 seria a vez de Chris Evert e
Jimmy Connors promoverem as cordas Gosen. Ainda, de forma pitoresca, destaca-
se a Hy-Thomas, uma raquete de bambu fabricada pela Gosen, que, segundo o fa-
bricante, apresentava melhor resiliência do que as tradicionais raquetes de madeira.
Apesar do preço, o Renato diz que ter cordas de tripa natural na loja é uma
questão de honra. Pouca gente usa. Mas, se pedirem, tem!
Ao ser perguntado sobre as transformações no mundo de tênis na década
de 1970, Renato lembra que o surgimento do Borg provocou uma revolução
35 http://www.gosen-eng.jp/eng/company/history.html disponível em 23/10/2015.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

na maneira de jogar tênis. A intensa utilização do top spin promoveu mudan-


ças nas raquetes e também nas cordas. Muitos clientes achavam que o Renato
arrebentava suas cordas. Pelos menos passava uma gilete, discretamente. Ele
começou a colocar o segura-lift nas cordas do pessoal. Risos.
A segunda transformação expressiva, em sua opinião, foi a introdução da
Prince 110. Uma coisa muito louca na época! E, depois dela, outras raquetes ca-
beçudas, que alavancaram o jogo de muitos jogadores medianos. Basta lembrar
a polêmica entre McEnroe e Becker em torno das raquetes plus-size.
Renato também considera que a Era Borg foi o momento em que o tênis
deixou de ser o esporte exclusivo das famílias mais tradicionais. Popularizou-se.
Tornou-se também esporte da classe média.
Ao finalizarmos a entrevista, provoco Renato para ele lembrar-se de algum
momento marcante da sua história com a Nery&Beck. Ele me conta que em
determinado momento, já estava casado, com filho, pagando prestações da
sua casa e cuidando da sua mãe doente, quando, com a ajuda da mãe, compra
uma máquina de encordoar raquetes. Até esse momento ele costumava trazer
raquetes de São Léo36 e Nóia37 para encordoar na N&B, em Porto Alegre. O
Nery pagava 10% do valor dos encordoamentos para ele. O Renato começa a
encordoar essas raquetes em casa, trabalhando até de madrugada depois que
saía da aula.
Quando o Nery descobre, rola aquele stress. O Renato justifica sua necessi-
dade financeira e reitera sua lealdade à N&B, da qual nunca desviou nenhum
serviço ou cliente. Inclusive o Renato lembra quando a Couro Esporte tentou
entrar no tênis, o Iuchno ligava seguidamente para ele tentado tirá-lo da N&B.
O Nery era quem atendia ao telefone e passava para ele. Depois do susto, o
Nery, quando comprava cordas, repassava ao Renato a preço de custo.
Também conta que depois de algum tempo ninguém mais queria fazer com-
pras na loja da Hoffmann. Acabou virando estoque e o Waldemar foi lá pra
cima para encordoar. Conta, satisfeito, que os clientes diziam: Tem que ser en-
cordoada pelo Renato!
Depois de acertar o couro, o Nery levou algumas amostras para a Fenit, em
São Paulo, e lá fechou o primeiro negócio com o pessoal da Kneissl.

36 São Leopoldo.

37 Novo Hamburgo.

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| Segundo Set |

Quando começou a não dar conta dos pedidos de couro, por volta de 1980,
o Nery o aconselhou a dedicar-se exclusivamente ao negócio. Ali estava seu
futuro. Renato foi, viu e venceu!
Em 1986, antes de comprar a N&B, o Velasco veio conversar com ele. O Renato
garante que o negócio é bom. Treina alguns encordoares para o Velasco. Alguns dias
depois, o Nery liga para o Renato dizendo que um interessado irá ligar para ele, etc.
e tal. Este responde ao Nery que a loja já está vendida.
Hoje, acredita que o tênis está se popularizando novamente. Um grande nú-
mero de condomínios com quadra de tênis tem incentivado novos praticantes.
Tem suas lojas em São Leopoldo e Porto Alegre, consolidou seu espaço como
referência no comércio de artigos para o tênis e, aos poucos, com a ajuda do
Piva, está retomando o negócio dos couros.
Ele finaliza dizendo que foi um tempo mágico... uma escola... lidar com as
pessoas... o carinho com as pessoas de Porto Alegre... são pessoas diferentes de
qualquer outro lugar do Brasil.
No fim da conversa, percebi a quantidade de vezes que havia escutado as pala-
vras educação, prosperidade e dignidade. Durante a hora e meia de entrevista, a
conversa foi leve e tranquila. Confirmei, de fato o Renato é uma pessoa especial.
Além disso, é o melhor encordoador do Brasil!

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

André Nery -Neto de peixe, filho de peixe... só poderia acabar


envolvido com o tênis
Nos poucos torneios que disputei, nunca enfrentei o André Nery. Lembro mais
de encontrá-lo na loja do que nos campeonatos. Também recordo que, ao lado do
Usevicius, gente boa, formaram uma boa dupla.
O André, bastante ocupado, me recebe no seu escritório, na Rua Mostardeiro,
e conversamos durante umas duas horas. Entre imagens de arquitetura, fotos
de tênis e ferramentas para marcenaria, não posso dizer que o espaço está pro-
priamente organizado. Há um amontoado de cadeiras que domina a sala. Eram
usadas para as turmas dos cursos de fotografia que o André costumava oferecer.
Em relação à loja, me conta que se lembra da reunião entre o Petersen, seu
avô e seu pai, para tratar da compra da loja da Hoffman. Em sua lembrança, as
fisionomias não são claras, lembra-se com nitidez da sala da casa do avô, nessa
época já a casa das bandeirantes, na qual ele costumava passar todos os finais de
semana. Saía do Colégio Batista, ia direto para a casa do avô e só voltava para
casa na segunda depois da aula. Contudo, a segunda-feira depois daquela reu-
nião foi diferente. Ele saiu da escola e foi dar uma olhada na loja comprada pelo
pai. Dali em diante essa passou a ser sua rotina. Colégio, loja, casa.
Quando entrou para o segundo grau, naquela época chamávamos assim ao
ensino médio, subia a Dr. Vale até a loja de cima. O convívio intenso com o
avô leva o André e ensaiar as primeiras raquetadas aos dez anos. Não se entu-
siasma. Vai experimentar o basquete. Volta para o tênis. Gostava das duplinhas
de domingo.
Provoco o André para saber se o filho do dono da Nery&Beck tinha passe
livre a todos aqueles produtos maravilhosos que hipnotizavam a gurizada. Aí ele
me derruba. Conta que, além de pouca disponibilidade de produtos na época,
ele não tinha muito deslumbramento pelos produtos. Além disso, o Nery não
dava arrego. Ele tinha a sua Dunlop Maxply, só uma. Curtiu aprender a encor-
doar a própria raquete e trocava as cordas quando necessário.
Lá em cima, na Rua 24, o pessoal se reunia e ficava de papo. Sábado de ma-
nhã já era tradicional, desde a época do Bohrer. A orientação aos clientes sobre
cordas e raquetes ficava por conta do Renato e do Seu Beck. O Renato parava
de encordoar, servia um cafezinho e ficava dando as dicas.
Desde seus 14 anos, lembra que o 01 de dezembro era a data chave do ano.
De acordo com a sazonalidade habitual da loja, o último mês do ano trazia a
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enxurrada de clientes que antecedia o Natal. Era o caos. Eram tantos que o
Waldemar precisava trancar a porta a chave para regular o entra e sai de gente. O
André até desconfia que alguns clientes poderiam matar por uma camisa Grand
Smash naquela época do ano. Esse grande volume de vendas levou o Nery a
alugar mais duas lojas.
Em 1983, em seu primeiro ano da faculdade de Engenharia Civil na UFRGS,
o André lembra que a família que morava no Lindoia, para reduzir a correria, se
muda para as Três Figueiras. Faz parte do negócio uma loja no 5ª Avenida Cen-
ter, que o Nery havia comprado pensando em ampliar seus negócios na região.
Mas em 1985, o Nery já pensava em vender a loja. Um empresário da região
de Lajeado se interessou pelo negócio, porém recuou ao ver na carteira de com-
pras da Nery&Beck o pedido “gigante” de camisas Lacoste. Como a tratativa já
estava formalizada, a desistência implicava pagamento de multa. O Nery declina
da multa, dizendo que não queria o dinheiro de alguém que não teve coragem
de fechar um negócio como aquele. Na verdade, usou uma expressão menos
elegante, porém não de todo estranha no ambiente dos negócios.
A participação do André nas lojas, além do frenesi de Natal, se deu pelo caminho
dos materiais para a construção, reforma e manutenção das quadras.
Em 1986, com a venda da Nery&Beck para o Velasco, a parte de materiais de
quadra ficou com a André Nery – FI, sob a marca Nery Tennis. Nessa época, o
André precisou ser emancipado para poder constituir essa empresa, que mante-
ve o endereço tradicional na Rua 24 de Outubro. Além disso, a bela fotografia
do catálogo da empresa já prenunciava outro talento do André que aprofunda-
ria por mais algum tempo seu vínculo como tênis.
O negócio dos materiais tinha uma dificuldade de escala. Como os materiais
eram quase todos feitos sob encomenda, muitas vezes para fornecedor indus-
trial, o lote econômico era inviável para o revendedor varejista. O André lem-
bra que, sob encomenda, a Gerdau produziu cinco toneladas de pregos para
quadras... cada quadra consumia cinco quilos de pregos... foi preciso pregar
muita fita no chão. As redes eram feitas a mão por renderias de São Leopol-
do, os postes em serralheria, e assim por diante. Passou a comprar as redes
em Santa Catarina. O fornecedor já envia as redes com as etiquetas e com os
reforços necessários. A introdução da fita plástica resolveu o problema de
corte da manta asfáltica, condenada por deixar em suspensão componentes
cancerígenos.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

Com a Era Guga, a construção de quadras dá uma disparada. Surgem clientes


em estados do nordeste. Alguns clubes gaúchos investem na reforma das suas
quadras. Surgem também oportunidades por conta dos jogos da Copa Davis
no Brasil.
Nessa época, ao lado da venda dos materiais, o André também fotografa o
tênis. Registra através das suas lentes a Copa Davis, a Copa Gerdau/Copesul, o
Campeonato Internacional Dado Bier de Veteranos, a Copa Ericson, o Desafio
da América, entre outros eventos.
Lembra que uma boa estratégia era fotografar os infanto-juvenis junto aos
ídolos e depois vender as fotos para os pais e mães da garotada.
Chegou a organizar mostras das suas fotos da Copa Davis, disputada em
Porto Alegre, no Shopping Praia de Belas, no Cristal Tennis Center e no Bado.
Aos poucos, a atividade fotográfica, que havia iniciado para atender ao pedido
de uma amiga arquiteta, vai enveredando definitivamente para esse mercado. E
o tênis parece que ficará definitivamente para trás. Fotografa as novas lojas da
Nery&Beck já localizadas nos shoppings. Em uma delas destacam-se em pri-
meiro plano uma camiseta do Barcelona e tacos de golfe. Uma pena!
Como tenista, o André praticamente abandonou o esporte. Nos anos 90,
como muitos, teve a febre do paddle. Viajava nas caravanas pelo estado. Por
volta de 2006, quando acreditava que o tênis havia saído de sua vida, seu filho
Gabriel começa a jogar. OK... de volta para a quadra. No começo joga com um
saque só... aos poucos precisa dos dois. Quando o guri começa a emparelhar
o jogo, o André utiliza expedientes que deixariam o dono do Muttley38 cons-
trangido. Pede para interromper o jogo no match point, alegando falta de luz
(depois de ter dispensado o funcionário que havia se oferecido para acender os
holofotes), ao virar de lado, esbarra no adversário como provocação, e um vasto
repertório de atitudes antidesportivas... conta aos risos.
Jogava com o Gabriel na quadra da Praça da Rua Morano Calabro, ali em Ipa-
nema e também no Clube Jangadeiros. Atualmente, o Gabriel treina junto com a
equipe do Juvenil e se prepara para encarar um college na Flórida, seguindo a tri-
lha tradicional da profissionalização para os tenistas brasileiros desde os anos 70.
Quando pergunto ao André sobre a continuidade do negócio, ele me conta
que nunca pensou em dar continuidade à Nery&Beck. Achava que não era sua
área e não tinha disposição para as idiossincrasias do comércio. A sazonalidade

38 Personagem da Corrida Maluca

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| Segundo Set |

do negócio também não encorajava e destaca que, no período de baixa, era a


tabacaria da rodoviária que segurava as pontas.
Antes de o Nery vender, ainda chegaram a discutir uma possível ampliação
e instalação de um paredão para testar raquetes e outras melhorias. No fim,
concretizou-se a venda.
A surpresa que a conversa com o André ainda reserva é o fato de que o Nery,
depois daquele sítio em Glorinha, ainda vai se aventurar no negócio de forneci-
mento de refeições. É o cabo do rancho, de novo.
O Nery começa a fornecer comida pronta para sets de filmagem e locações
externas. Se envolve com o meio cinematográfico. Leva o lanche, tem um res-
taurante que fornece as marmitas, faz churrascos no meio do mato... se a loca-
ção é de manhã cedo, chega as 5 da manhã e monta a mesa do café...
Compra uma van para fazer o abastecimento dos sets.
Com humor, o André lembra que o sonho do pai era ter um caminhão restau-
rante onde pudesse fazer tudo. O Nery já sonhava com o foodtruck.
Além disso, se tornou o queridinho das produções, nas quais, segundo o An-
dré, dois caras são importantes, o financeiro que faz os pagamentos e o cara
que traz a comida.
O Nery alimentou a cena do cinema gaúcho. Mesmo sem ser galã, colecionou
fotos com várias atrizes globais.
Com admiração, o André comenta que, mais uma vez, manifestou-se a capaci-
dade e a intensidade empreendedora do pai. Depois, aí sim, veio a aposentadoria.
Quando encerramos a entrevista, peço ao André que se lembre dos episó-
dios mais marcantes da sua relação com a Nery&Beck. Ele me conta que por
causa do frenesi de Natal, as comemorações na casa da Família Nery mais se
pareciam a um merecido descanso do que propriamente a ceia natalina. O
hábito era trabalharem até as 19h do dia 24 de dezembro.
O André também lembra e repete a história do Fusca azul calcinha na ida
a Salvador para buscar a tal máquina de encordoar raquetes. Ri ao comentar
que a máquina era uma encrenca. Vivia estragando. Era uma máquina sub-
dimensionada para a quantidade de serviço. Numa das tantas vezes em que
ela estragou, o André, que já fazia aulas de inglês na época, escreveu para o
fabricante nos Estados Unidos. Algumas semanas depois, recebe a carta de-
volvida, informando que, por não ser cadastrada nos arquivos da empresa, a
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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

Nery&Beck não pôde ser atendida. Segundo o André, o envelope sequer foi
aberto.
A manutenção daquela máquina sempre deu trabalho. Era uma correria atrás
de oficinas mecânicas que pudessem fazer os reparos, que pudessem fabricar as
peças para substituição.
No final da conversa, fico com a impressão de que surge uma das lembran-
ças mais queridas ao André. Ele me conta que, com certo senso de privilégio e
orgulho, usar o armário do avô na escada que descia para o vestiário do tênis lá
na Sogipa sempre teve um sentido especial. Na parte superior do armário, tipo
vitrine, ficavam alguns itens para venda. Coisas para primeiros socorros para
tenistas. Testeiras, munhequeiras, meias, viseiras e tubos de bolas. A parte de
baixo, fechada, era usada por ele para guardar suas coisas do tênis e do futebol.
Naqueles dias, seu avô fazia reparos à mão nos encordoamentos. Numa época
em que trocávamos duas ou três cordas apenas.

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Match Point

E sse projeto ficou encubado por uns dois anos. Ao reencontrar o Renato já
com a loja em Porto Alegre, resolvi tirá-lo do papel. Pedi para ele o telefone do
Nery e começamos a conversar. Fizemos a primeira reunião na sua loja.
Em termos do calendário tenístico, o projeto começou a tomar forma em
Roland Garros e está sendo finalizado na semana de Indian Wells e da Copa
Gerdau. O Murray já quebrou a maldição de Fred Perry, mas lembrem-se, ele
votou pela independência da Escócia.
Nesse período, mergulhei na história do tênis. Li trabalhos acadêmicos, traba-
lhos jornalísticos, anedotas e encontrei muita informação dispersa de diversos
sites interessantes. Acredito que esse livro pode ser o primeiro de uma coleção
de trabalhos que venham a recuperar e registrar a história do tênis gaúcho. Te-
mos muitos clubes, empresários, dirigentes e jogadores que “fizeram história”.
A distância entre a lembrança e o esquecimento pode ser medida por uma folha
de papel.
No plano pessoal e profissional, como historiador, a experiência em realizar
esta pesquisa, colher os depoimentos e depois ordená-los buscando uma or-
ganização orientada pelo processo econômico, tecnológico e sóciopolítico da
época representou a oportunidade de conectar a inocência alienada das quadras
de tênis com os acontecimentos do núcleo duro do materialismo e da política
na história.
Encerro este trabalho já tendo o próximo projeto alinhavado. Há muito mais
a ser contado; outros personagens a serem iluminados e reconhecidos pelo tan-
to que realizaram pelo tênis.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

Bibliografia

AGASSI, Andre. Open.  New York: Vintage books, 2010.


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COLLINS, Bud. The Bud Collins History of Tennis. Second Edition. Washington: New
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CONNORS, Jimmy. Minha vida dentro e fora das quadras. São Paulo: Benvirá, 2015.
DANZIG, Allison; SCHWED, Peter. The fireside book of tennis.  New York: Simon
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FEINSTEIN, John. Hard Courts – real life on the professional tennis tours. New York:
Villard Books, 1991.
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GANS, Magda Roswita. Presença teuta em Porto Alegre no século XIX (1850-1889).
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GILLMEISTER, Heiner.  Tennis – a cultural history. London: Leicester University
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HOFMEISTER FILHO, Carlos. Sogipa – 120 anos: doze décadas de história. Porto
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KIST, Cesar;LONGO, Elson. A quadra dos sonhos – histórias e conquistas do tênis
brasileiro. São Paulo: Phorte, 2009.
KUERTEN, Gustavo. Guga, um brasileiro. Rio de Janeiro: Sextante, 2014.
MELLO, João Manuel Cardoso; NOVAIS, Fernando A.Capitalismo tardio e sociabili-
dade brasileira. In: História da vida privada no Brasil. Vol. 4.  São Paulo: Cia das Letras,
1998.
PESAVENTO, Sandra J. Espaço, sociedade e cultura: o cotidiano da cidade de Porto
Alegre. In: República Velha (1889-1930). Tomo II, Volume 3. Coleção História Geral
do Rio Grande do Sul. Passo Fundo/RS: Méritos, 2007.
PHILLIPS, Caryl. The Right Set. A tennis anthology.  New York: Vintage Books, 1999.
SILVA, Haike Roselaine Kleber. Sogipa: Uma trajetória de 130 anos. Porto Alegre: Pa-
lotti,1997.
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cations, 2004.

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Santucci, Natália de Noronha www.snh2015.anpuh.org/resources/
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Mazo, Janice Z. e Cunha, Maria L.O. da. A criação dos clubs nas praças públicas da ci-
dade de Porto Alegre (1920-1940) in: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0101-32892010000200009 disponível em 22/09/2015.
www.tenisintegrado.com.br/perfil2/sobre/4301 disponível em 09/10/2015
www.ibge.gov.br em 25/11/2015
www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=783292 em 13/11/2015
www.gosen-eng.jp/eng/company/history.html disponível em 23/10/2015.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

Recordações
em fotografias

| 70 |
Diferentes etiquetas utilizados desde os tempos da thomaz koch;
acervo Família Nery.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

Recorte de tampa de caixa de bolas Mercur.


Acervo Nilo A. Beck.

Coleção das raquetes fabricadas pelo Bohrer.


Acervo João Bohrer.

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Beck e seus
companheiros de
tênis, na Sogipa.
Acervo Nilo A.
Beck.

Galeria de troféus
em homenagem ao
casal Luiza e Ernes-
to Petersen, orga-
nizada pelo Costa
Verde Tennis Clube,
Salvador/Bahia.
Foto cedida por
Agda Silva.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

O atleta Arnaldo
Pedro Beck.
Acervo Nilo
A.Beck.

Acervo Nilo A.
Beck Seu Beck e o neto André na lendária
viagem à Bahia em busca da máquina de
encordoar.
Acervo Família Nery.
| 74 |
A Nery&Beck Ltda.
na rodoviária de
Porto Alegre sob o
nome fantasia de
Tabacaria e Lancheria
Cacique. Em detalhe,
o Nery presente
em ambas as fotos.
Vendendo discos de
vinil na tabacaria e
certamente, pastéis
na lancheira;
Acervo Família Nery.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

Renatão no seu cantinho lá na N&B da 24; encordoando uma


Donnay na “famosa” máquina buscada na Bahia.
Acervo Renato Deckmann.

Renato trabalhando na sua oficina/atelier, em São Leopoldo;


acervo Renato Deckmann.
Foto de Beatriz Sallet, cordialmente enviada pela Mauricio
Ronaldo Tennis Services.

| 76 |
Após a venda da N&B
em 1986, a Nery Tennis
mantém a comercia-
lização de produtos e
serviços para a cons-
trução e manutenção
de quadras de tênis.
Acervo Família Nery.

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| NERY&BECK - Encordoando histórias do tênis |

Registros fotográficos
do André Nery.
Acima, o sempre
polêmico Marcelo Rios,
no Desafio da América
frente ao Guga. E ao
lado, Guga e Oncins
contra a Nova Zelândia.
Acervo Família Nery.

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Timeless heroes – André
Nery registrou os
grandes Thomaz Koch e
Guillermo Vilas em Porto
Alegre pelo Campeonato
Intl. Dado Bier de
Veteranos.
Acervo Família Nery.

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© Silvio Romero Martins Machado
Direitos reservados à Escritos Editora

1a edição, 2016

Editor: Ivete Keil


Arte da Capa: Maria Tomaselli
Projeto gráfico e diagramação: Marcelo Souza
Revisão ortográfica: Ivonir Coimbra

Catalogação na Fonte

M149N

Machado, Silvio Romero Martins

Nery&Beck : encordoando histórias do tênis / Silvio Romero


Martins Machado. – Porto Alegre: Escritos, 2016.

80 p.: 21 cm.

ISBN: 978-85-98334- 61-5

1. Tênis - Esporte. 2. Tênis – História Cultural. 3. Tênis (Esporte) no


Brasil. I. Título.

CDD 796.342
Bibliotecária Responsável
Ginamara de Oliveira Lima
CRB 10/1204

Escritos Editora
www.escritos.com.br
www.facebook.com/escritoseditora

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